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Sahlins, Marshall. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

Prefácio

- “Este livro representa uma crítica antropológica da idéia de que as culturas


humanas são formuladas a partir da atividade prática e, mais fundamentalmente
ainda, a partir do interesse utilitário. À idéia em questão chamo geralmente de
“teoria da práxis”, quando a atenção recai nas formas de atividade econômica, ou
de “teoria da utilidade”, quando diz respeito à lógica do proveito material
governando a produção. Gostaria de restringir a “práxis” basicamente ao sentido
da ação produtiva, seu sentido principal nos escritos marxistas, incluindo, como
nessa literatura, tanto os aspectos objetivos do processo quanto os subjetivos: por
um lado, as relações e meios de produção historicamente dados; por outro, a
experiência que os homens têm de si próprios e dos objetivos da sua existência
durante a transformação produtiva do mundo através de uma determinada forma
instrumental. A “utilidade” também pode ser pensada nas dimensões subjetiva e
objetiva, embora muitas teorias não especifiquem bem qual a lógica prática que
tomam como base da ordem cultural. Para algumas, contudo, é claro que a cultura
deriva da atividade racional dos indivíduos na perseguição dos seus melhores
interesses. Este é o “utilitarismo” propriamente dito; sua lógica é a maximização
das relações meios-fins. As teorias da utilidade objetiva são naturalistas ou
ecológicas. Para elas, o saber material determinante substancializado na forma
cultural é a sobrevivência da população humana ou da ordem social dada. A lógica
exata é o proveito adaptativo ou a manutenção do sistema dentro de limites
naturais de viabilidade. Contrapondo-se a todos esses gêneros e espécies de
razão prática, este livro apresenta uma razão de outra espécie: a simbólica ou
significativa. Toma como qualidade distintiva do homem não o fato de que ele
deve viver num mundo material, circunstância que compartilha com todos os
organismos, mas o fat de fazê-lo de acordo com um esquema significativo criado
por si próprio, qualidade pela qual a humanidade é única. Por conseguinte, toma-
se por qualidade decisiva da cultura – enquanto definidora para todo modo de
vida das propriedades que o caracterizam – não o fato de essa cultura poder
conformar-se a pressões materiais, mas o fato de fazê-lo de acordo com um
esquema simbólico definido, que nunca é o único possível. Por isso, é a cultura
que constitui utilidade” (p. 7-8).

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- No primeiro capítulo, a discussão é sobre a possível ou não aplicação do
marxismo no estudo de sociedades primitivas. A conclusão provisória é a de que o
marxismo e os estruturalismos antropológicos são somente contribuições teóricas
relativas, apropriadas respectivamente para épocas históricas ou universos
culturais específicos (p. 8).

- No segundo capítulo sugere-se que os problemas que dividem o marxismo e a


teoria cultural têm similares profundos na história do pensamento antropológico
sobre a sociedade “primitiva”. A elucidação da controvérsia entre a razão cultural e
a prática dentro da Antropologia é seu objeto (p. 8). A partir dessa elucidação,
torna-se possível criticar o materialismo histórico no capítulo 3 e inserir a
sociedade burguesa no reino da ordem simbólica, no capítulo 4. O objetivo do
capítulo 4 é realçar a estrutura simbólica na utilidade material (p. 8).

- O conceito antropológico de cultura coloca o desafio à razão prática na sua


forma mais enérgica e também deixa para trás dualismos tão antigos quanto o
espírito e a matéria, o idealismo e o materialismo (p. 8).

- O debate entre o prático e o significativo é a questão fatídica do pensamento


social moderno (p. 8).

- Sobre a relação entre sujeito e objeto. Sahlins critica a inserção da cultura na


problemática de se ela representa a experiência “real” do sujeito ou as suas
concepções ideais. Na verdade, a cultura é a condição social de possibilidade de
cada uma e de ambas. “É aqui que está a contribuição especificamente
antropológica ao dualismo estabelecido: um terceiro termo, a cultura, não
simplesmente mediando a relação humana com o mundo através de uma lógica
social de significação, mas compreendendo através daquele esquema os termos
objetivo e subjetivo relevantes da relação” (p. 9).

- “Neste livro, afirmo que o significado é a propriedade específica do objeto


antropológico. As culturas são ordens de significado entre pessoas e coisas. Uma
vez que essas ordens são sistemáticas, elas não podem ser livre invenção do
espírito. Mas a antropologia deve consistir na descoberta do sistema, pois, como
espero mostrar, não pode mais contentar-se com a idéia de que os costumes são
simplesmente utilidades fetichizadas” (p. 9).

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- Capítulo 2 – Cultura e Razão Prática – dois paradigmas da teoria
antropológica

- O conflito entre a “razão prática” e os limites da mente insere-se numa


contradição básica, entre cujos pólos a antropologia tem oscilado desde o século
XIX, como um prisioneiro caminhando de um lado a outro de uma cela (p. 61).

- Definição simbólica da cultura x determinismo tecnológico (em Leslie White,


aparecem as duas coisas).

- “As alternativas nesse venerável conflito entre utilitarismo e um enfoque cultural


podem ser colocadas da seguinte forma: se a ordem cultural tem de ser concebida
como a codificação da ação intencional e pragmática do homem, ou se, ao
contrário, a ação humana no mundo deve ser compreendida como mediada pelo
projeto cultural, que ordena imediatamente a experiência prática, a prática
ordinária, e o relacionamento entre as duas” (p. 61).

- A cultura sempre aparece relacionada a uma ou outra ordem dominante – a


lógica “objetiva” da “superioridade prática” ou a lógica “significativa” no “esquema
conceitual”. “No primeiro caso, a cultura é um sistema instrumental; no segundo, o
instrumental se encontra sujeito a sistemas de uma outra espécie” (p. 61-62).

- Antinomia clássica: infra-estrutura e superestrutura, uma “material”, a outra


“conceitual” (p. 62).

- Posição. “As chamadas causas materiais devem ser, enquanto tais, o produto de
um sistema simbólico cujo caráter cabe a nós investigar, pois sem a mediação
desse esquema cultural nenhuma relação adequada entre uma dada condição
material e uma determinada forma cultural pode ser especificada” (p. 62-63).

