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Curtas Resenhas

VIEIRA, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.) Ensino


de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, 258p.

por Eliete SILVEIRA (UFRJ)

A pesquisa lingüística há quatro partes: conceitos básicos,


muito sofre críticas por não ter questões de descrição gramatical,
aplicabilidade direta à sociedade questões de teoria gramatical e a
e, especificamente, ao ensino. A questão do texto.
elaboração desta obra responde as Em conceitos básicos, Dinah
críticas, ao explicitar os resultados de Callou esclarece as possibilidades
estudos em diferentes perspectivas de interpretação de dois termos:
teórico-metodológicas como uma gramática e norma, e a condição
ferramenta pedagógica para a sine qua non a toda e qualquer
compreensão da realidade lingüística língua: a variação. Avalia, ainda,
multifacetada e plural verificada o tratamento dado à questão da
em sala de aula. Portanto, esta heterogeneidade lingüística –
obra é extremamente valiosa coexistência de várias normas de
àqueles que se ocupam do ensino uso – na escola, esta ligada a um
– educadores em geral – e mesmo ideal de língua expresso na
aos estudantes de graduação e pós- gramática normativa.
graduação que se vêem frente ao Afrânio Gonçalves Barbosa
desafio de combater (e entender) o expõe as crises que subjazem a
preconceito lingüístico que, questão do ensino e discute os
freqüentemente, se reverte em mais saberes lingüísticos que a Língua
um instrumento de marginalização Portuguesa envolve: o vernáculo, o
social. descritivo/prescritivo — supostamente
Além da apresentação, a ensinado na escola — e o embasado
obra conta, didaticamente, com no conhecimento científico do

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funcionamento de uma língua. A detenha as normas de uso da


questão fundamental para a solução concordância.
da crise do ensino consiste em o Em relação à concordância
professor articular os saberes, de verbal, Silvia Vieira Rodrigues
modo a tornar o aluno detentor dos revela que variáveis lingüísticas e
vários usos, adequando-se às extralingüísticas atuam como
situações comunicativas. condicionadoras da não-concordância
Em questões de descrição na fala popular. Entre falantes
gramatical e questões de teoria escolarizados, a concordância é
gramatical, enfocam-se fenômenos bastante produtiva, principalmente
em variação na Língua Portuguesa, se o sujeito está anteposto e
assim como se discutem as próximo ao verbo, mesmos fatores
considerações postas na tradição condicionadores da ausência de
gramatical. A estratégia dos autores marca entre não-cultos. Para a
reside em apresentar i) a visão autora, o ensino da concordância
tradicional, ii) os resultados de verbal justifica-se pelo fato de a
pesquisas lingüísticas, e iii) as ausência dessa marca constituir um
contribuições/aplicabilidade desses meio de estigmatização social. As
estudos ao ensino. propostas de ensino devem decorrer
Em seu artigo, Silvia de uma realidade próxima do
Figueiredo Brandão retoma vários falante, com dados que efetivamente
estudos relativos à concordância correspondam ao uso. Quanto à
nominal, apresentando os fatores aplicação, sugere que os fatores
condicionadores da presença/ motivadores para a perda da
ausência de marca de plural. concordância devam ser utilizados
Destaca que os fatores lingüísticos em exercícios para que o aluno
determinantes do cancelamento da adquira a regra tanto para a
marca na fala culta são os mais escrita quanto para a fala.
atuantes na fala popular. A pesquisa sobre pronomes
Acrescenta que os falantes cultos pessoais, desenvolvida por Célia
tendem a assinalar a concordância, Regina Lopes, demonstra a
sendo considerada estigmatizante repercussão gramatical em diferentes
a norma de uso pela maioria da níveis da língua pela introdução
população. O ensino da concordância das formas de tratamento você e a
nominal deve considerar três aspectos: gente no quadro pronominal.
boa formação, bom senso e boa Destaca que é necessária uma
didática, a fim de que, suplantadas as definição mais coerente da classe
barreiras lingüísticas, se derrubem as dos pronomes, levando em conta
barreiras sociais. Propõe, por fim, as noções de pessoa gramatical e
caminhos para que o aluno caso e a expressão de gênero e suas

