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Maria Martha Costa Hübner
Universidade de São Paulo
Resumo
O presente artigo didático descreve a trajetória da área de controle de estímulos até a proposição do
paradigma de equivalência, definindo e encadeando os principais conceitos envolvidos e suas
implicações à compreensão crescente de processos comportamentais complexos, tais como o
aprendizado do comportamento verbal, da noção de "significado" e dos comportamentos
simbólicos, em geral. Apresenta a lógica dos primeiros experimentos de Sidman, indicando o
caminho indutivo e cuidadoso do autor até chegar à proposição do paradigma de equivalência e
aponta as implicações educacionais do modelo (economia no ensino, procedimentos para ensino
de leitura, escrita e comportamento matemático), bem como novos estudos na área que prometem
implicações para o contexto clínico.
Abstract
The present didactic paper describes the path of the stimulus control area until the proposition of
the equivalence paradigm, defining and linking together the main concepts involved an its
implications to the growing comprehension of complex behavioral processes such as verbal
behavior learning , the notion of meaning and symbolic behavior in general. It presents the logic of
Sidman´s first experiments, showing the inductive and careful way of the author until the point of
presenting the equivalence paradigm and points the educational implications of the model
(teaching economy, teaching procedures to reading, writing and mathematics behavior), as well
as new studies of the area that promises implications to the clinic context.
Key- words: stimulus control; equivalence relations; simple and conditional discrimination
1
Texto elaborado durante a prova escrita do Concurso Público, realizado na Universidade de São Paulo em 11 de junho de 2003, para
uma vaga de Professor Doutor junto ao Departamento de Psicologia Experimental
2
A revisão e re-eleboração do presente artigo contou com o apoio do projeto FAPESP/PRONEX 2003/09928-4, processo 479436/2003-7.
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E-mail: martha@hubner.org.br.
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portanto, que denominemos os estímulos com de estímulos estabelecido pelo tom de 1000
numerações , como S1, S2, S3, S4 ... Mas a área de ciclos/seg. Um gradiente "achatado".
pesquisa em Controle de Estímulos perma- Para o grupo com treino diferencial, obtive-
nece empregando a notação "S " e "S? ", apesar
d
ram-se curvas que demonstraram o estabele-
da pertinente observação da autora. cimento do controle de estímulos pelo tom de
Um dos experimentos clássicos da área aqui 1000 ciclos/segundo.
descrita é o de Jenkins & Harrison (1974), que Com este experimento, os processos de Discri-
se constituiu numa demonstração inequívoca minação e de Generalização foram claramente
de controle experimental de estímulo sonoro, demonstrados.
após treino com reforçamento diferencial. Note-se que no processo de generalização, o
Os sujeitos experimentais eram oito pombos, indivíduo demonstra o controle de estímulos
que foram submetidos a um procedimento de em situação de teste, ou seja, em que respostas
modelagem do comportamento de bicar um não são seguidas de reforçamento. Se o orga-
disco, em esquema de intervalo variável de nismo responder diferencialmente ao estí-
quatro segundos (VI 4"). mulo discriminativo empregado no treino e
Após a modelagem, três dos pombos foram gradativamente menos a estímulos menos
submetidos a um treino não diferencial, ou se- "próximos", topográfica e fisicamente falando
ja, diante de um tom de 1000 ciclos/segundo, ao estímulo experimental, é porque o controle
por períodos de 33 segundos e 25 períodos por de estímulos foi assim instalado.
sessão, a resposta de bicar era reforçada; entre Até aqui, portanto, a área de Controle de Estí-
os períodos de apresentação desse tom, o mulos tinha clareza e conhecimento dos pro-
mesmo era apresentado em intervalos de sete cessos de discriminação SIMPLES: diante de
segundos, e a caixa ficava completamente um estímulo, respostas são reforçadas e na au-
escura. sência deles, não. A unidade de análise era a
No treino de reforçamento diferencial, cinco contingência de três termos. Inúmeros expe-
outros pombos passaram por 25 períodos de rimentos foram conduzidos, e o processo tor-
33 segundos em que um tom era apresentado nou-se bem conhecido.