- As determinações gerais da práxis [sentido da ação, incluindo tanto os aspectos


objetivos do processo quanto os subjetivos: por um lado, as relações e meios
historicamente dados; por outro, a experiência que os homens têm de si próprios e
dos objetivos da sua existência durante a transformação do mundo através de
uma determinada forma instrumental] estão sujeitas às formulações específicas da
cultura, isto é, de uma ordem que goza, por suas propriedades de sistema
simbólico, de uma autonomia fundamental” (p. 63).

- Morgan.

- Morgan foi caracterizado na academia como um idealista, devido à sua ênfase


no desdobramento dos “germes originais do pensamento”; como materialista, por
firmar a evolução social sobre o desenvolvimento das práticas de subsistência; e
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ainda como “dualista filosófico”, por sua dependência simultânea de ambos. Por
ter feito uma alusão à lógica natural da mente, alguns o considevaram um
“mentalista”, enquanto outros o acusavam de “racismo”, por ter referenciado a
cultura ao organismo (incluindo a famosa “transmissão de hábitos através do
sangue”) (p. 63).

- É importante não confundir uma certa semelhança da terminologia de Morgan


como o discurso do moderno estruturalismo: a invocação dos “germes originais do
pensamento” desdobrando-se em resposta aos desejos e necessidades humanos,
mas de acordo com a lógica natural da mente [Diferença em relação a Lévi-
Strauss] (p. 63-64). A mente aparece na teoria de Morgan mais como um
“instrumento” do desenvolvimento cultural do que como seu autor. Mais “passiva”
que ativa, simplesmente racional, ao invés de simbólica. A inteligência responde
reflexivamente a situações que não produz nem organiza, de modo que no final o
que é realizado em formas culturais é uma lógica prática: biológica nos primeiros
estágios, tecnológica nos últimos. A qualidade simbólica da cultura não aparece
no esquema de Morgan; nele as palavras são simplesmente “os nomes de coisas”
(p. 64).

- Ancient Society. O casamento punaluano. Foi para Morgan “o triunfo da biologia


na sociedade”, uma grande reforma nas uniões consangüíneas de irmãos e irmãs
em um grupo que ele caracterizou como possuidor da mais “rudimentar
humanidade”. A terminologia do parentesco dos havaianos comprovava o “estado
consangüíneo original”, uma vez que todos os homens de uma mesma geração
eram “irmãos”, todas as mulheres “irmãs” e os filhos de todos, “filhos” e “filhas”.
Mas a prática do casamento, punalua, exigia a exclusão das irmãs do grupo de
mulheres compartilhado pelos irmãos, e vice-versa. Morgan concluiu que a
contradição entre casamento e parentesco no Havaí remontava aos primeiros
estágios de emancipação do “estado consangüíneo” [Lembrar da idéia de que ele
falava de promiscuidade primitiva só porque os termos de parentesco eram os
mesmos para diferentes “parentes”; lembrar que ele era evolucionista social!] (p.
64).

- O que Morgan está dizendo é que a diferença entre marido e irmão não é uma
construção simbólica colocada no mundo, mas a decorrência racional de uma
diferença objetiva no mundo, isto é, entre homens biologicamente superiores e
inferiores. Percepção das vantagens biológicas como resultantes da diferença,
uma representação em termos sociais de uma lógica externa a esses termos. A
reforma caracterizada pela punalua foi a primeira de uma longa série que culminiu
na monogamia, para Morgan. Uma série na qual a espécie humana livrou-se
progressivamente de uma “promiscuidade original”, dos males decorrentes da
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procriação consangüínea. E esse primeiro passo resume a noção que Morgan tem
do todo: ele foi efetuado pela observação e pela experiência; atenção às
conseqüências deletérias do casamento dentro do grupo e a experiência das
vantagens mentais, portanto institucionais do casamento fora do grupo. Portanto,
pensamento é reconhecimento e a mente é um veículo pelo qual a natureza é
compreendida como cultura (p. 65).

[Idéia da cultura como instrumentalidade].

- A teoria pode ser resumida da seguinte forma: os homens cedo desenvolveram


certas práticas, formas de comportamento, como a exclusão de irmãos e irmãs de
uniões sexuais de grupo, que provaram naturalmente ser úteis e vantajosas. As
vantagens foram apreciadas e os comportamentos formulados como modos de
organização que, por sua vez, estavam sujeitos à reflexão secundária, ou à
codificação na terminologia do parentesco. A linha geral de força da demonstração
de Morgan, a orientação do efeito lógico, vai dos limites naturais à prática
comportamental, e desta última à instituição cultural:

Circunstânciapráticaorganização e codificação (instituição).

[Idéia de que uma “vantagem adaptativa” leva a uma “vantagem prática].

- Consistindo simplesmente na capacidade de agir racionalmente sobre a


experiência, a inteligência que Morgan entende como humana não difere da de
outras espécies mamíferas, especialmente do castor. Na sua famosa monografia
The american beaver and his works (1868) [no texto está errada a data!], Morgan
defendeu a idéia de que o princípio do pensamento era comum aos homens e aos
animais. As qualidades mentais do castor são “essencialmente as mesmas que
aquelas manifestas pela mente humana”. A diferença entre essas qualidades e o
pensamento humano, “e, por inferência, entre os princípios que eles representam
respectivamente, é de grau, não de gênero”. A semelhança específica consistiria
na capacidade de se fazer um “uso racional” das percepções transmitidas pelos
sentidos para agir de maneira prática sobre a experiência. O “real” é algo dado,
tanto na existência quanto na estrutura, e para a mente humana (“espírito”) é
apenas uma questão de tomar posse dessa realidade. Aquilo que existe e subsiste
“fora de nós” deve ser, por assim dizer, transportado para a consciência, alterado
em alguma coisa interna, sem contudo acrescentar nada de novo ao processo (p.
67).

- Morgan reduziu então a linguagem ao ato de nomear as diferenças manifestas


na experiência. Preferiu respeitar a continuidade da inteligência, às expensas da
criatividade da linguagem sustentando que o castor era apenas “silencioso”, mas
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não “mudo”, chegando mesmo a afirmar que a capacidade lingüística do homem
era apenas rudimentar na “Selvageria”, desenvolvendo-se gradualmente através
de um longo período (p. 67-68).

