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Reitora
Nádina Aparecida Moreno

Vice-Reitora
Berenice Quinzani Jordão
Sinival Osório Pitaguari
Líria Maria Bettiol Lanza
Sandra Maria Almeida Cordeiro
(ORGANIZADORES)

A SUSTENTABILIDADE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA:


Contribuições Multidisciplinares

Universidade Estadual de Londrina

Londrina
2012
Editoraçao Eletrônica
Maria de Lourdes Monteiro

Capa
Marcos da Mata

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da


Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

S964 A sustentabilidade da economia solidária : contribuições multidisciplinares


/ Sinival Osório Pitaguari, Líria Maria Bettiol Lanza, Sandra Maria Almeida
Cordeiro (organizadores). – Londrina : Universidade Estadual de Londrina,
2012.
318 p.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7846-171-3

1. Economia solidária. 2. Administração – Participação dos empregados.


3. Cooperativismo. I. Pitaguari, Sinival Osório. II. Lanza, Líria Maria Bettiol. III.
Cordeiro, Sandra Maria Almeida.

CDU 334
Sumário

Apresentação................................................................................................. 7

Sandra Cordeiro

Capítulo 1
Autogestão e relações de trabalho: transformação ou manutenção das
condições precárias do trabalho no capitalismo?................................................. 11
Aline Korosue; Valeska Nahas Guimarães

Capítulo 2
Panorama da economia solidária no Brasil.......................................................... 33
Sinival Osorio Pitaguari, Luis Miguel Luzio dos Santos; Márcia Regina
Gabardo da Câmara

Capítulo 3
Economia solidária como política pública: alternativa à exclusão
socioespacial............................................................................................................. 63
Franciene Michele Consorte Luizão; Ideni Terezinha Antonello

Capítulo 4
O Direito na instrumentalização da Economia Solidária................................... 85
Fernando Motomu Kato Nakamura;Vilma Aparecida do Amaral

Capítulo 5
Recuperação de empresas por meio da autogestão.............................................. 105
Juliana Hinterlang dos Santos

Capítulo 6
Trajetórias do trabalho feminino e economia solidária...................................... 127
Francislaine Stábile; Líria Maria Bettiol Lanza; Patrícia Andrade Garcia

Capítulo 7
Empreendimentos de economia solidária na cidade de Londrina-PR e suas
estratégias de ação.................................................................................................... 153
Jéliton Lafaede Pimenta; Luis Miguel Luzio dos Santos; Bernardo Carlos S. C.
M. de Oliveira
Capítulo 8
Perfil dos Consumidores de Produtos de Economia Solidária da cidade de
Londrina-PR.............................................................................................................. 171
Mayra Mota dos Anjos Carrion; Luis Miguel Luzio dos Santos; Bernardo Carlos
S C M de Oliveira

Capítulo 9
Poder público e economia solidária na coleta seletiva e reciclagem: avanços e
desafios da COOPERSIL em Londrina - Pr........................................................... 191
Prof. Dr. Fabio Lanza; Profa. Dra. Líria Maria Bettiol; Prof. Dr. Luis Miguel
Luzio dos Santos; Edson Elias de Morais

Capítulo 10
O princípio da autogestão no empreendimento de economia solidária “mão
na terra”...................................................................................................................... 205
Patrícia Andrade Garcia; Líria Maria Bettiol Lanza; Francislaine Stabile

Capítulo 11
Economia solidária no contexto do cultivo de plantas medicinais..................... 227
Francielle Almeida Cordeiro; Meire Mitsuka; Adilson Luiz Seifert; Gisely
Cristiny Lopes

Capítulo 12
A atuação da psicologia em uma incubadora tecnológica sob a perspectiva da
economia solidária.................................................................................................... 247
Ana Carolina Guarnieri; Ana Paula da Silva Pereira; Nayara Tiemi Naves;
Eneida Silveira Santiago

Capítulo 13
Uma experiência de produção de saúde no núcleo de oficinas e trabalho........ 269
Ariana Campana Rodrigues; Silvio Yasui

Capítulo 14
Um retrato da comercialização na agricultura familiar: o caso da
macambira.................................................................................................................. 285
Anny Kariny de Vasconcelos Oliveira; Fabiane Souza de Medeiros

Dados sobre dos autores........................................................................................... 311


APRESENTAÇÃO

A Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES/


UEL) nasceu da inquietação de professores de diversas áreas da Universidade
Estadual de Londrina (UEL) frente à marcante desigualdade social existente
no país. Com base nos princípios da Economia Solidária, objetiva aproximar
a Universidade dos trabalhadores excluídos do mercado formal ou em
condições precárias de trabalho, por meio de apoio técnico a cooperativas,
associações e grupos de trabalho coletivo. Como um projeto de extensão, em
transição para tornar-se um programa, constitui-se em um espaço de ação
e reflexão de extensionistas e pesquisadores, possibilitando a intervenção
acadêmica na realidade social por intermédio do ensino, da pesquisa e da
extensão.
Com este propósito, a incubadora idealizou este livro a partir
da realização do VII Seminário de Economia Solidária com o tema
“Sustentabilidade na Economia Solidária”, que foi promovido no ano de 2011
pela INTES/UEL, em parceria com a Cáritas Arquidiocesana de Londrina e
o Programa Municipal de Economia Solidária da Prefeitura do Município
de Londrina.
Durante o evento, foram discutidos temas referentes à Economia
Solidária, visando à formação e articulação política dos trabalhadores dos
empreendimentos, bem como dos participantes no seminário. Dessa forma,
o seminário consolidou-se como um espaço para discutir e disseminar
conhecimentos pertinentes ao tema entre diferentes sujeitos – docentes,
trabalhadores, discentes e pesquisadores – que estudam, pesquisam e atuam
com o tema.
Na ocasião, como parte da programação do seminário, tivemos
apresentações de trabalhos orais, incentivando a comunidade acadêmica e os
profissionais a disseminarem seus estudos e pesquisas envolvendo a temática,
oferecendo oportunidade para a publicação dos trabalhos escolhidos que
agora apresentamos aos leitores.
Portanto, os artigos aqui apresentados foram selecionados a partir
desse evento, enriquecido com a contribuição adicional de alguns trabalhos
que não fizeram parte do seminário, eles simbolizam a diversidade de olhares
e experiências que movem o debate da Economia Solidária no Brasil.
Os três primeiros artigos abordam questões mais gerais do fenômeno
da economia solidária, como forma alternativa de trabalho e organização
socioeconômica frente ao modo de produção capitalista.

a sustentabilidade da economia solidária 7


Em “Autogestão e relações de trabalho: Transformação ou
Manutenção das Condições Precárias do Trabalho no Capitalismo”,
as autoras analisam as implicações nas relações de trabalho, estabelecidas
com a adoção da autogestão como princípio e forma de administração de
organizações produtivas, com o intuito de apreender se a autogestão está
sendo uma alternativa às condições precárias a qual os trabalhadores são
submetidos nas empresas capitalistas.
No artigo seguinte, intitulado “Panorama da Economia Solidária no
Brasil”, é apresentada uma breve síntese das principais correntes teóricas da
Economia Solidária na língua portuguesa, e da contribuição dos movimentos
sociais e das políticas públicas federais para o desenvolvimento deste modo
alternativo de produção no Brasil. No final, o trabalho aponta empiricamente
a realidade deste fenômeno em nosso país, usando como fonte os dados
fornecidos pelo Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária
(SIES) da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES).
Na sequência da análise ampla do mundo do trabalho, o terceiro
artigo, “Economia Solidária como política pública: alternativa à exclusão
socioespacial”, destaca a análise do processo de globalização e as suas
sequelas para a população excluída do modelo produtivo atual, imposto pela
reestruturação produtiva do capital.
Dois trabalhos abordaram as questões jurídicas relacionadas à
economia solidária. O quarto artigo, “O Direito na instrumentalização
da Economia Solidária”, apresenta e discute os princípios cooperativos, e
faz considerações sobre as formas jurídicas das associações e cooperativas,
demonstrando a relevância do Direito na formação e consolidação dos
empreendimentos econômicos solidários.
O próximo artigo trata da “Recuperação de empresas por meio
da autogestão” e analisa a previsão legal referente à recuperação judicial
e econômica de empresas, por meio do processo de autogestão. A lei
11.101/2005 possibilitou esta alternativa frente às formas tradicionais como
falência e concordata.
Os demais artigos do livro, além de contribuírem com o debate teórico
sobre diversos aspectos específicos pertinentes à economia solidária, tiveram
como foco principal a análise de casos concretos de empreendimentos e
entidades públicas de apoio ao desenvolvimento deste tipo de economia.
O sexto artigo, “Trajetórias do trabalho feminino e Economia
Solidária”, traz para reflexão a temática do trabalho feminino na perspectiva
da Economia Solidária, analisando as trajetórias das mulheres que trabalham
em empreendimentos solidários assessorados pela INTES/UEL.

8 a sustentabilidade da economia solidária


A compreensão do posicionamento estratégico utilizado pelos
empreendimentos de Economia Solidária é o tema do sétimo artigo,
“Empreendimentos de Economia Solidária na Cidade de Londrina − PR
e suas estratégias de ação”, que, por meio de uma pesquisa exploratória,
descritiva e qualitativa, buscou analisar e compreender a sua efetividade
socioeconômica, considerando os diferentes setores e modalidades de
atuação.
“Perfil dos consumidores de produtos de Economia Solidária da
cidade de Londrina − PR” é o artigo que desvela quem são os consumidores,
verificando o grau de conhecimento em relação a essa modalidade de
organização produtiva, suas características, hábitos e valores, buscando
entender as razões da opção por adquirir esse tipo de produto ou serviço.
O artigo seguinte, com título “Poder público e Economia Solidária
na coleta seletiva e reciclagem: avanços e desafios da Coopersil em
Londrina − PR”, é resultado de uma pesquisa com o propósito de estudar
as propostas atuais de Economia Solidária com o viés de políticas públicas,
tomando como estudo de caso o segmento de trabalhadores da coleta seletiva
desse município, e aborda os desafios da autogestão na cooperativa além das
contribuições e exigências impostas pelo contrato com a Prefeitura.
Na sequência, o artigo “O princípio da autogestão no
empreendimento de Economia Solidária ‘Mão na Terra’” é fruto de
reflexões sobre os desafios enfrentados para se colocar em prática o princípio
de autogestão em um empreendimento de Economia Solidária, e também
aborda a contribuição da assessoria realizada pela INTES/UEL para atingir
tal objetivo. Ele faz parte do trabalho de conclusão de curso de graduação
em Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, e da vivência dos
autores enquanto parte da equipe da Incubadora.
O trabalho “Economia Solidária no contexto do cultivo de plantas
medicinais” apresenta o resultado da atuação de alunos e professores em
um projeto de extensão, no qual eles orientaram famílias de assentados
rurais no correto manejo de drogas vegetais, a fim de garantir matéria-prima
vegetal de qualidade para seu uso medicinal e também como fonte de renda
para um grupo de mulheres deste assentamento, que vivem na zona rural
do município de Alvorada do Sul. Esse grupo de trabalhadoras foi atendido
também pela INTES/UEL, no referido convênio com o MEC/SESU.
Em “A atuação da Psicologia em uma incubadora tecnológica sob a
perspectiva da Economia Solidária”, é destacada a atuação dos psicólogos
ou estudantes de psicologia em equipes multiprofissionais com diferentes
especificidades de formação, buscando resolver conflitos internos e

a sustentabilidade da economia solidária 9


frustrações, que ocorrem no trabalho da incubadora, nos empreendimentos,
e na relação incubadora e empreendimentos.
O artigo “Uma experiência de produção de saúde no Núcleo de
Oficinas e Trabalho”, refere-se à perspectiva do entrelaçamento teórico dos
campos da Economia Solidária e da Saúde Mental, enfatizando a história do
trabalho na psiquiatria e o movimento atual da Reforma Psiquiátrica. Relata
uma experiência profissional no Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) do
município de Campinas − SP.
Por fim, contamos neste livro com o artigo sobre a comunidade
quilombola Macambira, intitulado “Um retrato da comercialização na
agricultura familiar: o caso da Macambira”, o qual apresenta um cenário
socioeconômico e histórico-cultural bastante marcado pela fome e pela
miséria, sendo este ligado à agricultura familiar numa região semiárida da
Serra de Santana, no Rio Grande do Norte.
Por meio desses artigos acadêmicos, propomos aos leitores reflexões
em torno da sustentabilidade da Economia Solidária frente aos desafios
indicados nessa obra. Agradecemos aos autores pelas suas contribuições, aos
parceiros, na realização do seminário que serviu de base para a apresentação
dos trabalhos, às equipes da Pró-Reitoria de Extensão, e destacamos a
contribuição do convênio firmado por meio do programa PROEXT−MEC/
SESU, que financiou integralmente a produção deste livro.

10 a sustentabilidade da economia solidária


AUTOGESTÃO E RELAÇÕES DE TRABALHO:
TRANSFORMAÇÃO OU MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES
PRECÁRIAS DO TRABALHO NO CAPITALISMO?

Aline Korosue
Valeska Nahas Guimarães

Introdução

Nas últimas décadas, presencia-se um processo de transformação


das formas de produção e acumulação de capital que levaram a perdas de
direitos dos trabalhadores com a desregulamentação das leis trabalhistas,
a flexibilização no trabalho, a consequente intensificação da precarização
das condições de trabalho e o aumento massivo do desemprego, colocando
os trabalhadores em situação de instabilidade, insegurança e condições
precárias de vida.
A época da chamada reestruturação produtiva, que data do período
entre a década de 1970 e os anos de 1990 do século XX, foi marcada
por metamorfoses nos processos de trabalho das empresas capitalistas
articuladas ao salto tecnológico originado pela introdução de novas
tecnologias (microeletrônica, automação e robótica), impondo alterações
no comportamento das indústrias e firmas, que, por sua vez, reformulam
suas decisões de investir, comprar, produzir e contratar força de trabalho
(ANTUNES, 1995). A introdução das novas tecnologias possibilitou às
empresas capitalistas um controle cada vez maior de todo o processo de
produção e de trabalho e a diminuição substancial do trabalho vivo, com a
eliminação de postos de trabalho.
As novas técnicas de gestão possibilitaram, ainda, com o aumento de
produtividade e consequente redução do valor das mercadorias, a diminuição
do valor da força de trabalho. Nesta relação, se o valor das mercadorias
diminui, nelas estão incluídos os elementos necessários para a subsistência
do trabalhador, e, portanto, diminuído o valor destes elementos, o valor da
força de trabalho também reduz.
Este rebaixamento do valor da força de trabalho repercute na condição
de trabalho e vida do trabalhador, que para garantir níveis de subsistência
menos precários, submete-se ao prolongamento da jornada e intensificação
do trabalho (combinação da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa).

a sustentabilidade da economia solidária 11


A intensificação das contradições do capital resulta em crise do capital
por “baixa eficiência”, ou seja, diminuição do processo de acumulação de
capital com implicações para a sobrevivência do sistema. Nesse momento,
torna-se indispensável a interferência do Estado, tendo em vista o equilíbrio
e a manutenção da ordem vigente (MÉSZÁROS, 2002).
No Brasil, a crise estabelecida na década de 1990 demandou a
intervenção do Estado, que por meio da adoção de uma política neoliberal,
fundamentada em princípios de mínima intervenção do Estado no
atendimento às políticas sociais e estabilidade econômica, desencadeou
políticas e reformas voltadas para o mercado em detrimento dos direitos
dos trabalhadores. Esse processo, além de intensificar a precarização das
condições de trabalho por meio da desregulamentação das leis trabalhistas,
aumentou o problema do desemprego, que atingiu, nesta época, mais de
dez milhões de brasileiros, superando a taxa de 20% (vinte por cento) da
população economicamente ativa, cerca de 140% (cento e quarenta por
cento) a mais do que na década anterior (MATTOSO, 1999).
Como a venda da força de trabalho representa a única maneira de
sobrevivência do trabalhador, a busca pelo trabalho torna-se incessante,
porém uma missão quase impossível, dado o contexto apresentado. Estado
e Sociedade Civil (representada por sindicatos, universidades, organizações
não governamentais, movimentos sociais e religiosos) deparam-se com a
necessidade de criar alternativas para a sobrevivência dos trabalhadores e
do próprio sistema.
Como resposta ao desemprego, é estimulado, a partir de projetos e
políticas de geração de emprego e renda, o reaparecimento de formas de
organização do trabalho cooperadas, em que os trabalhadores envolvidos
tornam-se proprietários dos meios de produção e administram a produção
sob a forma da “autogestão”. Esse coletivo de trabalhadores organizados
vem se constituindo como cooperativas populares, associações, empresas
solidárias ou grupos “informais” de produção.
Neste momento, a propagação das organizações de produção
consideradas autogestionárias passa a se tornar notória no Brasil, quando
se inicia um movimento nacional de incentivo ao apoio e fomento da
autogestão. Essa forma de organização passa a representar um meio para a
transformação das condições de trabalho e vida dos indivíduos envolvidos
no projeto autogestionário.
Nesse sentido, pretende-se compreender a autogestão, identificando
os limites de sua realização ao investigar se realmente ocorre uma
transformação nas relações de trabalho e o que isso implica.

12 a sustentabilidade da economia solidária


Para tanto, a proposta foi realizar uma análise das teses e dissertações
do “Banco de Teses – Portal CAPES”, que abordam o tema da autogestão na
perspectiva de transformações nas relações de trabalho, identificando seus
pressupostos teóricos, as concepções de autogestão, as práticas da autogestão
nas experiências estudadas e a relação que se estabelece entre autogestão e
relações de trabalho.1
A compreensão dos limites dessas experiências torna-se relevante,
pois existe uma falácia construída em torno de um discurso acerca das
experiências que se vêm denominando “autogestão”, apresentando-as
como uma ruptura com o sistema capitalista, uma inovação revolucionária.
Sendo assim, pretende-se compreender até que ponto se pratica de fato a
autogestão, se é possível constituir-se como efetiva transformação das
condições precárias de trabalho e de vida dos trabalhadores envolvidos.
É possível perceber, a partir de uma análise materialista histórica das
condições impostas às experiências das organizações coletivas de produção,
inseridas no modo de produção capitalista, que as modificações nas
relações de trabalho e mesmo as propostas educacionais à formação destas
organizações produtivas representam apenas reformas que não caracterizam
uma real ruptura à lógica do capital, submetendo os trabalhadores
às condições perversas do sistema capitalista que, na maioria destas
experiências, apresentam-se de forma mais contundente.
É inegável que a formação de organizações coletivas de produção
contribui para que os trabalhadores excluídos, social e economicamente,
passem a garantir sua subsistência por meio da oportunidade de trabalho e
renda. Entretanto, o estudo das limitações e contradições que envolvem essas
experiências é necessário para a superação desses limites, e, possivelmente,
a construção de uma alternativa para que avance nos seus propósitos de
rompimento com o sistema capitalista de produção.

As origens teóricas da autogestão no socialismo utópico

Esta corrente de pensamento foi assim denominada por Engels, em


sua obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, para designar as
ideias dos principais socialistas do início do século XIX, que, para o autor,

1
A pesquisa que fundamenta o presente capítulo tem como fonte a dissertação de mestrado de Aline
Korosue defendida em 2007 no Programa de Pós-Gradução em Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina, intitulada “Autogestão e Relações de Trabalho: transformação ou manutenção das
condições precárias do trabalho no capitalismo?”.

a sustentabilidade da economia solidária 13


pretendiam “tirar da cabeça” a solução para os problemas sociais por meio da
descoberta de um sistema novo e perfeito de ordem social, possível mediante
experiências-modelo.
Os principais pensadores que representam esta fase são Saint-
Simon, Fourier e Owen, os dois primeiros franceses e o terceiro inglês.
O período em que viviam refere-se à primeira metade do século XIX,
início da industrialização na França e na Inglaterra (nesta última, por ter
sido o primeiro país a se industrializar, o processo encontrava-se mais
desenvolvido).
Esses dois países, Inglaterra e França, foram o palco das transformações
que estabeleceram as bases da nova sociedade, e que se constitui na “questão
social” do capitalismo moderno (TEIXEIRA, 2002). A Inglaterra pela
Revolução Industrial, que modificou o modo de produção e a economia do
mundo; a França, pela Revolução Francesa, que ditou a ideologia e a política
liberal que passou a dominar o mundo.
O contexto em que se situam as obras dos três utópicos: Cartas de
Genebra, de Saint-Simon em 1802, Teoria dos Quatro Movimentos, de Fourier
em 1807 e O Livro do Novo Mundo Moral, de Owen em 1844, de acordo com
Wilson (1987), corresponde ao período de grande confusão em que ainda
era possível ter ideias simples. A filosofia racionalista do século XVIII, na
qual se baseou a Revolução Francesa, ainda era o pano de fundo da formação
intelectual da maioria das pessoas; porém, essa filosofia racionalista, da
qual se esperara a solução para todos os problemas, não conseguira salvar a
sociedade nem do despotismo nem da miséria.
Teixeira (2002) considera que todos tinham consciência dos males
da sociedade e um projeto de sociedade futura que superava aquela de
seu tempo, e acreditavam que bastava a educação e a universalização do
conhecimento científico para transformar a sociedade e o homem. Para
os socialistas utópicos, as tendências do sistema em desenvolvimento
apresentavam-se tão obviamente desumanas e inviáveis, que seria fácil contê-
las e modificá-las. Para Wilson (1987), nenhum dos socialistas utópicos
compreendia o mecanismo real das mudanças sociais, não podiam prever
o inevitável desenvolvimento do sistema que criticavam. Então, restava-
lhes criar sistemas imaginários e tentar construir modelos de tais sistemas,
na esperança de que fossem imitados. “Era isso que a palavra socialismo
designava quando começou a circular na França e na Inglaterra por volta de
1833” (WILSON, 1987, p. 100).

14 a sustentabilidade da economia solidária


Saint-Simon (1760-1825)

Filósofo e economista francês, Claude-Henry de Rouvroy, conde de


Saint-Simon foi um dos fundadores do socialismo moderno e teórico do
socialismo utópico. Nasceu em Paris e era filho de aristocratas e da grande
Revolução Francesa, uma vez que presenciou o triunfo da burguesia sobre a
nobreza e o clero.
É considerado um dos fundadores do chamado “socialismo cristão”.
Em seu trabalho Nouveau Christianisme, proclamou uma fraternidade do
homem que deve acompanhar a organização científica da indústria e da
sociedade.
Para Saint-Simon, a ciência e o progresso humano tinham grande
importância para a sociedade. Acreditava que a classe industrial era a classe
fundamental, “a classe que alimenta a sociedade” (TEIXEIRA, 2002, p.
47). Essa classe era constituída de camponeses, artesãos, todos os homens
envolvidos na produção de bens materiais e também os banqueiros.
Saint-Simon vê a sociedade como um “mundo invertido”. Repreende
fatos como pobres terem que ser generosos com ricos, privando-se de
uma parte que lhe é necessária para aumentar o supérfluo dos grandes
proprietários; denomina os representantes do governo como piores
ladrões, pois recebem como pagamento de seu trabalho grande quantia
dos trabalhadores por meio dos impostos e ainda punem pequenos delitos;
considera os chefes da sociedade como ignorantes e preguiçosos e critica o
fato de pessoas capazes, econômicas e laboriosas serem empregadas apenas
como instrumentos.
As doutrinas sociais de Saint-Simon influenciaram, segundo
Kropotkin (1916), todos os reformadores sociais de sua época, os quais
acreditavam que, com o fim do assalariamento, desapareceria também a
propriedade individual dos meios necessários à produção.

Charles Fourier (1772-1837)

François Marie Charles Fourier nasceu em Besançon em 1772, de


uma família de comerciantes de classe média. Procurou ganhar a vida como
empregado de oficina, vendedor viajante e empregado do comércio em Lyon.
Fourier descobriu sua teoria ao comer uma maçã em Paris e constatar
que era cem vezes mais cara do que em sua terra, Besançon. Fourier não
apenas fazia uma crítica ao capitalismo como apresentava uma interpretação

a sustentabilidade da economia solidária 15


global e unitária do universo, “sugerindo um plano de reorganização da
sociedade através da associação voluntária que refletia as aspirações de
uma classe média urbana, prejudicada pelo desenvolvimento capitalista”
(TEIXEIRA, 2002, p. 63).
Para Teixeira (2002), Fourier propõe uma reforma do homem e
considera que o autor não era contra a propriedade privada, nem que a
organização social que propõe seja comunista, pois respeitava o direito à
herança e considerava riqueza e pobreza como fatos naturais. Apesar de anti-
igualitário e antidemocrata, era antiautoritário e propunha que o Estado
fosse uma federação de associações livres.
Em sua obra O Novo Mundo Industrial e Societário, de 1829, Fourier
propõe a associação de famílias na produção industrial, e acredita que
poderia dar certo pela vontade Divina e a partir da atração passional,
suposição ligada à teoria de Newton. Para o autor, a finalidade da ordem
societária estava em associar o passional e o material, conciliando as paixões,
os gostos, o caráter, os instintos e as desigualdades.
Para que este novo mundo societário fosse possível, Fourier sugeria
a formação de “falanges de séries passionais”. Sua proposta era que se
formassem cozinhas, adegas, celeiros coletivos que implicariam maior
economia em relação à propriedade fragmentada. Cada coletivo teria
especialistas trabalhando neles.
As falanges deveriam ser constituídas de 1800 pessoas. Fourier
acreditava que mais de 2000 pessoas gerariam confusão e complicação,
enquanto que menos de 1600 pessoas deixaria a falange frágil em suas
ligações e sujeita a falhas no mecanismo com lacunas de atração industrial.

Robert Owen (1771-1858)

Robert Owen nasceu em 1771, em Newton, País de Gales, descendente


de uma família pobre. Seu pai foi ferreiro e encarregado dos correios. De
empregado no comércio em Londres e Manchester, Owen chegou a ser
diretor de uma fábrica nesta última cidade e proprietário de uma empresa
têxtil em New Lanark, na Escócia (TEIXEIRA, 2002).
Por sua posição social, Owen pôde financiar seus próprios projetos
e, dessa forma, teve maior destaque e prestígio entre os socialistas utópicos.
Tanto os críticos do capitalismo, como Engels, quanto os defensores da
ordem vigente reconheciam, de certa forma, o projeto de reforma social de
Robert Owen (ENGELS, 1980).

16 a sustentabilidade da economia solidária


Owen vivia na mesma época de Saint-Simon e Fourier, porém,
diferentemente da França, a Inglaterra apresentava um processo mais
desenvolvido do modo de produção capitalista e já apareciam os graves
problemas sociais inerentes ao processo de produção e reprodução do sistema.
A classe trabalhadora sofria de forma mais contundente a precarização das
condições de trabalho e de vida com o aumento da população nas grandes
cidades, o prolongamento e a intensificação abusivos do trabalho, o aumento
do trabalho feminino e infantil em condições precárias de trabalho (ENGELS,
1980). Dessa forma, a classe operária tinha uma visão diferente e mais
madura da sociedade industrial, e, por isso, uma crítica mais fundamentada.
Em sua obra O Livro do Novo Mundo Moral, de 1844, Owen debate na
primeira parte os princípios da Ciência da Natureza Humana, em que considera
que o homem recebe seus sentimentos e convicções independentemente
de sua vontade, mas, são esses fatores que criam a motivação para agir e
determinar suas ações. Assim, a natureza das circunstâncias exteriores influi
sobre a constituição do ser e, portanto, o caráter humano deste deve ser
entendido como formado para e não pelo indivíduo, ou seja, é formado pela
influência das circunstâncias exteriores.
Owen acreditava que o homem pode ser educado de modo a adquirir
hábitos ruins ou saudáveis, ou uma mistura dos dois, e que, assim, é forçado
a crer ou gostar de algo, sentir prazer ou aversão pelas coisas, sem saber que
essas sensações podem ser diferentes se houvesse experimentado de outra
maneira.
Dessa forma, Owen compreendia que se o homem e sua formação
fossem entendidos neste sentido, e adotados na prática de modo geral, seria
possível moldar um novo caráter para a espécie humana.
A partir desses princípios, o autor propõe um sistema social racional,
em que os conhecimentos e experiências fossem concentrados e reunidos
para que se produzisse maior quantidade de riqueza com menor perda de
capital, e que essa riqueza fosse distribuída de forma mais vantajosa para
todos; que o governo assegurasse o bem-estar de todos; que todos fossem
empregados em ocupações ativas e atraentes; que a maneira de educar e
empregar fosse de acordo com princípios de justiça e benevolência, sem
recompensas nem punições.
Destarte, observamos que Owen acreditava que o caráter do homem
era consequência do meio em que vivia, e que a educação seria capaz de
transformar essa situação.
Como sócio e gerente da fábrica New Lanark, Owen pôde colocar em
prática suas ideias reformistas, sempre no sentido de melhorar a vida dos

a sustentabilidade da economia solidária 17


trabalhadores e seus familiares. Como Owen não admitia nem recompensas
nem punições, ele só podia contar com atrativos (TEIXEIRA, 2002).
Assim, em New Lanark abriu escolas para os filhos de trabalhadores,
não admitia o trabalho de menores de 10 anos, adotou uma jornada de
trabalho de 10 horas e meia, criou uma cooperativa vendendo a preços
baixos alimentação e vestuário, fundou caixas de previdência para assistência
médica e amparo à velhice.
As melhorias na fábrica proporcionaram grandes lucros para seus
proprietários, e Owen passou a ser considerado filantropo, conquistando
a admiração também dos proprietários do capital. Entretanto, não se
encontrava satisfeito com essa experiência, pois ainda não chegara ao
desenvolvimento racional do caráter e da inteligência de seus trabalhadores,
que ainda considerava “seus escravos” e apenas os proprietários da fábrica
estavam enriquecendo com a parte produtora daqueles trabalhadores.
Dessas e outras questões, nasceu a ideia da criação de comunidades
igualitárias, que ele tentou pôr em prática com a fundação, na América do
Norte, da comunidade New Harmony. Com base no ideal comunista, na qual
o lema seria “de cada um segundo seu trabalho, a cada um segundo suas
necessidades”, considerou que todos os membros da comunidade seriam
considerados como parte de uma imensa e mesma família, na qual todos
teriam direito à alimentação, ao vestuário, à educação, à moradia.
Contudo, sua experiência em New Harmony, que iniciou em 1824,
fracassou. Rexroth (apud CORRÊA, 2004) relaciona seu fracasso a ações que
julga equivocadas de Owen:

O assentamento que comprou já estava pronto, os que para lá foram não


vivenciaram a experiência de construir algo para eles e para a comunidade.
Além disso, não havia vínculo entre os membros, qualquer um que chegasse
poderia fazer parte e a maioria tinha pouco ou nenhum compromisso como
a proposta da colônia e as idéias de Owen (REXROTH2 apud CORRÊA,
2004, p. 63).

De volta à Inglaterra em 1829, aproximou-se das associações de


artesãos, aderindo ao movimento sindical, no qual atuou durante trinta
anos, representando todos os movimentos sociais de interesse da classe
trabalhadora (ENGELS, 1980).

2
REXROTH, Kenneth. Communalism: from its origins to the twentieth century. Seabury Press, 1974
[versão para eBook, 2002].

18 a sustentabilidade da economia solidária


Limites de uma produção “não capitalista”

Apesar de a autogestão caracterizar-se como outra natureza de relação


social que não a capitalista, por estar inserida no seu modo de produção,
a produção de capital torna-se determinante, e as outras relações acabam
subordinadas a essa relação. Daí a importância de entender a relação social
estabelecida na produção autogestionária a partir da relação determinante.
No modo de produção capitalista, o trabalhador é expropriado dos
meios de produção pelo capitalista que lhe toma seus meios de trabalho,
restando-lhe apenas sua força de trabalho. O trabalhador é obrigado a vender
sua força de trabalho ao capitalista, a fim de garantir a sua sobrevivência. Sua
força de trabalho torna-se mercadoria trocada pela mercadoria salário.
Na relação estabelecida na organização com características
autogestionárias, não existe propriedade privada por apenas um capitalista
e, por conseguinte, não existe a venda da força de trabalho.
Na forma capitalista de produção, a cooperação aparece como forma
específica do processo de produção capitalista e o comando do capital
converte-se numa exigência para execução do próprio processo de trabalho,
em uma verdadeira condição da produção. Com o desenvolvimento da
cooperação em maior escala e a consequente elevação da produção, o
capitalista transfere a função de supervisão a um trabalhador específico,
o gerente, que se torna o representante do capital na administração do
empreendimento (BRAVERMAN, 1987).
Já na produção autogestionária, a partir do momento em que o
trabalhador se associa, deixa de ser assalariado e passa a ser responsável pela
administração da organização coletiva de produção. Ou seja, o processo de
trabalho é organizado pelos próprios trabalhadores, não existe o comando
por um gerente ou por um dono.
Luxemburgo (1999) analisa esta forma de organização do trabalho,
que ela caracteriza como cooperativas de produção, como “uma pequena
produção socializada dentro de uma troca capitalista”. Para a autora, se na
economia capitalista é a troca que domina a produção, a completa dominação
do processo de produção pelos interesses do capital, em face da concorrência,
torna-se uma condição de existência da organização coletiva de produção.
Sendo assim, o trabalhador das organizações coletivas de produção
acaba por se “autoexplorar” no momento da produção, pois para conseguir
chegar ao valor da mercadoria imposto pela concorrência, é obrigado a
trabalhar mais horas, uma vez que dificilmente utilizam tecnologia de

a sustentabilidade da economia solidária 19


ponta. Dessa forma, surge a necessidade de intensificar o trabalho o máximo
possível, definir as horas de trabalho conforme a situação do mercado,
empregar a força de trabalho conforme a necessidade do mercado ou colocá-
la na rua, utilizando os mesmos métodos que permitem uma empresa
capitalista concorrer com outra (LUXEMBURGO, 1999).
Para Marx, as cooperativas inseridas dentro do sistema capitalista
superam o antagonismo entre capital e trabalho, de forma que os trabalhadores
acabam por se tornar capitalistas de si próprios, ou seja, utilizam os meios de
produção para valorizar o próprio trabalho.
As organizações autogestionárias correm o risco, ainda, de tornarem
piores as condições de trabalho por meio do trabalho intensificado no
sentido de se chegar ao valor da mercadoria imposto pela concorrência. A
precarização característica das organizações de produção autogestionária é
também de caráter específico, já que não está relacionada à exploração da
mais-valia pelo capitalista da força de trabalho.
Algumas correntes que defendem a produção autogestionária como
forma de melhoria das condições do trabalhador, também acreditam na
possibilidade de transformação da ordem capitalista a partir da proliferação
destas organizações. Entretanto, como estão inseridas no sistema, na medida
em que a relação capitalista se amplia, destrói outras possibilidades de
relações de produção.
No “Manifesto de Lançamento da Associação Internacional dos
Trabalhadores”, Marx refere-se ao movimento cooperativo, especialmente
às fábricas cooperativas, como uma “vitória ilusória” da economia política
do operariado sobre a economia política dos proprietários. Assim, Marx
reconhece que as cooperativas têm valor demonstrativo para a classe
operária ao provar que a produção pode se dar em outros marcos que não
o capitalista; e demonstra a crença de que o trabalho assalariado tenderia
a desaparecer diante do trabalho associado, como uma forma transitória e
inferior.
Porém, apesar deste valor, o cooperativismo sempre enfrentará
grandes dificuldades se quiser expandir-se a ponto de oferecer risco à
produção capitalista hegemônica. Neste texto, Marx mostra que a reação dos
proprietários a qualquer tentativa de acabar com seu monopólio econômico
se dá a partir de privilégios políticos.
Podemos entender a impossibilidade material de superação da
sociedade capitalista a partir das organizações de produção autogestionária
por meio da análise feita por Luxemburgo (1999) sobre as cooperativas de

20 a sustentabilidade da economia solidária


trabalho. Para a autora, a cooperativa de produção só pode assegurar sua
existência no seio da economia capitalista tendo um círculo constante de
consumidores, por meio da cooperativa de consumo. Dessa maneira, as
cooperativas de produção têm de limitar-se a um pequeno mercado local
de forma reduzida, e de preferência de produtos alimentícios. Os ramos
mais importantes da produção capitalista estão previamente excluídos das
cooperativas de consumo, e, portanto, das cooperativas de produção. Assim,
as cooperativas de produção não podem ser consideradas uma reforma
social geral, pressupondo-se que, para isso, seja necessária a supressão do
mercado mundial e a dissolução da economia mundial atual em pequenos
grupos locais de produção e de troca.
Nos limites de sua possível realização, as cooperativas de produção
acabam por se reduzir em simples anexos das cooperativas de consumo,
reduzindo toda reforma socialista por meio de cooperativas em luta contra
o capital comercial, e não contra o capital de produção, e assim como luta
contra o pequeno e médio capital comercial, ou seja, “contra pequenos ramos
do tronco capitalista” (LUXEMBURGO, 1999, p. 83). Assim, evidencia-se
sua incapacidade de transformar o modo de produção capitalista, tornando-
se apenas meio de reduzir o lucro capitalista.
Marx faz referência ao cooperativismo em sua “Crítica ao Programa
do Partido Operário Alemão”, quando este expõe:

A fim de preparar o caminho para a solução do problema social, o Partido


Alemão exige que sejam criadas cooperativas de produção com a ajuda do
Estado e sob o controle democrático do povo trabalhador. Na indústria e na
agricultura, as cooperativas de produção deverão ser criadas em proporções
tais que delas surja a organização socialista de todo o trabalho (Programa
do Partido Operário Alemão In: MARX, 1984b).

Numa clara alusão ao fourierismo, owenismo e proudhonianismo,


esta proposta do programa recebe dura crítica de Marx, primeiro no que se
refere à “ajuda do Estado”, ou seja, o Estado deve criar as cooperativas, e não
os trabalhadores, o que significa a construção de uma nova sociedade por
meio de empréstimos do Governo. Para Marx (1984b, p. 220), as sociedades
cooperativas “só têm valor na medida em que são criações independentes
dos próprios operários, não protegidas pelos governos nem pelos burgueses”.
Como única solução para a expansão e o desenvolvimento cooperativo, Marx
(1984a) coloca a conquista do poder político pelos trabalhadores.

a sustentabilidade da economia solidária 21


Até aqui

O debate atual sobre a autogestão na tese e nas dissertações pesquisadas

Na dissertação que origina este capítulo, foram analisadas uma tese


e sete dissertações, nas quais se encontram doze experiências vinculadas a
diferentes setores da economia e da produção. Como a seleção foi realizada
a partir do Banco de Teses da CAPES, e por conta da delimitação do foco do
estudo, foram encontradas nas produções apenas experiências situadas em
três Estados: Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
Dentre as experiências estudadas nas produções selecionadas, seis
eram do setor da indústria: três de produção de cristais, duas de produção
têxtil e uma de calçados; duas no setor agropecuário e três no setor de
serviços: uma cooperativa educacional, uma de elaboração de planejamento
urbano e rural e uma cooperativa de prestação de serviços em portaria,
conservação e jardinagem.
A análise das dissertações e tese aprofundou os seguintes aspectos:
• origem das experiências: nessa parte, objetivou-se recuperar o processo
de origem da organização, com o intuito de compreender as propostas
e os princípios que fundamentaram a constituição da organização como
“organização autogerida”, no sentido de entender a base na qual foi
constituída e que fundamentos inspiraram a origem dessas experiências;
• concepção de autogestão: com o objetivo de conhecer os conceitos de
“autogestão” empregados pelos autores das produções selecionadas,
apresentamos, em cada caso, os autores e as teorias que fundamentaram o
entendimento da “autogestão” para o pesquisador da produção analisada;
• prática da autogestão na experiência: com o fim de apreender como a
autogestão apresenta-se nessas experiências, esboçamos em cada caso, a
forma de organização do trabalho, a divisão do trabalho e outros aspectos
que caracterizam o empreendimento como autogestionário;
• relações de trabalho versus autogestão: objetivou-se compreender a partir
das práticas adotadas nas experiências, como está sendo instituída a relação
entre a concepção e os fundamentos da autogestão em uma organização,
e as relações de trabalho que estabelecem. Desta forma, a intenção foi
compreender como estão sendo compostas as relações de trabalho a
partir da constituição de uma forma de organização mais “democrática”3
de organização do trabalho, com o intuito de observar o que mudou e o

3
Um dos pressupostos da instituição da autogestão em uma organização produtiva trata-se da gestão
democrática do empreendimento, ou seja, da participação de todos os associados nas decisões mais
importantes da organização.

22 a sustentabilidade da economia solidária


que permaneceu com relação à jornada de trabalho, à remuneração dos
associados, às condições de trabalho e vida dos envolvidos, entre outros
aspectos.
O quadro a seguir apresenta os títulos da tese e dissertações analisadas,
os autores e as respectivas experiências estudadas.

Quadro 1: Tese e dissertações analisadas

Título Autor / Universidade Experiência analisada


Os fios da esperança? Cooperação,
Marisa Nunes Galvão/ Cooperativa Nova Esperança –
gênero e educação nas empresas
Unicamp Cones
geridas pelos trabalhadores

Cooperativa educacional multidis-


ciplinar de Bauru – ensinativa: uma Cooperativa Educacional Multidis-
Cinthia Magda F. Ariosi/ UNESP
possibilidade de democratização ciplinar de Bauru – Ensinativa
das relações de trabalho e da gestão

Autogestão e heterogestão – com-


parando as relações de trabalho em Fernanda Z. M. Corrêa/ Bruscor Indústria e Comércio de
duas organizações do setor têxtil de UFSC Cordas e Cadarços Ltda.
Santa Catarina

Liberdade e necessidade: empresas


de trabalhadores autogeridos e
Henrique Z. M. Parra/ USP Uniwidia e Coop-Arte
a construção sócio-político da
economia

Organizações coletivistas de
Cooperunião, Cooperativa 21 e
trabalho: a autogestão nas unidades José Ricardo V. de Faria/ UFPR
Ambiens
produtivas

Autogestão – a experiência das


organizações autogestionárias do
Mariléia Hillesheim/ UFSC Coopercristal e Unicristal
setor cristaleiro de Blumenau e
Indaial

Se a coisa é por aí, que autogestão


é essa? Um estudo da experiência
Maurício Sardá de Faria/ UFSC Makerli Calçados
autogestionária dos trabalhadores
da Makerli calçados

O novo dentro do velho: coopera-


tivas de produção agropecuária do
Raquel Sizanoski/ UFSC Cooproserv
MST (possibilidades e limites na
construção de outro coletivo social)

Fonte: Dados primários e secundários

A proposta foi analisar as implicações nas relações de trabalho,


estabelecidas com a adoção da autogestão como princípio e forma de
administração de organizações produtivas, ou seja, o intuito foi apreender
se a autogestão está sendo uma alternativa às condições precárias a qual os
trabalhadores são submetidos nas empresas capitalistas.

a sustentabilidade da economia solidária 23


Para tanto, inicialmente procurou-se compreender os princípios e
valores da autogestão, buscando seus antecedentes históricos nas principais
correntes teóricas que forneceram aporte para a construção da proposta
autogestionária: o socialismo utópico e o anarquismo de Proudhon.
Como resultado da análise realizada das experiências pesquisadas
pelos autores das teses e dissertações, apresentadas no quadro anterior,
encontra-se, ao final, mais dois quadros: um com a caracterização das
experiências que foram objeto de estudo (Quadro 2) e outro, comparativo,
referente às condições de trabalho nas experiências (Quadro 3).
A partir da investigação realizada nas dissertações e tese, pode-se
deduzir que predomina nas experiências autogestionárias uma proposta
idealista, que não se aprofunda na objetividade e concretude econômica
das organizações, não compreende seus limites materiais por estar inserida
no sistema competitivo capitalista, e que, dessa forma, acaba reproduzindo
na sua organização real, muitos dos aspectos perversos da organização
capitalista do trabalho. O que se pode observar nos relatos das experiências
apresentadas pelas produções acadêmicas analisadas é que seus autores não
consideram a totalidade, mas enfatizam as possíveis transformações que
ocorrem quando os trabalhadores não reproduzem as relações de produção
características das empresas capitalistas. Para esses autores, a transformação
realiza-se apenas a partir da “cultura do trabalho”.
Assim, perpassa pelas experiências analisadas a importância da
educação de acordo com as propostas defendidas por Owen e Fourier, como
fator essencial para a transformação das condições em que os trabalhadores
vivem, como se os autores da tese e das dissertações acreditassem que basta
um sistema de instrução para modificar a sociedade corrompida e desigual.
É necessário considerar, porém, que a expressão das ideias e tendências
pedagógicas está relacionada à forma qual se estrutura a sociedade de cada
época. Portanto, as influências do capital, representadas pelo mercado,
não deixam de estar presentes nos espaços destinados à educação dos
trabalhadores. Dessa forma, o processo de mudança social não pode estar
atrelado apenas a uma condição de mudança de compreensão dos indivíduos,
e não pode ser atribuição apenas da educação.
No que se refere à organização, relações e condições de trabalho, é
necessário levar-se em conta a diversidade de origens das experiências
analisadas nas dissertações e tese. Foram analisadas produções em que
as experiências se originaram de quatro formas diferentes: falência de
empresa, motivação pessoal, incentivo de incubadora popular ou por meio

24 a sustentabilidade da economia solidária


de movimento social, no caso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra – MST. Cada processo identificado tem suas particularidades, suas
características singulares e algumas características em comum.
Dentre essas experiências, a maioria surgiu a partir de falência de
empresas. A sua particularidade provém do fato de iniciarem o processo
de organização do empreendimento já de forma precária, ou seja, em
condições degradantes e insalubres de trabalho. Assim, a transformação das
condições e relações de trabalho torna-se mais distante. A análise realizada
nas produções revela a permanência das características da relação capitalista
de gestão nestas experiências que surgiram a partir de falência de empresas,
quando a forma de gestão era a capitalista, a heterogestão. Isso ocorre,
principalmente por se manter a estrutura do trabalho, delegando aos antigos
proprietários ou às lideranças do movimento de passagem de empresa
falida para cooperativa as funções e cargos administrativos da organização.
Entretanto, é preciso considerar que ocorre algum avanço no que se refere
à transparência das informações, mesmo que isso signifique transparência
apenas nas informações operacionais do empreendimento.
Outro fator significativo, ainda no que tange às experiências originadas
a partir de falência de empresas, refere-se à sua situação diante o desemprego.
A transferência da empresa para as mãos dos trabalhadores representa uma
alternativa para os trabalhadores ao desemprego, apesar das adversidades
e relações perversas que enfrentam por continuarem inseridos no mesmo
mercado competitivo que o de outrora.
No caso das outras experiências, originadas por outro tipo de
motivação, como a motivação pessoal ou instituída a partir do MST ou de
incubadora, poucos foram os casos analisados nas produções selecionadas.
O que se pode perceber é que existem condições e relações de trabalho
melhores, se comparadas às cooperativas surgidas de empresas falimentares,
principalmente pela situação financeira inicial, ou seja, podem até iniciar
sem capital de giro, porém sem dividas anteriores (passivo trabalhista e
financeiro).
A concepção política em que estas experiências se fundamentam
também tem um caráter mais político e menos de sobrevivência, e, portanto,
a ênfase na experiência coletiva, na manifestação de relações de trabalho
mais democráticas e no significado desta “nova cultura de trabalho” está
mais presente, apesar de todos os percalços que enfrentam, e continuarão
enfrentando, enquanto a lógica capitalista for hegemônica e determinante.
Convém lembrar que, mesmo constituídas por uma motivação política e
sem dívidas anteriores, sua sustentabilidade não está garantida, tal como se

a sustentabilidade da economia solidária 25


observou na experiência da Cooperativa Ensinativa, em que os trabalhadores
pagavam para trabalhar.
A contradição que se estabelece entre as organizações autogestionárias
e as relações de trabalho está vinculada essencialmente aos limites impostos
pela lógica que rege a sociedade capitalista. Mesmo que se consiga estabelecer
uma relação de trabalho mais democrática dentro da unidade produtiva,
uma autogestão na organização do empreendimento, essas experiências
deparam-se com as regras de competitividade e produtividade do sistema
capitalista. Nas experiências originadas por processo falimentar, e mesmo
no caso da Bruscor, surgida por motivação pessoal em que o processo de
trabalho é industrial, a jornada e as condições de trabalho são determinadas
pelo alcance de metas de produtividade, impostas a partir do valor do
produto no mercado.
Porém, não se pode negar que exista uma melhoria na qualidade de
vida dos trabalhadores, no que se refere a sua relação com o trabalho, ao
sentido desta experiência coletiva para as pessoas envolvidas no projeto
autogestionário e, principalmente, ao sentido de estar reproduzindo sua
vida a partir do trabalho coletivo, ao invés da condição degradante de
impossibilidade de reprodução da vida por que passam os desempregados.
Assim, considera-se que apesar de ter sido identificado, com base em
fontes secundárias, a predominância das experiências em que permanecem
as relações de trabalho precárias características do sistema capitalista, é
necessário considerar as particularidades, desde a origem até a concepção
política das organizações autogestionárias.
Nos casos estudados, predominaram as experiências originadas a
partir de falência de empresa, nas quais o processo de transformação das
relações de trabalho é mais complexo, dadas as condições em que iniciam
o processo de trabalho e a característica de continuidade do processo de
produção. Dessa forma, as mudanças na organização do trabalho são menos
visíveis, tornando o empreendimento mais vulnerável à manutenção das
condições e relações de trabalho características da empresa capitalista.
Nas duas experiências analisadas surgidas a partir da organização do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, as contradições
inerentes ao fato de serem organizações também inseridas no mercado
capitalista pouco aparecem. Entretanto, reconhecemos que são casos ímpares,
sobretudo o caso da Cooperunião, de Dionísio Cerqueira,4 cooperativa que
4
Sobre esta Cooperativa, ver MUÑOZ, E. F. P.; NODARI, D. E. A sustentabilidade da atividade turística
no assentamento de reforma agrária “Conquista na Fronteira”. (Monografia de Graduação em Ciências da
Administração) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

26 a sustentabilidade da economia solidária


destoa do conjunto de experiências do Movimento, mas que não está isenta
de contradições.
No caso das cooperativas originadas a partir de Incubadora Popular,
apenas uma experiência pôde ser analisada. No entanto, são muitas as
cooperativas populares que vêm sendo apoiadas por este tipo de incentivo.
Estas experiências também têm características peculiares, por iniciarem
a partir de um processo mais estruturado, devidamente planejado e pela
oportunidade de realização de cursos de formação, gestão e cooperativismo,
como aconteceu com a experiência analisada da Cooperativa 21.
No que se refere às experiências iniciadas por uma motivação pessoal
e política, os casos analisados também apontam características diferenciadas,
relacionadas ao segmento produtivo em que atuam. As relações de
trabalho revelam-se mais democráticas, e a preocupação em seguir os
princípios autogestionários está constantemente presente. Entretanto, no
que se refere às condições de trabalho, estas se relacionam diretamente
ao segmento produtivo e às regras impostas com relação ao produto no
mercado. Na Bruscor, a jornada de trabalho era estabelecida pelas metas
de produtividade, enquanto na Ambiens, por se tratar de uma prestadora
de serviços de trabalho com planejamento e execução de atividades, existia
certa autonomia relativa à jornada de trabalho, que pode ser definida pela
disponibilidade da pessoa responsável, conquanto termine a atividade
no tempo estabelecido, porém previamente combinado com o cliente. A
experiência da Cooperativa Ensinativa já demonstra uma condição mais
precária, visto que os trabalhadores não recebiam por seu trabalho.
Pode-se considerar finalmente que, a realidade das experiências
demonstrou que as condições objetivas acabam por determinar a trajetória
da experiência, levando muitas ao fechamento precoce. Considera-se que
a prática da autogestão nas experiências se torna difícil, tendo em vista a
manutenção do processo e da organização do trabalho, especialmente nas
cooperativas originadas de falência de empresas, caso que predominou em
nossa análise.
Mesmo nas experiências originadas por motivações do conjunto dos
trabalhadores, percebemos a manutenção de processos e organização do
trabalho característicos da gestão heterogerida capitalista. A condição de
estarem submetidas à lógica do capital é determinante nesse sentido.
Entende-se que as condições estabelecidas na lógica capitalista
acabam por determinar todas as relações sociais de produção inseridas no
sistema, mesmo que tenham características antagônicas, como é o caso da
autogestão, caracterizada como uma relação não capitalista de produção.

a sustentabilidade da economia solidária 27


Assim, considera-se que as condições de trabalho dos indivíduos
envolvidos no projeto autogestionário, assim como o processo e a
organização do trabalho, na maioria dos casos, e principalmente no caso
dos empreendimentos que surgiram a partir de falência de empresas,
permanecem as mesmas, ou seja, as condições precárias características do
modo capitalista de produção.
Porém, se essas experiências caracterizam-se como instrumento de
luta, como no caso das organizações ligadas ao MST, não se constituindo
como um fim em si mesmas, podem se tornar um mecanismo de construção
de uma consciência de classe que leve os trabalhadores ao embate político
para, enfim, promoverem a edificação de um projeto para a superação
da condição degradante em que vivem, especificamente, na condição de
produtores associados.

Referências

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade


do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995.

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no


século XX. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

CORRÊA, F. Z. M. Autogestão e Heterogestão: comparando as relações de trabalho


em duas organizações do setor têxtil de Santa Catarina. Dissertação (Mestrado em
Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração. Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.

ENGELS, F. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. 3.ed. São Paulo: Global,


1980.

KROPOTKIN, P. A questão social. São Paulo: Prometheu, 1916.

LUXEMBURGO, R. Reforma ou Revolução? São Paulo: Expressão Popular, 1999.

MARX. K. Manifesto de lançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores.


In: ______; ENGELS, F. Obras Escolhidas. v.1. São Paulo: Alfa-Omega, 1984a.

______. Crítica ao programa do programa do partido operário alemão. In: ______;


ENGELS, F. Obras Escolhidas. v.1. São Paulo: Alfa-Omega, 1984b.

MATTOSO, J. O Brasil desempregado: como foram destruídos mais de 3 milhões de


empregos nos anos 90. 2.ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

28 a sustentabilidade da economia solidária


MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo; Editora da Unicamp, 2002.

TEIXEIRA, A. (Org.). Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento


social de nossa época. Rio de Janeiro: Record, 2002.

a sustentabilidade da economia solidária 29


30
Quadro 2: Caracterização das Experiências

a sustentabilidade da economia solidária


Fonte: Dados Primários e Secundários
QUADRO 3: Condições de Trabalho

a sustentabilidade da economia solidária


Fonte: Dados primários e secundários

31
PANORAMA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

Sinival Osorio Pitaguari


Luis Miguel Luzio dos Santos
Marcia Regina Gabardo da Camara

Introdução

O cenário socioeconômico atual caracteriza-se por um redesenho do


mapa mundial, em que barreiras alfandegárias foram derrubadas facilitando
o trânsito de mercadorias, informações, conhecimentos e ideologias.
Passou-se a viver num mundo onde as empresas transnacionais imperam,
impulsionadas pelas inovações contínuas e pelos capitais “sem pátria” que
circulam livremente ao redor do globo, tornando-as mais poderosas do que
muitos Estados Nação. Essa nova ordem econômica e social desponta como a
principal alavanca de riqueza da história humana, mas, contraditoriamente,
vem acentuando-se as injustiças sociais e a exclusão de um número cada vez
maior de pessoas em todo o mundo (SANTOS, 2002).
O cenário que se apresenta não é mero acaso, mas uma construção
iniciada, principalmente, a partir da década de 1970, com uma diminuição
progressiva da atuação dos governos nacionais, tanto em questões econômicas
quanto na esfera social. Os Estados do Bem-Estar Social fragilizaram-se
diante das crescentes demandas econômicas e sociais das populações, sem
contrapartida orçamentária equivalente, resultando em déficits públicos
crescentes e de difícil administração. Como reflexo desses desequilíbrios, a
maioria dos Estados mundiais passou a substituir o modelo previdenciário
por medidas de caráter liberalizantes, deixando para as leis de mercado a
responsabilidade de harmonizar a sociedade e a economia. Além do mais,
a crise do socialismo real, fez com que este deixasse de ser visto como uma
ameaça, resultando no recuo dos avanços sociais nos países capitalistas,
que deixaram de necessitar de mecanismos de bloqueamento aos possíveis
avanços do socialismo soviéticos sobre o ocidente (HOBSBAWM, 1995).
De acordo com Hobsbawm (1995), a chamada organização da
economia global, formalizada no Consenso de Washington, 1989, levou ao
crescimento de enclaves compostos por uma reduzida classe de capitalistas
transnacionais, vinculados às multinacionais e aos bancos estrangeiros.
Essa realidade deságua num processo de desemprego em grande escala e
informalidade. A introdução de novas tecnologias – informatização, robótica,

a sustentabilidade da economia solidária 33


eletrônica digital – agravaram a exploração e facilitam o intercambio mundial
que passa a intensificar as incoerências do grande capital e a assimetria de
resposta da classe trabalhadora que se vê fragilizada, já que as empresas
passam a transferir suas plantas para onde encontram menor organização da
classe trabalhadora, tornando-se o desemprego uma ameaça permanente que
impede avanços no campo trabalhista. Isso gerou uma nação corporativa,
acima dos Estados nacionais, movida por um único e superior objetivo,
remunerar com lucros cada vez maiores o capital internacional.
De acordo com Santos (2002), outra globalização começa a se fazer
presente como resposta à neoliberal, esta se caracteriza pelas redes e alianças
costuradas entre diferentes movimentos sociais espalhados pelo mundo,
com o intuito de lutar contra as exclusões sociais, o desrespeito aos direitos
humanos, a degradação do meio ambiente, o desemprego, a violência, entre
outras. O autor defende a ideia da emancipação social, que se sustenta nos
movimentos e organizações sociais de diferentes naturezas, mas com objetivos
comuns, recriar uma nova forma de sociedade, mais justa e humanizante,
partindo de um novo modelo de desenvolvimento focado na inclusão. De
acordo com Santos (1995, p. 123): “A relativa maior passividade do Estado
decorrente de perda de monopólio regulatório tem de ser compensada pela
intensificação da cidadania ativa, sob pena de essa maior passividade ser
ocupada e colonizada pelos fascismos societais”.
Diante de um quadro dominado por contrastes abissais e uma ameaça
clara ao equilíbrio democrático, vêm surgindo em todo o mundo alternativas
organizacionais amparadas numa lógica distinta da que norteia as empresas
tradicionais e, nesse sentido, desponta de uma forma particular as iniciativas
de Economia Solidária. Quando a temática da economia solidária é
abordada, não se pode deixar de considerá-la sob diferentes enfoques e
perspectivas, algumas vezes divergentes, outras complementares.As origens
do modelo teórico remontam ao século XIX, principalmente ligados aos
socialistas utópicos, como Robert Owen, Fourier e Saint-Simon, entre outros,
mas ficaram adormecidas durante boa parte do século XX, ressurgindo
recentemente em virtude do crescimento da exclusão e das desigualdades
sociais e da insuficiência dos modelos do Estado, do bem-estar Social e da
derrocada do modelo socialista soviético. Porém, não é possível atribuir-
lhe um mentor intelectual, monopólio teórico ou geográfico, no entanto,
destacam-se aqui autores que vêm contribuindo consideravelmente para
o aprofundamento e desenvolvimento da temática da economia solidária,
como Paul Singer, Boaventura de Sousa Santos, Euclides Mance, Marcos
Arruda e Gaiger.

34 a sustentabilidade da economia solidária


De acordo com Singer (2002), economia solidária pode ser definida
como um sistema socioeconômico aberto, amparado nos valores da
cooperação e da solidariedade, no intuito de atender às necessidades e
desejos materiais e de convivência, mediante mecanismos de democracia
participativa e de autogestão, visando à emancipação e o bem-estar
individual, comunitário, social e ambiental.
A emancipação perseguida pelas experiências de economia solidária
apresenta-se economicamente por meio de organizações de autogestão,
buscando-se construir modelos inovadores de produção e de sociabilidade
amparados em fortes princípios de participação e de cooperação, opondo-se
à lógica dos modelos hierárquicos de centralização de poder, concentrados
na competição e na exploração de mais-valia. A economia solidária é
centrada no ser humano e na sua capacidade de desenvolver soluções para os
problemas que o afetam de forma democrática e participativa, substituindo
o modelo hierárquico vertical pela horizontalidade das relações.
Os modelos de economia solidária buscam ir além de simples
geradores de trabalho e renda, idealizam novas formas de convivência e
de organização comunitária. Defendem a potencialidade que pode ser
gerada a partir de relações de mutualidade e de reciprocidade, apoiadas na
solidariedade e na equidade, em vez da competição e do individualismo. As
iniciativas de economia solidária empenham-se em construir alternativas
socioeconômicas sustentáveis, assumindo um compromisso com um modelo
de desenvolvimento que consiga integrar a sustentabilidade econômica,
social, ambiental e cultural, contribuindo, assim, para o aprimoramento
do próprio ser humano, ganhando na riqueza dos relacionamentos e no
convívio social comunitário.
Os desafios são inúmeros e as barreiras de difícil transposição, dado
o ambiente hostil a qualquer iniciativa não amparada na lógica capitalista
dominante e que, desse feito, tenha que “navegar” contra a corrente que
teima em sufocar qualquer experiência estranha e que conteste o status
quo vigente. Porém, o modelo de economia solidária ganha força quando
cresce a percepção pública das distorções do mundo contemporâneo, do
processo de insustentabilidade em que nos encontramos, além da tendência
em querer-se reduzir o sentido maior da existência ao ato do consumo e ao
individualismo extremo.
A justificativa do presente estudo é buscar explanar as principais
correntes teóricas dentro da economia solidária, principalmente no
Brasil, além de levantar empiricamente por meio de dados secundários,
a realidade deste fenômeno em nosso país. Pretende-se fazer um balanço

a sustentabilidade da economia solidária 35


das experiências de economia solidária no Brasil, tentando identificar o seu
perfil, suas particularidades e especificidades, já que se trata de uma realidade
multifacetada e ainda em processo de delimitação de suas fronteiras.

Diversos olhares sobre economia solidária

A seguir, apresentaremos algumas das principais abordagens da


economia solidária, considerando as suas variadas expressões e modelos
teóricos. A intenção não é esgotar a discussão, ao contrário, busca-se apenas
instigá-la, partindo de uma visão panorâmica das principais vertentes que
atualmente compõem o vasto universo conceitual e político da economia
solidária.

A Economia Solidária na visão de Singer

Paul Singer é um dos mais renomados autores e militantes dentro do


campo da economia solidária, tornando-se referência básica para qualquer
estudo que pretende compreender suas bases teóricas e seus principais
fundamentos. Nesse sentido, o autor ressalta que a economia solidária surge
como modo de produção, distribuição, consumo e convivência alternativa
ao capitalismo, casando o princípio da unidade entre posse e uso dos meios
de produção e distribuição. A economia solidária opõe-se à ditadura do
capital e de sua racionalidade expressa no individualismo, na priorização
da maximização do lucro, na racionalidade instrumental e no desprezo pela
multidimensionalidade do ser humano, reduzindo-o a mera ferramenta
econômica a serviço do grande capital, que, revestido de um poder sem
igual, passa a ditar as regras, excluindo e controlando vidas num processo
de seleção que quer ser visto como natural (quando na verdade surgiu e
terá seu limite imposto historicamente pela luta de classes). A assimetria
de forças e de relações de poder vem abalando perigosamente as estruturas
democráticas em que se apoiam as sociedades modernas (SINGER, 2002).
A economia solidária é uma criação em processo contínuo de
trabalhadores em luta contra a lógica perversa do capitalismo dominante.
Concentra-se na organização de trabalhadores em prol de projetos
cooperativos, que vão desde unidades produtivas autogestionárias, ou
pequenos produtores que se unem para comprar e vender em conjunto,
a diferentes formas de agricultura familiar, redes de comércio justo,
incubadoras de empresas, clubes de troca e de microcrédito; entre outras

36 a sustentabilidade da economia solidária


tantas experiências que têm em comum a geração de trabalho e renda
de forma mais justa, solidária e sustentável, extinguindo, desta forma, a
maximização do lucro como fim maior e substituindo a máxima: “quanto
mais tenho, mais quero” por “o necessário, mas para todos”.
A economia solidária apoia-se num conjunto de princípios que
lhe garante certa identidade, mesmo comportando múltiplas e variadas
experiências. As distinções em relação ao modelo econômico tradicional são
sistematizadas por Singer e Souza (2000, p. 13) a seguir:

a) Posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que os usam para
produzir;
b) Gestão democrática da empresa ou por participação direta ou por
representação, dependendo do número de cooperados;
c) Repartição da receita líquida entre os cooperados, conforme decisão em
assembleia;
d) Destinação do excedente anual (sobras), segundo critérios acertados
entre todos;
e) A cota básica do capital de cada cooperado não é remunerada;
f) Somas adicionais emprestadas à cooperativa proporcionam a menor taxa
de juros do mercado.

Singer (1998) destaca que as organizações de economia solidária


devem procurar um desenvolvimento sistêmico, priorizando produtos e
matérias-primas provenientes de outras organizações com princípios e
valores semelhantes, contribuindo, portanto, para a formação e consolidação
de verdadeiras redes de economia solidária, umas consumidoras das outras,
em cadeia e sem atravessadores, de forma vantajosa para todo o sistema.
Porém, Singer (1998, p. 123) alerta para a necessidade de algum tipo de
mercado: “É preciso aceitar, crítica, mas positivamente, o mercado, sem
desistir de metas solidárias”, reforçando a importância de alguma forma
de competição, mesmo dentro de um modelo dominado pelos princípios
solidários e cooperativos de organização: “Será importante que haja várias
empresas competindo pelos consumidores em cada ramo de produção,
dentro do setor, para que cada uma delas seja estimulada a melhorar a
qualidade e baixar os custos” (SINGER, 1998, p. 123), mas alerta que esta
deverá se dar entre semelhantes, ou seja, deve-se garantir um equilíbrio
entre os diferentes participantes.
Singer (2004a) salienta que o modelo capitalista se alimenta da
desigualdade, em que uma parte é bem-sucedida, mas que sempre tem que
se conviver com um contingente de miseráveis expressivo. Este fato, que
tende a ser naturalizado, dá-se devido a uma exaltação desproporcional

a sustentabilidade da economia solidária 37


atribuida à competição em detrimento da cooperação e da busca do bem
comum. Não existe uma contradição entre competição e cooperação, ambas
coexistem, porém, o que se diferencia de fato, é o grau de intensidade com
que cada uma se expressa. E quando há uma supremacia desproporcional
da competição sobre a cooperação, o resultado é a exclusão daqueles que
fracassam ou menos aptos às imposições do mercado. Inversamente, quando
a cooperação prevalece, gera-se um ambiente tolerante e equitativo que
proporciona o desenvolvimento de uma sociedade pautada no bem-estar
social generalizado.
Considerando todos os obstáculos do desenvolvimento das iniciativas
de economia solidária, o intercâmbio solidário e a geração de cadeias
produtivas complementares parecem ser o caminho mais indicado e
promissor para o fortalecimento e viabilidade deste modelo. Isoladamente,
os empreendimentos solidários dificilmente conseguirão sobrepor-se ao
grande capital, além de que, a proposta de uma mudança socioeconômica
mais ampla só pode viabilizar-se quando construída em redes capazes de
potencializar as ações isoladas de cada empreendimento. Todavia, essas
redes solidárias necessitam da integração conjunta de diferentes atores,
como governos, ONGs, sociedade civil, escolas e universidades, incubadoras,
centros de pesquisa, criando-se, assim, um processo de desenvolvimento
sinérgico e sustentável.
A forma mais provável de crescimento da economia solidária será
continuar integrando mercados em que compete tanto com empresas
capitalistas como com outros modos de produção, do próprio país e de
outros países. O consumo solidário poderá ser um fator de sustentação de
algumas empresas solidárias, do mesmo modo como são os clubes de troca.
Mas a economia solidária apenas se tornará uma alternativa superior ao
capitalismo quando ela puder oferecer às parcelas crescentes da população
oportunidades concretas de autossustento, usufruindo o mesmo bem-estar
médio que o emprego assalariado proporciona. Em outras palavras, para que
a economia solidária se transforme de paliativo dos males do capitalismo em
competidor do mesmo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção
e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de
outros modos de produção (SINGER, 2002).
As empresas autogestionárias, pela sua lógica e pelos valores que
abraçam e efetivam, vão muito além do simples caráter utilitarista das relações
de trabalho convencionais, assemelhando-se em muitos casos a verdadeiras
famílias, marcadas por laços afetivos e envoltas em relações de proximidade
que ultrapassam o universo produtivo. Nas organizações de economia

38 a sustentabilidade da economia solidária


solidária existem ganhos que vão muito além do econômico, tais como
autoestima, identificação com o trabalho e com o grupo, companheirismo,
noção crescente de autonomia e de direitos cidadãos. A isso se soma o respeito
e a valorização à diversidade, como riqueza da própria condição social em
que vivem complementando habilidades e maneiras de ser e de estar, o que
contribui para ambientes comunitários de grande riqueza sociocultural.

As redes de colaboração solidária de Mance

Euclides Mance (2000) propõe a criação de um modelo alternativo


ao mercado capitalista, em que um sistema em forma de redes interligadas
e interdependentes poderia viabilizar uma nova racionalidade econômica
pautada nos princípios da cooperação e da solidariedade. A concepção da
ideia de rede parte do princípio de que unidades produtivas que operam
isoladamente tendem a fracassar, pois não conseguem superar a concorrência
capitalista. A alternativa das redes de colaboração solidária baseia-se
no trabalho em conjunto, mediante a interligação entre movimentos de
consumo e produção por meio de mecanismos verticalizados de produção,
ou seja, o encadeamento de células produtivas, em que o bem final produzido
por uma serve de insumo demandado por outra. Esse modelo apoia-se na
preferência dada aos produtos desenvolvidos e disponibilizados pela rede,
num processo de retroalimentação, capaz de fazê-la crescer e tornar-se cada
vez mais autossuficiente. Para a viabilização deste ideal, faz-se necessário um
processo educativo e informativo capaz de criar uma cultura de consumo
solidário e desalienante, como expõe.
Consumir um produto que possui as mesmas qualidades que os
similares – sendo ou não um pouco mais caro – ou um produto que tenha
uma qualidade um pouco inferior aos similares – embora seja também
um pouco mais barato – com a finalidade indireta de promover o bem
viver da coletividade (manter empregos, reduzir jornada de trabalho,
preservar ecossistemas, garantir serviços públicos não estatais, etc), é o que
denominamos aqui de consumo solidário. O modelo de redes de colaboração
solidária apresenta como prioridade a geração de trabalho e de renda e a sua
manutenção de forma estável ao longo do tempo, ao invés de maximização
do lucro ou de meros objetivos econômicos desvinculados de propósitos
sociais. Neste sentido, Mance propõe a priorização de estratégias que
possam conduzir ao bem-estar coletivo e à incorporação de um contingente
cada vez mais numeroso de indivíduos. Para isso, defende a diminuição da
jornada de trabalho e a priorização do homem a certos meios tecnológicos

a sustentabilidade da economia solidária 39


que eliminam a necessidade de mão de obra e comprometem a capacidade
de consumo. Propõe, portanto, a inversão do processo ao dar primazia ao
uso de trabalho intensivo, gerando renda e consumo capazes de realimentar
toda a rede (MANCE, 2000).

O modelo de produção e sociabilidade de Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos (2002), sociólogo, português e um dos


principais articuladores do Fórum Social Mundial, alerta para a necessidade
de se buscar alternativas ao modo de produção capitalista convencional,
já que as relações de concorrência exigidas pelo mercado atual produzem
formas de sociabilidade empobrecidas, baseadas no benefício individual em
lugar de uma maior solidariedade coletiva e de um crescimento nos padrões
de bem-estar sociais. Tais relações parecem se desenvolver num misto de
cobiça, vaidade e ameaça do outro, gerando-se um constante estado de medo
e alerta, empobrecendo assim a sociabilidade e a relação de convivência
humana. Emerge, então, a necessidade de um novo modelo de convivência
social, em que despontem formas inovadoras de produção mais justas,
solidárias, democráticas e capazes de criar novos padrões de convivência
humana.
Santos (2002, p. 64), em seu livro Produzir para Viver, destaca os
principais pontos em que se apoia a lógica de um novo sistema de produção
e sociabilidade:

a) A importância dos vínculos além do econômico;


b) O êxito das alternativas de produção depende da inserção em redes de
colaboração e de apoio mútuo (sindicatos, ONGs etc...);
c) Lutas pela produção alternativa devem ser impulsionadas dentro e fora
do estado;
d) As alternativas de produção não se devem fixar unicamente em escala
local, mas articular-se em escala maior, afastando-se do isolamento;
e) A radicalização da democracia participativa e da democracia econômica
são duas faces da mesma moeda;
f) Existe uma estreita conexão entre as lutas pela produção alternativa e as
lutas contra a sociedade patriarcal. Não é uma luta no plano só econômico,
mas também de gênero, raça e emancipação;
g) As formas alternativas de conhecimento são fontes alternativas de
produção; aprende-se com os diferentes;
h) Os critérios para analisar o êxito ou o fracasso das alternativas econômicas
devem ser gradualistas e inclusivos e vão muito além do economicismo;
i) As alternativas de produção devem entrar em relação de sinergia com
alternativas de outras esferas da economia e da sociedade. Ex: Comércio

40 a sustentabilidade da economia solidária


justo, Taxa Tobin, democratização do Banco Mundial e do FMI, propostas de
renda mínima universal, respeito a normas éticas por parte de investidores
estrangeiros em países do sul, imigração aberta.

O autor defende que, para a concretização de um desenvolvimento


global justo e sustentável, primeiramente ter-se-á de pensar e agir em âmbito
local, porém sem abrir mão às possíveis articulações a nível mundial. O
trabalho em rede, ao conjugar diferentes experiências locais, poderá produzir
uma ou várias alternativas globais, e é exatamente no multiexperimentalismo
que poderão surgir novas formas de produção e de convivência social, menos
autoritária e definitiva, além de deverem se aproximar da esfera política, com
vistas a uma mudança nas próprias bases estruturais em que se apoia todo o
sistema socioeconômico dominante.

A Economia dos setores populares de Gaiger

O desenvolvimento de iniciativas de empreendedorismo popular é


uma das formas mais ambiciosas e promissoras de organização dos setores
populares, criando-se, assim, alternativas sustentáveis de geração de trabalho
e renda, seguindo os princípios da economia solidária que se apoiam na
autogestão, democracia interna, igualitarismo, cooperação, autossustentação,
desenvolvimento humano e responsabilidade social, ou seja, compromisso
com o todo social por meio de práticas geradoras de efeito irradiador e
multiplicador. Algo bem distante das prerrogativas que balizam a economia
capitalista, que se apoia na produção de mercadorias com único objetivo
de comercialização, separação dos trabalhadores dos meios de produção,
transformação do trabalho em mercadoria pelo empregado assalariado e
acumulação contínua de capital pelo detentor dos meios de produção, tudo
isso num processo de competição de busca por eliminação dos concorrentes
(GAIGER, 2004).
Diferentemente da racionalidade capitalista, os empreendimentos de
economia solidária apresentam como força “o interesse dos trabalhadores
em garantir o sucesso do empreendimento, o que estimula maior empenho
com o aprimoramento do processo produtivo, a eliminação de desperdícios
e de tempos ociosos, a qualidade do produto ou dos serviços, além de inibir
o absenteísmo e a negligência” (GAIGER, 2004, p. 34). Os empreendimentos
solidários apresentam como grande desafio a capacidade de conjugar
eficiência com solidariedade, gerando o solidarismo empreendedor, em que
o empoderamento local e a força da organização dos setores populares têm
um papel preponderante.

a sustentabilidade da economia solidária 41


A socioeconomia de Arruda

Marcos Arruda (2003) destaca-se ao buscar ultrapassar a visão


economicista, propondo a subordinação dos interesses econômicos aos
sociais numa inversão de valores. Para o autor, o conceito de socioeconomia
pretende ser mais abrangente e amplo na sua proposta de sociabilidade,
incluindo um forte apelo ao desenvolvimento de elementos de natureza
cultural e educacional, numa construção socioeconômica de base popular,
servindo-se da pedagogia de Paulo Freire. Há uma preocupação com a
emancipação de cada ser humano e o atendimento de uma dupla demanda:
a reprodução simples (sobrevivência) e a reprodução ampliada da vida
(crescente bem-estar individual, comunitário, social e ambiental), sendo a
economia com prioridade social.
O autor reforça, de forma particular, o papel da educação como o
mecanismo emancipatório por excelência, porém, ampara-se numa educação
imbuída de elementos sensíveis e valores humanísticos, objetivando o
despertar de uma maior consciência social e um engajamento em prol do
bem comum. Propõe uma mudança profunda iniciada no plano dos valores,
num “trabalho cultural para fazer emergir a solidariedade consciente”
(ARRUDA, 2003, p. 234).