(de 1000 ciclos/segundo) e as respostas de bi- Entretanto, o controle de estímulos pode ser
car eram reforçadas. Na condição de S? , com- mais complexo. Para além das discriminações
posta por 25 ou mais períodos de 33 segundos, simples, podemos ter as discriminações CON-
a resposta de bicar não era reforçada e não ha- DICIONAIS: respostas são reforçadas na pre-
via a apresentação do tom. sença de um determinado estímulo se e so-
Realizaram-se, então, testes de GENERALI- mente se uma outra condição estiver presente.
ZAÇÃO, para verificar se o grupo que havia Apresentado, primeiramente, por Cumming
passado pelo treino diferencial responderia & Berryman, em 1965, com pombos, o modelo
diferentemente a outros tons e ao tom da de discriminação condicional foi revelado por
condição de treino, e se o grupo que havia pas- meio de um arranjo experimental denomi-
sado pelo treino não diferencial responderia nado "matching-to-sample" ou "emparelha-
indistintamente a diferentes tons. Em outras mento de acordo com o modelo", em que um
palavras, se o controle de estímulos pelo tom estímulo é "primeiramente" apresentado (estí-
de 1000 ciclos/segundo havia se estabelecido mulo modelo) e, em seguida ("matching" atra-
após a história de reforçamento diferencial. sado) ou simultaneamente ("matching" simul-
Os resultados indicaram que sim. As curvas tâneo), os estímulos de comparação ou de es-
obtidas nas duas condições revelaram dois colha são apresentados.
gradientes de generalização. A tarefa básica do sujeito (ou participante)
Para o grupo sem treino diferencial, obtive- experimental é, após responder ao estímulo-
ram-se curvas que não indicaram um controle modelo, escolher um dos estímulos de com-
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Figuras
A D
Palavra
Nomeação
ditada ao
pelo sujeito
sujeito
Palavras
impressas
Figura 1 - Onde:
- os quadrados indicam a natureza do conjunto de estímulos apresentados
- as flechas duplas ( ) indicam as relações condicionais já apresentadas pelo sujeito
- a flecha contínua ( ) indica a relação treinada
- as flechas descontínuas ( ) indicam as relações testadas.
Sidman (1971) obteve como resultado, as compreensão mais profunda e até para uma
emergências das relações BC, CB e CD (vide a análise crítica de todo o conhecimento pro-
figura). duzido na área de Controle de Estímulos, com
Verificou, portanto, que relações condicionais o modelo de discriminação condicional. Tal
do tipo auditivo-visual podem gerar novas re- análise crítica foi movida, possivelmente, pela
lações condicionais, não diretamente treina- seguinte questão; "O que se denomina "mat-
das. ching-to-sample" está sendo de fato, uma
Simples, claro e, aparentemente despreten- relação de "igualdade", de "pareamento" ou é
sioso, este experimento mudou o curso das mesmo "apenas" uma relação condicional?"
pesquisas subseqüentes em controle de estí- (apenas para esclarecer a crítica, tome-se como
mulos. exemplo a afirmação condicional "Se sábado,
Obviamente, o curso e a trajetória subseqüen- então dia de feira". A relação de condicio-
tes não foram tão lineares e nem a conseqüên- nalidade não significa, necessariamente, uma
cia deste primeiro experimento de Sidman tão relação de igualdade - pois "sábado" e "feira"
imediata. não são iguais). A pergunta de Sidman estava,
O fato de Sidman (1971) haver introduzido em outras palavras, questionando a inter-
"testes" do que determinadas relações condi- pretação dos resultados em "matching-to-
cionais podem gerar, estava, na verdade, dan- sample" arbitrários, "simbólicos", como sendo
do o primeiro passo experimental para uma de resultados de identidade.
