Você está na página 1de 15

Dissociação e Associação: experiência e autoralidade

Talitha de Castro Mendonça Mesquita.


E-mail: talithamesquita@yahoo.com.br
PPG Artes – EBA – UFMG – Disciplina Isolada – 2016/I

Resumo

Este artigo traz uma reflexão pessoal, artística e acadêmica da autora, pautada em suas
experiências (BENJAMIN, 2012) na arte e na vida em diálogo com o referencial de
“experiência educativa de Klauss Vianna” (ALVARENGA, 2009), bem como na própria
narrativa de Klauss sobre seus princípios de trabalho (VIANNA, 1990). Relaciona-se ainda com
a ideia de Corporeidade (MERLEAY-PONTY, 1994), enquanto organização das percepções
acerca das experiências nos “entrelugares” do corpo (STRAZZACAPPA & MORANDI, 1996),
a qual, quando observada em estado de presença pode ser vista como caminho para o
delineamento de uma autoralidade que associa ideias dissociadas e as projeta em um “entre-
lugar” (SANTIAGO, 1978) expressivo/cênico.

1. Introdução:

Quando se fala da “experiência educativa”1 de Klauss Vianna, acredito ser


impossível para um artista-pesquisador contemporâneo da área de Artes Cênicas não refletir
sobre a própria experiência, sobre a própria vida em âmbito pessoal e profissional, e no que
desencadeou nossos questionamentos e desejos atuais. Comigo não foi diferente, o que me soou
instigante e ao mesmo tempo complexo e revelador. Minha arte-vida, aparentemente tão
fragmentada, dissociada em caminhos e escolhas feitas em momentos diversos, foi tomada por
mim com um olhar distanciado de modo a compreender como estes caminhos se cruzam,
associam-se e se permeiam nos “entrelugares”2 do meu corpo, em uma relação a qual é possível
de ser vivenciada por outros que conosco compartilham de um cotidiano criativo e educacional
em sua subjetividade. E esta era a grande preocupação de Klauss: que conheçamos nossa

1
(ALVARENGA, 2009)
2
(STRAZZACAPPA & MORANDI, 2006)
individualidade, nossas particularidades culturais e subjetivas, nossa própria “identidade
corporal”3.

Talvez por ser minha principal indagação momentânea esta busca de caminhos
que valorizem o que possa ser uma expressividade própria, relacionada à corporeidade4 do
indivíduo em sua totalidade, – o que vai além do domínio de linguagens e códigos estabelecidos
para suas relações socioculturais – , tenha sido tão latente em mim a autorreflexão e a tentativa
de compreensão do que me forma e ao mesmo tempo me inquieta e me leva à pesquisa e à
criação. Decidi então compartilhar uma tentativa de organização das minhas experiências,
muito longe da pretensão de querer transmitir algo que não é caminho delineado nem para mim,
mas sim enquanto uma narrativa5 que pode, em suas lacunas, calhar como parte de um
procedimento de autoconhecimento e investigação – primeiramente para mim enquanto artista-
pesquisadora, e, quiçá, um estímulo para outros colegas – , uma vez que permite que o
indivíduo, sujeito de suas experiências e organizador de suas percepções, forje diálogos entre
sua prática e alguns processos criativos e/ou metodológicos de pesquisa em arte.

Aqui então reflito, com base na ideia de “experiência educativa” de Klauss


Vianna, desenvolvida pelo Prof. Arnaldo Leite Alvarenga (2009)6 acerca de minha experiência
enquanto aluna, artista e professora de dança, a qual inevitavelmente dialogou, compartilhou e
se “contaminou” da minha formação individual extra-artística e de minhas vivências7 pessoais
cotidianas que englobam o dançar. Noção de experiência esta baseada nas reflexões de Walter
Benjamin8 e Klauss Vianna9, já interrrelacionadas na pesquisa do Professor Arnaldo. Ainda,
diante dos diálogos propostos por textos e discussões na disciplina “Experiência e Autoralidade
em Walter Benjamin e Klauss Vianna: caminhos” do Programa de Pós-graduação em Artes da
UFMG, busco aqui expressar o que entendo por autoralidade e meus anseios de encontrar
estímulos para a criação em Artes Cênicas que valorize esta autoralidade enquanto projeção
espacial das percepções que se entrecruzam no corpo do artista. Projeção que se faz em

