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Se Deus e Bom Por Que Existe o Sofriment PDF
Se Deus e Bom Por Que Existe o Sofriment PDF
UMA
ANÁLISE DE TRÊS ABORDAGENS PASTORAIS POPULARES
PARA O PROBLEMA DO MAL
Jean Francesco A. L. Gomes1
RESUMO
O objetivo deste artigo é avaliar três abordagens pastorais de autores renomados
no meio popular e acadêmico, cada um representando uma linha teológica específica, no
que diz respeito ao problema do sofrimento. A primeira abordagem a ser analisada será
o universalismo de Rob Bell. A segunda é conhecida como Teísmo aberto endossada
por Gregory Boyd, e a terceira é uma versão evangélica pessoal de N. T. Wright. Para
tanto, serão consideradas as raízes teológicas das aplicações feitas pelos autores, suas
possíveis inconsistências e/ou má interpretação de textos bíblicos. Ao final deste artigo
será proposta uma abordagem pastoral da teodiceia a partir de uma perspectiva teológica
reformada.
PALAVRAS-CHAVE
Problema do sofrimento/mal; Rob Bell; Greg Boyd; N. T. Wright;
Universalismo; Teísmo Aberto; Teodiceia.
INTRODUÇÃO
Existem três possíveis perguntas inquietantes sobre o problema do sofrimento
humano. Primeira, se Deus é bom, por que ele permitiu a entrada do mal neste mundo?
Segunda, se Deus sabe todas as coisas, inclusive o futuro, por que ele não intervém
neste problema? Terceira, se Deus é Todo-Poderoso, por que ele não impede e acaba
com o mal de uma vez por todas? Para responder a essas perguntas, três autores serão
estudados nesta pesquisa: Rob Bell, Gregory Boyd e N. T. Wright.
1
O autor é pastor presbiteriano, bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul
(2009) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016), mestre em Teologia Sistemática
pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, CPAJ (2017). É professor visitante do
Seminário Teológico Servo de Cristo, em São Paulo.
Bell é um famoso pastor norte-americano que exerceu muita influência na igreja
que foi fundador, a Mars Hill Bible Church, situada em Grand Rapids, Michigan, e em
muitos lugares do mundo com sua série de curta-metragens “Nooma”. Atualmente Bell
não é mais pastor de sua igreja local. Hoje ele mora em Hollywood, tem se dedicado a
escrever livros e recentemente participou de uma turnê com a Oprah.2 Neste estudo será
analisado o seu livro Love Wins3, publicado nos Estados Unidos em Março de 2011 e
em português como O Amor Vence, em 2012, pela editora Sextante4. Embora essa obra
tenha um caráter predominantemente escatológico, ela também apresenta a abordagem
pastoral do autor para o problema do sofrimento.
Boyd também é um escritor e pastor evangélico norte-americano. Atualmente
pastoreia a Igreja em Woodland Hills St. Paul, Minnesota. Sua abordagem sobre o
problema do sofrimento está presente em três obras que formam uma trilogia, na
ordem5: God At War (Deus em guerra), publicada em 1997, Satan And The Problem Of
Evil (Satanás e o problema do mal), em 2001 e Is God to Blame? (Deus é culpado?) em
2003.
Wright é um dos mais renomados biblistas anglicanos da atualidade. Ele é
conhecido por suas publicações de teor erudito nas áreas de pesquisa do Novo
Testamento e também, como bispo anglicano, tem escrito muito material de cunho
pastoral. Sua abordagem sobre o problema do sofrimento encontra-se especificamente
no livro O Mal e A Justiça de Deus6, publicado pela editora Ultimato em 2009, entre
outras obras.
2
Apresentadora muito famosa dos Estados Unidos com programas sobre espiritualidade,
geralmente são voltados a Nova Era, misticismo e Autoajuda.
3
BELL, Rob. Love Wins: A book about Heaven, Hell and the Fate of Every Person Who Ever
Lived. New York: Harper One, 2011.
