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Questões:
1. Um sino toca: o sino da aldeia do poeta. Mas cada badalada do sino "Soa dentro da
minha alma". Que diferença pode existir entre um sino que toca fora da minha alma e
um sino que toca dentro da minha alma?
Sino que toca dentro da alma, é um toque que lembra a Pessoa memórias de
infância, portanto um toque que não o deixa indiferente, como qualquer outro toque
de outra igreja.
2. O verso "Tão como triste da vida" tem uma construção pouco habitual. Explique o
que se passa.
"Tão como triste da vida": o poeta quer dizer "Tão lento como triste da vida", no
entanto retira essa palavra. Parece-me o uso de uma figura de estilo chamada
"elipse". Tira-se uma palavra, que, no entanto se subentende.
3. Na segunda quadra o poeta diz uma coisa muito estranha: este sino toca a primeira
pancada, porque a primeira parece sempre a repetição de outra. Pode dizer-se que
isso tem que ver com o fato de o sino soar dentro da alma do poeta? Justifique a
resposta.
Sim. Porque é um sino metafórico: representa outra coisa, as suas memórias de
infância.
4. Poeta que passa "sempre errante"; que significa esse adjectivo? Que motivos
levarão o poeta a considerar-se errante?
Errante é aqui "sem destino", sem futuro, sem esperança. Isto porque ele apenas na
sua infância encontra conforto e sentido para a vida.
5. Na terceira quadra há dois “me” muito curiosos: "por mais que me tanjas" e "soas-
me na alma". Que efeito produzem eles no texto?
"Tanjas perto" e "tocas-me na alma distante" é uma contraposição, quase ironia. Pois
que "tanjas" é um tocar de instrumento e "tocas-me" é um tocar quase físico, de
influência.
7. Haverá diferença entre ouvir um sino na aldeia e ouvir um sino na cidade? Quais as
palavras que dão esse ambiente tranquilo da aldeia?
"aldeia" é no poema um eufemismo para o espaço onde Pessoa nasceu e cresceu,
entre uma igreja e um teatro lírico. Pequena aldeia é no sentido de ter sido a sua
aldeia dentro da grande cidade, o seu espaço dentro do espaço indefinido que era de
todos.
Aranha
A aranha do meu destino / Fez teias de eu não pensar. Quer Pessoa dizer que, por
nunca ter pensado no seu futuro, teias de aranha ocuparam o espaço que na maioria
dos homens é ocupado pela prevenção, pelo planeamento. Pessoa nunca planeou o
seu futuro, só se preocupava pelo presente e - em certa medida - pelo passado.
Pessoa diz que a aranha (as deusas) não se preocupou em tecer o seu destino. Por
duas razões: por ele em criança já "ser adulto sem o achar", ou seja, ter crescido de
repente contra a sua vontade; a segunda razão Pessoa diz ser a rede ter-lhe apanhado
"o querer ir", ou seja, o próprio presente (agora já passado) impediu que ele tivesse o
destino - o destino ficou preso por causa do que lhe aconteceu quando era criança.
Assim ficou Pessoa, "uma vida baloiçada", como uma mosca presa numa rede, viva e
só à espera da morte para desaparecer. O estar preso na rede, com a "consciência de
existir". E é sua pena pelo que lhe aconteceu.
Não sei ser triste a valer
O poema que inicia-se com "Não sei ser triste a valer..." é um poema ortónimo de
Fernando Pessoa que toca um tema querido à vertente Ortónima da sua poesia - a
oposição entre pensar e sentir, ou mais exactamente entre pensar e viver.
A mudança entre o tom interrogativo (1ª estrofe) e exclamativo (2ª estrofe), que passa
depois para um tom declarativo é de simples análise. É claro que Pessoa tenta nas duas
primeiras estrofes estabelecer a sua comparação - a linha condutora, pelas evidências
e semelhantes entre pensar e florir. Por isso ele primeiro interroga e depois afirma
para si mesmo a realidade. As restantes estrofes são já produto de uma conclusão do
poeta - são, à sua maneira, um acto de pensar que também se extingue em si mesmo e
em que "se pensa o pensamento". Por isso o tom declarativo, final, de conclusão, que
dá lógica continuação às duas primeiras estrofes.