3
(RODRIGUES, 1997)
4
(MERLEAU-PONTY, 1994)
5
Para Benjamin, a narrativa é o ato de transmitir a experiência (BENJAMIN, 2012, p. 213)
6
ALVARENGA, A. Klauss Vianna e o ensino da Dança: uma experiência educativa em movimento (1948 –
1990). Tese de doutorado. Belo Horizonte, FAE/UFMG, 2009.
7
Em “Sobre alguns temas para Baudelaire” (1989), Benjamin disserta sobre a vivência (Erlebnis) como um tipo
particular de experiência que se define por se formar a partir de “dados isolados” (Ver Benjamin, 1989, p. 105).
8
Em “Sobre alguns temas para Baudelaire” (1989), Benjamin disserta sobre a experiência (Erfahrung) distinta da
vivência, “formada por dados acumulados, e com frequência inconscientes, que afluem à memória”
(BENJAMIN, 1989, p. 105).
9
VIANNA, K. e CARVALHO, M. A. A Dança. São Paulo: Summus, 2005. ed. 7
movimento deste corpo em sua totalidade (GIL, 2005), sendo as formas ou linguagens cênicas
desencadeadas pelas necessidades expressivas e não previamente escolhidas.

Relaciono então a estas ideias conceitos que pesquiso e que me auxiliam a


organizar, no momento, o princípio de uma investigação sobre a expressividade individual, os
quais dizem respeito aos “entrelugares” do corpo e os “entre-lugares” da Cena. O primeiro se
refere à corporeidade10, à organização das percepções pelo corpo, em um fluxo entre exterior e
interior, cuja fronteira destes “entrelugares” é a pele. O segundo faz referência às relações
disciplinares entre áreas de conhecimento e disciplinas que podem ser de uma mesma área, as
quais se apresentam projetadas como expressividade do corpo pós-disciplinar11, ou seja, sem
fronteiras limítrofes de colaboração, mas em uma transgressão que dilui as ideias de lugar, de
submissão ou de estrutura. Ambos dizem respeito a um corpo que, permeado pelas experiências
individuais artísticas e cotidianas, organiza suas percepções de mundo em linguagem cênica
pela espontaneidade, pela autoralidade e pela performatividade12.

2. Experiência e incertezas: a dissociação na compreensão de meu encontro com a


Dança e com Klauss Vianna

No interior de Minas Gerais, fui criada, paradoxalmente livre, pelo


conservadorismo de uma família católica que ditava regras mas ao mesmo tempo me permitia
experienciar solos, paisagens e aromas diversos: do gramado e chão batido ao mármore; do café
coado e do esterco dos animais ao incenso das procissões; das montanhas onde eu corria a
cavalo solitariamente à multidão em romaria para adoração de um beato conterrâneo. Assim foi
minha dança durante minha infância e adolescência: paradoxalmente livre e conservadora.

Minha relação com meu corpo também se deu desta forma paradoxal. Ao mesmo
tempo em que me era incrustado um pudor tradicional às meninas, era-me permitido andar
descalça, jogar bola na rua e brincar com os carrinhos do meu irmão. Não havia uma
preocupação com a expressividade, mas com um treinamento que levaria à “saúde” pelo

10
Com base na ideia de Corporeidade de Merleau-Ponty (1994), aqui entenderemos esta como a organização
corpórea das percepções acerca das experiências.
11
A pós-disciplinaridade, termo que advém dos Estudos Culturais, dialoga com o pensamento pós-estruturalista,
faz alusão àquilo que, a partir de uma relação inter/transdisciplinar, transgrida a noção de disciplina a partir do
descentramento e da desconstrução destas forças disciplinares. A pós-disciplinaridade, segundo Marcos Aurélio
Santos Souza (2007, p.2), é uma das principais características do entre-lugar, uma vez que ele não nega, mas
representa um produto da diluição das estruturas disciplinares.
12
(FÉRAL, 2008)
esporte, que meu pai sempre valorizou. Isso estava em minha educação de forma paralela à
formação cognitiva, sem se relacionar diretamente com ela. Apesar da criação conservadora,
nunca me foi imposto que, por ser menina, deveria dançar e me disciplinar por uma técnica, o
que era muito comum às meninas da minha geração.

Mas minha relação com a arte sempre foi intensa, mesmo que inicialmente
“instintiva”. Sendo avó, tia e mãe educadoras, aprendi a ler cedo, e dentre minhas “brincadeiras”
preferidas estavam a leitura e os livros de figuras, e posteriormente a escrita de poemas infantis
e desenhos, veículos que encontrei para minha expressividade. Comecei a estudar música
influenciada por uma prima. Tocava piano clássico, mas meu corpo todo sentia necessidade de
se mexer diante de algumas canções e, após algumas tentativas que não me estimularam a
princípio, fui para uma aula de “lambada”, ritmo da moda naquele momento, por influência de
colegas de sala, que no semestre seguinte abandonaram a aula. Para mim foi um encontro. Eu
nunca mais deixei a dança. Do modismo da lambada fui para as aulas de Jazz infantil, e aos 9
anos de idade no Balé Clássico.

