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Entrevista Tica Lemos PDF
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Isabel Rocha de Cunto Lemos nasceu em 13/12/1964, no Rio de Janeiro, Brasil. Graduou-se em 1987 pela
SNDO (School for New Dance Development), em Amsterdã, na Holanda. Introduziu o Contato-Improvisação no
Brasil, trazendo para o país pela primeira vez seu fundador, Steve Paxton. É uma das fundadoras, diretora,
professora e intérprete do Estúdio e Projeto Nova Dança e da Cia Nova Dança 4. Premiada com o Prêmio
Governador do Estado de São Paulo e com o APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte). Responsável
pela cadeira de improvisação, da Faculdade de Dança da Universidade Anhembi/Morumbi, de 2000 a 2004.
Professora 4º dan de Aikido, sob a orientação do sensei Keizen Ono, 7º dan, São Paulo. Intensa colaboração com
diversos artistas e núcleos criativos como Georgette Fadel, Lucilene Favoreto, Cibele Forjaz, Cia São Jorge de
Variedades, Grupo Bartolomeu de Depoimentos, Cia Les Comediens, Maquinaria, entre outros. Inúmeros
espetáculos realizados como diretora, assistente de direção, produtora, pensadora e preparadora corporal e
intérprete em mais de 28 anos de trabalhos. Inicia sua vida e trabalhos artísticos em Brasília, onde cresce e vive
até os 20 anos de idade, com Ary Pararraios, Hugo Rodas e Fernando Villar em 1976, 1980 e 1983,
respectivamente. Criadora e diretora do grupo e do trabalho “Juanita”, baseado em dança & literatura. Adora
Coentro.
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Esta entrevista é parte documental do projeto de pesquisa denominado “Trajetórias da Dança Contato-
Improvisação no Brasil”, desenvolvido no Departamento de Dança do Instituto Federal de Brasília – IFB.
Transcrição de áudio: Thais Cordeiro da Silva.
Cathie Caraker, que hoje em dia trabalha passei dois meses nos Estados Unidos. Eu
com quem tive uma parceria, porque ela [Daniel Lepkoff], quase um mês, e então
também era apaixonada pelo Contato. fui para a fazenda do Steve Paxton e da
Então, durante um ano, nós dançamos Lisa Nelson, em Vermont, onde fiquei por
todos os dias na hora do lanche, nós mais duas semanas e, depois, passei mais
tínhamos uma hora e meia de lanche, um tempo em Nova Iorque. Nesse período,
lanchávamos durante meia hora e por uma também trabalhei muito com a Simone
hora dançávamos Contato. Era o tempo Forti. Então, eu voltei para Brasília, onde
que durava uma fita K-7. Colocávamos a morei ainda por dois anos. Em Brasília,
que minha dança evoluiu mesmo. crucis”, porque, no Brasil, muito raramente
Dançávamos Contato todos os dias, de alguém já tinha ouvido falar disso. Nesse
começou a chegar mais gente. Quando eu alinhar seus ísquios com os calcanhares
já estava dando aula há um ano, foram são coisas que nós sempre ouvimos falar –
chegando essas pessoas que são da essa questão do eixo e da linha – mas, a
primeira geração que formei no Contato- menos que você tenha uma sorte
Improvisação, como a Neca Zarvos e o Gil indescritível de pegar um professor que
Grossi. Nós estudávamos o esqueleto, a fale isso, e que ele viva isso, mesmo que a
direção anatômica desses ossos e fazíamos pessoa não saiba explicar, você tem que ter
todo aquele trabalho de sugestão mental, algum nível de meditação ou de
que é natural para todas essas técnicas, conceitualização para aceitar deitar no
como a Ideokinesis. Então, quando entrava chão. Para você como um dançarino
a técnica do Contato-Improvisação acreditar que pode deitar no chão e fazer
propriamente dita, nós aplicávamos isso um trabalho de alinhamento e de
tudo. Porque, na minha experiência, a relaxamento. Para você poder experienciar
técnica do Contato veio totalmente finalmente o que significa o peso, não
ancorada por esse conhecimento de enquanto uma palavra, mas enquanto uma
anatomia e consciência corporal. experiência empírica de sua existência.
Depois, já em 1992, eu trouxe, pela Para você poder, por exemplo, ir para a
primeira vez a São Paulo, o Daniel Lepkoff dança do Contato. Porque senão é a mesma
e a Cathie Caraker. E este foi o primeiro coisa, os movimentos são feitos, mas não
workshop internacional com pessoas que se faz a troca de energia, porque é isso que
eram do grupo fundante do Contato- o Contato traz. Então, percebi que de
Improvisação em 1972. Isso foi bastante repente havia pessoas que estavam
legal porque conseguimos juntar um grupo dançando Contato há um ano, mas que
de quinze pessoas; depois, quase ninguém acabavam ficando demais na forma.
mais desse grupo fez Contato, mas foi um Porque você aprende certas habilidades,
primeiro movimento bastante bom. Foi aí você aprende body surfing7, os
que me “caiu a ficha” de que eu não ia carregamentos básicos de quatro, aprende a
conseguir dar aula de Contato- carregar na cintura, começa a aprender a
Improvisação se não estivesse embutido 7
Body surfing é um movimento característico do
um conhecimento de consciência corporal. Contato-Improvisação em que uma pessoa rola pelo
chão e outra pessoa rola perpendicularmente sobre
Entregar o peso para o centro da terra ou ela.
