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Para os homens dos séculos XIV e XV, uma casa senhorial não se con-
fundia facilmente com as habitações comuns, com as actividades que nelas ti-
nham lugar, ou com os homens que nelas viviam. Para eles, o termo evocava
uma outra realidade mais complexa, por certo ligada à existência e ao modo de
sentir na vida das populações de várias cidades e vilas do país. Para muitos deles,
esse era um mundo familiar e bem conhecido, quer por serem caseiros, ou forei-
ros de uma determinada casa, quer por nela cumprirem um leque muito variado
de serviços, quer, ainda, porque com ela se relacionavam de muitas outras for-
mas, mas poucos ignorariam os sinais que definiam a presença desse mumdo na
* Uma primeira versão deste trabalho foi apresentado na FCSH da Universidade Nova de Lisboa
(Março de 2000), no ciclo de conferências “Morar e Habitar na Idade Média”. A versão actual muito
deve a sugestões do Professor Doutor Luís Krus, a quem agradeço.
A leitura dos capítulos das Cortes oferece, aliás, vários testemunhos da pre-
sença das casas senhoriais nos quotidianos locais e regionais. Desde meados do
século XIV, que se avolumavam, com efeito, os protestos contra as doações ré-
gias de vilas e lugares aos grandes senhores1, tanto por porem em causa a auto-
nomia dos concelhos, como por gerarem as condições para aqueles poderem
diminuídas com a doação das aldeias do termo a algum senhor, como sucedeu
peita a Santarém, ou com Cernache no que toca a Coimbra, entre outros casos
dos senhores trazia aos mercados locais4, ou a circunstância de muitos deles re-
1 Cf. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso I V (1325-1357) , ed. por O. Marques, Teresa C.
Rodrigues e Nuno Pizarro, Lisboa, 1982, p. 32 (Cortes de 1331); Cortes Portuguesas. Reinado de
D. Fernando I (1367-1383) , ed. por O. Marques e Nuno Pizarro, Lisboa, 1990, vol. I, pp. 35 (Cor-
tes de 1371), 85, 115, 125 (Cortes de 1372).
2 Cf. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando cit., vol. I, pp. 43, 47, 56 (Cortes de
1371), 102 (Cortes de 1372). Para a análise de casos concretos, veja-se M.ª H. Coelho, O Baixo
Mondego nos Finais da Idade Média , Lisboa, 1983, vol. I, pp. 566-568; Amélia A. Andrade,
“Composição Social e Gestão Municipal: O Exemplo de Ponte de Lima”, Ler História, 1987, n.º
10, pp. 10-11.
3 Cf. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Pedro....cit., p. 105 (Cortes de 1361);Cortes Portu-
guesas. Reinado de D. Fernando ...cit., vol. I, pp. 73 (Cortes de 1371); M.ª H. Coelho, op. cit., pp.
470, 474-477; Pedro de Azevedo, Cartas de Vila, de mudança de nome e do título de notável das po-
voações da Estremadura, sep. do Bol. da Classe de Letras, Coimbra, 1921, vol. XIII, pp. 13 e ss.
4 Cf. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Pedro I (1357-1367) , ed. por O. Marques e Nuno Pi-
zarro, Lisboa, 1986, p. 58 (Cortes de 1361). Entre outros exemplos, veja-se o raro capítulo dialo-
gado das Cortes de 1446 (Armindo de Sousa, As Cortes Medievais Portuguesas (1385-1490),
Porto, 1990, vol. I, pp. 511-512), muito sugestivo a este propósito.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
lidade durante todo o século XV, já que as queixas motivadas pela acção dos fi-
dalgos e dos grandes senhores, muitas vezes derivadas do exercício das jurisdi-
ou pelo menos aqueles que falavam em seu nome nas Cortes 7, levou mesmo a
longo prazo essa era uma batalha perdida, já que o fluxo daquelas doações não
5 Os protestos motivados por tal prática fizeram-se ouvir em algumas Cortes de finais do sé-
culo XIV (cf. Armindo de Sousa, op . cit., vol. II, pp. 228, 230) e estiveram talvez na origem de
uma lei de 1434 (Ordenações Afonsinas , fac-simile da ed. de 1792, Lisboa, 1983, Lv. 2, tit.º 38),
que sujeitava aquelas isenções ao consentimento do rei, mas que não evitou a multiplicação dos
protestos (cf. Armindo de Sousa, op . cit., pp. 330, 358, 373, 420) ao longo do século XV.