A visão crítica de Barbosa

Rosangela Barbosa (2007) desenvolve raciocínio mais crítico em relação


à Economia Solidária e seus empreendimentos cooperativos. A autora parte da
tese de que se o desemprego, a pobreza e todos os problemas que repercutem
em exclusão social são decorrentes de uma estrutura social perversa, querer
transferir a resolução desses problemas para a esfera individual é incoerente
e injusto. Ao querer-se fomentar o empreendedorismo coletivo por meio de
grupos de excluídos do mercado de trabalho convencional, considerando sua
baixa formação técnica e autoestima debilitada por anos de subserviência,
torna-se uma lógica perversa e de sucesso bastante duvidoso. Problemas
estruturais terão de ser solucionados, corrigindo-se as próprias estruturas e
não transferindo a responsabilidade para as vítimas deste processo.
A autora também analisa de forma crítica as políticas públicas
de apoio à economia solidária. Para Barbosa (2007), o Estado brasileiro
age de modo contraditório quando mantém uma política neoliberal (não
abandonada pelo Governo Lula), que não visa à universalização de direitos,
muito menos desenvolve um programa de desenvolvimento econômico

42 a sustentabilidade da economia solidária


que seja capaz de inserir os trabalhadores no emprego formal. Ao mesmo
tempo, cria programas de inclusão via economia solidária que é baseado no
autoemprego e empreendedorismo, para um conjunto de trabalhadores que
terá muita dificuldade de manter seus empreendimentos sem o permanente
apoio do Estado.

Economia Solidária e Poder Público

Luzio dos Santos e Borinelli (2010), dentro da mesma lógica de Barbosa


(2007), percebem como é arriscado pensar-se a economia solidáriainserida no
mercado tradicional, considerando-se todos os reveses que lhe são inerentes,
como a baixa escolaridade e formação técnica dos seus membros, histórico
de miséria e subserviência, dificuldade de acesso a financiamentos e know-
how, capacidade de inovação permanente, entre tantos outros obstáculos
inerentes ao mercado competitivo que terão de enfrentar. Percebendo-se a
perversidade desse quadro, os autores defendem que haja uma mudança na
letra da lei de compras públicas, de forma a se privilegiar produtos e serviços
provenientes de empreendimentos da economia solidária. A garantia de
demanda e o fomento à criação de novos empreendimentos que possam
satisfazer uma parcela das necessidades do poder público pode se tornar
uma solução inteligente e efetiva de inclusão social, aliando a mudança das
estruturas excludentes com a formação de uma nova modalidade de parceria
público-privada amparada em prioridades sociais e emancipatórias.

A evolução do movimento em defesa da economia solidária

As primeiras experiências de economia solidária no Brasil surgiram


no começo da década de 1980, devido ao crescimento do desemprego
provocado pela crise cambial e inflacionária daquele período.
Naquele momento, a Cáritas Brasileira, entidade ligada à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criou o programa Projetos
Alternativos Comunitários (PACs), para financiar e capacitar pessoas
desempregadas e carentes para o trabalho autônomo ou em grupo, buscando
a independência delas das doações de cestas básicas e outros auxílios da
Igreja (SINGER, 2002). Segundo Cunha (2002), a entidade recebeu apoio
financeiro dos fieis brasileiros e também de Cáritas europeias, e a ideia de
criar os PACs surgiu dos seguidores da Teologia da Libertação. Por meio dos
PACs a Cáritas Brasileira visa a promover o “protagonismo dos excluídos”

a sustentabilidade da economia solidária 43


como uma ação da “caridade libertadora” (CUNHA, 2002, p. 71). Mais tarde,
a Cáritas resolveu aprimorar o programa e investir na Economia Popular
Solidária (EPS) (BERTUCCI; SILVA, 2003).
A onda de falência de empresas que acorreu durante a década de
1980, levou muitos trabalhadores a conseguirem na justiça o direito de
assumir a massa falida, e recuperar essas empresas na forma de cooperativas
autogestionárias. Essas experiências conduziram à criação da Associação
Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação
Acionária (ANTEAG) e da União e Solidariedade das Cooperativas do
Estado de São Paulo (UNISOL), essas entidades fundadas em 1995 fomentam
e apoiam a criação ou a ampliação das empresas autogestionárias (SINGER,
2002).
No campo, o principal apoio à economia solidária veio do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que promoveu a formação de
cooperativas agrícolas autogestionárias, em contraposição às cooperativas
tradicionais de caráter capitalista. Há duas formas de cooperativas
incentivadas pelo MST: a maioria realiza a associação da pequena propriedade
familiar nas atividades de comercialização e/ou beneficiamento; algumas são
grandes unidades produtivas de propriedade coletiva. O MST criou em 1990
o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA), composto no nível local
pelas Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs), no nível estadual
pelas Cooperativas Centrais dos Assentados (CCAs) e a Confederação das
Cooperativas da Reforma Agrária no Brasil (CONCRAB), no nível nacional.
O SCA reúne cooperativas de produção agropecuária, cooperativas de
prestação de serviços, e cooperativas de crédito (CUNHA, 2002).
Outra grande contribuição para o desenvolvimento de
empreendimentos solidários foi dado pelas Incubadoras Tecnológicas
de Cooperativas Populares (ITCPs). A primeira foi criada em 1995, pelo
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia,
mais conhecido como COPPE, instituição da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Essas incubadoras são multidisciplinares, integradas
por professores, alunos de graduação, de pós-graduação e funcionários.
Propõem atender “grupos comunitários que desejam trabalhar e produzir
em conjunto, dando-lhes formação em cooperativismo e economia solidária,
além de apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus
empreendimentos autogestionários” (SINGER, 2002, p. 123).
Esse movimento que visa a gerar trabalho e renda a favor dos
trabalhadores excluídos do mercado capitalista, acabou recebendo apoio
também dos sindicatos, por meio da Central Única dos Trabalhadores

44 a sustentabilidade da economia solidária


(CUT), que criou, em 1999, a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS),
com apoio da Rede Universitária de Estudos e Pesquisas Sobre o Trabalho
(UNITRABALHO) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE). A ADS tem difundindo conhecimentos
sobre economia solidária, organizando cursos de capacitação voltados para
lideranças sindicais e militantes, inclusive capacitando estas pessoas por meio
de cursos de pós-graduação desenvolvidos com apoio da UNITRABALHO
(SINGER, 2002).
A primeira política pública de apoio à Economia Solidária surgiu
em Porto Alegre – RS em 1994, durante o governo de Olívio Dutra, que
também foi pioneiro na implantação de uma política estadual no Governo
do Estado do Rio Grande do Sul em 1999. Este modelo foi implantado por
outros governantes petistas, antes de se converter numa política pública
de caráter nacional no Governo Lula (BITELMAN, 2008). Por meio dos
programas de economia solidária, o poder público passou a dar apoio para
que os desempregados montassem seus pequenos negócios próprios ou
cooperativos, para que, aos poucos, eles pudessem conquistar autonomia por
meio do seu autoemprego, e tornarem independentes de programas de renda
mínima, frentes de trabalho e outras iniciativas congêneres de assistência
social (SINGER, 2002).
As inciativas citadas anteriormente foram escolhidas entre as mais
importantes das diversas que surgiram ao longo das décadas de 1980 e 1990.
A diversidade de iniciativas demandou a articulação entre as entidadades
de apoio à Economia Solidária existentes no Brasil, que começou a ser feita
pelo Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT-Brasileiro),
durante os preparativos do I Fórum Social Mundial (FSM) que ocorreu
em Porto Alegre – RS, em 2001. Das várias oficinas do FSM, houve 1.500
participantes na oficina denominada “Economia Popular Solidária e
Autogestão”, a qual debateu a auto-organização dos trabalhadores, as políticas
públicas e as perspectivas econômicas e sociais de geração de trabalho e
renda. A realização do Fórum no Brasil deu maior visibilidade e chamou a
atenção da sociedade civil e das universidades para o fenomeno no país, o
que contribuiu para o seu impulso (FBES, s/d.).
Quando Luís Inácio da Silva, o Lula, venceu a eleição para a presidência
do Brasil, o GT-Brasileiro lhe entregou uma carta denominada “Economia
Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento”, a qual foi aprovada
na I Plenária Brasileira da Economia Solidária, e trazia as bases para a
criação de uma secretaria encarregada de desenvolver uma política nacional
de economia solidária.

a sustentabilidade da economia solidária 45


Já no seu primeiro ano de governo Lula deu os primeiros
encaminhamentos às questões proposta naquela carta, ao criar a Secretaria
Nacional de Economia Solidária (SENAES) vinculada ao Ministério do
Trabalho e Emprego, por meio da Lei nº 10.683, publicada em 28 de maio de
2003 e instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003. A SENAES
atua como articuladora e organizadora das diversas políticas federais de
apoio à economia solidária, colocadas em prática em diversos ministérios
do Governo Federal. Ela também incentiva e fomenta a criação de políticas
públicas de economia solidária de âmbito estadual e municipal (BRASIL,
(a), s.d.).
Para orientar as ações da SENAES, o Governo Federal criou e
instituiu, pelo mesmo ato legal, o Conselho Nacional de Economia Solidária
(CNES), concebido como órgão consultivo e propositivo para a interlocução
permanente entre setores do governo e da sociedade civil que atuam em prol
da economia solidária. Sua atribuição principal é a proposição de diretrizes
para as ações voltadas à economia solidária, nos Ministérios que o integram
e em outros órgãos do Governo Federal, e o acompanhamento da execução
destas ações (BRASIL(b), s/d.).
Para Singer (2004b), com a criação do CNES e da SENAES, o Estado
brasileiro reconheceu um processo social que estava em curso no país desde
1980, ampliado pela onda de desemprego após a abertura comercial em 1990.
Quase que concomitantemente à criação da SENAES pelo Governo
Federal, surgiu o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES, s/d.),
criado oficialmente em 2003 durante a III Plenária Brasileira da Economia
Solidária. O FBES tem procurado apoiar o movimento a favor da Economia
Solidária em diversas iniciativas e atividades econômicas como:

Abastecimento, comercialização, trabalhar com moeda social, promover


rodadas de negócio, realizar feiras em todos os estados, fazer campanha
de consumo consciente, comércio justo e solidário, constituir redes,
cadeias produtivas, finanças solidárias, trabalhar no campo do marco legal
(especialmente: lei geral do cooperativismo e cooperativa de trabalho)
(FBES, s/d.).

O FBES organizou a criação de fóruns estaduais nas 27 unidades


federativas do Brasil, e também fóruns regionais em cada um dos Estados.
Nestes fóruns (nacional, estadual e regionais), reúnem-se, ao todo, milhares
de participantes representando os empreendimentos solidários, as entidades
de apoio e a rede de gestores públicos de Economia Solidária. O FBES cumpre
o papel de principal interlecutor da sociedade com a SENAES.

46 a sustentabilidade da economia solidária


Graças à atuação da SENAES e do FBES, o número de programas
municipais e estaduais de economia solidária tem aumentado
consideravelmente, com destaque para os bancos do povo, empreendedorismo
popular solidário, capacitação, centros populares de comercialização etc
(FBES, s/d).

Um panorama empírico da economia solidária no Brasil

A SENAES criou o Sistema Nacional de Informações em Economia


Solidária (SIES), com o objetivo de levantar e disseminar informações sobre
os empreendimentos de Economia Solidária em todo o território nacional.
Até o presente momento, foram disponibilizados ao público dois “Atlas da
Economia Solidária”, o primeiro a partir da pesquisa realizada em 2005 e
o segundo em 2007 (BRASIL, (c), s/d.). Todos os dados a respeito dos
empreendimentos de Economia Solidária (EES) citados neste subcapítulo
podem ser extraídos no Atlas da Economia Solidária de 2007, disponibilizado
na internet pelo SIES (BRASIL, (d), s/d.) e descrito em Pitaguari (2010).
Em 2007, o SIES identificou 21.859 EES em todo o território brasileiro.
Embora tenham sido encontrados empreendimentos do início do século
XX, a economia solidária surgiu no Brasil como movimento organizado
na década de 1980, como vimos no subcapítulo anterior. Até 1980, havia
apenas 468 ESS, daquele ano até 1990 surgiram 1.903 novos EES, de 1991
a 2000 foram criados 8.554 EES, e no período compreendido entre 2001 e
2007 outros 10.653 EES foram criados. É possível que estes dados estejam
subestimados, assim como ocorreu com o Atlas da Economia Solidária de
2005, no qual foram registrados apenas 14.954 EES, 6.905 a menos que no
Atlas de 2007, mas a diferença na quantidade de empreendimentos entre os
dois levantamentos não é explicada pelo número de EES criados no período
entre 2005 e 2007, nestes três anos foram criados 3.496 EES.
Comparando os números de 2006 (1102 novos EES, o menor número
de empreendimentos criados desde 1997) com 2005 (2049 EES), percebe-se
que houve significativa diminuição do ritmo de surgimento de novos EES.
Talvez, este fato possa ser explicado pelo maior crescimento econômico do
Brasil no biênio 2006-2007, e o consequente aumento dos empregos com
carteira assinada. Um próximo mapeamento do SIES que, por exemplo, reflita
a crise de 2009 e o grande crescimento do PIB de 2010, poderá esclarecer
se há uma relação inversa entre crescimento econômico e criação de novos

a sustentabilidade da economia solidária 47


EES, embora o ideal para esse tipo de análise seja considerar tendências mais
longas.
Considerando a distribuição regional, há maior concentração dos EES
na região Nordeste com 43%, os restantes 57% es­tão distribuídos nas demais
regiões: 12% no Norte, 18% no Sudeste, 10% no Centro-oeste e 16% no Sul.
Em relação à distribuição territorial dos EES, predomina a localização rural
com 48% dos EES, a urbana representa 35%, enquanto em 17% dos EES
combinam as duas localidades.
Quanto aos tipos de EES predominam: as associações (51,8%), grupos
informais (36,5%), cooperativas (9,7%), sociedades mercantis (1,4%) e outras
formas (0,6%). O índice de informalidade é alto, apenas metade dos EES
possuíam CNPJ. Os grupos não formalizados legalmente eram a totalidade
dos 7.978 grupos informais de produção e dos 138 dos grupos classificados
como outros, e um quarto (2.786 EES) das 11.326 associações.
Vários motivos contribuíram para levar as pessoas a criarem e
a participarem de um EES (cada empreendimento pôde informar até
três motivos para o SIES). O principal deles foi encontrar uma solução
alternativa para o desemprego, 9.945 (21%) EES responderam que esse
foi um dos motivos, sendo que 33% das pessoas o consideram como
primeira opção. O segundo objetivo foi obter uma fonte complementar de
renda, 9.635 (20%) EES, este motivo predominou com segunda opção. Em
terceiro, 7.974 (17%) EES responderam que o objetivo foi buscar ganhos
maiores por meio de um empreendimento associativo, em vez de produzir
e comercializar individualmente seus produtos. A quarta motivação foi a
possibilidade de os trabalhadores virarem “donos”, ou melhor, sócios de uma
propriedade coletiva que não tem patrão nem empregado, para 6.090 (13%)
EES. Em quinto apareceu a influência do poder público, pois 5.502 (12%)
EES buscaram este tipo de organização para ter acesso às fontes especiais de
financiamento e outros apoios.
Cada entrevistado pôde informar três motivos, mas considerando
apenas as escolhas feitas como primeira opção, em 75% dos casos a
motivação teve objetivos econômicos. Estes dados permitem considerar que
são as consequências das contradições do sistema capitalista, em particular
o desemprego e a concentração de renda, os principais motivadores da
busca por formas alternativas de organizar a produção, a repartição e a
circulação dos meios necessários para a subsistência. Ainda que a pesquisa
do SIES tenha revelado uma significativa presença de motivação ideológica
(“desenvolvimento de uma atividade em que todos são donos” e “motivação
social, filantrópica ou religiosa”), pode-se argumentar que esta motivação

48 a sustentabilidade da economia solidária


nasce, principalmente, das condições materiais dos entrevistados, pois, como
diz Marx (1982, p. 25), “não é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”.
A grande maioria (73%) dos EES é formada por homens e mulheres,
enquanto 18% são compostos só por mulheres e 9 % só por homens. Do
total de 1.687.496 trabalhadores, os homens representam quase dois
terços ou 63% e as mulheres 37%. A participação dos trabalhadores é
maior nos empreendimentos maiores, naqueles a partir de 21 pessoas ou
mais, e a participação das trabalhadoras é maior nos empreendimentos
menores, em EES com até 20 pessoas. Essa concentração das mulheres em
empreendimentos menores pode ser explicada pelo fato de que, para elas,
a Economia Solidária aparece principalmente como um complemento da
renda familiar e da dificuldade de conciliar o trabalho mercantil com as
atividades domésticas.
Ao todo, 1.057.114 pessoas participavam de algum EES no Atlas
de 2007, número que representava aproximadamente 2% da População
Economicamente Ativa (PEA) brasileira. Classificando o tamanho dos EES
pelo número de sócios(as) participantes, até 10 pessoas representa 25% do
total dos EES, de 11 a 20 pessoas são 18%, de 21 a 50 pessoas são 33% e acima
de 50 pessoas são 25%. Entretanto, enquanto as três primeiras faixas somam
um quinto do total de pessoas ocupadas ou 2%, 4% e 14% respectivamente,
os EES com mais de 50 pessoas representam 80% do total de participantes. A
média geral de sócios(as) por EES é de 78 pessoas, logo pode-se inferir que
há economias de escala na economia solidária.
Essa hipótese fica mais forte quando se considera os dados do faturamento
médio mensal dos EES. Apenas 723 EES (3,34% dos que responderam a essa
questão no questionário do SIES), com faturamento médio mensal acima de
R$ 100.000,00, são responsáveis conjuntamente por um faturamento médio
mensal de R$ 524.990.592,41, o que representa 80,39% do faturamento total
dos empreendimentos. Excluindo os EES que declararam faturamento zero,
o faturamento médio mensal por empreendimento foi R$ 43.232,67. Quase
um terço (6.533) dos EES afirmaram ter faturamento zero, esta classificação
incluí principalmente as entidades de apoio. O faturamento médio mensal
total do conjunto de EES foi R$ 653.029.449,45, que multiplicado por 12
meses chegou a R$ 7.836.353.393,40. Este valor pode ser considerado o PIB
da Economia Solidária no Brasil, apenas 0,31% do PIB de 2007, que foi de R$
2,6 trilhões a preços correntes (BCB, 2007). Portanto, do ponto estritamente
econômico, a Economia Solidária ainda ocupa um espaço muito pequeno na
economia brasileira.

a sustentabilidade da economia solidária 49


Apenas 12.965 empreendimentos responderam ao questionário
do SIEES sobre a remuneração média mensal dos seus sócios(as)
trabalhadores(as), destes 10.872 remuneraram e 2.093 não remuneraram.
Dos empreendimentos que remuneraram seus sócio-trabalhadores 37,87%
deles (ou 18,83% do número total de EES) distribuíram até ½ salário mínimo,
24,44% (12,16% do total) remuneraram entre ½ e 1 salário, 25,86% (12,86%
do total) renderam de 1 a 2, 9,59% (4,77% do total) dividiram de 2 a 5 entre
os sócios, e 2,24% (1,11% do total) conseguiram remuneração superior a 5
salários mínimos. A média geral de remuneração foi de R$ 333,76 ou 1,11
salários mínimos por trabalhador (o salário mínimo na época da pesquisa
era R$ 300,00), enquanto o rendimento médio bruto mensal das pessoas de
10 anos ou mais de idade com rendimento em 2007 teve o valor de R$ 945,00
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (IBGE,
s/d).
A desigualdade de renda foi grande entre os trabalhadores de
empreendimentos diferentes. Os empreendimentos que remuneram seus
trabalhadores com mais de 5 salários mínimos, 2,24% (1,1% do total),
distribuíram 19% da renda média mensal obtida pelo conjunto dos
trabalhadores de toda a economia solidária brasileira registrada no Atlas de
2007. No extremo inferior de rendimento, até ½ salário mínimo, os 18,83%
(37,87% do total) de EES distribuíram juntos apenas 8,46% da remuneração
total da economia solidária.
A explicação para este fenômeno também pode ser encontrada na
economia de escala. Os empreendimentos com maior faturamento total
são os EES que têm um número maior de sócio-trabalhadores e um volume
maior de meios de produção, como, na maioria das vezes, as tecnologias mais
sofisticadas e eficientes exigem maiores escalas de produção, a produtividade
e a remuneração per capita também é maior nestes empreendimentos.
Segundo Shima (2006), as novas tecnologias têm criado máquinas-
ferramentas automatizadas menores e baratas, que viabilizam a produção
em pequena escala com eficiência. Essa análise é compartilhada por Lisboa
(1999), que defende o uso dessas tecnologias pela economia popular. Não
obstante, mesmo essas novas máquinas podem ser caras demais para o poder
aquisitivo de grupos pequenos de empreendedores solidários, formados, na
maioria das vezes, por trabalhadores desempregados.
A solução está no crédito, mas apenas 3.477 EES (15,91% do total)
tiveram acesso a ele, sendo que 16.698 EES (76,39%) responderam necessitar
de crédito. Do volume de crédito concedido aos empreendimentos solidários,
os bancos públicos participaram com 53%, as ONGs e OSCIPS concederam

50 a sustentabilidade da economia solidária


10%, as cooperativas de crédito e bancos populares forneceram 9%, e a
participação de bancos privados tradicionais foi de apenas 6%. Os EES ainda
conseguiram créditos de outras fontes não discriminadas pela pesquisa do
SIES, totalizando 21% do total concedido. Entre as outras fontes, incluem
apoio direto do poder público, de parentes e amigos, da solidariedade alheia,
da igreja etc. Apenas 6% dos EES responderam estar em atraso no pagamento
dos seus empréstimos e financiamentos. Para efeito de comparação, a taxa
média de inadimplência (inclui setores público e privado, pessoa jurídica
e pessoa física) no Brasil em 2007 foi de 4,7%, para atrasos superiores a 90
dias, segundo dados do Banco Central disponibilizados pelo IPEADATA.
Entre as dificuldades para obter crédito, estão pela ordem: falta de apoio para
elaborar projeto de viabilidade; taxa de juros elevada ou incompatível com
a capacidade do EES; falta de aval ou garantia; não possuir a documentação
exigida pela instituição financeira; prazo de carência insuficiente; inexistência
de linha de crédito adequada ao tipo de empreendimento.
A falta de documentação é causada principalmente pela informalidade,
pois só metade (10.896 EES) possuía CNPJ, e apenas 11,1% (2417 EES) eram
cooperativas ou sociedades mercantis. Na informalidade, os EES não podem
emitir notas fiscais, o que impede a venda legal para empresas e para o poder
público, o que torna ainda mais difícil as já complicadas condições para
comercializações dos produtos da Economia Solidária. A Lei 12.690, recém
promulgada em 19 de julho de 2012, poderá facilitar a formalização das
EES já que reduziu de 20 para 07 o número mínimo de sócios necessários
para criar uma cooperativa autogestionária. A mesma lei criou o Programa
Nacional de Fomentos às Cooperativas de Trabalho (PRONACOOP) com
o intuito de fornecer assistência técnica, linhas de crédito e outras ações de
apoio.
O movimento pela Economia Solidária vem tentando obter benefícios
legais como a prioridade nas compras governamentais, e já há algumas
conquistas neste sentido. A primeira foi a Lei Federal nº 11.445, de 2007,
que deu nova redação ao inciso XXVII, do artigo 24 da Lei de Licitações
(Lei 8.666 de 1993), permitindo a dispensa de licitação “na contratação
da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos
recicláveis ou reutilizáveis, [...], efetuados por associações ou cooperativas
formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas
pelo poder público [...]” (BRASIL, 2007). A segunda é a Lei 11.947, de 16
de junho de 2009, que criou uma cota mínima de 30% dos recursos do
Fundo Nacional de Educação (FNDE), no âmbito do Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE), para a aquisição de gêneros alimentícios

a sustentabilidade da economia solidária 51


“diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de
suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as
comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas” (BRASIL,
2009) com a vantagem de dispensa de licitação.
Devido ao predomínio da informalidade, as estratégias de vendas dos
empreendimentos solidários têm priorizado: a venda direta ao consumidor
(12.514 EES); as feiras livres (7.935 EES) periódicas; as feiras e exposições
eventuais ou especiais, organizadas principalmente por órgãos públicos e
privados de apoio à Economia Solidária (5.415 EES); espaços coletivos de
vendas próprios, incluindo Centros Públicos de Economia Solidária, como o
mantido pela Prefeitura Municipal de Londrina – PR (2.026 EES).
Dois terços dos empreendimentos (66,61%) vendem seus produtos no
comércio local ou comunitário (bairro ou imediações do local onde moram),
60,78% dos EES estendem as vendas por todo o município onde produzem,
29,53% dos EES vendem também para as cidades da microrregião, 19,15%
dos EES conseguem dar uma destinação estadual para seus produtos, 7,73%
dos EES alcançam o mercado nacional, e apenas 2,59% conseguem exportar
seus produtos para outros países. Considerando apenas a primeira opção de
destino, as vendas dentro dos limites do município alcançam 79%, e somadas
às cidades vizinhas chega a 89%. Este fato revela que há uma sinergia entre
o desenvolvimento da Economia Solidária e o desenvolvimento local,
isso ocorre porque os empreendimentos solidários produzem bens e
serviços (valores de uso) prioritariamente para atender às necessidades
básicas dos seus trabalhadores e da população local. A municipalização
ou regionalização dos programas de apoio à Economia Solidária pode
proporcionar mais flexibilidade de adaptação à economia local, favorecendo
a integração e o aumento da eficiência econômica dos empreendimentos. Os
governos municipais e estaduais podem e devem aproveitar esse potencial da
Economia Solidária para desenvolver as comunidades e regiões pobres sobre
suas jurisdições.
A maior parte dos empreendimentos (15.403 ou 71%) desenvolve
apenas um tipo de atividade, 4.674 (21%) realizam dois tipos de atividades, e
1.737 (8%) praticam três ou mais atividades. A gama de atividades é bastante
diversificada, mas aparecem com destaques as seguintes: produção agrícola
22%, serviços prestados às atividades relacionadas à agricultura 13%, têxteis
10%, beneficiamento de produtos rurais e industrialização de alimentos 9%,
criação de animais 9%, vestuário 5%, comércio 5%, e produção mista de
agrícola e pecuária 4%. Por esses dados, percebe-se que os empreendimentos
solidários são predominantemente rurais, conforme já citado anteriormente.

52 a sustentabilidade da economia solidária


Um dos objetivos da formação de redes de EES, defendidas
principalmente por Mance (2000), como visto anteriormente, é buscar a
integração vertical e horizontal dos empreendimentos solidários. Entretanto,
a maioria dos empreendimentos (13.697 ou 68,75%) adquiriu insumos
de empresas privadas tradicionais, sendo que esta é a principal fonte de
obtenção para 11.081 deles, ou seja, 55,62% dos 19.922 empreendimentos
que informaram que essa questão se aplica a eles no questionário do SIES.
As associações são a principal forma de organização de empreendimentos
solidários, formadas principalmente por pequenos proprietários da
agricultura familiar, pescadores, extrativistas vegetais e por artesões. A
compra de insumos de outros produtores associados pode ser considerada
um indicador de integração vertical, neste caso, ela está presente para os
6.187 (31,06%) que utilizaram essa fonte de aquisição insumos. Como 1.292
(6,49%) EES adquiriram insumos de outros EES não associados, mesmo
que não seja o fluxo interno de uma rede formalmente organizada, essas
trocas podem ser consideradas como uma rede informal, assim, a integração
vertical da Economia Solidária aumentaria para 37,54% dos EES. As doações
(4.642 ou 23,30% EES) figuram como terceira fonte de insumos, embora ela
seja a fonte principal para apenas 1.838 (9,23%). Em seguida vem a coleta
de materiais recicláveis (2.581 ou 12,96% EES). Há, ainda, empreendimentos
que utilizam outras fontes diversas não especificadas pelo SIES e casos que
não se aplicam.

Considerações finais

Neste breve panorama da Economia Solidária no Brasil, pode-


se observar um consenso entre todos aqueles que a defendem, tanto os
estudiosos teóricos como os militantes de diversos movimentos populares e
até dirigentes públicos, que consideram que a Economia Solidária como uma
forma de trabalho e obtenção de renda alternativa ao trabalho assalariado
capitalista.
Não obstante, há também algumas divergências, como a denominação
“Economia Solidária”, “Socioeconomia”, “Economia Popular” etc., que
podem revelar mais do que uma variedade semântica. Esta imprecisão
ocorre por se tratar de uma experiência relativamente nova (apesar de se
inspirar nas experiências dos “socialistas utópicos”), e por não haver uma
unidade filosófica e metodológica entre os pesquisadores do tema. Mas
acabou predominando o conceito de Economia Solidária graças à atuação

a sustentabilidade da economia solidária 53


da Federação Brasileira de Economia Solidária e seu reconhecimento
público, ao ser criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária junto ao
Ministério do Trabalho e Emprego.
As modalidades que compõem a Economia Solidária são múltiplas.
Algumas experiências que surgem da base (movimento espontâneo dos
trabalhadores solidários) como: a união de trabalhadores que perderam
emprego em pequenas unidades produtivas; pequenos produtores que se
unem em redes para comprar e vender em conjunto; trabalhadores que
assumem empresas falidas; diferentes formas de agricultura familiar. Outras
são articuladas a partir de apoios externos (ou de cima para baixo): redes de
comércio justo, incubadoras de empresas, clubes de troca e de microcrédito,
entre outras.
Parte da militância social envolvida atualmente nas experiências de
Economia Solidária pretende utilizá-la não apenas como mecanismo de
subsistência, mas também como instrumento de luta contra a economia
capitalista, entretanto, de outro modo que não aquele das experiências
chamadas de socialismo real, que surgiram em alguns países no século XX.
Não obstante, o movimento em torno da Economia Solidária também é
composto por aqueles que não priorizam a crítica contra o sistema vigente,
mas, simplesmente, em tentar melhorar a sua sorte, dentro ou fora dele. A
Economia Solidária não se originou a partir de uma grande teoria, mas com
a prática de trabalhadores e militantes, ela não exige um único plano ou
visão econômica, mas respeita um conjunto de diferentes iniciativas, sendo
um processo em construção.
A revisão de literatura identificou que as contradições inerentes ao
modo de produção capitalista tornam este sistema incapaz de gerar pleno
emprego da força de trabalho, pois mantém muitos trabalhadores em
empregos precários e outros são excluídos permanentemente. Fatos estes que
geram inevitavelmente uma grande massa de pessoas pobres ou miseráveis.
Além disso, mesmo os assalariados melhor remunerados são explorados
pelas empresas capitalistas. As pequenas e médias empresas também sofrem
com o processo de concentração e centralização do capital. Tais problemas
estimulam a busca de alternativas individuais ou coletivas de inserção no
mercado de trabalho, para garantir a subsistência e melhorar a qualidade
de vida dos trabalhadores. Os dados do questionário aplicado pelo SIES
corroboram com essas observações, ao mostrar que as questões econômicas
representaram 3/4 das motivações que levaram os trabalhadores a criarem
os EES. Tal proporção pode ser maior se for considerado que os alegados
motivos de ordem ideológica (política, social, religiosa etc.) nascem das

54 a sustentabilidade da economia solidária


condições materiais de existência (sobrevivência) dos trabalhadores que se
unem nos empreendimentos solidários.
A Economia Solidária é uma destas alternativas. Ela caracteriza-
se por unir trabalhadores em empreendimentos cooperativos, nos quais
a propriedade dos meios de produção deve pertencer a todos os sócios
trabalhadores. Tem por princípios a não utilização e exploração do trabalho
assalariado, a tomada de decisões preferencialmente por assembleias nas
questões principais ou por direção democraticamente eleita nas questões
rotineiras. A divisão vertical do trabalho dentro das unidades de produção
é combatida em favor da autogestão, ao mesmo tempo em que a divisão
social do trabalho é incentivada por meio das redes de empreendimentos
solidários.
Apesar das dificuldades para pôr em prática todos os princípios
da economia solidária, em particular da autogestão, o mapeamento do
SIES identificou em apenas 2% dos EES a inexistência de qualquer tipo
de participação dos trabalhadores nas decisões do empreendimento. Em
aproximadamente dois terços dos EES, a participação dos trabalhadores nas
decisões é bem consistente e rotineira.
A pesquisa dos dados do Atlas da Economia Solidária de 2007
identificou que a Economia Solidária ocupava um espaço marginal na
sociedade brasileira. A dimensão econômica é muito pequena representando
apenas 0,31% do PIB daquele ano, apesar de que o número de sócios
significava 1,94% da PEA brasileira (estimada para 2005). O nível médio
de rendimento obtido por pessoa também foi muito baixo, em 2007
representava pouco mais de meio salário mínimo, considerando apenas os
empreendimentos que conseguiam remunerar seus sócios. Isso demonstra
que no estágio encontrado pela Economia Solidária no levantamento feito
pelo SIES, ela não era capaz de tirar a maioria dos seus trabalhadores da
pobreza.
Outro problema é o desnível de faturamento e de distribuição de
rendimento aos trabalhadores entre os empreendimentos solidários,
reproduzindo, de certo modo, o que acontece nas empresas capitalistas,
ou seja, ocorre uma espécie de “concentração de capital solidário”.
Observou-se que apenas 3,3% dos EES foram responsáveis por 80% de
todo o faturamento dos empreendimentos solidários do Brasil em 2007, e
que 18,7% dos EES distribuíram 76% do rendimento total recebido pelos
trabalhadores solidários. Impressiona o fato de que 243 EES, 1% do total,
foram capazes de distribuir R$ 2.837,00 mensais em média para seus sócios
trabalhadores, uma renda bem superior ao rendimento médio bruto mensal

a sustentabilidade da economia solidária 55


dos trabalhadores brasileiros em 2007, que foi de R$ 945,00. Em geral,
os empreendimentos maiores são os que mais faturam e os que melhor
remuneram seus sócios, isso devido à existência de economias de escala.
Tais diferenças podem ser explicadas pela forma diversificada como são
criados os empreendimentos que inclui desde EES de médio ou grande porte
(empresas falidas recuperadas, cooperativas formadas por assentamentos da
reforma agrária etc.) a micronegócios (associações de artesãos, pequenos
grupos de produção etc.), e pelo fato de que os empreendimentos também
são afetados pelo processo de acumulação, concentração e centralização de
capital, o que faz alguns prosperarem, enquanto muitos ficam estagnados
ou falem. Ambos os fatores contribuem para os resultados, pois a regulação
econômica dos empreendimentos solidários é feita pelo mercado e em disputa
com empresas capitalistas, mas mesmo numa hipotética economia formada
apenas por EES, seria de se esperar tais desigualdades e concentração da
produção, porque elas concorreriam entre si.
Em relação à questão de gênero, a pesquisa da SENAES mostrou que
quase dois terços dos trabalhadores são homens e pouco mais de um terço
são mulheres, elas participam dos empreendimentos menores e eles dos EES
maiores, mas em quase 80% há participação tanto de homens quanto de
mulheres.
As características da Economia Solidária propostas por seus
defensores são adequadas às estratégias de desenvolvimento local endógeno,
na medida em que pretendem trabalhar sob as bases do capital humano, dos
recursos naturais, do capital social e da cultura já existentes na comunidade.
Ao aproveitar e valorizar as forças emanadas da identidade comunitária,
privilegiando as relações que ultrapassam o plano econômico, facilita-se
o desenvolvimento do espírito cooperativo. Além do mais, ao se propor
fortalecer as experiências locais, favorece o alcance de níveis mais elevados
de sociabilidade e da formação do capital social.
A Economia Solidária busca crescer baseada num conjunto de
produtores autônomos ou de empreendimentos coletivos, que se organizam
em redes para trocar produtos entre si, o que dá a todos meios de escoar a
produção sem ser de imediato aniquilado pela superioridade das empresas
capitalistas que já estão estabelecidas. Mas um problema detectado pela
pesquisa do SIES é o baixo grau de integração entre os empreendimentos
solidários, apenas 1/3 deles adquirem produtos de outros EES, apesar de
metade deles participar de alguma rede ou fórum de economia solidária.
A ampliação das redes na direção da integração vertical e horizontal é um

56 a sustentabilidade da economia solidária


desafio a ser enfrentado para ampliar as economias de escala e escopo dos
empreendimentos.
A lógica de realimentação dos mercados locais, impedindo que os
recursos econômicos saiam para outras regiões, parece ser uma interessante
estratégia de estímulo ao desenvolvimento local. Os dados fornecidos pelo
SIES reforçam essa ideia, eles demonstraram que mais de 3/4 dos bens e
serviços produzidos pelos EES são vendidos no próprio município de
origem. A municipalização das políticas de apoio à Economia Solidária pode
trazer mais eficiência econômica, pois os atores locais conhecem melhor
sua própria realidade. Por isso, a SENAES e governos estaduais deveriam
incentivar e financiar a criação de programas municipais, metropolitanos ou
microrregionais.
Em alguns casos, ter um mercado protegido ou favorecido contra a
competição externa, por algum tempo, até que os empreendimentos ganhem
eficiência e aprendizado, pode ser uma medida relevante de políticas
públicas. A criação de uma moeda social na comunidade local pode ser
o melhor mecanismo de proteção, contra vazamentos de demanda para a
produção capitalista ou de outros locais. Isso também pode contribuir para
melhorar a integração vertical dos empreendimentos que ainda é pequena.
Não obstante, a integração política dos empreendimentos solidários é um
pouco melhor, mais da metade deles participam de alguma rede social ou
fórum de economia solidária, e se engajam em movimentos populares na
defesa de direitos dos trabalhadores, do meio ambiente, dos consumidores
etc.
Quase metade dos empreendimentos é ligada de algum modo ao setor
primário, aproximadamente 22% dos EES produzem mercadorias agrícolas,
9,4% criam animais, 13,3% prestam serviços a produtores rurais, e 4,1%
beneficiam produtos agropecuários, 3,4% combinam agricultura e pecuária,
e 1,7% realizam a pesca. Nas atividades industriais, a participação mais
importante é do setor têxtil 10% e de vestuário representam 5%, o restante
é divido em outros setores indústrias, artesanato e serviços diversos. Esse
predomínio da produção primária e no espaço rural pode ser explicado pelo
fato de que nestes setores o grau de concentração dos mercados é menor do
que nas atividades industriais e comerciais, o que facilita a concorrência dos
empreendimentos solidários com as empresas capitalistas.
A informalidade, principalmente o fato de não poder fornecer notas
fiscais, é outra importante limitação comercial que os empreendimentos
solidários são obrigados a enfrentar na concorrência com as empresas
capitalistas. EES já legalizados há alguns benefícios conquistados no

a sustentabilidade da economia solidária 57


Governo do Presidente Lula, como a dispensa de licitação para contratação
de coletores e recicladores de resíduos (lixo) organizados de forma solidária,
e também a garantia de preferência em pelo menos 30% dos recursos do
FNDE para a merenda escolar.
Mas o principal apoio econômico por parte do setor público, segundo
o mapeamento do SIES, ocorre no fornecimento de crédito. Pouco mais da
metade do crédito conseguido pelos EES provém de órgãos governamentais,
o restante vem principalmente de ONGs e de fontes pessoais (parentes,
amigos etc.). Os bancos privados participam com apenas 6% do fornecimento
de crédito, o principal motivo para isso é que os bancos preferem financiar
grandes volumes de recursos para um pequeno número de empresas, devido
aos custos de transação. Este motivo talvez explique, também, porque apenas
16% dos EES ficaram com 86% dos créditos recebidos. A informalidade e
dificuldade de obter avalistas também foram importantes barreiras para a
obtenção de crédito.
O crescimento da formação de novos EES após a criação da SENAES
aparentemente seguiu apenas a tendência que já vinha ocorrendo a partir da
década de 1980, e intensificada com a crise do início do século XXI. Portando,
a política nacional de Economia Solidária desenvolvida por aquele órgão
federal representa, sobretudo, a sensibilidade do Governo Lula para atender
a uma importante demanda dos movimentos populares organizados. As
informações do SIES revelaram que os EES ainda carecem de apoios maiores
apoios, como financiamento dos investimentos, o desenvolvimento de
tecnologias sociais adequadas à produção em baixa escala, incentivos fiscais,
demanda privilegiada por parte dos órgãos públicos, entre outros.
Os futuros mapeamentos que o SIES deverá realizar, permitirão
verificar se as políticas públicas em andamento terão eficácia para ampliar
taxa de crescimento da economia solidária, não só no número de EES
criados e de sócios trabalhadores participantes, mas, principalmente, se
eles vão conseguir melhorar o baixo nível de rendimento médio mensal
que conseguem por enquanto. Esses mapeamentos também contribuiriam
para resolver outra questão, se a tendência de crescimento da economia
solidária verificada nas duas últimas décadas (1990-2007) seria mantida
caso o país consiga um novo período de crescimento acelerado e sustentável.
As evidências históricas apontam que a busca de soluções alternativas
de trabalho e renda do tipo da Economia solidária crescem quando o
desemprego aumenta nas economias capitalistas e diminuem quando este
sistema econômico consegue ter uma fase longa de prosperidade.

58 a sustentabilidade da economia solidária


Referências

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a sustentabilidade da economia solidária 61


ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA:
ALTERNATIVA À EXCLUSÃO SOCIOESPACIAL

Franciene Michele Consorte Luizão


Ideni Terezinha Antonello

Introdução

Neste trabalho, pretende-se discutir as questões em torno das quais


gravitam as políticas públicas, tendo em vista a necessidade de elaboração e
aplicação destas perante as consequências socioeconômicas vivenciadas pela
população, fruto das mudanças ocorridas no mercado de trabalho. Nesse
contexto, o escopo do artigo é verificar como a Economia Solidária torna-se
uma nova forma de trabalho e uma alternativa para a pobreza e a exclusão
social.
Observa-se que o processo de reestruturação produtiva do capital
na contemporaneidade encontra-se vinculado à globalização econômica,
o qual acarreta transformações nefastas ao mundo do trabalho, tais como
a precarização do trabalho, a exclusão do mercado de trabalho formal
(informalidade), o desemprego e a pobreza. Por conseguinte, as condições
no mundo do trabalho são caracterizadas, cada vez mais, pela precariedade,
pela flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho, de maneira
sem precedentes para os assalariados.
O resultado deste processo é a implicação direta na geração de postos
de trabalho que redunda na exclusão socioeconômica de uma parcela
significativa da população brasileira. Tal fato fomenta a preocupação do
Estado em pensar políticas públicas voltadas para esta realidade, tanto na
escala nacional, estadual e local, no intuito de se buscar alternativas de
enfrentamento da pobreza e de geração de emprego e renda. Nesse contexto,
o desenvolvimento da proposta da política pública assentada na Economia
Solidária vem com a finalidade de amenizar a pobreza, no momento em
que pode se constituir em alternativa à exclusão socioespacial, pois viabiliza
novas formas de trabalho.
A partir destes pressupostos, o foco central deste artigo volta-se para
a análise do processo de globalização e as suas sequelas para a população
excluída do modelo produtivo atual imposto pela reestruturação produtiva
do capital, buscando aprender como a elaboração e a aplicação de políticas

a sustentabilidade da economia solidária 63


públicas direcionadas para a população carente podem possibilitar a
inclusão socioespacial, tendo como referência a Economia Solidária. Para
atingir o escopo do trabalho, adotou-se como procedimento metodológico o
levantamento de referências bibliográficas sobre a temática da pesquisa, bem
como se utilizou o indicador referente à renda per capita com o objetivo de
fazer uma análise das condições socioeconômicas na população do recorte
espacial da pesquisa, o município de Londrina. Posteriormente, realizou-
se a análise e interpretação do arcabouço teórico para alicerçar a presente
reflexão. Salienta-se que este trabalho insere-se em uma pesquisa que tem
como objetivo central investigar o surgimento e cristalização da Economia
Solidária no município de Londrina – PR, com o escopo de analisar as
potencialidades desta política pública para atingir a superação da condição
de pobreza e, assim, proporcionar a emancipação e autonomia da população
não inserida no mercado de trabalho formal.
O presente artigo encontra-se estruturado em dois eixos centrais, o
primeiro dedica-se a realizar uma reflexão sobre o processo de globalização
e seus desdobramentos, como a exclusão socioespacial, bem como direciona
o olhar para a discussão sobre o papel que as políticas públicas podem
desempenhar perante as desigualdades socioeconômicas fomentadas no
bojo da mundialização do capital. O segundo eixo visa a complementar a
análise sobre as políticas públicas, todavia, tendo com foco uma política
específica, a Economia Solidária, na perspectiva de verificar a potencialidade
dessa política como alternativa à exclusão socioespacial.

Reflexão sobre o processo de globalização, a exclusão socioespacial e as


políticas públicas

Segundo Silva e Guimarães (2010), a crise estrutural sofrida no


mundo do trabalho, a partir de meados de 1970, desencadeou inúmeras
alterações na base tecnológica da produção de mercadorias do capital,
as quais estavam estruturadas sobre o binômio taylorismo/fordismo. As
alterações na base tecnológica do processo produtivo acabaram dando
margem a uma reestruturação produtiva do capital; pois se até então o modo
de produção capitalista estava assentado na produção em massa e ampla
utilização da força de trabalho, esta dotada de especialização para a produção
em série, com a introdução de uma nova forma de acumulação do capital –
a “acumulação flexível” – entra em cena o toyotismo. O toyotismo como
processo de gestão da força de trabalho e da nova forma de organização

64 a sustentabilidade da economia solidária


produtiva passou a produzir de acordo com as demandas de consumo das
mercadorias, requerendo um trabalhador polivalente e multifuncional.
Os autores complementam que “[...] essas transformações no processo
de acumulação e reprodução do capital incidem diretamente na reprodução
das relações sociais e, sobretudo, na precarização do trabalho na atualidade”
(SILVA; GUIMARÃES, 2010, p. 157).
Nesse sentido, a globalização como processo de mundialização
do capital fomenta a substituição do processo produtivo fordista para o
toytismo, o que representa uma estratégia das empresas transnacionais,
de internacionalizar nas suas ações um novo processo organizativo do
trabalho, por conseguinte nas relações de força entre capital e trabalho, pois
visa à manutenção das relações sociais de produção capitalista no mundo.
No entanto, convém ressaltar que essa estratégia parece intensificar as
desigualdades sociais no mundo, uma vez que a grande maioria da população
(trabalhadores) estaria excluída desse processo, tendo em vista a exigência
de um novo perfil para o trabalhador, isto é, a imposição ao trabalhador de
desenvolver a capacidade de ser “polivalente”, o que subentende a necessidade
de qualificação.
A globalização econômica faz com que o mundo se torne um só
mercado, dessa forma, há a necessidade de constante adaptação e revisão do
que está acontecendo. As mudanças ocorrem em um ritmo cada vez mais
acelerado, seja no âmbito da natureza, da ciência e da tecnologia, e produz um
profundo impacto no espaço, nas diferentes escalas (local, nacional, regional
e internacional), pois a reestruturação espacial da sociedade via redefinição
da divisão territorial do trabalho imposta pelo processo de globalização
econômica cria novos espaços de produção, consumo e lazer. Nesse sentido,
a reestruturação produtiva do capital “[...] implica fluxo e transição, posturas
ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e
mudança” (SOJA, 1993, p. 194).
Nesse sentido, a sociedade sofre inúmeras implicações que interferem
de maneira decisiva na produção do espaço urbano, seja na dimensão
geográfica, histórica, cultural ou social. Particularmente, evidencia-se que as
transformações socioeconômicas atuais aprofundam as desigualdades sociais
com o crescimento da pobreza, tendo em vista o aumento de trabalhadores
desempregados. Já que toda a inovação técnica e de gestão tem a finalidade
de aumentar a produtividade do trabalho, por conseguinte, visa a reduzir
a força de trabalho necessária na produção, o que no Brasil representou a
redução de 78.700 empregos, entre 1989 e 1992, o que se constitui na “nova
exclusão social” (ALVES, 2005).

a sustentabilidade da economia solidária 65


À primeira vista, o processo da globalização pressupõe uma ideia de
generalização, de difusão, de ampliação do acesso aos mercados no mundo
inteiro, criando oportunidades novas para todos. Entretanto, o que se
observa nesse processo é o favorecimento às classes e ideologias dominantes,
evidenciando-se, desse modo, uma maior exclusão social, percebida nas
estruturas de produção e de trabalho, na manipulação de informações,
na exclusão de grande parte da população que se encontra desempregada
ou subempregada, bem como na discrepância salarial entre os melhor
remunerados e os trabalhadores menos qualificados.
Segundo Singer (2001), no Brasil, a globalização tem causado impactos
e mudanças estruturais, que tem elevado o desemprego e o subemprego em
todas as suas formas, e, ainda, o agravamento da exclusão social, contribuindo,
portanto, para o aumento da pobreza. A isto, acrescentam-se as análises de
Barbosa (2007) ao elucidar que o desemprego associa-se à precarização
baseada na degradação das condições e relações de trabalho, que reestrutura
o mercado e aumenta a heterogeneidade social com trabalhos parciais,
terceirizados, temporários, com sérias consequências para os processos
de solidariedade e formação de entidades coletivas entre os trabalhadores.
Dessa forma, estamos diante de processos sociais que fomentam formas
diferenciadas e mais complexas de trabalho. Cada vez mais, o capital e sua
lei do valor necessitam do trabalho, mas recorrem cada vez mais ao trabalho
precarizado.
Conforme afirma Barbosa (2007), é claro que a alternativa à crise pela
via da desvalorização da força de trabalho é uma receita conhecida na história
do capitalismo. Assim, duas alternativas se apresentam: as atividades de
subsistência que pouco interessam ao capital e as atividades informalizadas
que baixam os custos do trabalho, conformando uma atualizada e rentável
maneira de acumulação capitalista, de modo subordinado. Tanto uma como
outra podem ser encontradas na Economia Solidária, e estão associadas a
processos sociais atados e determinados pelo movimento do capital que
produz, arruína e recria práticas econômicas não abalizadamente capitalistas
(BARBOSA, 2007).
Ainda sobre esse tema, Pochamann (2001) complementa que o
aumento do desemprego reflete a incapacidade da economia brasileira de
gerar expressivos postos de trabalho. Dessa forma, o desemprego estrutural
– ocorre porque os que são vítimas da desindustrialização, em geral, não tem
pronto acesso aos novos postos de trabalho – é semelhante em seus efeitos
ao desemprego tecnológico: ele não aumenta necessariamente o número

66 a sustentabilidade da economia solidária


total de pessoas sem trabalho, mas contribui para deteriorar o mercado de
trabalho para quem precisa vender sua capacidade de produzir.
Na busca da sobrevivência mediante as condições restritivas do
mercado de trabalho, os trabalhadores acometidos pelo desemprego
estrutural inserem-se no mercado informal em ocupações precárias, sazonais
e semiclandestinas, como vendedores ambulantes, guardadores de carro em
vias públicas, limpadores de para-brisa de carros, lavadores de carros em
locais públicos; e outros que encontram trabalho na própria comunidade,
a partir das relações de vizinhança e da vinculação a grupos produtivos
(Nishimura, 2005). Nesta situação, os que há anos vivem de “bicos”, do
comércio ambulante, de trabalhadores sazonais, da prestação de serviços
que não exigem qualificação, são frutos da pressão crescente do desemprego,
que se apresenta como fator poderoso para que grande número de pessoas
aceite o emprego informal.
O desemprego, a baixa escolaridade, a discriminação do local de
moradia estão presentes na realidade vivida por essas pessoas, o que as
expõem a todas as inseguranças quanto à possibilidade de prover a família
com condições objetivas. Por outro lado, enfrentar a pobreza, a falta de renda
e a falta de emprego são possíveis mediante soluções individuais e coletivas.
Nas palavras de Paugam (2003, p. 65):

[...] os pobres, mesmo quando são dependentes da coletividade, não estão


desprovidos de possibilidades de reação apontando o caráter equivocado
da noção de exclusão. [...] Diversos trabalhos têm mostrado que os pobres
reagrupados em ambientes socialmente desqualificados podem resistir
coletivamente – ou às vezes individualmente – à desaprovação social,
tentando preservar ou restaurar sua legitimidade cultural e, assim também,
sua inclusão social.

No caso brasileiro, Silva e Guimarães (2010) afirmam que a retomada


do crescimento econômico tem promovido a inserção de uma parcela de
trabalhadores no mercado de trabalho, mas o maior desafio tem sido o
enfrentamento do desemprego e das desigualdades sociais na vida da
população, pois,

[...] aumentou a procura por trabalhadores qualificados, mas a maioria das


pessoas que se oferecem para suprir as vagas de emprego disponíveis não
possui aptidões que o mercado de trabalho requer. Isso ocorre, em primeiro
lugar, porque a demanda de força de trabalho apresentada pelo mercado de
trabalho parte das necessidades do processo produtivo e as aptidões que os
trabalhadores possuem são, na essência, secundárias. Assim, o trabalhador,

a sustentabilidade da economia solidária 67


por mais aptidão que possua, só é um trabalhador apto ao trabalho no
processo produtivo na medida em que suas aptidões coincidem com as
demandas da produção capitalista (SILVA; GUIMARÃES, 2010, p. 158).

Para Santos (2004), é necessário compreender que tudo isso resulta


da adoção de um modelo socioeconômico capitalista selvagem, que não
traz oportunidades sociais para todas as pessoas. Implica, sim, acumulação
e o privilégio de uma minoria em detrimento da maioria. Assim, de acordo
com Castel (apud Silva; Guimarães, 2010), a contemporaneidade
tem revelado que as alternativas ao desemprego estrutural têm se votado a
reforçar a renda e não o trabalho como elemento central na vida social das
famílias. O trabalhador, no entanto, permanece como referência dominante
não só economicamente, mas psicológica, cultural e simbolicamente, fato
que se comprova pelas reações daqueles que não têm trabalho, que vivenciam
cotidianamente o flagelo do desemprego, do não trabalho, do não labor.
De acordo com Singer (2001), a crise de desemprego manifesta-
se no Brasil por aumento do desemprego “aberto”, isto é, da proporção de
pessoas que não exercem outra atividade que a de ativamente procurar
trabalho. Estas pessoas, em geral, pertencem a famílias cuja subsistência
está assegurada por reservas ou por outro membro, que está ocupado. O
referido autor complementa que os pobres raramente podem se dar ao luxo
de ficarem “desempregados”. Os pobres ficam “parados” quando a procura
por seus serviços cessa, mas eles não podem permanecer nesta situação por
muito tempo. Se não conseguem ganhar a vida na linha de atividade a que
vinham se dedicando, mudam de atividade, caso o contrário, correm o risco
de morrer de fome.
Uma vez que a globalização é excludente, pois favorece as classes e
ideologias dominantes e ignora a maioria da população, que tem reduzido
a sua participação nesse processo, são necessárias discussões de novas
estratégias e ações públicas globais, por parte dos governos locais, que
visem a reforçar a sua capacidade de governabilidade, estimulando o
desenvolvimento econômico e social nos municípios.
Portanto, o aumento das mudanças provocadas pela reestruturação
produtiva do capital no mundo do trabalho e o domínio da globalização
econômica apresentam como desdobramento o empobrecimento de parte
dos desempregados e futuros desempregados, já que a eliminação de postos
de trabalhos continua de forma constante, sobretudo os que ficam por
longos períodos sem trabalho e sem perspectivas de encontrá-lo, agravam as
condições de trabalho nos mercados informais, em que os pobres oferecem

68 a sustentabilidade da economia solidária


seus serviços. São pessoas que não têm escolaridade, profissionalização ou
incentivo, assim, o que falta a eles é oportunidade.
Nesse contexto, a naturalização da pobreza foi incorporada à cultura
contemporânea, fazendo acreditar-se que se trata de algo inevitável (SANTOS,
2010). Transfere-se a culpa para o plano individual, argumentando-se que a
miséria é decorrente da falta de esforço, do comodismo ou da preguiça de
boa parte da população, alegando-se, ainda, que “cada um tem o que merece”,
assim, ao responsabilizar o pobre pela sua condição adversa, escamoteiam-
se os problemas estruturais crônicos da sociedade, qual seja a atual situação
de desemprego estrutural vivenciada, tanto dos países de capitalismo
periféricos como os do capitalismo central. O desemprego apresenta-se como
a principal sequela social no mundo que se agiganta, pois se aprofunda com
a exclusão permanente de postos de trabalhos. Surge, deste processo, uma
nova categoria social – o desempregado permanente, isto é, nas palavras de
Forrester (1997, p. 11):

[...] um desempregado, hoje, não é mais objeto de uma marginalização


provisória, ocasional, que atinge apenas alguns setores; agora, ele está
ás voltas com uma implosão geral, com um fenômeno comparável a
tempestades [...] que não visam ninguém em particular mas aos quais
ninguém pode resistir. Ele é objeto de uma lógica planetária que supõe a
supressão daquilo que se chama trabalho.

Tal fato, conjugado as formas de inserção precárias no mundo do


trabalho, fomenta uma situação mundial preocupante. A inserção precária
ocorre mediante o crescimento do trabalho atípico nos países de capitalismo
avançado, salienta-se, como exemplo, a realidade italiana, (Tabela 1) que,
conforme Vasapollo (2005), apresenta um movimento de ampliação desta
forma de trabalho, pois, entre 1993 e 2002, observa-se o aumento dessas
relações de trabalho em todas as regiões da Itália, inclusive nas Regiões
Noroeste e Nordeste que representam os espaços mais desenvolvidos
economicamente do país, ou seja, o trabalho atípico constitui-se na
prestação de serviços cuja distinção fundamental é a falta ou a insuficiência
de tutelas formativas e contratuais, incluídas todas as formas de prestação
de serviços, as quais são caracterizadas, cada vez mais, pela precariedade,
pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem precedentes para
os assalariados. Por conseguinte, a disseminação dessas relações sociais de
produção é a expressão do crescimento da população de pobres na Itália,
como coloca o autor, é a geração dos “novos pobres” dentro da comunidade
europeia.

a sustentabilidade da economia solidária 69


Tabela 1: Distribuição de trabalho atípico por região – Itália

Região 1993 % 2002 %


Noroeste 7.4 14.5
Nordeste 10.4 18.6
Centro 8.2 14.9
Sul e ilhas 11.1 17.1
Fonte: Vasapollo (2005).

Nesse sentido, a pobreza no mundo atual é um assunto que vem


atraindo, cada vez mais, a atenção de todos, pois aumentam continuamente
as parcelas da população excluídas socialmente. Particularmente, ao se
analisar os dados apresentados pelo OTI – Organização Internacional do
Trabalho, no relatório de 2011 sobre o mundo do trabalho, no qual ressalta
que:

Em finais de 2009, registravam-se 81 milhões de jovens desempregados em


todo o mundo e o registro do aumento anual do desemprego de jovens era
de 1%. [...] Os jovens desempregados que se defrontam com o ambiente
da crise poderão perder a esperança de arranjar emprego e desligar-se do
mercado de trabalho, deixando atrás de si o ‘legado de uma geração perdida’
(OTI, 2011, p. 9).

Percebe-se claramente que as condições de pleno emprego das


décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial não fazem parte do mundo
do trabalho em escala internacional. O que torna a situação complexa é
pensar que, para a geração futura, os jovens, não se apresentam perspectivas
diferenciadas da atual precarização do trabalho e mesmo o desemprego, o
que fomenta o aumento da pobreza no mundo. Na realidade brasileira, o
problema da pobreza é estrutural. Esse problema agrava-se, tendo em vista
que a pobreza é fruto mais da desigualdade na distribuição de renda do que
da falta de recursos. Essa afirmativa é respaldada pelos dados do Censo 2010,
os quais revelam que os 10% mais ricos no Brasil possuem renda mensal 39
vezes maior que a dos 10% mais pobres. Outra informação que confirma esta
realidade é que os 10% mais ricos ficam com 44,5% do total de rendimentos
nacionais (IBGE, 2010). Considera-se como a nova pobreza aquela composta
por jovens desempregados, idosos que não conseguem mais emprego e pelas
mulheres que se encontram fora do mercado de trabalho.
Ao se analisar sob a dimensão local, ou seja, o recorte espacial da
pesquisa, pode parecer contraditório a situação do município de Londrina

70 a sustentabilidade da economia solidária


como um dos que detêm a maior renda per capita do estado do Paraná. Pois
ocorre, no entanto, uma disparidade de renda interna no município, ou seja,
a discrepância entre ricos e pobres acentua-se na medida em que se avalia
que o município apresenta, ao mesmo tempo, patamares elevados de renda
com persistência de bolsões de miséria, os quais podem ser visualizados na
Figura 1. A realidade expressa na Figura 1 se traduz, também, nos dados do
Censo de 2010, que demonstram que a “Renda média de Londrina é de R$
1.226,45. Na extremidade oposta do ranking da renda média dos bairros da
cidade está o Jardim União da Vitória. Com uma população 20 vezes maior
(10.086) que a do Bela Suíça, o bairro tem uma renda mensal média de R$
404,80” (GONÇALVES, 2011, p. 4). No caso do bairro Jardim Bela Suíça,
a renda média é de R$ 5.346,06, o que revela a disparidade socioespacial na
cidade de Londrina.

Figura 1: Substrato social – Londrina

Fonte: Barros et al. (2008).

Tendo como referência a classificação realizada pelos autores Barros et


al. (2008), que consideraram a predominância da renda de chefes de família
igual ou menor que três salários mínimos, nas áreas mais escuras da Figura
1, situa-se entre 61 a 85% das famílias cujos chefes têm renda nesta faixa.
Ao se observar com maior atenção essas áreas, verifica-se que se trata de
bairros periféricos, como, por exemplo, o Jardim União da Vitória citado
anteriormente, nos quais a pobreza é revelada não apenas pelas condições

a sustentabilidade da economia solidária 71


de moradia e falta de oportunidades de emprego, e criminalidade, mas pela
falta das condições essenciais de subsistência, bem como sofrem com a
precariedade de infraestrutura urbana, particularmente com a deficiência
dos equipamentos urbanos relacionados à saúde e à educação. Assim, a
espacialização da renda dos chefes de famílias em Londrina expressa a
segregação socioespacial dessas famílias, uma vez que, em função dos
rendimentos obtidos, estão sujeitas a viverem nos bairros periféricos da
cidade.
Para compreender a presença do universo de pobres em Londrina,
pode-se considerar alguns fatos oriundos do seu processo histórico e da
evolução da sua trajetória econômica, ou seja, o município foi o principal
polo produtor de café nos anos 1960 e 1970, do século XX, passando por
profundas transformações após o declínio desta atividade. Logo após,
houve diversificação de atividades agrícolas, concomitantemente, em que as
principais cidades próximas a Londrina conseguiram alavancar o processo
de industrialização. Porém, ao mesmo tempo, os trabalhadores liberados
pelo campo, sem qualificação profissional e baixo nível de escolaridade,
deslocaram-se para o espaço urbano de Londrina, passando a morar em
condições precárias na periferia. São partes destes migrantes rurais que se
inserem no universo de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza.
Cabe destacar que Londrina contava com 447.065 habitantes em 2000,
sendo que apenas 3% encontram-se no espaço rural (população estimada
para 2009 de 510.707 habitantes) (IBGE, 2000; 2010), fato que evidencia
a concentração populacional no seu espaço urbano, e, consequentemente,
afloraram e aflora os problemas frutos de uma urbanização acelerada e
desorganizada que se constituíram na marca do processo de urbanização
no Brasil. Na escala nacional, este processo de urbanização redundou no
fato que, em 2010, apenas 15,65% da população (29.852.986 pessoas) viviam
em situação rural, contra 84,35% em situação urbana (160.879.708 pessoas)
(IBGE, 2010).
Perante a realidade da pobreza presente em Londrina, é possível
remeter a análise realizada por Nishimura (2005) ao colocar que a pobreza
e a realidade vivida no mundo contemporâneo da falta de emprego atingem
cada vez mais parcelas crescentes da população e fazem com que formas
alternativas de sobrevivência sejam encontradas. Para Castel (2001), esta
situação de desemprego e a precarização das relações de trabalho resultam
em exclusão social.

72 a sustentabilidade da economia solidária


[...] A presença, aparentemente cada vez mais insistente, de indivíduos
colocados em situação de flutuação na estrutura social e que povoam seus
interstícios à margem do trabalho e nas fronteiras das formas de troca
socialmente consagradas – desempregados por período longo, moradores
dos subúrbios pobres, [...] vítimas das readaptações industriais, jovens à
procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho
à ocupação provisória... [...] (CASTEL, 2001, p. 23).

No intuito de estruturar uma sociedade mais equilibrada e justa, o


Estado é um elemento essencial, pois, cria malhas de proteção social, visando
a garantir a seguridade social para qualquer cidadão, independente de sua
capacidade de contribuição. Dessa forma, os dados socioeconômicos servem
de base para elaboração e execução de projetos de inclusão social, por meio
de políticas que priorizem quem sempre foi excluído do desenvolvimento
socioeconômico. Assim, dá-se a construção de um país sem pobreza,
uma vez que no conjunto da população, existem grupos que dependem
constantemente dos mecanismos de proteção social e de garantias de renda.
Ao se considerar que o Estado tem um papel fundamental no bem-
estar da população, cabe ressaltar que a erradicação da pobreza tem que se
tornar um objetivo nacional, visando a conduzir a uma nova hierarquia de
prioridades, em que as vantagens sociais se sobreponham às econômicas.
E, principalmente, que a condição da pobreza e a realidade vivenciada no
mundo contemporâneo com o desemprego estrutural, que remete uma
grande parte da população economicamente ativa para condições precárias
de trabalho, tornem-se o cerne da discussão e da atenção de políticas
públicas que visem a desenvolver possibilidades de inclusão social mediante
ocupações alternativas, como defende Coraggio (2003, p. 90):

Isso amplia as vantagens de buscar outras formas de efetivar as capacidades


das pessoas, competindo ou associando-se para ascender a meios e
condições de vida através do trabalho comunitário, da produção simples de
mercadorias em empreendimentos individuais, familiares ou cooperativos,
das redes de coalizão do poder de compra para baratear os preços de meios
de vida, da ocupação de espaços públicos e outras condições de vida do
entrono, dos movimentos reivindicatórios frente ao Estado ou ao capital.

Necessita-se de um conjunto variado de políticas públicas do Estado


que sejam direcionadas às camadas mais negligenciadas, visando a melhorar
a qualidade de vida da população. Esse conjunto de ações deve gravitar em
torno de programas que garantam um nível mínimo de renda e que atenda às
necessidades básicas da população, como infraestrutura, saneamento básico,

a sustentabilidade da economia solidária 73


saúde, habitação, previdência social, incentivo ao cooperativismo popular,
educação universalizada integral e de qualidade, incentivo à agricultura
familiar que mais emprega e distribui renda, entre outras. Segundo Silva et
al. (2007), as ações do Estado permitem-lhe realizar intervenções sobre as
dinâmicas econômicas e sociais, seus atores e instituições.
Nesse sentido, Costa (2010) coloca que as políticas públicas são
o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelecem no âmbito
das relações de poder, relações estas constituídas pelos grupos econômicos
e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais
relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal,
que provocam o direcionamento (e/ou redirecionamento) dos rumos
de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/
ou de investimentos. Costa (2010, p. 144) ainda afirma que “a política
pública compreende um elenco de ações e procedimentos que visam à
resolução de problemas sociais em torno da alocação de bens e recursos
públicos, destacando-se que os personagens envolvidos nestes conflitos são
denominados atores políticos”.
Na visão de Silva et al. (2007), uma política pública é uma ação
governamental em um setor da sociedade situado em determinado espaço
geográfico. Elucida que a política pública tem um público definido,
isto é, grupos ou organizações cuja situação é afetada pelas ações que,
obrigatoriamente, têm objetivos a alcançar.
Nessa direção, é importante observar que, segundo Koga e Nakano
(2006, p. 102), no Brasil, as políticas públicas deparam-se com o desafio de:

[...] intervir para a democratização do poder público e a universalização


dos direitos sociais básicos, bem como para reduzir as desigualdades
socioterritoriais, sem perder os vínculos com as particularidades e
diversidade locais. Tais particularidades territoriais, sociais, econômicas
e culturais se expressam num imenso mosaico de lugares e contextos,
habitados por pessoas que não vivem as plenas condições de cidadania.

Portanto, também compete ao poder local (municípios) intervir,


conjuntamente com os demais entes federativos (federal e estadual), com
políticas públicas continuadas que visem à melhoria de vida da população,
e cujas ações sejam voltadas para suas necessidades básicas, bem como
objetivando a promoção da geração de trabalho e renda, ou seja, tendo com
escopo o enfrentamento da pobreza. Nesse sentido, o próximo tópico volta-se
para a análise da política pública da Economia Solidária, na perspectiva que
a esta possa se constituir em uma atuação do Estado que fomente mudanças

74 a sustentabilidade da economia solidária


positivas para parcela da população brasileira que vivencia os percalços da
reestruturação produtiva do capital e as consequências da dominância da
globalização econômica.

A economia solidária com alternativa à exclusão socioespacial

As mudanças estruturais de ordem econômica e social, ocorridas no


mundo nas últimas décadas, fragilizaram o modelo tradicional de relação
capitalista de trabalho, pois, na relação entre capital e trabalho, a regra central
é o crescimento da taxa de exploração da força de trabalho para lograr a taxa
de lucro determinada pelo capital financeiro. Essa regra na atualidade ganha
uma dimensão maior, no momento em que na luta entre o capital e trabalho,
o trabalhador encontra-se enfraquecido perante as mudanças ocorridas no
mundo do trabalho, principalmente com a eliminação contínua de postos
de trabalho.
Essas condições no mundo do trabalho fomentam a elaboração de
políticas de geração de trabalho e renda. De acordo com Costa (2010), as
políticas de geração de renda para a inclusão daqueles menos favorecidos
na sociedade, a fim de que exerçam sua cidadania com dignidade, têm,
obrigatoriamente, de levar em consideração, em níveis iguais de importância,
tanto o emprego quando a relação de trabalho autogestionário, ou seja,
diferente da relação patrão-empregado.
De acordo com Salvi et al. (2011), no final do século XX, devido ao
aumento do desemprego, da pobreza e, consequentemente, das desigualdades
sociais no mundo, ocorreu uma busca por ideias que pudessem proporcionar
alternativas que abarcassem os excluídos do mercado de trabalho e ainda
que fosse baseada numa lógica que não a do capitalismo, da competição e do
individualismo. A partir desses pressupostos, surge a Economia Solidária,
baseada em uma forma de organização econômica e social pautada nos
ideais da autogestão, igualdade, solidariedade e sustentabilidade.
Conforme colocam Silva e Guimarães (2010), apesar dos obstáculos,
propostas têm sido formuladas no plano das políticas governamentais com
o objetivo de promover a geração de trabalho e renda e minimizar os efeitos
do desemprego estrutural. Algumas propostas, como é o caso da Economia
Solidária, estão sendo desenvolvidas no Brasil.
Nos anos 2000, no Brasil, com o presidente da república, Luiz Inácio
Lula da Silva, a Economia Solidária recebe o estatuto de política pública
federal, inserindo-se no Ministério do Trabalho e Emprego pela Secretaria

a sustentabilidade da economia solidária 75


Nacional de Economia Solidária (SENAES), por meio da Lei nº 10.683 de 28
de maio de 2003 e do Decreto nº4764 de 24 de junho de 2003. Concomitante
a esse processo, cria-se o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES),
que tem a função de articular as experiências da Economia Solidária no
Brasil e representá-las juntamente ao governo.
Segundo Barbosa (2007, p. 178), “no processo de sua constituição
ainda nas plenárias, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)
organiza-se hoje com secretaria executiva, fóruns estaduais, coordenação
nacional, conselho interlocutor e grupos de trabalho”.
Dessa forma, torna-se necessário ressaltar que é inédita essa iniciativa
do governo, na tentativa de subordinar-se a uma outra via para o trabalho,
que não a do emprego assalariado. Ou seja, observamos que a partir da
criação da SENAES, mas não apenas dela, ocorre uma reconceituação do
trabalho, expressando-se, assim, outro sentido para o trabalho, desvinculado
do emprego assalariado.
De acordo com Barbosa (2007, p. 193), “a formulação de política
pública para desenvolvimento de práticas de geração de renda, baseadas
em cooperativas, consiste numa programática estratégica experimental,
emergindo no âmbito do próprio governo Lula”.
Segundo Lechat (2010), para encontrar as origens da Economia
Solidária no Brasil, podemos partir do quadro das condições socioeconômicas
e políticas das últimas décadas, e dos embates da sociedade civil diante da
crise e do desemprego estrutural, terreno em que vão brotar as experiências
de Economia Solidária.
O surgimento da Economia Solidária apresenta-se como uma forma
de aliviar as expressões geradas pela pobreza, pelo desemprego, enfim, pela
globalização. Dessa forma, a Economia Solidária tem como intuito aliviar a
pobreza, e proporcionar autonomia, como uma alternativa à exclusão social
e como uma nova forma de trabalho.
Ainda, sobre o surgimento da Economia Solidária, Salvi et al. (2011,
p. 73) colocam que

[...] assim surge o conceito de Economia Solidária, que se propõe a substituir


a lógica da competição e do individualismo, por um modelo de bases
cooperativas e solidárias, com o objetivo inicial de promover a inserção
social de um enorme contingente de excluídos do mercado de trabalho
formal e possibilitar o fomento de um novo ideal de sociabilidade em que
os laços de proximidade e as relações humanas sejam fortalecidas.

E complementam, explicitando que,

76 a sustentabilidade da economia solidária


[...] o conceito de Economia Solidária se reporta a um conjunto de atividades
econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito,
organizados coletivamente de acordo com os princípios da autogestão. Esta
forma de produção visa transforma o trabalho num meio de libertação
humana dentro de um processo de democratização econômica criando
uma alternativa à dimensão alienante do modelo de trabalho assalariado
capitalista (SALVI et al., 2011, p. 73).

Conforme afirmam Silva e Guimarães (2010, p. 163), as políticas


públicas baseadas na Economia Solidária surgem como uma resposta, em
que podemos apresentar quatro pontos, a saber:

[...] o primeiro, trata-se de iniciativas voltadas ao enfrentamento


do desemprego estrutural por meio da formação de associações de
trabalhadores ou da sua inserção em empreendimentos econômicos
autogestionários com a finalidade de promover a geração de trabalho e
renda; já no segundo ponto, a economia solidária tem se concretizado como
uma forma de promover a inclusão produtiva a sujeitos atendidos pela
política pública de assistência social, entre os quais uma grande parcela não
consegue mais atender às exigências do mercado de trabalho; no terceiro,
observamos que a economia solidária tem servido como ponto de partida
para a organização de políticas no âmbito municipal que consubstanciam
formas de operacionalizar ações no campo da problemática sócio ambiental
– por exemplo, a coleta seletiva de materiais recicláveis; e por fim, o quarto
ponto, pela possibilidade de dinamizar a economia nos municípios com
criação de pontos de comercialização e aumentar o potencial de inserção
econômica de trabalhadores do setor da reciclagem de materiais, do
artesanato, da agricultura familiar e da produção de alimentos.

Em relação ao recorte espacial da presente investigação, o município


de Londrina, pode-se observar que os pontos centrais que compõem
Economia Solidária seguem os princípios que tornearam o seu surgimento,
segundo Culti (2011, p. 35):

Na economia solidária, cujo princípio é a ideia da solidariedade em


contraste com o individualismo competitivo que caracteriza a sociedade
capitalista, os empreendimentos apresentam as seguintes características:
são organizações urbanas ou rurais, de produtores, de consumidores e de
crédito, baseadas na livre associação, na posse dos meios de produção, no
trabalho coletivo, na autogestão e no processo decisório democrático.

No que diz respeito à intervenção do Estado, Mance (2001) defende a


tese de que esta pode impulsionar o desenvolvimento da Economia Solidária,

a sustentabilidade da economia solidária 77


mas não é condição necessária para o seu avanço. Em contraposição, Singer
(2001) reconhece a participação do Estado como vetor principal para a
Economia Solidária, sem a qual poderia ser um paliativo só para amenizar o
desemprego e a exclusão social. Mance (2001) cita a posição de Singer:

[...] para enfrentar a política recessiva do plano nacional e lograr uma


redução significativa do desemprego a luta pela organização dos excluídos
terá que alcançar o plano político. Será preciso eleger governos municipais,
estaduais e federal que dêem prioridade ao combate ao desemprego através
do apoio concreto a todas as formas de economia solidária [...] (SINGER,
apud MANCE, 2001, p. 9).

Para tanto, ao se pensar sobre o amplo acesso a uma nova forma de


trabalho pela via da Economia Solidária, urge dotar o Poder Público com
proposições concretas e efetivas, e o movimento social da Economia Solidária
com condições que permitam dar respostas rápidas e ágeis de alternativas de
trabalho e renda.

