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HARVEY, David. Espaço de Esperança. 4. ed.

traduzida por Adail Libirajara Sobral


e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2011.

“Espaço da Esperança” é um livro de David Harvey, que traz vários ambientes


institucionais em imagens e relatos, que fazem da leitura um verdadeiro compêndio
de conhecimentos que ora aqui, surpreende-nos pela condicional qualidade
intelectual. Além da Introdução, divide-se em quatro partes principais, cada uma
delas perspicazmente elaborada para atrair o interesse do leitor e compostas por
textos de qualidade indiscutivelmente adequados para o contexto em que estão
inseridos. Essas quatro partes são apresentadas na seguinte ordem: Parte 1,
DESENVOLVIMENTOS GEOGRÁFICOS DESIGUAIS; Parte 2, DOS CORPOS E
DAS POLÍTICAS NO ESPAÇO GLOBAL; Parte 3, O MOVIMENTO UTÓPICO e
Parte 4, CONVERSAS SOBRE A PLURALIDADE DE ALTERNATIVAS. Da parte
quatro é que foram extraídos os dois textos referenciais que são o foco de
apreciação nessa resenha: Sobre arquitetos, abelhas e o “ser da espécie” e O
arquiteto rebelde em ação. O primeiro deles, Sobre arquitetos, abelhas e o “ser da
espécie”, aborda questões relacionadas a esse nosso mundo social desprovido de
uma matriz de mudança social, de movimentos sociais amplos ou alianças de
classes que criem planos imediatos de mudança social. Sendo assim o texto
restringe-se a conversações vagas sobre alternativas e possibilidades. A tentativa do
autor mostra o interesse dele em abordar de modo direto e aberto, a dinâmica
espaço temporal de forma dialética esteticamente diferenciada, também representar
os múltiplos processos materiais responsáveis, segundo Harvey, pelo
aprisionamento do ser humano na teia da vida socioecológica contemporânea,
buscando refletir sobre a descontrolada acumulação de capital, os privilégios de
classes e as inevitáveis desigualdades de poder político-econômico. O melhor é
quando o autor julga que essa forma de refletir pode ser responsável pela criação de
um espaço para experimentos mentais sobre possíveis mundos alternativos, ora
sendo assim, ele admite buscar uma alternativa de mundo diferente com
perspectivas de conseguir ajustar o materialismo histórico e geográfico. Em “Sobre
arquitetos e abelhas” o autor descreve o arquiteto como o profissional inserido nos
processos de construção e elaboração de espaços, utópicos ou não, esses espaços
são moldados para conferir utilidade social, bem como significados humanos e
estético-simbólicos ao longo de toda a história. De forma específica, a arquitetura
ganha no texto o significado de atividade criadora, responsável pela transformação
da forma em função de seu uso e adaptação ao uso do homem e isso num processo
contínuo e desenfreado ao longo da história. Por isso o autor tem segurança em
fazer analogias em relação ao arquiteto ser a personificação do homem arquitetando
seu próprio destino e sorte. Tendo ele a maestria de usar a imagem do arquiteto
como uma metáfora da nossa condição de agentes no curso de nossas práticas
cotidianas, preservando, construindo e reconstruindo nosso mundo da vida, nesse
instante relacionando o arquiteto à Marx no primeiro volume de O Capital, onde
estão registrados os princípios fundamentais da dinâmica e da dialética da mudança
socioecológica. Assim sendo, onde o autor faz a ligação com as abelhas? Ora, as
abelhas se inserem nessa construção de ideias feitas por Marx de duas maneiras,
como parte do texto de Mandeville, A fabula das Abelhas e também como forma de
expressar a sofisticação das práticas arquitetônicas que comparadas às abelhas são
de fato, a melhor expressão do trabalho humano. No destaque das “Capacidades e
potencialidades humanas”, são feitas conversas com os textos de Marx, vejamos
que este nunca fez oposição aos socialistas utópicos, porque eles acreditavam
serem as ideias uma força material na mudança histórica, porém fadadas ao
fracasso. Quanto “A concepção de ser de nossa espécie” tem o objetivo de passar a
ideia de que, de alguma maneira o homem pode compreender-se como espécie, que
ele pode compreender suas capacidades e suas potencialidades, até mesmo as
potencialidades adormecidas como é referido por Marx. Para Harvey, isso é viável,