6 Cf. Idem, ibidem , vol. I, pp. 518-523.
7 Cf. Idem, ibidem , p. 526; J. Mattoso, “Perspectivas económicas e sociais das cortes de
1385”, Estudos Medievais, 1984-5, n.º 5/6, pp. 39-52.
8 Cf. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando ...cit., vol. I, pp. 85-86, 124-125.
9 Cf. Armindo de Sousa, op . cit., vol. II, pp. 269, 289.
10 Cf. M. H. Coelho, op . cit., p. 458; Gama Barros, História da Administração Pública em
Portugal , 2.ª ed., Lisboa, 1945, vol. 2º, pp. 469-473; A. H. Oliveira Marques, Portugal na Crise
dos Séculos XIV e XV , vol. IV da Nova História de Portugal, dir. por J. Serrão e Oliveira Marques,
Lisboa, 1987, pp. 240.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
deitaram mão a outros argumentos com maior força moral, lembrando o aban-
dono das antigas funções militares e a multiplicação das despesas que então ca-
Cortes de 1459, "os fidalgos que têm de vós terra ou tença ou tudo per muitos
anos pera vos haver de servir ao tempo do mester (...) metem-se em tantas des-
pesas baldias, que trazem, que a sua despesa é maior quatro vezes que a recepta.
E quando vêm ao mester não têm tão-somente uma arma com que vos sir-
vam"11. Mais seguros e confiantes pela defesa dos velhos costumes, não tiveram
pejo em rematar que "ca mais rimaria ao fidalgo comprar dez gibanetes pera
pela mesma época, por Duarte da Gama, que também lamentava, entre os corte-
sãos que o escutavam, aqueles que "ham por cousa boa/ nam ter homens nem
destroir" 13. Nessa mágoa comum provocada pelas “desordens” do reino, como
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
cação dos gastos de que eles davam conta e que não escapara à argúcia de D.
no das suas casas14, caracterizava certamente muitas das grandes casas senhoriais
dos séculos XIV e XV. Com efeito, ao avaliar pelo património que detinham,
casos se conhecem15, o montante das despesas atingia uma dimensão muito con-
baldias, quer dizer, às geradas pela existência da própria casa, em boa parte mo-
tivadas pela manutenção de uma mesa farta e condigna, que constituía o centro
14 Cf. D. Duarte, Leal Conselheiro, introd. e notas de J. Morais Barbosa, Lisboa, 1982, cap.
32, p. 166.
15 Cf. M. Soares da Cunha, Parentesco e Poder. Casa de Bragança (1384-1483) , Lisboa,
1990, pp. 119-124; Luís Filipe Oliveira, A Casa dos Coutinhos: Linhagem, Espaço e Poder (1360-
1452), Cascais, 1999, pp. 84-94. Os testamentos do infante D. Henrique (cf. J. Silva Sousa, A
Casa Senhorial do Infante D. Henrique, Lisboa, 1991, pp. 258-279) proporcionam também uma
boa imagem das suas disponibilidades financeiras.
16 Para um panorama das despesas senhoriais, veja-se K. B. Macfarlane, “The English Nobi-
lity, 1290-1536”, The Nobility of Later Medieval England. The Ford Lectures for 1953 and Related
Studies, Oxford, 1973, pp. 83-101; K, Meyers, The English Noble Household (1250-1600). Good
Governance and Political Rule, Oxford, 1988, pp. 102-120.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
que o consumo pessoal do senhor e dos outros membros da sua casa, quer dizer,
a manutenção da própria casa, podia ascender a mais de 70% das receitas dispo-
níveis17. Em Portugal, as despesas dessa ordem não deviam ser então muito raras,
caso não fossem mesmo um rasgo estrutural, já que se documentam, pelo menos,
moderna 18.