Observa-se que aqueles que optam por esse caminho não o fazem por
concepção ideológica, salvo raras exceções. Entretanto, esse espaço de
organização pode trazer ao trabalhador uma nova concepção do mundo
de trabalho, de relações, de mercado, com a construção de valores que
privilegiam o respeito pelo outro, o bem estar coletivo, a ajuda mútua, a
valorização do humano; enfim, pode possibilitar seu empoderamento
(CORTIZO; OLIVEIRA, 2004, p. 84).

Na Economia Solidária, encontramos trabalhadores organizados de


forma coletiva, gerindo seu próprio trabalho e lutando pela sua emancipação.
São iniciativas de projetos produtivos coletivos, cooperativas populares, redes
de produção, comercialização e consumo, instituições financeiras voltadas
para empreendimentos populares solidários, empresas autogestionárias,
cooperativas de agricultura familiar, cooperativas de prestação de serviços,
entre outras. É a partir desta nova realidade do mundo do trabalho que surge
a contribuição, de forma significativa, para o surgimento de novos atores
sociais e para construção de novos espaços institucionais. Nas palavras de
Singer (2001, p. 114-115):

Economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à


incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os
membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser
o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior
ao capitalismo. Superior não em termos econômicos estritos, ou seja, que as

78 a sustentabilidade da economia solidária


empresas solidárias regularmente superariam suas congêneres, oferecendo
aos mercados produtos ou serviços melhores em termos de preço e/ou
qualidade. A economia solidária foi concebida para ser uma alternativa
superior por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras,
poupadoras, consumidoras, etc., uma vida melhor. Vida melhor não
apenas no sentido de que possam consumir mais com menor dispêndio de
esforço produtivo, mas também melhor no relacionamento com familiares,
amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo, etc., na liberdade
de cada um de escolher o trabalho que lhe dá mais satisfação; no direito
à autonomia na atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens
alheias, de participar plenamente das decisões que o afetam; na segurança
de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou
abandonado.

A partir dessa reflexão, Singer (2001) afirma que a Economia Solidária


não é uma panaceia. Ela é um projeto de organização socioeconômica
por princípios opostos do laissez-far, isto é, em lugar da concorrência, a
cooperação; em lugar da seleção darwiniana pelos mecanismos do mercado,
a limitação – mas não eliminação! – destes mecanismos pela estruturação de
relações econômicas solidárias entre produtores e entre consumidores.
Singer (2001) coloca, ainda, que a Economia Solidária é a mais
importante alternativa ao capitalismo nesse momento histórico, por oferecer
uma solução prática e factível à exclusão social, que o capitalismo em sua
nova fase liberal exacerba. Mas para que esta possibilidade se realize, é
preciso que o movimento operário e seus aliados concentrem suas forças,
ainda ponderáveis, no apoio e na promoção às cooperativas de trabalhadores,
para que elas possam absorver os milhões que não têm lugar na economia
capitalista.

Considerações finais

A Economia Solidária é apresentada como uma forma de criar


novos postos de trabalho, como forma de valorização e de viabilização da
autonomia do trabalhador. Portanto, a Economia Solidária como política
pública, apresenta o desafio de possibilitar a inclusão social e observar o
trabalho por uma nova ótica. Todavia, torna-se necessário que o Estado
visualize a Economia Solidária tanto como uma estratégia de enfrentamento
à pobreza e ao desemprego, assim como uma garantia de acessibilidade às
necessidades básicas.

a sustentabilidade da economia solidária 79


Especificamente no caso das ações desenvolvidas no município de
Londrina, embora a pesquisa sobre os resultados ainda se encontrem em
fase inicial, não ensejando análises mais aprofundadas, mas como base
no conhecimento da realidade e a análise das regiões do município com
menor renda permitem levantar a hipótese – ainda a ser confirmada no
desenvolvimento do projeto que subsidia a produção deste artigo – de que
as ações desenvolvidas em atendimento à política de Economia Solidária no
município de Londrina têm gerado frutos que, embora ainda apresentem
tímidos resultados, apontam para a possibilidade de ampliação das ações
afirmativas nesta direção.
Para finalizar, a presente análise salienta-se de acordo com Silva e
Guimarães (2010), para quem a Economia Solidária tem se apresentado
como um importante instrumento político e econômico para viabilizar a
geração de trabalho e renda, por meio da produção e comercialização de
produtos a partir das atividades produtivas realizadas por empreendimentos
baseados na autogestão e cooperação dos trabalhadores. Na atualidade, as
políticas municipais de geração de trabalho e renda, baseada na Economia
Solidária, têm constituindo-se num recurso utilizado pelos gestores públicos
para atender demandas que emergem de setores organizados da sociedade
civil.
Em se tratando da geração de trabalho e renda, a emancipação avança
nos empreendimentos de Economia Solidária na medida em que estes
deixam de se constituir apenas como formas de enfrentamento da pobreza e
tornam-se formas de enfrentamento das expressões da questão social, que é
própria da sociedade capitalista.

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a sustentabilidade da economia solidária 83


O DIREITO NA INSTRUMENTALIZAÇÃO
DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Fernando Motomu Kato Nakamura


Vilma Aparecida do Amaral

Introdução

A Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do


Trabalho e Emprego (SENAES) e o Fórum Brasileiro de Economia Solidária
iniciaram, em 2003, uma iniciativa para identificação e caracterização dos
Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). Almejava-se, por meio
da realização de um mapeamento da Economia Solidária, dar visibilidade,
fortalecer e integrar os empreendimentos econômicos.
Os resultados da apuração, feita em 52% dos municípios brasileiros,
foram obtidos em 2007 e passaram a compor o chamado Sistema de
Informações em Economia Solidária (SIES).
Os dados do SIES indicam que, dos 21.859 EES identificados até
2007, mais de 52% estão organizados sob a forma de associações. Além
destes, 36,4% são grupos informais, 9,6% cooperativas e 2% distribuídas
entre empresas gestionárias de sociedade mercantil (CULTI; KOYAMA;
TRINDADE, 2010, p. 22).
Infere-se, a partir destas informações, a relevância do Direito na
organização dos EES. Mais da metade destes estão organizados sob a forma
de associação e quase 10% sob a forma de cooperativas. Deve-se asseverar,
neste ponto, que cooperativas e associações são instrumentos de organização
e formalização dos empreendimentos solidários.
Embora exista controvérsia acerca das iniciativas cooperativistas,
havendo quem não as considere como verdadeira alternativa ao capitalismo,
para Santos (2005 apud CANÇADO; PEREIRA; SILVA JÚNIOR, 2007, p.
184),

[...] as razões fundamentais pelas formas de produção solidária,


especificamente as cooperativas são: a) o fato se serem unidades produtivas
capazes de competirem no mercado; b) a possibilidade de diminuírem
os custos de supervisão; c) o efeito igualitário sobre a distribuição da
propriedade diminuindo as desigualdades; e d) os benefícios não econômicos
os quais ampliam o princípio da democracia à gestão da empresa.

a sustentabilidade da economia solidária 85


Outra característica, apurada pelo SENAES, indica que a organização
e complexidade administrativa são maiores para os EES mais antigos, há mais
tempo funcionando e com maior número de associados (CULTI; KOYAMA;
TRINDADE, 2010, p. 74).
Observa-se, assim, que a organização do EES está relacionada ao seu
tamanho. Trata-se de um dado extremamente importante, pois a organização
está atrelada à autogestão, à cooperação, à solidariedade e, principalmente,
ao Direito. Nesse sentido, Singer (2002, p. 9) leciona que “a solidariedade na
economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que
se associam para produzir, consumir ou para poupar [...]”.
Como se vê, o Direito é instrumento fundamental na organização e
formalização dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Pode-se afirmar,
então, que na relação entre o Direito e a Economia Solidária destacam-se
dois momentos: em que o Direito auxilia a educação, formação e informação
dos integrantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários, e quando
se apresenta como instrumento de organização e formalização destes. Um
corresponde ao aspecto interno e o outro ao aspecto externo dos EES.
No primeiro, o Direito indica as possíveis formas jurídicas que os
empreendimentos podem assumir. Desse modo, fundamentado no princípio
cooperativo da educação, formação e informação, o Direito apura a vontade
comum dos associados, reunidos para a realização de um fim.
Isto ocorre, principalmente, nas Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares (ITCPs). Estas, mediante o processo de incubação,
organizam comunidades periféricas em Empreendimentos Econômicos
Solidários. Neste complexo processo de formação, as práticas tradicionais de
solidariedade transformam-se em instrumentos de emancipação (SINGER,
2002, p. 121).
No segundo, analisa-se qual a forma jurídica adequada para o
começo da existência legal dos EES, se cooperativa ou associação. O
Direito, como se minudenciará adiante, reconhece a importância das
cooperativas e associações, tratando-as em legislação a nível constitucional
e infraconstitucional.

Processo de incubação das incubadoras tecnológicas de cooperativas


populares

A metodologia de trabalho das Incubadoras Tecnológicas de


Cooperativas Populares é bastante elucidativa na compreensão destes dois
momentos em que se estreita a relação entre o Direito e a Economia Solidária.

86 a sustentabilidade da economia solidária


As ITCPs utilizam recursos humanos e conhecimentos de
universidades na formação, qualificação e assessoria de trabalhadores
para a construção de atividades autogestionárias, visando sua inclusão no
mercado (GUIMARÃES, 2003 apud SINGER; SOUZA, 2003, p. 111). São
multidisciplinares, integradas por professores, alunos de graduação e pós-
graduação, e funcionários, pertencentes às mais diferentes áreas profissionais.
Nas universidades, ambiente em que são geradas, as incubadoras
desenvolvem de maneira bastante abrangente os preceitos de extensão
universitária. Consubstanciam-se em projetos responsáveis pela intervenção
econômica e geração de trabalho e renda.
Elas atendem a grupos comunitários que desejam trabalhar e produzir
em conjunto, dando-lhes formação em Cooperativismo e Economia
Solidaria e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus
empreendimentos autogestionários (SINGER, 2002, p. 123).
As incubadoras, atualmente, formam um dos componentes da
Economia Solidária. Desde 1999, constituíram uma rede, a qual se reúne
periodicamente para trocar experiências, aprimorar a metodologia de
incubação e posicionar-se dentro do movimento nacional de Economia
Solidária (SINGER, 2002, p. 123).
Para a realização de um trabalho sistemático e efetivo na constituição,
fortalecimento e consolidação de empreendimentos solidários, as ITCPs
utilizam uma metodologia que se desenvolve, essencialmente, em três etapas:
pré-incubagem; incubagem; e desincubagem.
Na primeira, são estabelecidos contatos iniciais com grupos
comunitários interessados no modo de produção fundamentado na
Economia Solidária e no Cooperativismo. A avaliação desta fase é feita a
partir de diagnósticos psicossociais, como, por exemplo, por meio do
Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (DRPE).
Trata-se de um método que permite obter informações qualitativas
e quantitativas em curto espaço de tempo (CANÇADO; PEREIRA; SILVA
JÚNIOR, 2007, p. 169). Ao estabelecer um canal de comunicação interativo
entre os trabalhadores e as equipes interdisciplinares das universidades,
o DRPE explora os seguintes fatores: infraestrutura social; fatores de
produção; mercado; meio ambiente; organização social; assessoria técnica e
organizacional; entre outros.
Na etapa seguinte, denominada incubagem, elabora-se um
mapeamento de consumo e organiza-se o processo produtivo, o que
possibilita a confecção dos produtos e sua comercialização.

a sustentabilidade da economia solidária 87


É nesta fase que se insere a “educação pré-cooperativista”, pela qual
devem ser obtidas duas espécies de convergências nos EES: a convergência
objetiva e a subjetiva (CANÇADO; PEREIRA; SILVA JÚNIOR, 2007, p. 176).
A convergência objetiva é aquela resultante do fato, ou seja, da
existência de condições socioculturais e econômicas semelhantes que levam
os indivíduos a apresentarem interesses comuns. Todavia, esta condição,
embora necessária, não é suficiente para levar os indivíduos a se organizarem
e a cooperarem.
Desse modo, somente é possível a completa estruturação coletiva dos
trabalhadores quando se verifica, também, a convergência subjetiva. Esta
espécie é construída com a prática da cooperação e solidariedade, bem como
a partir da reflexão sobre os problemas coletivos. Consiste, portanto, na
consciência dos indivíduos sobre os interesses, as necessidades, os problemas
e os objetivos comuns ao grupo incubado.
Na terceira etapa, por fim, faz-se a desincubagem dos EES, ou seja,
busca-se condições para que o EES continuem funcionando e expandindo
sem a assessoria técnica das incubadoras. Em regra, é nesta fase que os
Empreendimentos Econômicos Solidários são constituídos formalmente,
sob a forma de associação ou cooperativa.

Princípios cooperativos

Desde a fase de incubagem, os princípios cooperativos podem ser


apresentados aos integrantes dos grupos incubados, a fim de orientá-los
quanto à organização do Empreendimento Econômico Solidário a que
pertencem. Estes princípios podem fazer parte, assim, da “educação pré-
cooperativista”, ora citada, pois contribuem na formação dos associados.
Os princípios cooperativos, essenciais para a compreensão entre o
Direito e a Economia Solidária, determinam a estrutura das cooperativas,
em particular. Deve-se asseverar, contudo, que também se aplicam – sob a
denominação de Princípios da Economia Solidária e com as devidas ressalvas
– às outras formas de organização de EES, inclusive às associações.
Esses princípios são a base das cooperativas, representam o próprio
modo de funcionamento desta importante forma que os Empreendimentos
Econômicos Solidários podem assumir.
Segundo Martins (2008, p. 61), são normas encontradas em quase
todas as legislações sobre cooperativas.

88 a sustentabilidade da economia solidária


Assim, os princípios aqui citados podem ser encontrados na
Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 5.764/71, a qual define a Política
Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades
cooperativas e dá outras providências.
O princípio da adesão voluntária está elencado no art. 4º, I; e art. 29 da
Lei nº 5.764/71. Todos os interessados em utilizar os serviços prestados pela
cooperativa podem ingressar na mesma, desde que adiram aos propósitos
sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto.
Ademais, ninguém pode ser coagido a ingressar na sociedade
cooperativa, o que descaracterizaria a voluntariedade decorrente do
princípio da livre adesão. O inciso XX do art. 5º da Constituição Federal se
expressa neste sentido, estabelecendo que ninguém poderá ser compelido a
associar-se ou permanecer associado.
Na Economia Solidária, de forma mais ampla, considerando os grupos
informais, associações, e empresas autogestionárias, o princípio em questão
é denominado de princípio da cooperação.
A cooperação consiste na existência de interesses e objetivos comuns,
a união dos esforços e capacidades, propriedade coletiva dos bens, partilha
dos resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades (CULTI;
KOYAMA; TRINDADE, 2010, p. 80).
Os interesses e objetivos comuns estão presentes quando decidem
formar empreendimentos coletivos na busca de trabalho, geração de renda
ou melhoria dela, bem como deterem a posse dos meios de produção, unindo
seus esforços, recursos e capacidades (CULTI; KOYAMA; TRINDADE,
2010, p. 80).
O princípio da gestão democrática, por sua vez, indica que as
cooperativas são dirigidas pelos próprios sócios. São eles quem participam
ativamente na fixação de suas políticas e nas tomadas de decisões (MARTINS,
2008, p. 62). Cada associado tem direito a um voto, não importando quantas
cotas tenha, nem o montante de capital subscrito.
Este princípio é denominado de princípio da autogestão pela
Economia Solidária. A empresa solidária, sob a forma de cooperativa ou
não, administra-se democraticamente, ou seja, pratica a autogestão. Quando
a empresa é pequena, todas as decisões são tomadas em assembleias, que
podem ocorrer em curtos intervalos, havendo necessidade.
Quando o empreendimento solidário é grande, assembleias gerais são
mais raras devido à dificuldade de organizar discussões com grande número
de pessoas. Segundo Singer (2002, p. 18), nestes casos, a empresa solidária
pode eleger delegados por seção ou departamento, a fim de se reunirem para

a sustentabilidade da economia solidária 89


deliberar em nome de todos. Decisões de rotina são de responsabilidade de
encarregados e gerentes, escolhidos pelos sócios ou por uma diretoria eleita
pelos sócios.
Deve-se asseverar, contudo, que empresas solidárias de grandes
dimensões que estabelecem hierarquias de coordenadores, encarregados ou
gestores funcionam de modo diverso das empresas capitalistas (SINGER,
2002, p. 18). Naquelas, as ordens e instruções devem fluir de baixo para
cima, e as demandas e informações de cima para baixo.
Na autogestão, os cargos mais altos são delegados pelos mais baixos e
devem responder perante estes. A autoridade máxima é a assembleia geral,
a qual deve adotar as diretrizes a serem cumpridas por todos, sobretudo os
níveis intermediários e altos da administração.
Para que a autogestão se realize é preciso que todos se informem do
que acontece na empresa e das alternativas disponíveis para a resolução de
cada problema (SINGER, 2002, p. 19).
O que mais pode prejudicar a autogestão é o desinteresse dos sócios,
sua recusa ao esforço adicional que a prática democrática exige (SINGER,
2002, p. 19). Nesse sentido, já foi afirmado, também, que o grande desafio
das experiências solidárias, não importando a localização e a época, “[...]
parece ser a inércia de grande parte dos trabalhadores em relação à própria
autogestão, prevalecendo na nova configuração organizacional, em essência,
a mesma relação capital-trabalho [...]” (CANÇADO; PEREIRA; SILVA
JÚNIOR, 2007, p. 193).
É por meio da autogestão, portanto, que se obtém o exercício de
práticas participativas nos processos de trabalho, nas definições estratégicas
e cotidianas, bem como na direção e coordenação das ações nos diversos
graus de interesse dos associados. A autogestão é, por isso, um dos aspectos
mais importantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários.
Outro princípio, o da dupla qualidade, decorre do disposto no art. 4º e
art. 7º da Lei nº 5.764/71. Dispõe o art. 4º que as cooperativas são sociedades
de pessoas “[...] constituídas para prestar serviços aos associados [...]”. O
cooperado é tanto sócio como beneficiário dos serviços da cooperativa.
A participação econômica dos sócios constitui, também, um importante
princípio. Os sócios contribuem equitativamente para a formação do capital
da cooperativa e participam, democraticamente, de sua gestão (SILVA
FILHO, 2001, p. 158). Eles subscrevem o capital e recebem compensações
limitadas sobre este.
Além disso, devem destinar os excedentes a algum ou vários fins,
como, por exemplo, ao estabelecimento de reservas da cooperativa; ao

90 a sustentabilidade da economia solidária


benefício de cada sócio; ou ao apoio de outras atividades aprovadas pelos
sócios (SILVA FILHO, 2001, p. 158).
Nos empreendimentos da Economia Solidária, em geral, este princípio
é denominado dimensão econômica. Ressalte-se, porém, que nem todos
os EES estão organizados sob a forma de cooperativas, donde decorrem
pequenas diferenças quanto à forma de beneficiamento dos associados aqui
referida.
De qualquer forma, na empresa solidária, o objetivo máximo dos
sócios é promover a Economia Solidária, tanto para dar trabalho e renda a
quem precisa como para difundir no país um modo democrático e igualitário
de organizar atividades econômicas (SINGER, 2002, p. 16). Destarte, não é a
maximização do valor de retirada o principal objetivo dos sócios.
O princípio da autonomia e independência das cooperativas, por sua
vez, tem fundamento no inciso XVIII do art. 5º, da Constituição Federal,
o qual estabelece que “a criação de associações e, na forma da lei, a de
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência
estatal em seu funcionamento”.
Segundo Silva Filho (2001, p. 160), esta condição de autonomia
deve ser mantida não somente em relação ao governo, mas também no
posicionamento perante as organizações privadas. Nesse sentido, pode-se
afirmar que a cooperativa é uma organização de ajuda mútua, controlada
por seus membros.
A cooperação entre as cooperativas enseja outro princípio cooperativo.
A colaboração entre as cooperativas evidencia que elas existem para servir a
seus sócios da forma mais eficaz possível. Ademais, fortalece o movimento
cooperativo ao haver o trabalho conjunto por meio de estruturas locais,
nacionais, regionais e internacionais (MARTINS, 2008, p. 63).
Silva Filho (2001, p. 161) leciona que as cooperativas somente
conseguirão maximizar seu impacto por meio da colaboração prática e
permanente de uma com a outra, embora consigam individualmente, em
âmbito local, benefícios em grande escala.
Sendo assim, o princípio da cooperação entre as cooperativas visa
a assegurar a liberdade das cooperativas, especialmente com relação à
interferência governamental, quando executam entre si alianças, as fusões e
os empreendimentos conjuntos, a fim de atingirem sua plena potencialidade.
Há, ainda, o princípio do interesse pela comunidade, pelo qual os
sócios aprovam políticas para garantir o progresso da cooperativa mediante
o desenvolvimento sustentável de suas comunidades.

a sustentabilidade da economia solidária 91


As cooperativas são organizações que existem principalmente para o
benefício de seus sócios, e, em decorrência dessa forte união que mantêm
com eles, normalmente em um espaço geográfico demarcado e específico,
muitas vezes ficam vinculadas às comunidades locais, às quais pertencem
seus membros.
Trata-se, em verdade, da característica de solidariedade presente nos
Empreendimentos Econômicos Solidários.
A característica de solidariedade nestes empreendimentos é expressa,
por exemplo, no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações
que se estabelecem com a comunidade local; e na preocupação como bem-
estar dos próprios trabalhadores e consumidores.
O vínculo social que se estabelece nos empreendimentos solidários
não é apenas aquele contratualmente definido e utilitarista. Ele se constrói
cotidianamente por meio de relações mútuas de confiança que nascem entre
os membros de um grupo, na sua comunidade, construindo gradualmente
uma sensibilidade humana cada vez mais solidária e cooperativa (CULTI;
KOYAMA; TRINDADE, 2010, p. 79).
É certo que a cooperação pode existir em empreendimentos capitalistas
também, não sendo exclusividade dos Empreendimentos Econômicos
Solidários. Entretanto, o trabalho cooperativo ou associativo carrega um
forte componente de afetividade, de cuidados mútuos e interação humana,
além do aspecto econômico.
Por fim, tem-se o princípio da educação, formação e informação. Trata-
se de um princípio essencial para os EES, seja sob a forma de cooperativas
ou não. Está estritamente atrelado ao princípio da autogestão, pois ambos
objetivam capacitar todos os associados a fim de que possam contribuir para
o desenvolvimento da comunidade.
Nesse sentido, Singer (2002, p. 21) assevera que “[...] a autogestão tem
como mérito principal não a eficiência econômica (necessária em si), mas o
desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes [...]”.
A educação, formação e informação também podem ser entendidas
como requisitos para o exercício da autogestão. Segundo Koslovski (2004,
p. 8), “a viabilização da autogestão passa, necessariamente pelo preparo
(capacitação) daquelas pessoas que, direta e indiretamente, estão vinculadas
ao processo [...]”.

92 a sustentabilidade da economia solidária


Pessoas jurídicas

O Direito, na instrumentalização da Economia Solidária, por meio


dos princípios cooperativos, estabelece o modo de funcionamento das
cooperativas e, em certa medida, das outras formas de empreendimentos
solidários, sobretudo das associações. Determina, além disso, as formas
jurídicas que os EES podem assumir.
Dentre as diferentes maneiras que os Empreendimentos Econômicos
Solidários podem se organizar, duas formas jurídicas merecem destaque: a
associação e a cooperativa.
Tanto uma quanto a outra são entidades ou organizações unitárias
de pessoas a que o direito atribui aptidão para a titularidade de relações
jurídicas. São, portanto, pessoas jurídicas. E, para melhor compreensão
de seus conceitos e principais características, faz-se necessária uma breve
análise sobre o instituto da pessoa jurídica.
A pessoa jurídica é um conjunto de pessoas ou bens, dotado de
personalidade jurídica. Sua razão de ser está na necessidade ou conveniência
de as pessoas naturais combinarem recursos de ordem pessoal ou material
para a realização de finalidades comuns (AMARAL, 2008, p. 313).
Para Diniz (2009, p. 232), pessoa jurídica é a “unidade de pessoas
naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida
pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”.
Várias teorias intentaram justificar a existência e a natureza jurídica
da pessoa jurídica. Em face delas, o direito brasileiro aderiu à teoria da
realidade técnica, conforme se depreende do art. 45 do Código Civil.
Esta teoria sustenta que a pessoa jurídica resulta de um processo
técnico, denominado personificação. Assim, a personalidade é atribuída pela
ordem jurídica, a qual identifica a vontade e os objetivos comuns dos grupos
personalizados.
Nesse sentido, as pessoas jurídicas, embora sejam produto da ordem
jurídica, são uma realidade, não ficção legal. A personalidade que adquirem
é um produto da técnica jurídica, sua essência não consiste no ser em si, mas
em uma forma jurídica.
A personalidade jurídica é, portanto, um atributo que o Estado defere
a certas entidades havidas como merecedoras dessa benesse. O Estado
não outorga esse benefício de maneira arbitrária, mas sim tendo em vista
determinada situação, que já encontra devidamente concretizada, e desde
que se observem determinados requisitos por ele estabelecidos.

a sustentabilidade da economia solidária 93


Requisitos para a constituição da pessoa jurídica

Diniz (2009, p. 232), assim como Pereira (2006, p. 298), identifica


apenas três requisitos para que o Estado atribua personalidade jurídica:
organização de pessoas ou bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade
jurídica reconhecida por norma.
Em rol essencialmente similar ao apresentado por Diniz (2009) e
Pereira (2006), Gonçalves (2007, p. 186) assevera a existência de quatro
requisitos para a constituição da pessoa jurídica: a) vontade humana
criadora; b) elaboração do ato constitutivo; c) registro do ato constitutivo no
órgão competente; d) liceidade de seu objetivo.
A vontade humana criadora corresponde à intenção de criar uma
entidade distinta da de seus membros (GONÇALVES, 2007, p. 186). São
necessárias as vontades convergentes de duas ou mais pessoas, ligadas por
uma intenção comum (affectio societatis).
A vontade materializa-se no ato de constituição, o qual deve ser
escrito. Deve-se observar, porém, que antes de qualquer ato de cunho estatal,
a personalidade das pessoas jurídicas já existe, ainda que em estado potencial
(VENOSA, 2006, p. 233). Sendo assim, o momento em que passa a existir o
vínculo de unidade caracteriza precisamente o momento da constituição da
pessoa jurídica.
No direito privado, o fato que dá origem à pessoa jurídica é a vontade
humana, sem nenhuma interferência do Estado, exceto quando a autorização
estatal é necessária. Os entes que detêm sua personalidade em estado
potencial podem ser tratados como sociedades irregulares, mas não se nega
que já tenham alguns atributos de personalidade (VENOSA, 2006, p. 234).
O ato constitutivo é requisito formal exigido pela lei e denomina-se
estatuto, em se tratando de associações; e de contrato social, no caso das
sociedades, simples ou empresárias.
Conforme se depreende do art. 45 do Código Civil, para que comece
a existência legal da pessoa jurídica, o ato constitutivo deve ser levado a
registro, precedido, quando necessário, de autorização ou aprovação do
Poder Executivo. Antes do registro não passará de mera “sociedade de fato”
ou “sociedade não personificada”.
A liceidade de objetivo é indispensável para a formação da pessoa
jurídica. Deve ser ele determinado e possível, também. Nas associações, de
fins não econômicos (art. 53, Código Civil), os objetivos colimados são de
natureza cultural, educacional, esportiva, religiosa, filantrópica, recreativa,
moral etc.

94 a sustentabilidade da economia solidária


Nas sociedades em geral, civis ou comerciais, o objetivo é o lucro pelo
exercício da atividade. Objetivos ilícitos ou nocivos constituem causa de
extinção da pessoa jurídica (art. 69, Código Civil).

Começo da existência legal da pessoa jurídica

O fato que dá origem às pessoas jurídicas de direito privado, como


visto, é a vontade humana, sem necessidade de qualquer ato administrativo
de concessão ou autorização, salvo os casos especiais previstos no Código
Civil. Entretanto, a sua personalidade permanece em estado potencial,
somente adquirindo status jurídico quando preencher as formalidades ou
exigências legais.
Deste modo, não basta o estatuto ou contrato social para a existência
legal das pessoas jurídicas, ou seja, não é suficiente a convenção por meio da
qual duas ou mais pessoas se obrigam reciprocamente a conjugar esforços,
contribuindo, com bens ou serviços, para a consecução de um fim comum
mediante o exercício de atividade econômica, e a partilhar, entre si, os
resultados (Código Civil, art. 981).
O processo genético da pessoa jurídica de direito privado apresenta
duas fases: 1) a do ato constitutivo, que deve ser escrito, e 2) a do registro
público (DINIZ, 2009, p. 266).
Na primeira fase, tem-se a constituição das pessoas jurídicas, nas
associações e nas sociedades, por ato jurídico bilateral ou plurilateral inter
vivos. Esse ato consiste num contrato de sociedade, estatuto ou outro ato
constitutivo, no qual há a congregação de vontades paralelas ou convergentes,
isto é, dirigidas no mesmo sentido, para a obtenção de um objetivo comum
(DINIZ, 2009, p. 266).
Para que esta manifestação de vontade possa ter validade, é preciso que
sejam observados os requisitos de eficácia dos negócios jurídicos. Assim, para
que seja um ato jurídico perfeito este deve atender aos requisitos do art. 104 do
Código Civil, o qual elenca os seguintes: agente capaz; objeto lícito, possível,
determinando ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
Deve-se lembrar, também, que o ato deve ser feito por escrito e, se for
o caso, a pessoa jurídica deve obter prévia autorização governamental para
funcionar.
Nesta fase, há dois elementos, conforme leciona Diniz (2009, p. 268):
O material, o qual engloba os atos concretos, as reuniões dos sócios,
as condições dos estatutos, a definição das várias qualidades de sócios etc.

a sustentabilidade da economia solidária 95


Abrange, portanto, os atos de associação, fins a que se propõe e
conjunto de bens. Os fins deverão ser lícitos, possíveis, morais, sob pena de
dissolução. E, salvo para as fundações, não há necessidade da existência de
bens no ato de formação das pessoas jurídicas de direito privado.
O formal, pois a constituição deve ser por escrito. A declaração de
vontade pode revestir-se de forma pública ou particular, conforme o art. 997,
do Código Civil.
A segunda fase é a do registro. No momento em que se opera o assento
do contrato ou do estatuto no registro competente, a pessoa jurídica começa
a existir, passando a ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações.
Passa, também, a ter capacidade patrimonial, constituindo seu patrimônio,
que não tem nenhuma relação com os dos sócios.
Adquire, assim, vida própria e autônoma, não se confundindo com
seus membros, por ser uma nova unidade orgânica (DINIZ, 2009, p. 273).
O registro tem força constitutiva, pois, além de servir de prova,
possibilita a aquisição de capacidade jurídica. Nesse sentido, leciona Pereira
(2006, p. 347) que o registro tem “[...] força atributiva, pois que, além de
vigorar ad probationem, recebe ainda o valor de providência complementar
da aquisição da capacidade jurídica”.
Vale ressaltar ainda que o registro do contrato social de uma sociedade
empresária faz-se na Junta Comercial, que mantém o Registro Público
de Empresas Mercantis. Já o assento de atos constitutivos das sociedades
simples deve ser feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas,
conforme o disposto nos arts. 1.150 do Código Civil e 114 e seguintes da Lei
dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Todas as modificações que sofrerem os atos constitutivos deverão ser
averbadas no registro competente, da mesma forma que os atos constitutivos
foram registrados (art. 45, Código Civil).
Da conjugação das duas fases, volitiva e administrativa, resulta a
aquisição de personalidade. Em síntese, “o ato constitutivo é o instrumento
continente da declaração da vontade criadora, e a bem dizer, é a causa
geradora primária do ente jurídico, o qual permanece em estado potencial
até o momento em que se realiza a formalidade do registro [...]” (PEREIRA,
2006, p. 347).
Sendo assim, o começo da existência jurídica está fixado no instante
em que aquele ato de constituição é inscrito no Registro Público, seja para as
sociedades ou associações.

96 a sustentabilidade da economia solidária


O registro deverá declarar, na forma do art. 46, incisos I a IV, do
Código Civil: a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo
ou capital social, quando houver; o nome e a individualização dos fundadores
ou instituidores, e dos diretores; o modo como se administra e representa,
ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; possibilidade e maneira
de reforma do estatuto social no tocante à administração; a responsabilidade
subsidiária, ou não, dos sócios pelas obrigações sociais; e, por fim, as
condições de extinção da pessoa jurídica e o destino de seu patrimônio.

Conceito e características das associações

Quanto às suas funções e capacidade, as pessoas jurídicas são


classificadas em pessoas jurídicas de direito público, interno e externo, e de
direito privado (art. 40, Código Civil).
O art. 44 do Código Civil estabelece quais são pessoas jurídicas
de direito privado: as associações, sociedades, fundações, organizações
religiosas e os partidos políticos. Devido ao propósito do que se expõe, serão
objeto de ponderações apenas as associações e sociedades (cooperativas),
formas jurídicas de organização dos EES.
As associações são um conjunto de pessoas que se organizam para fins
não econômicos, conforme o art. 53, Código Civil. Nelas, embora exista um
patrimônio, formado pela contribuição de seus membros para a obtenção de
fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, beneficentes, recreativos,
morais, dentre outros, não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado
(DINIZ, 2009, p. 242).
As associações possuem aspecto eminentemente pessoal, sendo a
vontade um elemento essencial na sua formação. Segundo Amaral (2008,
p. 327), as associações “constituem-se por meio de um negócio jurídico
formal, coletivo, cujas declarações de vontade são paralelas e convergem
para um objetivo comum, que é o de constituírem a pessoa jurídica e dela
participarem [...]”.
O parágrafo único do art. 53 do Código Civil, ao estabelecer que não
há direitos e obrigações recíprocos entre os sócios, expressa uma importante
característica das associações. Somente há reciprocidade de deveres e direitos
entre a associação e os associados, não entre eles próprios.
Ademais, dispõe o art. 55 que os associados devem ter iguais direitos,
mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.

a sustentabilidade da economia solidária 97


Em princípio, não haverá discriminação entre eles. Não é, porém,
incompatível com essa equiparação a circunstância de distinguirem os
estatutos, dentre os associados, categorias especiais como é o caso dos
portadores de títulos patrimoniais em confronto com os sócios contribuintes,
sócios benfeitores e outros (PEREIRA, 2006, p. 351).

Conceito e características das cooperativas

Dentre os vários exemplos de associações, Diniz (2009, p. 252) cita


as cooperativas. Assevera que estas são associações sob forma de sociedade,
sem fito de lucro.
Realmente, a característica das associações, que as diferencia das
sociedades, é a inexistência de objetivos lucrativos.
Nas sociedades civis e comerciais, há fins econômicos e lucrativos.
Entretanto, somente a sociedade comercial é constituída para a prática
constante de atos do comércio. Ou seja, ambas têm fins lucrativos, mas uma
pratica atos civis e a outra atos comerciais.
Desta feita, observa-se uma explícita contradição existente no art. 3º
da Lei nº 5.764/71, pois considera a cooperativa como uma sociedade, mas
sem fins lucrativos.
Diante desta incongruência, ao considerar que a cooperativa não tem
objetivo de lucro, Diniz (2009, p. 252) optou por considerar a cooperativa
como uma associação sob forma de sociedade. Assim, em essência, a
cooperativa é uma associação, por não objetivar lucro,1 mas exterioriza-se
sob a forma de sociedade devido à determinação da lei.
Há outros entendimentos sobre o assunto. Silva Filho (2002, p. 71),
por exemplo, sustenta que somente as cooperativas de trabalho associado
não vislumbram formas de obter lucros:

[...] conquanto em regra, as cooperativas tenham possibilidade de em seu


desenvolvimento normal angariar lucro, tendo em vista os objetos e as
atividades de exploração da sociedade (inegável que os frutos obtidos pelas
cooperativas como decorrência de suas atividades são verdadeiro benefício),
a princípio não vislumbro a forma pela qual possa a cooperativa de trabalho
associado obter lucro, donde, creio, tal modalidade de cooperativa deve
estar subsumida na espécie associação, ostentando, porém, a roupagem de
sociedade, só e exclusivamente por força de disposição legal.

1
Para Diniz (2009, p. 253), a cooperativa é uma estrutura de prestação de serviços, voltada ao atendimento
de seus associados, possibilitando o exercício de uma atividade econômica comum, sem objetivar lucro. Ou
seja, ainda que exerça atividade econômica, não objetiva o lucro.

98 a sustentabilidade da economia solidária


Silva Filho (2002, p. 51), ao tratar do conceito das cooperativas, cita
uma definição encontrada na declaração sobre a identidade cooperativa
realizada pela Aliança Cooperativa Internacional, em Manchester no ano
de 1995.
A declaração consigna que “uma cooperativa é uma associação
autônoma de pessoas que se unem de forma voluntária para satisfazer
suas necessidades e aspirações econômicas, sociais, culturais em comum,
mediante uma empresa de propriedade conjunta e de gestão democrática”.
Dessa definição, pode-se assinalar como significantes em uma
cooperativa, entre outras, as seguintes características: a autonomia
da entidade; associação de pessoas; a voluntariedade; a satisfação de
necessidades econômicas, sociais e culturais em comum; e a propriedade
conjunta de gestão democrática.
A autonomia significa que a existência de uma cooperativa está
totalmente desvinculada e independente dos governos e de qualquer empresa
privada. Esta característica consubstancia-se no princípio da autonomia
e independência das cooperativas, disposto no inciso XVIII do art. 5º, da
Constituição Federal.
A cooperativa é uma associação de pessoas, sendo assim, pode ser
composta por pessoas físicas e por pessoas jurídicas. Normalmente, a
composição por pessoas jurídicas é observada nas entidades de cooperativas
de segundo grau, como as federações.
O inciso I do art. 6º da Lei nº 5.764 permite que as cooperativas
singulares sejam compostas por pessoas jurídicas, que tenham por objeto as
mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda,
aquelas sem fins lucrativos.
A característica da voluntariedade, verificada no princípio da adesão
voluntária, consiste na liberdade dos interessados de se associarem de forma
livre e destituída de qualquer pressão física ou moral, bem como dos sócios
saírem da entidade quando lhes convier (SILVA FILHO, 2002, p. 51).
O objetivo da cooperativa é a cooperação entre as pessoas para
determinado fim comum, visando à melhoria das condições de vida de seus
participantes. Disto decorre a característica da satisfação de necessidades
econômicas, sociais e culturais em comum.
Embora, em regra, a maioria das cooperativas exista para alcançar,
principalmente, fins econômicos, possuem elas também metas sociais e
culturais, donde se observa, por exemplo, a existência de fundos de reserva
destinados a fomentar atividades de natureza social e cultural independentes
da finalidade almejada (SILVA FILHO, 2002, p. 52).

a sustentabilidade da economia solidária 99


Por fim, tem-se que a cooperativa é entidade de propriedade conjunta
e de gestão democrática. Seu patrimônio é formado pelas entradas dos sócios
e parte do capital que entra, a título de benefício, é revertido para o coletivo.
Dessa forma, a propriedade da entidade está vinculada e pertence a todos os
cooperados.
Este atributo das cooperativas está atrelado ao princípio da gestão
democrática. Cada sócio, independente do capital, tem direito a um voto.
Esta situação diferencia as cooperativas de outras empresas e de outros tipos
de organização, principalmente as controladas por capital empregado ou
pelo governo, que atua com supremacia de poder.
Desse modo, as cooperativas são dirigidas pelos próprios sócios. Por
meio da autogestão, são eles quem participam ativamente na fixação de suas
políticas e nas tomadas decisões.

Distinções entre associações e cooperativas

Apesar das muitas semelhanças entre as cooperativas e as associações,


há várias distinções substanciais que não permitem confundi-las.
O começo da existência legal das associações, entre outras providências,
dá-se com o registro do estatuto e da ata de constituição no Cartório de
Registro de Pessoas Jurídicas, enquanto a cooperativa registra os mesmos
documentos na Junta Comercial.
As associações são reguladas pelas normas do Código Civil (arts. 53 a
61); já as cooperativas estão submetidas à Lei nº 5.764/71.
Além disso, o patrimônio das associações é formado por taxa paga
pelos associados, doações, fundos e reservas. As cooperativas, diferentemente,
possuem um capital social.
A quantidade mínima de pessoas para a constituição de uma
associação é de duas pessoas; na cooperativa, são vinte pessoas.
Nas associações, os dirigentes não têm remuneração pelo exercício
de suas funções, recebem apenas o reembolso das despesas realizadas para
o desempenho dos seus cargos. Já nas cooperativas, os dirigentes, além do
reembolso de suas despesas, podem ser remunerados por retiradas mensais
“pró-labore”, definidas pela assembleia.
Por fim, as associações são isentas quanto ao pagamento do imposto
de renda. As cooperativas, embora não paguem imposto de renda sobre
suas operações com seus associados, devem recolher sobre operações com
terceiros.

100 a sustentabilidade da economia solidária


Considerações finais

A Economia Solidária vem se transformando em um eficiente


mecanismo gerador de trabalho e renda. Trata-se de um fenômeno real, uma
nova forma de economia que se desenvolve no século XXI, cujo principal
antecedente é o cooperativismo operário (CULTI; KOYAMA; TRINDADE,
2010, p. 15).
Este novo modo de produção tem auxiliado a inserção social e
a melhoria de qualidade de vida de comunidades marginalizadas. Seus
empreendimentos são formados, predominantemente, por trabalhadores
de segmentos sociais de baixa renda, desempregados ou em via de
desemprego, trabalhadores do mercado informal ou subempregados, e pelos
empobrecidos.
Para Singer (2002, p. 120), para que a Economia Solidária se
consolide como uma alternativa ao capitalismo é preciso que ofereça “[...]
a parcelas crescentes de toda a população oportunidades concretas de auto-
sustento, usufruindo o mesmo bem-estar médio que o emprego assalariado
proporciona”.
Assim sendo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção
e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e
de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiros e
científico-tecnológicos solidários.
A eficiência na produção e distribuição de mercadorias está
subordinada, entretanto, ao nível de organização dos próprios
Empreendimentos Econômicos Solidários. Neste aspecto, o Direito
apresenta-se como uma ferramenta fundamental.
A partir da apresentação dos princípios cooperativos, e das
considerações sobre as associações e cooperativas, demonstrou-se a
relevância do Direito na formação e consolidação dos Empreendimentos
Econômicos Solidários.
Os princípios cooperativos potencializam a formação dos integrantes.
Em verdade, estes princípios representam o próprio modo de funcionamento
dos empreendimentos cooperativos. Por outro lado, as formas jurídicas
de organização, ao identificar a vontade dos associados, permitem um
desenvolvimento organizado e direcionado à finalidade comum.
Destarte, o Direito auxilia a educação, formação e informação dos
integrantes dos EES, apresentando-se como instrumento de organização
e formalização dos EES. Pode ser, portanto, essencial para a maximização
da eficiência na produção e distribuição de mercadorias destes

a sustentabilidade da economia solidária 101


empreendimentos, contribuindo para a realização das práticas econômicas
solidárias e, assim, para a consolidação da Economia Solidária como um
novo modo de produção alternativo ao capitalismo.

Referências

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NESol; UFT, 2007.

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Tipologia dos empreendimentos econômicos solidários. São Paulo: Todos os Bichos,
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102 a sustentabilidade da economia solidária


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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. v.1.

a sustentabilidade da economia solidária 103


RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
POR MEIO DA AUTOGESTÃO

Juliana Hinterlang dos Santos

Introdução

A lei 11.101/2005 trouxe, para o ordenamento jurídico brasileiro, a


chamada recuperação de empresas, além de disciplinar a falência.
Para que uma empresa, em risco de falência ou em grave crise
econômico-financeira, possa utilizar-se do benefício legal intitulado
recuperação de empresas, deve ser considerada viável do ponto de vista
econômico, isso quer dizer que, embora apresente problemas, consegue
manter-se operante no mercado.
Para isso, a lei dispõe de uma série de opções para que a sociedade,
em crise, possa manejar um plano de recuperação, meios estes previstos no
art. 50 da já referida lei. Entre os diversos incisos, poderá, por exemplo, a
empresa realizar sua cisão, fusão, transformação ou a incorporação de outra
sociedade, pedir prazos maiores aos credores, optar por fazer o parcelamento
de sua dívida, aumentar o capital social, entre outras inúmeras possibilidades.
Optou-se por analisar a hipótese prevista no inciso VII, do art. 50, que
dispõe sobre a possibilidade de se realizar o trespasse ou o arrendamento
do estabelecimento, inclusive pelos próprios empregados. Diversas são as
formas de se realizar esse procedimento, seja pela venda a terceiros ou pela
compra por um grupo de empresas do estabelecimento. Em razão disso,
estabeleceu-se a autogestão, como meio hábil a recuperar empresas em crise,
em que figuram os empregados de um lado e os ex-controladores de outro.
A autogestão é algo de difícil conceituação, pois envolve vários
segmentos, busca-se, aqui, uma delimitação, fixando sua aplicação para
fins de melhor compreensão no conceito de autogestão aplicado à empresa,
qual seja o local onde as decisões podem ser tomadas de forma coletiva,
buscando-se, sempre que possível, um consenso entre todos os trabalhadores
envolvidos, excluindo-se a hierarquia funcional.
Assim, este ensaio tem por escopo analisar a previsão legal referente à
recuperação judicial de empresas, em conjunto com a autogestão, em que se
faz necessário buscar um ponto de apoio na sua conceituação, para verificar
de que forma esta pode ser instrumento hábil a alcançar a efetividade do

a sustentabilidade da economia solidária 105


instituto previsto a partir do art. 47 da Lei 11.101/2005, qual seja a solução
da crise econômico-financeira vivida pelas sociedades que passam por um
processo de recuperação.

Autogestão

Como já dito, a autogestão é algo de difícil conceituação. Sua origem


etimológica vem do grego autos, que significa a si mesmo, e do latim gest-o,
que exprime gerir. Em termos simplórios, a autogestão seria a gerência de si
mesmo. Parte-se do intento de que os homens podem ser responsáveis pela
organização de uma atividade, sem a necessária intervenção de um dirigente,
ou um superior.
Autogestão não se confunde com participação, cogestão ou controle
acionário, para Guillerm e Bourdet (1976), tais institutos não possuem o
mesmo significado e não se assemelham à autogestão.
Os autores afirmam que, para participar de algo, pressupõe-se sua
existência, exemplo claro disso seria o flautista em uma orquestra, em que
ele participa se misturando individualmente a um grupo que já existia antes
de sua chegada.
No que diz respeito à cogestão, asseveram que é um experimento que
busca agregar a criatividade e a iniciativa operária ao processo de produção,
de forma que eles não atuem na finalidade da atividade, mas apenas no início
e no meio, o que o afasta completamente do sistema de autogestão.
E, por fim, ao analisar o controle acionário, os autores certificam que,
de forma diferente do que ocorre na autogestão, a classe operária limita-se a
“supervisionar” ou, ainda, “verificar” as decisões tomadas pelos superiores,
existindo nesse ponto, hierarquia funcional.
O termo cogestão, por si só, seria o suficiente para englobar as demais
formas de gestão, pois todos têm em comum o fato de o operariado, ou
os trabalhadores, serem apenas partícipes do processo produtivo e não
interventores diretos, diferente do que ocorre na autogestão, em que, como
já analisado, há a gerência da atividade por parte de todos os envolvidos e
não somente dos diretores ou responsáveis pela atividade produtiva.
Após diferenciar a autogestão das demais modalidades de gerência
empresarial, é importante analisar, mais a fundo, o que vem a ser essa
modalidade que pode ser extremamente útil para a recuperação de empresas
que passam por graves crises econômico-financeiras.

106 a sustentabilidade da economia solidária


Não há dúvidas de que o termo autogestão é relativamente novo, mas
a sua ideia já vem de muitos anos, mais precisamente do início do século
XIX, em conjunto com a organização do movimento operário.
O Dicionário Prático de Cooperativismo, de organização de Ronise de
Magalhães Figueiredo, traz um conceito que pode ser de grande valia para
entender o tema da autogestão relacionado à recuperação de empresas:

É uma modalidade de gestão multidimensional (social/econômica/


política/técnica), através da qual os parceiros do processo de trabalho se
organizam com o fito de alcançar resultados. É uma modalidade de gestão
multidimensional, porque remete às seguintes dimensões. A primeira,
humana, porque existe a preocupação com a estabilidade e o crescimento
da organização. Estes objetivos implicam a proteção dos recursos humanos
e a busca de sua qualificação. A segunda concerne à racionalidade das
organizações; a lógica do funcionamento da organização e da eficiência
econômica, onde se busca maximizar os esforços e reduzir os custos,
melhorando a qualidade do produto (bens ou serviços). A terceira
dimensão diz respeito à legitimidade junto aos grupos de comunidade,
em particular junto aos investidores, associados e consumidores. [...] A
quarta dimensão, enfim, diz respeito à continuidade/perenidade, pois,
para alcançar a eficiência, é necessário desenvolver, manter e promover
um “saber tecnológico” de forma que este know how satisfaça da melhor
maneira possível os interesses dos empregados, clientes, e que permita, ao
mesmo tempo, o crescimento da organização (FIGUEIREDO, 2000).

Como fica claro, a autogestão não é apenas uma forma de gestão, mas
um processo que envolve critérios sociais, políticos, técnicos e econômicos,
de forma a excluir a hierarquização das relações de trabalho, bem como as
decisões autoritárias, lembrando que o conceito aqui utilizado é voltado para
a sociedade empresária e não para o conceito geral de autogestão.
Nas empresas que passam por um processo de recuperação judicial,
por meio da autogestão, como será analisado em momento oportuno, os
trabalhadores são os maiores prejudicados com os problemas das empresas,
pelo que, ao assumirem o controle da atividade, são responsáveis por todos
os envolvidos no processo produtivo, desde credores e consumidores, até a
sociedade em geral.
Conforme assevera o ilustre Paul Singer (2002, p. 18), a administração
por meio da autogestão é democrática, “os níveis mais altos, na autogestão,
são delegados pelos mais baixos e são responsáveis perante os mesmos.
A autoridade maior é a assembleia de todos os sócios, que deve adotar
as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da
administração”.

a sustentabilidade da economia solidária 107


Ainda, nas palavras do doutrinador supracitado, a “autogestão exige
um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de
cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os
problemas gerias da empresa” (SINGER, 2002, p. 19).
É claro que a autogestão não se limita à esfera das empresas como
modalidade de gestão, porém, nesse estudo, como já dito, foca-se como meio
de substituição da propriedade e administração da sociedade empresária, a
fim de auxiliar no entendimento do que vem a ser o processo recuperatório
com a gerência/administração dos próprios trabalhadores.
A autogestão é o ponto extremo, ao contrário da heterogestão, que é
amplamente utilizada pelas empresas capitalistas, em que cada um responde
por aquilo pelo qual foi contratado. Nas palavras de Paul Singer (2002, p.
16), na heterogestão há “a administração hierárquica, formada por níveis
sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem
de baixo para cima e as ordens e instruções de cima para baixo”. Como
já analisado, na autogestão, as ideias partem de baixo para cima, e todos
os operários envolvidos resolvem de forma conjunta o que é melhor
para a empresa, não estando submetidos a qualquer ordem de alguém
hierarquicamente superior.
No mundo, a ideia de autogestão das empresas pelos próprios
funcionários é tão antiga quanto o descontentamento dos trabalhadores
operários. Já a partir de Revolução Industrial, isso não significa que
as empresas heterogeridas são ruins ou apresentam condições de não
contentamento dos trabalhadores, Paul Singer, um dos maiores defensores
da autogestão, afirma que ambas as modalidades apresentam vantagens e
desvantagens dentro daquilo que se propõem:

Tanto a autogestão como a heterogestão apresentam dificuldades e


vantagens, mas seria vão tentar compará-las para descobrir qual delas
é a melhor. São duas modalidades de gestão econômica que servem a
fins diferentes. A heterogestão parece ser eficiente em tornar empresas
capitalistas competitivas e lucrativas, que é o que seus donos almejam.
A autogestão promete ser eficiente em tornar empresas solidárias, além
de economicamente produtivas, centros de interação democráticos e
igualitários (em termos), que é o que seus sócios precisam (SINGER, 2002,
p. 23).

No Brasil, a autogestão de empresas começa a ganhar forças com


a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão
(ANTEAG). Conforme nos deixa claro:

108 a sustentabilidade da economia solidária


A fundação da Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de
Autogestão, a ANTEAG, tem suas origens em meio à conjuntura política
e econômica do Brasil do início da década de 90, momento de abertura do
mercado nacional ao internacional e apogeu da chamada 3º reestruturação
industrial, com seu avanço tecnológico e a substituição da força humana
pela automação (ADRIANO, s/d.).

A ANTEAG tem sido a principal responsável pela recuperação das


empresas brasileiras que passam por graves crises, auxiliando os trabalhadores
na organização da atividade para que eles possam ser os próprios gestores de
seus empreendimentos.
Paul Singer (1998), um dos principais defensores da autogestão como
forma de gerenciamento das atividades empresariais, de forma singela,
porém sensata, acredita que a ANTEAG tem sido o principal ponto de apoio
dos trabalhadores em desfavor da exclusão social, vejamos:

[...] a ideia (é) que os próprios trabalhadores podem lutar e reagir contra
o desemprego, contra a exclusão social, e eles próprios, organizados, são
capazes de tomar o seu destino em suas mãos, criar suas próprias empresas
e resolver portanto a questão, ao invés de esperar soluções vindas do alto, do
governo ou da classe dominante, e assim por diante. Eu acho que a Anteag
é uma prova viva de que essa hipótese, esse desafio, essa esperança tende a
se tornar verdade.

As empresas em recuperação judicial, até mesmo as que têm sua


falência decretada, ou as que operam com caixa negativo, têm, em grande
parte, dívidas com os bancos, fornecedores, dívidas de operação, mas,
principalmente, com os trabalhadores e o FISCO.
Quando percebem a negatividade de seu caixa, grande parte opta
por não pagar o FISCO, que, em regra, é responsável pela maior dívida das
sociedades. Em seguida, os trabalhadores deixam de receber, e a razão é
simples, se a empresa opta por não pagar os bancos, como estes possuem
crédito com garantia real, na maior parte das vezes, pode optar por requerer
o bem, e, não sendo entregue, há a possibilidade de busca e apreensão; não
pagando os fornecedores, a empresa deixa de funcionar por ausência de
matéria-prima, o que agrava sua situação.
Diante disso, quando a empresa ingressa com um pedido formal para
que seja implementado um plano de recuperação judicial, ela se preocupa
em agraciar também aos trabalhadores, que são diretamente atingidos pela
ausência de ativos da atividade.

a sustentabilidade da economia solidária 109


A sociedade empresária, em razão do seu passivo para com os
trabalhadores, pode realizar a substituição do seu controle societário,
repassando a um grupo de funcionários ou até mesmo a um terceiro. Na
hipótese que se analisa neste estudo, busca-se analisar a questão envolvendo
o trespasse da atividade, de forma que, a partir da celebração do contrato, os
funcionários, organizados, passem a ser proprietários da fonte produtora.
Não se trata de simples participação nos lucros ou administração, mas de
efetiva propriedade.
Após ficar clara a questão da autogestão, como meio de gerenciamento
da atividade empresária por seus próprios funcionários, faz-se necessário
analisar, a partir de agora, de que forma o plano de recuperação judicial
poderá ser implementado para que a autogestão seja o principal instrumento
para viabilizar a manutenção da atividade.

Recuperação judicial por meio da autogestão

Implementação do plano de recuperação

A lei 11.101/2005 estabelece, em seu art. 47, que o objetivo do


procedimento de recuperação judicial é manter a fonte produtora, os postos
de trabalho e os interesses dos credores.
Para que a atividade empresária possa optar por este meio de
recuperação, o art. 48 estabelece uma série de requisitos, sendo estes das
mais variadas ordens, desde tempo de regularidade da atividade, que não
poderá ser inferior a dois anos, não ser falido, e até não ter sido beneficiado
pela recuperação judicial no prazo de cinco anos, entre outros previstos.
José da Silva Pacheco (2007, p. 111), em sua obra Processo de
Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, afirma que:

Quando o devedor, que atende aos requisitos do art. 48, requer ao juízo
do local do seu principal estabelecimento o deferimento do processo de
sua recuperação judicial por um dos meios apontados no art. 50, deve
demonstrar as causas de sua situação patrimonial, as razões da crise
econômico-financeira que o envolve, a sua viabilidade econômica, a
apresentar plano para restabelecer a normalidade de sua empresa. Tem-
se, aí, a recuperação judicial, como processo perante o juiz competente, do
local do principal estabelecimento do devedor.

Para que a atividade empresária possa ingressar com o pedido de


recuperação judicial, não basta simplesmente que ela esteja em crise, é

110 a sustentabilidade da economia solidária


necessário demonstrar que essa crise pode ser superada e de que maneira
isso acontecerá.
No art. 50, da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, há a previsão
de algumas formas de implementar o plano de recuperação, ou meios que
poderão ser adotados para alcançar o fim maior que é a manutenção da
empresa. Entre os dezesseis incisos, um deles merece ser analisado em
separado, pois é o que apresenta o escopo deste estudo, qual seja o trespasse
do empreendimento para os trabalhadores.

Estabelecimento empresarial e trespasse

Antes de analisar de que forma os trabalhadores irão gerir a atividade,


é necessário entender o que é o estabelecimento empresarial, para, em
seguida, analisar o trespasse, que é a venda do estabelecimento, e de que
forma ele é implementado no plano de recuperação judicial.
Toda empresa, para o exercício de sua atividade, necessita de uma série
de bens, sejam eles móveis, imóveis, corpóreos ou incorpóreos. O Código
Civil em seu art. 1.142, considera que o estabelecimento comercial é “todo
o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário
ou sociedade empresária”. O estabelecimento empresarial diz respeito
ao patrimônio da empresa, ou “a projeção patrimonial da empresa”, uma
vez que “o exercício da atividade econômica organizada pelo empresário
pressupõe, necessariamente, uma base econômica, um complexo de bens
que constituem o instrumento e, de certo modo, o objeto de seu trabalho”
(BARRETO FILHO 1988, p. 115-116).
O estabelecimento comercial não é somente o prédio onde a empresa
exerce suas atividades, pelo contrário, engloba uma série de outros fatores,
das mais diversas espécies, bens corpóreos, incorpóreos, móveis ou imóveis,
embora haja doutrinadores, entre eles, que se manifestem de forma contrária:

Ora, se considerarmos o estabelecimento, na sua unidade, uma coisa móvel,


claro está, desde logo, que o elemento imóvel não o pode constituir. É preciso,
e é de bom aviso aqui frisar, que não se deve confundir fundo de comércio
com patrimônio. O fundo de comércio não constitui todo o patrimônio,
mas é a parte ou parcela do patrimônio do empresário. A empresa, que
é o exercício da atividade organizada pelo empresário, conta com vários
outros elementos patrimoniais, por este organizado, para a produção ou
troca de bens ou serviços que não integram o estabelecimento comercial. O
imóvel pode ser elemento da empresa, mas não o é do fundo de comércio
(REQUIÃO, 1998, p. 255).

a sustentabilidade da economia solidária 111


Para Gonçalves Neto (2007, p. 558), “é a ferramenta de trabalho do
empresário, o adubo, a matéria prima, a mercadoria, o produto, o estoque
e tudo mais que utilizar para atuar no mercado”. Em outra obra, o autor
ainda afirma que o estabelecimento compreende “o conjunto de bens
(elementos) de que se utiliza o empresário para o exercício de sua atividade
ou, mais precisamente, o complexo de bens utilizados pelo empresário como
instrumento de sua atividade empresarial” (GONÇALVES NETO, 2000, p.
138).
Analisando os conceitos acima numerados, fica claro que o
estabelecimento empresarial abrange tudo o que o empresário ou a sociedade
empresária utiliza para alcançar o seu objeto social, de forma que não há
como concordar que o elemento imóvel não faça parte.
Importante salientar que o conceito de estabelecimento empresarial
não se confunde com empresa ou com empresário, para isso, respeitável é o
entendimento do doutrinador Gonçalves Neto (2007, p. 560) “Assim, não se
confunde o estabelecimento com a empresa, nem com a figura do empresário:
este é a pessoa (natural ou jurídica), titular do conjunto de bens que integram
o estabelecimento”.
Em sua obra Manual de Direito Comercial, o doutrinador supracitado
traz uma breve distinção que é de suma importância nesse momento,
vejamos:

Ao ser arquivado o ato constitutivo de uma sociedade, tem-se a pessoa; os


valores aportados para a formação do seu capital constituem o patrimônio
dessa pessoa; os bens adquiridos e predispostos ao exercício de sua
atividade identificam o estabelecimento. Já a empresa só nasce quando o
empresário abre as portas do seu negócio e passa a operar colocando seus
bens ou serviços à disposição da clientela, utilizando, efetivamente, de seus
prepostos e de suas instalações, celebrando contratos com fornecedores e
assim por diante (GONÇALVES NETO, 2000, p. 139).

Fica muito claro que o estabelecimento comercial, que pode ser objeto
de trespasse, é o conjunto de bens utilizado pela sociedade empresária ou
pelo empresário com o escopo de atingir aquilo a que se propõe por meio do
contrato social.
Superado esse ponto, faz-se mister que se analise o instituto do
trespasse do estabelecimento empresarial, mais um item importante para
entender de que forma a recuperação judicial se operacionaliza por meio da
autogestão.

112 a sustentabilidade da economia solidária


O estabelecimento empresarial é objeto de direito e, em razão disso, nos
termos do art. 1.144 do nobre Código Civil, é passível de alienação, usufruto,
arrendamento ou outra modalidade de operação, esse é o entendimento de
Gonçalves Neto (2007, p. 572):

Em se tratando de negócio jurídico que envolva o estabelecimento, a


relevância e o interesse, não só do empresário, como de terceiro, saltam à
vista. A regra sob comentário, contudo, enumera casuisticamente alguma
das operações que podem versar sobre o estabelecimento, deixando de lado
outros ajustes, como o comodato, a doação, a dação em pagamento e os
ônus que possam recair sobre o estabelecimento, por ato voluntário, como
o usufruto e o penhor, ou por determinação judicial, como a penhora (CPC,
art. 677), o usufruto coativo para efeito de liquidação do crédito (CPC, art.
716).

Para o estudo em tela, interessante analisar a questão da alienação,


pois, a partir do momento em que os operários assumem a atividade,
a propriedade, que era da antiga sociedade empresária, ou empresário
individual, passa a ser deles.
Quando o artigo 1.144 do Código Civil fala em “alienação judicial”
está se referindo ao que se convencionou chamar de trespasse.
Barreto Filho (1988), em sua obra Teoria do Estabelecimento
Comercial, afirma que o trespasse do estabelecimento consiste na cessão e
transferência do “complexo unitário de bens instrumentais que servem à
atividade empresarial”, seja por ato inter vivos, como é o caso dos operários
das empresas em recuperação judicial, seja por ato causa mortis, no caso de
falecimento de um ou todos os sócios.
A maior discussão, no que diz respeito ao trespasse do estabelecimento,
está na transmissão ou não do passivo do titular, que são as obrigações e
dívidas. Ferreira (1956), de maneira sensata, em sua obra Instituições de
Direito Comercial, assevera que:

Compondo-se o estabelecimento de ativo e passivo, vinculando-se ele, mercê


de garantia comum, às obrigações de seu proprietário – transferindo-o,
deixa ele, acaso de servir de garantia das dívidas daquele? Eis a primeira
e natural pergunta, a assaltar o espírito. Não, afirmam uns; sim, asseveram
outros. Não poucos se colocam em corrente intermediária, pondo da
dependência dos termos do ajuste a solução da controvérsia.

A fim de evitar maiores transtornos e dificuldades no trespasse dos


empreendimentos empresariais, a Lei 11.101/2005 traçou parâmetros e
regras claras sobre a cessão e transferência do estabelecimento empresarial.

a sustentabilidade da economia solidária 113


Em seu art. 60, estabelece que se o plano de recuperação versar sobre
trespasse de estabelecimento, “alienação judicial de filiais ou de unidades
produtivas isoladas”, caberá ao juiz ordenar sua realização nos termos do art.
142 da própria lei, que diz respeito às modalidades de alienação. Vejamos:

Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação


do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma
das seguintes modalidades:
I – leilão, por lances orais;
II – propostas fechadas;
 III – pregão.
§ 1o A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata
este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla
circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens
móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis,
facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo
conhecimento da venda.
§ 2o A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior
ao valor de avaliação.

O trespasse do empreendimento será feito, obrigatoriamente, por meio


da alienação judicial, seguindo-se uma das modalidades previstas, quais
sejam o leilão por lances orais, as propostas fechadas ou o pregão. Como
condição de validade do ato, insta ressaltar que é necessária a publicação de
edital em jornais de ampla divulgação, com antecedência de 15 dias quando
objeto for bens móveis, e de 30 dias se tratar-se de bens imóveis.
O vencedor, em qualquer modalidade escolhida pelo juiz, será aquele,
entre os presentes, que ofertar o maior valor, mesmo que esse valor não
alcance o que foi estipulado na avaliação, essa é a disposição expressa do §2º
do art. 142.
O caput do art. 60 é bastante claro e não traz maiores dificuldades
de entendimento. A previsão que trouxe maior clareza na transferência do
empreendimento diz respeito ao parágrafo único, qual seja, “O objeto da
alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante
nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o
disposto no § 1o do art. 141 desta Lei”.
Os trabalhadores, ao adquirirem o estabelecimento, recebem os bens
livres e desembaraçados de quaisquer ônus extrajudiciais ou judiciais. Isso
significa, nas palavras de Lobo (2007, p. 184) que:

[...] se o bem, objeto da alienação judicial, estiver gravado com ônus reais (p.
ex. penhor e hipoteca, os mais corriqueiros), ou gravame judicial (penhora,
arresto, sequestro, hipoteca judiciária), o devedor será obrigado a substituir

114 a sustentabilidade da economia solidária


a garantia, com a concordância do credor, a fim de que o arrendante, pago
o preço, receba livre e desembaraçado.

Se o credor não concordar com a substituição da garantia, cabe ao


devedor pleiteá-la via judicial, substituindo, assim, o bem por outro, seja
móvel, imóvel ou semovente, com valor análogo que garanta o recebimento
do valor devido.
Por fim, é válido ressaltar que, assim como os trabalhadores receberão
a atividade sem quaisquer ônus reais ou agravantes judiciais, também está
desobrigado das obrigações e dívidas tributárias, ou quaisquer outras.
A previsão para as dívidas tributárias, além do parágrafo em comento,
está no art. 133, §1º, inciso II do Código Tributário Nacional, que dispõe
que o adquirente não “responde pelos tributos relativos ao fundo ou
estabelecimento adquirido.”
Esse dispositivo é de suma importância, pois, ao contrário,
os trabalhadores jamais teriam a possibilidade de gerir seu próprio
empreendimento, uma vez que, para serem titulares da propriedade, os
operários, ao adquirirem-na, abrem mão de seus créditos trabalhistas. Se,
além disso, os operários recebessem todas as dívidas do empreendimento,
não haveria viabilidade econômica para a ocorrência do trespasse.
A seguir, será analisada a previsão legal referente à recuperação
da empresa pelos próprios funcionários, na Lei 11.101/2005, atual lei de
recuperação de empresas e falência.

Previsão legal da recuperação da empresa pelos próprios funcionários na


lei 11.101/2005

O Decreto-Lei nº 7.661/1945, no art. 123, §1º, trazia previsão expressa


acerca da possibilidade dos credores com representação de que, no mínimo,
2/3 dos créditos, constituíssem sociedade com o escopo de continuar a
atividade empresária falida.

Art. 123. Qualquer outra forma de liquidação do ativo pode ser autorizada
por credores que representem dois terços dos créditos.
§ 1º Podem ditos credores organizar sociedade para continuação do negócio
do falido, ou autorizar o síndico a ceder o ativo à terceiro.

Com base nessa previsão, desde que os credores trabalhistas


representassem 2/3 de todos os créditos habilitados na falência, poderiam se
organizar de forma a manter a atividade operante no mercado.

a sustentabilidade da economia solidária 115


Havia apenas um problema nessa previsão legal. Nem sempre os
trabalhadores, ou os créditos trabalhistas, representavam 2/3 do total, o que
inviabilizada a possibilidade de trespasse do estabelecimento empresarial.
Mas, ainda assim, havia a possibilidade de gerir o empreendimento por meio
da autogestão, porém, não nos moldes em que hoje se estabelecem.
Em seu art. 50, inciso VII, a lei 11.101/2005 estabelece a possibilidade
do trespasse aos funcionários. Para Alonso (2005, p. 293), essa modalidade
é muito útil, “em particular em casos de indústrias, em que o ‘know how’
do material humano seja preponderante para a obtenção do produto final e
consecução dos objetivos operacionais”.
Não que para as demais empresas, tal modalidade de recuperação
judicial não seja eficaz, ocorre que, em regra, nas empresas em que o
capital humano é muito alto e, por conseguinte, fundamental para o bom
desenvolvimento da atividade, qualquer dificuldade em mantê-los em seus
postos de trabalho significaria crise para a empresa. Em razão disso, essa
modalidade pode ser uma forma eficaz de manter a fonte produtora.
A verificação dos créditos dos trabalhadores, será feita na forma do
art. 7º da lei, vejamos:

A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com


base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e
nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo
contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

Como demonstrado, cabe ao administrador judicial da empresa em


recuperação verificar os créditos de cada trabalhador na forma prevista
em lei, podendo, inclusive, contar com auxílio de contadores ou quaisquer
outros profissionais ou empresas especializadas no assunto.
Após a verificação realizada pelo administrador judicial, caberá
aos credores a apresentação da habilitação de seu crédito ou, então, suas
divergências, se o crédito já tiver sido apresentado pelo administrador, isso
deverá ocorrer no prazo de 15 dias após a publicação do edital com a relação
dos credores.
Ultrapassado este período de verificação e habilitação dos créditos,
seguirá o processo para o saneamento, em que caberá ao juiz a determinação
da inclusão no quadro geral de credores das habilitações de créditos não
impugnadas.
Após todo o trâmite legal, se os documentos exigidos pelo art. 51 da
Lei 11.101/2005 estiverem de acordo, o juiz deferirá o processamento da

116 a sustentabilidade da economia solidária


recuperação judicial e, é nesse momento que começamos a analisar de que
forma pode ser implementada a autogestão na recuperação empresarial.
Após a concessão, por parte do juiz, do plano de recuperação judicial,
caberá ao devedor a apresentação do plano de recuperação judicial, no prazo
de 60 dias, prazo este que, em hipótese alguma, será dilatado. A pena pela
não apresentação no prazo mencionado será a convolação automática da
recuperação judicial em falência da empresa.
No plano de recuperação judicial, entre as demais exigências,
deverá conter a “discrição pormenorizada dos meios de recuperação a ser
empregados, conforme art. 50 desta Lei, e seu resumo”, nos termos do art.
53, inciso I.
Nesse momento, cabe ao administrador judicial demonstrar de que
forma a recuperação judicial da empresa, por meio da autogestão, realizada
pelos trabalhadores, pode ser eficaz para o bom andamento das atividades,
garantindo que ela seja uma empresa viável do ponto de vista econômico,
pois este é o princípio fundamental entabulado nessa lei, manutenção da
empresa viável economicamente.
Lobo (2007, p. 159) assevera que:

A finalidade da norma do art. 53 é provar, aos credores e ao juízo, que o valor


da empresa em funcionamento não só é superior ao que seria obtido caso se
decidisse liquidá-la, como, por igual, que a sua continuidade melhor atende
aos múltiplos interesses envolvidos, v. g., dos empregados, dos credores, dos
consumidores e da coletividade.

Assim, para que seja concedida a recuperação da empresa por meio


do trespasse do estabelecimento empresarial aos trabalhadores, não basta
que estes aceitem tal medida, uma vez que a recuperação judicial envolve
uma série de outros credores que poderão manifestar sua objeção ao plano
de recuperação judicial no prazo de 30 dias após a publicação da relação de
credores.
Em não havendo objeção por parte dos demais credores, caberá aos
trabalhadores a constituição de uma sociedade para o gerenciamento desta
atividade. Tal sociedade poderá ser na modalidade de cooperativa ou, ainda,
a critério dos trabalhadores, uma sociedade de propósito específico.
Para o presente estudo, importa a modalidade de cooperativa, uma
vez que todos os trabalhadores serão responsáveis, ao mesmo tempo, pelo
bom desenrolar do plano de recuperação judicial.
Os funcionários trocam o valor a que teriam direito, a título de
indenizações trabalhistas, por quotas de capital, podendo, ainda, a seu

a sustentabilidade da economia solidária 117


critério, aportar mais recursos, liberando o devedor de suas obrigações, frisa-
se trabalhistas, as demais ainda serão de sua responsabilidade. Esse também
é o entendimento de Alonso (2005, p. 296) que assim dispõe:

[...] os credores, cujos créditos serão verificados na forma do art. 7º do


Projeto, acreditando na falta de melhores opções para recuperá-los, poderão
interessar-se em constituir-se em sociedade independente e autônoma,
cada qual subscrevendo o valor de seu crédito como quota de capital, ou
aportando mais numerário, se assim o entenderem, com a consequente
liberação do devedor de suas obrigações.

Os trabalhadores, ao optarem pela autogestão do empreendimento,


por meio do trespasse empresarial, passam a ser proprietários do seu negócio,
o que dá a eles novos ânimos para a continuidade da atividade.

As empresas recuperadas pelos trabalhadores, assim como os demais


empreendimentos autogestionários, têm como principal característica
a gestão democrática exercida por todos os trabalhadores que compõem
seu quadro societário, organizados sob a forma de sociedade cooperativa,
anônima ou limitada (GONÇALVES, 2005).

Assim, resta claro que, por mais que a empresa esteja em crise
econômico-financeira, ela pode ser recuperada por seus trabalhadores que,
no geral, são os principais credores. A partir do momento em que eles tomam
o controle acionário da empresa, a forma de gestão é alterada, passando-se
de uma heterogestão, na qual há hierarquia funcional, para uma autogestão,
em que haverá maior democracia na gestão da atividade. Isso é o que se
pretende demonstrar a seguir.

Empresas Autogestionárias

A partir da implementação do plano de recuperação judicial e do


consequente trespasse, os trabalhadores serão os proprietários da atividade
empresária, muitas vezes, sem qualquer formação para isso, neste momento
é que a Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão
(ANTEAG) se faz necessária, vejamos:

Os projetos precisavam ser coordenados porque, mesmo que inicialmente


pressionados pelo desemprego, quando os trabalhadores assumiam as

118 a sustentabilidade da economia solidária


empresas tinham de enfrentar inúmeras questões, novas para eles, dentre
elas aquelas relativas ao mercado e a comercialização dos produtos, ao acesso
ao crédito e controle orçamentário da empresa, à organização do trabalho
e da produção, à tecnologia, à legislação. Se, por um lado, as relações de
solidariedade entre trabalhadores, o apoio de alguns sindicatos às suas
iniciativas eram fundamentais, por outro, não eram suficientes. Havia a
necessidade de uma entidade que assumisse esses papéis (NAKANO, 2003).

Os trabalhadores, ao assumirem a atividade que está passando por


crise, em não raros casos, não possuem a qualificação necessária para
enfrentar todos os problemas que ela apresenta, pois, muitas vezes, se não
em todos os casos, os trabalhadores são mantidos afastados de alguns
setores, principalmente o referente à administração da empresa, pelo que
pouco conhecem sobre isso.
Além da ANTEAG, outras instituições também auxiliam aos
trabalhadores, é o caso da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) da
CUT, a UNISOL Brasil, que é a Central de Cooperativas e Empreendimentos
Solidários, além da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES),
do Ministério do Trabalho e Emprego.
As empresas que são recuperadas têm como principal característica a
autogestão, ou seja, a gestão democrática exercida pelos trabalhadores que,
a partir da transferência de propriedade, compõem o seu quadro societário.
Isso é o que acontece também nos demais empreendimentos autogestionários.
No Brasil, as organizações que adotam a autogestão como meio de
recuperação de empresa1 começaram a surgir, principalmente, após a era
Collor (1990-1992), como afirma Gonçalves (2011, s/p.):

Tais organizações surgiram, principalmente, em meio urbano, crescendo


em números de experiências no Brasil em virtude da situação econômica
vivenciada pelo país desde a Era Collor, que, com a abertura do mercado,
a tributação excessiva e injusta e os altos encargos trabalhistas, teve
como resultado o sucateamento da indústria nacional, seu crescente
endividamento, culminando em posterior insolvência e quebra.