A formação na técnica clássica que tive, além de tradicional, possuía seus limites
por ser feita em uma escola do interior do estado. Acredito que aí esteja um outro paradoxo.
Pois, ao mesmo tempo que eu seguia uma repetição de práticas que se baseavam em cópias de
discursos prévios, a limitação da informação e de recursos da escola fazia com que minha
mestra, dedicada e amorosa, buscasse estímulos para manter as aulas atraentes e lúdicas, e os
alunos fiéis (e isso foi o que ela mesma me disse anos depois). Misturava linguagens, estilos de
dança diversos e incorporava temáticas das mais variadas possíveis às aulas. E embora eu saiba
que mais adiante, ando queríamos avanças nos estudos, esta limitação acabava por prejudicar
de alguma forma um desenvolvimento técnico, reconheço que, intencionalmente ou não, foi
uma prática que permitiu a nós enquanto crianças experimentarmos outras possibilidades
corporais e a criatividade.

Talvez por isso, e por não me encaixar nos estereótipos de bailarinas clássicas,
não pensava em me profissionalizar. Queria experimentar as diversas possibilidades de dançar,
por curiosidade, mesmo que ainda de uma forma compartimentada, aparentemente dissociada
em técnicas e estilos. O “improviso” da minha primeira professora de balé me levou ao interesse
de conhecer mais do Jazz Dance que eu já praticava, além do sapateado americano e, já na
adolescência, da Dança do Ventre. Mas não via relações estre estas linguagens. Eram
professoras diferentes, ritmos diferentes, modos de “estar em cena” dissociados naquele meu
ver ainda despretensioso e quase infantil.
Até que uma outra mestra cruzou meu caminho, já com uma visão mais
acadêmica de dança e um pensamento mais contemporâneo do corpo, e me abriu para novas
percepções corpóreas. Eu, que já estudava Jornalismo na época e ensinava dança para crianças
me vi diante de um mundo aberto a possibilidades expressivas de corpos diversos, como o meu
corpo que aparentemente não se encaixava na padronização do que seria Dança, a qual me foi
mostrada durante toda a vida. Foi esta mestra que me apresentou o livro “A Dança”, único
registro da grandiosa contribuição às artes do corpo deixada Klauss Vianna, e tornou de meu
conhecimento a existência de uma graduação superior em Dança.

Quando li no livro de Klauss sobre o professor de dança “é um parteiro, ele tira


do aluno o que este tem para dar”13, entendi o que esta mestra falava sobre a aceitação e
valorização de nossos corpos e de nossa própria dança. Sobretudo, entendi sua tentativa de fazer
com que, mais que repetíssemos ou “decorássemos passos”, que “buscássemos nossos
caminhos próprios” para realizarmos determinados movimentos, como já dizia o próprio
Klauss. Não sei se minha mestra alcançou seus objetivos naquele momento, até pela nossa
pouca idade e pelos princípios de dança mais tradicionais ainda incrustados. Mas sei que, ainda
sem saber como seria a realização daquilo tudo lido e ouvido, eu pensei: “é isso”! Tranquei a
faculdade de Jornalismo e prestei vestibular para Dança ainda no mesmo ano. Meus pais ainda
não sabiam o que isso significava, mas apoiaram.

Passei no vestibular na Universidade Federal de Viçosa, e ingressei na primeira


turma de licenciatura e bacharelado em Dança, no ano de 2002. O momento ainda era bem
“confuso” para o curso, para a Dança e, principalmente, para mim. Viçosa não é próxima a
nenhum grande centro. E embora possua estúdios de danças bem mais estruturados que os da
minha cidade natal, o que existia até então enquanto ensino e criação, era muito pautado em
modelos técnicos e educacionais tradicionais. Mesmo o que se chamava de Dança
Contemporânea ainda era algo pautado não apenas nas formas clássicas, mas na cópia destas
formas. E na universidade, embora tivessem tentativas de apresentação de outras linguagens e
metodologias, ainda não era muito diferente.

Acredito que isso se deva a alguns fatores: o primeiro seria o próprio momento
pelo qual a dança brasileira passava de um modo geral, ainda se a brindo a concepções pós-
modernas de dança e a um pensamento contemporâneo sobre o corpo, os quais já pulsavam há
alguns anos nas poucas graduações em dança já existentes no país; outro seria a própria

13
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.34)
estruturação inicial de um curso de graduação da área de artes, com verbas restritas, ausência
de espaço físico e de número professores suficientes para suprirem as cadeiras das disciplinas
e realizarem projetos com os alunos do curso; e, por fim, nossa imaturidade e resistência,
inerentes à maior parte dos ingressantes naquela turma até mesmo pela pouca idade, e por ainda
termos, em nossa maioria, o contato simplório com o que ainda era mais popularmente
difundido sobre dança e corpo no interior do Brasil no fim do século passado – técnicas, estilos
e formas já codificados, e o dualismo físico-expressivo14. Concordo com Klauss Vianna que “o
homem é síntese do universo”15.