cação das doações régias do senhorio de concelhos, colocando nas mãos dos se-
poucos, nobres que privavam mais de perto com a casa do soberano, razão que
17 Cf. K. Meyers, op . cit., apêndice B, pp. 216-7; Para Inglaterra, vejam-se ainda as observa-
ções de Ch. Carpenter ("The Fifteenth-Century English Gentry and their Estates", in M. Jones,
Gentry & Lesser Nobility in Late Medieval Europe, Nova Iorque, 1986, pp. 50), e as de M. C. Ger-
bert (La noblesse dans le Royaume de Castille. Etude sur ses structures sociales en Estrémadure de
1454 à 1516 , Paris, 1979, p. 290) e de J. Garcia Marsilla (La Jerarquia de la Mesa. Los Sistemas
Alimentarios en la Valencia Bajomedieval, Valência, 1993, pp. 196-197) para a Península.
18 Cf. Nuno G. Monteiro, O Crepúsculo dos Grandes (1750-1832), Lisboa, 1988, p. 444.
19 Cf. J. Mattoso, Identificação de um País. Ensaio sobre as origens de Portugal (1095-1325),
Lisboa, 1985, 2.º vol., p. 175.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
em que os reis não doavam terras do seu senhorio e pagavam as mercês com
bens provenientes dos seus tesouros 20. Mas bem depressa se generalizou essa
des casas senhoriais, que caracterizou os séculos finais da Idade Média. De facto,
natureza dos bens doados, que estavam sujeitos ao controle da Coroa e que mal
contribuiu certamente para uma maior estabilidade das fortunas nobres, favore-
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cronológica dos dois processos merece ser, pelo menos, cuidadosamente ponde-
rada, tanto mais que, para os períodos anteriores ao século XIV, não se tem em
sobretudo os cavaleiros e vassalos das suas mesnadas, sendo mais raras as men-
ciados, com fraca ou nenhuma especialização funcional, caso não estivesse asse-
rem algumas passagens dos Livros de Linhagens26, representam, talvez, esse uni-
veis à vida doméstica de um rico homem dos séculos XII e XIII. Um universo
23 Cf. J. Mattoso, op . cit., pp. 220-221; J. Augusto Pizarro, Linhagens Medievais Portugue-
sas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), diss. de dout. em História Medieval, Porto, 1997,
vol. II, pp. 1191 e ss.
24 Cf. J. Mattoso, op . cit., p. 214; id., Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros. A nobreza me-
dieval portuguesa nos séculos XI e XII, 2.ª ed., Lisboa, 1985, 179, 208, 219-220; Leontina Ven-
tura, op . cit., pp. 264-265, 292.
25 De acordo com D. Herlihy (Medieval Households , Londres, 1985, pp. 39, 52, 67), as mu-
lheres eram predominantes nos grupos domésticos das casas leigas e monásticas anteriores ao sé-
culo X.
26 Cf. Livros Velhos de Linhagens .Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série , vol. I, ed.
de J. Piel e J. Mattoso, Lisboa, 1980, LV 1M7 e LD 6AC10.
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para notabilizar quem nele se movia, e que não deixou, de resto, grandes marcas
res nomeados com títulos semelhantes aos da corte do rei, datam apenas de
meados do século XIII. Talvez vindo de além Pirinéus, onde se vulgarizara por
Anes tinha ao seu serviço vários mordomos, alguns clérigos e notários, além do
Peres de Aboim, de Rui Garcia de Paiva e de Gil Martins de Riba de Vizela 32,
27 Através de uma rápida consulta aos índices remissivos dos Livros de Linhagens, constata-
se que as referências a servidores senhoriais são muito poucas e pouco diversas. Em regra, os teste-
munhos mais significativos referem-se a membros da família dos monarcas, ou a linhagens de
Leão e de Castela. Para uma interpretação destas referências, vejam-se os comentários de J. Matto-
so, Identificação... cit., vol. I, pp. 220-221.
28 Cf. D. Crouch, The Image of Aristocracy in Britain (1000-1300), Londres, 1992, pp. 288-
291.
