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CONTATO-IMPROVISAÇÃO NO BRASIL PELA

TRAJETÓRIA DE ISABEL TICA LEMOS1

Contact-improvisation in Brazil through the life path of Isabel Tica Lemos

Entrevista de Tica Lemos a


Diego Pizarro2
Instituto Federal de Brasília - IFB

1
Isabel Rocha de Cunto Lemos nasceu em 13/12/1964, no Rio de Janeiro, Brasil. Graduou-se em 1987 pela
SNDO (School for New Dance Development), em Amsterdã, na Holanda. Introduziu o Contato-Improvisação no
Brasil, trazendo para o país pela primeira vez seu fundador, Steve Paxton. É uma das fundadoras, diretora,
professora e intérprete do Estúdio e Projeto Nova Dança e da Cia Nova Dança 4. Premiada com o Prêmio
Governador do Estado de São Paulo e com o APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte). Responsável
pela cadeira de improvisação, da Faculdade de Dança da Universidade Anhembi/Morumbi, de 2000 a 2004.
Professora 4º dan de Aikido, sob a orientação do sensei Keizen Ono, 7º dan, São Paulo. Intensa colaboração com
diversos artistas e núcleos criativos como Georgette Fadel, Lucilene Favoreto, Cibele Forjaz, Cia São Jorge de
Variedades, Grupo Bartolomeu de Depoimentos, Cia Les Comediens, Maquinaria, entre outros. Inúmeros
espetáculos realizados como diretora, assistente de direção, produtora, pensadora e preparadora corporal e
intérprete em mais de 28 anos de trabalhos. Inicia sua vida e trabalhos artísticos em Brasília, onde cresce e vive
até os 20 anos de idade, com Ary Pararraios, Hugo Rodas e Fernando Villar em 1976, 1980 e 1983,
respectivamente. Criadora e diretora do grupo e do trabalho “Juanita”, baseado em dança & literatura. Adora
Coentro.
2
Esta entrevista é parte documental do projeto de pesquisa denominado “Trajetórias da Dança Contato-
Improvisação no Brasil”, desenvolvido no Departamento de Dança do Instituto Federal de Brasília – IFB.
Transcrição de áudio: Thais Cordeiro da Silva.

João Pessoa, V. 6 N. 1 jan-jun/2015


Diego Pizarro

Foi você quem trouxe o Contato- Eu estudei na SNDO, em


Improvisação para o Brasil?
Amsterdã, na Holanda, a Escola da Nova
Bem, eu realmente sou a pessoa Dança. Era um curso de quatro anos, mas
que trouxe o Contato-Improvisação para o você apresentava um currículo e de repente
Brasil, mas entre parênteses, porque, na entrava no terceiro ano, que foi onde eu
verdade, eu acho que é mais justo falar isso entrei. E como eu já tinha um currículo de
no sentido de que eu decidi completamente teatro e de dança e eu já estava na
trabalhar com o Contato. Decidi mesmo faculdade, eles me aceitaram neste curso.
trabalhar com a técnica, me dedicar a ela Mas eu conheci o Contato, na verdade, um
totalmente, porque, até onde eu sei, já pouco antes, em janeiro de 1985. Eu estava
havia uma ou outra pessoa por aqui com morando na Europa e fui convidada para
conhecimento do Contato-Improvisação. O um festival de dança e artes marciais, no
Guto Macedo, do Rio de Janeiro, por Globe Theater. Era um teatro pequeno e
exemplo. Acho que ele já tinha feito um muito legal, ao sul de Londres, que imitava
workshop com a Nina Martin, em Nova um pouco os teatros da época de
Iorque, em torno de 1979, e, ao voltar para Shakespeare. Havia uma inglesa chamada
o Rio, ofereceu algumas aulas. Já em São Jane que nos encontrou, porque
Paulo, a Silvia Bittencourt tinha feito uma treinávamos capoeira. Era um treino, nas
viagem com Ivaldo Bertazzo pela Europa e tardes de domingo, que fazíamos com uma
também conheceu o Contato, vindo a moça que era de Goiânia, a Mônica, e com
oferecer algumas aulas por aqui. A o James, um inglês que era casado com ela.
coreógrafa Lenora Lobo, que vive em Um dia, a Jane chegou onde nós estávamos
Brasília, também deu algumas aulas em treinando e nos convidou para esse festival
sua passagem por São Paulo, naquele de dança e artes marciais. Eu entrei nesse
tempo. Eu voltei ao Brasil em 1987, teatro em dezembro de 1984 e, no mesmo
quando terminei a faculdade de dança em camarim, ficou um casal de ingleses, o
Amsterdã. Laurie Booth e a Kirstie Simson, que não
eram da primeira geração do Contato, mas
Como é que o Contato-Improvisação
estudaram com o Steve Paxton. Quando eu
entrou em sua vida?
os vi dançando no camarim, se aquecendo,
eu “chapei”. Depois da nossa apresentação