Os trabalhadores optavam por tomarem a empresa e continuarem


suas atividades normalmente, a fim de evitar seu aniquilamento, em virtude

1
O termo “recuperação de empresa”, aqui mencionado, não se refere apenas ao processamento de um
pedido de recuperação judicial, mas, também, diz respeito à falência da atividade, até porque na época
não se falava em “recuperação judicial/extrajudicial”, mas sim em “concordata”. O termo aqui empregado
diz respeito à retomada da empresa pelos funcionários, seja em relação às empresas com pedido de
concordata em trâmite ou, então, as que tenham tido sua falência decretada.

a sustentabilidade da economia solidária 119


dos problemas econômicos pelos quais o país passava. O trabalhador já não
tinha os seus direitos mínimos assegurados pela Constituição e efetivamente
garantidos pelo governo, tais como saúde e educação. Com a falta de
emprego, quase não tinha chance de se recolocar no mercado de trabalho,
pelo que, preferia continuar a atividade, talvez não muito rentável, a não ter
outras opções.
É bastante difícil apresentar um número exato de empresas
recuperadas no Brasil por meio da autogestão, porém, pesquisa realizada
pelo pesquisador Schiochet (2006), apresenta alguns dados interessantes que
merecem análise.
O autor dimensiona que, à época, existiam, no Brasil, 174 empresas
recuperadas, com 11.348 trabalhadores envolvidos na administração
democrática das atividades. Desse total de empresas, 72% encontravam-
se na região centro-sul do país e, ainda, 54,5% encontravam-se em região
urbana, corroborando com o que foi dito por Wagner Augusto Gonçalves
anteriormente.
Buscou-se, ainda, demonstrar qual a forma jurídica adotada pelas
empresas para que mantivessem suas atividades em funcionamento. Cerca
de 50% adotam a cooperativa, em seguida, 32,8% são associações, 0,6%
optam pela sociedade limitada, enquanto quase 0,3% tornam-se sociedades
anônimas. É de se destacar, ainda, que 16,4% desses empreendimentos não
se formalizaram, ficando assim na informalidade.
Além da pesquisa acima comentada, outra pesquisa é bastante
interessante. A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES),
vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, apresentou no ano de
2005, o relatório final do Convênio TEM/IPEA/ANPEC 2003, com dados
significativos no que diz respeito ao gerenciamento dos empreendimentos
falidos ou em processo de falência na égide do Decreto-Lei 7.661/1945.
O relatório final identifica que grande parte das empresas recuperadas
é do setor metalúrgico. Na amostra, foram pesquisados 25 empreendimentos,
divididos entre os mais diversos setores, com preponderância do setor
metalúrgico, com 12 empreendimentos recuperados pelos trabalhadores.
Como já informado no decorrer do estudo, as empresas recuperadas,
ainda na época do decreto-lei supracitado, advinham de empresas falidas ou
em estado de pré-falência, como apontado pelos autores do relatório:

Segundo os dados das entrevistas, os principais motivos que levaram à


autogestão pelos trabalhadores referem-se ao encerramento das atividades

120 a sustentabilidade da economia solidária


produtivas pelo proprietário anterior e à falência das empresas. Embora
os empreendimentos sejam provenientes de massa falida ou estejam em
processo falimentar, a maioria deles não esperou a falência da empresa
antiga para se organizar de forma autogestionária. A resistência organizada
foi a garantia da manutenção de seus postos de trabalho, chegando em
muitos casos a evitar a interrupção das atividades produtivas pela falência
da antiga empresa (TAUILE, 2005, s/p.).

Diante desse aspecto, a despeito de serem institutos completamente


diferentes, a falência e a recuperação de empresas, pode-se analisar que
o traço típico dos empreendimentos que se tornaram autogestionários,
anteriormente e após o advento da lei 11.101/2005, é a não aceitação do
estado falimentar da empresa, com prejuízo para os trabalhadores e toda
a sociedade. Os trabalhadores optam por gerirem a atividade, por conta e
risco próprios, para evitar que fiquem marginalizados, afastados de suas
atividades, impossibilitados de terem seus direitos mínimos garantidos.
O instituto da recuperação judicial de empresas não existia à época da
realização do estudo pela SENAES, pelo que, para evitar a interrupção das
atividades produtivas, a empresa dispunha da concordata, que quase sempre
não era eficaz, pois somente após a decretação da falência da empresa, os
trabalhadores poderiam se organizar a fim de evitar o encerramento total das
atividades. Vale ressaltar que, em regra, o decreto de falência não significa o
encerramento das atividades.
Atualmente, e este é o objeto deste estudo, os trabalhadores podem,
antes da decretação da falência da atividade, optar por se organizarem, seja
em forma de cooperativa ou de sociedade empresária, e, juntos, proporem
um plano de recuperação judicial, utilizando como método de recuperação
a autogestão, na qual os trabalhadores, em conjunto, optam por gerirem a
atividade da empresa.
Na obra Autogestão: Construindo uma nova cultura nas relações de
trabalho, há a presença de parâmetros mínimos para que a empresa seja
gerida por meio da autogestão:

A autogestão é um modelo de gestão onde o controle da empresa e as


decisões são exercidas pelos trabalhadores. Eles decidem sobre tudo:
metas de produção, participação dos resultados, política de investimentos
e modernização, política de relacionamento entre as pessoas, mercado etc.
Para que o projeto de autogestão dê certo, são necessários alguns parâmetros
mínimos:
• Democratização das tarefas que envolvam raciocínio – é preciso eliminar
qualquer represamento de conhecimento;

a sustentabilidade da economia solidária 121


• Motivação dos trabalhadores de forma que acreditem no projeto e na
inteligência coletiva;
• Viabilidade do projeto e rentabilidade no médio e longo prazo, ou seja
geração de dividendos e lucros;
• Integração da empresa em ‘redes de negócios’ (Anteag Business),
transformando a inteligência coletiva no principal patrimônio das empresas
autogestionárias;
• Viabilizar a implantação de técnicas modernas e efetivas de gestão,
com o envolvimento e a realização das pessoas. Uma gestão em que haja
transparência e democratização das informações, incentivo e contribuição
dos trabalhadores; *Parceria de trabalho com o Sindicato dos Trabalhadores,
desde que ele tenha dado apoio efetivo a projeto autogestionário (ANTEAG,
1999).

Tais parâmetros apresentados pela ANTEAG são de suma importância


para que se verifique se a empresa recuperada pelos trabalhadores está
mesmo utilizando-se da autogestão para alcançar maior rentabilidade.
Esses parâmetros são considerados mínimos, pelo que, podem ser
identificados outros. O principal parâmetro para a eficácia da autogestão
como meio de recuperação de empresa está na ausência de hierarquia
funcional, ou seja, as decisões são tomadas de maneira conjunta por todos
os envolvidos, ou, no mínimo, por um conselho eleito pelos próprios
trabalhadores, na hipótese da existência de muitos envolvidos, pois,
conforme maior o número de funcionários, mais difícil é a reunião de todos
para as deliberações.
Além do parâmetro supracitado, é necessário que o projeto
de autogestão da empresa seja viável, mas, principalmente, que traga
rentabilidade, ainda que a longo prazo. Isso quer dizer que a atividade não
é apenas para manter os postos de trabalho e causar menos problemas
para a sociedade, mas, principalmente, que ela se torne rentável para os
trabalhadores envolvidos no projeto.
E, por fim, o ápice da autogestão encontra-se na transparência
e democratização das informações, bem como na participação dos
trabalhadores nas tomadas de decisões. Uma empresa autogerida tem como
principal ponto a democratização da atividade empresária e não a sua
detenção nas mãos de poucos.
Singer (2011, s/p.), em seu artigo “Recuperação de Empresas”,
apresenta boas vantagens para que as empresas que tenham um alto passivo
trabalhista optem pelo modelo autogestionário de recuperação, vejamos:

122 a sustentabilidade da economia solidária


É evidente que os benefícios decorrentes destas transformações vão além
do ganho dos próprios trabalhadores empresários. Beneficiam-se também
os consumidores dos produtos da empresa, que teriam de substituí-los
por outros, necessariamente inferiores, pois, se não o fossem, não teriam
sido preteridos, quando a empresa estava em funcionamento; beneficiam-
se os fornecedores de bens e serviços ao empreendimento, que deixam de
perder um cliente (do qual, às vezes depende sua própria sobrevivência);
beneficiam-se do mesmo modo a União, estado e município (fornecedores
de serviços públicos) que continuam a receber tributos; finalmente
beneficiam-se os trabalhadores cujos empregos dependem do gasto dos
que derivam ganhos trabalhadores, fornecedores, entidades estatais das
empresas recuperadas.

As vantagens da autogestão vão além do simples bem-estar dos


trabalhadores, uma vez que toda a sociedade é beneficiada. Como exposto
anteriormente, o Estado recebe seus impostos, os consumidores continuam
a ter os produtos que a empresa fabricava ou comercializava, os fornecedores
continuam a fornecer a matéria-prima necessária, enfim, é uma cadeia na
qual todos se mantêm operantes.
Paul Singer, ainda no mesmo artigo, assevera que, além desses
benefícios já entabulados, outros benefícios decorrem da utilização da
autogestão:

Mas, aos benefícios de qualquer recuperação de empresas, acima


delineados, acrescem-se outros que decorrem do fato de que a recuperação
seja protagonizada pelos próprios trabalhadores das empresas em questão.
A autogestão, em contraposição à gestão heterônoma (capitalista), distribui
a renda gerada pela atividade empresarial de maneira aproximadamente
igualitária entre todos que a realizam, em lugar de concentrar grande parte
dela nas mãos dos proprietários do capital. Da mesma forma, a autogestão
distribui o conhecimento e a competência gerencial entre todos que
integram a sociedade, que possui e opera a firma, em vez de concentrá-
los numa delgada camada de diretores e dirigentes. Em outras palavras,
a autogestão torna a atividade econômica mais democrática e – à medida
que se difunde – torna a sociedade inclusiva também mais democrática.
Ou menos desigual e plutocrática do que seria se todos empreendimentos
fossem dominados e explorados por uma pequena minoria proprietária da
maior parte do capital (SINGER, 2011, s/p.).

Fica claro que a autogestão, como meio de recuperação da empresa,


está muito além da simples manutenção dela como fonte de capital, está no
desejo de se alcançar uma forma mais justa e igualitária de gestão, em que os
trabalhadores não são simples máquinas para desenvolverem as atividades,

a sustentabilidade da economia solidária 123


mas, principalmente, são humanos que passam a ter seu conhecimento
respeitado.
Além disso, a concentração de renda não fica apenas na mão do
pequeno grupo controlador da atividade, mas de todos os envolvidos no
processo de autogerenciamento, uma vez que, por ser a gestão de forma
democrática, na qual todos opinam e emitem seus pareceres, todos possuem
renda conforme sua participação nessa gestão.
Fica claro com este capítulo que a autogestão é meio eficaz de solução
do problema econômico-financeiro vivenciado pelas empresas que passam
por um processo de recuperação judicial.

Conclusão

A autogestão é um termo relativamente novo, com inúmeras


conceituações, a depender da área em que será utilizada, porém, desde há
muito tempo vem sendo utilizada pelas empresas que passam por crises
financeiras.
A autogestão abrange mais do que simplesmente uma forma diferente
de se gerir a atividade empresária, envolve critérios democráticos, nos quais
todos os trabalhadores são envolvidos por meio da assembleia geral de todos
os sócios, critérios sociais como manutenção dos postos de trabalho e, por
consequência, da garantia dos direitos mínimos dos trabalhadores, tais como
saúde, educação, alimentação etc.
Sob a égide do Decreto-lei 7.661/1945, a opção pela autogestão da
atividade empresária em situação de falência, ocorria após o decreto desta,
sendo assim, os trabalhadores, verificando a possibilidade de utilizarem-se
da autogestão, requeriam ao juiz que a atividade fosse repassada a eles.
Com o advento da lei 11.101/2005, a empresa não precisa passar por
um processo de decretação de falência para que os trabalhadores possam
optar pela autogestão.
Esta modificação do controle acionário ocorre em um processo
de recuperação judicial, no qual, por previsão da atual lei, os próprios
trabalhadores podem propor um plano de recuperação judicial, utilizando-
se de seus créditos trabalhistas para que adquiram os direitos sobre a
propriedade do estabelecimento empresarial.
A esta transferência, dá-se o nome de trespasse, em que a titularidade
do direito de propriedade é repassada aos trabalhadores, que, organizados

124 a sustentabilidade da economia solidária


sob a forma de cooperativa ou sociedade empresária, podem optar pelo seu
gerenciamento.
Tal modalidade de gestão é, atualmente, uma das formas mais
concretas de recuperação das empresas, principalmente naquelas em que o
passivo trabalhista é o maior entre todos os créditos a serem habilitados.
Resta claro que a utilização da autogestão da atividade está acima
do simples interesse capitalista em manter a atividade empresária em
funcionamento, agrega critérios sociais e de bem-estar de toda a população,
pois a manutenção de uma fonte produtora é capaz de garantir empregos e
pagamento de impostos que devem retornar em melhorias para a sociedade.
Importante destacar, por fim, que, no Brasil, inúmeras são as atividades
que se mantiveram no mercado por meio da autogestão, a maioria delas no
setor metalúrgico.

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126 a sustentabilidade da economia solidária


TRAJETÓRIAS DO TRABALHO FEMININO
E ECONOMIA SOLIDÁRIA1

Francislaine Stábile
Líria Maria Bettiol Lanza

Introdução

Este estudo traz alguns levantamentos sobre as questões referentes


ao trabalho no capitalismo, que sempre evidencidenciaram um cenário de
exclusão e exploração decorrentes da lógica perversa do capital. Com o
decorrer dos anos, este sistema econômico reinventa-se, a fim de prosseguir
“conquistando” novas formas de dominação para sustentar a estrutura de
classes que garante aos donos do capital o controle sobre aqueles que não
possuem os meios de trabalho. Dessa maneira, existe a parcela da população,
chamada classe trabalhadora, dependente do trabalho que é “oferecido” pelas
mãos do capitalista, inserida em uma situação de absoluta contrariedade
e dependência do capital. Essa situação gera subalternidade, exploração,
exclusão, entre outros arranjos referentes às relações de trabalho capitalistas.
Essas relações aprofundam-se e apropriam-se de desigualdades que
perpassam o campo das relações de gênero. Delimitam e impõem condições
de trabalho inaceitáveis ao trabalho feminino.
A divisão sexual do trabalho afirma e evidencia a existência dessa
desigualdade, mantendo a prioridade do homem na esfera produtiva e a da
mulher na esfera reprodutiva. Separa e hierarquiza os espaços ocupados por
homens e mulheres na sociedade. O revelar–se da mulher diante do trabalho,
por meio da necessidade de o capitalismo obter mão de obra mais barata,
leva-a para a esfera produtiva e altera a trajetória estabelecida pelas relações
sociais entre sexos no mundo do trabalho (SAFFIOTI, 1987).
Esta mudança na trajetória das mulheres no mundo do trabalho não
tem como objetivo, além de não ser interessante ao capitalismo, eliminar as
desigualdades entre homens e mulheres. Este é um terreno fértil para ofertas
de trabalhos precários, subvalorizados, invisíveis, informais etc., gerando
descontentamento à classe trabalhadora feminina. Tais condições de trabalho
são ponto de partida para discussão e luta a favor da igualdade de direitos
entre homens e mulheres. Entre outras lutas e reivindicações, as mulheres
1
Trabalho de Conclusão de Curso/ Serviço Social – UEL, 2011.

a sustentabilidade da economia solidária 127


almejam direitos trabalhistas iguais, mesma jornada de trabalho, salários
iguais para iguais funções, direito a voto, entre outras reivindicações, desde
o século XIX (HIRATA; KERGOAT, 2008).
Diante desse cenário de lutas por sobrevivência por meio do trabalho,
homens e mulheres pertencentes da “classe que vive do trabalho” (ANTUNES,
1995), foram vivenciando situações de exploração, mas, ao mesmo tempo,
foram criando espaços alternativos de pensar e viver o trabalho. Nesse
sentido, é que surge a economia solidária, guiada pela própria luta de
trabalhadores e trabalhadoras que se veem em situações de vulnerabilidade
social, no sistema econômico capitalista que os trata com arbitrariedade e
autoritarismo. Desse modo, a economia solidaria desenvolve-se em uma
perspectiva de pertencimento social, dispondo de uma forma diferente
de realizar o trabalho, envolvendo os pilares da autogestão, cooperação,
dimensão econômica e solidariedade, além de realizar-se fundamentada na
valorização do ser humano.
É nesta proposta que o trabalho feminino encontra oportunidade e
espaço para a igualdade no mundo do trabalho. As diferenças dão lugar à
coletividade das ações dos trabalhos realizados pela economia solidária. Esta
alternativa de trabalho e renda é desafiada cotidianamente pelo capital, uma
vez que esta economia está inserida em um contexto capitalista.
Perante tais questões e fruto da experiência de estágio de dois anos
na Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários – INTES/UEL,
que proporcionou um campo de experimentações reais relacionadas ao tema
abordado, é que o presente estudo está alicerçado.
Dessa forma, o presente trabalho apresenta-se dividido em três
partes. A primeira traz algumas reflexões sobre a categoria trabalho,
com a contribuição de autores como Marx, Antunes e Nogueira. E, por
fim, a discussão caminha no sentido do trabalho feminino no contexto
da reestruturação produtiva e economia solidária e trabalho feminino e
economia solidária (HIRATA, 2008; KERGOAT, 2008; SAFIOTTI,1987;
SINGER, 2010).

Reflexões sobre a categoria trabalho

Na contemporaneidade, a palavra trabalho remete-nos a uma


realidade em que percebemos um discurso visando a um modelo humano
hábil que garanta a lucratividade para seu empregador e que se arrisque a
desafiar os critérios estabelecidos pelo mundo do trabalho.

128 a sustentabilidade da economia solidária


Observamos que o esforço, cansaço, fadiga, suor e várias outras
palavras se encaixam quando relacionadas ao trabalho e assim equivalem ao
mesmo que dizer as palavras “obrigação e sofrimento”, porque se encaixam
perfeitamente no significado real de tripalium (latim).
O trabalho é algo natural ao ser humano, assim sendo, “Os homens e
mulheres são dotados de consciência, uma vez que concebem previamente o
desenho e a forma que querem dar ao objeto do seu trabalho” (ANTUNES,
2004, p. 7), por isso, para sua execução, há uma noção de liberdade intrínseca
ligada ao percurso natural da vida do ser humano. Frente à condição
endógena do trabalho ao ser humano, o significado de tortura não deveria
estar atrelado a essa atividade. Então, a verdadeira função do trabalho
deveria expressar o seu significado ontológico, ou seja, que é o de satisfazer
as necessidades humanas. Pois, “O trabalho é vida, e se a vida não for todos
os dias permutada por alimento, depressa sofre danos e morre” (MARX,
2001).
Na natureza, o homem, ao realizar um trabalho, diferencia-se de
outros animais, pois, por meio de sua consciência, transforma sua atividade
vital em atividade lúcida, ou seja, realiza o trabalho conforme sua vontade
(MARX, 2001). Portanto, há que se aceitar que exista uma racionalidade
que leva os homens a crerem que as ações acabam acontecendo por um
fim necessário e, talvez, apontando o porquê de o homem estar no topo da
cadeia alimentar, ou seja, não pela força que tem, mas pelo raciocínio nas
atividades executadas.
Tal afirmação é defendida por Marx (1818-1883), em O Capital (1983),
quando exemplifica o trabalho e identifica as diferenças entre o trabalho
humano e trabalho animal, além de mostrar que o homem possui uma
racionalidade primeira frente à ação, uma vez que, ao realizar um trabalho,
o homem o constrói primeiramente em sua cabeça para depois torná-lo
material (MARX, 1985).
Considerando que o trabalho é um momento fundante da vida
humana, pois por meio dele é que o homem cria condições para sua própria
existência, estabelecendo uma relação de transformação entre ele e a
natureza, e entendendo que, “A utilidade de uma coisa faz dela um valor de
uso”, assim, é pela necessidade de sobrevivência que o homem se empenha em
realizar o trabalho como uma forma de atender às suas necessidades vitais,
fazendo dessa atividade, uma premissa da aprendizagem nos primórdios da
humanidade (MARX, 1983).
Decorrente disso, o trabalho coloca-se como condição participante no
processo de humanização da sociedade. Partindo deste ponto, outra forma

a sustentabilidade da economia solidária 129


de entendimento do trabalho é a forma opressora que se desenvolveu no
capitalismo, que transformou o trabalho, processo natural de humanização,
em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. “O que era uma finalidade
central do ser social converte-se em meio de subsistência” (ANTUNES,
2004, p. 8).
O trabalho expressa-se nas mais variadas formas, culturas e contextos
históricos, revelando as necessidades, as ocupações e as mais profundas
relações que envolvem a subjetividade de uma sociedade e até, por que não
dizer, de uma nação.
No tocante a isso, a história mostra que a sociedade se submete à
dominação do capitalismo, que tende a agravar e piorar significativamente
as condições de trabalho pelas mudanças sofridas.
As alterações do período industrial do século XVIII acarretaram
drásticas mudanças na vida daqueles que vivem do trabalho. E estes sujeitos,
necessitados do trabalho para manter suas vidas e de suas famílias, passam
por uma situação de concorrência desigual frente à força de trabalho, já que
as máquinas passam a substituir parte da classe trabalhadora, executando
as funções do trabalho de forma mais rápida, diminuindo o número de
trabalhadores para a execução de um trabalho. Nesta época, “As máquinas
de fiar algodão (na Inglaterra) equivalem a 84 milhões de trabalhadores”
(MARX, 2001, p. 78).
O que antes era realizado para a subsistência, mesmo de forma
indireta pelas comunidades isoladas (nas comunidades tribais, por exemplo,
realizava-se pela regência de deveres religiosos e familiares), agora se dá pelo
peso e esforço frente ao significado dado ao trabalho, por meio do modo
de produção capitalista, contrapondo-se à função real do trabalho, ou seja,
de suprir as necessidades básicas de sobrevivência humana (ALBORNOZ,
2000, p. 16).
O homem que usufruía da natureza sem pretensão de desgastá-la é o
mesmo que identifica, no sistema econômico vigente, modos de dominação
que perpassam diferentes campos da vida social, como religião, política,
economia, cultura etc.; e tem na exploração capitalista, próximo item a ser
abordado neste texto, a sua maior expressão.

A exploração do trabalho nas teias do capitalismo contemporâneo

É inegável o peso do trabalho diante do poder persuasivo do


capitalismo, que é um divisor de classes: dominantes e dominados, com
raízes na manufatura, sendo que essa

130 a sustentabilidade da economia solidária


[...] cria em todo ofício, de que se apossa uma classe dos chamados
trabalhadores não qualificados, os quais eram rigorosamente excluídos pelo
artesanato. Se ela desenvolve a especialidade inteiramente unilateralizada,
à custa da capacidade total do trabalho, até a virtuosidade, ela já começa
também a fazer da falta de todo o desenvolvimento uma especialidade. Ao
lado da graduação hierárquica surge a simples separação dos trabalhadores
em qualificados e não qualificados (MARX, 1983, p. 276).

Além disso, a condição humana torna-se dependente da “ditadura


capitalista”, pois a inserção das máquinas no ambiente de trabalho impõe aos
trabalhadores e trabalhadoras a capacitação e qualificação para executarem
o trabalho e assim sobreviverem dele. Caso não tenham esta formação, serão
excluídos e classificados como incapazes de realizar as atividades e habilidades
requeridas para o trabalhado ofertado. Assim, “o caráter cooperativo do
processo de trabalho torna-se agora, portanto, uma necessidade técnica
ditada pela natureza do próprio meio de trabalho” (MARX, 1985, p. 16).
O exercício para compreensão das relações sociais e como se
desenvolve a sociedade contemporânea, não é tarefa fácil. Como teias bem
entrelaçadas feitas por uma aranha, assim é o capitalismo e suas relações
de poder e apresentação no presente século. Segundo Ianni (1996, p. 15), o
horizonte ampliado para o trabalho global presente “[...] no fim do século
XX, quando se anuncia o século XXI, é que este se tornou realmente global”,
envolve, assim, trabalhadores e trabalhadoras que passam a ser reconhecidos
como cidadãos mundiais, mesmo que não tenham consciência disso.
A sociedade tem se desenvolvido em meio a uma falsa imagem de
mundo, conforme Lessa (2005, p. 7), em que, “tudo se altera sem que nada se
transforme em sua essência [...]”.
Nesse sentido, as mudanças provenientes dos anos de 1970, sobretudo
a alteração do modelo taylorista/fordista2 para o toyotismo, trouxeram
2
“O taylorismo [...] fundamenta-se na aplicação de métodos da ciência positiva, racional e metódica
aos problemas administrativos, a fim de alcançar a máxima produtividade. Essa teoria provocou
uma verdadeira revolução no pensamento administrativo e no mundo industrial. Para o aumento da
produtividade, propôs métodos e sistemas de racionalização do trabalho e disciplina do conhecimento
operário colocando-o sob comando da gerência; a seleção rigorosa dos mais aptos para realizar as tarefas; a
fragmentação e hierarquização do trabalho. Investiu nos estudos de tempos e movimentos para melhorar
a eficiência do trabalhador e propôs que as atividades complexas fossem divididas em partes mais simples,
facilitando a racionalização e padronização. Propõem incentivos salariais e prêmios pressupondo que as
pessoas são motivadas exclusivamente por interesses salariais e materiais [...]”. (MATOS; PIRES, 2006, p.
2). “O fordismo – Utiliza os mesmos princípios desenvolvidos pelo taylorismo, porém trata-se de “uma
estratégia mais abrangente de organização da produção, que envolve extensa mecanização, como uso
de máquinas-ferramentas especializadas, linha de montagem e de esteira rolante e crescente divisão do
trabalho”. O modelo taylorista/fordista difundiu-se no mundo e influenciou fortemente todos os ramos
da produção” (MATOS; PIRES, 2006, p. 2).

a sustentabilidade da economia solidária 131


transformações significativas nos processos produtivos como forma de
adequação do capitalismo frente às alterações surgidas em quatro elementos
essenciais para a explosão da industrialização: “capital, os recursos naturais,
o mercado e a transformação agrária” (ARRUDA; PILETTI, 1996, p. 179).
Provocou, assim, uma reestruturação produtiva do capital concomitantemente
com transformações no mundo do trabalho (ANTUNES, 1995, p. 180).
Na medida em que se desenvolvem os modos de produção, o homem
é reduzido à servidão e colocado em uma situação de subalternidade e
miserabilidade frente às novas formas e potencialidades do mundo do
trabalho.

Por esta razão, se o trabalho é uma mercadoria, surge como mercadoria


da mais miserável espécie. Mas até segundo os princípios econômicos, ele
não é uma mercadoria, uma vez que não é o livre resultado de um mercado
livre. O sistema econômico atual ‘reduz ao mesmo tempo o preço e a
remuneração do trabalho, aperfeiçoa o trabalhador e degrada o homem’
(MARX, 2001, p. 78).

A extração da força de trabalho humano pela indústria travou-se de


maneira cruel perante as necessidades da classe trabalhadora. As condições
de vida e sobrevivência foram reduzidas à manutenção e conquistas do
capital. A característica fundamental desse momento é o descaso com que
foram tratados os trabalhadores e trabalhadoras. Essa indiferença foi tal, que
proporcionou o esgotamento das vidas que formavam o seu exército, sendo
que seu objetivo fundamentava-se na “posse por riqueza, não a felicidade
dos homens” (MARX, 2001, p. 78). A guerra estava declarada, de um lado os
donos do capital, de outro a classe trabalhadora.
Na esfera da organização da produção capitalista, é necessário
visualizar o modo traiçoeiro de desenvolvimento do capital por meio
da extração e exploração do trabalho, e como esse sistema se apresenta
perfidamente aos olhos dos trabalhadores que estão presos nas teias desse
explorador, o capitalismo.
Em nossa sociedade, a perversidade com que é tratada, segundo
Antunes (2008, p. 184), a “classe-que-vive-do-trabalho” expõe, de forma
objetiva, o que se pretende com o presente texto, ou seja, expressar a real
situação do trabalho como forma de exploração, pois o capitalista não
possui outro intuito que não o da lucratividade, a partir da heterogeneidade
da classe tabalhadora, classificando os trabalhadores em: qualificados e
desqualidicados, inserindo-os no mercado formal e, também, no informal
(ANTUNES, 2008).

132 a sustentabilidade da economia solidária


Além disso, as propriedades mecânicas e físicas, entre outras, o
desenrolar dos fios, o aprimoramento dos vapores, o investimento na base
técnica, por meio de investimentos em tecnologia e ciência, vão sendo
paulatinamente usados a favor do capital (ANTUNES; SILVA, 2010).
Evidenciando a questão pertinente a este capítulo, prossigamos em
conhecer elementos constitutivos do taylorismo e do fordismo – além de
explanar, posteriormente, o modelo toyotista – fundamentais para buscarmos
compreensão do momento histórico dos séculos XIX e XX, considerando-se
os novos princípios de organização do processo de trabalho (NOGUEIRA,
2004, p. 27).
O taylorismo fundamenta-se na base da separação entre as tarefas de
concepção e execução, fazendo com que os operários executem/participem
por meio de gestos elementares, ou seja, tenham pequena participação neste
processo.
A maquinaria, ao ocupar a maior parte dos espaços físicos nas
indústrias, coloca o trabalhador como mais um componente no processo
de produção. Isso está bem representado no filme Tempos Modernos,3 em
que um personagem, vivido por Charles Chaplin, mostra um trabalhador,
executando, como um autômato, movimentos repetitivos do trabalho
industrial como se ele fosse uma peça da máquina.
Esta automação segue seu rumo e inova sua forma dentro da
reprodução capitalista, tornando cada vez mais pesado o fardo do trabalho.
Este labor não tem seu fim nesse modelo taylorista, pois, em
decorrência das observações de Henry Ford, em 1913, após dez anos de
instalação da empresa que levava seu o nome, o fordismo desenvolveu-
se na base da produção e gerenciamento, adequando o antigo modo de
organização na produção capitalista – fordismo – às novas demandas
do mercado (NOGUEIRA, 2010, p. 28). Implementou, então, uma forma
de produzir, baseada na produção e gerenciamento e que se utiliza dos
“métodos do taylorismo (ou organização científica do trabalho) para a
indústria automobilística a fim de atender a um potencial consumo de
massas” (NOGUEIRA, 2010, p. 28).
Nesse momento de alteração no processo de trabalho, uma ideologia
acompanha seu grande senhor, o capital, com o objetivo de alcançar
mentes e corações para cederem ao impulso da “compra”, da “necessidade”
de possuir. Com investimento nos meios de produção e na agilidade do
maquinário inserido nesse processo de produção, faz-se necessário o
3
TEMPOS MODERNOS. Direção de Charlie Chaplin. Estados Unidos da América: Continental Home
Vídeo, 1936. (85 minutos), DVD, son. preto e branco.

a sustentabilidade da economia solidária 133


escoamento da mercadoria para alimentar o ciclo da lógica do capitalismo,
ou seja, garantir a lucratividade dos donos dos meios de produção.
Concomitantemente a esse panorama das mudanças no modo de
organização do trabalho, acontecia o ressurgimento, no fim dos anos de
1940 e início dos anos de 1950, de uma fábrica japonesa que se reerguia
dos escombros da Segunda Guerra Mundial. Essa empresa, de nome
Toyota, põe-se no mercado com alguns ajustes no padrão de produção. Sua
função fundamentava-se em uma produção enxuta, baseada no mínimo
de trabalhadores e de recursos, com um gerenciamento direcionado à alta
tecnologia (RIFKIN apud NOGUEIRA, 2010).
Para Taiichi Ohno (vice-presidente da Toyota), uma questão está
posta ao desenvolvimento da produção toyotista, baseada na pergunta
seguinte: “O que se pode fazer para elevar a produtividade quando as
quantidades não se elevam?”. Essa questão resulta do diagnóstico do
toyotismo frente ao fordismo, pois este não apresentava um modelo eficaz
diante do crescimento lento (NOGUEIRA, 2010, p. 31). Podemos, neste
momento, direcionarmo-nos a entender o sentido da palavra “lento”,
há pouco citada, ligando-o às crises no capitalismo. Crises ligadas ao
próprio desenvolvimento capitalista que possui, em sua realidade, fases de
prosperidade e fases de miséria e escassez.
Tais crises econômicas são inelimináveis “porque expressam o
caráter contraditório do MPC” – (modo de produção capitalista), como
aconteceu em 1970, na crise do petróleo e, posteriormente, advindo o
Welfare State4 (NETTO; BRÁZ, 2007, p. 163).
A cada queda, a cada crise, o capitalismo reinventa-se, reestrutura-se,
para explorar e até excluir os dominados, ou, de igual significado, os “não
proprietários”. Em meio a essas mudanças, uma constante se faz notar. Marx
(2001, p. 76) atenta para isso da seguinte maneira: “Conseqüentemente,
para viver, os que não são proprietários tornam-se obrigados a colocar-se
diretamente ou indiretamente a serviço dos proprietários, ou seja, tornam-se
dependentes”.
É essa dependência que tem tornado muitos trabalhadores escravos de
si mesmos pela submissão àqueles que detêm os meios de produção. Como
o trabalhador não participa do gerenciamento das inovações no âmbito da
4
A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de
alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir certa “harmonia” entre o avanço
das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que
significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de
vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e
excludente (GOMES, 2006).

134 a sustentabilidade da economia solidária


produção, organização, racionalização e automação do trabalho, sente-se
alienado, estranhando o produto final de seu trabalho.
Tais transformações nos séculos XX e XXI apresentam novos arranjos
econômicos, políticos e sociais. O mundo do trabalho do presente século
configura-se como global, como global também se tornou o capitalismo
(IANNI, 1996). A realidade do trabalhador muda conforme os arranjos
econômicos mundiais, em função do capitalismo.
Ainda de acordo com o mesmo autor, o trabalho apresenta-se em uma
nova divisão internacional do trabalho e produção, atingindo a disposição e
a dinâmica das forças produtivas, afetando, também, o arranjo e a atividade
da classe operária.
A globalização transformou o mundo em uma máquina de produzir
mercadorias, e, nesse meio, a força de trabalho passa a ser comercializada
internacionalmente, perdendo suas características regionais, pois não se
sente parte de um grupo, região ou nação, já que passa a migrar em busca de
trabalho e sobrevivência.
Em busca de sobrevivência, o homem tem se colocado à disposição
do capitalismo que direciona o mundo com uma finalidade: a de manter-se
em vigor. Diante da crise econômica que atinge o mundo do trabalho, isso
é intrínseco ao capitalismo, compreende-se que, “sua intensidade e agudeza
devem-se ao fato de que, simultaneamente, atingiu a materialidade e a
subjetividade do ser-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2008, p. 166).
Ao mesmo tempo em que se constrói um olhar positivo em volta da
globalização e mundialização, no qual a mídia tem um papel fundamental
na aceitação da “união mundial” entre empresas multinacionais e todo o
tipo de organização que trabalhe no âmbito mundial, a classe trabalhadora
acaba por apropriar-se da parcela mais dura desse processo, a precarização
das condições de trabalho.
O mundo do trabalho globalizado, a internacionalização desse
trabalho, o enfraquecimento da organização dos trabalhadores, o movimento
migratório da classe trabalhadora em busca de sobrevivência, a acumulação
flexível, entre outros conceitos do mundo do trabalho presentes no século
XXI, tornam mais acentuados os problemas relacionados à contraditória
sociedade capitalista.
Com isso, ocorreu uma integração do capital de forma global, a
mundialização do capital. Nesse momento, o processo de reestruturação
produtiva surge como uma ofensiva do capital na produção (SILVA;
ENGLER, 2004, p. 3). Essa “reestruturação” impele ao trabalho, com

a sustentabilidade da economia solidária 135


recrutamento de trabalhadores e trabalhadoras que estejam “disponíveis”, e/
ou a mercê da exploração realizada por meio do mundo do trabalho, agora
entendido como trabalho flexível, em que as relações acontecem de forma
distante, ao ponto de a classe trabalhadora desconhecer a figura do patrão e
os vínculos antes usados pelo capitalismo na esfera do trabalho.
Diante desse forma flexibilizada, uma das mudanças mais perceptíveis
é o aumento siginificativo do trabalho feminino, sendo articulação entre
relação de classe e entre gênero.
A exploração do trabalho feminino e a apropriação do mesmo pelo
capitalismo requerem melhor atenção, uma vez que, essa relação tende a
ser perigosa, frente à exploração ainda maior e melhor arquitetada pelos
arranjos capitalistas na esfera do mundo do trabalho.
Assim, o presente trabalho prossegue o estudo sobre o sistema
capitalista e sua relação de exploração, com a inclusão do aspecto da
reestruturação do capital, focalizando suas raízes e o envolvimento destas
com o trabalho feminino, sendo esse mais um nicho de exploração do
capitalismo.

Trabalho feminino no contexto da reestruturação produtiva e economia


solidária

É no cenário desenvolvido pelo trabalho que as diferenças tomam


dimensões significativas, apontando os obstáculos e, ao mesmo tempo,
fortalecendo as lutas femininas ao ponto em que busca desafiar os limites
sociais e morais aplicados a esta temática, envolvendo duas proposições
indispensáveis para a presente reflexão: as relações sociais de gênero e a
divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 1992).
Essa base material, citada por Kergoat (1992), como divisão sexual
do trabalho, serviu para mostrar as diferenças entre os sexos, sinalizando
para a referência sexuada existente nas relações entre os dois grupos:
homens e mulheres. No tocante ao envolvimento de homens e mulheres no
mundo do trabalho, há um tensionamento entre as relações preexistentes,
como a aquisição do feminismo, o que se constitui como problemática da
predestinação biológica.
Mesmo que haja transformações e alterações entre as categorias de
sexo, a realidade do trabalho continua envolvendo-os como sujeitos com
diferentes atribuições para a realização de tarefas. Isso porque “a divisão
sexual do trabalho está no centro (no coração) do poder que os homens

136 a sustentabilidade da economia solidária


exercem sobre as mulheres” (KERGOAT, 1992, p. 20).
Por tempos, conforme a mesma autora, a invisibilidade da mulher
na sociedade foi garantida por arranjos entre as relações sociais de sexo,
estando intrinsecamente ligada à divisão sexual do trabalho, direcionando
a aceitação do domínio do homem sobre a mulher, além de mostrar que a
distância entre os grupos de sexo continua intransponível.
Mas, no decorrer do tempo, alguns estudos começam a notar essa
passagem encoberta pelo véu da submissão feminina e, no tocante a isso,
desvelam-se algumas ocorrências que fazem ligação com essa invisibilidade.
É por meio do movimento histórico em torno do trabalho e do
trabalho feminino que os contornos entre as categorias homem e mulher
se desenham de forma peculiar por meio das consecutivas mudanças
econômicas sofridas pela reestruturação do capital. Assim, o capitalismo
se desenvolve e se organiza dando respostas a qualquer tipo de ameaça
(crise) que venha impedir a obtenção do lucro e, com isso, venham romper
a continuidade do processo inerente a esse modo de produção. O capital
se reestrutura e, se necessário for, reestrutura as forças produtivas. Nisso, a
reestruturação produtiva envolve “a recuperação do ciclo de reprodução do
capital” (ANTUNES, 2008, p. 178).
Para o capital, a divisão sexual do trabalho é uma importante
ferramenta para manter a separação não somente entre classes, mas também
entre os sexos. Assim, a divisão sexual do trabalho propicia menores salários
às mulheres por entender que o homem tem como predestinação a esfera da
produção (da subsistência econômica) e a mulher, a esfera do doméstico, ou
seja, a esfera da reprodução (FARIA; NOBRE, 1997, p. 12-13). Diante de tal
desigualdade, o mundo do trabalho capitalista apoia-se em mais um meio
de divisão social e econômica. Essa realidade dá lugar à divisão sexual do
trabalho.
Cabe ressaltar, neste momento, as questões ligadas à “permissão”
concedida pela sociedade diante da distribuição dos papéis entre os sexos.
O que precede essa “permissão” são noções do que cabe ou não às mulheres
ou aos homens realizarem, seja no âmbito familiar ou no âmbito do trabalho
remunerado. Uma das questões mais polêmicas são as tarefas da mulher
dentro de casa, voltadas para o trabalho doméstico, educação dos filhos,
entre outros afazeres, que não tem espaço, na maioria das vezes, para serem
revistos caso a mulher passe a ocupar uma função remunerada fora do
ambiente familiar. “Todavia, esta ‘permissão’ só se legitima verdadeiramente
quando a mulher precisa ganhar seu próprio sustento e o dos filhos ou ainda
complementar o salário do marido” (SAFFIOTI, 1987, p. 8).

a sustentabilidade da economia solidária 137


O esforço feminino para conciliar o espaço público e o espaço
doméstico remete a um esforço no sentido de quebra de paradigmas, pois
o trabalho realizado por mulheres, em muitos casos, tem se tornado uma
extensão do doméstico para o público.
Segundo Faria e Nobre (1997, p. 13), “No caso das mulheres, a tentativa
é sempre de considerar o trabalho realizado fora de casa como uma extensão
do seu papel de mãe”.
A divisão sexual do trabalho, segundo Kergoat (2003, p. 21), “É a
forma da divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo;
esta forma é adaptada historicamente e a cada sociedade”. E diante desse
arranjo social, as mulheres, quando inseridas no mundo do trabalho, sofrem
as consequências que podem ser vistas por meio dos baixos salários, dos
cargos de “menor” responsabilidade, ou seja, uma diferenciação entre os
sexos.
Fica claro que isso está diretamente ligado à “distribuição diferencial
entre homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões
[...]” (HIRATA; KERGOAT, 2008, p. 263). Desta forma, a exploração
entendida como inerente ao capitalismo também se apresenta, por meio dele,
relacionada às diferenças entre os sexos. Desse modo, a mulher acaba sendo
uma parte da classe trabalhadora que se encontra em uma posição inferior à
dos homens, sofrendo, com isso, uma exploração ainda maior, pois, seja qual
for o espaço de trabalho, há uma resistência ao papel da mulher quando feita
a distribuição das tarefas com um olhar voltado para conceitos patriarcais
nos quais se verifica uma sublimação do gênero masculino, ou seja, ao
poder atribuído ao homem pelo simples fato de ser homem. Essa imagem
do poder do macho deriva da construção, ao longo da história, decorrente
da chefia masculina desenvolvida na instituição social familiar, em que o
masculino se destaca no núcleo decisório, encaixando-se perfeitamente ao
perfil encontrado nas sociedades patriarcais.
As diferenças acabam sendo sombras que perpassam o campo da
divisão sexual do trabalho por meio de conceitos que reforçam as diferenças
estereotipadas, como a de que o trabalhador seja masculino, qualificado e
branco, a exclusão feminina de qualquer ramo de trabalho, que não seja
aquele predeterminado “naturalmente” (HIRATA; KERGOAT, 2008, p. 264).
Com as mudanças no modo econômico, as relações sociais se
modificam. Novos contornos e conflitos passam a configurar o movimento
histórico na contemporaneidade.
Por envolver o conjunto de relações interpessoais que se constitui em
uma sociedade, faz-se necessário um esforço para compreender que cada

138 a sustentabilidade da economia solidária


uma tem seu próprio modelo e segue as regras singulares no interior das
relações sociais, referentes à articulação pela qual escolhem e elegem seus
valores. Deste modo, o que antes era concebido como papel exclusivo do
homem, como trabalhar para manter o sustento familiar, questão ligada ao
modelo patriarcal, no qual o provedor deve ser a figura masculina, passa a ser
reconhecido em um novo formato. A mulher passa a trabalhar fora e ajudar,
quando não, a manter de forma direta o sustento familiar (SAFFIOTI, 1987,
p. 8). Este formato é visto claramente na contemporaneidade. A atuação da
mulher no mundo do trabalho e seu papel na família deixam uma marca
histórica em meados do século XXI (FRAISSE; PERROT, 1991, p. 9).
Percebemos que a família não possui mais um caráter essencialmente
patriarcal, também não é entendida apenas nos moldes do “tradicional”,
indicando uma família nuclear, com filhos, tendo o homem como provedor
e a mulher exercendo o papel específico de dona de casa. Mesmo com claras
evidências da mudança desse modelo patriarcal e/ou tradicional, no que se
referem ao mundo do trabalho, as diferenças entre os gêneros não foram
excluídas.
Essa perceptível mudança social gera um esforço, por parte do gênero
feminino, em buscar espaço e reconhecimento, pois, biologicamente, não
se justificam as diferenças entre homem e mulher existentes no mundo do
trabalho.
A mulher começa a se desenvolver conforme as demandas da realidade,
expressas nas principais transformações sociais, como a Revolução Industrial,
que traz alterações na esfera econômica. Isso acaba por obrigar a mulher
a moldar-se à realidade em que submerge. Portanto, “O tipo fundamental
da mulher está em relação direta com o grau histórico de desenvolvimento
econômico por que atravessa a humanidade” (KOLONTAY, 1968, p. 7).
O trabalho feminino tem-se mostrado, por meio de estatísticas
otimistas, que muitas mulheres conseguiram alcançar lugar no mundo do
trabalho, rompendo com predeterminações estabelecidas e limites impostos
pela sociedade decorrentes das diferenças entre os sexos. No entanto, se
sairmos da exceção teremos a regra: para a maioria das mulheres a situação
permanece a mesma. E essas mulheres que alternativa teriam?
Nesse sentido, a economia solidária vem ao encontro do tema “trabalho
feminino” aqui proposto. É o modelo de economia que tem demonstrado
critérios que buscam proporcionar um espaço de debate, discussão e prática
da referida igualdade de direitos entre os sexos, valorizando o humano,
respeitando seus limites e necessidades. Identifica, assim, na trajetória das

a sustentabilidade da economia solidária 139


mulheres no mundo do trabalho, uma forma de trabalho que ofereça espaço
para a diversidade e que proponha um espaço de trabalho em que todos
os trabalhadores e trabalhadoras sejam tratados sem discriminação, sem
exploração, reunindo as pessoas ao invés de excluí-las.
Perante as considerações até aqui exploradas a respeito do trabalho e
do trabalho feminino, a situação constatada é a de exploração e desigualdade
ligada às condições impostas por determinadas sociedades, entre elas, e
enfaticamente, a capitalista, na qual homens e mulheres disputam. No campo
da identidade social, das atividades econômicas e do reconhecimento como
ser humano, faz-se necessária uma alternativa que proporcione igualdade
de trabalho, de salário etc., e, principalmente, igualdade de tratamento e de
direitos entre os sexos.
É no tocante à oposição capital/trabalho, em vigor no capitalismo,
que se vislumbra um potencial espaço para a convivência de trabalhadores
e trabalhadoras que queiram estabelecer suas relações de trabalho em um
alicerce que preestabeleça um processo de autogestão, de solidariedade, de
cooperação e que execute suas atividades de forma economicamente justa.

Algumas notas sobre economia solidária

A economia solidária5 inventada por operários, no início do


capitalismo industrial, surge como resposta à situação de pobreza e miséria,
o que pode ser considerada como resultado da propagação desenfreada das
máquinas-ferramentas e do motor a vapor, no início do século XIX.
Ela se estabelece na base da cooperação, autogestão, dimensão
econômica e solidariedade. Sua origem está na união dos trabalhadores
no embate contra o capitalismo, uma vez que o capital se serve da classe
trabalhadora e, quando não precisa mais dela, simplesmente a dispensa, fato
acontecido na primeira Revolução Industrial (SINGER, 2010).
Diante dessa condição da precariedade vivida pela classe trabalhadora,
surge no século XIX um industrial chamado Robert Owen, que demonstrava
interessar-se pela condição precária em que viviam os trabalhadores e
trabalhadoras das fábricas. Robert Owen era “proprietário de um imenso
complexo têxtil em New Lanark”, e decidiu “limitar a jornada e proibir o
emprego de crianças, para as quais ergueu escolas” (SINGER, 2010, p. 24-
25).
5
Definição disponível em: <http://www.uff.br/incubadoraecosol/docs/ecosolv2.pdf>. Acesso em: 11 dez.
2011.

140 a sustentabilidade da economia solidária


Este tratamento, ao contrário do capitalismo opressor, resultou em
“maior produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante
lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento” (SINGER, 2010, p.
25). Esta posição contrária ao capitalismo resultou em grande popularidade,
de tal maneira que suas ideias se propagaram, alcançando trabalhadores e
trabalhadoras por toda a parte. Diante do cenário pós Revolução Francesa,
como resultado de um diagnótico, constatou que havia a necessidade de
reinserir os trabalhadores ociosos na produção, o que ampliaria o mercado
para outros produtores frente a uma realidade econômica de profunda
depressão.
Ainda, de acordo com o mesmo autor, suas ideias de oferecer mais
recursos aos pobres não foram bem aceitas, pois elas sinalizavam uma
mudança radical do sistema econômico vigente, ou seja, uma abolição da
empresa lucrativa capitalista. Após várias tentativas, Robert Owen decidiu
criar uma cooperativa que se estabeleceu em New Harmony, em 1825.
A história segue mostrando o surgimento de outras cooperativas que
foram assumidas “pelo crescente movimento sindical e cooperativo da classe
trabalhadora” (SINGER, 2010, p. 28).
Essa iniciativa, mais as ideias socialistas do século XIX, pregavam
contra a ditadura do capital, que envolvia as mais variadas formas de
submissão e exploração da classe trabalhadora, como, por exemplo, o
“salário fixo e a obediência irrestrita do trabalhador” às ordens dos donos
do capital, dentre outras formas, resultou no fortalecimento e incentivo dos
trabalhadores(as) contra a proposta societal do capitalismo (REFUNDINI,
2006, p. 26).
Como exemplo desse fortalecimento, vale citar a Corporação
Cooperativa de Mondragón, que “tem sua origem na pequena cidade basca
de Mondragón, ao Norte da Espanha, em 1956”. A iniciativa de criação partiu
de “José Maria Arizmendiarreta, mais conhecido como padre Arizmendi”
(SINGER, 2010, p. 99).
É nessa situação de luta que a economia solidária chega aos
trabalhadores a fim de oferecer-lhes dignidade por meio do trabalho.
A economia solidária no Brasil começa no século XX por meio do
cooperativismo de produção.6 Os trabalhadores unem-se em cooperativas a
fim realizarem seu próprio negócio. Hoje, o Brasil, como qualquer outro país,
vive a “era da globalização e da tecnologia”, envolvendo uma reestruturação
6
Cooperativismo de produção é o meio do qual os empregados passam a possuir seus próprios negócios
como uma alternativa às altas taxas de desemprego (LIMA, 2010, p. 74-75).

a sustentabilidade da economia solidária 141


produtiva e desencadeando o desemprego e, com isso, os excluídos do
mundo do trabalho (LIMA, 2010, p. 75).
É neste cenário de crise econômica que a economia solidária se
apresenta como forma de resposta à sociedade. Essa crise envolve desemprego
e exclusão social. O desenvolvimento do Brasil dá-se pela adaptação ao
sistema econômico vigente – o capitalismo, que empurrou o país a perseguir
a industrialização. A partir da busca pelo desenvolvimento industrial,
muitas políticas públicas foram implementadas para que o processo de
industrialização acontecesse. Isso resultou em uma concentração de riqueza,
firmando o distanciamento entre classes sociais, além de aumentar o
contingente “considerável de miseráveis” (LIMA, 2010, p. 75).
E diante da busca pela sobrevivência, homens e mulheres, trabalhadores
e trabalhadoras, colocam-se em meio às lutas direcionadas à conquista de
espaço político que viabilize condições para que essa economia, que preza
pela solidariedade, pela produção e consumo baseados na cooperação,
além de proporcionar satisfação e valorização dos seres humanos, continue
servindo como canal para relações de trabalho que se diferem do capitalismo,
além de ser uma resposta às expectativas e aos movimentos sociais.
Exemplo disso é o Brasil, que se engajou nas pespectivas da economia
solidária a partir do Fórum Mundial Social que “já a partir da primeira
edição fomentou o debate e permitiu a articulação com organizações
internacionais”, representando um “poderoso instrumento contra a exclusão
social” (FÓRUM MUNDIAL SOCIAL, 2005).
No que se refere às respostas para essa economia, temos a seguinte
colocação: “Algumas políticas públicas foram desenhadas como resposta do
governo frente às expectativas sociais e políticas dos movimentos sociais”
(LIMA, 2010, p. 77). Assim, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária –
FBES,7 criado em junho de 2003, passou a ser interlocutor com a Secretaria
Nacional de Economia Solidária – SENAES,8 possibilitando que a economia
solidária se tornasse política pública em 2003. Ela foi criada no Ministério do
Trabalho e Renda, pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, instituída pelo
Decreto nº 4.764, de 24 de junho de 2003, sendo coordenada por Paul Singer
(LIMA, 2010, p. 79).
A fim de propciar a consolidação e desenvolvimento da economia
solidária no Brasil, outras ações acabam por se realizar, como a criação da
UNITRABALHO9 – Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisa sobre
7
Disponível em: <http://www.fbes.org.br/>. Acesso em: 26 out. 2011.
8
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/tca_contas_anuais/2006/senaes.asp>. Acesso em: 26 out. 2011.
9
Disponível em: <http://www.unitrabalho.org.br/>. Acesso em: 26 out. 2011.

142 a sustentabilidade da economia solidária


o Trabalho, além do CNES – Conselho Nacional de Economia Solidária,
que tem como finalidade atuar como “órgão consultivo e propositivo para a
interlocução permanente entre setores do governo e da sociedade civil que
atuam em prol da economia solidária” (LIMA, 2010, p. 82). No tocante à
participação das universidades nesse processo de conquistas, a economia
solidária conta com o envolvimento das chamadas ITCPS – Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares.
Diante de tantas entidades espalhadas pelo Brasil, o que se pretende é
capacitar os trabalhadores para que consigam vencer as dificuldades ainda
encontradas na economia solidária, como é o caso da luta reivindicatória
contra a decisão trazida pelo PL 865 de levar o Conselho Nacional de
Economia Solidária (CNES) e a Secretaria Nacional de Economia Solidária
(SENAES) para a Secretaria de Micro e Pequena Empresa. E no que diz
respeito às lutas da economia solidária juntamente com seus ideais, esse
projeto significa “um retrocesso nos avanços conquistados desde 2003,
pois também é fruto de um processo de elaboração sem a participação de
movimentos e redes de economia solidária” (ASSUNÇÃO, 2011).
Desta maneira, a economia solidária desenvolve-se com a preocupação
de não se tornar antagônica diante de seus princípios, prezando pelo
desenvolvimento por meio da participação social e democrática. Essa
participação tem unido trabalhadores e trabalhadoras, entidades de apoio,
parceiros, entidades governamentais e não governamentais, na discussão
sobre a necessidade da criação de uma lei para a economia solidária. Isso
porque,

Infelizmente, a lei brasileira traz muitas dificuldades para quem quer viver
da Economia Solidária, ainda mais se comparada às empresas capitalistas,
que vivem somente da exploração e do lucro. Isso acontece, principalmente,
por que o Estado Brasileiro não reconhece o direito ao trabalho associado
e às formas organizativas baseadas na Economia Solidária, dificultando o
acesso a financiamento público, assessoria técnica e divulgação na sociedade
(CIRANDAS, 2011).

Essa dificuldade em relação ao direito ao trabalho associado e a uma


Economia Solidária impulsiona milhares de pessoas pelo Brasil a lutarem pela
efetivação da Lei da Economia Solidária. Para isso, o “Conselho Nacional de
Economia Solidária, elaborou a proposta de Lei que cria a Política Nacional,
além do Sistema e o Fundo Nacionais de Economia Solidária” (CIRANDAS,
2011).

a sustentabilidade da economia solidária 143


Ressalta-se que também foi tomada a iniciativa por parte da
sociedade civil, presente no Conselho, em lançar uma campanha de coleta
de assinaturas que corresponda a 1% do eleitorado brasileiro, o que significa
uma meta de aproximadamente um milhão e trezentas e cinquenta mil
assinaturas. Objetiva-se, com isso, conseguir a aprovação de um Projeto de
Lei proveniente da iniciativa popular (CIRANDAS, 2011).
Desta forma, “A coleta de assinaturas pelo Projeto de Lei de Iniciativa
Popular é fundamental para garantir e pressionar a aprovação de uma Política
Nacional que atenda às necessidades desta outra economia” (CIRANDAS,
2011).
Posto isso, será propiciado aos trabalhadores(as) que desenvolvem suas
atividades na perspectiva da ECOSOL, melhores condições de articulação e
manutenção dos empreendimentos, frente à falta de políticas permanentes
de apoio e fortalecimento da economia solidária.
É nessa situação de luta que a economia solidária chega aos
trabalhadores a fim de oferecer-lhes dignidade por meio do trabalho, oferecer
espaço e condições possíveis de trabalho a trabalhadores(as). Perante isso, o
trabalho feminino e economia solidária, tema abordado no próximo item,
apresentam uma realidade importante, que pode ser analisada por meio
da pesquisa realizada na Incubadora Tecnológica de Empreendimentos
solidários – INTES/UEL.

Trabalho feminino e economia solidária

As inquietações sobre a relação do trabalho feminino e a economia


solidária têm sido alvo de vários estudos e reflexões de diferentes origens e
abordagens. Nesta trilha, ao privilegiar a trajetória das mulheres no mundo
do trabalho e sua participação em empreendimentos solidários (STÁBILE,
2011), procurou-se contribuir com as reflexões teórico-práticas sobre os
empreendimentos10 assessorados pela INTES/UEL.
As mulheres sujeitas da pesquisa, que fazem parte dos
empreendimentos, possuem idade entre 22 e 64 anos, são todas de
ascendência negra. Das quatro mulheres entrevistadas, três são casadas e
uma viúva. A maioria das sujeitas entrevistadas possuem diferentes graus de

10
São eles: o grupo AMAR – Associação de Mulheres Artesãs em Reciclagem, desde 2005, que tem como
principais produtos: agenda, blocos de notas, marca página, pastas e cartões; o grupo Mão na Terra,
formado desde 2008, que cultiva hortaliças sem agrotóxicos.

144 a sustentabilidade da economia solidária


escolaridade, ou seja, expressam em suas trajetórias momentos diferentes,
que envolvem as concessões e permissões relacionadas à participação das
mulheres na sociedade, apresentando, com isso, uma variedade referente à
escolaridade (SCHWEITZER, 2008, p. 371).
Dentre as quantro entrevistadas, duas recebem benefício social e duas
dependem totalmente do empreendimento solidário para obtenção da renda.
Diante das políticas desenvolvidas pelo Estado para atender as famílias de
baixa renda, pode-se perceber que existe a necessidade do aumento dessa
renda, pois ela é insuficiente diante da situação de vulnerabilidade das
famílias empobrecidas (STÁBILE, 2011).
Nas trajetórias dessas mulheres vislumbra-se o encontro de diversas
formas de exclusão da sociedade capitalista: são mulheres, negras e pobres.
Sua participação na vida cultural e social é limitada por essas variáveis e
indicam a necessidade de buscar meios para sobreviver e conviver no mundo
capitalista.
Outro ponto importante é a maneira como a economia solidária vai
ao encontro das necessidades dessas mulheres, uma vez que cada uma delas,
com suas particularidades e necessidades, acaba por precisar de um trabalho
que promova melhores condições para si mesma, atendendo a situações
que necessitam ser intermediadas entre esse trabalho com o cuidado com
a família. Essa é outra faceta que indica um aspecto perverso da condição
feminina e o mundo do trabalho. Se é pelo trabalho que a mulher poderá
conquistar sua autonomia (SAFIOTTI, 1987), como advoga, por outro lado,
o confinamento doméstico e a perpetuação da figura feminina no campo dos
cuidados com o lar e com a família impedem ou tornam muito mais difícil
sua participação e disputa por postos de trabalhos capitalistas? Questões
como arranjos familiares, que configuram famílias mais numerosas e
diversificadas, tendem a aumentar o volume de tarefas do “cuidado” com
seus membros (asseio da casa, alimentação, escola das crianças, cuidados
especiais com os idosos etc), e isso tem um forte impacto na organização e
possibilidades da vida da mulher.
Desta maneira, ao ter como um dos pilares do desenvolvimento da
economia solidária a valorização do ser humano, tem-se possibilitado a
muitas famílias a manutenção de sua sobrevivência e, com isso, incentivado
a maioria das mulheres a participarem de algum tipo de organização
coletiva. A economia solidária busca a renda, mas entende que deve ser mais
do que isso. Assim, desenvolve-se por meio de um novo jeito de produzir
e viver, valorizando e reconhecendo a capacidade de homens e mulheres,

a sustentabilidade da economia solidária 145


fortalecendo uma maior participação na vida social, pelo trabalho e além do
trabalho.
No caso das mulheres, o trabalho significou a possibilidade de alargar
seus horizontes em relação a participação social e política, como o fato
de poderem ir a uma reunião de bairro, ou em uma reunião do próprio
empreendimento, participar de cursos e visitas técnicas, além de conhecer
e conversar com outras pessoas etc., levando-as para fora do confinamento
doméstico.
Quanto à relação das mulheres com o trabalho, as quatro participantes
a expressam de diferentes formas, sendo perceptível quando dizem que
o trabalho na economia solidária é um “estímulo de vida. Diante disso,
pode-se notar que a função do trabalho para as entrevistadas está posta
para realização e satisfação do ser humano. E, nesta perspectiva, entende-
se que o trabalho é algo que se expressa e vai além da transformação da
natureza. Conforme Marx (2001, p. 78), “O trabalho é vida, e se a vida não
for todos os dias permutada por alimento, depressa sofre danos e morre”.
Outro ponto relevante encontrado nas trajetórias das mulheres é a idade
com que cada uma das entrevistadas ingressou no mundo do trabalho,
sendo uma com oito anos, outra com nove e duas com dezessete anos. Essa
necessidade de iniciar as atividades laborais tão precocemente está ligada
ao fato de a classe trabalhadora não receber salários justos e compatíveis
com a suas necessidades, tendo que buscar alternativas para suprir carências
dessa injusta relação de trabalho. Nesse sentido, o trabalho infantil foi se
cristalizando como uma forma de complementar a renda familiar, além
da perspectiva de educação para o trabalho, em que as famílias entendiam
que trabalhar era um caminho para que a criança se tornasse um “bom
adulto” – ideia ainda muito presente em nossos dias de hoje. Todavia, nos
momentos mais difícieis, nos momentos de crise do capital, “é evidente que
seus impactos atingem diferentemente as classes sociais; não há custo para
todos: os trabalhadores sempre pagam o preço mais alto” (NETTO; BRÁZ,
2007, p. 163).
A respeito do trabalho com registro em carteira, três trabalharam com
carteira assinada e uma sem registro em carteira. As funções desempenhadas
por essas mulheres foram: uma como desportista, uma como diarista,
outra como agrigultora e outra realizando serviços gerais, entre as funções
a que mais se destacava era a de ficar na cozinha lavando louças. Essas
ocupações desvalorizadas socialmente podem ser comparadas ao fato de
os grupos AMAR e Mão na Terra serem 100% constituídos por mulheres
negras. De acordo com Faria e Nobre (1997, p. 11), “As mulheres negras, por

146 a sustentabilidade da economia solidária


exemplo, sempre trabalharam fora de casa, primeiro como escravas e depois
na prestação de serviços domésticos ou como vendedoras ambulantes,
circulando por muitos espaços públicos”.
A exclusão e exploração contidas no modo capitalista expressam-se
nas mais diferentes formas, sejam ligadas à desvalorização da mulher no
mundo do trabalho, sejam pela questão ligada à cor da pele. Tudo serve
como base para o capitalismo se apropriar e extrair dessas relações o lucro, o
que é endógeno a esse sistema econômico.
Em relação ao trabalho desenvolvido na economia solidaria foi
percebido que há diferença entre o trabalho exercido anteriormente e o
trabalho exercido nela.
O que mais se destacou nas falas das mulheres, foi a questão do
cumprimento de horário, feito de forma imposta, demonstrando ser um peso
às trabalhadoras, pois se veem em, na tão antiga denunciada dupla jornada
de trabalho. Diante disso, expressam-se compromissos relacionados ao papel
da mulher, já descritos anteriormente, como o cuidado com a família, com
os filhos, alimentação, limpeza e manutenção da casa.
O capitalismo se expressa por meio da opressão com que trata seus
trabalhadores, impondo suas regras, horários, metas etc., a fim de melhorar
o rendimento e a lucratividade. Esse melhorar o rendimento implica na
extração de mais força de trabalho, sem que haja um aumento do número
de trabalhadores. No capitalismo o que se entende “[...] é que o trabalho
pressupõe a autoridade incondicional do capitalista sobre seres humanos
transformados em simples membros de um mecanismo global que a ele
pertence[...]” (MARX, 1983, p. 280).
E diante disso, a economia solidária se contrapõe ao pretender
a valorização do humano e estende-se a questão ligada à flexibilidade do
horário, permitindo e pactuando com uma forma de trabalho sem exploração
entre os diferentes trabalhadores e trabalhadoras.
Desta maneira, trabalhar em um empreendimento solidário, apresenta
valores, como a capacidade do ser humano de trabalhar e se sentir como
cidadão. Em outras falas descritas por essas mulheres, elas afirmaram que
esse tipo de trabalho “não traz estresse” como era no trabalho anterior
realizado fora da perspectiva da economia solidária. Sinaliza com isso,
que outra relação de trabalho pode ser desenvolvida, fugindo do molde do
capitalismo, oferecendo maior liberdade ao trabalhador (STÁBILE, 2011).
Além disso, puderam ser percebidas as relações de amizade. Essas
relações evidenciam laços que unem as trabalhadoras, reforçando um dos
pilares do desenvolvimento da economia solidária que é a possubilidade de

a sustentabilidade da economia solidária 147


uma nova forma de sociabilidade, possibilitando que o trabalho aconteça
sem que os trabalhadores sejam tratados como uma extensão da máquina
ou apenas mais uma mercadoria que esteja disponível no mercado para ser
vendida. No modo de produção capitalista, “O homem não passa de simples
trabalhador e, como trabalhador, as suas qualidades humanas existem apenas
para o capital, que é para ele estranho” (MARX, 2001, p. 123).
Deste modo, a insatisfação das mulheres empreendedoras frente
à opressão do capitalismo, exposta por elas pela rigidez referente ao
cumprimento dos horários de trabalho, ao estresse causado das metas,
regras e condicionamentos, fundamenta a conclusão de que o capital não
conhece seus trabalhadores e, além disso, seu objetivo não abre espaço para
que tais considerações, como a valorização do humano, tenham vez diante
da exploração necessária à sustentação do atual modo de produção que se
fundamenta na obtenção do lucro por meio da apropriação do trabalho
alheio.

Considerações finais

Ao trazer para as reflexões a temática do trabalho feminino e economia


solidária, por intermédio das trajetórias das mulheres que trabalham em
empreendimentos de economia solidária assessorados pela INTES, pode-
se indicar que as conexões do feminino com a economia solidária são
multifatoriais. As mulheres pesquisadas apresentram as mesmas dificuldades
durante suas trajetórias, como a de inserir-se precocemente no mundo do
trabalho e manterem-se na idade adulta em empregos precários e numa
permanente tensão entre o confinamento doméstico e o trabalho remunerado.
Desta forma, o trabalho na economia solidária só tem se tornado possível por
conta da sua flexibilidade referente à realização do trabalho. Sendo assim,
proporciona que as mulheres continuem inseridas no mundo do trabalho, de
modo a se identificarem com a proposta da economia solidária por meio das
próprias experiências nos empreendimentos, expressas por suas trajetórias.
Notou-se existência e persistência de possibilidades e dificuldades
relacionadas ao trabalho feminino, baixo salário, má qualificação, empregos
precários, dupla jornada de trabalho etc., e que, reforçam as características
que destacam a situação de exclusão das mulheres, causada por fatores
como baixa escolaridade, não disponibilidade de tempo em contraposição
ao tempo rígido do mercado de trabalho formal, ou, ainda, devido a
responsabilidade quanto aos cuidados com os filhos e família. Tal situação

148 a sustentabilidade da economia solidária


contribui no envolvimento das mulheres na execução do trabalho em uma
perspectiva diferente da vivida na capitalista. Essa posição foi determinante
ao conhecerem a proposta da economia solidária por intermédio da
assessoria da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários –
INTES, que propõe um trabalho coletivo, autogestionário, solidário, e tem
como premissa a valorização do humano.
A proposta da economia solidária, proporcionou a saída do
confinamento atrelado aos afazeres domésticos, superando também a
condição do desemprego e renda, por conseguinte, possibilitando executar o
trabalho sem ter que omitir alguma responsabilidade familiar, o que implica
outra consideração relacionada ao papel da mulher na sociedade, ou seja, a
mulher ainda possui a responsabilidade referente aos cuidados da família,
atribuindo seu valor ao ambiente privado do lar.
Referente às condições existentes na economia solidária, destacou-
se a liberdade para fazer o próprio horário de trabalho e cumplicidade por
meio do trabalho coletivo, motivando a criatividade no desenvolvimento
das tarefas. A participação das mulheres nos empreendimentos solidários
mostrou-se como uma possibilidade de atender necessidades subjetivas
relacionadas a recuperação da autoestima, no companheirismo entre as
trabalhadoras e na cooperação diante das tarefas e das dificuldades. Outro
ponto importante percebido nas falas das mulheres indicou maior satisfação
ligada ao caráter subjetivo do trabalho na ECOSOL, do que propriamente
ligada à renda, que varia entre cento e cinquenta a trezentos reais por mês,
conforme o número de encomendas. Tal constatação indica uma premissa
intrigante que se sobrepõe à renda, tão importante para a manutenção
da vida, mas também como fonte de status e lugar social, e outros valores
ligados à subjetividade humana. Não é pretensão deste estudo responder a
essa questão, mas sinaliza novos objetos para reflexões futuras na exploração
da relação do trabalho feminino com a economia solidária.

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a sustentabilidade da economia solidária 151


EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
NA CIDADE DE LONDRINA–PR E SUAS
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO

Jéliton Lafaede Pimenta


Luis Miguel Luzio dos Santos
Bernardo Carlos S C M de Oliveira

Introdução

A lógica empresarial, desde a Revolução Industrial, busca a


maximização dos lucros e o aumento progressivo do mercado, o que gera
um descompasso com as necessidades coletivas e o equilíbrio sistêmico da
sociedade. A visão imediatista centrada em pressupostos individualistas vem
atingindo consequências desastrosas para o todo social, com a polarização
entre ricos e pobres, a exclusão e a pobreza, além da subserviência do Estado
aos interesses mercantis privados.
Mesmo com a expansão da produção e a ampliação do mercado
mundial, nem toda força de trabalho consegue ser absorvida, gerando-
se, assim, um contingente cada vez mais numeroso de desempregados
estruturais, que, diferentemente das causas provocadas pelas habituais
oscilações econômicas, não veem perspectivas de recolocação, já que não
são mais necessários. Este quadro é resultado de novos processos produtivos
e principalmente do uso intensivo de novas tecnologias que eliminam a
necessidade de mão de obra e condenam milhões à total exclusão social.
Em função da incapacidade de inclusão de toda a força produtiva
no sistema capitalista, novas modalidades organizacionais surgem como
resposta, propondo-se a oferecer alternativas viáveis ao sistema hegemônico.
Nesse cenário pouco auspicioso, emerge a Economia Solidária como
uma alternativa socioeconômica democrática, sustentável e solidária,
contrariando a lógica tradicional dos empreendimentos capitalistas em
que predomina a hierarquia rígida e as relações de poder centralizadas que
proporcionam resultados assimétricos, contribuindo para uma sociedade
dividida e empobrecida em elementos de sociabilidade.
Num processo de inversão de prioridades, os empreendimentos de
ES vêm com a proposta de submeterem os interesses econômicos à inclusão
social, à justiça distributiva, à democratização das relações e à busca de

a sustentabilidade da economia solidária 153


níveis superiores de participação e sociabilidade. Há, no entanto, diversas
dificuldades para consolidar tais empreendimentos, pois, em muitas das
vezes, não existem ferramentas administrativas apropriadas, limitando-
se a ações contingenciais, desestruturadas e distantes de uma perspectiva
estratégica consistente. Sendo o objetivo central do presente estudo a análise
do posicionamento estratégico dos empreendimentos de ES da cidade de
Londrina.
Para o levantamento das informações necessárias à análise em
torno da posição estratégica das organizações de ES, foram selecionados
6 empreendimentos atuantes na cidade de Londrina-PR, 4 destes fazem
parte do Centro Público de Economia Solidária (CEPES), 1 está integrado
à Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária
(INTES) da Universidade Estadual de Londrina, e, por último, foi contemplada
a Cooperativa de Reciclagem de Resíduos Sólidos (COOPERSIL). Cada uma
destas iniciativas apresentam singularidades, o que permite uma análise
mais consistente em relação às opções estratégicas assumidas, vislumbrando
potencialidades e limitações para estes empreendimentos, considerando o
contexto em que estão inseridos.

Fundamentação teórica

Problemática social

O sistema capitalista, predominante em toda esfera global, traz


consigo, entre outros, três graves questionamentos. O primeiro está
relacionado à intensificação da sua natureza, ou seja, a incessante busca pelo
acúmulo individual, conduzindo a processos de trabalho que resultam na
privação e na alienação do trabalhador. Ademais, as hierarquias estratificam
e condicionam os trabalhadores num processo que mistura engessamento
com adestramento e apatia.
O segundo problema diz respeito à agravação das desigualdades sociais
em todo o mundo. Nunca houve um montante de produção como o atual,
mas nunca houve tamanha injustiça no seu acesso. A riqueza encontra-se
num nível de concentração tamanha, que alguns bilionários detêm riquezas
superiores a de dezenas de nações em conjunto. Esse quadro repleto de
contrastes é visto pelas elites como natural, decorrentes do maior esforço e
talento de alguns e do descaso e preguiça de outros. Apoiam-se nessa lógica

154 a sustentabilidade da economia solidária


meritocrática em que se assistem a uma concorrência entre desiguais, na
qual se legitima e passa-se a aceitar a exclusão social.
Numa situação de exclusão, verifica-se uma acentuada privação de
recursos materiais e sociais, arrastando, conforme Fernandes (1995 apud
RODRIGUES et al. 2008, p. 65), “para fora ou para a periferia da sociedade
todos aqueles que não participam dos valores e das representações sociais
dominantes”. O excluído encontra-se fora dos universos materiais e
simbólicos, sofrendo a ação de uma espiral crescente de rejeição, que
culminará na incorporação de um sentimento de autoexclusão e de
incapacidade.
O terceiro questionamento é inerente à expansão do capitalismo
desregrado que põe em risco a própria sobrevivência física do planeta e da
sua população. Após explorar as riquezas naturais de maneira desenfreada e
acima da sua capacidade de regeneração, cria-se um embate entre consumo
ilimitado e recursos finitos. A natureza vem-se manifestando de diferentes
formas em todo o planeta, demonstrando a insustentabilidade do modelo de
desenvolvimento atual e a necessidade emergente de se conceberem novas
formas de produção, consumo e sociabilidade (CATTANI 2003, p. 10).

Economia Solidária

No século XIX, iniciaram-se as primeiras experiências de


desenvolvimento de novos modelos organizacionais coletivos com ambições
a se tornarem embriões de uma nova economia, passando estes a serem
conhecidos por “socialistas utópicos”. Estas iniciativas pioneiras tiveram
diferentes formatos, indo de cooperativas de consumo e de produção a
comunidades e aldeias cooperativas, as quais buscavam aliar uma nova
forma de produzir com uma convivência mais próxima, afetiva e integrada.
Tais experiências tiveram lugar em vários lugares do mundo, destacadamente
na Inglaterra, França e Estados Unidos (SINGER, 2002, p. 25-26). Porém,
muitas das iniciativas que surgiram como solidárias, foram-se submetendo
à lógica capitalista, perdendo suas características cooperativas, democráticas
e solidárias. Um dos casos mais notórios foi o das cooperativas de consumo,
as quais alcançaram tal importância na Europa, optando por assalariar seus
trabalhadores e administradores, separando capital e trabalho (SINGER
2002, p. 27).
Atualmente, assiste-se a um renascimento dos ideais que motivaram
a formação das primeiras cooperativas no século XIX e que ressurgem
diante das contradições abissais provocadas pelo modelo capitalista de

a sustentabilidade da economia solidária 155


corte neoliberal. Diante do exposto, surgem iniciativas de cooperativismo
popular, primeiramente como antídoto contra o desemprego, mas avançam
para um projeto mais ambicioso que tenta se afirmar como alternativa
socioeconômica.
Segundo Singer (2002, p. 86):

Mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento


de outros modos de produção porque é incapaz de inserir dentro de si toda
população economicamente ativa. A economia solidária cresce em função
das crises sociais que a competição cega dos capitais privados ocasiona
periodicamente em cada país. Mas ela só se viabiliza e se torna uma
alternativa real ao capitalismo quando a maioria da sociedade, que não é
proprietária de capital, se conscientiza de que é de seu interesse organizar a
produção de um modo em que os meios de produção sejam de todos os que
os utilizam para gerar o produto social.