29 Cf. S. Barton, The Aristocracy in Twelfth- Century Leon and Castille, Cambridge, 1997,
pp. 58-61.
30 Para tudo isto, vejam-se as biografias organizadas por Leontina Ventura, op. cit., vol. II,
pp. 534, 537, 548, 555, 562.
31 Idem, ibidem, p. 594.
32 Idem, ibidem, pp. 571, 681-682, 697.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
entre outros. Por essa época, sem qualquer receio de ser mal entendido, Pero
Gomes Barroso, que poetava pela corte de Afonso X33, punha a ridículo um rico
sua casa:
outras famílias da nobreza portuguesa não devem ter seguido, porém, um ritmo
muito acentuado 35, embora o assunto esteja em boa parte por estudar. Para
muitos membros das famílias da corte de Afonso III, talvez menos sensíveis às
novas modas, não se conhece qualquer oficial das casas respectivas, como suce-
dia, por exemplo, com Pero Pais de Alvarenga, com Afonso Lopes de Baião,
33 Cf. A. Resende de Oliveira, “Trovadores Portugueses na Corte de Afonso X”, Actas das II
Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, Porto, 1990, vol. IV, pp. 1338, 1343; idem,
Depois do Espectáculo Trovadoresco. A estrutura dos Cancioneiros peninsulares e as recolhas
dos séculos XIII e XIV, Coimbra, 1992, p. 551.
34 Cantigas D’ Escarnho e De Mal Dizer dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, ed.
de Rodrigues Lapa, 2.ª ed., Coimbra, 1970, n.º 391.
35 Entre os cavaleiros ingleses (cf. D. Crouch, op . cit., pp. 302-304), a montagem de casas
próprias é um fenómeno tardio, típico do século XIV.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
com Nuno Martins de Chacim e com Egas Lourenço da Cunha36. Nada de dife-
rente ocorreria com as restantes linhagens nobres, mais afastadas dos modelos
divulgados pela corte do rei e geralmente com recursos menos avultados. Mais
quem o lia, que “ante nom avyom os Reys de Portugal em costume de darem
casa a nenhum filho, posto que erdeyro fose, em tal gujsa, que peroo que o
Jffante D. Afonso, filho del Rey D. Sancho, fose casado e tiuesse filhos, sendo ja
Qualquer que tenha sido a cronologia deste processo, nos séculos XIV e
cada vez mais, do modelo oferecido pela casa do rei. Salvaguardadas as distân-
dino 38. À sua frente estava aquele que era o chefe da linhagem, ou o "cabeça da
casa", como se começava a dizer por meados do século XV39, em quem recaía a
36 Cf. Leontina Ventura, op . cit., vol. II, pp. 585, 603, 630, 646.
37 Cf. Crónica dos Sete Primeiros Reis de Portugal, ed. crítica de Carlos da Silva Tarouca, Lis-
boa, 1952, vol. I, p. 281.
38 Cf. A. H. de Oliveira Marques, op . cit., pp. 245-6; A. B. Freire, Brasões da Sala de Sintra,
2.ª ed., Coimbra, 1930, t. III, pp. 241 e ss.
39 Cf. I. Beceiro Pita e R. Cordoba de La Llave, Parentesco, Poder y Mentalidad. La Nobleza
Castellana Siglos XII-XV, Madrid, 1990, pp. 89-90; Luís Filipe Oliveira, op . cit., p. 11.
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ção das alianças familiares e a representação política dos seus parentes. Como
mavam-se "em muyta homrra E proueyto della dicta Senhora dona Breolanja E
doutros seus parentes a dicta Casa dos Coutinhos ser sempre humentada E acre-
çentada" 40. Alguns anos mais tarde, em Julho de 1503, um sobrinho do mesmo
conde, talvez penhorado pelos trinta mil reais brancos que recebera, também re-
conhecia que cabia ao conde “mais que ha outrem aver os beens E eranças de
seu pay E avoos ficaram pera seer sempre comJumto e encorporado na decta
Nada disto impedia, porém, que outros parentes possuíssem as suas pró-
prias casas, geralmente de menores dimensões e muitas vezes situadas nos terri-
metade do século XV, era essa situação que se documentava entre os Coutinhos
gurada, com maior ou menor eficácia, por vários factores de coesão, desde a
comunhão do sangue e do nome, à partilha das tradições e até, por vezes, à utili-
40 I.A.N./T.T., Gaveta 15, Mç. 17, n.º 14. O mau estado da parte inicial deste documento
obrigou à utilização do Livro 30 da Reforma das Gavetas, fls. 287 v. e ss.