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propriedades semânticas e concluindo que há desacordo


sintáticas. Apresenta a mudança no quanto ao uso da ênclise e da
sistema de traços de pessoa, próclise, sendo a mesóclise não
número e gênero por que esses usual em ambas as variedades.
pronomes de base nominal Com base em pesquisa
passaram, explicitando o porquê Sociolingüística, apresentou a
de essas formas causarem ordem dos clíticos nas lexias
assimetria no atual quadro de verbais simples e complexos
pronomes. No que tange aos verbais, em corpus constituído por
resultados empíricos, evidenciou dados do português brasileiro,
que a forma inovadora a gente está europeu e africano. No Brasil,
substituindo a conservadora nós, verificou que a próclise é a variante
tanto entre falantes cultos quanto preferida inclusive na escrita,
entre aqueles de menor nível de havendo uma diversidade de
escolaridade, implantando-se elementos atratores. Quanto à
também rapidamente entre os ênclise, restringe-se a alguns
primeiros. O falante utiliza nós contextos morfossintáticos,
preferencialmente para se referir condicionada por diferentes tipos
a ele mesmo e ao interlocutor e a de texto e graus de formalismo.
gente para ampliar a referência, Em relação ao ensino, considera
indeterminando-a. Em relação ao que se deve privilegiar o texto em
ensino, adverte que se devem todos os gêneros, variedades e
apresentar tanto o quadro de estilos, com o intento de trazer ao
pronomes atual quanto o anterior, aluno o domínio de um maior
a fim de tornar o aluno hábil na número de variantes lingüísticas
leitura de textos de quaisquer possíveis.
sincronias. Carlos Alexandre Gonçalves
Tratando de colocação discute os processos de flexão e
pronominal, Silvia Rodrigues Vieira derivação, focalizando o grau.
assinala que a questão da ordem Enuncia que as abordagens se
dos pronomes átonos constitui um mostram incoerentes tanto na
fator diferenciador entre o categorização morfológica quanto
português brasileiro e europeu. na veiculação semântica acarretada
Propõe a caracterização do pela expressão de grau. Expõe a
fenômeno do âmbito do português visão pouco abrangente das
brasileiro para que o tema possa gramáticas normativas e a
ser mais bem compreendido. contribuição de Câmara Jr. na
Tecem-se, então, considerações caracterização dessa categoria.
sobre a colocação pronominal nas Propõe, porém, que a gradação
duas variedades do português, consiste em um processo limítrofe
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entre flexão e derivação, mostrando classificação adotada pela Norma


aspectos que podem ser vistos Gramatical Brasileira e pela
como flexão ou derivação. Esses Gramática Tradicional, criticando
dois processos fazem parte de um a divisão em essenciais, integrantes
continuum, em que se enquadra a e acessórios. Adverte que a
expressão de grau. Cabe ao classificação dos termos da oração
professor utilizar textos cujos afixos deve partir do elemento nuclear:
de grau apresentem diferentes o predicador. Este pode ser um
valores, para que o aluno perceba verbo, um nome e um adjetivo.
que o uso desses formativos Revisitando a nomenclatura da GT,
obedece a fatores como nível de reanalisa os predicadores segundo
envolvimento entre emissor e os argumentos que seleciona. Passa
receptor, propósitos comunicativos à análise do sujeito (argumento
do emissor e grau de formalidade. externo), comentando as suas
Em classes de palavras, Maria classificações e propondo novas
da Aparecida de Pinilla adverte que, nomenclaturas para sujeito oculto
mesmo sendo um tema presente e indeterminado. Discute o
desde as séries iniciais até o ensino preenchimento do sujeito nas
médio, seu aprendizado se restringe modalidades oral e escrita e as
ao reconhecimento da nomenclatura. construções de indeterminação do
Menciona a mistura e a falta de sujeito no português do Brasil.
critérios (morfológico, sintático e Quanto aos adjuntos adverbiais
semântico) nas gramáticas tradicionais. (termos não selecionados pelo
Em relação às pesquisas, retoma a predicador), expõe as nomeações
classificação estabelecida por adotadas, propondo a adoção do
Câmara Jr., além dos trabalhos de termo oblíquos àqueles que são
Barrenechea, Schneider, Oliveira et al. articulados com o verbo,
e d’Ávila, entre outros, inovadores em excetuando-se os objetos direto e
relação ao tema. Quanto ao ensino, indireto. Quanto aos adjuntos
assinala que é preciso utilizar os três adnominais e apostos, considera que
critérios para estabelecer as classes devem ser tratados como elementos
de palavras, destacando a que aparecem articulados dentro
necessidade de um trabalho dos constituintes maiores da oração.
integrado com textos, que propiciará Em relação ao ensino, afirma que
ao aluno o conhecimento de como a aprendizagem dos constituintes da
cada classe atua na organização e oração tem implicações, inclusive,
na produção do texto, ampliando na utilização dos sinais de
sua expressão oral e escrita. pontuação, tornando o aluno apto
Sobre termos da oração, a produzir e reconhecer sentenças
Maria Eugênia Duarte aborda a a partir dos predicadores, uma
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habilidade que a escola deve apresentam um conjunto