[Aproximação do “selvagem” à animalidade].

- Morgan foi, então, um antropólogo pré-simbólico.

[Ler nota da pagina 67 – ele estava preocupado com o “real” observável, não com
estruturas subjacentes ou internas].

- Sahlins vai dizer que esse tipo de idéia “pragmática” da cultura é comum até
hoje. Análises que negligenciam a arbitrariedade fundamental da palavra.
Supondo que exista uma relação entre o conceito e a realidade objetiva à qual ela
[a linguagem] se refere. Assim, a linguagem só é simbólica no sentido de que
representa o mundo de uma outra forma, mas que não tem sentido algum se
retirada do mundo (p. 68).

- Mas a arbitrariedade do símbolo é a condição indicativa da cultura humana. A


combinação de sons sheep (ovelha) não tem qualquer conexão necessária com o
animal designado desse modo; da mesma forma que a palavra mouton; mas
porque o conceito de carneiro varia culturalmente. Exemplo vem de Sausurre
[lingüista estrutural] que usa esse exemplo para mostrar a diferença entre valor e
significação lingüísticos. As palavras francesa e inglesa referem-se à mesma
espécie, mas o fazem de modo diferente – cada uma em virtude das
diferenciações de significados das diferentes línguas exprimem uma concepção
distinta das (e em relação às) espécies. A palavra inglesa não se aplica ao animal
enquanto um prato, culinário, para o qual há um segundo termo mutton, mas o
francês ainda não distingue “o cru e o cozido” (p. 68). [Pork (carne suína) e pig
(animal) – em português, porco].

- No que diz respeito ao conceito ou significado, uma palavra é referível não


simplesmente ao mundo externo, mas antes de tudo ao seu lugar na língua, ou
seja, a outras palavras relacionadas [idéia de sistema]. Por sua diferença em
relação a essas palavras, constrói-se sua própria avaliação do objeto, e no
sistema dessas diferenças há uma “construção cultural da realidade”. Nenhuma
língua é uma simples “nomenclatura” (p. 69).

- Segundo Cassirer, “a linguagem não entra em um mundo de percepções


objetivas acabadas, somente para acrescentar, a objetos individuais dados e
claramente delimitados uns em relação aos outros, “nomes” que seriam signos
puramente exteriores e arbitrários; ela mesma é um mediador na formação dos

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objetos; em um sentido, é o mediador por excelência, instrumento mais importante
e mais precioso para a conquista e para a construção de um verdadeiro mundo de
objetos” (nota 7, p. 69).

- Sahlins está se referindo não apenas a distinções semânticas, mas também a


proposições culturais. E a arbitrariedade simbólica das segundas é ainda maior do
que a das primeiras. Nenhuma única palavra, por exemplo, é capaz de significar
exclusivamente e ao mesmo tempo “boi” e “lagosta”. Mas há um prato americano
que combina bife e lagosta. Mostra que a cultura não se submete até mesmo a
uma limitação da língua (p. 69).

- “Em suma, através da avaliação simbólica e da síntese [cultural] da realidade


objetiva, criamos um novo tipo de objeto com propriedades distintas: a cultura. A
linguagem é um meio privilegiado desse projeto. Mas para Morgan a linguagem
não é mais que “a percepção articulada” (p. 70).

- Boas.

- Contraposição a Morgan. A odisséia de Boas da Física à Antropologia torna-se


significativa e representa uma oposição dentro da qual a Antropologia passou por
vários ciclos durante todos esses anos. Uma viagem de muitos anos na qual ele
passou de uma espécie de materialismo à descoberta de que “o olho que vê é o
órgão da tradição”; descobriu ao final que para o homem o inorgânico não procede
do orgânico [está errado no texto!], o subjetivo do objetivo, a mente do mundo e a
cultura da natureza (p. 70).

- No sujeito humano, a percepção é o reconhecimento que depende da tradição


mental, para Boas. Essa tradição não é em si mesma decisiva e nem única. Para
qualquer grupo humano, a tradição é um conjunto de significados acumulados,
teoria coletiva e histórica que faz da sua percepção uma concepção (p. 71).

- Boas começou questionando a essência da tese de Morgan, a expressão da


natureza na cultura pela mediação de uma mentalidade reflexiva (p. 72).

[Ler a citação de Boas na página 72 falando dos esquimós].

- De certa forma, a carreira antropológica dele pode ser caracterizada como um


processo no qual o ponto de partida original, a construção humana da experiência,
foi transposto do nível psicológico para o cultural. Stocking fala de um artigo de
Boas de 1888 chamado “Sobre os sons alternantes” – “ele vê os fenômenos
culturais em termos da imposição de significado convencional ao fluxo da
experiência. Ele os vê como historicamente condicionados e transmitidos pelo
processo de aprendizado. Ele os vê como determinantes de nossas próprias
7
percepções do mundo externo. Ele os vê em termos mais relativos que absolutos”
(p. 73).

- Sua obsessão era com a contestação do evolucionismo [e do racismo] (p. 73).

- Dado que Boas argumentava que as máscaras da sociedade A, usadas para


enganar os espíritos, não eram comparáveis às máscaras da sociedade B, que
comemoravam os ancestrais – e correspondentemente que os clãs, os totens, os
sistemas de organização tribal em metades clânicas variavam em todo o mundo –
ele teve de concluir pela existência de culturas, de totalidades cujas “idéias
dominantes”, ou padrões criam essa diferenciação [Lembrar que Ruth
Benedict, que vimos em aula, falava em “Padrões de Cultura”] (p. 73).

- A problemática geral de Boas difere radicalmente da de Morgan. Onde Morgan


entendia a prática e suas formulações costumeiras pela lógica das circunstâncias
objetivas, Boas intercalava um subjetivo independente entre as condições
objetivas e o comportamento organizado, de modo que o segundo não derivasse
mecanicamente do primeiro. Ao nível psicológico, onde foi primeiramente
anunciado, o termo interventor pode ser caracterizado, grosso modo, como uma
operação mental, gerado pelo contexto e pela experiência anterior, que, ao
governar a percepção, especifica a relação entre estímulo e resposta. Ao nível
cultural, em direção ao qual o pensamento de Boas estava em contínuo
desenvolvimento, o termo mediador é a tradição, ou o “padrão dominante”, que
ordena ao mesmo tempo a relação com a natureza, as instituições existentes e a
sua interação (p. 74).