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de capoeira, eu subi à plateia para assisti- improvisação, ela é um pouco mais da


los. Quando eu vi aquele dueto dançando, geração do Steve Paxton. Eu também
eu comecei a chorar e fiquei reencontrei, na ocasião, a Kirstie e a Katie
completamente emocionada. Tinha certeza Duck. Nesse curso, também conheci a Lisa
absoluta de que tinha encontrado o que eu Nelson. A partir daí, comecei a conhecer
queria fazer com a dança na minha vida. todas as pessoas envolvidas com o
Aí, então, a Kirstie ia dar um workshop em Contato. Eu estava com 20 anos, já fazia
janeiro de 1985 e eu participei. Ela era teatro, fazia esportes, fazia ginástica
formada pelo Laban Center, de Londres, e olímpica e capoeira há bastante tempo. Foi
era uma dançarina fenomenal! O Laurie quando eu descobri que eles estavam
Booth chegou a ser bem conhecido como abrindo esse curso de dois anos em
coreógrafo. Chegou a coreografar para o Amsterdã, me inscrevi e fui aceita para o
Nederlands Dans Theater, da Holanda. E programa. Essa experiência foi
foi ele quem me colocou na roda do importantíssima para mim, porque na
Contato. Ele me falou que existia essa faculdade o Contato-Improvisação não era
faculdade de dança no interior da um curso regular, era um intensivo por
Inglaterra, em Totnes, Devon, e eu fui para semestre, onde vinham até três professores
lá em um festival, onde eu conheci todo convidados. Uma vez, por exemplo,
mundo. Estavam lá o Steve Paxton, a vieram Nancy Stark Smith, Karen Nelson,
Simone Forti, a Kirstie Simson, a Katie Alito Alessi e Andrew Harwood. Durante
Duck e o Laurie, que me chamou para esses intensivos, fazíamos faculdade
fazer uma performance. Colocamos uns normal de manhã e à tarde sempre havia
tatames do lado de fora e fizemos uma professores convidados do mundo inteiro,
mistura de capoeira e Contato. Nessa então era possível se aprofundar
ocasião, eu conheci o Steve Paxton razoavelmente. E, na faculdade; tínhamos
pessoalmente. Foi então que eles me deram que fazer solos, dançar no trabalho dos
a dica dessa faculdade que havia em outros colegas, convivíamos direto com
Amsterdã, e que ia ter um curso de verão esse universo da Nova Dança. Eu me
sobre improvisação. Eu fiz este curso de inspirei demais na faculdade. Além disso,
três semanas e reencontrei a Simone Forti, havia um espaço de performance, na sexta-
que é uma papisa do estudo da feira, no horário do lanche, em que você se

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inscrevia para se apresentar. escolhi o Contato para minha vida, mas eu


Constantemente, todo mundo entrava no tive acesso a todo esse mundo da
estúdio para criar seus próprios trabalhos, Improvisação e da Composição. Então, na
éramos todos bastante jovens e verdade, minha cabeça abriu muito mais do
extremamente estimulados nos processos que eu sonhava.
criativos. Lá, eu também conheci o Daniel
E quando você se formou, você voltou
Lepkoff e a maioria dos dançarinos dessa
para o Brasil logo em seguida?
primeira geração do Contato-
Improvisação. Eu tinha uma colega, a Quase em seguida, porque antes eu