Foram, deste modo, anos de dúvidas e questionamentos, medos e descobertas os


quais, mesmo com estas dificuldades de um curso e momento relativamente novos (para a
Dança interiorana e para nós) nos abriram para novas possibilidades criativas, possibilidades
relacionais e educacionais. E, certamente, foram com estes questionamentos que se iniciaram
minhas inquietações enquanto pesquisadora, pois é “do conflito que surge o movimento. No
corpo, na casa na vida” 16. Interessei-me não apenas pela Dança, mas pelo diálogo desta com o
Teatro ao longo do tempo e na atualidade, e pelas relações disciplinares entre linguagens
artísticas na cena.

A princípio, esta foi uma reflexão teórica acerca das relações do artista e da obra
com os elementos cênicos ao longo das décadas. Mas após me formar, mudei-me para Campinas
a trabalho, onde tive a oportunidade de continuar também os estudos como aluna especial da
pós-graduação em Artes da Unicamp, e o confronto entre minhas experiências de até então com
as novas experiências artísticas na universidade e em grupos de dança dos quais participei me
fizeram perceber que tudo isso diz respeito a uma forma de fazer arte que valoriza o corpo do
artista e suas relações com o espaço e com o outro muito mais do que a definições de disciplinas
artísticas – e inevitavelmente este olhar pós-moderno sobre a criação artística teve influência
de Klauss Vianna, uma vez que meus professores na Unicamp tiveram, de algum modo contato
com Klauss, seja como alunos, seja como colegas ou contemporâneos de profissão.

14
O pensamento dualista, característica do pensamento cartesiano, propõe a ideia de que corpo e mente são
substâncias distintas em suas atividades e funções. A ideia aparece na filosofia ocidental já nos escritos de Platão,
e de Aristóteles, que afirmam, por diferentes razões, que a inteligência do Homem não pode ser assimilada ao
seu corpo, nem entendida como uma realidade física. Porém com a assimilação do espírito, enquanto substância
imaterial, à mente por René Descartes, é que se formulou a problemática corpo-espírito do que foi reconhecido
como Dualismo pelo pensamento moderno.
15
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.117)
16
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.93)
Já lecionando na educação básica formal e cursando uma especialização em Arte
e Educação, revisitei o livro “A Dança” pela quarta ou quinta vez no ano de 2010. Para mim,
eu estava “desempenhando um outro papel”, vivenciando uma nova experiência e com um outro
foco de pesquisa: a educação em arte, e não mais a concepção de espetáculos. Porém, como cita
Alvarenga (2009),

para Benjamin, a ideia de experiência é trabalhada em paralelo com a ideia de


narrativa; para ele, é na substância viva da experiência que reside a fonte e a
possibilidade da narrativa, uma vez que, ao se (re)elaborar no presente o que se
constituiu como experiência no passado, estrutura-se, para tanto, uma narrativa sobre
o vivido 17 ,

o que nos permite acessar narrativas anteriores, “reminiscentes”18, na associação


e construção de uma experiência no momento presente.

Meu trabalho final do curso, portanto, dialogava com minhas “reminiscências”


não apenas educativas, mas artísticas que a Dança me proporcionou fora e dentro da escola.
Enquanto educadora que tinha como ferramenta uma prática corporal, havia em mim uma
preocupação com a autonomia dos corpos dos alunos na aprendizagem, ao mesmo tempo em
que questionava os papéis comuns até então remetidos à dança nas escolas. Quis, assim, discutir
em minha pesquisa, o papel da coreografia no ambiente escolar, que era mais comumente
ilustração de datas comemorativas, mas que poderia ser um exercício criativo-pedagógico se
trabalhadas as individualidades e potencialidades de cada aluno. Inevitável não recorrer aí à
narrativa de Klauss Vianna. E nessa perspectiva de minha pesquisa, busquei trabalhar naquele
momento na escola que lecionava em Campinas, e posteriormente na instituição onde coordenei
atividades artísticas e culturais em Belo Horizonte.