O significado da quarta estrofe é quanto a nós o seguinte: para reforçar a sua ideia que
o pensar, tal como o florir, é um acto absurdo, sem final definitivo, Pessoa recorre a
uma imagem forte - o espezinhar da flor pelos pés de alguém é o mesmo que acontece
com o pensar. Ou seja, quem pensa (Pessoa ele mesmo) é esmagado pela vida, porque
a vida não é para aqueles que pensam, é precisamente para aqueles que ignoram o
pensamento e apenas vivem. Pensar é sofrer. Todas as análises e conclusões são
infrutíferas, porque no final são espezinhadas pelo destino, pelos deuses.
Abdicação
Numa carta escrita a Mário Beirão, em Fevereiro de 1913, Pessoa descreve como,
chegando a casa sentiu a proximidade de uma tempestade - ele tinha um medo
pavoroso dos relâmpagos, não tanto dos trovões - e isso o colocou num estranho
estado de ansiedade, em que, paradoxalmente lhe deu para criar um soneto de calma
inusitada.
Veja-se desde já como é curioso o que Pessoa diz, sem se aperceber. Embora ele na
mesma carta fale de como o " fenómeno curioso do desdobramento é a coisa que
habitualmente tenho", mas lhe escapa que esse desdobramento lhe permitia fugir ao
seu medo - neste caso um medo concreto e mundano, o medo das trovoadas.
Não chegava ao génio que era Pessoa a reza simples a Santa Bárbara. Teve neste caso
de se refugiar na musa poética. Calíope substitui-se, pagã, ao símbolo religioso e assim
se criou mais um momento de solene beleza na língua portuguesa.
"Abdicação" é também um poema que aborda um tema querido a Pessoa - a noite e a
solidão. Neste caso a noite é simbólica de um estado de solidão que Pessoa bem
conhecia - era a sua realidade quotidiana. Tão triste e simultaneamente calmo é o
poema... isto porque a tristeza que Pessoa sente, é uma tristeza de abandono, de
quem deixa de resistir: eis o porquê do título do poema, abdicação. Quem abdica, é
por desistir voluntariamente, não por ser forçado. Pessoa abdica da vida para que a
noite o aceite - para ser plenamente nada na noite, já que foi nada em vida. Pelo
menos que seja plenamente nada - e o que há mais pleno de nada do que a noite?"
Tudo o que eu faço
O sujeito poético neste poema procura auto-analisar-se com a sua lucidez aguda, a sua
alma “lúcida e rica”, na tentativa de se auto conhecer. No entanto, aquilo que
encontra é um espelho sem reflexo, “um mar de sargaço” que impede o encontro
consigo mesmo.
Este poema revela a tentativa da descoberta de si mesmo, que lhe revela a
impossibilidade de se conhecer.
Análise do poema:
Na primeira quadra, Pessoa fala sobre os seus sonhos e desejos. Dono de uma
imaginação delirante e febril, Pessoa tinha sempre mil projectos a correr
simultaneamente. Mas ele diz-nos que "Tudo o que faço ou medito / Fica sempre na
metade" - ou seja, dos seus projectos nada se realiza por inteiro, por a realidade nunca
se encontrar com os seus desejos. "Querendo quero o infinito / Fazendo, nada é
verdade" - os seus projectos não se realizam, confirma-se o que dissemos antes.
Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúdica e rica,
E eu sou um mar de sargaço...
É o mar de sargaços um mar onde bóiam pedaços de um mar de além. Que mar é
este? Trata-se porventura de um mar distante e diáfano, um mar irreal, mas livre e
desimpedido, onde os sonhos de Pessoa não o prenderiam, mas antes o fariam seguir
em frente, onde tudo o que ele imagina podia ser real. Mas ele questiona-se -
"vontades ou pensamentos? / Não o sei e sei-o bem". É muito Fernando Pessoa este
final, paradoxal e intrigante. O que ele nos diz é que mesmo esse mar de além, esse
futuro irreal, pode ser uma ilusão, só a sua vontade de querer ter os seus sonhos. Ele
diz saber a resposta ao mesmo tempo que a desconhece, isto porque confia no
Destino. Sabe que será impossível que se realizem todos os seus projectos, mas ao
mesmo tempo essa impossibilidade é humana, é dentro dele, e fora dele ele não sabe
o que poderá acontecer - um milagre, um imprevisto, um plano superior? Pessoa deixa
ao futuro a resposta para a sua angústia presente.