Cathie Caraker, que hoje em dia trabalha passei dois meses nos Estados Unidos. Eu

com Body-Mind Centering® (BMC)3, e fiquei em Nova Iorque, na casa do Dani

com quem tive uma parceria, porque ela [Daniel Lepkoff], quase um mês, e então

também era apaixonada pelo Contato. fui para a fazenda do Steve Paxton e da

Então, durante um ano, nós dançamos Lisa Nelson, em Vermont, onde fiquei por

todos os dias na hora do lanche, nós mais duas semanas e, depois, passei mais

tínhamos uma hora e meia de lanche, um tempo em Nova Iorque. Nesse período,

lanchávamos durante meia hora e por uma também trabalhei muito com a Simone

hora dançávamos Contato. Era o tempo Forti. Então, eu voltei para Brasília, onde

que durava uma fita K-7. Colocávamos a morei ainda por dois anos. Em Brasília,

fita e dançávamos. Eu agradeço demais à ninguém conhecia o Contato-

Cathie, porque foi aí nesta oportunidade Improvisação. Aí começou uma “via

que minha dança evoluiu mesmo. crucis”, porque, no Brasil, muito raramente

Dançávamos Contato todos os dias, de alguém já tinha ouvido falar disso. Nesse

segunda à sexta. O Contato é isso, você período, eu dei alguns workshops de

tem que ter um parceiro para dançar. Eu Contato, no Núcleo de Dança da


Universidade de Brasília, e comecei a
3
Body-Mind Centering® (BMC) é uma abordagem divulgar um pouco este trabalho.
integrada para uma experiência transformadora,
através da reeducação e repadronização dos E, nas suas aulas, quais outras
movimentos. É uma prática de escuta sensível das referências de técnicas e abordagens
qualidades dos diferentes tecidos corporais.
Baseada na corporalização e aplicação de princípios corporais você trazia da sua experiência
anatômicos, fisiológicos e psicofísicos, no no exterior?
desenvolvimento humano, integrando movimento,
toque, voz e mente.

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Minha formação principal era a preparação do intérprete criador, porque


Ideokinesis, da Mabel Todd, que é um esse termo já vinha de lá, desse pessoal da
trabalho que eu acho fundamental. A Nova Dança. Na verdade, isso que estamos
Alexander Technique4 é um pouco mais chamando hoje em dia de Educação
antiga do que ela, do final de 1800. Mas Somática chamava-se New Dance até dez
Mabel Todd é de aproximadamente 1920, anos atrás. Porque o conceito de Nova
quando ela escreve seu primeiro livro, que Dança é exatamente este, as disciplinas que
se chama The Thinking Body. Essa era uma consideram a integração corpo e mente,
matéria regular que eu tinha na faculdade, como Alexander Technique, o BMC, o
em Amsterdã, e o trabalho era exatamente trabalho do RPG5, o método
isso que, hoje em dia, chamamos de Feldenkrais®6, enfim, todos esses
Educação Somática. Os professores já trabalhos terapêuticos que trazem
eram pesquisadores da Educação Somática. consciência para os praticantes. E a
Mesmo as técnicas de Dança Ideokinesis é uma dessas matérias, que
Contemporânea já traziam essa linguagem vem da linha da Mabel Todd. Então, eu fui
circular, da energia, do alinhamento, da dando esses workshops de Contato-
preocupação com o tônus muscular, que, Improvisação, onde você pode ir direto
aqui no Brasil, nós já víamos também com para a linguagem dele mesmo, que são os
Angel Vianna e Klauss Vianna. Realmente, rolamentos no chão, os carregamentos, a
aqui no Brasil, fomos muito privilegiados qualidade do toque; ou, então, trabalhar a
com a Angel e o Klauss. partir de uma prática como a Ideokinesis,
Então, quando eu voltei ao Brasil, por exemplo.
decidi que o Contato-Improvisação era o 5
“A Reeducação Postural Global (RPG) é um
“must” para mim. Tive a oportunidade de método fisioterapêutico revolucionário, nascido da
obra O Campo Fechado, publicado por PH.
ter uma visão bastante global sobre Souchard, em 1981, na França, após 15 anos de
pesquisa no domínio da biomecânica".
Improvisação enquanto linguagem, e sobre http://www.sbrpg.com.br/o-que-e-rpg
6
“Feldenkrais® é um método somático para
a questão da preparação corporal, da
manter-se saudável e equilibrado. Constrói
processos de aprendizagem sensório-motores para
optimizar o nosso potencial em harmonia com os
4
Técnica de Alexander é um método que trabalha nossos sonhos e desejos. Baseia-se no
no sentido de modificar hábitos de movimento nas desenvolvimento infantil do sistema neuromuscular
atividades cotidianas. É um método prático que visa e sensório-motor”.
trazer facilidade e liberdade aos movimentos, além http://estudiofeldenkrais.blogspot.com.br/p/o-
de melhorar equilíbrio, sustentação e coordenação. metodo-feldenkrais.html