4
Na edição em português publicada pela Editora Sextante o livro é catalogado na categoria
Autoajuda. Os editores perceberam que mais do que uma obra teórica de teologia, o autor quer
influenciar as emoções dos leitores. Sem dúvidas, o livro carrega uma proposta pastoral na lida
com o problema do sofrimento humano.
5
BOYD, Gregory. God At War: The Bible and The Spiritual Conflict. Downers Grove, IL,
InterVarsity Press, 1997; ______. Satan and the Problem of Evil: Constructing a Trinitarian
Warfare Theodicy. Downers Grove, IL, InterVarsity Press, 2001. ______. Is God to Blame?
Beyond Pat Answers to the Problem of Suffering. Downers Grove, IL, InterVarsity Press, 2003.
6
WRIGHT. N.T. O Mal e a Justiça de Deus: Mundo injusto, Deus justo? Viçosa: Editora
Ultimato, 2009.
Este artigo se propõe a analisar as abordagens de cada autor, as raízes teológicas
de suas aplicações, possíveis inconsistências e a forma como interpretam os textos
bíblicos. Ao final de tais análises, será apresentada uma abordagem teológica para o
problema do sofrimento alinhada com a tradição reformada.
Além dos textos citados acima, Bell utiliza uma quantidade impressionante de
textos bíblicos para defender essa suposta redenção universal (Sl 65, Ez 36, Is, Zc, Fp 2,
Sl 22 e muitos outros). Contudo, ele se esquece de mencionar que tais referências são
promessas feitas por Deus ao povo da aliança; elas não proclamam a salvação de toda a
humanidade, mas da restauração da criação, do mundo físico no qual habitarão os
cristãos salvos. Algumas delas estão conectadas às nações que virão até Deus (gentios)
e outras falam sobre o reconhecimento universal de crentes e incrédulos que haverá no
último dia, no retorno de Jesus.
As interpretações de Bell estão muito longe da realidade. Os textos foram
forçados a dizer o que ele quer que digam. A “boa intenção de Bell” é argumentar em
prol do seu desejo que todas as pessoas, sem exceção, sejam finalmente salvas. Um
exemplo deste exagero hermenêutico foi a interpretação de João 14.6, que claramente
afirma a exclusividade de Jesus para a salvação:
O que ele não está dizendo é como, ou quando, ou de qual maneira o
mecanismo funciona para trazer pessoas para Deus através de Jesus.
Ele nem mesmo estabelece que aqueles que vem até o Pai através de
Jesus saberão que vieram exclusivamente através dele. Ele
simplesmente afirma que o que Deus está fazendo no mundo para
conhecer, redimir, amar e restaurar o mundo está acontecendo através
dele (p. 154).
7
Blueprint é planta baixa de um edifício. Ele usa esta metáfora para criticar a visão de que a
vontade de Deus funciona dentro de um esquema fechado e previamente estabelecido.
forma se encaixe num esquema misterioso de Deus” (p.13). A crítica dele sobre a visão
reformada é resumida de forma simples:
Na visão desse autor a explicação para o sofrimento não está em Deus, pois essa
visão de Deus ter decretado todas as coisas não faz sentido nem com a Bíblia, muito
menos com a realidade. Portanto, a proposta de Boyd é que o mal surgiu devido a uma
guerra cósmica envolvendo Deus e Satanás e, posteriormente a raça humana. Deus criou
os anjos e seres humanos de tal maneira que poderiam resistir abertamente a vontade de
Deus. Eles são agentes livres, podem resistir e em alguns casos até frustrar os
propósitos de Deus (Gn 6.6, Is 63.10, Lucas 7.30, Atos 7.51, etc.). Sua vontade geral
para o mundo não pode falhar, mas suas vontades particulares frequentemente falham
(p.15). Ele chama essa maneira de pensar de warfare worldview (cosmovisão de
guerra).
Boyd assume o dualismo filosófico como eminentemente bíblico. O sofrimento
e o mal não são culpa de Deus, mas especificamente de Satanás, o anjo mais poderoso
do cosmos, seguido por seus anjos aliados e, por fim, pelos seres humanos que agiram
de forma contrária a vontade de Deus. De quem é a culpa pelo sofrimento do mundo?