- Para Boas, a significação do objeto é a propriedade do pensamento [cultura


como simbólica]. Para Morgan, o pensamento é a representação da significação
objetiva [cultura reflexo do material, do real].

- “Boas afirmou que a formação de uma cultura como um processo de tornar a


experiência significativa se exerce necessariamente numa teoria da natureza do
homem, do ser humano na natureza. Essa teoria, contudo, continua não sendo
formulada pelo grupo humano que vive nela, a linguagem é um exemplo
privilegiado desse processo inconsciente. Mas outros costumes, práticas, crenças
e proibições são também baseados em pensamentos e idéias não refletidos e
imemoriáveis. Todos eles são baseados na categorização da experiência, na
apropriação do percebido pelo conceito, exatamente como nas raízes da palavra
ou na sintaxe de uma determinada língua, a experiência não é simplesmente
representada – é classificada. E como toda classificação deve ter seus princípios,
cada língua é, ao mesmo tempo, arbitrária em relação a qualquer outra língua e

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em relação ao real, agrupando sob uma significação única, uma variedade de
coisas ou eventos que nas outras línguas poderiam ser concebidos e denotados
separadamente” (p. 75).

- Boas argumentou mais tarde, que, embora a linguagem e outros costumes sejam
organizados por uma lógica não-refletida, há uma diferença entre eles no fato de
que as classificações da linguagem normalmente não atingem a consciência, ao
passo que as categorias da cultura sim, estando tipicamente sujeitas a uma
reinterpretação secundária. A diferença reside no modo de reprodução.
Encaixadas em regras inconscientes, as categorias linguístcas são
automaticamente reproduzidas na fala. Mas a continuidade do costume é sempre
vulnerável a rupturas, quer somente pela comparação com outras formas culturais,
que no processo de socialização [indivíduo]. O costume torna-se um objeto de
contemplação, bem como uma fonte dela. A lógica cultural reaparece então sob
uma forma mistificada – como “ideologia”. Não mais como um princípio de
classificação, mas como satisfação de uma demanda por justificativa. Assim, não
aparece mais como algo arbitrário em relação a uma realidade objetiva, mas como
algo motivado pela realidade cultural (p. 76). Se, por um lado, “a origem dos
costumes do homem primitivo não deve ser procurada em processos racionais”,
como escreveu Boas, por outro, a origem de certos processos racionais pode ser
procurada no costume. A razoabilidade das instituições e, acima de tudo, sua
utilidade é a forma pela qual nos explicamos a nós mesmos. A racionalidade é
nossa racionalização (p. 77).

- A questão é que, quando interpretamos o convencional como “o útil”, ele também


se transforma para nós no “natural”, no duplo sentido de inerente à natureza e de
normal à cultura. Por isso é que Morgan fez dessa contradição uma teoria
antropológica, o status do que poderia ser então descrito como a apropriação das
realidades significativas das vidas de outros povos pelas racionalizações
secundárias da nossas próprias (p. 77).

[Ler na nota 15 o exemplo que Boas dá de explicações racionalistas secundárias –


uso de talheres à mesa].

- Malinowski e o “neofuncionalismo”.

- Malinowski considerava a cultura como a realização instrumenta de


necessidades biológicas, construída a partir da ação prática e do interesse – como
se ela fosse orientada por uma espécie de super-racionalidade. A cultura como
referenciável a uma utilidade prático-orgânica (p. 78). Contrasta com o relativismo
boasiano (p. 79).

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- Sua compulsão era em atribuir um “sentido” prático a “costumes exóticos” – pela
linguagem da “vantagem material” – algo que qualquer europeu poderia entender
(p. 79).

- Para Malinowski, um ponto importante do método etnográfico era “perceber o


ponto de vista nativo, sua relação com a vida”, sua “visão de mundo”. Era um
princípio fundamental de seu empirismo radical. Mas há uma contradição aí, nessa
compulsão para “dissolver costumes estranhos em noções utilitárias”. Deixa-se de
lado a percepção das ações das pessoas “em seus próprios termos”. E aquelas
áreas da cultura que não formam nenhum “sentido prático aparente” são
ignoradas pela explicação funcionalista (p. 80).

- “O funcionalismo utilitário é uma cegueira funcional para o conteúdo e para as


relações internas do objeto cultural. O conteúdo é apreciado apenas por seu efeito
instrumental, sendo sua consistência interna, por conseguinte, mistificada como
sua utilidade externa” (p. 81).

- “Esse empobrecimento conceitual é o modo funcionalista da produção teórica.


Ele se apresenta exacerbado quando a função é buscada ao nível biológico, o que
é quase sempre verdadeiro, não só em Malinowski, como também em versões
recentes da antropologia” (p. 81). A explicação sai frustrada no seu objetivo de
tornar o costume inteligível (p. 82). “Quanto mais se recorre às vantagens
econômicas, menos é dito” (p. 82). “O conteúdo cultural, cuja especificidade
consiste no seu significado, ficaria completamente perdido em um discurso de
„necessidades‟ vazio de significação” (p. 82) [grifo meu].

- “A natureza arbitrária do signo, que envolve o objetivo apenas seletivamente,


submete o natural a uma lógica específica da cultura” (p. 82).

[Noção de arbitrariedade do signo é importante para o estruturalismo].

- “É o conteúdo que deve ser compreendido. Esse é o nosso objetivo. No entanto,


a prática funcionalista (...) consiste em considerar as propriedades culturais
simplesmente como a aparência. O concreto-real cultural torna-se um abstrato-
aparente, apenas uma forma de comportamento assumida pelas forças mais
fundamentais da economia ou da biologia” (p. 83).

[Crítica ao funcionalismo; crítica à teoria das necessidades básicas; crítica ao


economicismo e ao biologismo cultural].

- “Malinowski dissolveu repetidas vezes a ordem simbólica na verdade ácida da


razão instrumental” (p. 83). “O costume se origina na prática, na vida – não no

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jogo do pensamento, mas no da emoção e do desejo, no do instinto e da
necessidade” (p. 84).