41 I.A.N./T.T., Gaveta 9, Mç. 6, n.º 21.
42 Cf. M. Soares da Cunha, op . cit.. pp. 60-64; Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 57-58, 81.
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ocasião de conflitos políticos, essa coesão não desaparecia por completo e dava
vam na hoste do chefe da linhagem, que dirigia normalmente uma comitiva mais
numerosa45.
43 A partilha das residências familiares está documentada entre os infantes de Avis (cf. R.
Costa Gomes, A Corte dos Reis de Portugal no Final da Idade Média, Lisboa, 1995, pp. 228-229),
e entre os Coutinhos (cf. Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 55-56, 124). Para os de Melo, numa
sentença de Abril de 1352 (José Mário Cumbre, Os Melo. Origens, trajectórias familiares e per-
cursos políticos (sécs. XII - XV), diss. mestrado em Hist. Medieval, Lisboa, 1997, doc. n.º 2 do
apêndice) há referência ao facto de Martim Afonso de Melo continuar a morar “no dito logo de mer-
loo todo o Ano ou a mayor parte dele”, embora o senhorio do lugar tivesse ficado para o seu irmão,
Lopo Afonso.
44 Cf. M. Soares da Cunha, op . cit., pp. 139-144; Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 65-66.
Vejam-se, ainda, as observações de D. Crouch, William Marshal. Court, Career and Chivalry in the
Angevin Empire (1147-1219), Londres, 1990, pp. 113-114.
45 Cf. I. Beceiro Pita e R. Cordoba de La Llave, op . cit., p. 57; Luís Filipe Oliveira, op . cit.,
p. 63; F. de Moxó Y Montoliu, La Casa de Luna (1276-1348). Factor Político y Lazos de Sangre en
la Ascension de un Linaje Aragonés, Munster, 1990, pp. 232-233, 236.
46 Cf. A. H. de Oliveira Marques, op. cit., pp. 82, 314; I. Beceiro Pita, "Los dominios de la fa-
milia real castellana (1250-1350)", Génesis Medieval del Estado Moderno: Castilla y Navarra
(1250-1370) , Valhadolide, 1985, pp. 80, 99.
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dores diferenciados47. Nas restantes casas, como sucedia, por exemplo, entre os
tração, dos ouvidores no plano judicial e dos escudeiros no âmbito dos cargos
militares 48. Neste último domínio, que reunia, em regra, o maior número de ser-
vidores, as diferenças eram muito significativas, já que nas casas dos infantes D.
da câmara, pelo que deveriam fazer parte das guardas pessoais respectivas.
que rodeava mais de perto o senhor da casa. Naquele que vivia com ele de con-
tínuo, como então se dizia, em quem o senhor mais se fiava e a quem se habitu-
ara a confiar as missões mais delicadas, em suma, naquele grupo de homens que
47 Além da síntese de Oliveira Marques (op . cit., pp. 257-260) e dos estudos aí citados, veja-se
R. Costa Gomes (A Corte dos Reis de Portugal no final da Idade Média, Lisboa, 1995, p. 226) e os
dados apresentados por J. Silva Sousa (A Casa Senhorial... cit., pp. 302-359, 393 e ss.), por S.
Pereira Lopes, (O Infante D. Fernando e a Nobreza Fundiária de Serpa e Moura (1453-1470), diss.
mestrado em Hist. Medieval, Lisboa, 1997, pp. 86-97) e por João Luís Fontes (Percursos e memó-
ria: do Infante D. Fernando ao “Infante Santo”, diss. mestrado em Hist. Medieval, Lisboa, 1999,
pp. 44-51 e os Anexo n.º 1 e 2, pp. 257-263). Para a casa do arcebispo de Braga e a da rainha D.