Porém, neste momento já haviam surgido em meu corpo reflexos de um


aprendizado técnico onde tensões e esforços desnecessários foram despendidos, e limites
ultrapassados em desrespeito às dores. E após me reabilitar de algumas lesões e me condicionar
fisicamente por meio do Pilates para preveni-las por anos, decidi que me aprofundaria nesta
técnica. Concluí a formação em Pilates Studio no ano de 2012, o que me trouxe um olhar sobre
meu corpo e sobre o corpo do outro muito revelador e esclarecedor. Como técnica somática, o
Pilates, me trouxe a compreensão de mecanismos corporais estruturais, cognitivos e psíquicos
que até então eu compreendia superficialmente. E claro que a Dança, e seu potencial de

17
(ALVARENGA, 2009, p.21)
18
(BENJAMIN, 2012, p. 233)
desenvolvimento de uma consciência corporal – isto é, das capacidades de descoberta, criação
e ensino de movimentos – , auxiliou-me neste processo.

Foi então que me vi em minhas aulas de Pilates, nas quais já utilizamos muito
de metáforas e imagens19 para facilitar a compreensão dos alunos, falando também de
“espirais”, “direções ósseas”, “oposições”, “espaços articulares”. No meu corpo, alguns
conhecimentos não mais se dissociavam, mas livremente me traziam associações entre
princípios de movimento da dança e de práticas corporais, herdados, dentre outros referenciais,
de Klauss Vianna. E isso ocorria involuntariamente, tanto que só fui pensar sobre esta
associação e apropriação de termos mais recentemente, quando revisitei Klauss.

Tenho para mim, então, que Klauss Vianna é mais que uma referência técnica,
mas um “discurso instaurado”20, reminiscente nos trabalhos e falas de grande parte dos artistas
cênicos de nossa geração, tendo eles tido acesso diretamente ou não ao livro ou aos discípulos
de Klauss. É uma narrativa que se transmite por relatos e práticas, e que permite sua relação
com trabalhos corporais diversos, talvez por ser algo inacabado21 – como mencionado no
capítulo introdutório do livro “A Dança”– , isto é, como toda narrativa, apresenta lacunas para
interpretações e complementações subjetivas.

Muitas vezes acabamos incorporando, “reinventando” e “reutilizando” estes


discursos já tão inerentes à nossa prática sem nos darmos conta da referência direta ao autor.
Ou por vezes nos utilizamos de discursos quase análogos, sem mostrarmos diretamente ou
mencionarmos explicitamente esta analogia, mas que quando revisitados sob o olhar de um
estudo que tem Klauss Vianna como referência, é impossível não encontrar pontos comuns.

Como aconteceu em minha dissertação de mestrado, defendida no ano passado


(2015). Meus referenciais teóricos foram outros, que a princípio diziam respeito às relações
disciplinares entre Dança e Teatro que ocorriam na cena, no espetáculo já em seu formato de
apresentação. Portanto não recorri diretamente a Klauss Vianna. Busquei desenvolver a ideia
de “entre-lugar22 cênico”, por meio de uma abordagem das relações entre as artes cênicas Dança
e Teatro no espetáculo “Coreografia de Cordel” (2002) da Cia. de Dança do Palácio das Artes,
refletir sobre disciplinas que sempre andaram lado a lado e colaboraram entre si ao longo de

19
(FRANKLIN, 1996 e 1996)
20
(FOUCAULT, 2006, p. 22)
21
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.9)
22
(SANTIAGO, 1978 apud. MESQUITA, 2015)
suas existências, e que na contemporaneidade podem se relacionar de forma ainda mais intensa,
permeando-se e diluindo as fronteiras entre elas existentes.

Klauss foi citado brevemente quando dissertei sobre a pós-modernidade da


Dança no Brasil e uma concepção somática do corpo, porém, quando se pensa todo o trabalho
dele tanto na Dança quanto no Teatro brasileiro, e toda a influência que um destes campos tinha
sobre o outro quando se encontravam em Klauss, a relação corpo-arte-vida no artista é evidente.
Disse Vianna (1990), p. 33:

Meu trabalho com os atores modificava minhas aulas com os bailarinos no dia
seguinte. Ao mesmo tempo, essas aulas influenciavam a coreografia que faria para o
teatro mais tarde. O teatro a noite, modificava a Dança de dia. E tudo se juntava numa
coisa só (...) 23.

Vejo esta afirmação de Klauss, especificamente e isoladamente, não como algo


que diga respeito ainda a uma pós-disciplinaridade cênica, presumida pela fluidez dos
espetáculos que apresentam um “entre-lugar” de linguagens cênicas. Mas certamente, diz
respeito aos “entrelugares” 24
do corpo, do seu corpo que, enquanto artista-sujeito, vivencia
experiências diversas, percebe-as e organiza as percepções sobre elas, de modo a acioná-las,
inevitavelmente, mesmo que em situações aparentemente diversas.