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Em 1982, com Tailby, Sidman lança, então, que as relações entre os conjuntos de estí-
publicamente, a proposta do paradigma de mulos A, B, C são relações de equivalência.
relações de equivalência como, num primeiro Voltando ao experimento de Sidman (1971),
momento, um modo de resolver esta questão poder-se-ia afirmar que o rapaz de 17 anos
inicial: ao modelo de discriminação condicio- demonstrou que a palavra falada (A), a figura
nal clássico foram acrescidos testes adicionais (B) e a palavra impressa (C) formavam uma
para se assegurar que relações condicionais classe de estímulos equivalentes. Como neste
fossem, de fato, relações de igualdade, de experimento de Sidman, os testes foram con-
equivalência. duzidos com reforçamento, o que nos impede
Importante, destacar, neste momento, um an- de dizer que tais relações emergiram, pode-
tigo, persistente e robusto aspecto da Análise mos afirmar que elas foram apresentadas pelo
Experimental do Comportamento em Contro- sujeito em condições de reforçamento diferen-
le de Estímulos: do simples chega-se ao com- cial.
plexo, sem precocidades ou explicações infun- Mas nos experimentos subseqüentes em rela-
dadas. ções de equivalência (Sidman & Tailby, 1982;
O "boom" de pesquisas geradas com a propos- Sidman, Kirk e Wilson-Morris, 1985, dentre
ta de relações de equivalência dá hoje à área e outros), os testes de equivalência foram con-
ao tema (equivalência) um peso e um porte duzidos em extinção.
consideráveis. Seu início foi, entretanto, estr- Os resultados destes testes, com pouquíssima
itamente controlado pelos dados experimen- variabilidade nos estudos da área, revelam
tais. Voltemos, portanto, a eles. que seres humanos, após submetidos a treinos
Os testes adicionados ao modelo de discri- de relações condicionais, são capazes de
minação condicional para a verificação da demonstrar relações de equivalência.
emergência de relações de equivalência tive- Tais descobertas foram feitas com crianças
ram seus nomes emprestados da matemática pré-escolares (Matos, Hübner e colabora-
elementar: Simetria, Reflexividade e Transi- dores) e com deficientes mentais, (Dube, McI-
tividade. lvane, Mackay & Stoddard, 1987) apenas para
Assim, para afirmarmos que os desempenhos citar alguns autores e alguns sujeitos.
gerados em um pareamento AB e em um Além do fato de que tais resultados signifi-
outro pareamento BC são, de fato, relações de caram uma economia de tempo no ensino de
equivalência, é preciso verificar se: 1º) os habilidades complexas, como aquelas envol-
membros A, B, e C mantêm uma relação de vidas no comportamento de ler e escrever
reflexividade, ou seja, se o sujeito é capaz de (pelo simples fato de que muitas outras rela-
identificar os elementos iguais entre si (A com ções emergiam, sem a necessidade de ensino
A, B com B e C com C; é o que se denomina direto e após o ensino de outras poucas rela-
"matching de identidade"); 2º) é preciso de- ções), tais pesquisas lançaram desafios à inter-
monstrar relações de simetria, ou seja, as fun- pretação do fenômeno encontrado: como ex-
ções de estímulo modelo e estímulo de com- plicar a emergência de comportamentos que
paração são intercambiáveis entre si (se A en- não são seguidos de reforçamento? Para-
tão B, deve-se demonstrar que o sujeito faz fraseando Sidman: "De onde vêm as relações
também se B, então A); e 3º) finalmente, a de equivalência"?