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Aikido é uma arte marcial japonesa desenvolvida O método Rolfing® atua através do toque
pelo mestre Morihei Ueshiba (1883-1969), profundo e foca-se nas restrições e desequilíbrios
aproximadamente entre os anos de 1930 e 1960, do corpo humano, através da manipulação das
como um compêndio dos seus estudos marciais, fáscias, tecido conjuntivo que tem a propriedade de
filosofia e crenças religiosas. reagir às pressões e modificar a estrutura corporal.
isso que essas pessoas estão trazendo, Mas, estou falando de uma compreensão
porque, assim, une-se realmente o de energia traduzida nessa palavra peso,
Ocidente e o Oriente; porque, na verdade, então, um diálogo de centro de massa,
são métodos extremamente semelhantes diálogo de centro de massa do corpo
aos iogues e aos métodos meditativos humano com o centro de massa do Planeta
orientais. Terra. É isso literalmente que nós estamos
falando, e a dança do Contato é um diálogo
E você pensa que o Contato-
Improvisação, propriamente dito, de dois centros de massas. Isso por quê? O
poderia ser uma abordagem de que é que a dança do Contato nos trouxe?
Educação Somática?
A oportunidade de uma leveza incrível por
Acho que sim, mas você pode ir
causa de todos esses conceitos. Então,
para a forma do Contato e não
lembrando que o Contato foi criado na
necessariamente você está indo no sério
experiência do Steve Paxton, e que a
dessa questão da Educação Somática. De
formação dele teve esses dois lugares: o
repente, você vai às Jams de Contato e vê
Aikidô, pelo Ki-Aikidô. Isso quer dizer que
as pessoas com uma performance razoável,
houve uma pequena dissidência, em algum
mas você vê que elas não estão na
momento, do Aikidô, que foi esse mestre
experiência corpo e mente, senão
chamado Koichi Tohei, e ele pesquisava
literalmente no peso. Você vê que a pessoa
muito essa questão do Ki, da energia, e o
até está conseguindo ir para o chão com
Steve entrou no Aikidô pela via de um
alinhamento, ela até tem uma experiência
aluno desse mestre japonês. Aikidô é o
de controle, velocidade de movimento, que
caminho da harmonia do Ki, e Aiki
faz com que ela possa chegar ao chão de
significa a união da energia. Então, o Steve
uma maneira delicada, porque ela está
tinha essa formação Oriental e esse estudo
controlando esses ritmos e essas
de energia que nós traduzimos em Ki. E ele
dinâmicas. Mas, você vê que ainda está
já estava fazendo um trabalho com a Mary
tudo contido no corpo, ainda está tudo
Fulkerson, que é essa outra americana que
funcionando em termos das alavancas
trabalhava com Ideokinesis e release
simplesmente. Na verdade, já é demais
technique. O Steve estava justamente
você entender um pouco do funcionamento
trabalhando todo esse conhecimento do
das alavancas, já é 70% da caminhada.
alinhamento ósseo, de todo esse trabalho
trabalho que o Steve já está fazendo nesses com eles, eles já estavam dançando há
últimos quinze ou vinte anos, que é o treze anos – eles começaram em 1972 e eu
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Material for the Spine (Material para a os conheci em 1985. Era muito novo tudo
Coluna), é o olhar dele sobre as espirais isso, mas eles já estavam dançando há
que surgiram dentro da dança do Contato- treze anos, ou seja, eles todos já estavam se
Improvisação. Ele retirou esses desdobrando em outros interesses. O
movimentos de lá e há vinte anos está Daniel tinha esse interesse em ser
pesquisando só isso. Ele dá uma virada conduzido literalmente, como um golpe de
estética. Aqui em São Paulo, nós fomos Aikido, ou seja, não era mais a questão já
estudando os conceitos da linguagem da tão livre do Contato-Improvisação. Ele se
Composição em Improvisação, em cima preocupava sobre de que forma alguém
das estruturas da Lisa Nelson e também da realmente se responsabilizava pelo corpo
Katie Duck. Ela é genial ao unir o do outro em um movimento inteiro. Assim,
conhecimento da linguagem de o Contato passou a ter algumas pequenas
Improvisação com a arquitetura do teatro. diferenciações. E, no vídeo da Nancy e do
O trabalho dela é maravilhoso. Entradas, Steve, que é o Fall After Newton12, há um
saídas, o desaparecimento, o aparecimento, momento em que ele fala que, depois de
o desenho. A impressão que eu tenho é que anos dançando, eles começaram a criar
dei uma esticadinha no Contato- novas estratégias para a dança do Contato
Improvisação sobre essa questão da começar a acontecer. Por exemplo, eles
Educação Somática, de uma forma começavam em solos e em algum lugar, no
realmente efetiva ao colocar a Ideokinesis, meio do caminho do solo dos dois, eles se
e essas outras práticas, na aula. E também encontravam. Começou a aparecer a
na questão estética da linguagem da Lisa música, tanto que tem um dueto dos dois
Nelson, baseada na dança do Steve Paxton nesse mesmo vídeo com o Kone Wolkar
e do Daniel Lepkoff. Quando fui fazer aula tocando as tablas indianas.