desenvolver no aluno. uniforme, motivo pelo qual são
Em coordenação e divididas em subordinação adverbial
subordinação Maria Eugênia e construções de graduação e
Lamoglia Duarte, após a distinção comparação. Quanto à coordenação,
dos processos, confronta as destaca os diferentes valores
perspectivas da Gramática expressos pelas conjunções
Tradicional, da Norma Gramatical coordenativas. Por fim, adverte que
Brasileira e de Mateus et al., cabe ao professor partir de
explicando que o ponto de partida diversos gêneros textuais,
para a análise do período contemplar as modalidades oral e
composto deve ser o verbo escrita, a fim de que o aluno crítico
flexionado que se encontra numa possa reconhecer as estruturas que
oração sem elementos estão ou não em uso.
subordinantes em posição inicial. O processo de correlação,
Esta oração é a responsável pelos abordado por Violeta Virgínia
elementos que constituem o Rodrigues, não está contemplado
período. Adota a classificação de pela Gramática Tradicional. No
Mateus et al. que, baseada no tipo entanto, a autora oferece
de predicador a que a evidências de que se trata de uma
subordinada (completiva) se estratégia de estruturação distinta
encaixa, as classifica em completiva da coordenação e da subordinação,
de verbo, de nome e de adjetivo. por estabelecer entre as orações
Critica a inserção das apositivas uma relação de interdependência.
entre as subordinadas, pois não Propõe cinco tipos de correlativas:
são argumentos selecionados por aditiva, alternativa, comparativa,
predicadores. No que tange às proporcional e consecutiva.
adjetivas (relativas), estabelece a Distinguindo parataxe, hipotaxe e
distinção entre estas e as subordinação, apresenta a
completivas, apresenta novas incoerência da inclusão da
configurações de relativas e propõe correlação nas gramáticas
nova nomenclatura para as tradicionais quer no processo de
adjetivas explicativas. Em se coordenação quer no processo de
tratando das orações subordinadas subordinação. Partindo de
introduzidas por pronomes propostas de diversos autores,
interrogativos indefinidos (relativas afirma que a classificação de
livres), explica por que devem ser orações como correlatas implica
nomeadas como completivas de reconhecer a função argumentativa
verbo, de nome ou de adjetivo. desses enunciados. Assim, o
Por sua vez, as adverbiais não professor deve evidenciar para o
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aluno as características da língua para o discurso. De modo


correlação, principalmente para didático, demonstra como é
que possa usá-la em seu texto como possível fazer uma análise
recurso expressivo. produtiva do texto e quais as
Em texto e contexto, Maria funções que os modos de organização
Aparecida Pauliukonis discute as do discurso desempenham em um
metodologias tradicionais e texto. Assim, defende que o ensino
adverte que o ensino do texto não da leitura e da produção do texto
apresenta um programa bem contribuirá para a conscientização
definido, relacionado ao conteúdo do indivíduo sobre as estratégias
relativo à Língua Portuguesa. A a serem utilizadas para perseguir
autora traça um histórico do seus intentos comunicativos,
ensino da interpretação e cabendo à escola reunir os
produção textual, evidenciando a conhecimentos gramaticais à
dificuldade de esgotar as produção de discurso coerente e
possibilidades de interpretação, adequado.
que se reflete no medo do fracasso Tem-se, portanto, um farto
do aluno na produção e leitura material voltado ao ensino e
de um texto. Propõe nova totalmente respaldado em pesquisa
concepção de texto, novos lingüística que, certamente, servirá
objetivos/desafios do ensino do ao professor de língua materna
texto, bem como estratégias para como instrumento contra as
ensinar a interpretar e a produzir desigualdades sociais presentes no
textos. Destaca a importância do contexto de sala de aula que
contexto na leitura/produção do impedem o cidadão de exercer
texto e explicita a passagem da seu direito à cidadania.

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