desde que pensemos em transformar o mundo por meio do trabalho e junto
caminhando a autotransformação pessoal, pensando em por em prática a
imaginação para realizar projetos. Porém para a efetivação dessas mudanças, são
impostas regras, ou seja, opções estratégicas para a ação humana, onde o autor
apresenta seis elementos oriundos de nossa própria experiência evolutiva: “a luta
pela existência – por meio de seleção natural”; “a adaptação e diversificação em
nichos naturais – por meio da inovação“; ”a colaboração, a ajuda mútua – através da
capacidade de comunicação”; “transformações da natureza – com os requisitos
humanos”; “organizações espaciais, mobilidades e outros desse gênero – sistema
material e espacialmente articulado de apoio à vida de indivíduos”; “organizações
temporais – nas próprias sociedades humanas”. Com relação a formação social, diz
o autor ter o caráter definido pelos elementos do repertório geral que por sua vez
são elaborados pelas exigências do poder de classe. Ele destaca que todo modo de
produção é uma unidade dinâmica e contraditória entre diferentes elementos
advindos do repertório básico no texto referenciado, e a transição de um para outro
modo de produção envolve transformações de todos os elementos do repertório, uns
com relação aos outros. Considerando de forma específica o ser humano, o autor
afirma que este pode afetar a evolução subsequente por meio de seu próprio
comportamento e também podem fazer opções ativas, e com seu comportamento
podem alterar condições físicas e sociais para a posteridade. Portanto, o texto
reafirma que o homem é arquiteto da evolução em virtude das capacidades
científicas, técnicas e culturais adquiridas. Na sequência, teremos o segundo texto
usado como referência, “O arquiteto rebelde em ação”, onde Harvey inicia sua
reflexão criando uma situação de pano de fundo em que o homem é um arquiteto e
que precisa transformar o mundo. Para isso o autor inicia descrevendo as
características de um arquiteto, como seres dotados de potencialidades, de
capacidades, inseridos em um mundo social e físico pleno de restrições e limitações
manifestas. Ainda segue o autor com sua suposição, declarando ser o arquiteto,
habilidoso e inclinado à rebeldia, e com a incumbência de pensar estratégias para
uma mudança total de um mundo em ele continuará habitando, ou seja, a questão é
de alta responsabilidade e risco. Na verdade, o autor preparou aqui um cenário
questionador propositadamente gerador de um caos consciente, onde o desejo de
mudança se oprime na realidade restritiva inevitável, reprimindo o incontrolável e
súbito impulso transformador que se alia, pelo que se pode perceber, a capacidade
implícita de transformação do arquiteto em seu contexto, de forma criativa e
dinâmica. Então a questão que permeia as entrelinhas do texto fica bem definida
como buscar uma resposta para de alguma forma conseguir construir um sentido de
possibilidades, sobrepujando confusões e reconhecendo o poder das restrições que
cercam essas possibilidades de tal forma a neutralizá-las. Na sequência, Harvey
deixa claro que nesta segunda reflexão, a escala espaço temporal de ocorrência dos
processos modificam as colocações e propõe aprofundar as ideia com um jogo de
simulações mentais onde joga com possibilidades políticas e considerou para isso
diversas situações possíveis de pensamentos de práticas políticas rebeldes em que
estas devem alterar a forma e a direção da vida social, chamadas de “teatros”. Com
esse propósito, Harvey detalhou o exame em sete teatros de atividades rebeldes,
considerando ainda que os seres humanos poderiam pensar e agir de formas
diferentes, como arquitetos de seu destino individual e coletivo. Os sete teatros
foram assim apresentados no texto: “O pessoal é político”: apresenta o arquiteto
rebelde como um ser corporificado que ocupa um espaço exclusivo em dado período
de tempo, dotado de habilidades prontas para mudar o mundo; “A pessoa política é
uma construção social”: o arquiteto com caráter político em um momento espaço-
temporal, como uma construção social fluida; “A política das coletividades”: o autor
considera que políticas coletivas estão em toda parte e que fluem por canais
restritos e previsíveis, e ao que parece o arquiteto rebelde precisa encontrar meios