De acordo com Singer (2002), Economia Solidária pode ser


definida como um sistema socioeconômico aberto, amparado nos valores
da cooperação e da solidariedade no intuito de atender às necessidades e
desejos materiais e de convivência, mediante mecanismos de democracia
participativa e de autogestão, visando à emancipação e o bem-estar
individual, comunitário, social e ambiental.
O avanço da ES no Brasil deve-se à junção de dois movimentos
específicos: o aparecimento de um enorme excedente de mão de obra e um
segundo movimento composto por um importante conjunto de militantes
sociais críticos e engajados na construção de alternativas de organização
social e laboral. Esta nova forma de organização e alternativa à economia
capitalista teve na Cáritas Brasileira, entidade ligada à Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), financiadora de milhares e pequenos projetos
destinados à geração de trabalho e renda para moradores das periferias
das metrópoles e da zona rural, um dos principais impulsionadores
(POCHMANN, 2004).
A década de 1990 foi marcada pela ascensão de iniciativas de ES de
diferentes matizes, muitas delas vinculadas a políticas públicas de geração
de trabalho e renda de forma cooperativa, com a finalidade de enfrentar
as danosas consequências do desemprego e da precarização do trabalho.
Neste mesmo período, passa a haver um expressivo envolvimento do
setor acadêmico com os movimentos da ES, destacadamente por meio
das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, que passaram a
incentivar e dar apoio a empreendimentos de natureza coletiva em diferentes
regiões do Brasil (POCHMANN, 2004).

156 a sustentabilidade da economia solidária


Em Londrina, a ES teve o seu início em 2003, impulsionada pelo
programa fome zero do governo federal, que tinha como pressuposto
acabar com a carência alimentar, mas também o desenvolvimento de
ações estruturantes que vislumbrassem a autonomia e a emancipação dos
envolvidos. Com base nessas premissas e em virtude de certa concordância
ideológica entre os governantes da esfera federal e municipal, o poder
público local se organizou e desenvolveu um programa que ia ao encontro
dos objetivos da esfera federal (NISHIMURA apud CRUZ; SANTOS 2010,
p. 154).
A consolidação da ES em Londrina passou a se manifestar de forma
mais incisiva a partir de 2005 com a criação do CEPES (Centro Público
de Economia Solidária) que trouxe visibilidade para os grupos produtivos
existentes e estimulou o desenvolvimento de novos (p.05). Paralelamente
a essa iniciativa pública, surgiram outras, como a INTES (Incubadora de
Empreendimentos de Economia solidária da Universidade Estadual de
Londrina), além da COOPERSIL (Cooperativa de Catadores de Materiais
Recicláveis de Londrina).

A importância da gestão estratégica na economia solidária

Pode-se dizer que estratégia trata-se de um enfoque sistemático que


define como as empresas se posicionam para se projetar em relação ao
futuro, considerando suas potencialidades e limitações. A estratégia propõe-
se a ser a principal norteadora das ações e direcionamentos assumidos pela
organização, numa perspectiva multidisciplinar e de longo prazo, atentando-
se para as reais necessidades e desejos do mercado, considerando as
vantagens já existentes ou possíveis de desenvolver e consciente das barreiras
a enfrentar (ANSOFF; MCDONNEL, 1993).
Entretanto, como aborda Oliveira (2005, p. 25), “[...] grande número de
empresas não tem ou não sabe quais são suas estratégias”. Esse planejamento
tem como propósito adotar medidas decisivas e, busca resultados na
condução de atitudes pró-ativas na gestão das organizações. (MINTZBERG,
1994) (p.05).
No nível organizacional, considera-se de fundamental importância a
elaboração de um planejamento estratégico, por se tratar do ponto de partida
para a adoção de modelos de estratégia em qualquer organização. Esse
planejamento tem como propósito adotar medidas decisivas e resultados na

a sustentabilidade da economia solidária 157


condução de atitudes pró-ativas na gestão das organizações (MINTZBERG,
1994 apud LIMA; SILVEIRA; TOMIELLO, 2005).
Uma metodologia para iniciar o processo de construção do
planejamento estratégico é proposta por Vasconcelos (1984), delineando a
espinha dorsal do planejamento: (1) Definição do negócio; (2) Definição da
missão; (3) Análise do ambiente; (4) Elaboração do plano contingencial; (5)
Definição da filosofia de atuação; (6) Definição das políticas; (7) Definição
dos objetivos e metas; (8) Formulação de estratégias; (9) Checagem da
consistência do plano; (10) Implementação. Tomando por base estes
métodos, as empresas de economia solidária poderiam, então, criar um
modelo próprio de análise conforme suas necessidades (p.06).
É fundamental a utilização de ferramentas que permitam realizar uma
boa análise da organização, bem como do ambiente no qual esta está inserida,
além de posicioná-la de forma adequada dentro do mercado escolhido para
atendimento da demanda. Em se tratando de empreendimentos solidários,
cuja energia motriz é a colaboração entre todos os trabalhadores, o uso
de modelos estratégicos convencionais parece não ser o mais adequado,
considerando as particularidades dessas organizações. Por outro lado,
há que se ter em mente que a realidade enfrentada pelas iniciativas de
ES, não pode desprezar certos instrumentos de gestão que demonstram
elevada potencialidade e efetividade de ação. Ainda que haja a necessidade
de adaptações para a aproximação das ferramentas tradicionais às
particularidades da ES, estas certamente servirão como importante alicerce
para o avanço da gestão dos empreendimentos solidários.
Muitos exemplos de gestão estratégica utilizados em empresas
tradicionais vêm sendo adaptados para o uso em empreendimentos
solidários (p.06).
Esta troca entre modelos econômicos tão distintos parece ser necessária,
pois, de certa forma, os produtos originados de empreendimentos solidários
ingressam no mesmo mercado das empresas capitalistas tradicionais, o que
obriga aquelas a alcançar níveis de efetividade próximos aos das empresas
em que impera a heterogestão.1
Nesse sentido, alguns esforços começam a surgir na tentativa de criar
instrumentos de gestão mais próximos à realidade dos empreendimentos
de ES. Particularmente, expõe-se abaixo a proposta de Luzio dos Santos

1
Singer (2002) ainda apresenta a diferença com relação ao modo de como as empresas são administradas.
Assim, a economia capitalista utiliza, normalmente, a heterogestão, que se baseia na administração
hierárquica com níveis sucessivos de autoridade. E a economia solidária se utiliza da autogestão, baseada
na administração democrática.

158 a sustentabilidade da economia solidária


(2010), no sentido de sistematizar as soluções estratégicas mais comuns aos
empreendimentos de ES e que apontam para possíveis vocações dentro desse
universo tão particular e ainda pouco explorado.

A estratégia na Economia Solidária

Como alternativas estratégicas adequadas à realidade dos


empreendimentos solidários, Luzio dos Santos (2010, p. 9) propõe, em seu
modelo, 04 estratégias básicas que tendem a expressar a grande maioria
das organizações de ES no Brasil. Ainda que não seja um modelo fechado e
definitivo, é um primeiro esforço no sentido de tentar entender os diferentes
posicionamentos assumidos por estas organizações, o seu potencial de
desenvolvimento e a capacidade de enfretamento das contingências
apresentadas dentro do contexto socioeconômico em que se propõem atuar.

Quadro 1: Modelo estratégico para empreendimento de Economia Solidária

Estratégias para Economia Solidária


A estratégia de integração ou convergência apoia-se na união de
empreendimentos individuais ou pequenas iniciativas dentro do
mesmo segmento de atividade, potencializando-se a capacidade
de produção e desenvolvimento, proporcionando sinergia entre
os empreendimentos e uma melhor forma de enfrentamento à
Estratégia de
concorrência do mercado tradicional (quadro 1 – p.07). Salienta-
Integração e
se a importância de se criarem ações integradas; que tanto se
Convergência
complementam, quando uma organização solidária fornece
outra; como se potencializam ao produzirem ou comercializarem
em conjunto, aumentando, assim, o poder de barganha, o acesso
à tecnologia, o desenvolvimento conjunto de novos produtos, a
distribuição e a divulgação.
A estratégia de escopo é especialmente indicada para
empreendimentos de pequeno porte, que dificilmente conseguiriam
manter-se por meio de ganhos de escala sustentáveis. É apropriada a
atuação em segmentos específicos que se viabilizam pela capacidade
de diferenciação e, muitas vezes, de ofertas customizadas. Alguns
empreendimentos de Economia Solidária atuam em segmentos de
Estratégia de
demanda fixa e programada, num processo contratual (ainda que
Escopo
informal), procurando-se alinhar as necessidades de um grupo de
consumidores com a capacidade de oferta dos empreendimentos
solidários, garantindo-se o fornecimento permanente de produtos e
serviços de giro rápido, como artigos de higiene e limpeza, verdura,
produtos orgânicos, pães, entre outros. Esta estratégia poderá
ser potencializada com entrega a domicílio e a adesão inicial de
consumidores adeptos do consumo solidário.

a sustentabilidade da economia solidária 159


Essa estratégia também tem apresentado bons resultados ao buscar
suprir uma necessidade comunitária, garantindo a permanência
Estratégia de dos recursos na região, contribuindo com o fortalecimento da
Empoderamento economia local. Para potencializar essa estratégia é comum o uso de
Comunitário uma moeda comunitária própria, de forma a fomentar e estimular
o comércio dentro da comunidade, evitando a saída de recursos.
Exemplos podem ser encontrados em serviços de construção civil,
confecção, sapataria, padaria e mercado.

Esta estratégia apoia-se na defesa de políticas publicas de incentivo


à comercialização dos produtos e serviços da Economia Solidária,
estabelecendo-se cotas ou mecanismos de discriminação positiva2
Estratégia de a fim de privilegiar o fornecimento de produtos/serviços de
Fornecimento empreendimentos de Economia Solidária. Essa estratégia parece
Público ser uma das mais promissoras, ao garantir um mercado fixo estável.
Privilegiado Como exemplo, destacam-se os empreendimentos de reciclagem,
que alinham trabalho e renda com prestação de um serviço essencial
à sociedade, e a lei da merenda escolar, que obriga que 30% dos
alimentos sejam adquiridos de empreendimentos de agricultura
familiar.
Fonte: Luzio dos Santos (2010, p. 11).

A conexão das diferentes iniciativas de ES é a única possibilidade de


construção de uma alternativa concreta ao modelo capitalista dominante.
A Economia Solidária só se tornará uma proposta crível de transformação
social, caso demonstre ser capaz de se viabilizar diante do modelo econômico
hegemônico, e isso só acontecerá quando esta for capaz de conectar as
iniciativas hoje isoladas e desarticuladas. Para tal, há a necessidade de pensar-
se em redes, formando cadeias produtivas integradas, potencializando as
capacidades individuais e aproveitando a vocação da ES para a cooperação.
Também são imprescindíveis as parcerias com diferentes organizações
de apoio, como universidades, poder público, sindicatos, movimentos
sociais e ONGs, além de se conseguir mobilizar e intensificar a adesão dos
consumidores aos produtos e serviços advindos de empreendimentos de ES
(LUZIO DOS SANTOS, 2010).

2
Para os fins de nossa argumentação, tomamos como base o conceito de Rawls (1999). Para os fins de
nossa argumentação tomamos como base o conceito de Rawls (1999). A discriminação positiva para este
autor seria uma política de ação afirmativa que visa à discriminação com a finalidade de redistribuir;(...)
já a discriminação negativa seria a discriminação propriamente dita, pejorativa, que faz distinções entre
as pessoas segundo raça ou etnia a fim de favorecer um grupo sobre os outros. Cf. RAWLS, John. Theory
of Justice. 2.ed. Harvard University Press,1999.

160 a sustentabilidade da economia solidária


Metodologia de pesquisa

O presente estudo pode ser classificado como exploratório, descritivo


e de natureza qualitativa. Gil (1991) justifica a importância do estudo
exploratório ao afirmar que o mesmo “tem por objetivo proporcionar
familiaridade com o problema, a fim de torná-lo explícito ou construir
hipóteses”. Ainda segundo o autor, o planejamento destas pesquisas “[...]
permite flexibilidade quanto à sua organização, possibilitando a consideração
dos mais variados aspectos do fato estudado” (GIL, 1991, p. 45).
A pesquisa descritiva explicita as principais características da
população alvo da pesquisa, ou seja, suas percepções e expectativas acerca
do tema, estabelecendo relações entre resultados e causas de possíveis
problemas, permitindo, assim, o aprofundamento necessário para se atingir
os objetivos do trabalho (VERGARA, 2004).
Para o levantamento das informações necessárias à compreensão
do fenômeno estudado, foram realizadas entrevistas não estruturadas nos
empreendimentos de ES da cidade de Londrina. Foram abordadas duas
instituições de apoio a grupos de ES, o CEPES e a INTES da Universidade
Estadual de Londrina e, também, a COOPERSIL. De uma população inicial
de 38 grupos cadastrados pelo Programa Municipal de ES, extraiu-se uma
amostra de 06 organizações, usando como critério de seleção a diversidade;
tempo de atuação; renda per capita; e a disponibilidade do grupo em responder
à pesquisa. Assim, foi entrevistado um membro de cada empreendimento,
considerando-se o tempo de trabalho na entidade ou a posição de liderança
ocupada no período. As entrevistas deram-se entre 10 e 15 de maio de 2011.

Apresentação dos resultados

A estratégia tem por uma de suas finalidades, de acordo com Oliveira


(2005, p. 22), “construir quais serão os caminhos, os cursos, os programas
de ação que devem ser seguidos para alcançar os objetivos ou resultados
estabelecidos pela empresa”. Dessa forma, sem uma formulação estratégica
adequada e bem definida para as atividades que se pretende desenvolver,
qualquer tipo de organismo está sujeito a interferências que poderão
comprometer o seu desenvolvimento e até mesmo sobrevivência ao longo
do tempo. Sob o pensamento de Oliveira (2005, p. 22-23), tem-se que:

a sustentabilidade da economia solidária 161


[...] estratégia está relacionada à ligação da empresa a seu ambiente. E,
que nessa situação, a empresa procura definir e operacionalizar estratégias
que maximizem os resultados da interação estabelecida. [...] a estratégia
está relacionada à definição e ao balanceamento otimizado da interação
produtos versus mercados proposta pela empresa em dado momento.

O planejamento, diante do anteposto, serve como ponte, além de


ferramenta primordial para que sejam alcançadas as metas previamente
definidas e, assim, projetar-se consistentemente para o futuro com clareza
de seu papel e poder de ação. Com isto, observa-se que, dentro dos
grupos entrevistados, a falta de planejamento e de clareza na definição de
prioridades e potencialidades são uma constante que ameaça seriamente o
seu desempenho. Verifica-se que não há preocupação em definir um foco
para seus produtos e serviços. Considerando o perfil de seus consumidores,
limitam-se a ações descoordenadas e amparadas na lógica da tentativa e erro.
Existe um descompasso entre a oferta de produtos e as necessidades e desejos
do mercado, como se pode constatar na fala da gerente de inclusão produtiva
do CEPES, Nelma Liberato quando afirma: “a comercialização dos produtos é
o maior alvo de dificuldades, talvez pelo excesso de foco na produção”.
O quadro a seguir, descreve as estratégias de mercado que se
enquadram nas atuais práticas dos grupos entrevistados, assim como a
justificativa para tal atribuição:

Quadro 2: Estratégias desenvolvidas pelos empreendimentos entrevistados

Estratégias Utilizadas pelos Empreendimentos Solidários Pesquisados

Empreendimentos Perfil do Empreendimento Estratégia Justificativa

Segmento: Cultivo de legumes e


hortaliças
Essa estratégia caracteriza-se
Estímulo da Escolha do Segmento: por qualquer iniciativa que se
Iniciativa da prefeitura (suprir concentre em um público restrito,
as necessidades alimentícias da buscando atendê-lo de forma
Mão na Terra comunidade local e geração de renda) Estratégia
personalizada. Indicada em
(INTES) de Escopo
casos de setores com demanda
Tempo de Atuação: 10 anos fixa, como, por exemplo, kits de
Nº de Cooperados: 03 higiene e limpeza, alimentícios
(verduras, grãos, pães).
Tomada de Decisão: Autogestão
(participação de todos os membros)

Segmento: Alimentício
Estímulo da Escolha do Segmento: O fornecimento de produtos de
Pesquisa de Mercado por meio do padaria de forma a atender às
SEBRAE carências de uma comunidade
Estratégia de
Pão Maravilha específica é caracterizado como
Empoderamento
(CEPES) Tempo de Atuação: 05 anos Estratégia de Empoderamento
Comunitário
Comunitário, já que promove
Nº de Cooperados: 04 o desenvolvimento da região,
Tomada de Decisão: Autogestão suprindo uma necessidade local.
(participação de todos os membros)

162 a sustentabilidade da economia solidária


Segmento: Artesanato
O processo inicia-se pela
Estímulo da Escolha do Segmento: identificação das principais
Conhecimento específico na área e habilidades dos associados,
necessidade de geração de renda buscando-se desenvolver
Crochê Ideal
Estratégia de Escopo produtos alinhados com estes
(CEPES) Tempo de Atuação: 07 anos e não com as necessidades do
Nº de Cooperados: 03 mercado, o que se torna frágil ao
longo do tempo.
Tomada de Decisão: Autogestão
(participação de todos os membros)
Segmento: Vestuário
Estímulo da Escolha do Segmento: Há um enfoque no produto e
Ocupação para a associação de não no mercado, o que poderá
mulheres e geração de renda limitar a demanda por produtos
Marreca do empreendimento. Não é dada
Tempo de Atuação: 06 anos Estratégia de Escopo
(CEPES) a devida atenção às necessidades e
Nº de Cooperados: 03 desejos dos consumidores, o que
poderá criar um desalinhamento
Tomada de Decisão: Autogestão entre oferta e demanda.
(participação de todos os membros)
Segmento: Prestação de serviços
(beleza)
Estímulo da Escolha do Segmento:
Necessidade de geração de renda e
O produto nasce a partir das
demanda por serviços relacionados à
habilidades que o filiado possui,
Parceria da Beleza estética.
Estratégia de Escopo e não em uma oportunidade real
(CEPES)
Tempo de Atuação: 04 anos de mercado, o que gera riscos à
sustentabilidade do negócio.
Nº de Cooperados: 02

Tomada de Decisão: Autogestão


(participação de todos os membros)

Segmento: Reciclagem
Tal estratégia vislumbra a reserva
Estímulo da Escolha do Segmento: de parte do mercado para que os
União da questão social com ambiental empreendimentos de ES possam
obter vantagens na parcerias
Tempo de Atuação: 02 anos Estratégia de
COOPERSIL com o poder público. Tais
Nº de Cooperados: 236 fornecimento público
(Cooperativa) características são consideradas
privilegiado
promissoras, pois aliam as
necessidades do poder público
Tomada de Decisão: Autogestão (há com a inclusão social por meio de
nomeação de líderes) prestação de serviços sustentáveis.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Ao analisar-se a forma como são acompanhados os quatro grupos


que integram o CEPES, verificou-se que todos possuem iguais condições
e estímulos de trabalho, recebendo fomentos variados e assessoria técnica
semanal. O grupo filiado ao CEPES que apresenta maior consistência, já
que alcançou um patamar de autossuficiência, e garante renda satisfatória
para seus membros, é a padaria Pão Maravilha, que se apoia na Estratégia
de Empoderamento Comunitário, suprindo uma necessidade real da
população local. Da maioria dos grupos analisados, a Padaria Pão Maravilha
partiu de uma carência expressada pelos consumidores da região, passando a
organizar-se de forma coletiva para supri-la com eficiência e eficácia.

a sustentabilidade da economia solidária 163


Tal prerrogativa é confirmada por Luzio dos Santos (2010, p. 17),
quando afirma que “o principal problema inerente ao processo de formação
de estratégia dos empreendimentos de ES é o recorrente enfoque dado
ao produto e não ao mercado”. Do ponto de vista estratégico, observa-se
que, os produtos desenvolvidos por outros grupos partem das habilidades
individuais dos associados, e não de um levantamento prévio da demanda
potencial e das carências da população.
Os demais grupos pesquisados e integrantes do CEPES, como o Crochê
Ideal, Marreca e Parceria da Beleza, apresentam similaridades em termos
de posição estratégica, havendo uma concentração no desenvolvimento do
produto/serviço ofertado e um desconhecimento em relação aos desejos e
necessidades expressas pelo mercado que pretendem atender. Tal fato ocorre
pela falta de qualificação no campo da gestão, o que leva a ações baseadas no
senso comum, desprezando informações sobre o mercado alvo como base
para definição apropriada de produtos/serviços a serem ofertados, limitando
sobremaneira a possibilidade de desenvolvimento destes empreendimentos.
O grupo Mão na Terra, filiado à INTES e que trabalha no segmento
de verduras e hortaliças sem o uso de agrotóxicos, tem proximidade à
estratégia de escopo, o que parece apropriado ao tipo de produto e mercado
que pretendem atender. Os produtos ofertados possuem demanda fixa e
programada, o que permite um vínculo quase contratual que é reforçado
pela entrega semanal a domicílio, o que reduz a imprevisibilidade de
rendimentos tão cara a estes empreendimentos. Todavia, esta experiência
vem esbarrando em sérios problemas devidos à falta de comprometimento
de seus membros, o que gera uma oferta descontínua e a perda considerável
de clientes. Ainda que possuam uma infraestrutura bastante razoável, vários
grupos se veem comprometidos pela dificuldade em manterem uma equipe
de trabalho coesa e comprometida com o longo prazo.
A COOPERSIL utiliza a estratégia de fornecimento público
privilegiado, o que lhe vem proporcionando bons resultados, o que a
destaca como a principal experiência de ES de Londrina, levando em conta
o número de participantes e os avanços no plano econômico. De acordo
com Luzio dos Santos (2010, p. 33), a “estratégia de fornecimento público
privilegiado”, é uma das mais promissoras para os empreendimentos de ES,
ao criar mecanismos de “cotas ou mesmo algum tipo de reserva de mercado,
que possibilite aos empreendimentos de economia solidária vantagens
significativas nas licitações ou nos contratos de parcerias com instituições
públicas”.

164 a sustentabilidade da economia solidária


A COOPERSIL apresenta-se de forma destacada entre os demais
empreendimentos solidários de Londrina, em parte, por já se encontrar sob
o formato de cooperativa, garantindo-lhe a possibilidade de desenvolver
atividades junto a outras instituições formais, além de acesso a crédito e
tecnologia. Outro fator de destaque é o desenvolvimento de atividades
demandadas pela sociedade, conseguindo com isto o reconhecimento da
população em geral (p.13).
Vale ressaltar que a estratégia inicial de parceria com o Poder Público
Municipal não é mais a única fonte de financiamento da cooperativa já
que, em virtude da sua capacidade de articulação e gestão interna, vem
conseguindo ampliar consideravelmente as fontes de captação de recursos,
incluindo a FUNASA,2 o PNUD3 e a FBB4 como parceiros financiadores,
disponibilizando um montante próximo a R$ 1,5 milhões, o que dá condições
para que a cooperativa vislumbre novos desafios, como o de conseguir
agregar maior valor a seus serviços.
Quando a importância do papel estratégico é posta em segundo
plano, a viabilidade do negócio também segue o mesmo caminho, ficando
o sucesso do empreendimento à mercê da sorte. Dificilmente ocorrerão
êxitos consistentes se os grupos continuarem desprezando o planejamento
formal, condenando-os à dependência crônica e à estagnação permanente.
Planejar estrategicamente, não deveria ser confundido com subserviência ao
sistema capitalista ou qualquer outro tipo de preconceito ao uso da gestão,
mas como uma importante ferramenta de sobrevivência e de permanência
aos empreendimentos de economia solidária.

Considerações finais

Analisando de maneira racional a realidade do mercado de trabalho,


pode-se concluir que o atual sistema econômico não tem como prioridade
a inclusão de todo o contingente de trabalhadores. A lógica pautada
na maximização do lucro e da eficiência a qualquer preço, via de regra
desemboca em contraditórios processos de exclusão social. Por outro lado,
as populações que se veem apartadas do processo de desenvolvimento
econômico e, por consequência, têm a própria sobrevivência e dignidade
ameaçadas, voltando-se para novas modalidades de trabalho, sendo a
2
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde.
3
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
4
FBB – Fundação Banco do Brasil.

a sustentabilidade da economia solidária 165


Economia Solidária uma das propostas mais realistas na busca por inclusão
e emancipação social.
O presente estudo buscou identificar e analisar as estratégias que
balizam os empreendimentos de Economia Solidária na cidade de Londrina.
Percebe-se que a grande maioria dos empreendimentos pesquisados não
possui um planejamento formal capaz de evidenciar com clareza suas
prioridades, diferenciais e justificativas que embasem consistentemente a
sua atuação no mercado. Muitas vezes, parece haver até certo desprezo pelos
ferramentais administrativos, algo visto como corrompido e pertencente a
uma lógica que se pretende superar, porém, parece que esse desprezo vem
condenando boa parte das experiências de ES ao colapso.
O caráter qualitativo dos dados permite, dentre as diversas
interpretações, ressaltar que os grupos, de modo geral, não estão preparados
para assumir as atividades a que se propõem, criando-se um impasse
entre as expectativas e a instrumentalização suficiente para se concretizar
com êxito seus projetos. Os problemas que dificultam o desenvolvimento
dos empreendimentos de ES são variados, mas aqui se quis ressaltar a
importância na definição da estratégia apropriada para nortear as demais
ações gerenciais, partindo-se da premissa que a definição incorreta da
estratégia tende a comprometer todo o processo de desenvolvimento da
organização.
Facilmente, veio à tona a predominância de posicionamentos centrados
no desenvolvimento de produtos e serviços, em vez de um conhecimento
prévio do mercado e do público-alvo. Essa inversão de prioridades tende a
comprometer grande parte das iniciativas estudadas, sendo que se verifica
a dificuldade em se encaixar os produtos no mercado, muitas vezes por
serem inadequados, outras por não encontrarem um público expressivo que
garanta a demanda necessária para a viabilidade do empreendimento.
Alguns produtos, já de início, demonstram-se incoerentes com a
realidade, já que demandam um elevado tempo de produção e necessitariam
de um volume alto de vendas para garantirem um retorno mínimo desejável.
Em outros casos, verifica-se a tentativa de explorar segmentos extremamente
concorridos, quando não, em curva descendente de demanda, tudo isso
justificado por serem áreas de domínio técnico dos empreendedores,
invertendo-se totalmente a lógica que viabiliza as atividades dentro do
mercado que parte da busca por encontrar necessidades ainda não atendidas
ou subatendidas.

166 a sustentabilidade da economia solidária


Verificou-se que a estratégia mais usada pelos empreendimentos de
ES de Londrina é a de escopo, que prioriza a atuação em frentes estreitas,
buscando a personalização de produtos e de atendimento, o que é coerente
com a realidade e potencialidade dos pequenos empreendimentos. Porém,
a escolha do segmento de atuação deve estar condicionada à analise de
informações que apontem para áreas inexploradas e com real potencial de
crescimento, preocupação esta que não se encontrou nos empreendimentos
definidos como usuários da estratégia de escopo.
Ao retomar a problemática do presente estudo, cujo propósito foi o de
verificar os posicionamentos estratégicos utilizados pelos empreendimentos
solidários, os resultados apurados apontam para a predominância da estratégia
de escopo, por esta se sintonizar com a realidade de empreendimentos
de pequeno porte, boa parte das vezes, ligados a atividades artesanais.
Entretanto, outras estratégias são utilizadas e, geralmente, estão ligadas
aos empreendimentos mais consolidados, como a de parceria com o poder
público e de atendimento a uma necessidade comunitária.
Ainda que a estratégia de escopo seja a mais utilizada e muitas vezes
apropriada, considerando-se as limitações de recursos da maioria dos
empreendimentos, o que dificulta a produção em larga escala ou elevados
investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a exclusividade nessa
estratégia empobrece os potenciais da ES. Tal argumento fica ainda mais
consistente quando se verifica que entre os empreendimentos pesquisados os
que apresentam melhores resultados são exatamente os que estão amparados
em outras estratégias que não as de escopo, como a de parceria com o poder
público e a de atendimento a uma necessidade comunitária específica.
Luzio dos Santos e Borinelli (2010), dentro da mesma lógica de
Barbosa (2007), percebem como é arriscado pensar-se a Economia Solidária
inserida no mercado tradicional, considerando-se todos os reveses que
lhe são inerentes, como a baixa escolaridade e formação técnica dos seus
membros, histórico de miséria e subserviência, dificuldade de acesso a
financiamentos e know-how, capacidade de inovação permanente, entre
tantos outros obstáculos inerentes ao mercado competitivo que têm de
enfrentar. Considerando-se este cenário desanimador, os autores defendem
uma mudança na letra da lei de compras públicas, de forma a se privilegiar
produtos e serviços provenientes de empreendimentos da Economia
Solidária.

a sustentabilidade da economia solidária 167


A garantia de demanda e o fomento à criação de novos
empreendimentos que possam satisfazer uma parcela das necessidades do
poder público pode se tornar uma auspiciosa solução para a inclusão social,
como aponta o exemplo exitoso da COOPERSIL em Londrina.
Para que as aspirações de crescimento e melhorias sejam convertidas
em realidade, é necessário aprimorar, desenvolver e adaptar ferramentas
utilizadas, até então, por empresas tradicionais em favor dos empreendimentos
solidários. Isto, no entanto, não significa desvirtuar as características que
transformam a economia solidária em uma economia de inclusão, mas sim,
uma alternativa capaz de se viabilizar com efetividade e coerência diante do
ambiente socioeconômico em que atuam.

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a sustentabilidade da economia solidária 169


PERFIL DOS CONSUMIDORES DE PRODUTOS DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA DA CIDADE DE LONDRINA – PR

Mayra Mota dos Anjos Carrion


Luis Miguel Luzio dos Santos
Bernardo Carlos S. C. M. de Oliveira

Introdução

A intensificação do livre mercado, a globalização da economia e


os avanços tecnológicos em ritmo acelerado resultaram num aumento da
riqueza mundial sem precedentes. Porém, paralelamente a este quadro de
abundância, nunca se assistiu a tamanhos contrastes socioeconômicos,
em que a riqueza se concentrou num número cada vez menor de pessoas,
o desemprego estrutural atinge países ricos e pobres em dimensões
preocupantes, a pobreza epidêmica atinge continentes inteiros que ficam à
margem de qualquer oportunidade de participação da riqueza mundial, além
do agravamento da degradação do meio ambiente ameaçando a própria vida
humana no planeta.
Diante de um quadro dominado por contradições profundas vêm
surgindo variadas propostas de mudança na estrutura socioeconômica
dominante, buscando imprimir uma nova lógica em que a racionalidade
econômica esteja subordinada ao desenvolvimento social. Assim, surge
o conceito de Economia Solidária, que se propõe a substituir a lógica
individualista e exploratória por modelos de base cooperativa e solidária,
com o objetivo de promover a inserção social do enorme contingente de
excluídos do mercado de trabalho formal, além de fomentar novos ideais
de sociabilidade, amparada na mutualidade e em laços de proximidade e
solidariedade entre seus membros.
O conceito de Economia Solidária se reporta a um conjunto de
atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança
e crédito, organizado coletivamente de acordo com os princípios da
autogestão. Esta forma de produção visa a transformar o trabalho num meio
de libertação humana dentro do processo de democratização econômica,
criando alternativa à dimensão alienante do modelo de trabalho assalariado
capitalista.
A Economia Solidária encontra-se em franca expansão no Brasil,
principalmente após a criação da SENAES – Secretaria Nacional de

a sustentabilidade da economia solidária 171


Economia Solidária –, que se propõe a fomentar e apoiar iniciativas dentro
desta modalidade em todo o país. A Economia Solidária apresenta diferentes
iniciativas e abraça distintas modalidades organizacionais, o que faz com que
o estudo deste fenômeno ganhe em complexidade e necessite de pesquisas
que consigam captar particularidades e especificidades que tendem a escapar
de abordagens generalistas.
Dentro desta realidade, o presente trabalho busca traçar o perfil dos
consumidores de produtos de Economia Solidária na cidade de Londrina,
além de procurar compreender o seu comportamento, motivações e
principais razões que induzem a optar por estes produtos ou serviços. Trata-
se de um estudo exploratório, descritivo, quantitativo e também qualitativo,
como forma de aprofundar algumas questões que não conseguem ser
captadas na sua totalidade por meio de indicadores quantitativos. Trata-se
de uma pesquisa de levantamento, ou survey, em que foram pesquisados 103
consumidores de produtos e serviços de empreendimentos da Economia
Solidária da cidade de Londrina nos meses de novembro e dezembro de
2010.
Os dados foram coletados por meio da aplicação de um questionário
em cinco locais distintos de comercialização de produtos da Economia
Solidária, contemplando assim os principais pontos de venda de Londrina
(p.02).
Foram contemplados: O Centro Público de Economia Solidaria de
Londrina, a FEISOL (Feira de Economia Solidária de Geração de Renda), a
feira realizada pelos grupos do CEPES na Zona Norte de Londrina, a Padaria
Pão Maravilha e, os grupos incubados pela INTES (Incubadora Tecnológica
de Empreendimentos Solidários), na Universidade Estadual de Londrina. A
seleção dos respondentes deu-se de forma aleatória, apoiando-se em uma
amostragem não probabilística por conveniência
A presente pesquisa apresentou como limitação principal o baixo
fluxo de consumidores diários, obrigando o prolongamento da pesquisa
para se captar um número representativo de consumidores.

Economia solidária

A Economia Solidária (ES) ressurge no fim do século XX, com a


desregulamentação da economia e a liberação dos movimentos de capital em
todo mundo, que geraram desempregos em massa, polarização entre ricos e
pobres, pobreza e crescimento dos problemas ambientais. A crise do modelo

172 a sustentabilidade da economia solidária


capitalista de produção e consumo colaborou para que novos modelos
organizacionais passassem a ser debatidos e estudados, e, entre eles, os
empreendimentos de ES ganharam destaque, tanto no meio acadêmico como
no ambiente institucional, destacando-se como uma possível alternativa ao
desemprego, à precariedade do trabalho, e como experimento de uma nova
sociabilidade. Essas iniciativas apoiam-se na valorização do ser humano ao
invés do capital, por meio de iniciativas coletivas amparadas no modelo de
autogestão (SINGER, 2002).
De acordo com Cruz (2008), nesse conjunto de atividades e formas
de organização que abarcam a ES, destacam-se quatro importantes
características: cooperação, autogestão, viabilidade econômica e
solidariedade. É necessário perceber que essas características, embora sejam
complementares e nunca funcionem isoladamente, podem ser observadas
e compreendidas objetivamente como categorias analíticas diferentes, mas
sempre presentes na ES.
A Economia Solidária é fruto de uma construção coletiva que
apresenta similaridades na busca por desenvolver alternativas de caráter
coletivo ao modelo de organização capitalista tradicional. Entre as distintas
propostas, destaca-se a de Singer (2002) em que a ES é concebida dentro
do modelo capitalista, como implantes de um novo projeto socioeconômico
que se pretende desenvolver ao longo do tempo e que se propõe a enfrentar
e superar o modelo hegemônico dentro do mercado atual. Mance (2002),
por sua vez, propõe a criação de Redes de Colaboração Solidária, que se
desenvolveriam paralelamente ao mercado capitalista, tendo como objetivo
a criação de organizações cooperativas solidárias integradas em forma de
rede e que apresentam complementariedade nas ações, potencializando-
se e garantindo a substituição progressiva da dependência da economia
capitalista.
Ainda que existam pontos em comum nas propostas de Singer e
Mance em relação à busca por alternativas organizacionais de base coletivista
e emancipatória capazes de enfrentar o modelo capitalista e criar novas
formas socioeconômicas mais humanas e solidárias, os referidos autores
distanciam-se nas estratégias de ação. Enquanto Singer (2002) defende a
necessidade de articulação com o Estado e o enfrentamento do mercado
capitalista, por seu lado, Mance (2002) defende a autonomia e independência
destes empreendimentos em relação ao Estado e ao mercado capitalista.

a sustentabilidade da economia solidária 173


Caracterização da Economia Solidária em Londrina

A Economia Solidária na cidade de Londrina tem sua origem ligada ao


Programa Municipal de Economia Solidária da Prefeitura de Londrina, que
iniciou suas atividades em 2005, formando grupos para geração de trabalho
e renda de forma coletiva junto a comunidades de baixa renda da cidade.
Posteriormente, esses grupos passaram a comercializar os seus produtos no
CEPES – Centro Público de Economia Solidária de Londrina. O Programa
Municipal de Economia Solidária não fornece recursos financeiros para as
atividades apoiadas, mas garante o fornecimento da matéria prima necessária
para cada grupo iniciar suas atividades produtivas, mantendo este apoio
até que o grupo consiga atingir autossuficiência. A maioria dos grupos de
Economia Solidária busca viabilizar suas atividades por meio de parcerias
ou envolvimento de apoiadores diversos, como igrejas, ONGs e empresas.
Destaca-se, também, a INTES – Incubadora Tecnológica de
Empreendimentos Solidários da Universidade Estadual de Londrina
(INTES/UEL), que é um projeto de extensão vinculado ao Programa
Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares (PRONINC),
aprovado pela Financiadora de Projetos e Pesquisa (FINEP) e apoiado
pela Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
(UNITRABALHO), estando em atuação desde 2005. A INTES tem
como missão fornecer apoio profissional aos grupos de trabalho coletivo,
selecionados, previamente, de acordo com as necessidades e potencialidades
de cada um, contribuindo para a sua inserção política, social e econômica.
A maioria dos produtos comercializados pelos diferentes
empreendimentos de ES de Londrina concentra-se nos segmentos:
artesanato, nomeadamente artigos de decoração, cama, mesa e banho,
artigos em madeira, bordados e artigos em papel reciclado etc. Também há
uma forte adesão na área de alimentos, tais como bombons, bolachas, pães,
bolos, compotas, bebidas artesanais e produtos orgânicos, como hortaliças
e frutas diversas. O segmento de vestuário também tem sua expressividade
por meio de artigos como camisetas de variadas estampas, destacadamente
ícones de Londrina, camisas e bolsas.

Comercialização na Economia Solidária

Diante de todo o processo de expansão da ES no país, destaca-se


também o crescimento da comercialização dos produtos e serviços da
mesma, tanto no Brasil como de forma particular no estado do Paraná. De

174 a sustentabilidade da economia solidária


acordo com o Sistema de Informação em Economia Solidária (SIES, 2009), a
fase da comercialização é apontada pela maioria dos empreendimentos de ES
como a mais difícil, um verdadeiro gargalo para a expansão e consolidação
dos empreendimentos solidários, seguida pela escassez de crédito para a
qualificação dessas organizações.
A falta de estruturação das iniciativas de ES é ainda a realidade
mais comum dentre as inúmeras iniciativas espalhadas pelo país, sendo o
processo de comercialização dificultado. Existe um ciclo vicioso de difícil
desconstrução, por um lado os empreendimentos apresentam problemas
estruturais básicos, como produtos de baixa qualidade e produção em baixa
escala, por outro, a dificuldade de comercialização impõe restrições para
a expansão, qualificação e alavancagem dos empreendimentos. A escassez
de recursos dá a tônica, ademais a baixa qualificação dos trabalhadores, a
dificuldade para aquisição de matérias-primas, maquinário e tecnologia
em geral, restringindo sobremaneira a inovação e a capacidade de competir
diante do mercado capitalista tradicional.
As feiras constituem um importante espaço de comercialização
para os produtos advindos da ES, combinando espaços de venda direta,
trocas solidárias e rodadas de negócios. Além de viabilizar a produção dos
bens e serviços comercializados, estes espaços também resgatam relações
personalizadas entre produtores e consumidores, favorecendo a fidelidade
do consumo de produtos e serviços de origem solidária, e também da
produção familiar e agroecológica (IPARDES/IAPAR, 2007).
A comercialização dos produtos solidários desenvolve-se de distintas
formas, além das feiras já mencionadas, como no caso de espaços públicos
patrocinados pelas prefeituras, em lojas convencionais. Também, são
encontradas experiências que usam a entrega a domicilio como estratégia
para conseguir fidelidade dos consumidores, porém, apesar das diferentes
modalidades de distribuição, a maioria dos empreendimentos da ES
comercializa seus produtos ou serviços nos próprios locais de produção
(SENAES, 2010).

Comportamento do consumidor

O comportamento do consumidor, de acordo com a visão de marketing,


é o estudo de como os indivíduos tomam decisões de gastar seus recursos
disponíveis (tempo, dinheiro, esforço) em itens relacionados ao consumo.
O comportamento do consumidor engloba o estudo de o que compram, por

a sustentabilidade da economia solidária 175


que compram, onde compram, com que frequência compram e usam o que
compram (SCHIFFMAN; KANUK, 2000).
Para Kotler (2000), o comportamento de compra do consumidor é
influenciado por fatores culturais, sociais, pessoais e psicológicos, sendo os
de influência cultural os mais relevantes, já que incorporam valores e crenças
que se manifestam de forma, muitas vezes, inconsciente, mas com vigoroso
poder de mobilização e de contágio. Os fatores econômicos também se
apresentam como fortes influenciadores, já que definem a categoria de
produtos, marcas, condições de pagamento e sensibilidade ao preço.
Na matriz a seguir, identificam-se os tipos de comportamento de
compra relacionado aos perfis resultantes das combinações entre busca
de informação e envolvimento com a marca. Para melhor entender o
comportamento de compra do consumidor em relação às motivações de
compra, segundo Samara e Morsch (2005), é necessário examinar o modo
como os consumidores tomam suas decisões e os estágios que integram
o processo decisório de compra. No quadrante racional ocorre busca de
informação de maneira extensa e um alto envolvimento. Este tipo de decisão
ocorre tipicamente em circunstâncias nas quais um produto é comprado
com pouca frequência, tendo este preço elevado.

Quadro 1: Tipos de comportamento de compra em relação à busca de


informação e envolvimento.

Fonte: Samara e Morsch (2005).

No quadrante lealdade à marca, tem-se pouca busca de informação


aliada a um alto envolvimento. Nesta situação, o ego do consumidor está
altamente envolvido na decisão, embora ele dedique pouco ou nenhum

176 a sustentabilidade da economia solidária


tempo à busca de informação. Já no quadrante inexpressivo, a informação
disponível encontra-se em nível mediano e o envolvimento é baixo. Nesta
categoria, os produtos não são percebidos pelos consumidores como
expressivos de seus valores ou de sua autoimagem, embora haja suficientes
diferenças entre as marcas para motivar alguma comparação (geralmente
no ponto de compra). Com quantidade de informação escassa e um baixo
envolvimento tem-se o quadrante da inércia. Neste caso, os consumidores
veem consequências pouco relevantes como resultado da escolha entre uma
marca ou outra.
No penúltimo quadrante, o da curiosidade, a busca de informação é
mediana e o envolvimento é alto. É a situação em que o consumidor deseja
muito determinado produto e possui informações insuficientes, gerando
uma compra que o leva à experimentação do produto por curiosidade. E,
por fim, havendo informação de forma extensa e um baixo envolvimento,
verifica-se o quadrante desinteresse. Neste caso, há grande volume de
informação disponível e pouca necessidade ou desejo de aquisição do
produto pelo consumidor.
Segundo Engels, Blackwell e Miniard (2005), a tomada de decisão do
consumidor seguiria o modelo PDC (Processo de Decisão do Consumidor),
contendo os seguintes estágios: (1) reconhecimento de necessidade; (2)
busca de informação; (3) avaliação de alternativas (pré-compra); (4) compra
– aquisição da alternativa preferida; (5) consumo – uso da alternativa
comprada; (6) avaliação da alternativa (pós-compra) – avaliação do grau
em que a experiência de consumo produziu satisfação; (7) despojamento –
descarte do produto não consumido ou do que dele restou.
O modo como o comportamento do consumidor é entendido pelas
organizações, geralmente, considera o consumidor como um decisor
estritamente racional, que avalia de forma consciente as melhores alternativas
para si (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004). Nos tópicos seguintes, apresentar-
se-ão modos diferentes de se compreender o processo de consumo.

Consumo solidário

Mance (2002) destaca a importância fundamental de se conseguir a


adesão ao consumo solidário como forma de viabilizar e potencializar os
empreendimentos solidários, definindo consumo solidário como: o consumo
de bens ou serviços que atendam às necessidades e desejos do consumidor,
visando a: a) realizar o seu bem viver pessoal; b) promover o bem viver dos
trabalhadores que elaboram, distribuem e comercializaram os produtos

a sustentabilidade da economia solidária 177


ou serviços; c) manter o equilíbrio dos ecossistemas; d) contribuir para a
construção de sociedades justas e solidárias. Diferentemente do consumo
convencional, que, de acordo com o autor, apresenta três outras abordagens,
classificadas como: consumo alienado, consumo compulsório e consumo
para o bem viver.

Quadro 1: As quatro classes de consumo de Mance

Influência das semioses publicitárias; desejos e fantasias


gerados pelas propagandas que mobilizam o consumo;
Consumo alienado
fetichismo dos produtos, associações dos produtos a situações
ou identidades idealizadas.
Realizado para a satisfação das necessidades biológicas,
Consumo Compulsório culturais e situacionais; ocorre quando a pessoa tem poucos
recursos para atendê-las ou não há alternativas para escolher.
Resistência às campanhas publicitárias; disponibilidade de
recursos que possibilitam a escolha; opção por produtos ou
Para o Bem viver
serviços que sejam satisfatórios para realizar o próprio bem
viver; garantia da singularidade como seres humanos.
Consumir bens ou serviços que atendam às necessidades e
desejos dos consumidores, visando a: realizar o seu livre bem
viver pessoal; promover o bem-estar dos trabalhadores que
Consumo Solidário
elaboram, distribuem e comercializam aquele produto ou
serviço; manter o equilíbrio dos ecossistemas e contribuir
para a construção de sociedades mais justas e solidárias.
Fonte: Adaptado de Mance (2002).

Em relação às diferentes modalidades de consumo descritas por


Mance (2002), parece predominar um misto de influenciadores, não
podendo-se reduzir ou dar exclusividade a um único tipo. A complexidade
do comportamento do consumidor faz perceber a dificuldade em enquadrar
ou delimitar com precisão a atitude de compra. Porém, de acordo com
Mance (2002), o consumo solidário vem despontando com um enorme
potencial de crescimento e tende a se consolidar como principal critério para
um número, cada vez mais, expressivo de consumidores ultrapassando-se o
mero utilitarismo como elemento de seleção e escolha, para se incluir causas
e outros valores que não os econômicos no ato da compra.

Consumo político

O consumo  político  certamente não é  tão recente quanto possa


parecer. No início da década de 1900, a campanha de White Label, um sistema

178 a sustentabilidade da economia solidária


de rotulagem  antiexploração, dirigiu-se às mulheres americanas  para que
elas o apoiassem por meio do consumo  de roupas íntimas, que tinham o
certificado “sem exploração” (SKLAR, 1998).  Na década de 1960, nos Estados
Unidos, trabalhadores agrícolas empregavam, com sucesso, boicotes de
consumo para pressionar agricultores e proprietários de terras da Califórnia
(JENKINS; PERROW, 1977).
Afro-americanos também usaram o mercado como uma arena para
a política racial. Eles, repetidamente, boicotavam buscando incentivar
o movimento dos direitos civis, sendo o caso do boicote ao ônibus de
Montgomery o mais famoso (FRIEDMAN, 1999). Na década de 1970 e
1980, boicotes foram utilizados como uma ferramenta em todo o mundo,
numa campanha contra o regime do apartheid, na África do Sul (SEIDMAN,
2003).
Evidências empíricas sugerem que  o uso  do consumo  político tem
aumentado  nas ultimas décadas, em parte,  como resultado  dos processos
de globalização. Embora dificilmente haja algum material específico sobre
boicotes e “buycotts”, acadêmicos têm demonstrado que várias ações, como
as anteriormente citadas, vêm ganhando espaço como ferramenta política
(STOLLE; HOOGHE; MICHELETTI, 2005).
Um exemplo de boicote recente foi o movimento contra os produtos
franceses por parte dos americanos, após a negativa francesa de invadir o
Iraque em 2003. Aparentemente, o descontentamento americano não foi
expresso em passeatas e violência contra a embaixada francesa, por exemplo;
ao invés disso, optaram por prejudicar as exportações francesas por meio
da redução e/ou não consumo de seus produtos (STOLLE; HOOGHE;
MICHELETTI, 2005). O “buycot” pode ser entendido como uma iniciativa,
um “prêmio” aos produtores e comerciantes que sejam socialmente
responsáveis, ou que estejam alinhados a determinadas posições (políticas)
de seus consumidores (MICHELETTI, 2003a).
Quando  os cidadãos se engajam  em boicotes  ou “buycotts”, com  o
objetivo de utilizar  o mercado para sinalizar  suas preocupações políticas,
pode-se afirmar que estão  participando de atos de consumo político, o que 
pode ser definido como a escolha do consumidor  baseada em considerações
políticas ou  éticas, que, de certa forma, legitimam seus produtores
(MICHELETTI, 2003b).
Os consumidores, neste contexto, escolhem produtores
específicos,  ou  porque querem mudar instituições, ou porque querem
mudar práticas de mercado. Eles as fazem  baseados em considerações de

a sustentabilidade da economia solidária 179


justiça ou equidade, ou, ainda, avaliando negócios e práticas de governo que
estejam coerentes com sua visão de mundo. 
Independentemente de  consumidores  agirem individualmente  ou
coletivamente, suas escolhas refletem um entendimento dos produtos além
de seu uso material, entendem o produto inserido num contexto social mais
complexo e normativo, o qual pode ser chamado de “a política por trás de
produtos” (MICHELETTI, 2003a). Tal comportamento pode estar por trás
das decisões de compra dos produtos provenientes da ES.

Apresentação dos resultados

Neste tópico, apresentam-se os dados oriundos da pesquisa realizada


junto aos consumidores de produtos provenientes da ES, buscando-se traçar
um perfil dos mesmos, bem como analisar tais dados, confrontando-os com
a teoria anteriormente citada.

Tabela 1: Local aplicado

Local % dos entrevistados


CEPES 31%
CEPES Zona Norte 7%
CEPES Feira Calçadão 12%
Padaria Pão Maravilha 33%
INTES (UEL) 17%
Total 100%
Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Ainda que tenha havido um esforço para que as entrevistas fossem


pulverizadas, de modo a considerar de forma equilibrada os cinco pontos
de comercialização dos produtos de ES da cidade de Londrina, houve uma
incidência maior de respostas (33% do total) junto a consumidores da
Padaria Pão Maravilha, o que se deve ao fato de haver um fluxo maior de
pessoas neste empreendimento, comparando-se aos demais. No CEPES,
foram efetivadas 31% do total de entrevistas, já nas duas feiras que os grupos
de ES integrantes do CEPES são participantes, zona norte e calçadão, foram
entrevistados 19% do total. Os clientes dos grupos pertencentes à INTES

180 a sustentabilidade da economia solidária


somaram 17% dos entrevistados, justificando-se este número pelo reduzido
fluxo de consumidores no período.

Tabela 2: Escolaridade

Nível de Escolaridade % dos entrevistados


Fundamental Incompleto 14%
Analfabeto 2%
Fundamental Completo 4%
Médio Incompleto 7%
Médio Completo 15%
Superior Incompleto 26%
Superior Completo 22%
Pós-Graduação 9%
Mestrado 1%
Total 100%
Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Já em relação à faixa etária, nota-se uma incidência maior de


consumidores com idades compreendidas entre 26 e 35 anos, totalizando
24% dos entrevistados, seguida, por perto, pela faixa anterior, de 18 a 25 anos,
somando 22% dos respondentes, ou seja, pode-se inferir que os consumidores
“solidários” pertencem, em sua maioria, à classe jovem. Porém, este resultado
não foi linear, uma vez que, a maioria dos consumidores do CEPES possui
idade entre 46 e 55 anos e são, na sua maioria, moradores da região. Em
relação aos entrevistados na Padaria Pão Maravilha, verificou-se uma maior
pulverização entre as diferentes faixas etárias, sem predominância acentuada
de nenhuma em particular.
Na análise das respostas, chama a atenção, de forma particular, a
incidência assimétrica do público feminino, sendo 78% do total contra
apenas 22% de homens. Tal fato pode ser explicado pelos tipos de produtos
comercializados na maioria dos pontos de venda da ES, em que há um
predomínio de peças de artesanato e de confecção femininas.
Ainda dentro da identificação do perfil dos consumidores da ES,
percebe-se que, em relação à escolaridade dos frequentadores das feiras,
26% possuem nível superior incompleto e 22% ensino superior completo.
Chama a atenção, também, o número expressivo de pós-graduados, 9%,

a sustentabilidade da economia solidária 181


e 4% possuem mestrado. Também, no caso dos consumidores do CEPES,
59% assinalaram possuir ensino superior completo, o que reforça os dados
levantados nas feiras em que se comercializam produtos da ES. De forma
geral, percebe-se que grande parte dos consumidores apresenta um grau de
escolaridade bem acima da média nacional, podendo-se arriscar que certos
aspectos culturais e valorativos podem pesar na escolha destes produtos.
Porém, a realidade presenciada na Padaria Pão Maravilha é bastante
distinta das demais, já que a maioria dos consumidores do local, 64%, não
completou o ensino médio. Este fato pode ser mais bem explicado ao se
compreender a realidade da região que sedia o empreendimento, já que
se trata de um distrito rural da cidade de Londrina, com poucas escolas,
obrigando a população a ter que se deslocar para a cidade para poder
alcançar níveis mais elevados de escolaridade.
Outra questão que merece uma atenção especial é a que buscou apurar
o grau de conhecimento em relação ao conceito de Economia Solidária.
Perguntados se já tinham ouvido falar sobre Economia Solidária, 52% dos
consumidores pesquisados assinalaram afirmativamente, contra 48% que
desconheciam o significado do termo. Dessa feita, percebe-se o quanto o
conceito ainda é frágil, e que mesmo entre os próprios consumidores, o
desconhecimento é extremamente expressivo, sendo assim, os principais
motivos de adesão a esses produtos não estão ligados aos ideais que
fundamentam a ES, ou seja, não se baseiam no modelo de consumo solidário
descrito por Mance (2002).
De acordo com Singer (2002), a ES vem sendo amplamente apresentada
e discutida, tanto no meio acadêmico como no ambiente institucional,
como uma possível alternativa ao desemprego e à precariedade do trabalho,
dado o contexto de “crise estrutural do sistema capitalista” e seu “estado
monopolístico”. Porém, por meio dos resultados apurados nesta questão
específica, fica a dúvida se a divulgação da ES está sendo efetivada de forma
eficiente, pois, talvez haja uma concentração nos meios acadêmicos e um
baixo compromisso com a informação da população em geral, que são os
potenciais consumidores destes produtos.
Em relação ao conceito da ES por parte dos consumidores, de modo
espontâneo, o consumidor londrinense vincula a ES: à cooperativa (18%);
à solidariedade (13%); a ajudar a comunidade/pessoas de baixa renda
(11%); e consumo ético e consciente (11%). Por meio das respostas, pode-
se dizer que os consumidores que responderam já terem ouvido falar da
ES fizeram relações com palavras-chaves, que realmente representam a ES,
porém, nenhum entrevistado soube desenvolver um conceito ou ideia mais

182 a sustentabilidade da economia solidária


consistente sobre a Economia Solidária. Vale a pena ressaltar, o fato de que
um número expressivo de entrevistados (25%) estava adquirindo produtos
da ES pela primeira vez.
No que se refere ao posicionamento político, pode-se notar que a
maioria dos entrevistados, 56%, possui uma posição político-ideológica
mais próxima dos ideais de esquerda. Ou seja, estes consumidores esperam
um Estado interventivo e regulador da atividade econômica, capaz de
garantir justiça social por meio de instrumentos de distribuição de renda,
tendo como valor maior a priorização da igualdade, pode-se arriscar, ainda,
que esses consumidores estariam, de certa maneira, realizando “buycot” aos
empreendimentos de economia solidária.
Em sentido contrário, 26% dos entrevistados assinalaram uma
preferência pelos ideais considerados mais de direita, defendendo a ideia de
que a interferência do Estado deve ser minimizada, devendo-se priorizar a
liberdade individual à igualdade, apoiando-se e defendendo a capacidade do
mercado como principal regulador econômico. Há que se destacar que 18%
dos entrevistados não tinham opinião ou não entenderam a questão.

Tabela 3: Avaliação da localização

Avaliação do Local % dos entrevistados


Ruim 6%
Razoável 10%
Boa 56%
Ótima 28%
Total 100%
Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Quanto à infraestrutura do local dos empreendimentos onde se


comercializam os produtos da ES, a maioria dos entrevistados, 56%,
classificam-na como satisfatória, contra 28% que a apontaram como ótima.
Em sentido inverso, 16% demonstraram-se descontentes em relação aos
pontos comerciais da ES. Destaca-se, de forma particular, a repercussão
negativa em relação ao CEPES, em que foi apontada a falta de visibilidade
dos produtos aí comercializados, além da fraca divulgação, o que contribui
para a baixa circulação de consumidores no local.
Quanto à diversidade dos produtos comercializada pelos
empreendimentos da ES, 61% dos entrevistados considera boa, ante 28%

a sustentabilidade da economia solidária 183


que assinalaram ótima, o que totaliza um expressivo índice de 89%, contra
11% que percebem a diversidade de produtos como apenas razoável. Foi
observado nesta questão, que a maioria das pessoas que assinalaram razoável
a diversidade de produtos, o fez devido a não ter encontrado certos produtos
que eram comuns no local, e, que, devido à saída de alguns grupos do CEPES,
esses itens passaram a não mais constar no mix ofertado no local.

Tabela 4: Qualidade dos produtos

Avaliação dos produtos % dos entrevistados


Ruim --
Razoável 1%
Boa 49%
Ótima 49%
Não sabe 1%
Total 100%
Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Em se tratando da qualidade de produtos, atestou-se um elevado


grau de aprovação em relação aos produtos ofertados provenientes de
empreendimentos de ES, sendo que 49% os consideram ótimos, e 49%
como bons, levando a um indicador de 98% de aprovação, o que é bastante
expressivo, considerando que uma boa parte dos consumidores possui alto
grau de instrução, o que geralmente implica maior rigor de análise quantos
aos benefícios do produto comprado.
Em relação ao atendimento, a grande maioria dos entrevistados, 53%,
afirmou que o atendimento é bom, e 41% o avaliaram como ótimo, porém,
4% e 2%, respectivamente, avaliaram como razoável e ruim. Estes resultados
menos favoráveis podem ser explicados pelo fato de alguns consumidores
não gostarem do atendimento da Padaria Pão Maravilha, pois alegaram
que faltam “trabalhadores” para o atendimento, e outros disseram que os
colaboradores simplesmente não atendem de forma adequada.
Em relação aos hábitos dos consumidores, constatou-se que, em sua
maioria (80%), consumem os produtos alimentícios, o que deve ter uma
relação direta com a frequência de aquisição, alimentos são geralmente
consumidos de forma mais intensa, gerando maior fidelidade por parte
dos consumidores. Este argumento pode ser reforçado ao se verificar que
as pessoas que consomem produtos da ES com maior frequência são os

184 a sustentabilidade da economia solidária


consumidores da Padaria Pão Maravilha. Neste caso, é bom ressaltar que o
consumo pode estar mais relacionado à conveniência do que ao seu atributo
solidário ou político.

Considerações finais

Ainda em relação às duas iniciativas descritas no parágrafo anterior,


parece haver um descompasso entre os produtos e serviços ofertados e as
demandas do mercado; a maioria das iniciativas está ligada ao artesanato, à
confecção e ao alimento, e apresenta dificuldades em alinhar estes produtos
com as necessidades e desejos dos consumidores. Percebe-se que nem todos
os produtos são adequados à realidade da Economia Solidária, já que, em
muitos casos, para que haja viabilidade econômica, a quantidade de unidades
vendidas supera largamente o potencial, tanto de produção dos grupos como
de absorção média do mercado local, inviabilizando o empreendimento logo
à partida.
Tomando como referência o objetivo geral da pesquisa, que era o de
identificar o perfil dos consumidores de produtos da Economia Solidária
de Londrina-PR, conclui-se que não existe uma homogeneidade do perfil
do consumidor, porém, existem pontos de congruência. Em relação aos
pontos de congruência, constatou-se que o público consumidor dos
produtos da ES na cidade de Londrina apresenta uma expressividade maior
entre as mulheres, o que se deve ao tipo de produto comercializado que se
aproxima mais do universo feminino. Os próprios empreendimentos de
ES da cidade são eminentemente compostos por mulheres, o que reforça
as afirmações já encontradas em outras pesquisas, a de que a ES é um
universo predominantemente feminino. Ainda dentro da análise do perfil
dos entrevistados, verifica-se a predominância de jovens de até 35 anos, e de
elevado grau de escolaridade.
Uma das questões que mais chamou a atenção foi a que buscou apurar
o grau de conhecimento em relação ao conceito de Economia Solidária,
e verificou-se que o desconhecimento ainda é extremamente elevado,
compreendendo a quase metade dos entrevistados neste quesito, ainda mais,
considerando-se que, na sua maioria, trata-se de pessoas com elevado nível
de formação educacional. Esse resultado vem demonstrar a fraca divulgação
da ES, o que limita e enfraquece o seu potencial de desenvolvimento, e
até mesmo de abrangência. Verifica-se que uma expressiva quantidade de

a sustentabilidade da economia solidária 185


entrevistados consome os produtos da ES, mesmo não sabendo dos valores
e princípios que balizam esta forma de produção.
Importante ressaltar que em relação à difusão, tanto da Economia
Solidária, de um modo geral, quanto dos empreendimentos e produtos
disponibilizados por estes na cidade de Londrina, ainda é bastante precária,
fazendo com que a sugestão apontada com maior expressividade por parte
dos consumidores seja a de aumentar a divulgação, tanto da ES como de seus
produtos. Pode-se concluir que, de modo geral, a percepção e avaliação dos
consumidores em relação aos produtos da Economia Solidária são positivas,
nomeadamente ressaltando a qualidade e diversidade dos produtos, mas
difíceis de encontrar, o que denota uma falha na distribuição.
Considerando os resultados de maneira geral, pode-se dizer que
a pesquisa revelou um consumidor muito irregular, com particularidades
em cada local, porém, com similaridades que apontam para tendências
importantes. Em suma, o presente estudo apontou, preliminarmente,
algumas barreiras para a disseminação do consumo solidário dos produtos
da Economia Solidária. Primeiramente, o fator conhecimento é o grande
complicador, aliado à distribuição e divulgação dos produtos, pois os
consumidores alegaram não saber exatamente o que é a Economia Solidária,
quais os seus produtos e onde são comercializados.
Por fim, o que se pode observar é que as atividades de Economia
Solidária ainda são escassas em Londrina e, mais ainda, são, na sua maioria,
bastante frágeis, sobrevivendo de incentivos institucionais, já que a maioria
destas experiências ainda não conseguiu um espaço apropriado no mercado,
dificultando a sua autonomia. Porém, há que se considerar que são iniciativas
recentes e que estão trabalhando dentro de uma lógica pouco comum e, por
isso, sem alicerces teóricos e mesmo experiências práticas que apontem
coordenadas seguras. Certamente, a difusão de um novo padrão de consumo,
capaz de incorporar valores e perspectivas mais profundas de transformação
social, são passos importantes para se vislumbrar novos patamares para a ES
e para a transformação do ato de consumo, de um simples impulso alienado
para uma atitude política de participação cívica de alto impacto.

186 a sustentabilidade da economia solidária


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a sustentabilidade da economia solidária 189


PODER PÚBLICO E ECONOMIA SOLIDÁRIA NA COLETA
SELETIVA E RECICLAGEM: AVANÇOS E DESAFIOS DA
COOPERSIL EM LONDRINA – PR1

Fabio Lanza
Líria Maria Bettiol
Luis Miguel Luzio dos Santos
Edson Elias de Morais

Introdução

No século XIX, em pleno desenvolvimento da segunda Revolução


Industrial na Europa Ocidental, a mobilização dos trabalhadores
apresentava-se como a maior contradição frente à indústria capitalista e seus
proprietários. Neste processo, uma parte do movimento socialista procurou
desenvolver estratégias que subvertessem o sistema capitalista, e propôs um
modelo de produção em que as sobras, e não salários, fossem partilhadas
pelo grupo, ou cooperados, não havendo, assim, expropriação da mais-valia
por parte do empresário capitalista. Nesta perspectiva, Socialista Utópica, é
possível uma forma de organização de trabalho não capitalista, utilizando-se
do modelo de produção industrial em uma economia de mercado.
As discussões contemporâneas sobre a relação dos processos da classe
trabalhadora têm permitido a visualização de duas estratégias distintas,
uma é a de organizar politicamente trabalhadores empregados, a outro a
de proporcionar uma forma de trabalho não capitalista dentro do sistema
capitalista para aqueles que estão desempregados, ou à margem do sistema
social e produtivo. Ou seja, responder às necessidades imediatas com vista
a projeções futuras, porque “para amenizar a questão do desemprego e
oferecer oportunidades para aqueles que estão socialmente excluídos,
é importante criar alternativas reais de reinserção na economia por sua
iniciativa individual ou coletiva” (Culti, 2000, p. 118). Uma das questões
postas pelos sujeitos vinculados à perspectiva do Socialismo Utópico é criar

1
Esta produção é decorrente dos projetos de pesquisas “Responsabilidade social e direitos dos
trabalhadores: uma análise de padrões de regulação das estratégias de empresas multinacionais no
Brasil”, “Economia solidária e políticas públicas: uma análise da formação de cooperativas no município
de Londrina” e da participação no Grupo de Estudos sobre Novas Tecnologias e Trabalho – GENTT e na
Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Sociais Sustentados – INTES/UEL.

a sustentabilidade da economia solidária 191


mecanismos para que o trabalhador seja proprietário dos meios de produção
e dos resultados obtidos do processo produtivo.
O Socialismo Utópico foi um movimento de reforma social iniciado
no século XVIII e mais difundido durante o século XIX devido à instauração
da Revolução Industrial. Os membros desse movimento buscavam fazer
uma reforma social por meio do apelo à razão e educação. Mas o que melhor
caracteriza tal movimento são as formações cooperativistas de trabalhadores,
uma vez que a exploração do trabalho assalariado é o motivador prático e
intelectual dos socialistas. Temos como principais representantes os nomes
de: Charles Fourier (1772-1837); Robert Owen (1771-1858); Henri Saint-
Simon (1760-1825).
Mais recentemente, no último quarto do século XX, houve um
revigoramento destes ideais que resultaram em múltiplas alternativas que se
encontram na busca por soluções contra a miséria, a exclusão, o desemprego
e a cultura individualista dominante, ao que respondem com iniciativas
balizadas em ideais de igualdade, cooperação e solidariedade, movimento
que se tornou genericamente conhecido por Economia Solidária.2
É verdade que cada período econômico da história humana apresentou
seus obstáculos na distribuição das riquezas. Mas o capitalismo recente
apresenta discrepâncias sociais abissais e em processo ascendente em todo
o mundo, o que leva a consequências desastrosas para toda a humanidade.
O conceito de Economia Solidária não é, todavia, tão claramente
delineado e possui diferentes perspectivas para o trato teórico na atualidade.
Singer (2008) confere à Economia Solidária uma função maior do que apenas
uma resposta econômica à incapacidade do capitalismo de integrar todos os
seus membros ao mercado de consumo. Para o autor, a Economia Solidária
pode ser uma “alternativa superior ao capitalismo”, já que esta superioridade
não deve ficar restrita ao plano econômico, mas sim, em termos de qualidade
de vida e de uma nova sociabilidade (SINGER, 2008, p. 114).
No sentido de aprofundar essas análises sobre Economia Solidária
e associá-las com as Políticas Públicas formuladas para o segmento de
trabalhadores da coleta seletiva de Londrina, a presente investigação ocorreu
em 2009 e 2010, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo,
com observação e entrevistas com sujeitos envolvidos: representantes das
políticas públicas do município – quando foram pesquisados dados oficiais,3

2
Para maior aprofundamento ver: MORAIS, E. E. et al. (2011).
3
A partir da CMTU – Companhia Municipal de Transito e Urbanização e da Secretaria Municipal de
Assistência Social.

192 a sustentabilidade da economia solidária


trabalhadores da reciclagem e membros do experimento de economia
solidária – Coopersil.

Dados oficiais relativos às organizações da sociedade civil e cooperativas


que atuam no segmento da coleta seletiva e reciclagem no município de
Londrina (2009-2010)

A coleta seletiva em Londrina existe desde 1996, porém, a inclusão


social dos catadores teve início apenas em 2001, com o envolvimento do
poder público no sentido de retirar cerca de 60 catadores do aterro municipal
e ampliar a cobertura da coleta seletiva no município. Os catadores foram
então estimulados a se organizarem em ONGs – Organizações Não
Governamentais, fato que preconizou o processo de descentralização e
formalização da atividade de coleta seletiva no município.
A implantação do Programa Reciclando Vidas, em 2001, possibilitou
a parceria entre vinte e seis Organizações Não Governamentais e a prefeitura
de Londrina, envolvendo um contingente de 474 catadores de rua e alguns
desempregados. Porém, a parceria entre a prefeitura e as ONGs ficou
comprometida com as irregularidades institucionais, legais, estruturais
e ambientais, que acompanhavam a realidade da maioria das entidades.
As condições de trabalho eram extremamente precárias e se processavam
em locais inadequados, muitas vezes em áreas de preservação ambiental.
Também não dispunham de nenhum tipo de equipamento de proteção
individual, e os materiais ficavam expostos ao ar livre, implicando risco para
a saúde e para o meio ambiente.4
O fato de se organizarem sob o modelo de associações civis, tornou-se
uma limitação ao impossibilitar a comercialização direta para as indústrias de
reciclagem, fortificando o papel do atravessador, alimentando a exploração
dos trabalhadores de reciclagem. A renda auferida era extremamente baixa
e variável, além de não disporem de um método apropriado que garantisse
justiça na distribuição dos rendimentos, o que muitas vezes resultava em
conflitos internos.
Esta realidade perversa acabou por provocar a mobilização de
diversos segmentos da sociedade, que passaram a pressionar as autoridades
municipais no sentido de se avançar para um modelo de coleta seletiva que
oferecesse maior dignidade a seus trabalhadores e se desenvolvesse de forma

4
Cf. entrevista fornecida por Vanessa Alves, integrante da equipe do escritório da Coopersil.

a sustentabilidade da economia solidária 193


sustentável. Tal visão apoiava-se na percepção da relevância singular desses
serviços para toda a coletividade, que, como tal, deveriam ser apoiados pelo
poder público.
Com a crise de 2008, a realidade dos catadores de recicláveis de
Londrina tornou-se insustentável; a queda do preço do material reciclável
levou os catadores a reivindicarem, junto ao poder público municipal, um
contrato de parceria na prestação desse serviço. Diante das adversidades,
houve uma aproximação entre as associações, que até então possuíam uma
história de individualismo provocada pela disputa de setores, de recursos e
de poder. A partir desse momento, os catadores iniciaram um processo de
reconhecimento de sua identidade coletiva, de valorização de suas afinidades
e identidade comum, o que resultou na integração das demandas e a busca
conjunta por soluções para o segmento.
Por orientação jurídica do Conselho Municipal do Meio Ambiente
e Promotoria do Meio Ambiente, e na perspectiva de fortalecimento dos
catadores de recicláveis, no dia 12 de setembro de 2009 foi constituída a
Coopersil – Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis e Resíduos
Sólidos da Região Metropolitana de Londrina, formada inicialmente por 20
catadores. Em outubro de 2009, a Prefeitura Municipal de Londrina editou
o decreto 829/2009, que instituiu o PROGRAMA LONDRINA RECICLA,
no qual a Coopersil se tornou parceira. Em março de 2010, a CMTU/LD –
Companhia de Transito e Urbanização de Londrina e a Coopersil assinaram
um contrato de prestação de serviços de coleta seletiva.5
Em abril de 2010, iniciaram-se as atividades comerciais da Coopersil.
Naquele momento, a cooperativa já contava com 102 membros provenientes
de 14 ONGs de catadores. Segundo o presidente da cooperativa, Sr. Zaquel
Vieira, em pouco mais de um ano de constituição foi alcançado um aumento
de mais de 100% de admissões de cooperados e de 108,5% no volume de
material comercializado, totalizando a venda de 450 toneladas/mês. Em
agosto de 2011, são 249 cooperados (BONINI, 2011, p. 9) que estão agrupados
em nove entrepostos (barracões de triagem) autogestionáveis, orientados
e supervisionados por um escritório central. Cada um destes entrepostos
é responsável pela coleta seletiva numa região específica da cidade, a qual
é operacionalizada por meio de coleta domiciliar com uso de carrinhos
eletrônicos. Em seguida, encaminham-se os materiais recicláveis para o
entreposto onde os materiais são separados, prensados e, posteriormente,
comercializados.
5
Cf. entrevista fornecida por Vanessa Alves, integrante da equipe do escritório da Coopersil ao Prof. Dr.
Luis Miguel Luzio dos Santos.

194 a sustentabilidade da economia solidária


Cerca de um ano e meio após a sua constituição, já se registra um
aumento de 90% na renda média de seus cooperados e todos possuem
recolhimento do INSS. A comercialização conjunta proporciona aos
catadores um maior poder de negociação, em alguns casos, diretamente com
as indústrias. Um exemplo são as caixas tetra pak, que antes da cooperativa
eram vendidas a R$ 0,05 o quilo, e, atualmente, a indústria direta compra a
R$ 0,32 o quilo.6
A coleta seletiva em Londrina é regulada pela CMTU – órgão
municipal com formação de economia mista com a iniciativa privada. Como
nos contou em entrevista a Assistente social e gestora executiva da coleta
seletiva de Londrina Marilys Garani, há uma divisão das regiões da cidade
para a coleta, desta forma, além de melhor organizado, há uma divisão mais
justa entre os catadores, lembrando que entre os catadores não cadastrados
pela CMTU, e até mesmo antes desse projeto, todos coletavam de forma
irregular, sem uma área determinada, o que gera uma série de conflitos entre
catadores e “atravessadores”, além de fazer com que eles se desloquem para
regiões longínquas de sua residência. Sendo essa, ainda há uma realidade
para muitos catadores que não aceitaram se cadastrar e se vincular a essa
nova forma de organização, a Coopersil.
A assistente social esclareceu, ainda, que o processo de criação
e organização dos catadores em cooperativa foi precedido de diversas
dificuldades, como, por exemplo, o fato destes trabalhadores estarem
estabelecidos em ONGs. A Lei Federal 8666/93 (Lei de Licitações) dispensa a
necessidade de licitação para cooperativas que são formadas exclusivamente
por catadores de materiais recicláveis (Ver artigo 24, inciso XXVII, da Lei
8666/93), tendo que modificar a forma de organização dos trabalhadores e o
próprio enfoque da política pública municipal.7
A Cooperativa recebe subsídio da Prefeitura para a coleta seletiva
na cidade, em contrapartida, deve prestar contas, tal como o pagamento
dos encargos previdenciários a todos os trabalhadores, aquisição dos
Equipamentos de Proteção Individual, recolhimento de impostos e emissão
de nota fiscal,8 além de obrigações gerais, como qualquer empresa prestadora
de serviços ao Município.

6
IDEM.
7
Conforme pesquisa de campo da acadêmica Silvia Letícia Schroeder, bolsista de Inclusão Social da
Fundação Araucária sob orientação do Prof. Dr. Fabio Lanza, UEL 2010.
8
Disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jl/online/conteudo.phtml?tl=1&id=979503&tit=Coopersil-
e-contratada-para-a-coleta-seletiva>. Acesso em: 26 mar. 2010.

a sustentabilidade da economia solidária 195


No que tange às parcerias da Coopersil com empresas privadas e
seus projetos de responsabilidade socioambiental, conta com o apoio
de duas organizações empresariais do setor: a Sonoco e a Tetra Pak,
que, em parceria com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA),
fizeram a doação de duas prensas que facilitam o trabalho dos catadores
e agregam valor ao material. A Coopersil recebeu ainda 500 telhas feitas
a partir do aproveitamento de plástico e alumínio das embalagens da
empresa Tetra Pak, que serão utilizadas na expansão das instalações da
cooperativa.9
Em abril de 2010, a Coopersil recebeu o primeiro pagamento da
Prefeitura de Londrina pelo serviço prestado no valor de R$ 62 mil reais.
Além do valor fixo, também há o repasse por domicílio atendido pelos
cooperados. Em 2011, houve a atualização do contrato entre a Prefeitura
Municipal e a entidade, segundo o prefeito Homero Barbosa Neto:

O valor do contrato geral da Prefeitura com a Coopersil, cujo reajuste foi


anunciado ontem, passou de R$ 33 mil para R$ 79.900 mensais. “A tonelada
passa de R$ 64,00 para R$ 74,78; a remuneração casa a casa passa de R$ 0,20
para R$ 0,22”, disse o prefeito, ao anunciar o reajuste. O aumento, segundo
ele, garante o funcionamento dos entrepostos; o recolhimento do INSS
para até 300 trabalhadores e a gestão administrativa da Coopersil como
escritório de contabilidade (PELEGRINO, 2011, s/p.).