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Mas, continuando com a história, de fazer um outro workshop, que aconteceu


quando eu voltei ao Brasil e morei em um mês depois. A Renata Melo, diretora
Brasília, por dois anos, o Fernandão do grupo Marzipan, adorou a história do
[Fernando Villar], durante uma conversa, Contato, e me chamou para fazer um
me aconselhou: “Tica, vai pra São Paulo”. trabalho em uma montagem que ela ia
Brasília é uma capital internacional, mas, dirigir. Isso tem mais de 20 anos, foi em
ao mesmo tempo, ainda é pequena, então, 1990. Ela me chamou para ser professora
tinha pouquíssima coisa de dança mesmo. dessa preparação corporal, no Centro
Então, eu vim. Tive a oportunidade de vir Cultural Três Rios. Foi legal porque foi um
para esse lugar chamado Espaço Viver, que trabalho de dois meses com um grupo
era na época dirigido pelo Zé Maria e pela grande de pessoas. Ao mesmo tempo, na
Lucia Merlino. A Rose Akras era desse sala ao lado, acontecia o centenário do
espaço também, foi aí que eu a conheci. nascimento de Oswald de Andrade, por
Ela também se tornou uma mestra isso havia uma série de comemorações. E,
inspirada nos princípios do BMC®. Nessa nessa sala, estava acontecendo um trabalho
época, fui ao departamento de Dança da de teatro com a Edith Siqueira e a Lala
UNICAMP e, lá, eu conheci o Eusébio Deheinzelin, e eu comecei a ficar amiga
Lobo, conheci todo o corpo docente dessas pessoas. Em seguida, abri um curso
daquela época. Eles me convidaram para de Contato-Improvisação, no Espaço
dar uma palestra, mostrei vídeos do Viver. O Zé Maria cedeu o espaço para
Contato-Improvisação, e havia uma ou este curso e, durante três semanas, não
duas pessoas do corpo docente que já o apareceu ninguém, o que eu entendia bem,
conheciam, como a Holly Cravel, que é porque São Paulo era uma novidade para
americana. E foi lá, na UNICAMP, que eu mim, o Contato-Improvisação era uma
vi uma divulgação desse Espaço Viver, prática nova no Brasil, eu era bastante
onde me deram espaço para ministrar um jovem e ninguém me conhecia. Até que um
workshop de Contato-Improvisação. Não dia apareceram duas moças, que eram das
teve nenhum aluno. Apareceram duas Artes Plásticas e tinham participado da
alunas que foram as próprias donas do oficina no Centro Cultural Três Rios – esse
lugar. Elas fizeram a aula muito projeto do Oswald que acabei de citar. Elas
gentilmente, gostaram, e nós combinamos foram minhas primeiras alunas, depois