relação de transitividade, que requer três con- Um dos artigos recentes de Sidman, publicado
juntos de estímulos: A, B e C. Se o sujeito em 2000, no JEAB, lança possíveis respostas:
demonstrou as relações condicionais se AB e as relações de equivalência teriam origem nas
se BC, por transitividade ele deveria demons- contingências de reforçamento das situações
trar a relação se AC. de treino. Como, reitero, Sidman é um verda-
Se demonstradas as três propriedades diz-se deiro analista experimental do comportamen-
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to, ele não propõe teorias ou explicações re- Além das implicações educacionais já mencio-
buscadas: remete-nos a experimentos que pre- nadas (economia no ensino, procedimentos
cisam ser conduzidos para o encontro da res- para ensino de leitura, escrita, comportamen-
posta. Sugere-nos, por exemplo, manipular a to matemático, etc), novos estudos na área
conseqüência reforçadora sendo a mesma ora prometem implicações para a clínica.
específica ora não para cada classe de "equi- Em congresso da "Association for Behavior
valência" e verificar o que ocorre com os resul- Analysis", realizado em São Francisco, EUA,
tados nos testes. Sugere o mesmo para a res- em maio de 2003, Barnes-Holmes demonstrou
posta ora sendo a mesma para as diversas que palavras como CÂNCER e FELICIDADE
classes de equivalência que se quer formar podem ser pareadas com estímulos arbitrários
ora sendo diferente para cada classe. e estes com outros conjuntos de estímulos
Com tal artigo e com tais análises e sugestões, também arbitrários. Por equivalência, adultos
Sidman dá, a meu ver, um salto na polêmica responderam com as palavras CÂNCER e FE-
discussão quanto à necessidade de nomeação LICIDADE ao segundo conjunto de estímulos
(de "linguagem") para a emergência das rela- arbitrários, formando duas classes de relações
ções de equivalência e, por decorrência, na de equivalência.
polêmica discussão sobre ser a emergência de Os avanços não param por aí. Há, ainda, re-
relações de equivalência um fenômeno típico gistros neurofisiológicos da emergência de
e exclusivamente humano. relações de equivalência, demonstrando a ati-
Nesta direção, ele sugere: a resposta pode fa- vação de ondas e regiões quando este com-
zer parte da classe de equivalência e, se assim plexo processo comportamental ocorre.
o for, poderá ser uma condição facilitadora Finalmente, é necessário destacar que todas
(como no caso da nomeação, que seria uma estas descobertas ocorreram com base nos
resposta diferencial para cada estímulo mo- conceitos e procedimentos fundamentais dos
delo). Daí a nomeação pode ajudar, facilitar a primórdios da área de Controle de Estímulos e
emergência de relações de equivalência. Mas tiveram o caminho indutivo e a lógica expe-
não significa dizer que só os que nomeiam rimental como constantes norteadores.
fazem equivalência e, portanto, não significa Do simples ao complexo, das discriminações
dizer que só os que têm "linguagem" são ca- simples às condicionais, destas para as rela-
pazes de demonstrar relações de equivalência. ções de equivalência: um longo e sólido ca-
Obviamente, a área de Controle de Estímulos minho para a compreensão do complexo que,
não se resume, hoje, a estudar Relações de por suas importantes implicações sociais, ain-
Equivalência. Mas estas cobrem, ainda, uma da está longe de seu final.
grande parte da área.
Referências
Cumming & Berryman (1965). The complex discriminated operant: studies of matching-to-sample
and related problems. Em D.I. Mostofsky (Ed.), Stimulus Generalization, pp. 284-330.
Stanford, California: Stanford University Press.
Dube, W. V., McIlvane, W.J., Mackay, H. A., & Stoddard, L.T. (1987). Stimulus class membership
established via stimulus- reinforcer relations. Journal of the Experimental Analysis of Behavior,
47, 159-175.
Jenkins, H. M & Harrison. R. H. (1960/1974). Efecto del entrenamiento em discriminación sobre la
generalización auditiva. Em: Catania, A. C. (1974). Investigación contemporânea em conducta
operante. México, Trillas.
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