As inovações tecnológicas também estão sendo inseridas na coleta


seletiva. Um ótimo exemplo é a utilização de carrinhos elétricos que foram
produzidos pela Usina Itaipu Binacional e repassados para o Movimento
Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Segundo a
assistente social Marylis Garani, em Londrina, o carrinho elétrico foi testado
e aprovado por 80% dos trabalhadores, e podemos observar essa aprovação
na fala do senhor Enézio Pinheiro, de 44 anos: “Eu não preciso mais trabalhar
12 horas como antes. É só puxar e vai embora. Quando chegava de tarde, não
aguentava, mas agora sobra energia”. Ele é capaz de carregar até 300 kg com
uma bateria com duração de 8 horas ou 25 a 30 km. O carrinho custa em
média R$ 6,8 mil.10
Analisando a relação de capital e trabalho, a forma de organização da
Coopersil está vinculada ao modelo de economia solidária, formação em

9
Disponível em: <http://www.jornaluniao.com.br/noticias.php?editoria=&noticia=NDk5Nw==>.
Acesso em: 19 fev. 2010.
10
Disponível em: <http://www.sintracoop.com.br/?p=968>. Acesso em: 19 fev. 2010.

196 a sustentabilidade da economia solidária


que não há exploração da mais-valia, mas sim, a divisão da sobra a partir do
trabalho efetuado dos cooperados, e, dessa forma, esses indivíduos exercem
sua singularidade, autonomia e dignidade.
Na contramão do processo de cooperativismo local, existe a Central
de Pesagem e Venda (Cepeve), que se organiza como ONG para fazer a coleta
de material reciclável em Londrina desde 2002. Para tanto, a instituição
demanda, desde 2009, recursos procedidos da Prefeitura da cidade.11 A
Cepeve, todavia, não aderiu à Coopersil durante o processo de contratação
da mesma e, portanto, não é beneficiária dos recursos que a Prefeitura repassa
aos catadores da Cooperativa. De acordo com a sua presidente, Sra. Sandra
Silva, “uma série de medidas já foi tomada pela Cepeve que não trouxeram
resultados. [...] Esperamos de coração que dê certo, mas não temos motivos
para acreditar que a cooperativa vai dar resultado”.12
Nesse processo de gestão da coleta seletiva em Londrina, há
contradições e disputas políticas, tanto entre as duas organizações de
catadores como na esfera das instituições locais. Nesse sentido, o vereador
Marcelo Belinatti solicitou um pedido de informação quanto a este impasse
junto a Prefeitura/CMTU e questionou a exclusão da Cepeve da contratação
como empresa prestadora de serviço de coleta e reciclagem para a Prefeitura
de Londrina. Igualmente arguiu quanto à legitimidade jurídica da contratação
e apoio da Coopersil pela Prefeitura.13
Para maior aprofundamento sobre o perfil dos trabalhadores
envolvidos com a coleta seletiva e reciclagem de materiais em Londrina,
foi investigado a partir do IRSAS – Sistema de Informatização da Rede de
Serviços da Assistência Social do município de Londrina, implementado para
facilitar a reunião dos dados da população atendida – o perfil da população
que atua no segmento estudado.
A responsável técnica pela gestão do sistema e pelas informações
colhidas em fevereiro de 2010 foi a Assistente Social Sâmia Mustafá, tendo
em vista o recorte investigativo, a partir deste cadastro digital é possível ter
uma noção real do perfil dos catadores de materiais recicláveis beneficiários
da Secretaria Municipal da Assistência Social e que não necessariamente
estão envolvidos com a Coopersil ou Cepeve.

11
Disponível em: <http://portal.rpc.com.br/jl/online/conteudo.phtml?tl=1&id=851980&tit=Pelo-
menos-o-salario-minimo>. Acesso em: 07 abr. 2010.
12
Entrevista ao Jornal de Londrina, 11 de setembro de 2009, p. 4.
13
Disponível em: <http://www.cml.pr.gov.br/home/PedidoInfo.asp>. Acesso em: 07 abr. 2010.

a sustentabilidade da economia solidária 197


Relação entre faixas etárias

Dos 360 trabalhadores do segmento da reciclagem cadastrados


no IRSAS, 245 são mulheres, enquanto apenas 115 são homens. Entre os
cadastrados, percebemos que a faixa etária de 31 a 50 anos possui maior
quantidade de trabalhadores. Os dados do IRSAS auxiliam na compreensão
da composição de gênero, pois, segundo os dados levantados, a quantidade
de mulheres no trabalho da coleta seletiva é superior a de homens, essa
composição modifica-se apenas na faixa etária dos jovens de 18 anos.

Escolaridade

A escolaridade é um fator importante para compreender a realidade


destes trabalhadores. Dos trabalhadores da coleta seletiva cadastrados, 01
trabalhadora cursa o ensino superior; 4 não informaram sua escolaridade;
8 possuem o Ensino Fundamental completo, enquanto apenas 13 deles
possuem o Ensino Médio completo. Existem ainda 26 trabalhadores que
iniciaram o Ensino Médio, mas não o completaram, e 33 completaram a 4ª
série. O número de analfabetos é de 44. A grande maioria está em dois grupos:
113 não concluíram a 4ª série e 119 estão entre a 5ª e 8ª séries incompletas.
Ao pensar o perfil populacional que compõe a cadeia produtiva da
reciclagem em Londrina, a assistente social Marylis Garani (da CMTU)
afirmou que:

hoje a cidade conta com mil catadores. São, 300 na Coopersil, 200 na
Cocepeve e mais 500 que atuam fora de cooperativas. ‘São moradores de
rua, pessoas que têm outras atividades (porteiros, zeladores, pedreiros)
e também coletam’, afirmou. ‘Estas pessoas recebem os materiais para
reciclagem diretamente de grandes geradores. Enquanto esses grandes
geradores não se adequarem continuaremos a ter catadores atuando de
forma irregular’ (PELEGRINO, 2011).

Dessa forma, e a partir dos dados oficiais, é possível perceber que os


trabalhadores são o elo frágil da cadeia produtiva da reciclagem em Londrina,
principalmente aqueles que estão fora da organização da Coopersil, tendo em
vista os baixos rendimentos e o perfil de dependência de políticas públicas
de assistência social. Ainda, há que se destacar que esses trabalhadores estão
à mercê de atravessadores que compram sua produção.

198 a sustentabilidade da economia solidária


Análise dos dados e da pesquisa de campo (observação e entrevista)

A sociedade capitalista é marcada pelo consumo, em que os produtos


se tornam obsoletos com uma velocidade cada vez maior, seja pela introdução
de “inovações”, ou por meio de indução publicitária com forte apelo a
modismos e criação de necessidades. Portanto, há relação ideológica entre
produção de novos produtos e conceito de qualidade de vida, felicidade e
desejos. Por outro lado, este aumento exagerado de produtos consumíveis
gera uma massa de materiais que são descartáveis, ou seja, lixo (resíduos
sólidos urbanos, industriais, hospitalares, entre outros). Para Bauman (2008,
p. 53), os pressupostos da sociedade de consumo indicam que “para atender
a todas essas novas necessidades, impulsos, compulsões e vícios, assim como
oferecer novos mecanismos de motivação, orientação e monitoramento da
conduta humana, a economia consumista tem de se basear no excesso e no
desperdício”. 
A economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias
e é considerada em alta quando o dinheiro muda de mãos; e sempre que
isso acontece, alguns produtos estão viajando para o depósito de lixo,
tornando a velocidade do uso e do descarte o mecanismo realimentador
do sistema, tentando sempre criar novos desejos em ciclos cada vez mais
curtos  (BAUMAN, 2008, p. 51). Assim, uma sociedade de produção em
massa é, ao mesmo tempo, uma produtora de lixo em massa.
Depois da Eco-Rio 92 e a criação da Carta da Terra14, foi dado maior
ênfase na questão socioambiental, e novas propostas sobre a reciclagem
como alternativa para diminuição de recursos naturais entraram na agenda
política. Até esse momento, o lixo era destinado aos aterros descontrolados,
vulgo lixões. Assim, a população excluída do mercado de trabalho e do
consumo garimpava restos de comida, roupas, sapatos e objetos que
pudessem ser úteis para eles, ou até mesmo serem trocados e vendidos,
porque “as veiz é só resto, mas as veiz é discuido”,15 realidade que pode ser
observada no documentário Estamira.
Essa política de meio ambiente e reciclagem incentivou a reorganização
das cadeias produtivas, pois a partir desse momento o que era lixo passa a
possuir valor de mercado, e, mesmo sendo lixo, volta a ser mercadoria, ou
seja, de lixo, material descartado passa a ser novamente matéria-prima para
novos produtos. E esse processo permanece na lógica capitalista, estimulando

Vide: <www.cartadaterra.com.br>.
14

Fala da senhora Estamira. Catadora no aterro sanitário do Rio de Janeiro In: Documentário Nacional.
15

Disponível em: <http://www.g1filmes.com/baixar/download-estamira-dvdrip-nacional/>.

a sustentabilidade da economia solidária 199


não somente a consciência ambiental, mas o acúmulo de capital, pois a
partir de uma estimativa do CEMPRE16 (Compromisso Empresarial para
Reciclagem), “o Brasil movimenta atualmente em torno de R$ 3 bilhões por
ano considerando apenas os cinco grandes grupos de materiais recicláveis:
plástico, papel, papelão, vidro, alumínio e borracha” (GONÇALVES, 2005, p.
87). Portanto, é um ramo altamente rentável, mas rentável para a indústria
de transformação.
Por outro lado, a política de proteção do meio ambiente fornece
possibilidade de emprego aos excluídos economicamente das demais
cadeias produtivas do sistema capitalista. Além disso, os trabalhadores
não precisam mais garimpar lixo nos aterros sanitários, correndo o risco
de alta contaminação. A profissão de catador tornou-se regulamentada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, sob o código 5192.17 Contudo, ainda
é visível a permanência de inúmeras pessoas nos lixões das mais diversas
cidades que não aceitaram sair de suas rotinas.
Na cidade de Londrina, não foi diferente, devido ao alto consumo,
produz-se muito material que se não coletado como reciclável é destinado
ao aterro, diminuindo sua vida útil. Conforme matéria publicada no Jornal
de Londrina (22.01.2009), na década de 1990, aproximadamente 80 pessoas
passavam o dia no aterro sanitário da cidade de Londrina a recolher materiais
descartados pela população, os quais passavam a ser reaproveitados para
reciclagem.
Como alternativa de renda, muitas pessoas em situação de rua e
desempregados sem outra possibilidade de emprego se destinaram a fazer
a coleta desse material, vendendo aos atravessadores e estes à indústria. E,
dessa forma, confirma-se a tese de Bosi (2088, p. 102): “que o trabalho dos
catadores de recicláveis no Brasil está integrado ao processo acumulação de
capital e que a suposta situação de exclusão dos catadores o qualifica para
essa ocupação”.
Dessa maneira, a relação de exploração da mais-valia está inserida
no processo da reciclagem, relação que está oculta mediante o discurso
de proteção ao meio ambiente e geração de emprego e renda. A partir da
pesquisa documental e de campo foi possível identificar como a proposta
para superar essa relação de exploração foi formada por incentivo da
16
<http://www.cempre.org.br>.
17
“Os trabalhadores da coleta e seleção de material reciclável são responsáveis por coletar material
reciclável e reaproveitável, vender material coletado, selecionar material coletado, preparar o material para
expedição, realizar manutenção do ambiente e equipamentos de trabalho, divulgar o trabalho de reciclagem,
administrar o trabalho e trabalhar com segurança”. In: Classificação Brasileira de Ocupações. Disponível
em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/informacoesGerais.jsf>. Acesso em: 05 maio 2010.

200 a sustentabilidade da economia solidária


Prefeitura Municipal de Londrina na década passada, cerca de 30 ONGs e
associações de catadores de material reciclável na cidade, na expectativa de
aumento de renda e sem uma relação de patrão e empregado.
No entanto, a partir das entrevistas e da observação de campo, essa
forma de associação na última década não supriu as necessidades desses
trabalhadores, uma vez que a demanda da coleta é alta, e não possuíam os
devidos equipamentos e formas de gestão e venda dos materiais coletadas,
o que fez com que diminuísse o valor do material reciclado, diminuindo,
também, a renda dos catadores, além de condições de trabalho precárias e
receita incapaz de garantir o mínimo de dignidade para esses trabalhadores.

Conclusão

A partir dos dados levantados e da pesquisa de campo junto à


realidade local, há um consenso sobre as dificuldades presentes em várias
cooperativas e associações, trata-se da autogestão. Isso se deve ao fato de
que, embora o ideário cooperativista seja solidário (da Economia Solidária),
tal cooperativa está inserida numa economia de mercado. Ratificando essa
análise, em uma atividade de extensão com os membros da Coopersil em
conjunto com a equipe de pesquisadores (e autores) quando visitaram outra
cooperativa desse segmento no município de Apucarana, pudemos observar
a afirmação do gerente da COCAP:18 “Quem compra, não compra porque
quer contribuir com a economia solidária, mas porque é vantajoso, é um preço
e qualidade competitiva no mercado”.19 Assim, a lógica de administração, em
certa medida, tem de ser pautada pela lógica do mercado, se não todo o
trabalho, todo o investimento e luta não têm resolutividade.
Outro fator importante a ser analisado é a formação cultural do
cooperativismo. Há relatos do presidente da Coopersil, Zaqueo Vieira, de
que os cooperados oscilam em dois extremos, ou se acham empresários
e não se preocupam em querer trabalhar tanto quanto os outros, ou se
sentem como funcionários não querendo assumir as responsabilidades da
cooperativa. Isso se deve aos processos ideológicos de mercado e relação
de naturalização da exploração do trabalho. Portanto, faz-se necessário
promover um renovo de cultura e contribuir para que esses cooperados

18
A Cocap é uma cooperativa de reciclagem que surgiu como projeto social da Igreja Católica e da Cáritas
no Brasil com o objetivo de criar um ambiente de trabalho digno para os catadores de material reciclável.
19
Funcionário contratado que presta serviço como celetista à Cocap durante a pesquisa de campo na
cidade de Apucarana-PR. (Entrevista concedida em:15 dez. 2009).

a sustentabilidade da economia solidária 201


assumam sua responsabilidade e direito frente à empresa prestadora de
serviços ao município londrinense.
Assim, o papel do poder público frente à necessidade desses catadores
tem sido efetivo, no entanto, não se demonstra uma política de geração
de trabalho e renda, mas sim de saneamento e gestão dos resíduos sólidos
urbanos (lixo), pois se não fossem esses catadores, os recursos públicos
seriam destinados a qualquer outra empresa.
Ao longo de 2010, foi possível perceber por meio de outras ações da
Prefeitura Municipal que não se trata de uma política de geração de trabalho
e renda, devido à realidade do restante dos trabalhadores informais na cidade
de Londrina, haja vista, como, por exemplo, os vendedores ambulantes que
foram destituídos de seu trabalho em nome de “revitalização” de praças,
calçadão e terminal urbano, e após esse processo de “revitalização” seria
aberta nova licitação de alvarás para os respectivos segmentos. No entanto,
esses trabalhadores informais (vendedores ambulantes, carrinheiros de
lanche, entre outros) não conseguiram ganhar os processos de licitação,
tendo em vista a concorrência com empresários de alimentação e similares
de Londrina.
Há que se considerar a oportunidade ímpar vivenciada pela parceira
Coopersil e Poder Público em viabilizar uma articulação capaz de unir a
necessidade de geração de trabalho e renda para grupos historicamente
excluídos de todo o tipo de direitos e, ao mesmo tempo, garantir a execução
de atividades essenciais à população e que são de responsabilidade do
Estado. Quer-se aqui ressaltar a possibilidade de expansão de um modelo de
parceria entre o poder público e iniciativas de economia solidária, em que
as segundas tenham privilégios na disputa pelo atendimento a demandas
públicas. Essa prerrogativa apoia-se na tese de Barbosa (2007), na qual
problemas estruturais não podem ser transferidos para a esfera individual
dos excluídos e do mercado, mas têm de ser assumidos pelo poder público.
Dessa forma, cabe à Coopersil desempenhar seu trabalho da melhor
forma possível, estruturar-se e organizar-se, promovendo a integração de
todos os trabalhadores no objetivo da cooperativa autogestionária e, assim,
ser competitiva em comparação com outras empresas especializadas. Como
hipótese, caso a Coopersil não consiga efetivar suas ações e cumprir o
contrato de prestação de serviços junto à Prefeitura Municipal, seu contrato
será extinto e abrirá caminho para a iniciativa privada atuar nessa área da
coleta seletiva e reciclagem.
Ao identificar vários aspectos que foram destacados ao longo deste
estudo, alguns eixos centrais são colocados como desafios na busca dessa

202 a sustentabilidade da economia solidária


forma de organização produtiva autogestionária, democrática e solidária: O
interesse dos sujeitos envolvidos e a clareza do projeto a seguir; a articulação
entre a mobilização social desses sujeitos e as políticas públicas, bem como
a importância da assessoria técnica; o papel das universidades no contexto
regional; e a importância da compreensão do valor da propriedade coletiva e
a conquista dos benefícios na mesma forma.

Referências

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de janeiro: Zahar, 2008.

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Abramo, 2008.

204 a sustentabilidade da economia solidária


O princÍpio dA autogestão no empreendimento
de economia solidária “mão na terra”

Patrícia Andrade Garcia


Líria Maria Bettiol Lanza

Introdução

O trabalho no modo de produção capitalista torna-se mercadoria,


alienando o homem trabalhador, pois o produto não é mais para suprir suas
necessidades, mas as do capital que domina os meios de produção. Surgem,
entretanto, na sociedade, a partir do século XIX, outras formas de pensar a
gestão do trabalho de forma a valorizar o homem e sua capacidade criativa,
visando à não exploração da mão de obra. Estas foram as primeiras experiências
de autogestão, elaboradas por um grupo de teóricos denominados socialistas
utópicos. Estas propostas ganham força e se espalham por toda a Europa por
meio de cooperativas oriundas do movimento operário.
As primeiras experiências autogestionárias mais expressivas no Brasil
ocorrem por volta do ano de 1980, dentro do movimento de Economia
Solidária, que retoma o significado das antigas experiências autogestionárias
do socialismo utópico. Dessa forma, a autogestão ocupa um lugar central na
discussão sobre a Economia Solidária.
A Economia Solidária vem crescendo e ganhando visibilidade nas
instâncias públicas por meio da articulação em espaços deliberativos e
participativos, como nos Fóruns Nacionais e Estaduais, em legislações
municipais e estaduais específicas, e em parcerias com a rede de Incubadoras
Universitárias. Atualmente, a Economia Solidária brasileira luta pela
efetivação de uma política pública nacional que pretenda regularizar o
trabalho dos empreendimentos de Economia Solidária.
O presente estudo é fruto de reflexões sobre o princípio da autogestão
nos empreendimentos de Economia Solidária que foi desenvolvido no
trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social. Dessa
pesquisa, foram retiradas as principais reflexões reunidas neste capítulo.
Na primeira secção, com base na concepção marxista de trabalho como
princípio fundante do ser social, abordamos como o modo de produção
capitalista organiza a força de trabalho e como a transforma em mercadoria.

a sustentabilidade da economia solidária 205


Em seguida, abordamos as origens da autogestão e da Economia
Solidária e um breve ralato de sua trajetória no Brasil. Relatamos, também,
como a autogestão se caracteriza como um princípio da Economia Solidária,
sua definição e considerações sobre sua prática.
E, por fim, o leitor encontrará parte da análise da pesquisa realizada
com o empreendimento de Economia Solidária “Mão na Terra”.1 Com base no
referencial teórico estudado, foram definidos eixos de análise, que versaram
sobre o perfil dos entrevistados; autogestão e a organização do trabalho;
autogestão e práticas participativas; e o papel da Incubadora Tecnológica
de Empreendimentos Solidários INTES2 como colaborador externo de
assessoria ao empreendimento “Mão na Terra”.

A organização do trabalho na sociedade capitalista

Refletir sobre a gênese do trabalho e de como este vai se transformando


ao longo dos séculos pela gestão, nos padrões do modo de produção do
sistema capitalista, é parte dos objetivos deste item.
Entre as questões consideradas centrais sobre o processo das relações
sociais e do desenvolvimento humano encontra-se o trabalho e a forma como
o homem o organiza, em um determinado período histórico (GARCIA,
2011, p. 14).
Esta articulação entre homem e natureza é denominada trabalho,
a partir do trabalho o homem se constrói como ser social, com leis e
desenvolvimentos históricos distintos das leis da natureza (LESSA; TONET,
2008, p. 17).
Karl Marx (1818-1883), reconhece o trabalho como ferramenta
transformadora do homem, recorremos a ele para comentar os rumos

1
O empreendimento Mão na Terra nasceu em 2009, a INTES, por meio de projeto apresentado e aprovado
pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – SETI e do Programa Universidade
Sem Fronteiras, que passou a contribuir junto com algumas pessoas que manifestaram interesse
na organização do trabalho coletivo, com incentivo ao cultivo de plantas medicinais e ornamentais
(PISSINAT et al, 2009, p. 550).
2
A Incubadora Tecnológica de Economia Solidária (INTES) nasceu como um projeto de extensão
vinculado à Universidade Estadual de Londrina (UEL), por meio da Pró-Reitoria de Extensão, fruto da
participação da Universidade em um edital do MCT/FINEP. Atualmente, a incubadora é um programa
vinculado a um projeto do edital do PRONINC, órgão financiador das incubadoras universitárias, que
pertence ao MDS (GARCIA, 2011, p. 52). Cf. CORDEIRO, Sandra Maria Almeida et al. Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários – INTES/UEL. História e desafios. In: BORINELLI,
Benilson; SANTOS, Luis Miguel Luzio dos; PITAGUARI, Sinival Osório (Org.). Economia Solidária em
Londrina: Aspectos conceituais e a experiência institucional. Londrina: UEL, 2010.

206 a sustentabilidade da economia solidária


tomados pela organização do trabalho, e de como seu significado foi
modificado na história do modo de produção capitalista.

O trabalho na construção do ser social e o trabalho como mercadoria

Marx, no primeiro volume de sua obra O Capital (primeira edição


publicada em 1867), caracterizou o trabalho como atividade exclusivamente
humana. O homem, que transforma a natureza com o objetivo de suprir suas
necessidades, acaba por transformar a si próprio por meio do trabalho.
A essa capacidade humana de executar o trabalho, Marx (1980) vai
chamá-la de “força de trabalho”. “A utilização da força de trabalho é o próprio
trabalho” (MARX, 1980, p. 201). Tudo o que permeia a força de trabalho se
caracteriza como recurso exclusivo humano, os instrumentos utilizados, os
animais domesticados são artifícios para modificar a natureza.
O trabalho racional vai caracterizar o homem como ser social. Dessa
forma, foi por meio do trabalho que os grupos primitivos transformaram-
se em grupos humanos. O trabalho existe pelos laços de cooperação social
entre os homens no processo de produção material (ANTUNES, 2007, p.
125).
A coletividade e a cooperação são, portanto, caracteristicas do trabalho,
que atingem sua forma clássica no feudalismo, pelo sistema de produção
manufatureiro que dura de meados do século XVI ao século XVIII (MARX,
1980, p. 267). No feudalismo, o artesão detinha todo o processo de produção,
desde a criação, matéria-prima, ferramentas, tudo o que precisava para ter
seu produto, ou seja, determinava de forma livre como disponibilizaria a sua
força de trabalho, sendo o dono do produto final, fruto de seu empenho.
Durante a crise do feudalismo, que se findará com sua abolição
no século XVIII, o comércio foi se desenvolvendo e caminhando para
uma economia capitalista, agregando características de comercialização3
(NETTO; BRAZ, 2007, p. 74-75).
A partir dessa fase, o capitalismo se apropria da mão de obra dos
trabalhadores a fim de aumentar cada vez mais a sua produtividade, e,
consequentemente, seus lucros. Podemos vizualizar de forma clara, na
doutrina liberal clássica, a proecupação de seus pensadores em sistematizar
a força de trabalho, a fim de alcançar a produtividade, lucratividade e
cresimento economico máximo (OSCER; BLANCHFIELD, 1983, p. 51).

3
Na obra Economia política: Uma introdução crítica, Netto e Braz (2007) retratam detalhadamente a
trajetória da organização do trabalho pelo modo de produção capitalista em suas diversas fases.

a sustentabilidade da economia solidária 207


Na doutrina liberal, destacam-se as ideias de predomínio da liberdade
e competitividade, que são entendidas como forma de autonomia do
indivíduo, que escolhe o que é melhor para si. Para os capitalistas, é como se
todos tivessem oportunidades iguais. A miséria era vista como algo natural
e insolúvel, compreendida como resultado da moral humana e não como
resultado da desigualdade gerada pela má distribuição da riqueza socialmente
produzida. O Estado deve manter um papel neutro, manutenção de um
Estado mínimo desenvolvendo o papel de legislador e árbitro, com ações
apenas complementares ao mercado, garantindo a liberdade individual, a
propriedade privada (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 62).
Posteriormente, o modelo de produção taylorista/fordista intensificou
a sistematização da força de trabalho na denominada gerência científica,
que tinha como objetivo organizar e sistematizar a força de trabalho.
A gerência científica ocasionou efeitos degradantes sobre a classe
trabalhadora. As tarefas simplificadas eram controladas em todas a fases do
processo produtivo, desqualificando a capacidade técnica do trabalhador,
e essa situação é agravada pelo rápido crescimento da produção. Para a
execução de um trabalho, é necessário que o processo ocorra, em primeiro
lugar, no cérebro do trabalhador para que este possa, posteriormente,
executá-lo. Na gerência cientifica, há uma separação, e o planejamento das
atividades é concentrado na gerência. A divisão do trabalho então se dá entre
quem pensa e quem executa (BRAVERMAN, 1981, p. 102).4
Após a sistematização do trabalho pela gerência científica, por
intermédio da acumulação flexível surge um novo tipo de trabalhador: o
trabalhador polivalente, que tem seu trabalho flexibilizado pelas novas
exigências do mercado.
No processo de organização e sofisticação estavam incluídas
estratégias que valorizavam a subjetividade do proletariado, a fim de
extrair disso possíveis melhorias no ambiente de trabalho, para uma maior
produção a favor da acúmulo de capital. A maior experiência de modo de
produção flexível deu-se na empresa japonesa Toyota Motor Company, pelo
engenheiro industrial Taiichi Ohno. O toyotismo foi uma saída estratégica
encontrada pelo Japão que acabara de sair da II Guerra Mundial e foi
desenvolvida nesta empresa a partir de 1950, por meio de um sistema de
organização do trabalho que se colocou como um poderoso concorrente do
sistema taylorista/fordista (PINTO, 2007, p. 53).

4
Braverman (1981) descreve com detalhes a gerência científica em sua obra Trabalho e Capital
Monopolista: A Degradação do trabalho no Século XX.

208 a sustentabilidade da economia solidária


Este é o novo perfil do trabalhador que atende às exigencias do
mercado, um trabalhador polivalente, que detém vários conhecimentos
para executar várias atividades, que incorpora os objetivos da empresa para
atingir as metas determinadas a qualquer custo. Por trás de um discurso
de corporaivismo e cooperação entre os funcionários da empresa, há uma
intensificação da exploração da mão de obra do trabalhador.
Com base nos estudo de Marx, observamos que o sentido do trabalho
transformador e criativo se modifica no modo de produção capitalista,
tornando-se degradante para o trabalhador que tem sua força de trabalho
como uma mercadoria (GARCIA, 2011, p. 23).
Os capitaistas, além de se apropriarem da mão de obra da classe
trabalhadora, preocupam-se em tormá-la cada vez mais eficaz, mais produtiva
e mais barata, aumentando, dessa forma, a mais-valia. Estas práticas são
visíveis no modo de produção flexível, no qual os trabalhadores, para vender
sua força de trabalho, são obrigados a se adequar às novas exigências do
mercado de trabalho.

A crise estrutural do capitalismo, o Estado de Bem-Estar Social e o modelo de


produção flexível

Na crise do capitalismo de 1929 a 1932, nesse período também


chamada de grande depressão, houve queda no consumo devido à taxa
populacional decrescente. A produção estava superando o consumo.
Mesmo novos produtos, métodos e desenvolvimento não propiciavam aos
capitalistas o acúmulo financeiro; seus fundos de depreciação tornaram-se
insuficientes (OSER; BLANCHFIELD, 1983, p. 386).
John Maynard Keynes (1883-1946) procurou entender a crise e
encontrar respostas para ela. Em seu livro Teoria geral do emprego, do juro
e da moeda, publicado em 1936, defendeu a intervenção estatal com vistas
a reativar a produção. Keynes procurava saídas democráticas para a crise
instaurada. Propôs mudanças na relação do Estado com o sistema produtivo
e rompia parcialmente com os princípios do liberalismo (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006, p. 84).
O Estado de Bem-Estar Social articulou-se com os sistemas fordista/
taylorista, que se expandiram nos países capitalistas, e foi difundido
internacionalmente como grande ciclo de crescimento econômico fundado
no consumo e produção em massa. Na fase fordista/keynesiana, ocorreu
um grande acúmulo capitalista, que sofrera um declínio nos anos de 1970,

a sustentabilidade da economia solidária 209


cuja maior expressão será o esgotamento do Estado de Bem-Estar Social e
do modelo e produção fordista que não são mais suficientes para resolver a
retração do consumo e o desemprego estrutural. O capitalismo encontra-se
neste momento em crise (GARCIA, 2011, p. 30).
O desemprego estrutural e a precarização das condições de trabalho
obrigou a classe trabalhadora a adaptar-se às novas exigências do mercado
de qualificação profissional e educação. As empresas estão investindo na
formação de funcionários generalistas para adequá-los a futuros postos
de trabalho multifuncionais, estabelecendo, assim, um “tipo ideal” de
trabalhador munido de iniciativa, equilíbrio, facilidade de trabalho em
equipe, raciocínio ágil e, principalmente, comprometido com a empresa
(PINTO, 2007, p. 71).
Ao analisar a trajetória histórica da organização do trabalho no modo
de produção capitalista, desde seus primórdios até os dias de hoje, vemos que
a classe trabalhadora teve que se adaptar às transformações desse modo de
produção. Porém, no capitalismo está presente uma grande contradição, ao
mesmo tempo em que acontecem transformações na forma de organizar o
trabalho, o capital incute a ideia de que é imutável e insubstituível (GARCIA,
2011, p. 33).
Paralela à história do modo de produção capitalista foram construídas
outras ideias e tentativas de gestionar o trabalho de forma a resguardar a
sua essência de trabalho transformador, que constrói o próprio homem em
sociedade. Muitas dessas tentativas estão ligadas à Economia Solidária, uma
proposta diferenciada do trabalho organizado pelo capital.

Economia solidária e a autogestão

Ao estudar o tema Economia Solidária, deparamo-nos com uma vasta


bibliografia que reletam várias denominações,5 porém, no presente trabalho
vamos nos ater à perspectiva da Economia Solidária definida pela Secretaria
Nacional de Economia Solidária (SENAES).
Segundo a SENAES (2011):

Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e


trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar
vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada

5
Na tese de Mestrado de Nishimura (2005), e na obra A Outra Economia (CATANNI, 2003), é abordada
cada denominação especificamente.

210 a sustentabilidade da economia solidária


um pensando no bem de todos e no próprio bem. A economia solidária vem
se apresentando, nos últimos anos, como inovadora alternativa de geração
de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social. Compreende
uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma
de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias,
redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção
de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e
consumo solidário.

Dentro dessa definição da Economia Solidária, a autogestão tem um


papel central descrito como um modo de agir coletivo em experiências
concretas das práticas que vão além de um mero contrato de obrigações
em comum. Essas práticas têm como fundamento a repartição do poder, a
repartição do ganho na união dos esforços, e o estabelecimento de uma nova
forma de agir pautada no coletivo. Assim, há duas dimensões presentes: a
mais restrita, a respeito da produção (economia trabalho), e a mais ampla,
sobre a produção social (perspectiva política). Ao pensar a autogestão, temos
que vinculá-la à ideia de ressignificação das práticas sociais relacionadas à
organização do trabalho, associando as ideias de transformação da sociedade
capitalista (ALBURQUERQUE, 2003, p. 25).
De acordo com a definição de autogestão acima, a SENAES, entre os
princípios da Economia Solidária, define-a como:

Autogestão: os/as participantes das organizações exercitam as práticas


participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições
estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação
das ações nos seus diversos graus e interesses, etc. Os apoios externos,
de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem
substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação.

É relevante citar que existem outras formas de definir a autogestão,


tornando o conceito não homogêneo, mas, sim, carregado de uma pluralidade
de interpretações. A autogestão pode assumir uma conotação meramente
econômica associada a uma necessidade gerencial, por exemplo, de medidas
tomadas por um determinado grupo para salvar empresas falidas, evitando
demissões em massa. Outra forma de interpretar a autogestão é considerá-la
uma forma de resgate de uma dimensão social, política e ideológica associada
a um conceito de transformação e de mudança (ALBURQUERQUE, 2003,
p. 20).
Considerando a amplitude do tema autogestão, vamos nos ater
aos estudos sobre ele partindo da perspectiva de Singer (2002, p. 21): “A

a sustentabilidade da economia solidária 211


autogestão tem como mérito principal não a eficiência econômica (necessária
em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes”.
Esse posicionamento permite-nos constatar que a autogestão vai além
de uma forma organizacional do trabalho. Mas objetiva o desenvolvimento
de seus participantes por completo, resgatando assim o sentido do trabalho
humano em suas potencialidades.
De acordo com Albuquerque (2003, p. 20), “O caráter multidimensional
do conceito de autogestão (social, econômico, político e técnico), nos remete
a pensá-lo muito mais que uma simples modalidade de gestão”.
A Economia Solidária adere à autogestão como um de seus princípios
para a organização do trabalho em empreendimentos não só com o objetivo
de gerar renda, mas, também, de ter uma dimensão política e ideológica.
A seguir, focaremos as discussões sobre Economia Solidária e a autogestão.

A origem da Economia Solidária e a Economia Solidária no Brasil

A Economia Solidária nasceu logo após o capitalismo industrial, como


resposta ao grande empobrecimento dos artesãos pela difusão das máquinas
e da organização fabril de produção (SINGER, 2002, p. 24).
O quadro de exploração da mão de obra da classe trabalhadora pelos
detentores dos meios de produção inquietou alguns estudiosos, levando-os
a repensar a forma de organização do trabalho. Surgem, então, as primeiras
ideias sobre cooperativismo ligado ao movimento operário. O cooperativismo
operário surgiu durante o século XIX em resposta às mudanças advindas da
I Revolução Industrial. Era uma tentativa de construir a economia com base
nos princípios de divisão equitativa de excedentes econômicos e trabalho
cooperado. Os principais teóricos do cooperativismo foram: Robert Owen
(1771-1858), Willian King (1786-1865), Charles Fourier (1772-1837),
Philippe Buchez (1796-1865) e Louis Blanc (1812-1882) (CULTI, 2010, p.
15).
Esses autores eram denominados socialistas utópicos6, por Marx
e Engels, pois suas propostas caracterizaram então uma reforma social de
aspirações pessoais de indivíduos bem-intencionados, em vez de constituírem
expressões teóricas das tendências de mudança surgidas espontaneamente
no desenvolvimento real da sociedade (GERMER, 2007, p. 56).

6
Owen, Fourier e Sant-Simon são considerados autores clássicos do Socialismo Utópico. Owen foi
protagonista do movimento social da Grã-Bretanha, no início do século XIX. O cooperativismo recebeu
desses autores contribuições fundamentais. A partir dessas inspirações, os praticantes da Economia
Solidária foram abrindo vários caminhos de tentativas e erros (SINGER, 2002, p. 38).

212 a sustentabilidade da economia solidária


Das primeiras experiências sobre a forma de organização do trabalho
cooperado, destaca-se a cooperativa do britânico Robert Owen, proprietário
de um complexo têxtil em New Lanark. Owen decidiu limitar as jornadas de
trabalho de seus empregados, proibindo o trabalho de crianças para as quais
construiu uma escola. O tratamento que Owen dava aos seus empregados fez
com que a produção aumentasse, o que tornou sua empresa mais lucrativa.
Sua fábrica tornou-se referência e motivo de muitos questionamentos de
como seus lucros aumentavam à medida que investia em melhores condições
de trabalho para seus empregados (SINGER, 2002, p. 25).
No Brasil, os ideais do socialismo utópico chegam com a divulgação
da Revolução Francesa, que ganhou expressão política e social no final
do século XIX, com a chegada dos imigrantes europeus, principalmente
italianos e espanhóis e com o sucesso cooperativo de Rochdale. Dessa forma,
espalharam-se pelo país sindicatos, cooperativas e ligas camponesas que
fizeram parte da história econômica e política (ARROYO, 2006, p. 32).
A Economia Solidária expandiu-se no Brasil por meio das organizações
da sociedade civil, igrejas, incubadoras universitárias e movimentos sociais.
São inúmeras entidades de apoio a iniciativas associativas comunitárias e
à construção e articulação de cooperativas comunitárias, de cooperativas
populares, de redes de produção e comercialização, de feiras de Economia
Solidária etc (CULTI, 2010, p. 7).

Autogestão: alguns elementos

Conforme Nascimento (2003, p. 226), as primeiras experiências de


autogestão têm origem no movimento operário europeu do século XIX,
experiências estas já abordadas neste trabalho no âmbito da origem da
Economia Solidária. Ao pesquisar o tema autogestão, encontramos diversas
experiências do movimento socialista denominadas de autogestionárias.7
Entre as experiências consideradas mais expressivas de autogestão
está a da sociedade iugoslava. Desde o rompimento com Stalin e o abandono
burocrático soviético, por volta de 1950, a Iugoslávia tenta reproduzir
os ideais da autogestão. Sua maior inspiração estava na Comuna de Paris
(1871).8 O objetivo iugoslavo era o de que os trabalhadores tomassem o
governo com a ideia de centralizar a economia (QUEIROZ, 1982, p. 19).
7
Nascimento no texto, A Autogestão e o “Novo Cooperativismo”. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE
AUTOGESTÃO, 2003, relata várias experiências autogestionárias do movimento operário europeu.
8
No ano de 1871, os trabalhadores da Comuna de Paris elaboraram um programa revolucionário que
tinha como meta a autogestão social (NASCIMENTO, 2003, p. 226).

a sustentabilidade da economia solidária 213


O intuito da sociedade iugoslava era ir além da organização do
trabalho, para implantar uma nova cultura social de igualdade e de quebra
de hierarquia. Esses objetivos fazem parte do princípio da autogestão, que
utilizamos neste trabalho. Podemos dizer que as ideias de igualdade são sua
essência, permanecem até hoje e se expressam nos empreendimentos de
Economia Solidária.

Economia Solidária e o princípio da autogestão

Retomando as experiências autogestionárias e as abordagens já


realizadas sobre esse tema e relacionando-as com a gestão do trabalho no
modo de produção capitalista, constatamos que a proposta de trabalho
autogerido visa a resgatar o trabalho que constrói o homem, tornando-o
protagonista de suas ações em uma perspectiva voltada ao coletivismo.
Uma das maiores diferenças a considerar sobre a organização do
trabalho autogestionário para o trabalho no modo de produção capitalista
é a abolição da administração hierárquica formada por níveis diferentes de
autoridades, em que as ordens e instruções fluem de cima para baixo. Os
trabalhadores sabem muito pouco, somente o necessário para produzir uma
determinada mercadoria; tendem a realizar atividades repetitivas e rotineiras.
O conhecimento sobe na empresa capitalista a partir da hierarquia de cargos.
Nesta dinâmica as tarefas tornam-se cada vez menos repetitivas e exigem
cada vez mais iniciativa e compromisso do trabalhador. A organização do
trabalho no modo de produção capitalista incentiva a competição entre os
trabalhadores a fim de fazê-los produzirem mais (SINGER, 2002, p. 17).
Nos empreendimentos de autogestão busca-se fortalecer uma
identidade coletiva. Para a autogestão acontecer, é preciso que todos os
sócios estejam cientes de todas as decisões a respeito do empreendimento.
Com o passar do tempo, algumas decisões democráticas adotadas servem
de parâmetros para a resolução de alguns conflitos internos. Se surgem,
porém, problemas mais complexos, estes fazem com que o grupo repense
suas práticas e busquem em conjunto novas soluções. Isso pode ocasionar
divergências de opiniões e de interesses (SINGER, 2002, p. 19).
O que podemos extrair dessa reflexão é que a autogestão está em
um contínuo processo de construção, acompanhando o movimento da
sociedade, na qual há uma gama de diversidades culturais e econômicas.

214 a sustentabilidade da economia solidária


O princípio da autogestão na organização de empreendimentos de
economia solidária

Neste momento, trazemos alguns pontos sobre uma pesquisa realizada


no empreendimento de economia solidária “Mão na Terra”, acessorado pela
INTES/UEL.
A comunidade na qual o empreendimento “Mão na Terra” está
inserida vivencia uma realidade precária das múltiplas expressões da questão
social, consequências das alterações no modo de produção capitalista que,
introduzindo a robótica e microeletrônica, realizaram profundas mudanças
na gestão da força de trabalho, que se torna cada vez mais especializado
(IAMAMOTO, 2000, p. 112).
As pessoas privadas de qualificação profissional são excluídas do
mercado de trabalho, que é cada vez mais enxuto devido ao alto investimento
em tecnologias de produção. A realidade local é, portanto, reflexo de um
contexto neoliberal de exclusão. Como afirma Singer (2003, p. 118), a
demanda por trabalhadores está se contraindo em setores beneficiados por
inovações tecnológicas, com destaque para o setor industrial.
Apesar do contexto geral de desemprego, a proposta de trabalhar em
um empreendimento autogestionário sofre resistências pela complexidade
de construir e interiorizar práticas autogestionárias no cotidiano do grupo,
no qual não há patrão, nem relação de mando, mas, sim, um processo
democrático e participativo. A proposta da autogestão vai além de um modo
de gerar renda. É uma proposta de caráter ideológico.
Para a autogestão acontecer, não basta a ausência da figura do
patrão. É preciso que seus membros se apropriem do sentido do trabalho
autogestionário.
Segundo Barbosa (2007, p. 135): “A principal estratégia nesses
processos autogestionários é de refazer valores de submissão e incentivar a
solidariedade e a capacidade intelectual do coletivo gestionário”.
Dessa forma, interressa-nos investigar o exemplo da organização
desses empreendimentos de Economia Solidária, pois o resultado de
reflexões endógenas das práticas a respeito da organização do trabalho no
cotidiano do empreendimento “Mão na Terra” pode nos apontar caminhos
para aproximar a autogestão de outras realidades.

a sustentabilidade da economia solidária 215


Conhecendo os trabalhadores

Os dados análisados sobre os sujeitos da pesquisa9 são um ferramenta


importante para compreender a realidade do empreendimento de Economia
Solidária “Mão na Terra”.
Da amotra sobre a faixa etária, dois dos entrevistados então entre 18
e 30 anos e os outros dois na faixa de 41 a 50 anos. Portanto, participam do
empreendimento desde pessoas mais jovens, com idade produtiva para o
atual mercado de trabalho, bem como pessoas com idade mais avançada, que
enfrentam maiores dificuldades para se inserir nele, sofrendo um processo
de exclusão.
Desta forma, podemos constatar que o empreendimento “Mão na
Terra”, aos agregar pessoas mesmo sem qualificação, torna-se um canal de
inclusão no trabalho, tanto para os jovens como para os idosos.
Ao analisar os antecedentes de trabalho, todos os membros
entrevistados alegaram já terem trabalhado antes de ingressarem no grupo.
Com base nos depoimentos coletados, constatamos que todos os integrantes
ingressaram no trabalho muito cedo, devido às necessidades familiares
(GARCIA, 2011, p. 61).
Este quadro é comum na sociedade brasileira, que mesmos
conquistando direitos garantidos pelas legislações, destacando-se dentre eles
a Promulgação da Constituição Federal de 1988 e a aprovação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, ainda há a necessidade do
ingresso no mundo do trabalho ainda na infância.10
Outro dado relevante é que a maioria dos membros desse
empreendimento é do sexo feminino, do total de quatro entrevistados somente
um integrante é homem. Esta constatação nos remete à desigualdade sofrida
pela mulher no mercado de trabalho, pela concepção do homem como
provedor da família. Dessa forma, a imagem da mulher foi construída como
responsável por cuidar do lar, dos filhos e de seu companheiro. Na sociedade
capitalista burguesa em que vivemos, o trabalho de homens e mulheres tem
significados e valores diferentes, o que se reflete nos empreendimentos de
Economia Solidária (GARCIA, 2011, p. 62).

9
A amostragem da pesquisa foi determinada da seguinte forma: dois integrantes que estavam há mais
tempo no empreendimento, pois pressupõe-se que tinham melhores condições para responder à
pesquisa, e dois que não estavam mais no grupo, porém participaram da fundação do mesmo, permitindo,
assim, uma análise mais completa da trajetória do empreendimento.
10
Considerações extraídas do diagnóstico levantado pela INTES do empreendimento “Mão na Terra”.

216 a sustentabilidade da economia solidária


O empreendimento “Mão na Terra” não foge a essa realidade. A divisão
do horário de trabalho dos membros que ainda permanecem no grupo é de
que as mulheres estejam no empreendimento no período vespertino e os
homens pela manhã. Essa escolha ocorreu devido à prioridade das tarefas
domésticas das mulheres, em seus lares, no período da manhã, ficando as
tardes disponíveis para trabalhar no empreendimento.
A escolaridade da maioria dos entrevistados está na faixa do Ensino
Fundamental. Podemos afirmar que a baixa escolaridade é um item que
dificulta o ingresso no mercado formal de trabalho. Entre as exigências
para a inserção no mercado de trabalho formal está a qualificação, ou seja,
altos níveis de escolaridade e de capacitação técnica. Os entrevistados
não se enquadram na mão de obra especializada exigida pelo mercado
contemporâneo.
Sem alternativa de emprego, as pessoas deste local procuram os
empreendimentos como estratégia de sobrevivência, sendo relativa a ideia
da adesão ao empreendimento como escolha ou falta de opção.
Com base na análise do perfil dos entrevistados, passaremos para a
reflexão dos eixos definidos pela pesquisa. Essa abordagem tem relevância
na reflexão sobre como os empreendimentos de Economia Solidária podem
vivenciar o princípio da autogestão no seu cotidiano e com suas dificuldades.
Apesar de cada empreendimento ter suas particularidades, devido à história
de cada integrante e de cada território ter sua dinâmica própria frente
à realidade, podemos extrair reflexões sobre a vivência do princípio da
autogestão na Economia Solidária.11

Autogestão e organização do trabalho

A respeito da forma com que o empreendimento organiza o trabalho


no cotidiano, pode ser extraído das falas dos entrevistados a seguite
consideração: que em momentos distintos, mas a respeito da mesma
temática, observamos dois discursos totalmente diferentes carregados de
contradições: uma fala que revela que o grupo organizava seu trabalho de
forma democrática. Mas, logo em seguida, o mesmo participante apresenta
os acúmulos de responsabilidades e de omissão no trabalho da parte dos
outros membros. Este nos relata uma dificuldade de organização do trabalho
de forma igualitária na divisão de tarefas, pois há momentos em que as tarefas
11
Todas as análises foram resultado da pesquisa para o trabalho de conclusão de curso, já justificado
neste artigo.

a sustentabilidade da economia solidária 217


podem sobrecarregar algum integrante, que pode se sentir mais penalizado
por executar mais tarefas que outros.
Um dos entrevistados justifica que seu trabalho é sobregarregado
devido à falta de mais pessoas no empreendimento, porém, além dessa
dificuldade, o trabalho não é divido igualmente entre os dois membros que
permaneciam no grupo.
Nas falas dos entrevistados, as tarefas são divididas igualmente, mas,
ao mesmo tempo, há indícios de que determinadas tarefas, mais penosas, são
de responsabilidade de apenas um integrante. Desta forma, constatamos que,
na prática do cotidiano do empreendimento “Mão na Terra”, há desigualdade
na divisão do trabalho, ferindo, assim, o princípio da autogestão.
Observamos pelos depoimentos a mudança na forma com que o grupo
organiza seus horários. Nas falas dos ex-integrantes, percebe-se um maior
rigor e uma maior organização sobre a carga horária. Nas falas seguintes, os
horários de trabalho tornaram-se mais flexíveis. A questão da carga horária
foi trabalhada com assessoria da INTES, que, junto com o grupo, propôs
uma divisão de horário em que cada membro viria em apenas um período
do dia, revezando-se, assim, no cumprimento das atividades. Entretanto,
verificamos que os turnos de trabalho não são bem definidos: um integrante
que chega mais cedo finaliza suas atividades no mesmo horário em que o
integrante que chegou posteriormente.
O planejamento das atividades acontece de forma participativa, pois
verificamos que em todas as falas há diálogo entre os integrantes do grupo
antes de tomar as decisões, não as concentrando em uma pessoa. Essa
questão é de extrema importância para que o grupo vivencie a autogestão.
Recorremos a Singer (2007, p. 9), que relata “A solidariedade na
economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos
que se associam para produzir, comercializar, consumir ou poupar”.
Porém, o empreendimento não apresenta um planejamento mais
estruturado, com metas a curto e longo prazo, planejamento semanal
ou mensal das atividades. O grupo recebeu assessoria técnica por meio
de oficinas executadas pela equipe da INTES, desde o planejamento de
semeadura, em que é ensinado todo o processo de cultivo, até conhecimentos
de administração sobre finanças e o registro em livro-caixa. Pela observação
empírica, nota-se uma grande dificuldade para avançar nessas questões de
organização administrativa, indicando que há necessidade de intensificar o
trabalho sobre esses temas.
]

218 a sustentabilidade da economia solidária


A frequência na divisão da renda obtida pelo grupo foi aumentando
com o passar do tempo. Anteriormente, a renda era dividida entre os
integrantes quinzenalmente, além de possuírem uma conta bancária, que
era alimentada com uma parcela da renda total. Atualmente, o grupo divide
a renda obtida toda semana, após cada comercialização. Tanto nas antigas
retiradas quinzenais, como nas semanais, a renda é dividida igualmente
entre os participantes, evidenciando que essa condição da autogestão é
respeitada. Segundo Singer (2003, p. 117), “[...] a propriedade do capital deve
ser repartida entre todos os sócios por igual, que em consequência terão os
mesmos direitos [...]”.
O que podemos constatar é que, atualmente, não acontece o rodízio
de tarefas, pois um integrante sempre fica na venda direta, em contato com
os clientes, e outro fica no caixa. O rodízio de tarefas é necessário para
que todos os membros tenham consciência de todo o processo produtivo,
desde a semeadura até a comercialização, para que o trabalho se torne
autogestionário.
Desta forma, o grupo deve organizar seu trabalho, a fim de praticar a
autogestão, na qual todos os membros tenham o direito de decidir sobre os
rumos do empreendimento.

Autogestão e práticas participativas

Um dos aspectos relevantes no principio da autogestão são as


práticas participativas, de que forma os integrantes decidem o rumo do
empreendimento de Economia Solidária.
Como ressalta Singer (2002, p. 18) “A empresa solidária se administra
democraticamente, ou seja, pratica a autogestão. Quando ela é pequena
todas as decisões são tomadas em assembléias, que podem ocorrer em curtos
intervalos, quando há necessidade”.
A análise da pesquisa nos mostra que no empreendimento “Mão na
Terra” ocorrem práticas participativas, reuniões, assembléias, avaliações,
porém não de forma sistemática. O grupo também não possui planejamento
sistematizado com objetivos definidos. As reuniões executadas ocorrem no
cotidiano do empreendimento. Os integrantes perdem por não priorizar
espaços democráticos. Dessa forma os sujeitos acabam por não desenvolver,
de forma mais ampla, a prática da autogestão.

a sustentabilidade da economia solidária 219


O papel de Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES)
como colaborador externo de assessoria

A INTES, como colaborador extern do grupo “Mão na Terra”, oferece


assessoria técnica em várias áreas do conhecimento e nos princípios de
Economia Solidária, entre eles a autogestão. Faz-se necessário, dessa forma,
uma reflexão no seu papel de formadora no empreendimento.
Retomando a definição da SENAES (2011), sobre o Princípio da
Autogestão: “[...] Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de
capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo
dos verdadeiros sujeitos da ação” (SENAS, 2011).
O que podemos refletir sobre a fala dos integrantes é que há uma
lacuna a respeito da compreensão que os mesmos possuem sobre o papel da
INTES como órgão de assessoria técnica. Fragmentos das falas nos indicam
a visão do empreendimento sobre a incubadora: uma forma assistencialista
“a mãe pega pela mãozinha não deixa cair no buraco”, “A INTES ajuda a gente
bastante, se estamos precisando de algum recurso”. Desta forma, é visível que a
leitura que o grupo faz da INTES não corresponde aos anseios da Incubadora
de realizar assessoria técnica em uma perspectiva de autogestão que se daria
por meio da proposta de Pré-Incubagem, Incubagem e Desincubagem,
como já relatamos neste trabalho. A autogestão vai se construindo ou não
no empreendimento de Economia Solidária conforme a forma com que a
própria Incubadora trabalha esta questão no grupo.
A autogestão é um desafio para o empreendimento, que se torna
um desafio para a Incubadora. Com base nas discussões, observações e
orientação que vivenciei durante o período de estágio na Incubadora, bem
como por meio da formação acadêmica no curso de Serviço Social, penso
que o primeiro passo para garantir a proposta de autogestão a qualquer
empreendimento é conhecer a realidade local, seu histórico, perceber as
expressões da questão social que fazem parte da vida dos sujeitos, ou seja,
realizar um diagnóstico com base em uma análise de conjuntura, ações que
estão descritas no processo de pré-incubagem. Para que o empreendimento
siga um caminho rumo à autogestão, é preciso trabalhar de forma clara
desde sua pré-incubagem, para evitar “vícios” e práticas que não se adequam
à autogestão.
Uma dimensão também relatada é a assistência técnica da Incubadora,
realizada sobre temas ligados a planejamento, produção e comercialização.
O grupo consegue visualizar com mais precisão a capacitação nesses temas,

220 a sustentabilidade da economia solidária


que podem ser considerados mais “objetivos”, por serem ligados diretamente
à produção.
Assim, a INTES é vista pelo empreendimento como uma ajuda.
Mesmo reconhecendo sua dimensão técnica, não relatam outras dimensões
da assessoria, no caso, as práticas da autogestão.
Esta reflexão tem o objetivo de ressaltar a necessidade de aprofundar
com o empreendimento, por meio de oficinas e reuniões, entre outros meios
de trabalho, o conceito da autogestão para, assim, avançar na perspectiva
de desincubagem do empreendimento. Segundo Singer (2002, p. 21), “As
pessoas não são naturalmente inclinadas à autogestão”. Isso significa que é
um processo de construção, no qual a INTES tem um papel fundamental
como colaborador externo neste processo.
Compreendemos, por meio dos depoimentos coletados, que é
necessário que a incubadora reveja sua prática e a forma como executa as
atribuições de cada fase da metodológica adotada, a fim de um maior alcance
das práticas autogestionárias.

Considerações finais

Este capítulo teve por objetivo verificar a aplicação do princípio da


autogestão no empreendimento de Economia Solidária “Mão na Terra”,
incubado pela INTES. A autogestão tem como características essenciais,
na organização do trabalho de seus atores, a participação e a coletividade.
A Economia Solidária se apropria desse princípio na organização de seus
empreendimentos, dessa forma, torna-se relevante observar se o princípio da
autogestão ocorre no cotidiano de trabalho do empreendimento em questão.
Em relação aos resultados da pesquisa, que teve quatro participantes,
dois ex-integrantes e dois membros atuais, com base na análise do perfil dos
mesmos, constatamos algumas dificuldades enfrentadas pelos componentes
do empreendimento, entre elas, destaca-se a baixa escolaridade. A
capacitação é uma questão essencial para inserção do sujeito no mercado
formal de trabalho, excluindo aqueles que não tem acesso à educação. Desta
forma, o empreendimento de Economia Solidária “Mão na Terra” torna-se
uma estratégia de sobrevivência e não uma opção para a comunidade local.
Outro resultado evidenciado foi que, segundo o princípio da autogestão,
a divisão das tarefas deve ocorrer de forma igualitária. Os membros do
empreendimento devem se revezar nas atividades para que todos tenham
conhecimento e domínio sobre todo o processo produtivo. Porém, o que

a sustentabilidade da economia solidária 221


constatamos é que no empreendimento “Mão na Terra” o trabalho não é
dividido por igual, sobrecarregando um dos integrantes. Apesar de alegarem
nas falas que realizam as tarefas juntos, em alguns depoimentos podemos
verificar que a carga horária não é igualmente dividida.
O empreendimento “Mão na Terra” apresenta algumas dificuldades a
respeito das práticas participativas. Observamos que as decisões a respeito
da organização do empreendimento são tomadas de forma consciente por
todos os membros, porém não ocorrem espaços de discussão, reuniões,
assembleias para tomar as decisões cabíveis e avaliações. Desta forma,
refletimos que o grupo se apropriou da perspectiva autogestionária quando
alegam que as decisões são tomadas em conjunto, porém, precisam avançar
na organização e sistematização de espaços democráticos. Outra dimensão
da autogestão é a renda que deve ser dividida igualmente entre os membros
do empreendimento. Nesse aspecto, o grupo pratica a proposta da autogestão.
Na história do empreendimento, verificamos que a frequência com que os
membros dividiam a renda aumentou, passando de quinzenal a semanal. O
aumento das retiradas ocorreu devido à diminuição da renda obtida pelos
membros do grupo. Por esse motivo, deixaram de alimentar uma conta
bancária que possuem.
A autogestão é um princípio que deve nortear as ações do
empreendimento de Economia Solidária em todo o processo de trabalho
no caso do empreendimento “Mão na Terra”, desde a semeadura até a
comercialização dos produtos. Na comercialização, verificamos que o grupo
não realiza o rodízio de tarefas. Tal questão fere o princípio da autogestão,
pois os membros não tem domínio de todo o processo.
Desta forma, as reflexões acima levantam alguns pontos importantes
para os quais a INTES, como colaborador externo, deve atentar para a prática
da autogestão. A INTES iniciou o acompanhameto do empreendimento
no ano de 2009, e, desde então, vem trabalhado questões a respeito de
planejamento, práticas participativas, comerciaização e divisão de renda
segundo a metodologia adotada, visando à desincubação do grupo. Porém,
é necessário prestar atenção à forma como a incubadora aborda os temas
sobre autogestão, pois, como verificamos nas entrevistas, o grupo possui
uma visão assistencialista sobre o papel da INTES no empreendimento,
devido à concepção que possuem da INTES como uma ajuda.
Verificamos, nas entrevistas feitas, que o empreendimeno de Economia
Solidária “Mão na Terra” pratica o princípio de autogestão de forma parcial.
Há momentos em que as práticas do empreendiento se enquadram no
trabalho autogestionário, como na divisão por igual da renda e nas decisões

222 a sustentabilidade da economia solidária


tomadas de forma democrática, mas, em outros momentos, verificamos
disparidades na organização do trabalho, como na divisão de tarefas que
não acontecem de forma a contentar todos os participantes, e a divisão de
horários que também não ocorre igualmente.
O presente estudo nos proporcionou uma reflexão sobre a gestão
do trabalho no modo de produção capitalista e de como o trabalho foi
perdendo seu sentido transformador e construtor do homem na medida em
que o capitalismo foi especializando a força de trabalho. Porém, a autogestão
visa a resgatar, por meio de cooperativas autogesstionárias, desde o século
XIX, com o movimento operário fabril, o sentido do trabalho coletivo sem
exploração. A Economia Solidária resgata esse princípio como base na
organização de associações, empreendimentos e cooperativas.
Com este trabalho, esperamos colaborar para a divulgação da
Economia Solidária e para os estudos sobre a autogestão. Por meio das
presentes reflexões, pretendemos despertar a inquietação do leitor para a
possibilidade da gestão do trabalho de forma não capitalista, uma economia
que tenha como questão central o valor ao ser humano. Mais do que trazer
respostas, este trabalho tem por intenção levantar questões para a reflexão
sobre a Economia Solidária e o princípio da autogestão, trazendo como
exemplo as experiências dos integrantes do empreendimento de Economia
Solidária “Mão na Terra”.

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a sustentabilidade da economia solidária 225


ECONOMIA SOLIDÁRIA NO CONTEXTO DO
CULTIVO DE PLANTAS MEDICINAIS

Francielle Almeida Cordeiro


Meire Mitsuka
Adilson Luiz Seifert
Gisely Cristiny Lopes

Introdução

Nos últimos anos, em todas as partes do mundo, ampliou-se a adesão


às formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na
propriedade coletiva dos meios de produção, na cooperação e na autogestão.
Nas áreas rurais, as práticas e valores do associativismo e da cooperação vêm
sendo resgatadas por comunidades camponesas, de agricultura familiar,
de extrativismo e pesca artesanal, e por povos e comunidades tradicionais
(CONAES, 2010).
No Brasil, no início dos anos 1980, iniciou-se processos de mudança
econômica e social, que resultaram em profundos impactos sobre o mundo
do trabalho. A intervenção do Estado em termos de apoio aos trabalhadores,
que o sistema público de emprego historicamente não conseguiu absorver
juntamente com o desenvolvimento de políticas destinadas ao conjunto de
atividades econômicas organizadas de forma coletiva, deu início ao processo
de economia solidária no país (CUNHA, 2007).
Atualmente, foram identificados 14.954 Empreendimentos
Econômicos Solidários (EES) em 2.274 municípios do Brasil, o que
corresponde a 41% dos municípios brasileiros. Considerando a distribuição
territorial, há uma maior concentração dos EES na região Nordeste, com
44%. Os restantes 56% estão distribuídos nas demais regiões: 13% na região
Norte, 14% na região Sudeste, 12% na região Centro-oeste e 17% na região
Sul (SENAES, 2006).
Ao mesmo tempo em que a atual revolução tecnológica traz um
aumento da eficiência e da capacidade produtivas, observa-se o crescimento
dos índices de desemprego, subemprego e informalidade. Resulta daí que
setores da sociedade para os quais não se tinha políticas públicas que fossem
além da assistência social, começam a encontrar na economia popular
solidária e na autogestão uma possibilidade para melhorar sua qualidade de

a sustentabilidade da economia solidária 227


vida (TAUILE; DEBACO, 2002).
A agricultura familiar vem sendo apontada, cada vez mais, como uma
das principais estratégias de produção nos assentamentos dos trabalhadores
rurais sem-terra no Brasil. Os mecanismos de fixação das famílias dos
assentados relacionam-se à necessidade de sustentabilidade social, econômica
e ambiental. Estes mecanismos estão ligados aos aspectos políticos, sociais,
econômicos, educacionais e organizacionais. A melhoria das práticas de
produção agrícola é um dos mecanismos que podem contribuir para a
melhoria da qualidade de vida das famílias assentadas.
Neste contexto, o projeto de extensão “Sistema Cooperativo de
Cultivo de Plantas Medicinais” contemplou o Assentamento de Reforma
Agrária “Iraci Salete”. Este projeto foi financiado pela Fundação Araucária,
com apoio do INTES/UEL (Incubadora Tecnológica de Empreendimentos
Solidários) com período de vigência de dois anos e seis meses (dezembro
de 2008 a junho de 2011). Sendo parte integrante de um projeto mais
amplo de economia solidária, desenvolvido por meio da Intes (Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários, da Universidade Estadual de
Londrina), junto ao Programa Universidade Sem Fronteiras (USF).
O assentamento de Reforma Agrária “Iraci Salete” está localizado
no município de Alvorada do Sul (PR), apresenta baixo IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano), e como em muitos assentamentos, há
problemas relacionados à geração de renda e nas interações homem-
ambiente. O projeto teve como proposta oferecer orientação técnica e dar
suporte à agricultura familiar no cultivo de plantas medicinas, voltadas
à produção de drogas vegetais e produtos fitoterápicos, com o objetivo
de aumentar a renda e melhoria nas condições de vida dos assentados.
Tendo, ainda, como proposta a educação dos assentados em relação ao uso
consciente dos recursos naturais e a relação harmoniosa entre o homem
e o processo produtivo. Visando ao desenvolvendo de uma estrutura que
contribua para a capacitação, profissionalização de adultos, geração de
trabalho e renda, incluindo como referência e meta o desenvolvimento
humano, criando condições necessárias para que cada indivíduo/grupo
participante de tal iniciativa desenvolvesse seu potencial e a cidadania
plena – no sentido econômico, social e cultural. Contribuindo, assim, para a
formação qualificada no cultivo de plantas medicinais, inserção no mercado
e comercialização dos produtos naturais. Estabelecendo, desta maneira, o
sentido de organização entre as famílias, de forma que com o término do
projeto, estas possam, sem o auxílio intensivo dos profissionais envolvidos
no projeto, continuar suas produções de maneira coordenada.

228 a sustentabilidade da economia solidária


A agricultura familiar não pode ser vista como uma atividade apenas
de sobrevivência, mas sim como uma atividade que possa gerar, além da
subsistência do agricultor e seus familiares, uma estratégia voltada para o
mercado, gerando, por sua vez, renda (MAIA; COSTA, 2008).
As famílias, tendo em especial a participação das mulheres, foram
assessoradas em todo o processo produtivo e de comercialização dos
produtos pelas áreas de Agronomia e Administração. A finalidade foi oferecer
suporte para contornar uma das maiores dificuldades que os agricultores
familiares enfrentam, que é a inserção dos produtos no mercado (MARQUE;
AGUIAR, 1983), principalmente decorrente da falta de noções sobre sua
comercialização.
No projeto, colaboradores e bolsistas orientaram tecnicamente
as agricultoras com relação às ferramentas de gestão administrativa e
agronômica. Pois, para obter-se sucesso neste tipo de empreendimento, além
do domínio das técnicas de cultivo, conhecer a etapa de comercialização dos
produtos é fundamental para aumentar sua rentabilidade econômica. O
desconhecimento do mercado consumidor pode causar remuneração inferior
ou mesmo prejuízo por ocasião da venda (JUNQUEIRA; LUENGO, 2000).
Portanto, um plano de negócios foi elaborado pela área de Administração
para dar subsídios às agricultoras durante todo o processo de produção e
comercialização. Inserindo, posteriormente, as famílias na participação de
feiras e eventos para a comercialização de seus produtos.
Os colaboradores na área de Farmácia orientaram os assentados
em relação ao controle de qualidade das drogas vegetais cultivadas no
assentamento. Principalmente em relação ao processo correto de secagem e
armazenamento das plantas medicinais para uso medicinal, com a finalidade
de garantir que o produto final pudesse atingir requisitos de boa qualidade.
Assim, alunos, professores e colaboradores realizaram, além do controle
físico-químico das amostras produzidas no assentamento e da padronização
de técnicas de controle de qualidade, visitas técnicas para orientação dos
processos de cultivo, coleta e secagem do material vegetal e oficinas de
manipulação de sabonetes artesanais.
No desenvolvimento sustentável da agricultura familiar, algumas
atividades são mais recomendadas que outras, principalmente quando
realizadas em pequenas áreas. Portanto, o cultivo de plantas medicinais
mostra-se uma boa alternativa para geração de renda de famílias assentadas
em pequenas áreas e incremento do desenvolvimento local. O Paraná
é destaque na produção de algumas espécies vegetais, como camomila

a sustentabilidade da economia solidária 229


e espinheira santa, e essa atividade pode ser uma opção econômica a ser
implantada em outras comunidades (CORREA JÚNIOR et al., 1994).
A partir da análise da realidade de cada família atendida pelo
projeto, suas limitações e aptidões, e dos conhecimentos técnicos da
equipe de colaboradores sobre tipo de solo, clima e do mercado local,
foram selecionadas as drogas vegetais a serem cultivadas. Durante todo o
processo de produção, oficinas e visitas técnicas foram realizadas para que
os assentados pudessem interagir de forma mais próxima possível com
os acadêmicos e coordenadores. A finalidade foi proporcionar formação
de recursos humanos e qualificação profissional para o cultivo de plantas
medicinais de qualidade, a inserção desses produtos no mercado, e ampliação
do comércio de plantas medicinais na região. Estas estratégias, para serem
alcançadas, dependem do estabelecimento do sentido de organização entre
as famílias atendidas pelo projeto e estímulo ao empreendedorismo. Noções
estas que os coordenadores, discentes e os profissionais recém-formados,
integrantes do projeto, tentaram passar a todas as famílias atendidas, para
que estas pudessem atingir a autossuficiência e a solidez na continuidade das
atividades.
Do ponto de vista dos fatores humanos, os fundamentos
democráticos da autogestão vêm precisamente ao encontro dos requisitos de
envolvimento e participação dos trabalhadores, preconizados pelos métodos
de gestão modernos. Células de produção, grupos de trabalho e postos
multifuncionais, a par de outras técnicas de gerenciamento horizontal e
responsabilização do trabalhador, típicas das normas de gestão de qualidade
da atualidade, acomodam-se com naturalidade à estrutura participativa dos
empreendimentos solidários (GAIGER, 2002).
Assim, o projeto desenvolvido pelo Programa Universidade Sem
Fronteiras (USF) apresentava esta proposta para a população assentada, com
ênfase na inclusão social, desenvolvendo uma estrutura que contribuísse
para a capacitação e profissionalização de adultos, geração de trabalho e
renda.
As produtoras das plantas medicinais do assentamento contaram
com o apoio técnico e financeiro da Universidade Estadual de Londrina
(UEL), SETI, EMATER (Alvorada do Sul), Incubadora Tecnológica de
Empreendimentos Solidários – INTES (UEL) e Prefeitura Municipal de
Alvorada do Sul, com vistas à produção sustentável.

230 a sustentabilidade da economia solidária


Materiais e métodos

Plantas medicinais selecionadas para cultivo

Capim-limão (Cymbopogon citratus)

De origem asiática, mais especificamente do sul da Índia e Sri Lanka,


a espécie Cymbopogon citratus (DC.) Stapf pertence à família Poaceae, e
hoje é aclimatada em toda a região tropical do mundo. Possui mais de 20
nomes conhecidos, sendo os mais populares “capim-limão” e “capim-santo”
(GOMES; NEGRELLE, 2003). A parte usada são as folhas, são ricas em
óleos essenciais, sendo os principais constituintes o trans-citral e o cis-citral
(LEWINSOHN et al.,1998).
O chá dessa planta tem aroma e sabor agradáveis e é utilizado devido
a sua ação sedativa e antiespasmódica, no tratamento do nervosismo e
ansiedade, bem como no alívio de cólicas uterinas e intestinais, sendo seu
uso popular apoiado em dados clínicos. Seu óleo essencial tem atividade
antimicrobiana, analgésica e contra afecções da garganta e do sistema
bronco-pulmonar. Estudos com essa planta não revelaram efeitos tóxicos,
ou seja, seu chá e suco podem ser bebidos várias vezes por dia (LORENZI;
MATOS, 2002). Reações alérgicas por aplicação tópica são raras.

Carqueja (Baccharis trimera)

Muitas espécies do gênero Baccharis possuem propriedades medicinais.


Baccharis trimera (Less.) DC. (Asteraceae) conhecida popularmente
como “carqueja” é originária do Brasil, sendo muito utilizada na medicina
popular no tratamento de distúrbios digestivos, doenças hepáticas e renais,
reumatismo, diabetes e processos inflamatórios. A parte usada são os ramos
alados com flores. Estudos fitoquímicos demonstram, entre os componentes
químicos: flavonoides, monoterpenos, diterpenos, sequiterpenos e saponinas
(LORENZI; MATOS, 2002).
Conhecida por sua propriedade hepatoprotetora, B. trimera, tem
sido empregada principalmente em problemas hepáticos por remover
obstruções da vesícula e fígado. Nesses casos, recomenda-se a forma de
infusão (LORENZI; MATOS, 2002). As propriedades sobre o fígado já foram
comprovadas em estudo pré-clínico (SOICKE, 1986). Outros estudos sobre
as propriedades digestivas dessa planta, demonstraram redução da secreção

a sustentabilidade da economia solidária 231


gástrica, efeito analgésico e anti-inflamatório (GAMBERINI et al., 1991;
GENE et al., 1996), além do efeito hipoglicêmico (XAVIER et al., 1967).

Alecrim (Rosmarinus officinalis)

Rosmarinus officinalis L., popularmente conhecida por “alecrim” ou


“rosmarino”, é uma planta aromática de origem mediterrânea que pertence à
família Lamiaceae. Foi aclimatada no Brasil, sendo cultivada em regiões de
clima ameno. As partes utilizadas são as folhas. No entanto, frutos secos e
flores são utilizados na culinária como temperos (LORENZI; MATOS, 2002).
Entre os componentes químicos descritos na espécie, além da presença do
óleo essencial rico em pineno, canfeno, borneol e cineol, foram descritos
taninos, alcaloides, saponinas, flavonoides e ácido rosmarínico.
Suas folhas são empregadas na medicina tradicional como estimulante
digestivo e para a falta de apetite, azia, problemas respiratórios, debilidade
cardíaca, cansaço físico e mental, hemorroidas, antiespasmódico, cicatrizante
e para queda de cabelo (MARTINS et al., 2002; ALONSO, 2008). Alguns
ensaios farmacológicos realizados comprovaram sua eficácia como protetor
hepático e antitumoral (GRUENWALD; BRENDLER; JAENICKKE, 2000;
SOUSA et al., 1991), anti-inflamatório e antioxidante (AFONSO et al., 2010;
ALTINIER et al., 2007).

Guaco (Mikania laevigata Schultz Bip. ex Baker)

O gênero Mikania possui aproximadamente 415 espécies, distribuídas


pela América Central e do Sul. No Brasil, existem cerca de 200 espécies, sendo
que no Paraná ocorrem 69 (ANGELY, 1965), entre elas duas espécies são
utilizadas com fins medicinais: a Mikania laevigata Schultz Bip. ex Baker e a
Mikania glomerata Sprengel, ambas conhecidas popularmente como “guaco”,
sendo a parte utilizada para fins terapêutico as folhas, que contêm óleo
essencial rico em diterpenos e sequiterpenos, cumarinas, saponinas (com
atividade antiespasmódica), resinas (de ação antibacteriana e expectorante),
taninos (ação antisséptica) e flavonoides, entre outros. Os compostos
cumarínicos são os princípios ativos relacionados com a atividade bronco-
pulmonar (ALONSO, 2008).
Desde longa data, a M. glomerata e a M. laevigata têm sido utilizadas
popularmente nos casos de asma, bronquite e como adjuvante no combate
à tosse (LORENZI; MATOS, 2002). Estudos recentes têm comprovado a
ação do extrato de “guaco” sobre as vias aéreas superiores, tais como: efeito

232 a sustentabilidade da economia solidária


broncodilatador, expectorante e antitussígeno (ALONSO, 2008). Atualmente,
o “guaco” é parte integrante do Programa Fitoterapia no SUS, sendo um dos
oito medicamentos fitoterápicos que são empregados como medicamento na
rede de saúde pública (LEAL; FERREIRA; BEZERRA, 2000).

Hortelã (Mentha sp.)

A família Lamiaceae compreende cerca de 200 gêneros, com 2000 a


5000 espécies, entre as quais se encontram diversas plantas aromáticas. O
gênero Mentha inclui aproximadamente 30 espécies, que se desenvolvem em
diversas regiões da Europa, Ásia, Austrália e América do Sul. Esse gênero
apresenta dificuldades para sua classificação devido à grande variabilidade em
suas características morfológicas, e a facilidade de hibridização (LORENZI;
MATOS, 2002). Conhecida popularmente como “hortelã” a Mentha sp é
muito utilizada na culinária e para fins medicinais.
O interesse econômico em espécies de Mentha deve-se, principalmente,
à exploração comercial dos óleos essenciais, que são usados na confecção
de medicamentos, alimentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal
(SIMÕES et al., 2004).
Popularmente, a “hortelã” é usada como descongestionante nasal e
antigripal. Além disso, é reconhecido seu uso para alívio de coceiras na pele
e dor de cabeça (GRUENWALD; BRENDLER; JAENICKKE, 2000; MATOS,
2002).
O alívio dos sintomas de gripe, como a congestão nasal e mal-estar
respiratório, devem-se à presença do componente mentol. Sendo preconizado
seu uso na forma de infusão das folhas (LORENZI; MATOS, 2002).

Cavalinha (Equisetum arvense L.)