- A recusa fundamental do simbólico, da palavra como categoria, está presente em


Malinowski. Linguagem é apenas um gesto verbal, de “apreensão das coisas”,
cujo significado consiste nos efeitos induzidos sobre os ouvintes” (p. 84-85).

[Linguagem como instrumento]

- No final das contas, todo o significado das palavras, para Malinowski, é derivado
da experiência física (p. 85).

- “Finalmente, o conceito de significado de Malinowski é incapaz de explicar seu


próprio projeto etnográfico de dar sentido funcional ao costumes exótico” (p. 86).

- Crítica de Ricoeur à idéia de práxis (p. 86-87).

- “A eliminação por Malinowski do símbolo e do sistema das práticas culturais, o


canibalismo da forma pela função, constitui uma epistemologia para a eliminação
da própria cultura como objeto antropológico próprio. Sem propriedades distintivas
por direito nato, a cultura não tem qualquer condição de ser analisada como uma
coisa-em-si-mesma. Seu estudo degenera em um ou outro dos naturalismos
vulgares; o economicismo do indivíduo racionalizante (natureza humana); ou o
ecologismo da vantagem seletiva (natureza externa)” (p. 87).

- Deste ponto de vista, a cultura aparece como um instrumento ou um “ambiente”


da dinâmica constitutiva do propósito humano. “É um instrumento no sentido de
um conjunto de meios à disposição do sujeito, através do qual ele alcança seus
fins auto-fixados. E é um ambiente, não somente como um conjunto de coerções
externas ao indivíduo, mas como algo sobre o qual ele opera suas razões e, ao
agir assim, ordena as propriedades desse meio” (p. 89-90).

- Dessa perspectiva, a “eficácia da cultura como uma ordem significativa” é


suspensa. “A cultura é reduzida a um epifenômeno de „processos de tomada de
decisão‟ intencional” (p. 90).

- Essa perspectiva é muito comum nas ciências sociais. “Esse utilitarismo – a


adoção axiomática da problemática do sujeito que calcula, ordenando o mundo
social racionalmente de acordo com desejos igualmente axiomáticos – é uma
consciência instintiva que nós temos dos outros e de nós mesmos” (p. 90).

- É verdade que Malinowski, contudo, foi o primeiro antropólogo a negar a


generalidade de um “homem econômico” (p. 90).

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- Fala sobre o determinismo ecológico (p. 91-92).

- Liga-se cultura a “comportamento” (p. 92-93). As propriedades culturais não tem


qualquer autonomia ou valor próprio (p. 93). “Racionalização”. “Esse sacrifício da
autonomia da cultura (e da ciência cultural) seria a conseqüência da sua
subordinação dentro de um sistema maior de coerção natural” (p. 93).

- A cultura como mera automedição da natureza (p. 94) (Bateson).

- G. P. Murdock.

- George Peter Murdock. Anunciou em 1971 em uma palestra a “morte da cultura”.


Sua compreensão da estrutura social deriva em linha direta da teoria da práxis (p.
95).

- Diz que os conceitos de “cultura” e “sistema social” não passam de “abstrações


conceituais ilusórias” dos “fenômenos reais” de indivíduos que interagem uns com
os outros e com o seu meio ambiente em busca dos seus próprios e melhores
interesses (p. 98).

- Vai dizer ele: “Parece-me agora desconcertantemente óbvio que a cultura, o


sistema social e todos os conceitos supra-inbdividuais desse tipo, tais como
representação coletiva, espírito de grupo e organismo social, sejam abstrações
conceituais ilusórias inferidas da observação dos „fenômenos reais‟ que são os
indivíduos interagindo uns com os outros e com o seu meio ambiente natural. As
circunstâncias da sua interação levam quase sempre a similaridades no
comportamento de indivíduos diferentes, que tendemos a reificar sob o nome de
cultura, e fazem com que os indivíduos se relacionem uns com os outros de
maneiras repetitivas, que tendemos a reificar como estruturas ou sistemas. Na
realidade, cultura e sistema social são meros epifenômenos – produtos derivados
da interação social de pluralidades de indivíduos” (Murdock, 1972: 19 –
“Anthropology´s mithology”, Proceedings od the Royal Anthropological Institute of
Great Britain and Ireland for 1971, p. 17-24). (p. 98).

- Murdock está aludindo a um “individualismo”, segundo Sahlins (p. 99). O “homem


manipulativo” revela a ascendência comum de todas essas teorias utilitárias. “A
idéia geral da vida social aqui expressa é o comportamento particular das partes
no mercado. Toda a cultura é entendida como o efeito organizado da economia
individual. A Cultura é o Negócio na escala da Sociedade. O conceito de cultura
de Murdock não veio da experiência antropológica: o conceito antropológico já era
uma experiência cultural” (p. 99).

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[Está dizendo que uma visão utilitarista e individualista sobre a cultura foi forjada
em sociedades pautadas nesses termos – no limite, está dizendo que esses são
valores da cultura “capitalista” e que esses pensadores estão colocando cultura
nesses termos a partir de sua própria cultura. Fica como questão].

- Julian Steward.

- Outro exemplo de explicações culturais práticas. Semelhante ao Morgan (p. 100-


101).

- “A cultura não reordena a natureza através dos seus próprios objetivos porque,
para Steward, todo objetivo, a não ser o prático, desaparece no momento da
produção (...) A interação da tecnologia com o meio ambiente segundo
determinadas relações de produção – sobre a qual se erige uma morfologia
cultural – é considerada por Steward como um fato instrumental” (p. 103).

- “Em suma, o que Steward deixa de lado é a organização do trabalho como um


processo simbólico que opera tanto nas relações de produção como nas suas
finalidades. A atividade da produção é, ao contrário, desconstituída culturalmente,
para dar lugar à constituição da cultura pela atividade da produção” (p. 104).

- “A questão real colocada à antropologia por essa razão prática é a da existência


da cultura. As teorias da utilidade já mudaram muitas vezes de roupa, mas o
desfecho é sempre o mesmo: a eliminação da cultura – como objeto distintivo da
disciplina” (p. 104).

