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MAS ELE(A) NÃO TEM DIDÁTICA!

Quantas vezes já não ouvimos de alunos que reclamam, ou mesmo de colegas que comentam sobre outros
proféssores, a afinnação: - Sabe muito da matéria que ensina, mas não tem didática!
Façamos uma breve análise de afirmações como essa, extremamente freqüentes e, infelizmente, na maior parte
das vezes, verdadeiras: O que significa não ter didática? Essa tal de didática constitui elemento genético, tal como
a cor da pele, que difere de um para outro, ou representa recurso pedagógico que se adquire nesta ou naquela
loja, da mesma forma como escolhemos este ou aquele livro?

Nem uma coisa, nem outra. Didática, em uma linguagem direta, significa conjunto de processos de ensinar, de
acordo com métodos definidos. Ora, se aceitarmos essa conceituação e, aparentemente, não há razões para que
a rejeitemos, é impossível esperar que um professor possua uma boa didática, se esse professor não possui um
bom método. Considerando que método é o mesmo que caminho ou modo de proceder, concluímos que a
primeira coisa que buscamos em um bom professor é que este seja aliado a um bom método.

Atualmente parece não haver qualquer dúvida de que o melhor método de aprendizagem é o que se inspira nos
domínios da ciência cognitiva e que se associa aos fundamentos postulados por Piaget. Segundo essa linha de
raciocínio, ensinar significa ajudar o aluno a aprender, atuar como mediador entre o conhecimento que está no
ambiente e os procedimentos mentais do aprendiz para efetivamente conquistá-lo. Essa forma de pensar,
portanto, mostra que o saber não é algo que vem de fora e que, transmitido pelo professor, se acumula na mente
do aluno, da mesma forma como se acumula em um balde a água que no mesmo se despeja. Se caminharmos
nessa direção, começamos a perceber qual o sentido da proposição que iniciou esta crônica. Saber tudo não
significa saber ensinar, pois se assim fosse bastaria entrar-se e navegar pela Intemet e dela sair com um mundo
de saberes, ainda que a maior parte dos mesmos inúteis. Compreendendo-se, pois, que não existe ensino sem a
coerência de um método, caminha-se à frente e indaga- se: - Quais seriam esses conjuntos de processos de
ensinar que a definição de didática sugere?

Essa busca já não nos parece assim tão simples. Em primeiro lugar, há que se considerar que antes de se buscar
processos é essencial que se identifique o que se deseja ensinar e para quem se deseja ensinar. Métodos
interessantes para o ensino de Língua Estrangeira, por exemplo, nem sempre se mostram eficientes para a
aprendizagem da Matemática, como certamente os que atuam de forma mais expressiva na compreensão de
crianças não são os que melhor ajudam essa admirável turma de jovens e adultos que, desconfiados, buscam
superar limites. Isso posto, parece que se evidencia um tripé que traça as linhas de um bom ensino. Todo
professor que trabalha de acordo com um bom método necessita saber o que ensinar e, portanto, possuir um
seguro domínio sobre os conteúdos que busca transmitir e, além disso, efetivamente conhecer seus alunos,
percebendo com clareza e tirocínio os saberes que já póssuem e criará conexões desses saberes com os saberes
do conteúdo que visa a desenvolver. Sem esse tripé - método, conteúdo, conhecimento dos saberes dos alunos -,
falar em didática, e dessa forma buscar conjunto de processos, representa utopia, vontade de erguer paredes sem
se pensar na essência dos seus alicerces.

Mas, se o professor montou bem esse tripé, quais poderiam ser esses processos? Ainda que ressalvando a
inexistência de processos que sirvam para todos em todas as circunstâncias, custa bem pouco discutir algumas
propostas. Um dos mais importantes procedimentos didáticos, sem dúvida, é a significação. É praticamente
impossível guardarmos na memória qualquer informação ou mensagem que não possua significado.
Experimentemos lembrar, daqui a um mês ou ainda menos, da informação milos bedanhã zannucam ata.

Veremos que é quase impossível, pois esse conjunto de palavras não diz nada, não representa referência que se
soma a outras que em nossa mente existem. Mas, se usando essas mesmas letras, reescrevemos a informação,
poderá sair: manhã de sol em Itaniambuca e, dessa maneira, será mais fácil guardar a informação, pois, ainda que
nada saibamos sobre essa praia, poderemos associá-la a outras manhãs de sol que passamos em outras
paragens. A única diferença — posto que as letras são as mesmas — entre a maluquice de milos bedanhã
memucam ata e a deliciosa manhã de sol em Itamambuca é exatamente a significação ausente na primeira e
riquíssima na segunda sentença. E por esse motivo que todo professor que possui excelente didática é sempre
um admirável construtor de significados, especialista em levar o aluno a associar os saberes que possui da vida
que leva aos saberes escolares da disciplina que se deseja apreendida...

Celso Antunes

Revista do Professor, Porto Alegre, n.21, p.50, 2001.

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