Porém, quando ele diz que, desde que trabalhou desta forma, com Teatro e Dança
simultaneamente, e que observou a influência de um trabalho sobre outro, passou a olhar para
a arte “sem preconceitos”25, vejo o impulso para o que, ao meu ver, de mais valioso Klauss
Vianna desenvolveu: a possibilidade de todos os corpos se autoconhecerem e criarem,
independentedemente de uma linguagem artística e, muito menos, de uma técnica específica.

Relaciono, deste modo, minha pesquisa a princípios corporais de Klauss Vianna,


sua “experiência educativa” que valorizou a individualidade, o movimento pessoal, a
criatividade, bem como relaciono a ideia de experiência à minha corporeidade no tempo-espaço
do momento presente, e minhas experiências anteriores em um “entrelugar” que se projeta em
meus anseios atuais – o que em algum momento parecia ser, embora uma possibilidade, distante
e muito pessoal.

23
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.33)
24
(STRAZZACAPPA & MORANDI, 2006)
25
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.33)
.

3. Dissociar para associar: a experiência vivida e refletida enquanto ferramenta


metodológica de pesquisa e criação em arte
Passei um tempo de minha vida tentando compreender e estabelecer relações
entre minhas escolhas e aparentes “mudanças de direção”. Hoje percebo que, embora com as
particularidades de cada papel, a Talitha aluna, artista, professora e pesquisadora têm muito em
comum. Não apenas por serem um mesmo sujeito, mas por reconhecer em minha corporeidade
o entrecruzamento destas experiências influenciando-se mutuamente e delineando o caminho
para minhas inquietações atuais.
Meu corpo, com todo o seu paradoxo de contenção e permissividade, carrega a
organização das percepções de minha experiência, o que coloca minha corporeidade em um
lugar atravessado pelo desejo da multiplicidade. E se a minha própria dança é múltipla de
sentidos e linguagens em mim mesma, como não serem múltiplas e individuais as danças de
sujeitos diversos?
Srazzacappa & Morandi (2006) consideram o corpo como o “entrelugar” entre
as manifestações de um contexto social, cognitivo e sensível. São estes “entrelugares” também
associados “aos desvãos, aos esconderijos onde o inexplicável, poeticamente, também se faz
presente” (STRAZZACAPPA & MORANDI, 2006, p. 1). São eles a corporeidade do artista-
docente, a qual não se dissocia também da corporeidade deste enquanto sujeito e criador.
São nestes “entrelugares” que as narrativas que nos afetaram e as experiências
de momentos diversos da vida se encontram e se permeiam rizomaticamente, e se projetam em
nossas atitudes, seja qual for o foco do trabalho. Foi assim com Klauss Vianna, quando suas
aulas de dança afetavam as de teatro, as de teatro afetavam as aulas de dança, e ambas tinham
influência em suas criações. É assim com todos nós, em nosso cotidiano de criação, pesquisa e
docência, mesmo que não percebamos momentaneamente. “Tudo o que acontece no Universo
acontece comigo e com cada célula do meu corpo” (VIANNA, 1990, p. 101). E o próprio “ato
de escrever”, enquanto organização dos pensamentos, das percepções, também expressão do
corpo26, assim como a fala ou a escuta performativas.
Percebi estas projeções de percepções acontecendo comigo nos questionamentos
na universidade ou, quando, pesquisando relações entre linguagens artísticas, pesquisava na
verdade possibilidades de o corpo criar em arte sem a necessidade de fronteiras, com o devido
entendimento das particularidades de cada subárea artística. Aconteceram quando, já

26
(GIL, 2005, p. 49)
educadora, questionei o lugar da coreografia enquanto criação, que poderia propiciar autonomia
corporal e a autoralidade dos alunos, com base em suas próprias corporeidades. E, mais
recentemente, aconteceram quando, observando na atualidade a diluição de fronteiras
disciplinares entre artes cênicas em alguns trabalhos de dança, quis refletir sobre o que nos
atravessa enquanto percepção de realidade e como isso pode se tornar uma cena autoral sem
definições prévias de linguagens.
E é assim que no momento, não me vendo mais dissociada se pesquisadora ou
artista, observo este acontecer por meio de uma inquietação na busca de compreender e delinear
mecanismos práticos que possam propiciar uma expressividade individual, sem preconceitos
ou pré-estabelecimentos técnicos ou de linguagens, mas que permitam que o indivíduo tenha
no reconhecimento sua corporeidade o caminho para a realização do movimento autoral. É um
questionamento sobre modos de fazer, ciente de que nossa subjetividade se constrói
constantemente pela forma como organizamos as percepções destes afetos. E é ela que o corpo
“subjétil”27 do artista expressa como autoralidade.
Não é possível haver autoralidade sem subjetividade, assim como acredito que
nenhuma autoria se faz em tábula rasa. Todo artista-pesquisador, como todo ser humano, possui
referenciais narrativos e vivências pessoais – o que no caso do artista também engloba vivências
técnicas – as quais vão influenciar sua experiência de criação. Porém é a subjetividade que dá
à expressividade a característica de ser projeção do individual, uma vez que permite ao artista-
sujeito organizar suas percepções e suas escolhas expressivas de linguagem com propriedade
original.
Penso que a reflexão sobre a própria experiência, em forma de narrativa, possa
ser importante instrumento metodológico nas pesquisas em arte, principalmente aquelas que
possuem caráter prático, uma vez que permite ao artista-pesquisador um distanciamento da
própria corporeidade, e uma compreensão dissociada que auxilia na associação de ideias. É
como se olhasse a própria vida e o próprio trabalho do seu exterior, mas em diálogo com seu
interior pela subjetividade. E este olhar só é possível quando se olha também, e sobretudo, para
o outro, para o espaço ao redor e para quem o ocupa. Olhar o outro é enxergar nós mesmos a
distância.
O outro nos estimula a autorreflexão, e por ela é possível organizar as
percepções, compreender o que parecia incompreensível e encontrar associações perceptíveis