Equisetum arvense L. é conhecido popularmente no Brasil como


“cavalinha”, é membro da família Equisetaceae e rico em vitaminas C, E, K,
B1, B2, B6, ácido nicotínico, ácido fólico e ácido pantotênico (ALONSO,
2008). Apresenta ampla distribuição pelo hemisfério norte, principalmente
na Europa, Ásia e América do Norte. Sendo bem aclimatado no Brasil.
A “cavalinha” é a planta terrestre com maior quantidade de sílica,
o que lhe permite ter diversas aplicações na medicina. Os investigadores
acreditam que as propriedades medicinais antibacterianas e antissépticas
associadas à planta devem-se ao elevado teor de sílica (FERRAZ et al., 2008).
Além disso, os flavonoides e os sais de potássio presentes em sua constituição

a sustentabilidade da economia solidária 233


química justificam sua ação diurética. Pela abundância de taninos presentes é
utilizada como adstringente (antidiarreico, hemostático por vasoconstrição
local, cicatrizante) (LORENZI; MATOS, 2002).

Material vegetal

A produção de mudas e a coleta de material propagativo foram


realizadas na Fazenda Escola e Horto Medicinal da UEL. No assentamento,
cada família preparou seus canteiros, recebendo, assim, as plantas medicinais
para serem produzidas.
As folhas de Mikania laevigatae Sch. Bip. ex Baker (Guaco),
Cymbopogon citratus (DC) Stapf. (Capim-limão), Rosmarinus officinalis L.
(Alecrim), Mentha sp. (Hortelã) e os caules de Baccharis trimera (Less) DC
(Carqueja) e Equisetum arvense L. (Cavalinha), foram coletadas no período
de maio a agosto de 2010, no município de Alvorada do Sul, Paraná, Brasil.
Foram fragmentadas com auxílio de tesouras de poda manual e deixadas
para secagem à temperatura ambiente (24 ± 3° C) em local arejado e com
ausência de luz.

Avaliação organoléptica

As amostras de drogas vegetais foram analisadas quanto à cor, odor


e aspecto, a partir dos parâmetros descritos pela Farmacopéia Brasileira
(1988). Para melhor visualização das características, as drogas vegetais foram
transferidas para folhas de papel branco e tubos de ensaio, respectivamente,
e observadas sob luz natural.

Determinação de material estranho

A amostragem foi efetuada por quarteamento, como descrito na


Farmacopéia Brasileira (2000) para lotes menores de 10 Kg de folhas,
obtendo-se, como amostra final, 250 g de amostra. Os materiais estranhos
foram retirados manualmente, a olho nu, sendo posteriormente transferidos
para placas de Petri e observados ao microscópio estereoscópio. Os diferentes
tipos de materiais estranhos foram separados, pesados e os percentuais
calculados (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 2000).

234 a sustentabilidade da economia solidária


Determinação de água

Para a determinação do teor de água, utilizou-se o método gravimétrico


descrito na Farmacopéia Brasileira (2000). As análises foram realizadas em
triplicata para todas as amostras e os resultados expressos em porcentagem,
em relação à droga vegetal.

Determinação de cinzas totais

Na determinação do teor de cinzas totais, utilizou-se o método


descrito na Farmacopéia Brasileira (2000). As análises foram realizadas em
triplicata e o teor foi calculado em relação à droga vegetal, sendo o resultado
expresso em porcentagem.

Triagem fitoquímica

Para a identificação de flavonoides, cumarinas, taninos, alcaloides e


saponinas, os testes foram realizados de acordo com as respectivas técnicas
descritas por Harborne (1998). Para a determinação do índice de espuma,
foi utilizada a técnica descrita por Schenkel et al. (2004).

Oficina de confecção de sabonetes artesanais

Entre as atividades desenvolvidas pelos extensionistas, a oficina de


confecção de sabonetes artesanais foi ministrada pela química convidada
Anália Frossard.
Com o objetivo da profissionalização dos assentados, foi elaborada,
especialmente para o grupo, com enfoque em produção artesanal de
sabonetes, uma apostila com conteúdo teórico-prático, que abordou a
regulamentação para a produção artesanal de sabonetes empregando a
matéria-prima vegetal produzida no assentamento.
Na capacitação das famílias assentadas, foram abordados temas como
higiene pessoal e boas práticas de produção, além do curso de preparo de
sabonetes artesanais. Para o desenvolvimento destes temas, foram realizadas
atividades como palestras e oficinas. Em grande parte destas atividades,
foram utilizadas metodologias participativas, preparando os assentados
para, mais tarde, aplicarem tais métodos e técnicas na comunidade a fim de
gerar trabalho e renda.

a sustentabilidade da economia solidária 235


Resultados e discussão

A Organização Mundial da Saúde (OMS) expressa na Declaração de


Alma-Ata (1978), o apreço pelo uso da Fitoterapia no âmbito sanitário, uma
vez que “80% da população mundial utiliza essas plantas ou preparações
destas no que se refere à atenção primária de saúde”.
De acordo com estimativas de 2010, da Associação Brasileira de
Empresas do Setor Fitoterápico, o mercado de fitoterápicos no Brasil gira
em torno de US$350 milhões e US$550 milhões e cresce cerca de 12% ao
ano. Um número que poderia ser muito mais expressivo, uma vez que o
Brasil possui a maior biodiversidade do planeta, podendo, portanto, exercer
papel de liderança nesse segmento. Porém, perante o mercado internacional
de fitoterápicos, que gira em torno de US$ 44 bilhões, a representatividade
brasileira no mercado internacional é muito pequena, devendo-se aos baixos
investimentos em desenvolvimento de produtos que sejam 100% nacionais
(MIOTO, 2010).
Em 2006, legislações pertinentes à Fitoterapia e ao cultivo de plantas
medicinais foram aprovadas no Brasil. O Decreto nº 5.813/06 (BRASIL, 2006)
aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF),
criada em 2005, que tem por objetivos, entre outros,

[...] promover e reconhecer as práticas populares de uso de plantas


medicinais e remédios caseiros e promover a adoção de boas práticas de
cultivo e manipulação de plantas medicinais e de manipulação e produção
de fitoterápicos, além da inclusão da agricultura familiar nas cadeias e
nos arranjos produtivos das plantas medicinais, insumos e fitoterápicos e
promoção da integração com o sistema de ensino técnico, pós-médio, na
área de plantas medicinais e fitoterápicos, em articulação com o Sistema S,
com universidades e incubadoras de empresas e fortalecimento da ATER
– Assistência Técnica e Extensão Rural por meio de ações do governo e da
iniciativa privada.

Já a Portaria nº 971/06 (BRASIL, 2006) considera que a Fitoterapia


é um recurso terapêutico caracterizado pelo uso de plantas medicinais em
suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas
isoladas, e que tal abordagem incentiva o desenvolvimento comunitário, a
solidariedade e a participação social.
Alvorada do Sul, de acordo com o IBGE (2011), possui vegetação
do tipo Mata Atlântica, com clima tropical. Sabe-se que para o cultivo de
plantas medicinais é de suma importância o conhecimento da adequação

236 a sustentabilidade da economia solidária


da espécie ao clima e às condições do solo para que se alcance o sucesso
no cultivo, pois determinados metabólitos de interesse farmacológico são
gerados em situações de estresse da planta (metabolismo secundário) e os
tipos de nutrientes presentes ou ausentes no solo, além do pH, são também
fatores importantes (SIMÕES et al., 2004).
Assim, o projeto de extensão, visou à orientação das famílias
assentadas no correto manejo de drogas vegetais (Figura 1), a fim de garantir
matéria-prima vegetal de qualidade para seu uso medicinal. Para esse fim,
acadêmicos do curso de Farmácia atuaram no projeto, realizando a análise
lote a lote da qualidade das drogas vegetais produzidas no assentamento.
Ensaios de qualidade físico-químico das drogas vegetais foram conduzidos
para monitorar a qualidade do produto final e instruir a comunidade sobre
os adequados processos de secagem e armazenagem dessas drogas vegetais.

Figura 1: Colheita de plantas medicinais realizada por participante do


projeto

Fonte: Adilson Luiz Seifert.

a sustentabilidade da economia solidária 237


Existem horários em que a concentração dos princípios ativos é maior.
Óleos essenciais e alcaloides estão em maior concentração no período da
manhã, por isso, a colheita dessas plantas é mais interessante neste período.
Já os glicosídeos são encontrados em maior concentração no período da
tarde (SIMÕES et al., 2004).
O estágio em que a planta se encontra também deve ser observado
antes da coleta. De acordo com Simões et al. (2004), se as partes a serem
utilizadas forem as folhas ou a planta inteira, é interessante a coleta no
estágio de pré-floração da planta. Se as partes utilizadas forem as flores, o
estágio em que se encontra ideal para ser colhida é quando essas estiverem
bem abertas. Se forem os frutos, devem ser colhidos quando bem maduros.
As sementes devem ser colhidas quando estiverem bem desenvolvidas, e as
cascas e as raízes são melhores em concentração de princípio ativo quando
colhidas no outono ou no início do inverno.
Todos os assentados receberam informações sobre os cuidados a serem
realizados durante a coleta do material. A matéria-prima vegetal foi coletada
respeitando os horários específicos para a coleta, evitando a colheita de partes
afetadas por doenças, parasitas e materiais estranhos. Foram anotados os
nomes das plantas, o horário de coleta e o produtor responsável. Portanto, na
avaliação de material estranho e análise organoléptica, todos os parâmetros
avaliados estavam em conformidade com os dados da Farmacopéia Brasileira
para as drogas vegetais analisadas.
Com relação ao teor de cinzas totais, os resultados estão representados
na tabela 1.

Tabela 1: Determinação do teor de cinzas totais das drogas vegetais coletadas


no Assentamento de Reforma Agrária “Iraci Salete”, município de Alvorada
do Sul – PR

238 a sustentabilidade da economia solidária


Em todas as espécies, o coeficiente de variação (CV) foi abaixo de
15%. E os valores encontrados estão de acordo com os valores recomendados
na literatura especializada. Infelizmente, por problemas técnicos, somente
as drogas vegetais listadas acima puderam ser analisadas. Guaco, Hortelã e
Cavalinha não foram submetidas ao ensaio.
A avaliação do teor de umidade foi determinada por meio da perda por
dessecação. A presença de água em excesso, em drogas vegetais, promove o
crescimento de bactérias, fungos ou insetos e hidrólise de constituintes. Por
esta razão, limites de água são descritos para drogas vegetais, especialmente
para aquelas que facilmente absorvem água ou aquelas na qual a deterioração
é promovida pela presença de água em excesso, visto que este fato impede o
armazenamento por tempo prolongado (CARDOSO, 2002).
Para a determinação do teor de água, foram analisadas amostras de
3 produtores diferentes. O produtor I cultivou E. arvense (Cavalinha) e
C. citratus (Capim-limão). O produtor II cultivou M. laevigatae (Guaco),
C. citratus (Capim-limão), R. officinalis (Alecrim) e Mentha sp. (Hortelã),
e o produtor III, C. citratus (Capim-limão) e B. trimera (Carqueja). Os
produtores receberam orientações sobre boas práticas de processamento da
matéria-prima vegetal, desde a produção orgânica, cultivo, coleta e secagem
das plantas medicinais.
O processamento pós-colheita é um dos pontos críticos no processo
produtivo de plantas medicinais e aromáticas. As plantas medicinais são
sensíveis ao processo de secagem, e as temperaturas a que são submetidas
podem causar alterações na quantidade e qualidade dos princípios ativos,
principalmente nos teores de óleo essencial, sendo aconselhável utilizar a
temperatura de no máximo 40º C para o processo de secagem, evitando
diminuição do teor dos princípios ativos.
Todos os produtores foram orientados a processar a secagem
imediatamente após a coleta, em temperatura ambiente (24 ± 3° C), usando
bandejas vazadas (tela), distribuindo as amostras em camadas finas, sem
compactação, permitindo boa circulação do ar.
A perda por dessecação foi realizada com as drogas secas e
cominuídas, determinando-se o teor de umidade residual em triplicata,
conforme tabela 2.
Os resultados da perda por dessecação para as drogas analisadas
estão dentro dos limites farmacopeicos de água para drogas vegetais, que
variam de 8 a 14% para a droga seca, com poucas exceções especificadas nas
monografias.

a sustentabilidade da economia solidária 239


Tabela 2: Determinação do teor de umidade residual das drogas vegetais
coletadas no Assentamento de Reforma Agrária “Iraci Salete”, município de
Alvorada do Sul – PR

A triagem fitoquímica foi conduzida para caracterizar a composição


química da droga vegetal em estudo. Os resultados revelaram a presença
de metabólitos secundários, incluindo flavonoides, cumarinas, taninos e
saponinas. Compostos químicos, tais como flavonoides e taninos estavam
presentes em todos os extratos analisados, alcaloides não estavam presentes
e cumarinas apenas em guaco.
A oficina ministrada pela química Anália Frossard contou com a
presença de grande parte dos trabalhadores (Figura 2). Todos os presentes
entusiasmaram-se com a confecção dos sabonetes e puderam começar a
produção logo após o curso. Foi enfatizada a importância da qualidade dos
produtos, da higiene adequada no manuseio da matéria-prima, bem como
higiene pessoal. A discussão sobre a rentabilidade dos sabonetes, lucro e
compra de material necessário para a confecção, também foi abordada após
o curso.

240 a sustentabilidade da economia solidária


Figura 2: Curso de confecção de sabonetes artesanais, assentamento de
reforma agrária “Iraci Salete”, Alvorada do Sul – PR

Fonte: Adilson Luiz Seifert.

Conclusão

Os valores obtidos do teor de umidade das drogas vegetais, teor de


cinzas totais e da triagem fitoquímica preliminar estão dentro dos parâmetros
farmacopeicos, e indicam que as orientações do grupo de Farmácia sobre
a secagem, coleta e armazenamento foram seguidas corretamente, o que
assegurou a qualidade do material que seria comercializado.
Na oficina ministrada pela química convidada Anália Frossard,
foi ensinada às mulheres do assentamento a confecção de sabonetes de
glicerina artesanais com a utilização das drogas vegetais produzidas no
assentamento. O método de confecção dos sabonetes é simples e condizente
às condições do assentamento, o que permite produção permanente mesmo
após a finalização do projeto. Tal curso resultou em produtos de bom apelo
comercial. Sabe-se, até o presente momento, que os sabonetes produzidos já
estão sendo comercializados inclusive com encomendas futuras.
De modo geral, todos os experimentos deram resultados otimistas
quanto à produtividade e ao aumento do conhecimento técnico dos
assentados. Praticamente todos os grupos se envolveram com as atividades,
criando afinidade e uma relação de confiança com o extensionista.

a sustentabilidade da economia solidária 241


Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação Araucária, SETI – Fundo


Paraná e à INTES/UEL (Incubadora Tecnológica de Empreendimentos
Solidários). O estudo foi financiado pela Chamada de Projetos nº 07/2008,
Programa Universidade Sem Fronteiras: Extensão Tecnológica Empresarial.
Agradecemos também à Prof.ª Audrey Alessandra Garcia Lonni, ao Bruno
Parmezan, Antônio Carlos A. Carmeis Filho e à Flávia de O. Domingos, pelo
auxílio técnico.

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a sustentabilidade da economia solidária 245


A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA EM UMA INCUBADORA
TECNOLÓGICA SOB A PERSPECTIVA
DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Ana Carolina Guarnieri


Ana Paula da Silva Pereira
Nayara Tiemi Naves
Eneida Silveira Santiago

Introdução

A Economia Solidária constitui-se como uma proposta diferenciada


de pensar e realizar o trabalho, baseada nos princípios de propriedade
coletiva ou associada do capital e direito à liberdade individual. Assim
sendo, um empreendimento participante da Economia Solidária visa à união
dos trabalhadores em cooperativas, sociedades, grupos ou associações que
possuam meios de produção e que trabalhem coletivamente para garantir
sua subsistência (SINGER apud ANDRADA, 2006).
Esta proposta de produção diferencia-se do capitalismo por não
ter o lucro como um fim, mas por buscar a geração de renda como um
meio de responder às necessidades dos trabalhadores de reintegrar-se à
divisão social do trabalho e terem melhor qualidade de vida, favorecendo
seu desenvolvimento pessoal e seu acesso mais fácil a serviços e produtos.
Outra diferença bastante marcante envolve o incentivo à solidariedade
entre os membros e entre a sociedade, enquanto o capitalismo possui como
marca registrada a competitividade e a construção de relações e saberes
hierarquizados.
A solidariedade tem diversas definições de acordo com as várias
abordagens com as quais se pode estudá-la. Alguns exemplos destas
abordagens são: sociobiológica, sócio-histórica, antropológica e econômica.
A definição de solidariedade que se mostra viável e que é utilizada por Singer
(2003) é a de ajuda mútua fundamental a sobrevivência, não obstante, Santos
e Oliveira (2011) apontam que a solidariedade caminha juntamente com
a competitividade, que também é necessária para a sobrevivência de um
indivíduo ou grupo.
Não se trata, no entanto, de um projeto socialista propriamente
dito, como muitas vezes a proposta de Singer é acusada, no qual as classes

a sustentabilidade da economia solidária 247


sociais são totalmente abolidas, pois, como afirma Andrada (2006, p. 02): “a
Economia Solidária revisita o socialismo utópico e recoloca, hoje, na ordem
do possível, princípios como a igualdade e a democracia no trabalho” Assim,
podemos identificar que a Economia Solidária tem como principal alicerce
o fortalecimento das relações entre os trabalhadores e as organizações, pois
só a partir destas múltiplas interconexões há a possibilidade de sobreviver no
sistema capitalista atual, que desemprega, empobrece e exclui parte da classe
trabalhadora. Com isso, também há a possibilidade de suscitar mudanças
mais estruturais na sociedade.
O movimento da economia solidária, que vem ocorrendo mais
significativamente nos últimos 20 anos, marca a expressão da ação pública
de diversos segmentos sociais. Apesar das iniciativas de apoio a este
movimento, podemos dizer que houve maior notoriedade a partir das
discussões no Fórum Social Mundial, ocorrido no fim da década de 1990.
Em âmbito federal, não há uma lei geral para a economia solidária, assim
como não há um fundo de fomento que apoie tais iniciativas. Por outro lado,
nos níveis municipais e estaduais, há um aumento na aprovação de leis que
instituem políticas de apoio e fomento à economia solidária, com a criação
de instrumentos para efetivá-las.
A expansão da economia solidária também foi potencializada com a
criação da SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) que “tem o
objetivo viabilizar e coordenar atividades de apoio à Economia Solidária em
todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão
social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário” (MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO, 2011), isto é, dar o fomento e o apoio
técnico aos empreendimentos solidários do país. Em âmbito municipal,
o fortalecimento das iniciativas de economia solidária foi auxiliado pela
consolidação do Programa Municipal de Economia Solidária da Prefeitura
de Londrina (SALVI et al., 2011).
Praxedes (2009) comenta a importância do movimento social para
a consolidação de uma política pública de caráter democrático, pois esta
depende de uma articulação entre diversos campos institucionais. Segundo
a autora, apesar de poucas e insuficientes, algumas leis já estão garantindo a
utilização dos serviços de cooperativas e associações pelas Prefeituras, dando
maior visibilidade e fortalecimento à economia solidária. Ainda de acordo
com Praxedes (2009, p. 62), esta é uma política de desenvolvimento, que visa
à emancipação dos beneficiários, “respeita e considera a centralidade do ser
humano, a sustentabilidade ambiental, a justiça social, a cidadania e valoriza
as diversidades culturais articuladas às atividades econômicas”.

248 a sustentabilidade da economia solidária


A economia solidária tem alguns princípios básicos, quais
sejam: cooperação, solidariedade, autogestão, dimensão econômica e
sustentabilidade ambiental. Ao falarmos de economia solidária, contraposta
ao capitalismo, um conceito fundamental a ser discutido é o de autogestão.
Segundo Picanço e Tiriba (2004), a autogestão envolve formação sobre
questões técnicas, administrativas e comerciais específicas do ramo da
atividade do empreendimento. Pressupõe, também, a existência de novas
formas participativas e de tomada coletiva de decisões. Por isso, a autogestão é
um processo de aprendizagem permanente, que contribui para o crescimento
dos empreendimentos e desenvolvimento pessoal para a cidadania.
Sendo assim, a autogestão é alcançada quando o grupo é capaz de,
por si só, lidar com as várias dificuldades que surgem no dia a dia, atuando
com informações das mais diversas áreas necessárias ao seu andamento.
Segundo Spink (2002), construir uma economia solidária não é construir
uma organização e deixá-la sozinha para tentar sobreviver num mercado
hostil, mas contribuir para o fortalecimento das múltiplas interconexões
entre organizações diferentes, de consumo, de escoamento, de crédito e de
conhecimento.
O Ministério do Trabalho e Emprego (2011) denomina como
características tais princípios citados. Afirma que a cooperação é quando
interesses e objetivos são comuns, assim como a propriedade de bens,
a partilha dos resultados e a responsabilização. Já a dimensão econômica
constitui-se no conjunto de vários elementos, como a viabilidade econômica
e eficácia do empreendimento, que motivam a reunião de recursos pessoais
e de organizações para a produção, beneficiamento, crédito e consumo,
considerando as características sociais, ambientais e culturais. Ao passo
que o princípio solidariedade é visto por meio da distribuição justa dos
resultados, que aumenta a qualidade de vida das pessoas envolvidas, no
comprometimento com a qualidade do meio ambiente, na relação com o
território e com os movimentos sociais e populares que ali acontecem,
respeito aos direitos dos trabalhadores, entre outros.
Por fim, por sustentabilidade ambiental entende-se a mudança no
processo de produção de determinado produto e seu consumo, buscando-
se o menor número de resíduos e menores gastos de energia. Envolve a
responsabilização do produtor e uma postura diferenciada no manejo
da matéria-prima, que exigem tecnologias de fabricação e reciclagem
específicas, bem como a produtos com durabilidade alta e que sejam
recicláveis (GRIMBERG, 2005).

a sustentabilidade da economia solidária 249


Uma vez que estamos inseridos em uma cultura capitalista,
individualista e competitiva, desenvolver os conceitos da economia
solidária é algo muito desafiador e, por isso, o processo de formação dos
grupos envolve uma capacitação continuada, tanto pelos aspectos técnico-
administrativos, políticos e, principalmente, de viabilidade econômica
e social do empreendimento. Sobre as dificuldades destes tipos de
empreendimento em um sistema capitalista, Andrada (2006, p. 03) ressalta
um aspecto importante da autogestão:

É justamente em meio a esses embates constantes que surgem expostas as


várias contradições basais com o modo de produção hegemônico vigente
e elas certamente acarretam difíceis desafios a serem enfrentados por seus
sujeitos cotidianamente. Em relação a isso, deve-se levar em conta um
agravante importante: esses trabalhadores nasceram e se desenvolveram
para o trabalho sob a égide de uma organização social capitalista, pautada
pelo assalariamento, pela subordinação, pela divisão capital-trabalho, pela
competitividade, enfim, por uma ordem francamente diferente daquela
proposta pela Economia Solidária – a partir da qual, agora, assumiram o
desafio de viver e trabalhar, ainda que ‘lá fora’ a situação não tenha passado
pelo mesmo processo de reorientação.

É importante pensarmos também nas condições em que estão


sendo desenvolvidas as experiências, sua relação com a realidade local, sua
inserção nas cadeias produtivas e suas múltiplas e complexas conexões com
a realidade regional.
Neste sentido, existem empreendimentos solidários que produzem,
vendem e compram de forma a gerar trabalho e renda de forma solidária.
Tais empreendimentos podem ser definidos como organizações coletivas e
suprafamiliares permanentes, tanto do meio rural quanto do urbano, que
exercem a autogestão nas atividades. Podem ser singulares ou complexas,
dispor ou não de registro legal, desde que cumpram com os princípios da
economia solidária (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
Além de realizar

atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de


fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares),
de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços)
e de consumo solidário. As atividades econômicas devem ser permanentes
ou principais, ou seja, a razão de ser da organização (MINISTÉRIO DO
TRABALHO E EMPREGO, 2011).

250 a sustentabilidade da economia solidária


Os empreendimentos deparam-se com muitas dificuldades para realizar
seu trabalho, desse modo, foram criadas instituições de apoio e fomento
aos empreendimentos de economia solidária. Tais instituições trabalham
com algumas dificuldades das comunidades, como o enfraquecimento
da base associativa e a baixa capacidade de gestão, sendo que, algumas
dessas são as incubadoras universitárias de empreendimentos econômicos
solidários. Na práxis, as incubadoras auxiliam na organização, orientação
e acompanhamento sistemático e administrativo às pessoas que requerem
seus serviços, visando à geração e a consolidação dos empreendimentos.
Portanto, a incubação dá suporte técnico e social aos empreendimentos
de autogestão, construindo ou reconstruindo conhecimentos por meio de
um processo educativo de organização e acompanhamento. Além disso,
tem como consequência contribuir indiretamente com o fortalecimento e
desenvolvimento local e regional (CULTI, 2011).
Visando tais aspectos, constituiu-se a INTES (Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários) da Universidade Estadual de
Londrina (UEL), que surgiu de um desejo de aproximar a universidade da
população da cidade e região excluída do mercado de trabalho formal ou em
condições precarizadas de trabalho. Desde o ano de 2005 tem atuado junto
à comunidade, com o objetivo de proporcionar apoio técnico e educativo
a cooperativas, empreendimentos de economia solidária e associações de
trabalhadores. Especificamente, no ano de 2011, atendeu cinco grupos de
trabalhadores, entre incubados, e em processo de pré-incubagem.
Os processos de pré-incubagem, incubagem e desincubagem
compõem a metodologia utilizada pela INTES. Cordeiro et al. (2010)
afirmam que a pré-incubagem ocorre depois que o grupo já está formado,
então, são feitos os primeiros contatos e verificado o interesse na organização
de modo cooperativo, se o grupo é consistente, quais são suas aptidões e se
há viabilidade econômica da assessoria. Assim, é realizado um diagnóstico
psicossocial por meio de entrevistas e observações, a fim de que haja um
monitoramento e uma avaliação dessa fase. O grupo tem conhecimento
dessas informações e define os papéis de seus membros, mais além, o grupo
e a equipe definem as normas e compromissos assumidos.
Segundo Cordeiro et al. (2010), a incubagem é a fase seguinte, na
qual são identificadas as atividades que serão realizadas pelo grupo, sendo,
também, elaborado um planejamento estratégico, o qual visa definir as
ações de assessoramento das diversas áreas de atuação da INTES. Ademais,
“nessa fase elabora-se o mapeamento de consumo, organização do processo
produtivo, confecção e desenvolvimento dos produtos e comercialização”

a sustentabilidade da economia solidária 251


(CORDEIRO et al., 2010, p. 113). Utiliza-se para o monitoramento e
avaliação as visitas, reuniões, oficinas, entre outros, por meio de relatórios,
fotos e cronogramas.
A última fase é a desincubagem dos grupos, na qual são criadas
condições para que estes consigam autonomia, isto é, a consolidação dos
empreendimentos com uma marca e conceito firmados, podendo competir
no mercado de trabalho. Tal consolidação pode ser alcançada por meio
de “informações técnicas e gerenciais aos seus associados, articulações
interinstitucionais, redes de relacionamentos e serviços de apoio”
(CORDEIRO et al., 2010, p. 113). Ainda, o monitoramento e avaliação são
feitos por meio da verificação da capacidade de produção, comercialização
e autogestão dos grupos, utilizando-se as mesmas estratégias das outras
etapas, como entrevistas e observações (CORDEIRO et al., 2010).
A sociedade em que vivemos é extremamente arraigada pelos conceitos
do capitalismo, como o consumo e o individualismo. Porém, esses valores
vêm sendo cada vez mais questionados devido às fortes tensões e crises que
este sistema vem sofrendo. No Brasil, desde a década de 1990, aumentaram
as taxas de desemprego e as condições de trabalho tornam-se cada vez mais
precárias. Neste sentido, com o intuito de criar alternativas de trabalho,
crescem os movimentos de economia solidária, que buscam não apenas
outras possibilidades de geração de trabalho e renda mais democráticas e
colaborativas, mas preocupam-se, também, com o fortalecimento de novas
formas de existência, mais igualitárias, coletivas e solidárias, visando à
inclusão social e política dos beneficiários (ANDRADA, 2006; VERARDO,
1999).
A INTES tem como missão fornecer o apoio profissional aos grupos
de acordo com suas demandas e potencialidades. Para a entrada de um novo
grupo ou aumento no número de integrantes é necessário que se enquadre
nos critérios e perspectivas da economia solidária, assim como é necessário
que se pretenda trabalhar de forma cooperativa (SALVI et al., 2011).
Por meio de projetos de pesquisa, ensino e extensão, vinculados à
Universidade, bem como de parcerias com entidades externas, a INTES busca
contribuir para a inserção social dos trabalhadores e o aprendizado de seus
membros. O apoio profissional é fornecido por meio de acompanhamento
sistemático das atividades, assessoria técnica e administrativa, bem como
treinamentos específicos nas áreas de produção, comercialização e gestão do
trabalho. A equipe é caracterizada como multiprofissional, pois conta com
a participação de professores, profissionais recém-formados e estagiários de

252 a sustentabilidade da economia solidária


diversas áreas de conhecimento, como Psicologia, Serviço Social, Agronomia,
Design de Moda, Economia, Relações Públicas e Direito.
Em nossa experiência, concebemos que o trabalho interdisciplinar
é a abordagem apropriada para se realizar uma análise do contexto social,
planejar intervenções, e reformular as estratégias de assessoria, de uma
forma mais aprofundada e completa. É a partir do trabalho em uma equipe
interdisciplinar que as questões relacionadas ao mundo do trabalho,
e as complexidades inerentes à construção de um modelo efetivo de
empreendimento em economia solidária são discutidas em variados ângulos,
protegendo-se da repetição de ações improdutivas.
A Psicologia se insere nessa equipe com as especificidades de sua
formação. Com a compreensão da realidade social dos trabalhadores,
busca resgatar com eles suas experiências e significados do trabalho que
possibilitem uma maior reflexão sobre os processos de autogestão no
cotidiano. Pode atuar, assim, tanto no nível individual, incentivando o
desenvolvimento pessoal dos sujeitos, como no nível coletivo, participando
da formação e consolidação dos grupos que se propõem a trabalhar com a
economia solidária.
De acordo com Coutinho (et al., 2005), nesta atuação, faz-se
necessário reinventar práticas tradicionais, pois diferentemente da psicologia
organizacional e do trabalho voltada a instituições mais tradicionais,
como empresas e fábricas, a psicologia do trabalho, agora focada mais nas
relações de trabalho, inserida no âmbito da economia solidária, visa ao
desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, o fortalecimento do vínculo
grupal e a ressignificação da relação com o trabalho, visto que se contrapõe
ao sistema capitalista em que estamos inseridos. Neste sentido, o trabalho do
psicólogo em empreendimentos solidários busca atuar com os sujeitos para
que passem a ser mais ativos como cidadãos, possibilitando a tomada de
decisões a partir da consideração de determinantes sociopolíticos.
Neste aspecto, importantes contribuições da psicologia comunitária
podem ser aproveitadas para que, junto aos conhecimentos da psicologia
do trabalho, a prática do psicólogo nos empreendimentos solidários
seja coerente com os princípios de uma economia solidária. A psicologia
comunitária ganha seu status em meados dos anos 1960, período marcado
por transformações da sociedade capitalista, como, também, mudanças de
pensamentos e atitudes na área da saúde mental. A proposta dessa nova
psicologia é inovadora, vem para substituir um modelo que entende o ser
humano apenas como um ser biológico e individual por um modelo que,
além de considerar essas particularidades, postula que o ser humano se

a sustentabilidade da economia solidária 253


relaciona e se constrói constantemente a partir do outro, ou seja, está a todo
o momento interagindo (ORNELAS, 1997).
Dessa forma, verificamos que o objeto de estudo dessa área é então o
indivíduo e todas as questões que o atravessam, como a relatividade cultural
e a diversidade. Além disso, embora a psicologia comunitária seja uma
teoria relativamente nova, ela se utiliza de muitas teorias para dar suporte
ao trabalho que realiza, principalmente de origem sociológica. Entretanto, o
lema principal da psicologia comunitária é a prática, pois acredita que esta,
juntamente com as vivências, é que constroem o saber psicológico.
Nas palavras de Neves e Bernardes (apud COUTINHO et al., 2005,
p. 10), “compete, portanto, aos psicólogos/as comunitários/as trabalharem
na construção de uma consciência crítica, de uma identidade coletiva e
individual mais autônoma e de uma nova realidade social mais justa”. No
contexto do trabalho, essa atribuição dos psicólogos pode se refletir em
uma luta pela coexistência de diferentes formas de organização do trabalho,
priorizando a autonomia dos indivíduos, para além de uma sociedade desigual
e exploratória. Assim, é competência do psicólogo trabalhar também com a
formação educativa para o trabalho (VERONESE; GUARESCHI, 2005).
Assim sendo, nas Incubadoras de Empreendimentos Solidários, a
área da Psicologia pode atuar nos processos de pré-incubagem, a partir do
reconhecimento de determinantes psicossociais nas relações trabalhistas e de
grupo, na incubagem, por meio da formação em economia solidária, pautando
pelos seus princípios e na desincubagem por meio do reconhecimento de
processos comunitários que acontecem durante o período de formação de
um empreendimento solidário. Além disso, valoriza o trabalho em equipe
multidisciplinar, pois possibilita a troca de saberes e compartilhamento de
práticas, que se complementam a fim de possibilitar uma atuação sólida e
efetiva.
Deste modo, as atividades de estágio na Incubadora Tecnológica de
Empreendimentos Solidários vão de encontro à expectativa de compreender
de que modo estão sendo encaradas as mudanças em relação às características
do trabalho, uma vez que o sistema atual nos prepara para atuar nos moldes
capitalistas. Isso se faz necessário para que possamos desenvolver alternativas
a partir das dificuldades trazidas pelos cooperados, no sentido de facilitar a
transição para este modelo de trabalho, promover intervenções em termos
de formação e facilitação da comunicação entre os associados e a equipe.
Acreditamos, com isso, que podemos contribuir em relação ao compromisso
e desenvolvimento da economia solidária, do trabalhador e da comunidade
em que estão inseridos.

254 a sustentabilidade da economia solidária


Durante o estágio na Incubadora, várias atividades foram desenvolvidas.
Nas visitas aos grupos incubados, foram realizadas observações e conversas
informais com o objetivo de reconhecer de que maneira os membros
do grupo se inserem na comunidade e no próprio grupo, identificando
conflitos, vulnerabilidades e potencialidades. O acompanhamento das
atividades dos grupos foi realizado por meio da formação e orientação dos
membros, acompanhamento sistemático e fornecimento de assessorias
pontuais, na forma de oficinas técnicas. Tais oficinas foram desenvolvidas
preferencialmente junto aos estagiários do curso de Serviço Social e o técnico
assistente social, levando em consideração o perfil do grupo atendido e sua
dinâmica.
Com relação à equipe, buscou-se observar o engajamento dos
participantes, conhecimento em economia solidária e a comunicação, tanto
interna quanto ao passar as informações para os grupos incubados. Por
comunicação entende-se a transmissão de uma mensagem de um emissor
para um receptor. Essa transmissão segue códigos sociais, referências
normativas e sofre distorções no decorrer do processo. O emissor geralmente
está ligado emocionalmente à mensagem que procura comunicar, e a
comunicação será mais efetiva a partir do momento em que essa mensagem
for também significativa no contexto do receptor (PARRY, 1972).
No mais, toda ação necessita de planejamento, e por se constituir como
uma incubadora multiprofissional, na INTES, esse planejamento necessita
ser realizado em conjunto. A troca de informações, de conhecimentos e de
métodos contribui para que haja maior integração e união dos objetivos e
meios para realização das atividades. Assim, a área da Psicologia participou
das reuniões de planejamento, realizadas durante todo o ano, em que se visava
ao desenvolvimento da Incubadora e dos grupos, à resolução de problemas
práticos e ao compartilhamento de ideias sobre a atuação da Incubadora.
Durante o estágio, houve a preocupação de relatar as atividades
realizadas e as impressões, dificuldades e ideias advindas das ações e reflexões
no trabalho na incubadora, por meio da troca de conhecimentos com outras
áreas e do exercício em articular a teoria com a prática do cotidiano. Essa
prática condiz com os princípios da Psicologia Comunitária, que preza pela
construção das ações no cotidiano, a partir do contexto social encontrado,
com todas as suas particularidades e desafios, sem seguir receitas prontas de
como atuar.
Como parte de uma equipe, a Psicologia também participou do
planejamento e realização do Seminário de Economia Solidária, realizado
anualmente, que teve como objetivo promover debates, oficinas e palestras

a sustentabilidade da economia solidária 255


sobre o assunto e promover parcerias, divulgando de diversas formas o
trabalho realizado pelas incubadoras e pelos empreendimentos solidários de
Londrina. Nesse sentido, também auxiliou na realização de uma Semana de
Capacitação aos estagiários, que tinha como objetivo a familiarização com
os temas da Economia Solidária, o funcionamento institucional da INTES, o
mundo do trabalho, e a promoção da integração entre os membros.

Os encontros com os grupos incubados

O início do trabalho na INTES foi marcado por expectativas e


ansiedades quanto à entrada de novos grupos, uma vez que apenas dois
estavam sendo acompanhados pela incubadora. Pela insuficiência de dados
dos grupos pré-incubados, teremos como foco para o desenvolvimento
deste trabalho apenas os dois grupos incubados acompanhados pela equipe
multiprofissional. Os grupos a que nos referimos são o de Artesanato e a
Horta.1 Faremos uma breve descrição de tais grupos de maneira a situar as
especificidades do trabalho realizado no decorrer do ano.

Grupo de artesanato

Este grupo era composto por quatro integrantes, sendo três mulheres
e um homem, marido de uma delas. No ano em que foi acompanhado, o
grupo encontrava-se desestabilizado e com dificuldades quanto à produção,
decorrentes de dificuldades pessoais dos integrantes.
O empreendimento tinha uma produção de qualidade, consistente e
variada, que incluía papéis reciclados, artesanato, pastas, blocos, marcadores
de página, cartões, guirlandas e puffs. Tal produção era comercializada no
Centro Público, porém, as vendas eram insuficientes para manter uma renda
satisfatória aos integrantes.
Durante o ano, foram realizadas visitas no barracão de produção,
assim como visitas domiciliares a dois membros, que relatavam as
dificuldades em relação à doença, situação econômica e social. No segundo
semestre, foi solicitado ao grupo a confecção de 300 pastas, para o Seminário
de Economia Solidária, realizado pela INTES e seus parceiros. No mesmo
período, o grupo confeccionou pastas para um congresso realizado na UEL,
sendo então a maior fonte de renda do ano para os membros.
1
Nomes genéricos escolhidos para diferenciar e caracterizar os grupos. Os nomes reais são escolhidos
pelos membros dos grupos, de forma coletiva, geralmente no período de incubagem.

256 a sustentabilidade da economia solidária


Apesar das dificuldades enfrentadas, o grupo buscava atender às
demandas de produção sempre que solicitado, tinha ideias promissoras,
seus integrantes respeitavam e aceitavam o trabalho da INTES e relatavam
interesse em continuar o trabalho, entretanto, problemas familiares e de
saúde inviabilizaram a maior parte das visitas e execução das atividades
planejadas pela incubadora.
Neste contexto, fatores sociais, de acesso às condições adequadas,
interferiam negativamente no trabalho. Sobre isso, Gaiger (2008) ressalta
a importância que as experiências em economia solidária apresentam no
desenvolvimento de relações construtoras de vínculos sociais, o que vai ao
extremo oposto do modo de produção capitalista. Segundo o autor, essa
característica dos empreendimentos deve-se à sua origem, comumente
concretizada em setores populares com características associativistas. Essa
vivência traz a seus agentes laços de confiança, e maior segurança para
defender seus interesses. Ressalta, também, a importância de se adequar às
práticas econômicas e de organização do trabalho à dinâmica individual,
familiar ou grupal do trabalhador.

Grupo da horta

O grupo produzia hortaliças sem uso de agrotóxico, tendo como posto


de comercialização a feira da Universidade Estadual de Londrina. Durante
o acompanhamento deste grupo, houve variação do número de integrantes,
sendo que apenas dois participaram de maneira efetiva ao longo do ano.
Entre os principais motivos para a saída dos membros estavam: emprego
formal, renda insuficiente e problemas de liderança. A questão da renda é
um fator importante, pois até mesmo os membros efetivos afirmavam que
era insuficiente para sua subsistência.
A geração de trabalho e renda é central ao se pensar as iniciativas
de empreendimentos solidários. De acordo com Lima (2004), que estuda
as cooperativas autogestionárias, iniciativas de geração de renda surgem
com o aumento da taxa de desempregados e visam, não exclusivamente, a
possibilitar que o trabalhador tenha uma fonte de subsistência, sem contar
exclusivamente com auxílios sociais do Estado. Na prática, isto se expressa
pela maneira que são constituídos estes grupos, pela preocupação com
as necessidades do trabalhador, enquanto o capitalismo utiliza a força de
trabalho como meio de alcançar o lucro.
A equipe, composta pelas áreas de Agronomia, Serviço Social e
Psicologia, fazia acompanhamentos semanais à área de cultivo e barracão,

a sustentabilidade da economia solidária 257


assim como visitas domiciliares, tanto aos ex-membros, para identificar os
fatores de sua saída, como a possíveis novos membros. Quanto a isso, a equipe
da INTES trabalhou juntamente ao Centro de Referência da Assistência
Social (CRAS) da região, assim como buscou parcerias com as igrejas locais
para convidar novos membros.
O trabalho realizado em parceria com os agentes que constroem a
rede de apoio e serviços de uma comunidade vai de encontro à definição de
políticas públicas e iniciativas de apoio aos empreendimentos, bem como
a análise de viabilidade, na qual as incubadoras exercem um importante
papel, pensando nas potencialidades ou possíveis dificuldades no processo
de implantação:

Na atualidade, torna-se cada vez mais importante trabalhar na perspectiva


da construção da viabilidade dos empreendimentos solidários, o que
significa reduzir a possibilidade de crises. No planejamento para definição
da atividade econômica do empreendimento, a ser construído, deve-se levar
em consideração que a viabilidade é um processo que pode ser construído,
na própria dinâmica de inserção no mercado. A construção da viabilidade
deve trabalhar com o planejamento da demanda para diversos prazos e
passa necessariamente pela articulação nos e com os movimentos sociais em
nível local, regional, nacional e internacional. Falamos de políticas públicas,
ação sindical, apoio de igrejas, ONGs, instituições de apoio/fomento,
incubadoras, núcleos e grupos de pesquisas em universidades, associação
de moradores, cooperativas urbanas e rurais que podem estar articulados
no sentido de se identificar demandas para um empreendimento coletivo a
ser formado (EID, 2007, p. 60).

Assim, a partir desse ponto de vista, podemos refletir se a busca por


parcerias com outras instâncias de apoio à comunidade não ocorreu em
um momento muito adiantado do processo de incubagem, distanciando a
INTES dos moradores do bairro.
Outro ponto de reflexão refere-se à característica dos moradores do
próprio bairro, que segundo relatos dos membros, não queriam trabalhar
embaixo do sol e mexendo com a terra, mas, apesar disso, alguns indivíduos
passavam pela capacitação técnica e não continuavam no grupo. Além
disso, indivíduos que tinham canteiros individuais no mesmo terreno não
se dispunham a participar do empreendimento, afirmando que não tinham
tempo para se dedicar a ele.
Isso nos levou a algumas hipóteses, como a desvalorização do trabalho
“braçal” e a característica do próprio molde de trabalho coletivo, em que
não somente a renda é dividida, mas também as dificuldades e problemas

258 a sustentabilidade da economia solidária


dos empreendimentos. Conforme discutimos, essa é uma especificidade do
trabalho em economia solidária e um dos impasses com relação ao modo
de produção capitalista, em que o trabalhador termina o seu expediente e
vai embora sem se preocupar com os problemas envolvidos no trabalho
quando se está fora dele. Outra hipótese ligada ao expediente é que cuidar
de uma horta demanda trabalho também em horários alternativos, como
a noite ou nos finais de semana, o que geralmente não acontece em um
trabalho organizado em um modo de produção capitalista “tradicional”.
Também existe o fato de, neste outro modo de produção, o “dono” do
empreendimento ser o membro responsável por tudo que o envolve, sendo
assim, para indivíduos que cresceram e se prepararam para trabalhar em tais
condições (que assim foram subjetivados), talvez seja um empecilho e um
desafio o compartilhamento das decisões, processos, dificuldades e sucessos
do empreendimento, algo tão intenso e tão difícil como “nadar contra a
maré”
Outro ponto a ser considerado é a resistência dos membros antigos
em aceitar a supervisão técnica da INTES, o que acabava levando a muitas
discussões em relação à continuidade da equipe, que vinha se mostrando
muito frustrada. Devido a estes problemas, somados a diversos fatores
analisados em inúmeras reuniões, no final do ano corrente, foi decidida a
retirada da INTES.
Durante a visita semanal, cabia à Psicologia identificar e auxiliar nas
falhas de comunicação entre a equipe técnica e os membros, como também
no fortalecimento das potencialidades do grupo. Uma parte importante
e característica da área referia-se à formação em economia solidária,
que acabou ficando falha devido à falta de grupos em processo inicial de
incubagem, aos desencontros e a falta de membros nos grupos.
Ao acompanharmos o grupo da horta, buscávamos por meio de
conversas informais nos canteiros, apontar os princípios da economia
solidária, assim como o que estava em desacordo, por exemplo, a ação de
atravessadores, divisão desigual do trabalho e dos rendimentos e pagamento
de diárias a terceiros. Neste empreendimento, houve problemas de
comunicação, que buscamos corrigir por meio de conversas francas e abertas,
em que os participantes expunham suas opiniões e descontentamentos,
porém, um dos membros tinha uma postura submissa, contribuindo para a
manutenção do aspecto hierárquico. Com isso, identificamos uma falha do
princípio fundamental da economia solidária, a autogestão. Vale ressaltar
que esse não é um movimento fácil, uma vez que a cultura em que estamos
inseridos nos ensina a responder a hierarquias. Segundo Singer (apud

a sustentabilidade da economia solidária 259


MIYATAKE et al., 2008), devemos pensar a autogestão como a noção de
que todos são também donos do empreendimento. “Este pensamento de
também ser ‘dono’ e lutar pela sobrevivência e melhoria da organização é
um processo lento, pois há a necessidade de mudar toda uma perspectiva de
vida já acostumada somente a receber ordens” (SINGER apud MIYATAKE
et al., 2008, p. 7).
Outro momento com o grupo foi a realização da dinâmica sobre a
história do trabalho, juntamente com os novos membros. Em sua realização,
os integrantes puderam vislumbrar objetivos comuns, como ter uma casa
própria, carro, estudo dos filhos, entre outros, assim como o crescimento e
consolidação da horta, que viam não somente como forma de renda, mas
como uma terapia, um bem-estar e melhora na qualidade de vida. Apesar
disso, a necessidade da renda imediata foi um fator importante citado pelos
ex-membros como motivo de sua saída do empreendimento.
Sobre os objetivos dessa atividade, podemos afirmar que o principal
era demonstrar o quanto a realização de objetivos individuais pode ser
potencializada na construção de um trabalho coletivo, bem como a
identificação de objetivos comuns a todos os membros. Essa perspectiva vai
de encontro aos princípios da economia solidária, que se opõem à economia
capitalista, que prioriza os interesses individuais e o acúmulo de capital,
enquanto a economia solidária é organizada a partir de laços sociais com o
objetivo de produzir coletivamente.
De acordo com a análise das experiências de economia solidária,
o sucesso de um empreendimento solidário é bastante dependente da
capacidade dos membros de se sobrepor aos seus interesses individuais e
buscar a socialização dos meios de produção. Essa atitude, no entanto, só
é reforçada a partir do momento em que os trabalhadores a entendem não
como uma obrigação, mas como uma forma de atender mais profundamente
a seus objetivos individuais, “Da percepção dessa simbiose entre interesses
próprios e alheios, nasce o interesse comum, base da ação de classe, entre
indivíduos similarmente situados no processo de produção da vida material”
(GAIGER, 2008, p. 38).
Durante vários momentos, houve preparação de atividades, tanto da
Psicologia e Serviço Social, quanto da Agronomia, que acabavam não sendo
executadas devido a problemas cotidianos do grupo, como, por exemplo,
atraso na colheita, bandejas de hortaliças prontas, que deveriam ser passadas,
e arrumação dos canteiros. O grupo não seguia o cronograma passado pela
INTES, mesmo sendo criados em conjunto, com decisão de todos. Quanto a
isso, levantamos algumas hipóteses, como a presença de lideranças externas,

260 a sustentabilidade da economia solidária


que exerciam influência sobre o grupo e uma cultura já estabelecida, como
lavar a hortaliça no canteiro, sendo que há uma pia própria no barracão.
A importância da coletividade é um fator inerente às práticas em
economia solidária. De acordo com Gaiger (2008), essa importância começa
a ser construída a partir do momento em que trabalhadores se unem em
um espaço comum, e esse espaço comum abarca espaços e redes próximas.
Nessa dinâmica, a solidariedade vivida no empreendimento acaba por ser
exteriorizada, e tem a possibilidade de transferir seus princípios norteadores,
de cooperação, confiança e tolerância, para os espaços públicos. No entanto,
não podemos considerar esse processo como unidirecional, visto que fatores
políticos de ordem externa são determinantes no funcionamento de um
empreendimento em economia solidária.
Apesar de ter passado por diversas oficinas de economia solidária,
assim como de higiene e limpeza, foi identificado que o grupo não aderia às
orientações técnicas, gerando frustração e desesperança na equipe.

Trabalho com a equipe

Durante o ano, o trabalho com a equipe teve dois momentos, o de


observação das relações que se estabeleciam internamente entre a equipe;
e externamente, com os empreendimentos, e da atuação técnica, em que
os conhecimentos da Psicologia eram solicitados, buscando a identificação
de conflitos, maneiras de efetivação dos grupos e formulação de oficinas
em conjunto com o Serviço Social, principalmente no que dizia respeito à
utilização de dinâmicas para melhor apresentação do conteúdo.
Nas reuniões para discussão do andamento do grupo acompanhado,
a Psicologia buscava fazer girar o discurso, buscando reflexões no que se
referia à culpabilização do sujeito, relacionando com os fatores históricos e
sociais, inclusive da própria equipe. As contradições quanto à vivência dos
princípios de economia solidária eram também interrogadas, uma vez que a
equipe raramente se utilizava, por exemplo, da autogestão, sendo presentes
em sua fala o aguardo pela autorização do professor ou do técnico. Quanto
a isso, efetivamos um caderno de atividades, que objetivava promover uma
maior autonomia para a realização das atividades pendentes, que se referiam
também ao aspecto administrativo da incubadora, devendo ser realizado
por toda a equipe.
Em relação à frustração da equipe, buscamos refletir acerca dos
padrões de prosperidade tencionados, ou seja, qual o ideal que a equipe

a sustentabilidade da economia solidária 261


tinha para o grupo e a realidade vivenciada. Com isso, foi possível levantar
que a equipe idealizava o empreendimento, trabalhando com possibilidades
de crescimento, mas desconsiderando os sujeitos reais, que viviam
cotidianamente os problemas não somente no grupo, mas nas relações
pessoais e sociais, que interferiam, inclusive, na relação com a incubadora.
O que pode ser demonstrado por meio do discurso presente nas reuniões de
equipe, no qual era priorizada a articulação do eixo político – na elaboração
do Seminário de Economia Solidária e do Fórum de Economia Solidária, a
busca e manejo de recursos e financiamento, bem como alternativas para que
o grupo não tivesse fim, visto o que foi alcançado até o momento, como o
aprendizado na lida com a horta e seus problemas, os recursos já angariados
e a relação com o grupo incubado.
Ao não trabalhar com os sujeitos reais, não se considera também
o tempo de assimilação que o grupo tem para desenvolver sua atividade,
assim como as formas próprias que adquirem para o exercício da mesma.
Nesse sentido, é fundamental refletir sobre a atuação da incubadora quanto à
manutenção de expectativas pautadas no modelo capitalista de crescimento e
conquista de mercados, compreendendo também que um empreendimento
que não fornece possibilidade de subsistência aos cooperados, falha em seu
propósito inicial de emancipação dos sujeitos.
Além disso, um trabalho reflexivo e avaliativo foi essencial para a
tomada de decisão da equipe quanto ao desligamento de um grupo. Foi
possível notar uma contradição na própria base da atividade, que fez com que
a incubadora reavaliasse o seu trabalho quanto à consolidação da Economia
Solidária. Para que isso ocorra de maneira condizente, é necessário que
todos os membros tenham claros os princípios solidários, o que não era uma
realidade, tanto na equipe quanto nos grupos de cooperados.
Essa discussão tornou-se constante, uma vez que, mesmo envolvidos
com a economia solidária, também estamos arraigados pelo modo de
produção capitalista, que cerceia não somente nossas vidas profissionais,
mas nosso próprio modo de viver e consumir e, mais ainda, de produzir
subjetividades. Segundo Veronese (2004, p. 187), “mudar formas de ser e
agir pode mostrar-se tarefa extremamente árdua e penosa, vinculada aos
processos inconscientes, que são muito difíceis de acessar”. Por meio desta
afirmação, notamos as dificuldades enfrentadas mesmo por indivíduos que
atuam diretamente com a economia solidária, como é o caso da INTES e dos
associados.
Sendo assim, existe a necessidade de um trabalho em relação às
expectativas depositadas no grupo, o que pode acontecer em todas as etapas

262 a sustentabilidade da economia solidária


da incubagem num processo contínuo. A partir da consciência de que muitas
expectativas existem, vão existir e quais são elas, ao mesmo tempo em que
têm de ser plausíveis com os objetivos a serem alcançados, pois caminham
juntamente com a frustração.
Buscamos, também, intensificar a integração da equipe e integrar os
novos estagiários que iam entrando no decorrer do ano, por meio de técnicas
e dinâmicas de grupo, nas quais a equipe pôde se conhecer melhor, conhecer
aspectos e gostos pessoais, preferências e maneira de encarar a vida. Dessa
forma, a interação e a confiança entre os membros, puderam ocorrer de
maneira mais fluida e descontraída, trazendo benefícios principalmente na
comunicação. Notamos que mesmo havendo este trabalho de integração
ainda aparecem dificuldades, como, por exemplo, um membro suprimir
a fala de outro, ou não expor suas ideias e opiniões por medo ou timidez.
Acerca desse aspecto, trabalhos mais pontuais podem ser realizados, dando
ênfase na vivência e benefícios da assertividade e pró-atividade.
Quanto à continuidade do trabalho da Psicologia, buscamos
centralizar as informações, e, assim, como todas as áreas, construir um plano
de atividades que podem ser desenvolvidas durante o estágio na INTES. Por
conta da alta rotatividade de técnicos e estagiários, que são vinculados a
projetos de curta duração, a troca de informações acaba ficando prejudicada,
contribuindo para que os estagiários demorem a se adaptar e perceber suas
possibilidades, o histórico e características dos grupos incubados da equipe.
Assim, no ano de 2010, houve um esforço geral de reter essas informações
por meio de arquivos digitais e impressos, para facilitar o trabalho na
incubadora. Esse plano de atividades também contribuiu para um maior
conhecimento da equipe sobre o trabalho da Psicologia na Incubadora,
fazendo com que, pouco a pouco, os membros da equipe identificassem quais
demandas poderíamos atender. Esse processo, no entanto, foi se construindo
gradativamente a partir de discussões em que a equipe multiprofissional,
equipada com outras experiências, também pôde nos auxiliar em nossa
atuação.

Considerações finais

A economia solidária surge como alternativa de trabalho àquelas


pessoas que estão fora do mercado de trabalho e necessitam retornar a ele
para ter melhores condições de vida; envolve princípios como a cooperação,
solidariedade, autogestão e sustentabilidade ambiental. Contudo, não é fácil

a sustentabilidade da economia solidária 263


viver a economia solidária quando estamos inseridos em outro modo de
produção, o modo de produção capitalista, pois desde que nascemos somos
inseridos em sua cultura e somos educados para realizar trabalhos em seu
molde. Desse modo, necessitamos de um olhar atento aos processos que
ocorrem no dia a dia, a fim de se verificar se realmente estamos cumprindo
esses princípios e se existe a promoção de qualidade de vida.
A INTES busca trabalhar nesse sentido, ao suprir a demanda por
capacitação, orientação e organização dos empreendimentos solidários,
atendendo a população excluída do mercado de trabalho com apoio técnico
e educativo. Mas, iniciativas como estas ainda são escassas, e, no cotidiano,
a ausência de parcerias e de uma legislação específica prejudica bastante na
abrangência das atividades da Incubadora. Durante o ano, estas dificuldades
foram enfrentadas a partir da busca pelo apoio de serviços da rede pública e
da própria Universidade.
Cabe aos atores da economia solidária cuidar para não repetir o
modelo de produção capitalista, de desvalorização do trabalhador por meio
de exigências como mudanças rápidas e aquisição de habilidades, que não
faziam parte da vida do mesmo até então. Assim, a Psicologia pode atuar
incentivando as práticas comunicativas e participativas, de modo a identificar
possíveis conflitos e divergências entre os membros, buscando, por meio do
diálogo, uma resolução.
Com os grupos, este trabalho contribuiu para uma compreensão mais
aprofundada da complexidade que envolve um empreendimento solidário.
Para que ele atinja seus objetivos, e possibilite que seus membros trabalhem
com autogestão e gerem sua renda de acordo com os princípios da economia
solidária, é necessário que vários fatores sejam levados em consideração
nas decisões sobre a organização do trabalho, produção e comercialização.
Tais fatores referem-se desde as particularidades da comunidade em que
esse grupo está inserido até as características individuais dos membros e do
grupo formado.
Mais além, a Psicologia contribui com a compreensão dos diversos
processos que acontecem em um grupo, tanto nos grupos atendidos
pela INTES quanto na própria equipe e, a partir dessa compreensão,
realiza intervenções com vistas à sintonia e bem-estar dos membros. As
intervenções realizadas pela INTES envolveram o desenvolvimento pessoal
dos integrantes dos grupos incubados por meio de conversas e discussões,
sendo o meio mais adequado encontrado para este exercício; integração
dos grupos; demonstração da dificuldade na comunicação entre as pessoas;

264 a sustentabilidade da economia solidária


participação na capacitação dos novos estagiários e no planejamento e
realização do Seminário de Economia Solidária.
É interessante ressaltar que houve solicitações constantes de dinâmicas
de grupo a nós, estagiárias de Psicologia, para auxiliar na interação entre
os grupos e também dinâmicas para que a passagem de atividades dos
estagiários aos grupos fosse facilitada. A partir daí, notamos que o papel da
Psicologia na perspectiva da equipe aparenta ser reduzido, mostrando um
desconhecimento, talvez da própria área, no que se refere às possibilidades
de atuação na economia solidária. Uma hipótese levantada é que o trabalho
dos estagiários de outras áreas na INTES é principalmente técnico, ou
realizado por meio de instrumentos e estratégias definidas, ao passo que a
Psicologia atua em questões subjetivas, por meio de observações, reflexões
e intervenções com resultados menos palpáveis. Sendo assim, o constante
pedido por dinâmicas pode demonstrar o pedido por uma tecnicidade da
atuação do psicólogo, na qual os resultados são imediatos e visíveis.
Apesar disso, assim como a própria Psicologia é construída no fazer
cotidiano, na busca de novos conhecimentos, juntamente com a assimilação
dos conhecimentos trazidos anteriormente, a atuação da Psicologia na
economia solidária é um espaço amplo para o desenvolvimento de saberes e
atuações, no qual a criação e inovação são permitidas e incentivadas. Mesmo
porque o campo de atuação não é o mesmo em todos os lugares, as pessoas
mudam e as relações também, em outras palavras, devemos sempre olhar
para a cultura e subjetividade que cada local carrega consigo e trabalhar de
acordo com as singularidades.

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a sustentabilidade da economia solidária 267


UMA EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO DE SAÚDE NO
NÚCLEO DE OFICINAS E TRABALHO1

Ariana Campana Rodrigues


Silvio Yasui

Introdução

Temos como perspectiva neste texto fazer um entrelaçamento teórico


dos campos da Economia Solidária e da Saúde Mental, enfatizando a história
do trabalho na Psiquiatria e o movimento atual da Reforma Psiquiátrica.
Relatamos nossa experiência profissional no Núcleo de Oficinas e Trabalho
(NOT) do município de Campinas – SP. O NOT é um equipamento público
de saúde vinculado ao Serviço de Saúde Cândido Ferreira e à Associação
Cornélia Vlieg e inserido na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Atende
cerca de 300 oficineiros e, atualmente, dispõe de 40 profissionais cuidadores,
sendo 27 de nível médio e 13 de nível superior, contratados em regime
CLT por ambos os serviços e distribuídos em 17 oficinas, administrativo e
gerência da unidade. Os oficineiros, necessariamente, estão em tratamento
nos setores ou público ou privado de Saúde Mental.
Objetivamos expor o processo de produção de saúde em ato de trabalho
neste equipamento em que se realiza o cuidado no modelo específico de
oficina de geração de trabalho e renda, pesquisando os efeitos desta prática
pelas narrativas dos oficineiros e profissionais no cotidiano. A partir de
nossas memórias, produzimos um relato de experiência profissional que visa
a apresentar esta modalidade de atendimento aos pacientes psiquiátricos
pela via da participação na prática social dessas oficinas. Compreendemos,
aqui, o trabalho como atividade transformadora do mundo e da natureza,
que também transforma subjetivamente o próprio homem que produz.

O trabalho e a psiquiatria

Na história da humanidade, em consonância com a arte e a religião, uma


das principais marcas da produção humana é o trabalho. Compreendemos

1
Pesquisa de mestrado em andamento financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo).

a sustentabilidade da economia solidária 269


o trabalho sob a ótica de atividade transformadora do mundo e também do
próprio homem, ou seja, da ação humana que transforma a natureza em prol
da sobrevivência e do desfrute do trabalhador e que subjetiva a existência
humana. Tomamos, ainda, como perspectiva teórica, que uma das principais
heranças deste modo de produção é o surgimento e a perpetuação até a
atualidade da sustentação da divisão social do trabalho e da consequente
divisão das pessoas em classes. Entre essas classes, abordaremos especialmente
aquelas pessoas que estão contidas na classe das potencialmente incapazes
para o trabalho. Mais especificamente, enfocaremos os loucos, que, até a
modernidade, foram considerados improdutivos.
Ser sujeito em ato de trabalho parece ser o principal modo de
subjetivação humana desde tempos imemoriais. Podemos localizar que um
dos elementos primordiais da constituição da sociedade, tal como ela hoje
se apresenta, foi produzido quando os homens começaram a se associar
para garantir a sobrevivência. Desde a antiguidade, esta associação foi
progressivamente se sofisticando, conformando uma estratificação social
que sempre delegava à maioria dos homens o status de escravo, e a poucos os
status de religioso, nobre e de lugar de governo. No ocidente, é com a marca
da Revolução Francesa que se determina o aparente e talvez ainda falacioso
retraimento de fronteiras entre nobres e burgueses com a humanização de
todos. Liberdade, igualdade e fraternidade foram as marcas dos razoáveis
homens da época.
Aludindo a este período, no final do século XVIII, quando eclodiu tal
revolução após longo período de incubação, o século das luzes viu nascer,
entre outras ciências, a Psiquiatria de Phillipe Pinel no hospital de Bicêtre,
na França. Com a publicação de Tratado médico-filosófico sobre a alienação
mental ou a mania, Pinel inaugura um novo pensamento científico com a
classificação dos sintomas e a psicopatologização dos comportamentos e,
mais que isso, instaura na cultura uma transformação paradigmática que
indicava que os loucos eram acometidos por paixões desregradas e violentas,
ocasionando os mais diversos comportamentos mensuráveis, cada qual com
sua indicação de tratamento moral.
Sendo a capacidade para o trabalho o principal distintivo humanizador
da época, acreditava-se que os loucos eram inaptos para o trabalho e que,
portanto, deveriam ser tratados. O tratamento moral era feito de inserções de
terapêuticas na recém-inaugurada instituição psiquiátrica que conduziriam
à cura da loucura pelas receitas do médico alienista de acordo com sua
identificação a determinada corrente teórica. Assim sendo, o manicômio
não foi configurado como o lugar de exclusão ou abrigamento do louco, tais

270 a sustentabilidade da economia solidária


como as instituições asilares do período clássico, mas o lócus por privilégio
de tratamento da loucura.
Descartes toma a loucura como um estado definitivo e contrário à
razão, ou seja, onde há desrazão não há razão e vice-versa. A partir disto, o
pensamento cartesiano conclui que, se o indivíduo é acometido pela loucura,
não há iluminação mental e, seguindo tal linha de raciocínio, em tempos
do século das luzes, não há o homem. Nesta perspectiva, temos a loucura
como distintivo desumanizador. Já para Pinel, a loucura é uma possibilidade
humana em qualquer época da vida; é uma passagem ou mesmo um limbo
no qual o homem pode vir a se encontrar; é um desequilíbrio da razão ou dos
afetos. Cabe, portanto, ao alienista, o dever de auxiliar o louco a retornar ao
mundo da ordem da racionalidade humana pelo tratamento moral. A ética é
a da filantropia e a filosofia é a humanística, que tem como valor absoluto o
homem livre e pensante. Este tratamento era dominador e doutrinário, sendo
chamado de moral justamente por não ser físico, já que incide sobre o plano
das ideias pelas correções dos excessos passionais. Não se negava o delírio
do louco a ele próprio, mas se tentava sua correção, agindo no tratamento de
maneira intimidadora, encorajadora, autoritária e/ou violenta.
A relação entre o trabalho e a Psiquiatria é antiga, e envolve aspectos
culturais, sociais, posicionamentos políticos, clínicos, terapêuticos, entre
outros. Décadas mais tarde, após a Revolução Francesa, o trabalho é tido
então na Psiquiatria como recurso de tratamento. A ciência psiquiátrica
considerou o trabalho enquanto elemento terapêutico na inauguração de
uma prática engendrada em intenções de ocupação de tempo ocioso pela
produção de atividades.
O próprio tratamento moral já preconizava que ocupar o tempo
ocioso também era um modo de reconduzir o desarrazoado à normalidade.
Samuel Tuke, no século XIX, usou o trabalho como método terapêutico
nos manicômios ingleses. Hermann Simon, na Alemanha na década de
1920, fundou o Tratamento Ativo, que consistia na realização de alguma
atividade, útil ou não, durante todo o tempo para que o interno do
manicômio se tornasse responsável e ativo. A estas práticas deram-se os
nomes de praxiterapia, ergoterapia, laborterapia e, posteriormente, Terapia
Ocupacional. No Brasil, desde a fundação do Hospital Psiquiátrico Pedro
II, no Rio de Janeiro, a prática do trabalho como recurso terapêutico estava
presente. Nise da Silveira iniciou sua atuação profissional nesta instituição
na década de 1940 fundando a Seção de Terapêutica Ocupacional com os
pacientes ao propor-lhes atividades que lhes rendessem ganhos terapêuticos.
Também nesta cidade, ainda na década de 1910, Juliano Moreira fundou

a sustentabilidade da economia solidária 271


uma colônia feminina de trabalho no hospital psiquiátrico em Engenho
de Dentro, onde se preconizava o trabalho com a terra, com o intuito de
ocupação do tempo das internas e com vistas ao tratamento. Um dos efeitos
da história do trabalho na Psiquiatria na conjuntura atual da Reforma
Psiquiátrica iniciada no país na década de 1980 é a de que, um dos modos do
louco se tornar sujeito posicionado socialmente é estar inserido no mercado
de trabalho.
Enfocaremos aqui como pensamos a saúde produzida no espaço do
NOT, desde o passado desta instituição, apresentado para nós por relatos
orais e escritos, até a atualidade, representada para nós por nossas próprias
memórias.

A instituição

O Serviço de Saúde Cândido Ferreira foi fundado em 1924 em


Campinas – SP e funcionou como um hospital psiquiátrico até meados da
década de 1990, quando foi iniciado um processo de abertura realizado por
protagonistas da Reforma Psiquiátrica e a instalação do convênio de cogestão
com a prefeitura municipal de Campinas.
Ainda quando o Cândido Ferreira era um serviço fechado e
seu cotidiano não fugia à clássica rotina dos manicômios, os internos
compensados psiquicamente já realizavam serviços na lavanderia, rouparia,
cozinha, limpeza e agropecuária em troca de doces, cigarros e objetos de
higiene pessoal. Prezava-se pela ocupação do tempo ocioso desses pacientes
considerados sem agressividade e aptos para tarefas que exigiam pouca
reflexão e muita disposição física. Com o passar do tempo, houve um
aumento da demanda desse tipo de trabalho por outros pacientes, o que teve
como efeito o investimento específico do setor de Terapia Ocupacional em
atividades de marcenaria, pintura e montagem de prendedores de roupas. No
início da década de 1990 foram propostas frentes de trabalho para atender
20 internos com evidentes intenções de instrumentalização e formação
profissional. Aos poucos, o projeto foi crescendo e, consequentemente, os
investimentos de ordem profissional e financeira também.
Nesta época, percebeu-se que a crescente procura pelo trabalho e pelos
benefícios que este trazia exigia um redirecionamento nesta prática. Começou
a se configurar na instituição a necessidade de tornar juridicamente legalizada
a prática de compra e venda de bens e serviços que acontecia informalmente

272 a sustentabilidade da economia solidária


no hospital. Por iniciativa dos próprios funcionários envolvidos com este
projeto, que começava a ter um efeito interessante nos pacientes, inaugurou-
se, em 1993, a Associação Cornélia Vlieg para estes fins. Na mesma época,
iniciou-se o processo de abertura do manicômio até que ele se transformasse
num serviço de saúde mental aberto. Hoje, o Cândido Ferreira é constituído
pelo Núcleo de Retaguarda, Serviços Residenciais Terapêuticos, 3 CAPS
III (Centros de Atenção Psicossocial), 1 CAPS AD (Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e outras Drogas) e 3 Centros de Convivência. Este é um
serviço mantido 100% pelo SUS (Sistema Único de Saúde) pelo convênio
com a Prefeitura Municipal de Campinas e com verbas diretas do Ministério
da Saúde.
Atualmente, o NOT constitui-se de 17 oficinas. São elas: Agrícola-
Horta, Agrícola-Jardinagem, Agrícola-Limpeza Ambiental, Ladrilho
Hidráulico, Construção Civil, Marcenaria, Serralheria, Cerâmica, Vitral
Artesanal, Costura, Culinária-Nutrição, Mosaico, Papel Artesanal, Velas
(em Sousas, distrito de Campinas, no espaço da fazenda onde se encontra o
antigo manicômio e hoje Serviço de Saúde Cândido Ferreira), Vitral Plano,
Gráfica e Culinária-Eventos (no bairro Bosque e anexas à loja Armazém das
Oficinas).
O horário de funcionamento da maioria das oficinas é de 7 h às 15 h
ou de 8 h às 16 h, com pausa de 1 hora para o almoço. O serviço oferece as
refeições aos oficineiros.
Faz parte do projeto a loja Armazém das Oficinas, que conta hoje com
duas profissionais para vendas de produtos das oficinas do NOT e de outros
empreendimentos econômicos solidários do município de Campinas que
tenham relação direta com o setor público da saúde. Elas também têm como
atribuições de suas funções a ligação com possíveis compradores externos
por meio de pedidos e encomendas. Portanto, confecciona-se nas oficinas
produtos para abastecer a loja e para responder às demandas das encomendas.
O volume da produção é variável de acordo com a época do ano, com as
tendências de modismos e com a característica de cada oficina. Por exemplo,
a Oficina de Velas mantém a venda pouco variável durante quase todos os
meses do ano, exceto no período que antecede o natal, quando o volume
aumenta significativamente, chegando a atingir 10 vezes mais do que nos
meses de janeiro a outubro. Além disto, participamos de três grandes feiras
paulistanas durante o ano (duas Gift Fair e uma Brazil Promotion), que faz
as vendas aumentarem e, em consequência, a produção também oscilar para
o alto. Neste sentido, temos que ter o cuidado constante de nos mantermos
afastados da lógica de comercialização própria da valorização somente do

a sustentabilidade da economia solidária 273


capital e tendermos a nos aproximarmos da produção de relações solidárias
de compra, venda e troca.

Uma personagem especial

Cornélia Maria Elizabeth Van Hylckama Vlieg, que dá nome à


Associação à qual o NOT é vinculado, é uma terapeuta ocupacional
holandesa nascida em 1921 e formada na Universidade do Povo, na Holanda,
no período pós-guerra. Ela chegou ao Brasil na década de 1950 junto com
dezenas de outros holandeses que vieram compor uma cooperativa de
trabalho de holandeses na recém-formada Holambra, no interior de São
Paulo, e próxima a Campinas. D. Cornélia trabalhou no Cândido Ferreira
de 1970 a 1987 e teve muito envolvimento com este projeto. Com uma
vivacidade rara e ares de guerreira, ela ainda hoje sustenta ideologicamente
o NOT.
Em um encontro com ela, pudemos escutar suas narrativas que
contavam os primórdios do uso do trabalho na instituição. Ela fazia grupos
de produção de presentes de uma ala psiquiátrica da instituição para outra,
o que movimentava toda a instituição. Conta-nos que os pacientes se
relacionavam de uma maneira mais saudável entre eles durante os grupos,
podendo inclusive ser descobertos talentos artísticos entre eles. Numa época
quando ainda não se pensava em oficinas de geração de trabalho e renda
na instituição, D. Cornélia abriu caminhos para que os internos pudessem
experimentar que eram úteis ao produzirem objetos de presentes.

Parcerias

O NOT conta com parcerias de todo tipo. Entre elas, vale citar:
SEBRAE, FEAC (Federação das Atividades Assistenciais de Campinas),
Sindicato Rural, IAC (Instituto Agronômico de Campinas), Secretaria
Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria
Municipal de Trabalho e Renda com a Comissão Municipal de Economia
Solidária, entre outros.