Leonor, veja-se J. Marques, A Arquidiocese de Braga no Século XV, Lisboa, 1988, pp. 169-226;
Ivo de Sousa, "Introdução ao Estudo do Património, da Casa e da Corte de D. Leonor", Espirituali-
dade e Corte em Portugal (Séculos XVI a XVIII), Porto, 1993, pp. 23-52.
48 Cf. Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 126-129.
49 Cf. J. Silva Sousa, op . cit., pp. 320, 424, ; S. Pereira Lopes, op . cit., p. 97 e n. 156; H. B.
Moreno, A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e Significado Histórico, Lourenço Marques,
1973, p. 433.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
muitos outros indivíduos, com destaque para aqueles que o senhor criara na sua
companhia e que o serviam, por vezes, no âmbito da sua sala, ou da sua câmara,
ainda, aqueles que tratavam das tarefas mais humildes na cozinha, nos estábulos,
guns destes últimos pertenciam não se documenta, contudo, com muita facili-
dade, tal como acontece, aliás, com o trabalho feminino51, embora se noticiem,
dor 52, ou mesmo duas lavadeiras da sala e da câmara, registadas na casa senho-
complexidade e uma maior divisão de tarefas nas casas de maior dimensão. Al-
50 Nos estudos disponíveis e atrás referidos raramente se encontra uma distribuição dos servi-
dores conhecidos pelas diferentes áreas de serviço, embora muitos deles estejam identificados pe-
los cargos respectivos. Vejam-se, no entanto, as indicações de Luís Filipe Oliveira (op . cit., pp.
126-130) e de João Luís Fontes (op . cit., p. 45 e n. 102).
51 Cf. R. Costa Gomes, op . cit., pp. 46-7; Luís Filipe Oliveira, op . cit., p. 122; João Luís
Fontes, op . cit., p. 46 e n. 103.
52 Entre outros, veja-se H. B. Moreno, op . cit., p. 491; J. Silva Sousa, op . cit., pp. 318, 456;
S. Pereira Lopes, op . cit., pp. 88, 96.
53 Cf. João Luís Fontes, op . cit., pp. 46 e n. 103, 257, 260.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
até de escrivães do forno, das compras, do tesouro e da cozinha 54, mau grado
cargos documentados na casa real era aí, por vezes, muito grande, chegando
nando 55, à imagem do que sucedia na corte dos reis portugueses. Nas restantes
especialização era bem menor, o que aumentava o carácter polivalente das fun-
ções que cada um era chamado a cumprir. No que respeita, por exemplo, aos
ridade56. Multiplicavam-se aí, por isso, os criados e escudeiros sem funções pre-
cisas no âmbito doméstico. Nas casas mais modestas, onde era fácil controlar as
cia devia ser ainda maior. Nenhum dos membros da casa de Martim Afonso de
Melo III se nomeava, de facto, pelas funções domésticas que aí lhe pertenciam57,
54 Há notícias desses escrivães nas casas dos infantes D. Pedro (H. B. Moreno, op . cit., pp.
466-467), D. Henrique (J. Silva Sousa, op . cit., pp. 317, 403, 412, 417, 448), D. Fernando (S.
Pereira Lopes, op . cit., p. 94) e na do Infante Santo (João Luís Fontes, op . cit., pp. 257, 258,
259, 260).
55 Cf. S. Pereira Lopes, op . cit., p. 95, onde se identifica João Gonçalves da Câmara como
membro do Conselho do infante. Note-se, porém, que o seu pai, João Gonçalves Zarco (cf. M.ª
Anita Machado, A Família e a Casa de João Gonçalves Zarco, diss. mestrado em Hist. Medieval,
Lisboa, 1997, p. 22.) também se identifica, em 1466, como conselheiro do mesmo infante.