27
Renato Ferracini propõe a ideia de um corpo-sujeito que, em criação, projeta no espaço uma percepção maior,
formada por micropercepções (MERLEAU-PONTY, 1994), fazendo a analogia a um projétil na terminologia
“corpo-subjetil” (sujeito projétil). (FERRACINI, 2007)
apenas por meio deste mergulho distante e profundo na própria existência. Associações estas
que são importantes tanto na descoberta de caminhos para questões do cotidiano, quanto nos
processos criativos, principalmente aqueles que têm como foco a pesquisa e criação pautadas
em uma expressividade própria, pessoal, na autoralidade.

4. Associação: esboços sobre expressividade e autoralidade – dos “entrelugares” do


corpo para os “entre-lugares” da cena
Vejo no olhar para a ideia de “experiência educativa”28, enquanto percepções
organizadas o corpo de Klauss, o caminho para a autoralidade, a qual compreendo em dança
como um ser autor que, antes de escolhas de códigos ou linguagens, preza pela subjetividade e
pela expressividade espontânea. Dialoga com a performatividade das artes cênicas
contemporâneas, com os modos de ser e estar de um corpo no momento presente, ou,
artisticamente, no modo de “ser, fazer e mostrar o fazer” do artista29 e/ou do pesquisador da
arte. E para Klauss a dança é este modo de existir, que é, como a natureza humana, heterogêneo
e diverso.
O artista-autor-pesquisador – de fisicalidades ou do movimento reflexivo da
escrita – , comparado ao narrador de Walter Benjamin30,

vai de encontro ao ouvinte com todos os seus meios expressivos e os orquestra da


forma mais precisa e natural (...). Contar uma história (...) é um gesto de corpo inteiro
que busca alcançar a comunidade, (...) utilizar seu corpo como transmissão (LIMA e
BATISTA, 2013, p. 467, ).

É este artista-pesquisador então, artesão de sua expressividade, como é o


narrador de sua narrativa. Ambos imprimem sua marca em sua obra, “como a mão do oleiro na
argila do vaso”31. E no caso do trabalho autoral, a corporeidade toda é impressa e apresentada
como um movimento total do corpo expressivo.
Por isso é tão importante o processo criativo nas pesquisas e nos trabalhos
contemporâneos, o qual muitas vezes é apresentado, de certa forma, em cena ou na apresentação
“final”. Na verdade, “(...) mais importante que o desfecho, é o processo em si (...) rico caminho
a ser percorrido”32, pois nele podemos vivenciar nossas dúvidas, nossas descobertas, nossas