- Nenhum desses tipos de “razão prática” foi capaz de explorar a descoberta


antropológica de que “a criação do significado é a qualidade que distingue e
constitui os homens – a „essência humana‟ de um discurso mais antigo – de modo
que, pelos processos de valorização e significação diferenciais, as relações entre
os homens, bem como entre eles e a natureza, são organizadas” (p.; 105).

- A razão cultural (p. 105).

- Nos EUA, os/as discípulos/as de Boas tomaram a si a defesa do seu conceito de


cultura como estrutura significativa interposta entre as circunstâncias e o costume.
Ruth Benedict – vai falar em padrões de cultura (p. 106).

- Leslie White. O paradigma de Boas convive com o de Morgan em sua obra.


Reconhecimento de que a razão prática e o simbólico coabitam na maioria das
teorias antropológicas. “Para White, as idéias são, por um lado, o reflexo da base
tecnológica, seja diretamente, seja por mediação das relações sociais igualmente
determinadas por essa base” (aqui, vem de Morgan). As idéias sobre o mundo
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derivam do modo pelo qual se o conhece pela experiência, e esta última depende
do modo pelo qual os seres humanos se articulam tecnicamente ao mundo (p.
106).

- Por outro lado, White insiste no caráter único do “comportamento simbólico” – um


sistema de significados que independe da realidade física. “O poder que o homem
tem de conferir significado – experiência como atribuição de significado – constrói
outro tipo de mundo” (p. 107).

- A determinação tecnológica da cultura na teoria evolucionista de White atua lado


a lado com a determinação cultural da tecnologia em sua teoria simbólica (p. 107).

- Mas relação entre utilitarismo e cultura está presente também na Europa. Então,
vai falar de Durkheim (p. 109).

- Durkheim. Crítica à economia política clássica. Faz uma crítica à autoconcepção


do capitalismo que se exibia como teoria da sociedade. “Tratava-se de uma crítica
geral à adoção da fórmula racionalista do indivíduo que acumula como o modelo
da produção social, modelo que elevava a sociedade ao status de predicado das
supostas finalidades e necessidades humanas. A esse voluntarismo e
intencionalismo, Durkheim opôs o fato social. As esmagadoras propriedades e
poderes que lhe atribui em relação ao indivíduo representam um ataque direto à
idéia que o economista liberal fazia da sociedade como produto público do
interesse privado” (p. 110).

- “Todos os aspectos afirmativos da sociabilidade no esquema de Durkheim são,


simultaneamente, aspectos negativos da individualidade. A questão não se reduz
apenas a que o fato social seja coletivo. Trata-se da consciência em oposição ao
desejo, do convencional em oposição ao espontâneo; e em vez de se originar das
necessidades, que são internas, ela [a sociabilidade] se impõe como coerção, que
é externa” (p. 110).

[Projeto da Escola Francesa de Sociologia – escapar de explicações


individualistas e economicistas do social tem a ver com ele].

- Faz, assim como Marx, uma crítica à idéia de indivíduo “abstrato”, pensado como
base do social. Do indivíduo movido por seus próprios fins, o “homem que
calculava”, o “homem econômico” (p. 111).

- De todo modo, o argumento que Durkheim utiliza contra a idéia do”ser individual”
é o da existência de um “ser social” – contra o poder ordenador da necessidade
individual está o da “necessidade social”. Para negar que determinada prática –
econômica, por exemplo – seja produto do desejo individual, ele insiste em sua
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utilidade social (p. 112). “A sociedade, portanto, tem os seus próprios fins, que não
são aqueles do indivíduo, e é através da sociedade, e não do indivíduo, que a
atividade social pode ser compreendida” (p. 112). Diz Durkheim: “Para um fato ser
sociológico, ele deve interessar não apenas aos indivíduos considerados
separadamente, mas também à própria sociedade. O exército, a indústria, a
família possuem funções sociais na medida em que têm como seus objetivos um a
defesa, a outra a alimentação da sociedade, e a terceira a sua renovação e
continuidade (texto dele de 1886)” (p. 112). Sahlins diz que a explicação utilitária,
nesse caso, não pode ser evitada. “O paradigma meios-fins como um todo foi
determinado por oposição à necessidade individual. Assim, a vida da sociedade
era a finalidde relevante” (p. 112). [Cria-se um “super-sujeito social”].

- Em Durkheim já está anunciada a problemática da arbitrariedade do signo (p.


114-115).

- Durkheim também já colocava que o universo, o mundo, as coisas só existem na


medida em que sejam pensadas (p. 116). O mundo conhecido do homem era um
mundo social, não um reflexo social, mas de dentro da sociedade (p. 116).

- Conceito da apropriação social da natureza, da ordem natural como ordem moral


– informou a antropologia estrutural, seja a inglesa, seja a francesa [Falar
brevemente da diferença entre estruturalismo inglês e francês] (p. 117).

- Exemplo do Evans-Pritchard, na página 117. Ler. Mostra essa noção de que


“Uma vez incorporada ao domínio humano, a ação da natureza não é mais um
fato empírico, mas um significado social” (p. 117).

- O pensamento de Durkheim tinha seus limites enquanto “teoria do significado”. A


diferenciação fatal, cabal, entre morfologia social e representação coletiva –
“recriada por autores modernos como sociedade (ou sistema social) versus cultura
(ou ideologia) – que arbitrariamente limitou a extensão de simbólico e deixou o
campo aberto ao habitual dualismo funcionalista” (p. 117-118).

- “Durkheim formulou uma teoria sociológica da simbolização, mas não uma teoria
simbólica da sociedade. A sociedade não era vista como constituída pelo processo
simbólico; ao contrário, só o reverso parecia verdadeiro” (p. 119). As categorias
modeladas [tempo, espaço, causa, classe, número – “formas elementares de
pensamento simbólico” etc] na sociedade podiam aplicar-se à natureza, pois a
própria sociedade era algo natural (p. 119).

- Haverá conseqüências, numa antropologia posterior a Durkheim, da distinção


entre estrutura social e conceito mental (p. 119). O “simbólico” foi tomado, na

15
maior parte dos casos, no sentido secundário e derivativo de modalidade ideal do
“fato social”, como expressão articulada da sociedade, tendo a “função” de apoio
para relacionamentos que são formados, na verdade, por processos políticos e
econômicos “reais” [visão empobrecedora do real] (p. 119-120).