56 Cf. Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 128-129.
57 Cf. José Mário Cumbre, op . cit., pp. 161, 172.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
tal como sucedia com aqueles, poucos, que compunham a de João Gonçalves
respectivos. Para muitos cavaleiros de menores recursos, nem mesmo este pata-
entre as casas principais e a corte do rei fazia com que muitas recrutassem os
seus criados entre as famílias dedicadas ao serviço régio, ou mesmo nas princi-
pais linhagens cortesãs. Como já foi observado, era isso que acontecia com as
casas dos infantes Pedro e Henrique 59, mas a mesma observação vale também
infantes às ordens militares favoreciam, por outro lado, que entrassem ao seu
que eles governavam, mas o mesmo acontecia na casa do Infante Santo 61. Em
17
LUÍS FILIPE OLIVEIRA
mais localizado, mais circunscrito às linhagens herdadas nos territórios que cada
uma controlava. Era esse padrão que se observava, pelo menos, no que toca aos
das na região de Lamego, quando não eram recrutados entre a sua parentela,
uma área de recrutamento um pouco mais vasta62. E como é evidente, todas es-
tas casas recrutavam, também, alguns dos seus criados e servidores nas famílias
para João Gonçalves Zarco sugerem uma casa composta por cerca de uma de-
ramos secundários dos Coutinhos, mas um pouco inferior aos valores encontra-
dos para a casa de Martim Afonso de Melo III, mais próximos das duas deze-
nas 63. Para os chefes da casa dos Coutinhos, o número de criados atingia natu-
homens, como se observava, por exemplo, nos casos de Gonçalo Vasques Couti-
18
EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
nho e do 4º conde de Marialva, Francisco Coutinho 64. Ainda assim, não é im-
quase total do antigo arquivo senhorial. Nas casas dotadas com um maior patri-
duos, registado para a casa do infante D. Fernando, e um máximo que talvez ul-
Nem toda esta multidão de criados e servidores tinha assento na corte se-
nhorial, embora muitos aí pudessem entrar por questões de serviço, ou por oca-
sião das grandes cerimónias que animavam aquele espaço, quando as portas dos
64 Cf. Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 125, n. 36, 127. M. C. Gerbert (ibidem) encontrou
valores aproximados para os titulares castelhanos.
65 A casa de D. Fernando da Guerra, arcebispo de Braga (cf. José Marques, A Arquidiocese de
Braga ... cit., pp. 223-225) integrava um total de 259 indivíduos.
66 Cf. S. Pereira Lopes, op . cit., pp. 86, 92-97; J. Silva Sousa, op . cit., p. 302. Este último
autor indica um total de 886 indivíduos na casa do infante, mas contabilizou aí muitos lavradores,
marinheiros e pescadores privilegiados por D. Henrique (cf. ibidem, pp. 303, 340). Para o cálculo
do valor indicado no texto utilizaram-se os totais parciais (ibidem, pp. 313-336) indicados pelo
mesmo autor.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
ele se demorava com maior assiduidade. Entre os chefes da casa dos Coutinhos,
quente nas outras residências da casa, mas noticiavam-se, ainda assim, no paço
distribuição dos seus senhorios, os Coutinhos possuíam ainda umas casas de mo-
O panorama não era, por certo, muito diferente nas outras casas senhoriais,
67 Para uma reconstituição das cerimónias que animavam a corte dos reis, veja-se R. Costa
Gomes (op . cit., pp. 300-320). Quanto às cortes senhoriais, veja-se João Luís Fontes (op . cit.,
pp. 53-61), sobretudo no respeito à capela do infante.
68 Para tudo isto, veja-se Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 122-124, 131-132.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
Porto de Mós70. Para o Infante Santo, além dos paços situados em vilas associa-
Os citados paços de Salvaterra devem ter transitado para o seu herdeiro, o in-
Cristo e de Santiago72, tinha uns paços em Belas, nos arredores de Lisboa, em-
bora a sua moradia principal se devesse situar em Beja, cidade que ficou ligada à
memória daquele infante 73. No caso dos infantes, dada a maior familiaridade
com a corte do rei, não é impossível que usufruíssem assiduamente dos espaços
presença dos infantes na corte de D. Duarte parece ter sido, pelo menos, muito
bem como da vida e das actividades que os animavam ao longo do ano, não se
faz, porém, com muito pormenor, nem com muita facilidade. As fontes disponí-
69 Cf. Paço dos Duques de Bragança. Guimarães, Boletim da DGMN, n.º 102, 1960, p. 15; M.
Soares da Cunha, op . cit., pp. 61, 98.