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Material for the Spine: a movement study. Edited
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and produced by Contredanse. Realized by Baptiste Contact Improvisation Archives DVD #1: Chute
Andrien and Florence Corin (for Contredanse) and (1979 b&w) e Fall After Newton (1987 b&w,
Steve Paxton. Project initiated by Patricia Kuypers. color). Videoda. Director: Lisa Nelson. Authoring:
Artistic Advisors: Patricia Kuypers, Lisa Nelson. Intervision, Eugene, OR. Charleston: Videoda,
DVD-ROM development: Emeric Florence. 2006. (32:21).
Bruxelles: Contredanse, 2008.
O Contato foi pegando de levinho. regulares, que eram muitos. Havia aula de
foi quando a gente teve pela primeira vez o horários até. Dessa forma, comecei a
uma vez associando BMC® e Contato- fazendo muita preparação corporal para
Aí, tiveram três bailarinos, que eu disseminando muito essa prática no meio
contato aqui em São Paulo, que foi a Neca sobrevivência e de prazer, porque eu adoro
Raquel Ornellas, que é atriz, mas veio 1995, comecei de novo; e, em 1996,
fazer o Contato e se apaixonou. Os três chegou a Lívia Seixas que, hoje em dia, é
fizeram aulas regulares comigo por uns da Companhia Nova Dança 4 – e é dessa
três anos. Aí, quando o Daniel veio, a que eu chamo de segunda geração do
gente fez uma primeira performance Contato aqui em São Paulo. Ela se tornou
fortaleceu o movimento. Estávamos eu, o dançamos juntas. Nessa época, nós fizemos
alguns eventos estudantis da USP e em uns improvisação, com toda essa base de
Neca foi fazer outras coisas; a Raquel foi formação de palhaço, assim, nós criamos
fazer outras coisas; aí, de novo, você este espetáculo de improvisação. Desse
começa do zero com outras pessoas. Foi grupo de atores pertenciam algumas
quando, em 1995, eu abri o Studio Nova pessoas que, até hoje, estão por perto, uma
Dança com essas minhas sócias e amigas: delas é o Cristiano Karnas, que, hoje em
Nova Dança e a fazer Contato- que não tenho mais o Estúdio, não sou
Improvisação. Foi quando eu criei a mais a dona. Dou aula no estúdio do Diogo
Companhia Nova Dança 4, e este foi o Granato, em uma proporção bem menor.
grupo básico: eu, a Quito, Alex Raton, Porque, no Nova Dança, eram três salas,
Cristiano Karnas e, depois, veio o Diogo um terraço, uma cantina, um teatro, era
Granato, que foi para Brasília, em 2000, e uma produção, uma secretaria, era grande
trouxe de lá a Gisele Calazans. Essa foi a lá. O Diogo já tinha aberto o estúdio antes
segunda geração na verdade. Por volta de de fechar o Nova Dança, então, a Cia Nova
1998, a Lívia, que já estava comigo desde Dança 4 se acomodou por lá e todos nós
1996, já foi começando a dar aulas e os dávamos aula no espaço. E todas as outras
outros começaram a dar aulas por volta de pessoas foram se acomodando em outros
ficaram e trabalham até hoje com Contato- E você formou todas essas pessoas em
Improvisação. A Érica Moura e a Gisele Contato-Improvisação, mas essas aulas
agora são mais abertas, você não está
Calazans chegaram por volta de 2000 e nós mais formando sistematicamente
sete passamos a dar aulas, o que foi bom pessoas em Contato?
para dar uma firmada um pouco maior. Acho que aqui podemos citar de
Depois, chegou o Ricardo Neves, que já é novo o comentário da Lisa Nelson. Porque
de uma terceira geração. O Ricardo, por as pessoas faziam Contato-Improvisação
exemplo, foi aluno de todos eles. E, nesse no Estúdio Nova Dança, mas elas também
tempo, eu trouxe o Steve Paxton em 2000, faziam balé clássico e dança