- “Na realidade, à medida que o significado é considerado como o mero “conteúdo


cultural” de relacionamentos cuja estrutura formal é a preocupação verdadeira, o
simbólico é simplesmente uma condição variável ou acidental do objeto
antropológico, em vez de sua propriedade definidora” (p. 120). Ordem cultural
como projeto utilitário.

- Faz uma crítica de Mary Douglas (p. 121-122).

- No final, a “verdadeira lógica” do todo sociocultural é utilitária. “Este é o resultado


da adesão à decisiva separação durkheimiana da morfologia social e da
representação coletiva (p. 123).

- Já em Lévi-Strauss, o social aparece apropriado pelo simbólico (p. 123). O


mundo humano é simbolicamente constituído (p. 124). Mas acaba caindo numa
espécie de “naturalismo”, segundo Sahlins. Liga “mente” e “natureza” – há entre
elas uma “cumplicidade última que é a condição da possibilidade de
compreensão” (p. 124-125).

- Há uma luta da antropologia contra seu próprio naturalismo, que é também, por
assim dizer, “uma luta contra sua própria natureza cultural herdada” (p. 127).

Capítulo 4. “La Pensée Bourgeoise – a sociedade ocidental enquanto


cultura”.

- Citação de Baudrillard, de 1972. “A análise da produção de símbolos e cultura


não se mostra externa, ulterior ou „superestrutural‟ em relação à produção
material”.

[Sociedade não se reproduz apenas materialmente – há um sistema produtivo e


também reprodutivo, também do ponto de vista “simbólico”].

- Como pensar culturalmente a produção de bens? E o consumo?

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- Conceber a criação e o movimento de bens somente a partir de suas
quantidades pecuniárias (seu “valor de troca”) é ignorar o código cultural que
governa a “utilidade” das coisas (p. 166).

[É uma maneira mais ampla de se indagar acerca do que é realmente produzido


em termos de bens, para além do “valor econômico”].

- A “estrutura econômica” é mais do que a conseqüência objetivizada do


comportamento prático – é uma organização social de coisas – pelos meios
institucionais do mercado, mas de acordo com um projeto cultural que relaciona
pessoas e bens (p. 167).

- O “utilitarismo” é a maneira pela qual a economia e a sociedade “ocidental” é


experimentada – uma maneira pensada pelo economista, pela qual os sujeitos
participantes da sociedade a vivem (p. 167).

- “Na concepção nativa [economistas], a economia é uma arena de ação


pragmática. E a sociedade é o resultado formal. As principais relações de classe e
políticas, assim como as concepções que os homens têm da natureza e de si
mesmos, são geradas por essa busca racional de felicidade material” (p. 167).

[“Homem econômico” – “age racionalmente com respeito a fins” (Weber)].

- A ordem cultural é mero reflexo da influência de homens e grupos que agem


objetivamente, logicamente, “racionalmente” e em situações materiais [cultura
como “razão prática”] (p. 167).

- É assim como nos aparece nossa “sociedade burguesa” e a sua “sabedoria


sociológica”.

- Por outro lado, é lugar-comum na Antropologia que o esquema “racional” e


“objetivo” de um grupo humano nunca é o único possível (p. 167-168).

- As condições materiais de existência são potencialmente “objetivas” e


“necessárias” de maneiras diferentes, de acordo com uma seleção que é cultural
(p. 168).

- “Os homens não „sobrevivem‟ simplesmente. Eles sobrevivem de uma maneira


específica”. Se reproduzem como certos tipos de homens e mulheres, classes e
grupos sociais, e não como “organismos biológicos” ou agregados de organismos
(“populações”) (p. 168).

[A crítica dele é a de que a “razão prática” é uma explicação indeterminada,


incompleta, de uma forma cultural]
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- “Foi Marx quem ensinou que os homens nunca produzem absolutamente, isto é,
como seres biológicos em um universo de necessidade física. Os homens
produzem objetos para sujeitos sociais específicos, no processo de reprodução de
sujeitos por objetos sociais” (p. 168).

- Nem mesmo o capitalismo, apesar de estar organizado por e para a vantagem


pragmática, escapa do fato de ser constituído culturalmente. Ele é culturalmente
constituído como sendo movido por práticas aparentemente objetivas (p.
168).

- Toda produção, mesmo aquela governada pela forma-mercadoria e pelo valor-


de-troca (Marx – capitalismo), ainda assim produz valores de uso (Marx). “Sem o
consumo, o objeto não se completa como um produto: uma casa desocupada não
é uma casa. Entretanto, o valor de uso não pode ser compreendido
especificamente ao nível natural de „necessidades‟ e „desejos‟ – precisamente
porque os homens não produzem simplesmente „habitação‟ ou „abrigo‟: eles
produzem unidades de tipos definidos, como uma cabana de camponês ou o
castelo de um nobre” (p. 169).

- A produção é mais do que lógica de eficiência material. É uma intenção cultural


(p. 169). Segundo o próprio Marx, os homens são sempre definidos culturalmente
de formas determinadas. Mas Marx, segundo Sahlins, “reservou a qualidade
simbólica ao objeto em sua forma-mercadoria” (“fetichismo da mercadoria”).
“Admitindo que os valores de uso claramente servem às necessidades humanas
por suas propriedades evidentes, ele deixou de lado as relações significativas
entre homens e objetos, que são essenciais para compreender a produção
em qualquer forma histórica” (p. 169). [grifo meu].

- É preciso entender a utilidade como cultural. Explicação cultural da produção.


“De maneira (...) a dar uma explicação cultural da produção, é crucial que se note
que o significado social de um objeto, o que o faz útil a uma certa categoria da
pessoas, é menos visível por suas propriedades físicas que pelo valor que pode
ter na troca. O valor de uso não é menos simbólico ou menos arbitrário que o
valor-mercadoria. Porque a „utilidade‟ não é uma qualidade do objeto, mas uma
significação das qualidades objetivas” (p. 169).

- O que faz a carne de um animal ser ou não comestível? Uma calça ser
considerada masculina ou uma saia feminina? Tem a ver com sua correlação com
um sistema simbólico, e não com a natureza do objeto em si, nem com a sua
capacidade de satisfazer uma “necessidade material” (p. 169-170). [“arbitrariedade
do signo/símbolo”].