Em resumo, a culpa é de Satanás que iniciou o processo de rebelião contra a vontade de
Deus acompanhado de seus anjos e também da humanidade. Deus está, hoje, se
esforçando para derrotar Satanás. Na prática, isso significa que “não enxergamos mais
uma criança sequestrada como parte dos planos de Deus e sim como uma vítima de
guerra. Os culpados disso são os seres que estão em oposição à vontade de Deus”
(p.16).
Com muita coerência, Boyd admite a principal brecha de sua tese: fazer Deus
alguém incapaz de frear o mal no mundo. Para solucionar o problema, ele argumenta
que Deus não previne as tragédias do mundo por duas razões. Primeira, porque não
escolheu prevenir; segunda, porque não pode prevenir. Na opinião do autor Deus não
escolheu não prevenir o mal no mundo, ele simplesmente não é capaz de fazê-lo (p.16).
O livro todo - 456 páginas - foi escrito para resolver esse problema: Como reconciliar a
figura de um Deus Todo-Poderoso, mas que não é capaz de intervir em eventos da
história?
A resposta que ele encontrou foi a de tentar tornar filosoficamente coerente a
cosmovisão de guerra que “está na Bíblia” com a aparência destrutiva que o mundo
experimenta hoje. A resposta está em redefinir a natureza do amor. É impossível Deus
alcançar seu objetivo de que seus filhos o amem de forma livre sem que ele se arrisque
no processo. Deus, portanto, arriscou criar o mundo convidando outros para
compartilhar de seu amor Triúno, sabendo que poderia ser rejeitado (p.19). Boyd chega
a dizer: “o nosso consolo é saber que em algum dia essa guerra e o sofrimento irão
acabar, mas jamais podemos partir dessa esperança para afirmar que Deus tenha algum
envolvimento com o mal no mundo” (p.17).
A implicação pastoral de Boyd é que qualquer resposta que possamos oferecer
sobre o problema do sofrimento deve sempre se relacionar “às contingências da criação
e à guerra que estamos envolvidos e jamais a soberania arbitrária de Deus” (p.224).
Quando o sofrimento confronta a humanidade e a coloca em busca de explicações,
nunca é sábio duvidar do caráter de Deus, mas sim questionar o número infinito e
desconhecido de variáveis possíveis para tal evento. O autor escreveu este livro com o
desejo de trazer paz aqueles que experimentam o mal concretizado em suas vidas,
mostrando que Deus não é a causa de sua dor, pelo contrário, ele é totalmente amoroso
e confiável e está fazendo tudo o que pode neste momento para trazer o bem as suas
vidas. Quando o seu reino for consumado todos nós que ansiosamente o esperamos,
saberemos naquela hora que ter pensado assim valeu a pena (p.357).
Wright diz que os Evangelhos contam uma história que permanece única entre
toda a literatura do mundo, entre todas as teorias e visões religiosas do mundo: “a
história do Deus Criador assumindo a responsabilidade pelo que aconteceu com a
criação, carregando o peso dos problemas dela em seus ombros” (p.84). A chave para
entender o mal e como Deus lidou com ele está no tema do Christus Victor, “a crença
de que sobre a cruz Jesus venceu os poderes do mal” (p. 85).
A teologia da cruz é um desafio para todos aqueles que sofrem, pois o chamado
do evangelho é para “a Igreja implementar a vitória de Deus no mundo por meio do
amor sofredor. A cruz não é apenas um exemplo a ser seguido, é um feito a ser
exercitado, posto em prática” (p.88). A cruz leva a Igreja ao desafio de sofrer no mundo
seguindo o exemplo de Cristo, por outro lado, a ressurreição leva a Igreja ao consolo de
que o mundo será totalmente restaurado na nova criação. Em suas palavras, “o que
Jesus conquistou com sua morte e ressurreição é a base, o modelo e a garantia do
propósito final de Deus: livrar o mundo completamente do mal e estabelecer sua nova
criação de justiça, beleza e paz” (p.92).