para que possa percorrer livremente o tempo e o espaço para conseguir moldar um
processo integrado de mudança histórico-geográfica; “Particularismo militante e
ação política”: perspectiva de uma revolução permanente e também uma revolução
longa, isso segundo autor, na medida em que são buscados princípios de um
utopismo dialético e epaço-temporal; “Instituições mediadoras e ambientes
construídos”: objetivando mediar a dialética entre particularidade e universalidade,
tornando-se tipicamente centros de formação de discursos dominantes e centros de
poder; “Traduções e aspirações”: aqui o autor afirma que o arquiteto rebelde,
ansioso por ações transformadoras, precisa dispor de condições para traduzir
aspirações políticas diante da heterogeneidade das condições socioecológicas e
político-econômicas, devendo enfrentar as condições e perspectivas dos
desenvolvimentos geográficos desiguais; “O momento da universalidade, sobre
compromissos pessoais e projetos político”: para Harvey é o momento de decisão
existencial, em que certos princípios se materializam mediante a ação no mundo, ou
seja, tomada de decisão para posterior ação de acordo com esta escolha. Assim
encerra o autor a apresentação dos sete teatros, e o autor apresenta então sua lista
de direitos universais, que acredita ele, seja digna de atenção: O direito a
oportunidades de vida, O direito à associação de vida e a um “bom” governo, Os
direitos dos trabalhadores envolvidos diretamente no processo produtivo, O direito a
inviolabilidade e à integridade do corpo humano, direitos de
imunidade/desestabilização, Direito a um ambiente de vida decente e saudável, O
direito ao controle coletivo de recursos de propriedade comum a todas as pessoas,
os direitos dos que ainda vão nascer, O direito à produção do espaço, O direito à
diferença, incluindo o direito ao desenvolvimento geográfico desigual e Nossos
direitos como seres da espécie. Esses direitos apresentados pelo autor são dignos
de reflexão por parte do leitor, pois trazem em si uma descrição e uma justificativa
de porque considerá-los inseridos no contexto em questão. Ainda temos no texto
uma última abordagem, “Moldar ordens socioecológicas”, fala do utopismo dialético
aspirado por Harvey e que demandaria uma revolução histórico-geográfica
permanente, para isso é preciso saber distinguir atividade e pensamento inseridos
em diferentes teatros de ação social. Também argumenta o autor, que muito do que
se apresenta por prática política e arquitetônica imaginativa fica imobilizado em um
ou dois dos teatros apresentados, pois o autor julga que as divisões mentais e
práticas do trabalho e de perspectiva, atualmente se encontram arraigado em todas
as ações humanas tornando-se impossível a atuação em mais de um teatro de
pensamento de forma simultânea. A ideia que o autor passa ao referir-se a essas
impossibilidades é a de que o arquiteto rebelde devesse mudar o paradigma de
comportamento, buscando conhecer plenamente a coragem que cada um tem
encarcerada dentro de si e também buscar a desestruturação explícita em buscar o
desconhecido, de forma consciente e destemida, assim, pensa Harvey, o arquiteto
deixaria de ser puro objeto da geografia histórica como uma abelha operária e
assumiria seu papel de sujeitos ativos que busquem conhecer e intervir nas
possibilidades humanas de vida, mesmo que muitas atitudes possam ser
consideradas como abusivas por nichos conservadores de pensar, que possuam a
mente criativa como uma adversária a comodidade e estabilidade humana. Esta
leitura tem uma riqueza incomum, já que reflete o fazer social do arquiteto e coloca-o
frente ao desafio de mudar paradigmas de comportamento profissional, onde essas
mudanças já são de domínio e conhecimento comum, porém, trazem consigo
historicamente o medo da mudança radical de comportamento. Para os
interessados, fica a indicação para uma leitura e reflexão completa nos textos, pois
Harvey teve a preocupação de fazer uma descrição minuciosa de cenários e
pensares, onde a reflexão filosófica misturada com sua capacidade criativa de
escrever/envolvendo torna essa leitura obrigatória no meio científico.

Doutorando: Cristhian Moreira Brum

Professora Orientadora: Drª Helena Copetti Callai

Data: 08 de maio de 2013

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