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- “Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana,
exceto pelo significado que os homens lhe atribuem” (p. 170).

- “A produção é um momento funcional de uma estrutura cultural. Isso entendido, a


racionalidade do mercado e da sociedade burguesa é vista sob outra luz. A
famosa lógica da maximização é somente a aparência manifesta de uma outra
Razão, frequentemente não-notada e de um tipo inteiramente diferente. Também
temos nossos antepassados. Não é como se não tivéssemos uma cultura, um
código simbólico de objetos, em relação ao qual o mecanismo de oferta-demanda-
preço, ostensivamente no comando, é em realidade servo” (p. 170).

- A preferência de comida e o tabu nos animais domésticos americanos.

- Alguns comentários sobre os usos americanos de animais domésticos para


sugerir a presença de uma razão cultural nos hábitos alimentares. Vai falar dos
significados das distinções categóricas de comestibilidade entre cavalos,
cachorros, porcos e bois (p. 170-171).

- “A relação produtiva da sociedade americana com seu próprio meio ambiente e


com o mundo é estabelecida por avaliações específicas de comestibilidade e não-
comestibilidade, elas mesmas qualitativas e de maneira alguma justificáveis por
vantagens biológicas, ecológicas ou econômicas (...) A exploração do meio
ambiente americano, a forma de relação com a terra dependem do modelo de
uma refeição que inclui a carne como elemento central com o apoio periférico de
carboidratos e legumes – enquanto que a centralidade da carne, que é também a
indicação de sua “força”, evoca o pólo masculino de um código sexual da comida
o qual deve originar-se na identificação indo-européia do boi ou da riqueza
crescente com a virilidade. A indispensabilidade da carne como “força”, e do filé
como a síntese das carnes viris, permanece condição básica da dieta americana
(observem-se as refeições das equipes de futebol americano). Daí também uma
estrutura correspondente para a produção agrícola de ração, e em conseqüência
uma articulação específica com o mercado mundial, que se modificaria da noite
para o dia se comêssemos cachorros” (p. 171).

- “O tabu sobre cavalos e cachorros apresenta como inimaginável o consumo de


animais cuja produção é praticamente possível e que nutricionalmente não
devem ser desprezados” (p. 171) [grifo meu]. Alguns cavalos são até criados para
servir de alimento, mas aos cachorros.

- “Mas a América é a terra do cão sagrado” (p. 171).

[Ler trecho final da página 171 e 172].

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- Em relação aos cavalos, os americanos têm alguma razão para suspeitar que
sejam comestíveis. Boatos de que os franceses comem cavalos. Além disso, em
uma crise as contradições do sistema se revelam. Primavera de 1973. Crise
alimentícia. Sugestões de consumo de vísceras e cavalo foram mal vistas (p. 172-
173).

- “A razão principal postulada no sistema americano da carne é a relação das


espécies com a sociedade humana”. “Cavalos recebem afeto, gado de corte não”
(no texto do jornal) (p. 173).

- Bois-porcos-cavalos e cachorros estão integrados à sociedade norte-americana


com status diferentes, que correspondem a graus de comestibilidade diferentes. A
diferenciação está na participação como sujeito ou objeto em companhia do
homem. Cachorros e cavalos – sujeitos. Nomes próprios, conversa-se com eles
[Ler trecho da página 174].

- Cachorros são “membros da família” (p. 174). [Filme “Marley & Eu” mostra isso].
Comer cachorro evoca repulsa do tabu do incesto.

[Para pensar: vegetarianismo – “os animais são amigos”].

- “A comestibilidade está inversamente relacionada com a humanidade”. Também


o mesmo com relação às “vísceras” – partes “internas” têm o mesmo nome dos
órgãos humanos. Ex.: coração, língua, rins. Diferente de chamar uma parte de
“filé” ou somente “carne” (“genérico”) (p. 175).

- O que “determina” a demanda e mesmo o valor-de-troca da carne é simbólico.


[Ler trecho na página 176].

- Questiona se não é uma espécie de “lógica totêmica”.

- Lévi-Strauss. Totemismo. “O Pensamento Selvagem” (livro). O “operador


totêmico” articula diferenças na série cultural com diferenças na espécie natural.
Espécies e variedades de produtos manufaturados como categoria “totêmica” têm
o poder de fazer da demarcação de seus proprietários individuais um
procedimento de classificação social (p. 176).

- Baudrillard. O consumo é uma troca (de significados), um discurso – ao qual


virtudes práticas, “utilidades”, são “agregadas” (p. 177). [Ler trecho da página 177].

- As coisas, os bens, podem ser pensados como meios de comunicação.

- Produção como reprodução da cultura em um sistema de objetos. Exemplo do


vestuário norte-americano (p. 178). [Ler trecho na página 178].
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- Sistema americano de vestuário corresponde a um esquema complexo de
categorias culturais em relação – um verdadeiro “mapa do universo cultural” (p.
178).

- Roupas contém significados. Um “discurso cultural” é modelado por elas (p. 179).

- Também permite reconciliação com um “pensamento totêmico” [Ler p. 180].

- As roupas “vestem e investem” (significados).

- Objetivo do exercício que Sahlins está propondo é contribuir para começar a


pensar em uma explicação cultural da produção (p. 180).

- Itens do vestuário – apropriados para o homem ou a mulher, para a noite ou para


o dia, “usar em casa” ou “na rua”, adultos ou adolescentes. “O que é produzido é,
portanto, em primeiro lugar, tipos de tempo e espaço que classificam situações ou
atividades, e em segundo lugar, tipos de status aos quais todas as pessoas
pertencem” (p. 180). No entanto, não é só isso [Ler p. 181].

- Ler p. 184-185. [Visão sobre “consumo” e “identidades” – Peter Fry, Isadora


França, meu próprio trabalho].

- Ler p. 189; 192; 195.

- “A apropriação material da natureza que nós chamamos de “produção” é uma


decorrência da sua apropriação simbólica” (p. 195). Mas se mantém a
“arbitrariedade” (p. 196 – Ler).

- Ler p. 202-203.

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