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começou a chegar mais gente. Quando eu alinhar seus ísquios com os calcanhares
já estava dando aula há um ano, foram são coisas que nós sempre ouvimos falar –
chegando essas pessoas que são da essa questão do eixo e da linha – mas, a
primeira geração que formei no Contato- menos que você tenha uma sorte
Improvisação, como a Neca Zarvos e o Gil indescritível de pegar um professor que
Grossi. Nós estudávamos o esqueleto, a fale isso, e que ele viva isso, mesmo que a
direção anatômica desses ossos e fazíamos pessoa não saiba explicar, você tem que ter
todo aquele trabalho de sugestão mental, algum nível de meditação ou de
que é natural para todas essas técnicas, conceitualização para aceitar deitar no
como a Ideokinesis. Então, quando entrava chão. Para você como um dançarino
a técnica do Contato-Improvisação acreditar que pode deitar no chão e fazer
propriamente dita, nós aplicávamos isso um trabalho de alinhamento e de
tudo. Porque, na minha experiência, a relaxamento. Para você poder experienciar
técnica do Contato veio totalmente finalmente o que significa o peso, não
ancorada por esse conhecimento de enquanto uma palavra, mas enquanto uma
anatomia e consciência corporal. experiência empírica de sua existência.
Depois, já em 1992, eu trouxe, pela Para você poder, por exemplo, ir para a
primeira vez a São Paulo, o Daniel Lepkoff dança do Contato. Porque senão é a mesma
e a Cathie Caraker. E este foi o primeiro coisa, os movimentos são feitos, mas não
workshop internacional com pessoas que se faz a troca de energia, porque é isso que
eram do grupo fundante do Contato- o Contato traz. Então, percebi que de
Improvisação em 1972. Isso foi bastante repente havia pessoas que estavam
legal porque conseguimos juntar um grupo dançando Contato há um ano, mas que
de quinze pessoas; depois, quase ninguém acabavam ficando demais na forma.
mais desse grupo fez Contato, mas foi um Porque você aprende certas habilidades,
primeiro movimento bastante bom. Foi aí você aprende body surfing7, os
que me “caiu a ficha” de que eu não ia carregamentos básicos de quatro, aprende a
conseguir dar aula de Contato- carregar na cintura, começa a aprender a
Improvisação se não estivesse embutido 7
Body surfing é um movimento característico do
um conhecimento de consciência corporal. Contato-Improvisação em que uma pessoa rola pelo
chão e outra pessoa rola perpendicularmente sobre
Entregar o peso para o centro da terra ou ela.

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dar os voos no ombro, aprende a fazer os corpo e mente, de corpo-mente-espírito –


rolamentos do Aikido8, aprende a fazer se é que a gente pode ir ainda um
rolamentos básicos de chão. E, mesmo que pouquinho mais adiante – e emoção, e
as pessoas comecem a ficar bem refinadas tenha a oportunidade de uma experiência
na forma, acaba sendo um refinamento de sensorial; e outra é você pensar o corpo, o
fazer aquilo ainda no estudo da forma e que é importante, mas você não vive o
não na experiência do movimento. Ao corpo, em termos de uma experiência
fazer o rolamento no chão, você está sensorial como essa coisa do peso, que é
sentindo a pele e sua transferência do peso tão importante para o Contato-
momento a momento. O que acaba Improvisação. Então, eu me toquei que de
acontecendo é que a pessoa imita o rolar repente as pessoas já estavam dançando há
lento, imita rolar com sensibilidade, e isso um ano, dois anos, e que a dança estava
é meio que um método. Imitar é um realmente começando a ficar boa, mas via-
método de aprendizagem, é assim que a se nitidamente que não havia uma troca
gente aprende a andar, que a gente aprende energética do corpo da pessoa com o
a engatinhar, que a gente aprende a centro do planeta Terra. E nós estamos
caminhar com a nossa família. Mas é falando disso, de você entender o conceito
diferente de você viver isso enquanto da gravidade atuando sobre a musculatura,
experiência de movimento. Eu estou sobre as células do seu corpo. Porque, hoje
insistindo nisso porque o Contato- em dia, não tem mais como você não ir
Improvisação e todas essas técnicas que nesse nível, uma vez que, esses
hoje em dia a gente chama de Educação conhecimentos já estão no ar, como Body-
Somática trazem um novo paradigma de Mind Centering®, da Bonnie Bainbridge
vida. É simples e estrondoso assim mesmo; Cohen, um trabalho como Alexander
uma coisa é você ser um ser humano que Technique, como o trabalho de Rolfing®9,
vive e tem a oportunidade de experienciar, Ideokinesis, do Feldenkrais®, e todos
no seu próprio corpo, essa história de esses sobre os quais nós temos falado. E é