70 Cf. J. Vieira da Silva, “Paço dos Duques de Bragança em Guimarães”, Patrimonia, n.º 1,
1996, p. 29.
71 Cf. João Luís Fontes, op . cit., pp. 29-30, 54.
72 Cf. M. Sílvio Conde, Tomar Medieval. O espaço e os homens, Cascais, 1996, pp. 56, 68,
91; M.ª Teresa Pereira, Alcácer do Sal na Idade Média, diss. mestr. em Hist. Medieval, Lisboa,
1998, p. 74.
73 Cf. S. Pereira Lopes, op . cit., pp. 39-40, 83.
74 Cf. R. Costa Gomes, op . cit., pp. 228-229.
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
veis são, por norma, pouco esclarecedoras sobre muito do que se ia passando na
pintura. Na casa do Infante Santo, para lá dos livros e dos cantores que faziam
dito tangedor 77, enquanto o infante D. Henrique tinha um pintor entre os seus
A produção cultural que aí tinha lugar devia atingir, contudo, uma dimen-
são mais significativa. O papel da nobreza e das cortes senhoriais na criação lite-
75 Cf. Dionísio David, Escultura Funerária Portuguesa do século XV, diss. mestrado em Hist.
Arte Medieval, 3 vols., Lisboa, 1990; J. Vieira da Silva, Paços Medievais Portugueses. Caracte-
rização e Evolução da Habitação Nobre (sécs. XII-XVI), diss. doutoramento em Hist. Medieval, 2
vols., Lisboa, 1993.
76 Cf. Dicionário de Literatura Medieval ... cit., s.v. “Romance”.
77 Cf. João Luís Fontes, op . cit., p. 259.
78 Cf. J. Silva Sousa, op . cit., p. 450.
79 I.A.N./T.T., Gaveta 9, Mç. 2, n.º 16, fl. 6 v.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
rária assentava, aliás, numa tradição antiga, que nascera da sua relação com o de-
nhagens80, mas que não desapareceu nos séculos finais da Idade Média. Nos
1360-13625 e a segunda entre 1380 e 1383, sendo o autor desta última o res-
ponsável pela narrativa da batalha do Salado81. Uns anos mais tarde, desenvol-
via-se o labor literário de Martim Afonso de Melo III, que deixou uma crónica
culo XV, outros ambientes senhoriais estiveram por detrás da composição das
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LUÍS FILIPE OLIVEIRA
Garcia de Resende. Nessa mesma casa elaborou-se, ainda, uma primeira versão
rava confundir, por meados do século XV, as origens míticas da linhagem com a
fundação do próprio reino 86. Ao que parece, nem mesmo as casas mais modes-
mória dos feitos praticados ajudava a esquecer uma origem menos prestigiada e
ves da Câmara que se conservava, pelo menos, uma memória manuscrita que ele
Zarco.
por defeito. Muitas outras questões nem sequer foram tratadas, em particular
aquelas que dizem respeito ao modo como os senhores exerciam a sua autori-
85 Cf. Teófilo Braga, História da Literatura Portuguesa. I- Idade Média , Lisboa, s.d., pp.
246-247; Carolina Michaelis, Cancioneiro da Ajuda, reimp. da ed. de 1904, Lisboa, 1990, vol.
II, p. 267.
86 Cf. Luís Filipe Oliveira, op . cit., pp. 26-32, 52-53.
87 Cf. M.ª Anita Machado, op . cit., p. 34, n. 9.
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EM TORNO DAS CASAS SENHORIAIS
como daquelas que se definiam no plano nacional, em redor das grandes casas
senhoriais, encontra-se em grande parte por fazer. Quase nada se conhece acerca
poder dos monarcas, naturalmente mais distante, mas com uma capacidade de
pouco melhor, muito daquilo que distinguia as casas senhoriais e as afastava das
habitações comuns.
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