28
(ALVARENGA, 2009)
29
(FÉRAL, 2008, p. 200)
30
(LIMA e BATISTA, 2013, p. 467)
31
(BENJAMIN, 2012, p. 219)
32
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.100)
experimentações. Ele é artesania. É por si só experiência, e é o que fica de reminiscência33
enquanto aprendizado para o aluno ou para o artista-pesquisador. É nos processos que
refletimos sobre a feitura, dissociamos e associamos experiências. E dissociar é preciso para a
compreensão, da arte e da vida. “A dissociação torna-se útil para a associação”34.
Dissociar permite vivenciar particularidades de linguagens, permite olhar com
distanciamento, permite conhecer o corpo inteiramente. Dissociar é criar espaços para relações
que se estabelecem espontaneamente na artesania do processos investigativo e criativo. E os
espaços deixam fluir estas relações, as associações, as ideias não preconceituosas. Deixam
aberturas para interpretações e prolongamentos das percepções corporais. O artista-pesquisador
contemporâneo, atue ele na investigação de movimentos ou de dados conceituais, procura na
dissociação encontrar caminhos para associações que não pretendem ser verdades absolutas,
mas, nas frestas e vãos de sua obra, permitir fluir o movimento do universo.
E os espaços, também vistos como inacabamentos, são lacunas para
apropriações, interpretações, variações. O inacabamento de Klauss é um inacabamento
narrativo de uma experiência, que o fez compreendido como “experiência educativa” por
Alvarenga (2009), e é um mesmo inacabamento que certas obras contemporâneas apresentam
hoje, oferecendo-nos lacunas para a fruição individual. É o inacabamento performativo de estar
sempre em processo de (re)criação cênica, pelo artista e/ou pelo espectador, pelo indivíduo. É
o inacabamento do corpo vivo e expressivo, em constante experiência no mundo e na arte.
Compreendo-me melhor observando corporeidades (minha e do outro),
refletindo sobre elas com base em um referencial que é sólido e dotado de todo o sentido para
mim. Klauss Vianna não propõe um trajeto fechado, mas com certeza suas proposições são
caminhos para o encontro com o que há de mais verdadeiro em nós. E isso é extremamente
revelador e estimulador da compreensão de nosso fazer artístico, a cena e na academia, na pós-
modernidade. É na busca da criação de espaços em nós mesmos e pela reflexão sobre o humano,
que encontramos caminhos para o conhecimento profundo de nossas práticas. Dissociar para
associar: na pesquisa, na arte e na vida.

33
(BENJAMIN, 2012, p. 233)
34
(VIANNA e CARVALHO, 2005, p.137)
5. Referências Bibliográficas

ALVARENGA, Arnaldo. Klauss Vianna e o ensino da Dança: uma experiência educativa


em movimento (1948 – 1990). Tese de doutorado. Belo Horizonte, FAE/UFMG, 2009.
BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza. In: Magia e técnica, arte e política. Obras
Escolhidas vol 1. ed. 8. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 123
_________ . O Narrador. In: Magia e Técnica, Arte e Política: obras escolhidas. vol 1. ed. 8.
São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 213.
_________ . Sobre o conceito de História. In: Magia e Técnica, Arte e Política: Obras
Escolhidas vol.1. ed 8. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 241
_________ . Sobre alguns temas em Baudelaire. In: Charles Baudelaire: um lírico no auge
do capitalismo, Obras Escolhidas vol.3. São Paulo: Brasiliense, 1989.

FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. São Paulo:
Revista Sala Preta, n. 8, ECA/USP, 2008, p. 197-209. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57370/60352>. Acesso em:
junho/2016.
FERRACINI, Renato. O corpo-subjétil e as micropercepções - um espaço tempo
elementar. In: MEDEIROS, M.B.; MONTEIRO, M. E. M.; MATSUMOTO, R. K. (Org.).
Tempo e performance. Brasília, Editora da Pós-Graduação em Arte da Universidade de
Brasília, 2007.
FOULCAULT, Michel. O que é um autor. Lisboa: Veja, 2006

FRANKLIN, Eric. Dynamic Alignment Through Imagery. Champaign USA: Human


Kinetics, 1996.
______________ . Dance Imagery for Technique and Performance. Champaign, USA:
Human Kinetics, 1996.
GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. Lisboa: Illuminuras, 2005.
LIMA, João Gabriel e BAPTISTA, Luis Antonio. Itinerário do conceito e Experiência na
Obra de Walter Benjamin. Natal: Princípios Revista de Filosofia, 2013. v. 20. n. 33. p.
489.
MESQUITA, Talitha. O entre-lugar das artes cênicas no espetáculo “Coreografia de
Cordel” da Cia. de Dança do Palácio das Artes. Dissertação de mestrado. Belo
Horizonte: EBA/UFMG, 2015.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1994.

RODRIGUES, Graziela Estela Fonseca. Bailarino-Pesquisador-Intérprete: processos de


formação. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. São Paulo: Perspectiva, 1978.
SOUZA. Marcos Aurélio Santos. O Entre-Lugar e os Estudos Culturais. Cascavel: Revista
travessias, Unioeste. 2007. Disponível em:
http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_001/cultura/O%20E
NTRE%20LUGAR%20E%20OS%20ESTUDOS%20CULTURAIS.pdf. Acesso em:
junho/2016.

STRAZZACAPPA, Márcia; ALBANO, Ana Angélica; AYOUB, Eliana. Apresentação. Pro-


Campinas: Unicamp, Proposições, v. 21, n. 2, 2010.

______________________ & MORANDI, Carla. Entre a arte e a docência – a formação do


artista da Dança. Papirus, 2006.

VIANNA, Klauss. A Dança. São Paulo: Summus, 2005.

Você também pode gostar