274 a sustentabilidade da economia solidária


O not e a economia solidária

As influências de diversas insígnias na geração de trabalho e renda do


NOT faz valer ressalvas quanto à condição pura e única de empreendimento
de Economia Solidária. Este equipamento de saúde tem a proposta deste
modo de produção engajada em sua base, mas não a vive em sua radicalidade.
Dos princípios da Economia Solidária, incorporamos que as oficinas
são de propriedade coletiva. Também valorizamos que o cuidado com as
etapas do processo de confecção do produto ou da prestação de serviço
seja feito de maneira que cada oficineiro seja respeitado em sua capacidade
produtiva e em sua habilidade. Além disso, as decisões acerca da repartição
dos ganhos, que nesta perspectiva teórica é chamada de sobras, também
acontecem de forma democrática. Porém, o NOT não consegue se distanciar
completamente de práticas embasadas no modo de produção capitalista
da contemporaneidade. Apresento, aqui, como principal observação a este
respeito a evidente intencionalidade de estarmos no mercado de compra
e venda de bens e serviços de modo competitivo, tal como preconiza o
capitalismo. Enfrentamos cotidianamente o desafio de produzirmos oficinas
autogestionárias com oficineiros que tendem a ter seus poderes contratuais
quase anulados pela condição socialmente produzida de incapazes.
Insistimos em investir nestas pessoas porque acreditamos que desta relação
se produz a demanda para uma criação subjetiva de sujeitos capazes de fazer
e sustentar escolhas.
No cotidiano de trabalho das oficinas, ficamos na corda bamba entre
o tempo do sujeito que produz e a necessidade de acelerar ou desacelerar a
produção para cumprir o prazo contratado previamente com o cliente. Esta
velocidade que ora é apressada, ora é tênue, baliza o movimento do grupo na
criação das relações que parecem muitas vezes se espelharem nestes prazos.
Observamos, na maioria das vezes, que o tempo rápido realiza relações
frágeis, frouxas e superficiais, e que o tempo lento produz relações próximas
da robustez e de laços mais fortalecidos. Quando há mais tempo para se gerar
o produto, há também maior aproveitamento deste tempo para investimento
não apenas nesta produção específica, mas, também, e, principalmente, para
a produção de relações marcadas pelo aprofundamento. A intensidade do
tempo vivida por cada oficineiro também nos diz algo sobre como e porque
aquele sujeito se apresenta na oficina.
O raciocínio do capitalismo conduz o louco a um lugar social de
quem não tem potência produtiva e a proposta do movimento da Reforma
Psiquiátrica tem a intenção de ajudar a desabrochar a potência de pessoas que

a sustentabilidade da economia solidária 275


foram, durante séculos, considerados incapazes e improdutivos. Paradigmas
tão antagônicos parecem não poder caminhar juntos, mas percebemos que
eles se entrecruzam em diversos momentos.
Acreditamos ser preciso a afirmação da mudança nos dois sistemas:
o psiquiátrico e o capitalista. Compreendemos que a proposta da Economia
Solidária vinculada à Saúde Mental parece ser uma saída para tantas e
tamanhas questões. Porém, admitimos dificuldades na gestão mútua destas
políticas.
As oficinas tentam cotidianamente funcionar num esquema
cooperativista, no qual todos podem, à sua maneira, participar de todo
processo de produção. Lida-se com o sentimento de pertencimento ao grupo
no plano das relações. Numa constituição em que todos podem, de acordo
com suas possibilidades, participar do processo de construção das regras e
normativas da oficina, buscamos responsabilizar cada um pelas escolhas que
fazem e pelo cumprimento ou modificação delas.
Também se busca potencializar aspectos de cada oficineiro na
constituição de um saber acerca daquele produto/serviço, desde a ideia
de criação até o resultado final. É possível construir com o oficineiro
participação, reflexão, diálogo, troca simbólica, respeito à singularidade do
companheiro de trabalho, de modo que cada sujeito se perceba enquanto
constituinte daquele grupo.
A Economia Solidária é uma das interfaces que sustentam nosso
trabalho. Nas oficinas, não há finalidade de geração de lucro, mas de renda.
Não há intenções de competição/rivalidade entre oficinas ou oficineiros, mas
de cooperação/generosidade. Sim, há problemas como toda organização que
se preze como tal e gerida por pessoas que se apresentam enquanto sujeitos
desejantes. Mas há também coerência mesmo nas brigas ideológicas e nas
discussões dentro e fora das oficinas. Por exemplo, a priori, a renda obtida
com a venda dos produtos é revertida em compra de mais materiais para que
a produção continue e em bolsas que variam entre cada oficina e oficineiro.
Este processo de distribuição da sobra tende a ser feito com o esforço de
envolver todos os participantes da oficina. Porém, há oficinas que operam
“no vermelho”, ou seja, que não tem saldo suficiente para se sustentar nem
em bolsas, nem em manutenção de estoque de matéria-prima. Porém, estas
se mantêm com o caixa das oficinas que tem mais verba. Operamos com um
só montante de dinheiro, que é depositado na conta da Associação, sendo
sua gestão feita por todos os coordenadores na intersecção de discussões
com o grupo de oficineiros e monitores. Tentamos conduzir os grupos de

276 a sustentabilidade da economia solidária


modo que eles cheguem o mais próximo possível da autogestão, embora isto
implique, muitas vezes, emprestarmos nosso desejo para que ele se sustente.
O limite entre a geração de trabalho e renda e a geração de sentido
para cada oficineiro é produzido paralelamente no mesmo espaço da oficina.
Não há demarcação entre tais produções, mas consideramos que todas
estão presentes. Os sentidos que cada um produz na oficina, até mesmo
os monitores e coordenadores, são as forças motrizes que mantêm viva a
proposta.
Acreditamos que a escolha da Economia Solidária como ideologia e
uma das sustentações para o NOT não é ao acaso. Consideramos que os
princípios norteadores de tal prática são muito bem-vindos no espaço da
psiquiatria que hoje tenta se libertar das amarras de sua própria história.
Lidamos com pacientes psiquiátricos que, muitas vezes, não tinham
possibilidade de escolha sequer nas situações mais banais de suas vidas.
Ofertar a eles um lugar onde podem escolher como se produzirão bens
e serviços é muito precioso. Na tentativa cotidiana de prática de oficina
autogestionária, os oficineiros contemplam que também podem tomar a
gestão de suas próprias vidas, transferindo-se de um lugar de objeto do outro
ao de sujeito de suas próprias ações.
Este não é um processo simples e sem dor, pois mudanças sempre
carregam em si alguma resistência. Ela também nem sempre é tão desejada
pelos parceiros de vida. Porém, verificamos que tais transformações são
possíveis. Tentamos a construção de um espaço onde caibam as práticas do
trabalho na coletividade como recurso emancipatório, as relações solidárias
no grupo e a bandeira da justiça social. Tais propostas são, em si próprias,
transformadoras não apenas de modos de trabalho, mas das vidas em sua
maior potência.

O not na constituição da rede de cuidado

Pensamos a oficina como uma oferta à pessoa em tratamento


psiquiátrico como mais um dispositivo de produção de saúde para ele, mas
sinalizamos que não deve ser o único. Faz-se necessária a parceria entre a
oficina e todos os outros serviços que cuidam do oficineiro para a composição
de uma rede de cuidados fortalecida.
Acreditamos ser interessante manter um oficineiro no NOT a partir da
avaliação que fazemos com ele em parceria com os profissionais que também

a sustentabilidade da economia solidária 277


o tratam em outros equipamentos da saúde, em que pensamos o “para quê”
ele está lá e quais os efeitos que têm tido com o envolvimento no projeto.
Durante o processo de triagem, avaliamos o encaminhamento por
escrito do profissional de referência do caso, que deve conter um breve relato
sobre o paciente, o motivo da busca do NOT, o diagnóstico e a medicação
em uso, se houver. Fazemos uma entrevista, na qual questionamos,
principalmente, o que o levou a buscar as oficinas. Em seguida, fazemos
uma visita às oficinas, momento em que eles conhecem cada uma pela
apresentação que algum oficineiro faz e onde podem tirar suas dúvidas sobre
a técnica de produção. Depois da visita, eles podem escolher até 3 oficinas
para participarem. Geralmente, há uma lista de espera, pois a busca pelo
serviço é constante. Assim que surge uma vaga, o paciente é chamado a um
novo contato para verificarmos sua real disponibilidade em participar do
projeto e iniciar as atividades numa oficina nestes moldes.
Nem sempre quem é encaminhado tem o que chamamos de “perfil”
para frequentar uma oficina de geração de trabalho e renda. Esta é uma
discussão interessante que nunca se esgota e que fazemos o tempo todo
dentro entre a equipe, oficineiros e serviços parceiros, a fim de garantir que
os encaminhamentos sejam feitos da maneira mais adequada possível. O
candidato a oficineiro deve necessariamente estar em tratamento psiquiátrico
na rede pública ou no setor privado do município de Campinas, saber
deslocar-se sozinho pela cidade ou ao menos ter quem o acompanhe na ida
e no retorno do NOT, e, principalmente, apresentar desejo de participar de
alguma atividade que esteja relacionada diretamente à instância do trabalho.
É possível participar das oficinas sendo aposentado por invalidez ou tempo
de serviço, usuário do Benefício de Prestação Continuada ou beneficiário
de algum serviço de redistribuição de renda, como, por exemplo, a Bolsa
Família.

A coordenação das oficinas

O lugar de coordenar uma oficina nestes moldes se torna repleto


de aprendizagens cotidianas. Há que se ter respeito e atenção à posição
subjetiva do oficineiro e estar disponível para demandas de todo tipo, sejam
elas psicológicas, sociais, econômicas etc. A clínica que se produz é aquela
praticada em movimento e não a costumeira do consultório fechado. Uma
das maiores preocupações é avaliar com o sujeito se ele está lá por estar

278 a sustentabilidade da economia solidária


implicado com algo (seja com a causa, com o financeiro, com o tratamento,
entre outros) ou se está lá tão somente ocupando seu tempo.
Os coordenadores são assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos e
terapeutas ocupacionais e cada oficina conta com ao menos 1 monitor, que é
um profissional de nível médio que tem conhecimento da técnica.
Trabalhar com a assistência a pacientes psiquiátricos em oficinas de
geração de trabalho e renda implica uma aprendizagem de conceitos e de
manejos que não se aprende em cursos de graduação. Enquanto psicóloga,
tive que aprender a fazer cálculos de preços, pesquisas em lojas para comprar
matéria-prima, em comunidades para levantar demanda de necessidade de
produtos e serviços, propaganda, entre muitos outros afazeres. Para além da
clínica, é necessário ter desenvoltura com questões relacionadas diretamente
a negociações e com a identificação com a perspectiva da Economia Solidária.

Reflexões finais

Os imperativos da produção de bens e serviços na perspectiva da


Economia Solidária e com inspirações do cooperativismo permeiam o
cotidiano institucional que carrega também as insígnias da Saúde Coletiva
e da Reforma Psiquiátrica. Neste cenário, a perspectiva clínica pode estar
presente numa invenção estilística que tem como manifestação a alteridade
de cada participante.
O oficineiro tem, na tentativa de simbolização do real da atividade
do trabalho, a localização da complexa trama em que ele pode aparecer
enquanto sujeito. Encontra-se no trivial do cotidiano o nascimento do
essencial do sentido, já que é neste trivial que se apresenta a possibilidade de
intervenção simples e até mesmo despretensiosa de que o terapeuta dispõe
para a construção de sua clínica, sem ter que usar de recursos clássicos,
como, por exemplo, a interpretação. Esta postura é especialmente necessária
e dedicada ao psicótico, pois encaminha o delírio para que ele perca sua
força e sofra um esvaziamento de sentido e de gozo.
Há que se salientar que esta é uma proposta a ser realizada no cerne
do funcionamento institucional da oficina, o que a descaracteriza enquanto a
que se faz nos settings tradicionais de terapias, e pede por operacionalizações
que ampliem e transcendam reflexões sobre seu modo de funcionamento
e de atuação. Concebemos a oficina como um rascunho social que contém
esboços das relações humanas e de determinadas maneiras de agir.

a sustentabilidade da economia solidária 279


Neste ambiente, buscamos balizar o coletivo a partir de cada oficineiro
para que construamos estratégias de invenções de modos de se apresentar
e de se relacionar. A necessidade de tenacidade profissional renova nossas
funções não apenas enquanto coordenadores de determinada oficina, mas
mais ainda enquanto terapeutas capazes de produzir uma clínica que se dá
no ínterim e na singularidade do cotidiano.
Compreendemos a viabilidade de uma pesquisa com tal enfoque
temático porque a autora atuou como psicóloga neste serviço, fazendo
questões sobre qual é e como se dá o terapêutico de um equipamento que
tem prioritariamente a indicação de gerar renda aos oficineiros. Buscamos
compreender que valor (para além do monetário) contém uma oficina nestes
moldes. Em nossa prática, verificamos que eventualmente é preciso que haja
um esvaziamento de sentido para que outro sentido possa ser produzido
e, assim, conjecturamos que a implicação subjetiva do oficineiro e a do
coordenador configuram o terreno para que o trabalho se dê na perspectiva
da geração de saúde.
Estas são reflexões provisórias, tendo em vista que a complexidade
e a radicalidade que as instâncias da Economia Solidária e da Reforma
Psiquiátrica nos apresentam hoje se transformam profundamente na
atualidade. Coube nesta narrativa uma pequena miragem de tamanha força
disruptiva desta parceria. Ela aparece no cotidiano de trabalho e aqui só foi
possível figurá-las numa dinâmica mínima.
A discussão da geração de trabalho e renda com usuários da saúde
mental no contexto macropolítico começa a acontecer principalmente durante
a III Conferência Nacional de Saúde Mental, em 2001, com o tema: “Cuidar
sim, excluir não – Efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade,
humanização e controle social”. Entre as duas vertentes (Economia Solidária
e Reforma Psiquiátrica), podemos apontar como semelhanças, que também
auxiliam no entrelaçamento teórico, o início enquanto movimentos sociais
e a transformação temporal em políticas públicas graças ao protagonismo e
investimento dos atores sociais envolvidos. O trabalho emancipado é um dos
vieses para compreendermos que a Reforma Psiquiátrica tende a se fortalecer
cada vez mais com a Economia Solidária, no sentido de produzir saúde em
ato de trabalho e protagonismos políticos com os sujeitos envolvidos.

280 a sustentabilidade da economia solidária


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a sustentabilidade da economia solidária 283


UM RETRATO DA COMERCIALIZAÇÃO NA
AGRICULTURA FAMILIAR: O CASO DA MACAMBIRA

Anny Kariny de Vasconcelos Oliveira


Fabiane Souza de Medeiros

Introdução

O mundo está em constante e rápida mudança no perfil de sua estrutura


econômica e comercial. A dinâmica tecnológica provocada pela globalização
e pela criação de grandes blocos econômicos, entre outros aspectos,
contribuiu significativamente para este novo cenário mercadológico.
Redefinem-se os fatores determinantes da competitividade, fazendo
emergir novas empresas de sucesso e tornando obsoletas aquelas incapazes
de evoluir e adaptar-se ao novo ambiente (FERRAZ et al., 1995). Este
contexto tem sufocado uma grande parcela de empreendimentos espalhados
pelo mundo com as mais diversas perspectivas sócio, econômicas e culturais.
Toda essa dinâmica da abertura dos mercados e a intensificação da
concorrência empresarial enfatizam o conceito de competitividade que,
conforme Kotler (2000), faz emergir a “necessidade de intervenção das
estratégias de marketing, que se baseiam nos estudos detalhados das variáveis
controláveis, ou relativamente controláveis, e das variáveis incontroláveis”.
As variáveis controláveis, como Políticas de Produto ou Serviços,
Políticas de Preço, Políticas de Distribuição e Políticas de Comunicação, são
mais flexíveis às necessidades empresariais e às exigências mercadológicas.
Já as variáveis incontroláveis são “forças externas que influenciam as ações
de marketing de todos os competidores do mercado” (Idem).
Trata-se de microambiente os fornecedores, os concorrentes, os
intermediários de marketing e os públicos. Suas forças referem-se ao
ambiente demográfico, econômico, natural, tecnológico, político-legal e
sociocultural, segundo Kotler (2000).
Nesta perspectiva, observa-se que as condições da comercialização
da mandioca local, além do sentido de descoberta, precisa buscar respostas
às necessidades de sobrevivência humana. Por isso, o presente estudo
pretende, com a ciência da Administração e a interdisciplinaridade, e numa
visão holística da realidade, contribuir com a discussão de desenvolvimento
sustentável na comunidade Macambira que, por mais de uma centena de
anos, vive as agruras da injustiça e da discriminação.

a sustentabilidade da economia solidária 285


Dada a necessidade de se conhecer mais de perto a realidade da
comercialização da mandioca na comunidade quilombola Macambira e a
possibilidade de caminhos a serem abertos para o desenvolvimento humano
e comunitário na agricultura familiar, torna-se evidente o funcionamento da
produção e comercialização do produto como fonte de motivação suficiente
para os que buscam justiça e equidade social.
Para melhor compreensão da comercialização da mandioca na
comunidade Macambira, o artigo está organizado da seguinte maneira:
primeiramente, a problemática expõe a conjuntura atual embasada pelo
histórico socioeconômico e cultural da comunidade, apontando sua ligação
com os aspectos das ciências sociais aplicadas, mais especificamente na
administração, apresentando, em seguida, os objetivos deste estudo.
Depois, o referencial teórico transcorre sobre a competitividade
de mercado e as estratégias de negócio que destacam aspectos da gestão
estratégica de marketing. Em seguida, o tópico a respeito das influências
da gestão produtiva na comercialização evidencia a ligação destas áreas
da Administração. O terceiro item do referencial retrata a realidade atual
da Mandiocultura no Estado por meio da pesquisa do SEBRAE. Por fim,
tecer sobre o associativismo na agricultura familiar como caminho para a
sustentabilidade, embasa o aspecto sociocultural.
Após explanação comentada dos resultados da pesquisa, são
apresentadas as conclusões, sugerindo estratégias para a comercialização da
mandioca na comunidade Macambira.

Objeto de estudo

A comunidade quilombola Macambira apresenta um cenário


socioeconômico e histórico-cultural bastante marcado pela fome e pela
miséria. Trata-se da agricultura familiar numa região semiárida da Serra de
Santana, no Rio Grande do Norte. É uma terra fértil e própria para o plantio
da mandioca, mesmo com o período de estiagem e com a impossibilidade de
armazenamento natural de água por causa do seu solo arenoso.
Estudo do INCRA/FAO, realizado por Guanziroli e Cardim (2000),
mostra que a agricultura familiar nacional representa 85% do número total
de estabelecimentos rurais do país e ocupa apenas o equivalente a 30,5% do
total da sua área rural.
É histórico o sofrimento dos agricultores familiares com o descaso
dos governantes, por serem privados das políticas públicas estruturantes.

286 a sustentabilidade da economia solidária


Tal fator tem grande relevância para a dificuldade que esta classe produtora
enfrenta, quando se fala em competir com a agroindústria brasileira.
Duas atividades são representativas na economia municipal, porém,
faz-se necessário alguns comparativos: a produção da mandioca é mais
rústica, com ciclo produtivo de dois anos, maior flexibilidade para o
período da colheita e para a comercialização; já o caju tem ciclo anual e a
safra acontece apenas em um período do ano. Essas características incidem
marcantemente na formação da renda familiar.
Conforme o Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD), em 2000
o índice de desenvolvimento humano (IDH) de Lagoa Nova mediu 0,620,
considerado de médio desenvolvimento. Já o IDH municipal de renda de
0,485, no mesmo ano, classifica-se como insatisfatório pelo programa.
Assim, a geração de renda é necessidade prioritária para o desenvolvimento
sustentável local e justifica a análise socioeconômica neste estudo.
Apesar do panorama apresentado, essa gente pode contar com muita
atitude de fé, coragem, persistência, trabalho e, nos últimos dez anos, de
luta pela terra tomada de seus antepassados. Com o apoio do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, há mais de dez anos iniciaram a busca por uma vida
digna no campo.
Cumprindo o processo para regularização das terras, no ano de 2005 a
Macambira conquistou o reconhecimento como Comunidade Remanescente
dos Quilombos pela Fundação Cultural Palmares. Também, a elaboração do
relatório antropológico pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) já foi entregue para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), responsável em fornecer o Título de Domínio da Terra
aos Quilombolas.
Além de habilidades com a cultura da mandioca, herdadas de seus
ascendentes, outras culturas como caju, milho, feijão e fava fazem parte
de suas atividades cotidianas. Reconhecidos como remanescentes de
quilombos, vários olhares voltaram-se para a comunidade, e as políticas
públicas começaram a chegar às famílias. Para recompensar mais de um
século de dívida social, as ações atuais ainda são insuficientes para atender
às necessidades de alimentação, saúde, educação e, principalmente, mudar a
realidade de renda das famílias.
Organizados na Associação Quilombola da Macambira (ASQUIMA),
a comunidade luta por políticas públicas de acesso à terra e de infraestrutura
produtiva. Somado aos seus esforços, existem outros atores sociais
governamentais e não governamentais que, num trabalho de parceria,
colaboram no desenvolvimento local.

a sustentabilidade da economia solidária 287


A explanação feita sobre a realidade local busca direcionar o presente
estudo, abordando os aspectos sociais, econômicos, históricos, culturais,
políticos e tecnológicos. Considerando que a geração de renda é um dos
grandes desafios da agricultura familiar e que a maior parte das ações
existentes para no processo de produção, pergunta-se: quais as condições
da comercialização da mandioca pelas famílias da comunidade quilombola
Macambira?

Objetivos

Objetivo geral

Analisar as condições da comercialização da mandioca pelas famílias


da Comunidade Quilombola Macambira.

3.2 Objetivos específicos

• Verificar, de forma holística, os fatores internos que influenciam direta


ou indiretamente no processo de comercialização da mandioca na
comunidade;
• caracterizar a mão de obra local;
• avaliar a gestão da comercialização mandioqueira macambirense;
• identificar seus canais de comercialização.

Referencial teórico

A competitividade de mercado e as estratégias de negócio

O mundo é dinâmico e as transformações, sobretudo no aspecto


econômico, têm aproximado ainda mais os consumidores do mercado.
Assim, oportunidades e ameaças batem constantemente às portas das
pessoas, modificando seus estilos de vida e mesmo suas decisões.
Com o apoio do Código do Consumidor, entre outras coisas, as
pessoas tornam-se cada vez mais exigentes no mercado, exigindo, assim, um
constante aprimoramento dos processos, produtos e serviços, pensando na
qualidade com custo compatível e competitivo.

288 a sustentabilidade da economia solidária


Diante dessa intensificação da competitividade, a definição de
estratégias e seu consequente planejamento constituem necessidades básicas
das organizações.
A aproximação com os clientes é essencial para a compreensão de suas
necessidades e desejos, subsidiando tomada de decisões dentro do processo
gerencial. Segundo Zenone (2007, p. 14), “é fundamental redirecionar o
pensamento das organizações, tornando-as mais abertas a receber novas
idéias e, principalmente, alcançar os anseios de seus consumidores”.
Embora não seja objetivo deste estudo, a análise minuciosa a respeito
dos processos de produção e o conhecimento aprofundado do mercado da
mandioca, faz-se necessário observar seus entraves e oportunidades, a fim
de desenvolver uma estratégia de negócio que busque a sustentabilidade
local por meio do negócio da mandioca.
Para Porter (1990), a forma de determinar a atratividade do negócio
em termos de rentabilidade e o posicionamento competitivo da organização
são questões centrais para a escolha da estratégia competitiva. Pelo modelo
proposto, é possível determinar a atratividade do negócio, seu melhor
posicionamento no mercado e as forças competitivas.
O conhecimento preliminar dessas forças, segundo Zenone (2007, p.
16), “possibilita à empresa detectar seus pontos fracos e fortes, direcionando
as estratégias para atividades mais atraentes que gerem maiores vantagens
competitivas”. Já Porter (1990) admite que a origem dessas forças baseadas
na concorrência se encontra no conjunto de características econômicas e
técnicas inerentes a cada setor.
Também, deve-se observar que a situação do processo produtivo se
dá pelo grau de influência que este incide sobre o negócio da mandioca.
A mão de obra, a disponibilidade de recursos, a sazonalidade, a qualidade
do produto, o beneficiamento, entre outras coisas, têm ligação direta com a
comercialização.
Guimarães e Mendes (2006, p. 39) mostram na história de Lagoa Nova
que, desde os primeiros anos de morada definitiva, a transação comercial
é uma das principais preocupações locais. Relatam que, já nesta época,
existiam as diferenças abusivas dos preços usadas pelos atravessadores entre
os produtos vendidos e os industrializados comprados pelos habitantes.

Influências da gestão produtiva na comercialização

É importante para a empresa encontrar métodos para analisar o


mercado e ajudar na decisão da melhor estratégia mercadológica a ser adotada.

a sustentabilidade da economia solidária 289


Um dos modelos mais utilizados é a análise SWOT, que é uma ferramenta
muito usada no planejamento estratégico de negócios das organizações. O
termo SWOT vem do inglês e representa as iniciais das palavras Streghts
(Forças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades) e Threats
(Ameaças).
Segundo Zenone (2007, p. 48):

O objetivo dessa análise é relacionar os pontos fortes e fracos internos


da empresa com as oportunidades e ameaças externas do mercado e da
concorrência. A análise é divida em duas partes: o ambiente externo à
organização (oportunidades e ameaças) e o ambiente interno à organização
(pontos fortes e pontos fracos).

Quando se percebe um ponto forte na análise feita, deve-se ressaltá-lo


ainda mais; quando se percebe um ponto fraco, deve-se controlá-lo ou, pelo
menos, minimizar seu efeito.
A análise SWOT é, portanto, um instrumento de fácil aplicação e pode
ser de grande utilidade no planejamento das organizações sociais, assim
como tem sido no planejamento de muitas organizações privadas.
Levando-se em consideração a importância da análise interna no
presente estudo, faz-se necessário discorrer sobre os fatores de produção e
recursos utilizados no processo produtivo.
Chiavenato (2005, p. 5-6) adverte que os economistas clássicos
salientam que todo processo produtivo depende de três fatores de produção:
natureza, capital e trabalho, todos eles integrados por um quarto fator
denominado empresa. A natureza fornece os insumos necessários, as
matérias-primas, a energia etc. O capital fornece o dinheiro necessário para
comprar os insumos e pagar os empregados. O trabalho é realizado pela mão
de obra, que transforma, por meio de operações manuais ou de máquinas e
equipamentos, os insumos em produtos acabados ou serviços prestados. E a
empresa, como fator integrador, garante que a integração dos três fatores de
produção seja a mais lucrativa possível.
Hoje, os tradicionais fatores produtivos estão no limite de sua exaustão
em termos de aumento de eficiência e produtividade. A riqueza das nações
e das organizações passou a depender do conhecimento, na medida em que
este proporciona habilidades e competências.
Caracterizar a mão de obra familiar, identificando suas perspectivas e
a contribuição desta nos custos da produção, é fundamental para a gestão na
agricultura familiar, considerando que se trata de um dos principais ativos
de que ela dispõe, além dos recursos naturais de que tanto necessita.

290 a sustentabilidade da economia solidária


A qualidade de vida, as condições de trabalho, o nível de
desenvolvimento humano e as perspectivas, entre outras coisas, necessitam
ser observados. Também, neste aspecto da produção, cabe a análise sobre a
disponibilidade de assessoria técnica e de capacitação.
Outro ponto bem predominante na comercialização é a qualidade
esperada do produto, que vai de encontro a todo o processo produtivo, as
formas de cultivo e os cuidados. A situação de estiagem também tem grande
participação na tomada de decisões e nos riscos que os produtores agrícolas
enfrentam, principalmente pela falta de valor agregado ao produto e alto
grau de perecimento.
A qualidade do produto constitui o componente mais difícil de
definir ou comprovar, principalmente se o produto é abstrato. Quando é
concreto, sua qualidade pode ser medida ou avaliada com mais facilidade.
Assim, torna-se importante distinguir entre qualidade intrínseca e qualidade
extrínseca.
Conforme Chiavenato (2005), a qualidade intrínseca é a qualidade
inerente ao produto, isto é, aquela que existe objetiva e concretamente e
que pode ser avaliada e mensurada mediante padrões e especificações. A
qualidade intrínseca é determinada pelo produtor.
A qualidade extrínseca é aquela que a pessoa subjetivamente percebe
ou imagina. Ela é constituída pelos aspectos extrínsecos que cada pessoa acha
que o produto tem. A qualidade extrínseca é imaginada pelo consumidor ou
usuário do produto. Um elevado nível de qualidade intrínseca tem pouco
valor se não for acompanhado de uma percepção subjetiva por parte do
consumidor ou usuário.
A falta de registro dos custos e, consequentemente, a falta de análise
sobre eles, dificulta a tomada de decisão e de conscientização das famílias,
inclusive da necessidade de organização social em busca do fortalecimento
do negócio.
Segundo Kotler (1998, p. 245), ao passo que aumenta o volume de
produtos vendidos, é possível reduzir os custos adicionais com o tempo
de ajuste de produção por unidade. Por isso, é fundamental a organização
comunitária em torno da atividade.
Chiavenato (2005b, p. 69) coloca os custos de produção e de
comercialização como um dos principais aspectos para determinação do
preço. Assim, não conhecer detalhadamente os custos de uma atividade
produtiva implica deficiência no poder de negociação dos produtos.

a sustentabilidade da economia solidária 291


A mandiocultura no Rio Grande do Norte segundo pesquisa do SEBRAE

É fundamental para o desenvolvimento do presente estudo, caracterizar


o desenvolvimento da cultura mandioqueira no Estado do Rio Grande do
Norte, considerando suas peculiaridades climáticas, político-econômicas e
histórico-culturais.
Segundo o SEBRAE (2006, p. 19), a agricultura nacional acompanha
o desenvolvimento da sociedade brasileira, e a mandioca, em particular, tem
marcada influência entre as culturas ligadas à alimentação, forragem, energia
e matérias-primas industriais. É uma cultura explorada nacionalmente,
principalmente nos sistemas produtivos da agricultura familiar.
É importante destacar a contribuição do complexo mandioqueiro
como centro aglutinador e de consolidação de muitas comunidades rurais
que nasceram e se desenvolveram sob forte influência das casas de farinha,
promovendo sua própria história na persistente luta pela qualidade de vida
de sua gente.
Cerede e Olivier (apud SEBRAE, 2006, p. 19) citam como vantagens
da cultura da mandioca: “a sua fácil propagação, elevada tolerância a
estiagem, rendimentos satisfatórios mesmo em solos de baixa rentabilidade,
pouca exigência em insumos modernos, potencial resistência ou tolerância a
pragas, elevado teor de amido nas raízes”.
Conforme pesquisa do SEBRAE (2006, p. 21-22), atualmente, 85%
da produção nacional de mandioca são destinadas à fabricação de farinha
e amido, e o restante vai para consumo in natura (raízes frescas) e de
congelados. No Norte e Nordeste, a mandiocultura existe com pouco ou
nenhuma tecnificação e está ligada às casas de farinha, diferente do Centro
e do Sudeste do país, onde 97% da produção é direcionada para a fabricação
do amido de alto valor agregado.
O SEBRAE (2006, p. 35) ainda coloca que “o baixo grau de instrução
dos produtores expõe as dificuldades de modernização e na autonomia do
setor no mercado, que requer conhecimentos e habilidades mais complexas
para se tornar mais competitivo na cadeia produtiva”.
A busca por assistência técnica para a produção e comercialização
é essencial para o desenvolvimento das atividades, porém, o processo de
capacitação ― treinamento e especialização da mão de obra interna ―, deve
ser, desde já, uma das lutas resultantes do processo associativo.
Muitos agricultores (33%) não dispõem de energia elétrica e, dos
que possuem, a mais comum é a monofásica, como apresenta pesquisa do

292 a sustentabilidade da economia solidária


SEBRAE (2006, p. 37). Isso dificulta e impede a utilização de equipamentos
que facilitem o trabalho na agricultura familiar.
O SEBRAE (2006, p. 42) ressalta que:

Para 83% dos plantadores de mandioca, a raiz é o produto de maior retorno


da atividade. A venda é realizada para atravessadores (65%) e para as
indústrias processadoras (30%). Trata-se de um comércio que os preços do
produto sofrem instabilidade, definidos segundo as condições de maior ou
menor oferta do produto, no mercado local e/ou regional.

Quanto à gestão da cultura mandioqueira, a pesquisa do SEBRAE
aponta a falta de mecanismos de controle da produção e comercialização
e a não preocupação dos plantadores de mandioca (97%) em planejar a
produção.

O associativismo na agricultura familiar como caminho para a sustentabilidade

A sustentabilidade atualmente é termo usado de várias maneiras, e os


mais diversos conceitos tentam definir o que vem a ser este termo. Porém,
uma coisa é certa, o desenvolvimento sustentável é algo buscado, ou seja,
para o futuro. Assim, é preciso se colocar os aspectos da sustentabilidade na
agricultura familiar.
Barbieri (2005, p. 107) mostra que, conforme a Agenda 21, o “principal
objetivo do desenvolvimento rural e agrícola é aumentar a produção de
alimentos de modo sustentável e incrementar a segurança alimentar”.
No entanto, as questões ambientais não podem ser analisadas de forma
isolada, necessitando de uma visão holística. Partindo desse pressuposto,
Barbieri (2005, p. 97) defende que:

Uma estratégia voltada para os problemas do desenvolvimento, da


erradicação da pobreza e do meio ambiente deverá considerar de imediato e
simultaneamente os recursos, a produção e as pessoas, bem como questões
demográficas, os cuidados com a saúde, educação, os direitos da mulher, o
papel dos jovens, dos indígenas, e das comunidades locais de acordo com
os processos democráticos de participação, associado ao aperfeiçoamento
da sua gestão.

A preocupação com os recursos naturais é um ponto fundamental


para a agricultura familiar da Macambira, por dois motivos básicos: o
primeiro, por se tratar de uma economia sustentada pela agricultura, setor
extremamente dependente dos recursos naturais; segundo, por estar situada

a sustentabilidade da economia solidária 293


numa microrregião serrana que enfrenta grande escassez de água, ou seja,
numa região semiárida.
Especificamente na produção e processamento da mandioca, o
ambiente relaciona-se diretamente com as preocupações na conservação do
solo, melhor aproveitamento dos recursos hídricos, manejo e utilização dos
resíduos, além da substituição e renovação das fontes energéticas.
Todos esses cuidados necessitam de estudos e desenvolvimento de
tecnologias apropriadas, não só para as demandas ambientais locais, mas
também para a melhoria da produtividade mandioqueira e para a realidade
cultural que permeia esta população.
A caracterização da mandiocultura apresentada neste estudo
evidencia a importância que o processo de organização social dos produtores
representa para o desenvolvimento, não só da cultura, mas, principalmente,
da comunidade como um todo, assumindo, assim, papéis diversificados na
realidade local.
Lamarche (1993, p. 180) afirma que a agricultura familiar no Brasil
surgiu com difíceis condições, e as apresenta da seguinte forma:

[...] precariedade jurídica, econômica, social, do controle dos meios de


trabalho e de produção e, especialmente, da terra; caráter extremamente
rudimentar dos sistemas de cultura e das técnicas de produção; além da
pobreza da população engajada nestas atividades, como demonstra a grande
mobilidade espacial e a dependência ante a grande propriedade.

O mesmo autor coloca que uma comunidade rural pode se estabelecer


e desenvolver quando apresenta vida local com maior riqueza e intensidade,
porém quando sua existência depende da grande propriedade, está
empobrecida ou diluída na zona urbana (LAMARCHE, 1993). Tal fator
evidencia a importância não só da propriedade da terra, mas também do
nível de desenvolvimento humano e do processo de organização social.
Conforme Guimarães e Mendes (2006, p. 25), após a abolição da
escravatura, os fazendeiros senhores de trabalho escravo nas proximidades
da Serra de Santana fizeram-se donos das Terras em confronto com as suas,
que ficavam às margens do rio. Assim, os escravos iam ocupando os espaços
indicados pelos supostos proprietários. Este fato apresenta grande influência
na comunidade Quilombola Macambira e, embora a mesma esteja em
processo de luta pelo registro da terra, observa-se a tendência de melhorias
no desenvolvimento local.

294 a sustentabilidade da economia solidária


A prática associativa, além de representar uma forma de organização
social que possibilita o fortalecimento de um grupo coletivizando suas
ações, também tem o caráter de sustentabilidade que perpassa os aspectos
socioeconômico, sociopolítico, ambiental e de desenvolvimento humano.
Na concepção de Medeiros (2000, p. 14):

[...] o associativismo historicamente tem sido a ação coletiva de indivíduos


que buscam a sua satisfação econômica, política, cultural e social dentro
de um determinado contexto. Desta forma, ele pode assumir um caráter
de representação política frente a autoridades instituídas, de representação
coorporativa de categorias profissionais e pode também, ou ainda, ter
interesse de base econômica.

Embora o associativismo se apresente como estratégia de combate aos


problemas enfrentados comunitariamente, sua prática apresenta desafios de
desenvolvimento que estão relacionados com o comportamento humano,
parcerias institucionais, cultura local, legislação etc.
Desta forma, ultrapassando o processo de organização social,
apresenta-se as parcerias como estratégia importante de desenvolvimento
local e sustentável, onde permite o contato com o ambiente externo.
Medeiros (2000, p. 17) ainda coloca que, “organizações de natureza
diferentes se unem na perspectiva de trocar informações e serviços para
que satisfaçam o seu propósito de beneficiar indivíduos”, e que este processo
perpassa a participação e negociação cotidiana.
Desta forma, a convivência de profissionais de Administração com a
realidade do processo associativo na agricultura familiar possibilita enxergar
a aplicabilidade da teoria administrativa dentro de suas peculiaridades,
adequando e revendo este processo de maneira cíclica e participativa, como
requer o modelo da autogestão.

Metodologia

Tipo de pesquisa

O presente estudo refere-se a uma pesquisa qualitativa, pois analisar a


comercialização na agricultura familiar que, embora também apresente dados
quantitativos da realidade familiar, considera os aspectos social, econômico,
político, histórico, cultural e tecnológico do contexto apresentado para
interpretar as causas e consequências dos fenômenos identificados.

a sustentabilidade da economia solidária 295


Quanto aos objetivos, a pesquisa classifica-se como descritiva, pois
além de ter cunho científico, humano e social, ainda faz um levantamento
socioeconômico da realidade das famílias pesquisadas. Conforme Andrade
(2003, p. 124), “neste tipo de pesquisa, os fatos são observados, registrados,
analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira
neles”, ou seja, os fenômenos não são manipulados pelo pesquisador.
No que se refere aos procedimentos, trata-se de um estudo de caso
envolvendo a pesquisa documental e bibliográfica, como classifica Vergara
(2005, p. 48). Estudo de caso por seu caráter de profundidade e detalhamento
do estudo na comunidade; documental por ter buscado informações nas
secretarias municipais e documentos históricos da comunidade referente à
luta pela posse da terra; e, por fim, bibliográfica, por se tratar de um estudo
sistematizado e fundamentado em teorias científicas.

A coleta de dados

Embora a comunidade se divida em Macambira I, II e III, e pequena


parte das famílias esteja localizada no município de Bodó, o presente
estudo limita-se às famílias residentes no município de Lagoa Nova e com
descendência quilombola. Estas famílias encontram-se na Macambira II e
III com um universo de aproximadamente 117 famílias. Este número pode
sofrer variações pelas mudanças na organização familiar. Aqui se refere à
família como sendo a unidade de pessoas residentes na mesma casa, pela
comunhão das despesas domésticas e até produtivas.
Segundo Rea e Parker (2000, p. 15), a observação é uma das mais usadas
técnicas de coleta de dados primários e, neste estudo, esta foi a primeira
etapa, pela qual, em reuniões do Conselho Municipal do Fundo Municipal
de Apoio às Comunidades (FUMAC) de Lagoa Nova e, posteriormente, em
oficinas na Associação Quilombola da Macambira (ASQUIMA), foi possível
identificar a problemática existente com a mandiocultura nesta comunidade.
Depois, a busca por dados em fontes secundárias acontece nas
instituições ligadas ao desenvolvimento rural, instâncias do governo estadual
e municipal e sociedade civil organizada.
Num terceiro momento, o formulário foi utilizado para o levantamento
minucioso de informações que pudessem apresentar causas e consequências
na geração de renda das famílias. Segundo Barros e Lehfeld (1990, p. 50),
o formulário difere do questionário apenas porque é respondido de forma
indireta, ou seja, é aplicado pelo entrevistador. Esta etapa abordou os
aspectos socioeconômicos, de produção e comercialização.

296 a sustentabilidade da economia solidária


Temia-se na dificuldade de aplicação do formulário, por ser formado
por 114 questões, em sua maioria, de múltipla escolha, porém, com presença
de alternativas “sim”, “não”, abertas e mistas. Também havia a suspeita,
constatada, de que algumas informações não eram de conhecimento das
famílias por falta de registros na atividade mandioqueira.
Rea e Parker (2000, p. 39) afirmam a não existência de instrumentos
perfeitos, sendo necessária a utilização de experiência e critério profissional
para potencializar suas vantagens. Assim, foi realizada uma reunião com oito
jovens comunitários com nível de 2º grau escolar para apresentar a proposta
do trabalho, inseri-los na realidade da pesquisa, testar o instrumento,
aplicando-o em suas próprias famílias, e discutir estratégias de deslocamento
e horários viáveis para aplicá-lo posteriormente. Após identificar as
dificuldades e solucioná-las, partiu-se para a pesquisa casa a casa.
A intenção era aplicá-lo na totalidade das famílias, porém as limitações
de tempo e espaço impediram uma segunda tentativa nas casas que estavam
fechadas. Mesmo assim, a amostra alcançou aproximadamente 78% das
famílias, sendo aplicadas em 91 delas. Embora se tivesse conhecimento da
possibilidade de falta de disponibilidade dos entrevistados deste universo,
Rea e Parker (2000, p. 99) afirmam que a amostra não precisa seguir
as exigências formais das pesquisas, basta apresentar as características
necessárias que, neste caso, é o grau de dificuldade socioeconômica na
atividade mandioqueira, que se refere a todas as famílias pesquisadas.
Na coleta, também se utilizou de entrevistas com jovens, idosos e
com o líder da comunidade, que apresentam visão crítica da realidade local
e algumas que devem ser priorizadas pela situação econômica precária.
Neste momento, utilizou-se do questionário como roteiro da entrevista,
de máquina fotográfica e MP3 para o registro de dados audiovisuais, após
permissão dos entrevistados. Mesmo assim, alguns apresentaram restrições
para a utilização destes dados em materiais de publicação e divulgação.

Recursos utilizados

Um aspecto importante a se apresentar é a utilização dos recursos


para a realização da pesquisa. O Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos
Comunitários (SEAPAC), entidade ligada à Igreja Católica, com atuação no
estado do Rio Grande do Norte, colaborou em grande parte com a realização
da pesquisa, considerando-se que a comunidade estava contemplada em seu
planejamento trienal.

a sustentabilidade da economia solidária 297


Na coleta dos dados primários e secundários, a entidade viabilizou
o transporte, dando total apoio na articulação e no reconhecimento da
realidade comunitária, além de fornecer material bibliográfico a respeito do
tema trabalhado.
Os recursos gastos com: alimentação, hospedagem, material
de escritório, ajuda de custo do pessoal que aplicou os questionários,
comunicação e outras despesas decorrentes da pesquisa, foram subsidiados
pelos autores. A prefeitura, por meio das secretarias de agricultura, assistência
social e educação, forneceu as cópias das informações municipais e da
comunidade, além de demonstrar interesse em realizar um evento municipal
para discussão dos resultados da pesquisa com as famílias da Macambira ou
outras comunidades interessadas.

Método de análise de dados

A análise dos dados neste estudo acontece na forma qualitativa, sendo


subsidiada também pela análise quantitativa. O primeiro ponto favorável das
pesquisadoras está em contar com a proximidade das áreas de conhecimento
da administração e assistência social pelas graduações concluídas. Também,
o envolvimento profissional com o meio social das mesmas, possibilita
melhores condições de análise.
Conforme Barros e Lehfeld (1990, p. 74), a análise dos dados aumenta
o nível de confiabilidade à medida que se aprofunda o trabalho para o seu
desenvolvimento. Devido à quantidade de atores existentes no processo de
desenvolvimento da comunidade, não se pode analisar o ambiente interno
sem observar também o externo.
As fotografias, falas, tabelas e gráficos organizados, junto com a revisão
bibliográfica, encaminham a análise e compreensão da realidade e conclusão
deste trabalho, na tentativa de cumprir seu objetivo.

Análise dos resultados

A comunidade Macambira

A Comunidade Quilombola Macambira está localizada na zona rural


do município de Lagoa Nova, na microrregião da Serra de Santana, Estado
do Rio Grande do Norte. Está internamente subdivida em Macambira I, II e

298 a sustentabilidade da economia solidária


III. A presente pesquisa abrange a Macambira II e III, onde se localizam os
remanescentes de quilombos que lutam pela terra há mais de dez anos.
A produção da mandioca está incutida na cultura dessa microrregião
e, mais que isso, foi o motivo de povoamento do lugar.

Situação socioeconômica comunitária

Embora haja uma estimativa de que de 28% das famílias esperam que
os jovens busquem a vida fora da comunidade por falta de oportunidades
locais, 65% têm como expectativa de futuro que eles estudem e continuem
no local. A cultura de resistência dos grupos quilombolas explica parte
deste resultado. Mesmo com um histórico de pobreza e discriminação, a
comunidade quilombola permanece.
Depoimentos mostram pais e jovens desacreditados com o
desenvolvimento por meio da educação. É importante considerar as
décadas de vida que passaram sem comprovarem esses resultados e, muitas
vezes, comprometendo a saúde alimentar da família, para que as crianças
estudassem.
Esta situação tem influência direta no quesito “mão de obra”, tanto
produtiva quanto na gestão e comercialização da produção. Analisando um
mercado que compete diariamente com a busca incessante da qualificação, a
comunidade estaria em desvantagem.
Tal afirmativa se confirma, ao observar que estimadamente 99% das
famílias contam com agricultores rurais na composição familiar e apenas
22% apresentam outras habilidades. Vale ressaltar, neste último resultado,
que não existem profissionais graduados e praticamente nenhum deles tem
nível técnico.
Em relação à renda familiar, 78 das 91 famílias pesquisadas, ou seja,
uma estimativa de 86%, vivem com menos da metade do salário mínimo,
sendo que 55% vivem com menos de um quarto desse valor.
Os dados mostram a relação existente entre a renda familiar per capita
com a sua composição. À medida que a média de pessoas por família aumenta,
diminui a renda per capita; já quanto à presença de idosos e crianças, os
comportamentos são inversos entre si, embora não sejam lineares. Quanto
maior a média de crianças por família, menor a renda per capita e menor é
o número de idosos.
Fica clara a importância que a aposentadoria tem na sobrevivência
dessas famílias, e também a falta de segurança financeira que elas enfrentam,
muitas vezes, pela ausência de mão de obra na família em condições de

a sustentabilidade da economia solidária 299


trabalhar nas roças. Outras, normalmente com número maior de crianças,
contam apenas com o benefício do programa Bolsa Família como renda
familiar.
Segundo revela a pesquisa, 57 famílias declaram que a mandioca faz
parte da composição da renda familiar, o que indica que 63% das famílias
vivem da atividade mandioqueira, contra 36% das que declaram o caju como
produto participante da renda. Nesta questão, a produção de consumo não
está incluída como parte da renda familiar.
Embora a mandioca seja a produção mais presente nas atividades
familiares da Macambira, estimadamente 64% das famílias declaram que
sua participação compõe menos da metade da renda familiar e 10% dizem
que não participa. Esta informação traduz a necessidade de se olhar para a
comercialização deste produto, a fim de se identificar seus entraves e buscar
estratégias de desenvolvimento da cultura, ou de outras culturas, após análise
minuciosa de viabilidade.
A pesquisa mostra que a comunidade busca, nas formas de sindicalismo
e associativismo, garantir seus direitos, organizando-se socialmente para seu
fortalecimento e para o desenvolvimento comunitário. Porém, é notório que
muitas famílias não estão certas deste caminho e algumas chegam a se eximir
desse formato de organização social. Observa-se que 21 famílias não possuem
pessoas sindicalizadas e 47 não fazem parte da associação. Estes números
estimam uma porcentagem de 24% e 56% das famílias, respectivamente.
Outra preocupação da comunidade, e que explica o baixo IDH de
renda no local, é a falta de investimento de recursos públicos em projetos
produtivos. Mesmo que o Projeto Casa de Farinha esteja em processo de
execução, as famílias reconhecem como políticas públicas apenas saúde,
educação e infraestrutura básica.

Caracterização da mão de obra

As 91 famílias pesquisadas somam 459 pessoas e 233 fazem parte da


produção mandioqueira, estimando que 51% da população local participam
da atividade.
Quanto à faixa etária, 76% dos trabalhadores e trabalhadoras têm
idade entre 18 e 59 anos, e 13% são idosos. Uma estimativa é a de que 56%
dos familiares se envolvem com a produção da mandioca. Do público jovem
comunitário, apenas 73% estão produzindo, contra 92% dos adultos e 85%
dos idosos. Este fator influencia na produtividade e indiretamente no preço
do produto.

300 a sustentabilidade da economia solidária


O grau de instrução tem importante papel na caracterização da mão
de obra familiar e tem influência direta na comercialização e, principalmente,
no poder de negociação das famílias. Estima-se que 53% dos produtores não
tenham nenhum grau de instrução, e que apenas 9% ultrapassam o Ensino
Fundamental.
Das famílias com renda per capita superior a meio salário mínimo, a
maior parte dos produtores declara ser completamente analfabetos; apenas
nas famílias com menos de um oitavo do salário mínimo, o número de
produtores que possuem escolaridade de primeira à quarta série supera
a quantidade de analfabetos e de semianalfabetos. Dessa forma, pode-se
observar que a escolaridade não está auxiliando no aumento da renda da
família e suscita questionamentos à aplicabilidade deste ensino, à melhoria
de vida e à realidade rural.
A pesquisa mostra que nas famílias com até meio salário mínimo
per capita, o aumento da porcentagem de jovens na mão de obra familiar
também faz aumentar a renda per capita, e o contrário acontece com os
produtores entre 30 e 59 anos. Acima dessa renda, a participação de idosos
muda a realidade, devido à aposentadoria na renda familiar. Assim, incluir
os jovens na produção deve melhorar o rendimento familiar.
Nas famílias com maior participação de jovens no processo produtivo,
a utilização de mão de obra de terceiros não a reduz. Isto ocorre porque
a fase de arranque exige muita concentração de trabalho, principalmente
quando o volume de venda é muito alto. Assim, seria interessante que a
comercialização acontecesse em pequenas quantidades ou que famílias se
juntassem num lote para realizar a venda.
No entanto, seria possível a redução de custos com utilização de mão
de obra familiar para aquelas famílias que dispuserem dela. É importante
ressaltar que a dificuldade no pagamento de mão de obra de terceiros se
dá, principalmente, nas famílias com menos homens e jovens, porque as
diárias são pagas a trabalhadores da própria comunidade, que normalmente
trabalham na produção familiar. Assim, a renda não sai do local, ou seja, uns
trabalham nas roças dos outros.
Mais de 80% das famílias declararam não ter pessoas que participaram
de treinamentos ou que buscaram, de alguma forma, conhecimento a
respeito. Também há uma estimativa de que 61% não procura assistência
técnica para produção, e que 33% o fazem na EMATER. Estes números
retratam a carência de orientação e capacitação na comunidade.

a sustentabilidade da economia solidária 301


As áreas mais carentes de orientação estão ligadas ao cultivo da
mandioca, como: preparo do solo, controle de pragas, plantio e colheita, que
vão de 13% a 30%.
A comercialização foi reconhecida como a quinta área mais carente
de orientação, aparecendo em apenas 13% das famílias, e o processo de
beneficiamento e gestão apenas 1% e 2% respectivamente. Esses resultados
refletem claramente a falta de consciência das famílias sobre da importância
dos conhecimentos de gestão, produção e comercialização para a melhoria
da renda e da qualidade de vida familiar.

Entraves na gestão da produção

A área de produção está diretamente ligada ao processo de venda da


produção, e observar suas dificuldades é fundamental para a análise das
condições da comercialização. A pesquisa mostra que 49% das famílias
declaram não terem acesso a máquinas e equipamentos para a produção e
beneficiamento da mandioca. Essa realidade se refere principalmente às casas
de farinha, pois as existentes até o momento da pesquisa são particulares e a
implantação da casa de farinha comunitária ainda se encontra em execução.
Este é o fator que mais dificulta agregar valor ao produto da mandioca,
pois impossibilita as famílias de fabricarem a farinha e a goma sem terem
que pagar a conga, deixando de 10% a 15% da produção como pagamento.
Assim, perdem também de vender a casca, que já chegou a valer mais do que
o peso da mandioca, ou mesmo deixam de utilizá-la para o próprio consumo
animal.
Outro aspecto importante é que mesmo nas casas de farinha
existentes, segundo depoimento de produtores, faltam equipamentos de
moer a mandioca para deixá-la fininha e para empacotar o produto. Além
disso, foi colocada a questão da higiene precária nas estruturas existentes.
Esses fatores também depreciam o valor do produto final e influenciam
diretamente na comercialização e competitividade do mesmo no mercado.
Embora apenas 63 famílias tenham respondido à questão do
investimento, 51 delas declaram não aplicarem na atividade, por falta de
condições e de políticas públicas, isso representa 81%. Também quanto aos
resultados, 50% famílias declaram só pagarem as despesas e 14% dizem que
a venda da mandioca dá prejuízo.
Embora a comercialização da mandioca aconteça, principalmente na
forma da venda da raiz bruta, as famílias têm consciência de que o produto

302 a sustentabilidade da economia solidária


traz mais retorno financeiro se vendida em primeiro lugar a goma, depois
a farinha e, por último, a raiz, sendo que uma estimativa de 89% reconhece
que a mandioca beneficiada é mais rentável.
Os dois maiores entraves do cultivo da mandioca são a estiagem e
o custo da produção, sendo que o primeiro apareceu em 47% das famílias
e o segundo em 22%. Embora a chuva não dependa da ação humana, o
abastecimento de água ou, pelo menos, a garantia da safra são possibilidades
de soluções a serem discutidas dentro das políticas públicas. Já o custo da
produção necessita das teorias administrativas e contábeis, que trazem
técnicas para direcionarem a tomada de decisão, sobretudo sobre o preço
de venda da produção. Nas duas dificuldades a necessidade de orientação é
notória.
Contudo, estimadamente 90% das famílias pretendem permanecer
ou aumentar a produção da mandioca, dado que confirma a necessidade e
importância de estudos sobre a cultura mandioqueira.

Comercialização da mandioca

Retratar as condições da comercialização da mandioca na comunidade


Macambira é fator preponderante para a conclusão deste trabalho. Os
dados até agora apresentados buscam dar suporte para uma análise mais
concreta a respeito do poder de negociação comunitária e para que se possa
propor estratégias na gestão da atividade, a fim de gerar avanços com o
desenvolvimento sustentável.
Em 64 famílias, a produção é vendida in natura, o que representa 80%
da produção; as 9 que vendem a farinha ou a goma representa uma estimativa
de apenas 11%. Na venda da raiz, 89% das famílias direcionam as vendas
para as casas de farinha particulares existentes na comunidade, enquanto que
apenas 39% vendem para os atravessadores. Alguns depoimentos retratam
que diante de tanta desvalorização é melhor vender a raiz, que dá menos
trabalho. Nesta afirmação está incutida a dificuldade com a disponibilidade
de mão de obra.
Uma estimativa de 66% das famílias responde não conhecer
informação alguma sobre os atravessadores, 20% declaram saber o nome e
19% o local onde encontrar o comprador. É importante explicar que estes
atravessadores moram no município e são responsáveis pela venda para
outros locais, os quais só sabem que parte vai para Pernambuco.
Embora os preços pagos pelas casas de farinha sejam menores que
os dos atravessadores elas são responsáveis pela compra da maior parte da

a sustentabilidade da economia solidária 303


produção. Este fenômeno se dá principalmente pela insegurança das famílias
na negociação. Uma estimativa de 16% das famílias afirmam a insegurança
no recebimento e na pesagem da produção, e estimadamente 21% declaram
que a venda à vista é a melhor forma de realizar o negócio. Já outras (13%)
preferem vender para as casas de farinha, por conhecerem os donos.
Outro aspecto que também colabora com a compreensão da
informação apresentada é a dificuldade da quantidade vendida. Nem sempre
a família tem ou consegue colher a quantidade de mandioca suficiente para
vender aos atravessadores, que precisam otimizar o transporte. Um produtor
idoso declarou: “tem que ir devagar, porque a vida hoje não é brincadeira, tem
que vender um pouco e deixar um pouco pra mais pra frente”.
Ao questionar às famílias sobre a negociação é possível observar que
50% nunca recusaram uma venda ao atravessador. O depoimento de um
comunitário traduz bem o motivo: “a gente tem que ter paciência, o preço que
tiver a gente faz um apuradozinho, é melhor que se perder”. Pode-se observar
a baixa estima das famílias em relação à situação da atividade mandioqueira,
o que reflete incisivamente no poder de negociação das mesmas.
Em 31% das famílias o melhor preço é defendido como a melhor
forma de comercializar a mandioca; outras 21% gostam do pagamento à
vista; enquanto que outros 13% preferem negociar com as casas de farinha
que têm preço menor, porém maior confiabilidade no pagamento e maior
flexibilidade na quantidade vendida, além de menor distância.
A dificuldade mais presente na venda direta ao consumidor, segundo
as famílias macambirenses, é a incerteza no recebimento e no mercado, que
aparece em 49% das respostas; o descontrole de preço com 24% e a qualidade
do produto com 17%.
A pesquisa mostra que ninguém definiu a qualidade da mandioca
como ruim e apenas 5% não soube responder. Também quanto à qualidade
dos produtos da mandioca, apenas 5% das famílias declaram como sendo de
má qualidade e 18% não souberam responder. A contrariedade nas respostas
traduz a importância do aprofundamento nas discussões sobre a atividade
comunitária.
Para os moradores, os três maiores entraves da comercialização
são: primeiro a qualidade do produto, que aparece em 59% das respostas;
seguida da ausência e exigência dos compradores também em 59%; e, por
fim, o descontrole do preço aparece em 58% das famílias como entrave na
comercialização.
Também é possível perceber que tanto a questão da qualidade quanto o
descontrole dos preços estão diretamente ligados à figura do comprador e ao

304 a sustentabilidade da economia solidária


poder de negociação. Porém, a baixa qualidade do produto não fundamenta
suficientemente o descontrole no processo de negociação, principalmente
porque vários outros fatores externos, como o resultado da produção de
outros lugares, têm definido o preço praticado no local.
Segundo dados do IBGE, em 2006, o estado do Rio Grande do Norte
apresentou queda na produção de mandioca e, no mesmo ano, o SEBRAE
(2006) começou a organizar sua cadeia de mandiocultura, encontrando-
se o período desestruturado para suportar qualquer reação do mercado
brasileiro. A mesma queda aconteceu na Serra de Santana, porém, um ano
antes do mercado estadual, o que indica uma estrutura ainda mais fragilizada.
As questões climáticas e a situação do inverno influenciam diretamente na
produção, mas o mercado estadual e brasileiro tem uma grande incidência
no comportamento local.
Os produtores (95%) reconhecem que o poder de negociação
está na mão dos compradores (atravessadores e casas de farinhas) e não
realizam nenhum tipo de acompanhamento do mercado da mandiocultura.
Demonstram não acreditarem em possíveis soluções para as dificuldades, o
que contribui muito para a permanência do quadro apresentado.

Recomendações e conclusão

O presente estudo de caso apresentou a realidade da comercialização


da mandioca da Comunidade Quilombola Macambira, baseada na análise
social, econômica, cultural, política e tecnológica.
Com o intuito de colaborar com a discussão comunitária para o
desenvolvimento sustentável comunitário e identificando a mandioca como
produto de suma importância para a sobrevivência familiar permanente,
analisa-se o poder de negociação das famílias após breve diagnóstico da
atividade.
O presente estudo indica que a mão de obra e a qualidade do produto
são pontos estratégicos para dar suporte ao processo de negociação da
mandioca, somados à busca da autonomia das famílias nesta etapa.
Assim, é importante ressaltar que os pareceres aqui presentes não
definem uma sequência de etapas a serem realizadas e considera importante
que o desenvolvimento da atividade em suas mais diversas áreas aconteça de
forma simultânea, para que uma possa viabilizar a outra.
A melhoria da renda familiar é essencial para que a Comunidade

a sustentabilidade da economia solidária 305


Macambira se desenvolva. Apostar na diversidade de culturas e de atividades
propicia maior sustentabilidade, além de possibilitar o maior aproveitamento
de toda produção para o consumo humano, animal e agrícola.
Organizar-se socialmente é ponto crucial para o fortalecimento
comunitário como espaço de discussão e de luta pelo desenvolvimento e
conquistas de políticas públicas. O processo associativo serve, em primeiro
lugar, como espaço educativo no qual os saberes são construídos e trocados
por meio das mais diversas compreensões e experiências, e é na associação
que as famílias devem decidir os rumos da comunidade.
Embora a casa de farinha comunitária seja um projeto financiado
com recursos públicos, é imprescindível que as políticas públicas sejam
bem direcionadas para a área produtiva, possibilitando geração de emprego,
renda e, consequentemente, qualidade de vida para as famílias rurais.
A mão de obra familiar é fator estratégico para o negócio da mandioca
e precisa ser discutido com maior profundidade na comunidade. Trabalhar
a autoestima, ao passo que conquistas são alcançadas, é fundamental para
que o desenvolvimento aconteça de forma sinérgica, principalmente entre
os jovens. Eles apresentam maior disposição para o cultivo e maior índice de
escolaridade para colaborar com o estudo do mercado.
O desenvolvimento das pessoas dentro das áreas específicas, como as
das ciências sociais e ligadas à agropecuária, é importante para autonomia da
comunidade no que diz respeito à comercialização, mesmo que este processo
seja possível só em longo prazo. Para quem busca a sustentabilidade,
conquistar assessoria técnica deve ser encarado como uma medida provisória.
O aumento do beneficiamento da mandioca em suas mais variadas
formas propiciará maior flexibilidade de trabalho, inclusive para as famílias
com maior número de crianças e idosos, até porque as habilidades de manejo
com a mandioca estão presentes em todas as famílias.
Além da mão de obra, alguns aspectos da produção terão importante
influência para aumentar as chances de comercialização das famílias,
oferecendo os mais variados produtos da mandioca na tentativa de suprir,
em primeiro lugar, o mercado local, como estratégia de marketing para
facilitar o acompanhamento do mercado.
O processo de capacitação de mão de obra produtiva dá suporte à
comercialização, porque busca garantir a qualidade do produto para que a
atividade seja desenvolvida com responsabilidade. Entende-se por qualidade
a forma ecologicamente correta de produzir, principalmente em se tratando
de segurança alimentar.
O aprimoramento da gestão produtiva precisa de esforços na busca

306 a sustentabilidade da economia solidária


da qualificação dos produtos, conjuntamente com o desenvolvimento de
registros que possibilitem análises pela comunidade e de sua realidade, a fim
de aprimorar a tomada de decisão das famílias.
Agregar valor ao produto é importante, não só buscando aumentar o
leque de produtos, mas procurando suprir as necessidades do mercado local.
É importante, aqui, considerar as peculiaridades da economia solidária de
valor justo na forma socioeconômica.
O tamanho dos lotes vendidos e os preços praticados na comercialização
da mandioca são informações importantes para analisar a atividade. A
falta de registro no processo produtivo e na venda da mandioca ou de seus
derivados impossibilitou que a coleta dos dados gerasse informações seguras
que auxiliassem no desenvolvimento das estratégias de marketing neste
estudo.
Porém, é importante ressaltar que a redução das quantidades de
mandioca arrancadas por dia possibilita diminuir os custos de estimadamente
78% das famílias que utilizam mão de obra de terceiros, principalmente na
colheita.
Considerando as dificuldades na atividade mandioqueira, faz-se
necessário lutar, por meio do associativismo, por políticas públicas de
infraestrutura produtiva. Desta forma, a aplicação dos recursos públicos não
só facilita sua viabilidade financeira, como fortalece a agricultura familiar e
instiga o seu controle social.
É fundamental para a agricultura familiar ter acesso às ciências, nas
mais diversas especificidades, para que o processo de desenvolvimento
aconteça de forma mais rápida, buscando reduzir as diferenças sociais.
Mas é fundamental, também, garantir a permanência de seus princípios
necessários, para a conservação dos aspectos de coletividade em função da
vida humana.
Ser tecnicamente útil e socialmente responsável são características
essenciais para evidenciar a aplicabilidade prática do conhecimento
científico. Embora a Administração já venha avançando com pesquisas e
estudos sobre as mais variadas formas de organizações, é desafiante analisar
a realidade de instituições inseridas num formato de Economia Solidária,
que busca a sustentabilidade socioeconômica e política. Esta diverge em
muitos aspectos das empresas privadas e governamentais, porém, assim
como as outras, necessita de respostas às diversas situações em que se depara
no decorrer de sua existência.
Este trabalho é fonte inesgotável de conhecimento tanto para as
pesquisadoras como para os atores de desenvolvimento interessados

a sustentabilidade da economia solidária 307


na atividade da mandiocultura, agricultura familiar, entre outros temas
aqui citados. Preocupa-se, principalmente, em mostrar a importância da
interdisciplinaridade nos projetos e nos aspectos da vida humana como um
todo e, em seguida, a possibilidade de direcionamento profissional que a
experiência e o contato com realidades tão distintas e necessitadas, também
da assessoria administrativa, proporcionam.
Assim, as considerações aqui apresentadas podem colaborar com o
direcionamento estratégico da Macambira, tanto referente ao negócio da
mandioca como em todo o processo produtivo local, além de auxiliar na
discussão sobre o desenvolvimento sustentável da realidade produtiva da
Serra de Santana.
A busca pela autonomia das famílias por meio da comunidade dá
abertura para que várias pesquisas possam ser realizadas nas mais diversas
áreas do conhecimento. Estudar o associativismo com a comunidade pode
auxiliar na reflexão sobre a importância da institucionalidade nas relações
com os atores de desenvolvimento local.
Considerando que cada membro tem papel fundamental para o
progresso comunitário, analisar a convivência das famílias dentro da
Macambira, da associação e com o ambiente externo, contribui para o
processo de autoconhecimento e desenvolvimento humano.
Outra carência das famílias está na estrutura e poder de análise
financeira, que recai sobre os seus comportamentos diante do custo de
vida e da produção, bem como da ausência de registros das atividades,
principalmente produtivas e geradoras de renda.
Também, o estudo sobre o acesso ao mercado é indispensável para o
desenvolvimento comunitário e dá direção à tomada de decisão em relação à
mandioca e nas diversas formas de produção da agricultura familiar. Porém,
o envolvimento das famílias neste processo de descoberta é fundamental
para o seu crescimento.

Referências

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de trabalhos na graduação. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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Ângela Maria Naoko Tijiwa). Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1993.

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metodologia operativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

ZENONE, L. C. Marketing estratégico e competitividade empresarial: formulando


estratégias mercadológicas para organizações de alto desempenho. São Paulo:
Novatec Editora, 2007.

310 a sustentabilidade da economia solidária


MINICURRÍCULOS DOS AUTORES

ALINE KOROSUE
Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2004) e mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2007). Atualmente é pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina,
atuando no Laboratório de Educação no Campo e Estudos da Reforma Agrária.
Tem experiência na área de Agroecologia, Extensão Rural, Administração de
Cooperativas e Educação em Cooperativismo.

VALESKA NAHAS GUIMARÃES


Possui graduação em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1973), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1979) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal de Santa Catarina (1995). Bolsista do Ministério das Relações Exteriores
de Portugal (1998-1999). Pesquisadora e bolsista de PQ do CNPq entre 1996-
2005. Coordenou projetos integrados em parceria com o Grupo Interdisciplinar de
Estudos da Inovação e do Trabalho – GINEIT – do Programa de Pós-Graduação
em Administração da UFRGS e o CESO/ISEG da Universidade Técnica de Lisboa,
onde realizou missão de cooperação internacional em 2003. Foi professora do Curso
de Graduação em Administração (1977-2003) e do Mestrado em Administração da
UFSC (1998-2005). Atualmente é professora aposentada, orientadora (mestrado e
doutorado) no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC.

SINIVAL OSORIO PITAGUARI


Mestre em Economia Regional pela Universidade Estadual de Londrina – UEL
(2010) e Bacharel em Ciências Econômicas (1993) pela UEL. Atualmente é professor
assistente da Universidade Estadual de Londrina. Coordenador e colaborador de
projetos vinculados à Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários
– INTES/UEL, com financiamento do MTE/SENAES e do PROEXT-MEC/SESU.
Atua principalmente nos seguintes temas: Economia solidária, desenvolvimento
local, economia brasileira, economia marxista, economia do setor público.

a sustentabilidade da economia solidária 311


LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS
Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUC/SP; Mestre em Administração pela Universidade Estadual de Londrina
– UEL; Graduado em Economia e Administração, ambos pela Universidade
Estadual de Londrina – UEL. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de
Administração da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Atua principalmente
nos seguintes temas: Socioeconomia, Economia Solidária, Políticas Públicas, Terceiro
Setor e Solidariedade. Integrante do Projeto Rede de Apoio à Comercialização
de Produtos e Serviços de Socioeconomia Solidária (PROSOL), financiado pelo
programa “Universidade Sem Fronteiras”: Extensão Tecnológica Empresarial da
Fundação Araucária. Organizador.

MARCIA REGINA GABARDO DA CAMERA


Possui graduação em Economia pela Universidade de Brasília (1980), mestrado
em Economia pela Universidade de São Paulo (1986) e doutorado em Economia
pela Universidade de São Paulo (1993). Atualmente é Professora Associada da
Universidade Estadual de Londrina e Coordenadora do Mestrado em Economia
Regional na mesma instituição. É coordenadora do grupo de pesquisa Grupo
de Economia Industrial e da Tecnologia – GEITE. Tem experiência na área de
Economia, com ênfase em Organização Industrial e Estudos Industriais, atuando,
principalmente, nos seguintes temas: competitividade, inovação, economia regional,
Paraná e agronegócio.

IDENI TEREZINHA ANTONELLO


Doutora em Geografia Humana pela Universidade Estadual Paulista (Rio Claro
– SP), realizou aperfeiçoamento no L’Institut Des Hautes Études de L’Amerique
Latine Université de La Sobonne, IHELA (França), na categoria de doutorado
“sanduíche” (CNPq). Atualmente é Professora Associada do Curso de Graduação
e Pósgraduação do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de
Londrina. Pesquisadora na área de Geografia Humana.

FRANCIENE MICHELE CONSORTE LUIZÃO


Assistente Social, Graduada pela Universidade Estadual de Londrina; Pós-graduada
em Gestão de Projetos Sociais pelo Centro Universitário Filadélfia – UNIFIL; e aluna
do Programa de Mestrado em Geografia, da Universidade Estadual de Londrina.

312 a sustentabilidade da economia solidária


FERNANDO MOTOMU KATO NAKAMURA
Discente do 3º ano do Curso de Graduação em Direito na Universidade Estadual
de Londrina – UEL, estagiário na área jurídica da Incubadora Tecnológica de
Empreendimentos Econômicos Solidários (INTES/UEL).

VILMA APARECIDA DO AMARAL


Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL,
Professora de Direito Constitucional na UEL, Advogada em Londrina – PR.

JULIANA HINTERLANG DOS SANTOS


Advogada. Especialista em Direito Empresarial. Mestranda em Direito Negocial,
na linha “Relações Empresariais e Internacionais” pela Universidade Estadual de
Londrina.

FRANCISLAINE STÁBILE
Bacharel em Serviço Social, formada pela Universidade Estadual de Londrina.
Experiência em Economia Solidária em estágio realizado na Incubadora Tecnológica
de Empreendimentos Solidários – INTES/UEL. Participação em Projeto com
Famílias locadas em áreas de risco realizado pelo Instituto de Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico e Social – ITEDES em parceria com Companhia de
Habitação de Londrina – COHAB. (E-mail: franstabile@hotmail.com).

LÍRIA M. BETTIOL LANZA


Assistente Social, possui mestrado em Serviço Social pela UNESP-Franca e
Doutorado em Serviço Social pela PUC SP. É docente do departamento de serviço
social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da
Universidade Estadual de Londrina-UEL. Atua na pesquisa e extensão com os
temas relacionados à saúde pública e economia solidária. Atualmente é professora
colaboradora da INTES.

JÉLITON LAFAEDE PIMENTA


Bacharel em Administração pela Universidade Estadual de Londrina. Atuou como
estagiário na Secretaria de Assistência Social (Programa Bolsa Família). Na COHAB,
esteve envolvido no Programa de Regularização Fundiária que visa à regularização de
áreas municipais ocupadas irregularmente. Como atividade de extensão, participou
do Projeto RONDON OPERAÇÃO CATIRINA (MA). Atualmente trabalha no
maior grupo das Américas do setor imobiliário.

a sustentabilidade da economia solidária 313


BERNARDO CARLOS S. C. M. DE OLIVEIRA
Doutorando em Ciências Sociais - PUC-SP. Mestre em Administração na linha
Gestão e Política Socioambiental – PPGA/UEL (Programa de Pós-Graduação em
Administração), bolsista CAPES. Graduado em Administração pela Universidade
Estadual de Londrina.

MAYRA MOTA DOS ANJOS CARRION


Graduada em Administração na Universidade Estadual de Londrina em Julho de
2011, estagiou durante um ano no projeto “Redes de Economia Solidária” – PROSOL
– na UEL, vinculado ao Programa Universidade Sem Fronteiras / SETI – PR.
Atualmente atua como Assessora de Negócios (Regional Londrina) na Cooperativa
de Crédito de Livre Admissão Sicredi União – PR.

FABIO LANZA
Doutor em Ciências Sociais (PUC-SP), graduado em Ciências Sociais (Unesp-
Araraquara SP), professor-adjunto do Departamento de Ciências Sociais e do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - Mestrado da UEL - Londrina/
PR. Atua na linha de pesquisa Identidades, Memória, Relações Étnico-raciais e
Religiosidades com os seguintes temas: Sociologia das Religiões e Ensino Religioso;
Trabalho: cooperativismo, geração de renda e informalidade, Brasil. E-mail:
lanza1975@gmail.com.

EDSON ELIAS DE MORAIS


Mestrando em Ciências Sociais no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Sul-Americana e participante do
GENTT/CNPq/UEL, sob orientação do prof. Dr. Fabio Lanza na Universidade
Estadual de Londrina/PR, Brasil. E-mail: edson_londrina@hotmail.com.

PATRÍCIA ANDRADE GARCIA


Bacharel em Serviço Social, formada pela Universidade Estadual de Londrina.
Experiência em Economia Solidária em estágio realizado na Incubadora Tecnológica
de Empreendimentos Solidários – INTES/UEL. (E-mail: patricia.andradegarcia@
gmail.com).

314 a sustentabilidade da economia solidária


ADILSON LUIZ SEIFERT
Possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual de Londrina (1995),
Mestrado em Genética e Melhoramento pela Universidade Estadual de Londrina
(2000), Doutorado em Agronomia pela Universidade Estadual de Londrina (2003),
Especialização em Administração Rural pela Universidade Federal de Lavras,
Lavras, MG (2006), Especialização em Programa Especial de Formação Pedagógica
pela UTFPR, Cornélio Procópio, PR (2007). Atualmente é Professor Adjunto da
Universidade Estadual de Londrina, Depto de Agronomia. Ministra disciplinas
nas áreas de Agronomia e Zootecnia, com ênfase em Planejamento Rural, atuando
principalmente nos seguintes temas: elaboração de projetos, extensão rural,
desenvolvimento rural, educação ambiental, fitotecnia.

FRANCIELLE ALMEIDA CORDEIRO


Graduada em Farmácia pela Universidade Estadual de Londrina onde participou
do projeto de Extensão Universitária Universidade sem Fronteiras. Atualmente é
mestranda da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto-USP pelo
programa de Toxicologia.

MEIRE MITSUKA
Possui graduação em Farmácia pela Universidade Estadual de Londrina (2012), na
qual participou como bolsista PROEX em Projetos de Extensão em Parasitologia
e colaborou em Projeto de Extensão em Farmacognosia, com ênfase em Plantas
Medicinais e sua caracterização fitoquímica.

GISELY CRISTINY LOPES


Possui graduação em Farmácia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1997),
mestrado e doutorado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Estadual de
Maringá (2009). Atualmente é bolsista de pós-doutorado (PNPD/CAPES/UEM).
Tem experiência na área de Farmácia, com ênfase em Farmacognosia, atuando
principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento analítico e tecnologia de
fitoterápicos.

ANA CAROLINA GUARNIERI


Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina, participou
do projeto de Extensão “Aperfeiçoamento dos produtos dos empreendimentos
solidários e formação do Núcleo de Estudos em Economia Solidária” da Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES) da Universidade Estadual de
Londrina.

a sustentabilidade da economia solidária 315


ANA PAULA DA SILVA PEREIRA
Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina, participou
do projeto de Extensão “Aperfeiçoamento dos produtos dos empreendimentos
solidários e formação do Núcleo de Estudos em Economia Solidária” da Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES) da Universidade Estadual de
Londrina.

NAYARA TIEMI NAVES


Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina, participou
do projeto de Extensão “Aperfeiçoamento dos produtos dos empreendimentos
solidários e formação do Núcleo de Estudos em Economia Solidária” da Incubadora
Tecnológica de Empreendimentos Solidários (INTES) da Universidade Estadual de
Londrina.

ENEIDA SILVEIRA SANTIAGO


Psicóloga, Mestre em Psicologia e Sociedade e Doutoranda em Saúde Coletiva pela
UNESP – Assis. Docente do Departamento de Psicologia Social e Institucional da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), membro colaborada da INTES.

ARIANA CAMPANA RODRIGUES


Possui graduação em Psicologia pela UNESP/FCL – Assis (2002), Aprimoramento
em Saúde Mental pela FCM/UNICAMP (2003) e mestrado em Psicologia pela
UNESP/FCL-Assis (2012).

SILVIO YASUI
É psicólogo, Doutor em Saúde Pública pela ENSP-FIOCRUZ, professor do Curso
de Psicologia da UNESP-Assis e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da UNESP – Assis. É autor do livro Rupturas e Encontros: desafios da reforma
Psiquiátrica brasileira (lançado em 2010 pela editora Fiocruz), além de artigos
publicados em revistas científicas e de capítulos de livros na área de Saúde Coletiva,
com ênfase em Saúde Mental.

316 a sustentabilidade da economia solidária


ANNY KARINY DE VASCONCELOS OLIVEIRA
Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba, Especialista
em Gestão Estratégica de Negócios pela Faculdade de Natal –FAL, atuando na
Supervisão Acadêmica de Serviço Social da Fundação Universidade do Tocantins-
UNITINS, atuou no atendimento de famílias e elaboração de projetos nas Secretarias
Municipais de Assistência Social de Caicó/RN e de Cruzeta/RN e como técnica na
prestação de serviço judicial da Comarca de Cruzeta/RN.

FABIANE SOUZA DE MEDEIROS


Especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Faculdade de Natal, Graduada
em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Londrina, atuou
em associativismo na agricultura familiar no Nordeste pelo Serviço de Apoio
aos Projetos Alternativos Comunitários – SEAPAC. Atualmente assessora
empreendimentos econômicos solidários pelo Programa Municipal de Economia
Solidária de Londrina.

a sustentabilidade da economia solidária 317

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