A abordagem para o problema do sofrimento, em linhas gerais, é simples. Deus
lida com o mal em Jesus Cristo, o Deus encarnado que absorveu historicamente a queda
em sua vida e a venceu em sua morte. Por isso, aqueles que sofrem podem receber
esperança presente de livrar-se do mal pessoal - o pecado - e serem desafiados para lutar
contra o mal no mundo - a injustiça cósmica - aguardando e apressando o dia da nova
criação, um mundo sem a presença do mal e do sofrimento. Essa é uma posição
eminentemente cristã evangélica na abordagem do problema do sofrimento.
8
WRIGHT, N. T. Surpreendido pela esperança. Viçosa: Ultimato, 2009, p. 200.
Terceiro, Wright utiliza expressões estranhas quando analisa os propósitos de
Deus na história. Ao explicar como Deus agiu no Antigo Testamento para resolver o
problema do mal, o autor diz que “Deus segue um plano ousado e arriscado que o
envolve em tantas ambiguidades” (p. 68). Deus certamente usa contingências e fatos
inusitados para concretizar seus propósitos, mas eles nunca são arriscados, pois Deus é
todo sábio, seu plano é perfeito e nada do que ele decidiu pode ser frustrado.
Expressões deste nível colocam a destreza do autor em dúvida ao abordar o assunto.
Outra coisa que incomoda na leitura de Wright são duas digressões infrutíferas.
Por um lado ele apresenta um grande problema a ser resolvido, as teses e abordagens
erradas para solucioná-lo, e por fim, dá voltas e voltas para repetir o que já tinha
respondido no prefácio do livro. Além desses aspectos, poder-se-ia falar de alguns
equívocos de Wright quando ele confronta algumas “teorias da expiação” (p.67, 81-83).
Aqui claramente ele faz referência a superioridade da Nova Perspectiva de Paulo,
todavia, não será feita nenhuma análise de sua posição a esse respeito, já que esse
assunto foge totalmente do escopo temático deste estudo.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi avaliar três abordagens pastorais de autores
renomados no meio popular e acadêmico no que diz respeito ao problema do
sofrimento. A partir das análises, foram apresentadas as conclusões teológicas e
pastorais dos referidos autores, seus pressupostos, possíveis inconsistências lógicas e
inadequadas apropriações do texto bíblico. Finalmente, foi proposta uma abordagem
para a teodiceia de acordo com os fundamentos da cosmovisão reformada.
Nunca é sábio julgar a obra do Criador antes dele mesmo dizer a última palavra.
A partir de uma ótica cristã e reformada, este artigo alega que Deus tem o mosaico da
história humana em suas mãos terminado. Embora aos olhares humanos a história
pareça ser um quebra-cabeças repleto de espaços vazios e peças aparentemente
deslocadas, a perspectiva bíblica continua insistindo que Deus segue os seus planos à
risca. Mesmo as peças mais escuras da história humana são parte do cenário da beleza e
infinita glória do eterno Deus.
Sem abrir concessões a respeito de seus atributos e de seu plano eterno para a
história, a mensagem bíblica propõe uma atraente e segura esperança de que este mundo
será finalmente restaurado e liberto das manifestações do mal que ainda atuam na
história. Por essa razão, os redimidos, a despeito das dores que ainda experimentam no
presente, podem desde já descansar nas promessas de Deus, na sua muita bondade e
amor inigualável.
Referências bibliográficas
BELL, Rob. Love Wins: A book about Heaven, Hell and the Fate of Every Person Who
Ever Lived. New York: Harper One, 2011.
BOYD, Gregory. God At War: The Bible and The Spiritual Conflict. Downers Grove,
IL, InterVarsity Press, 1997;
______. Is God to Blame? Beyond Pat Answers to the Problem of Suffering. Downers
Grove, IL, InterVarsity Press, 2003.
______. Satan and the Problem of Evil: Constructing a Trinitarian Warfare Theodicy.
Downers Grove, IL, InterVarsity Press, 2001.
WRIGHT. N.T. O Mal e a Justiça de Deus: Mundo injusto, Deus justo? Viçosa:
Editora Ultimato, 2009.
________. Surpreendido pela esperança. Viçosa: Ultimato, 2009.