8 9
Aikido é uma arte marcial japonesa desenvolvida O método Rolfing® atua através do toque
pelo mestre Morihei Ueshiba (1883-1969), profundo e foca-se nas restrições e desequilíbrios
aproximadamente entre os anos de 1930 e 1960, do corpo humano, através da manipulação das
como um compêndio dos seus estudos marciais, fáscias, tecido conjuntivo que tem a propriedade de
filosofia e crenças religiosas. reagir às pressões e modificar a estrutura corporal.

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isso que essas pessoas estão trazendo, Mas, estou falando de uma compreensão
porque, assim, une-se realmente o de energia traduzida nessa palavra peso,
Ocidente e o Oriente; porque, na verdade, então, um diálogo de centro de massa,
são métodos extremamente semelhantes diálogo de centro de massa do corpo
aos iogues e aos métodos meditativos humano com o centro de massa do Planeta
orientais. Terra. É isso literalmente que nós estamos
falando, e a dança do Contato é um diálogo
E você pensa que o Contato-
Improvisação, propriamente dito, de dois centros de massas. Isso por quê? O
poderia ser uma abordagem de que é que a dança do Contato nos trouxe?
Educação Somática?
A oportunidade de uma leveza incrível por
Acho que sim, mas você pode ir
causa de todos esses conceitos. Então,
para a forma do Contato e não
lembrando que o Contato foi criado na
necessariamente você está indo no sério
experiência do Steve Paxton, e que a
dessa questão da Educação Somática. De
formação dele teve esses dois lugares: o
repente, você vai às Jams de Contato e vê
Aikidô, pelo Ki-Aikidô. Isso quer dizer que
as pessoas com uma performance razoável,
houve uma pequena dissidência, em algum
mas você vê que elas não estão na
momento, do Aikidô, que foi esse mestre
experiência corpo e mente, senão
chamado Koichi Tohei, e ele pesquisava
literalmente no peso. Você vê que a pessoa
muito essa questão do Ki, da energia, e o
até está conseguindo ir para o chão com
Steve entrou no Aikidô pela via de um
alinhamento, ela até tem uma experiência
aluno desse mestre japonês. Aikidô é o
de controle, velocidade de movimento, que
caminho da harmonia do Ki, e Aiki
faz com que ela possa chegar ao chão de
significa a união da energia. Então, o Steve
uma maneira delicada, porque ela está
tinha essa formação Oriental e esse estudo
controlando esses ritmos e essas
de energia que nós traduzimos em Ki. E ele
dinâmicas. Mas, você vê que ainda está
já estava fazendo um trabalho com a Mary
tudo contido no corpo, ainda está tudo
Fulkerson, que é essa outra americana que
funcionando em termos das alavancas
trabalhava com Ideokinesis e release
simplesmente. Na verdade, já é demais
technique. O Steve estava justamente
você entender um pouco do funcionamento
trabalhando todo esse conhecimento do
das alavancas, já é 70% da caminhada.
alinhamento ósseo, de todo esse trabalho

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da Educação Somática, então, o Contato Interessante esse pensamento porque as


definições de Contato-Improvisação são
vem disso; mas, se você vai dar aula de
geralmente no sentido de dizer que o
Contato, não é garantia que vai ser uma contato é uma forma de dança,
literalmente dito “it is a dance form”.
aula de Educação Somática. O professor
Em todas as definições constantes da
pode não estar aberto para isso. Se você vai revista Contact Quarterly isso aparece. O
Daniel Lepkoff, ontem mesmo, falou
direto para as questões técnicas, não é
para mim que a forma a que ele está se
garantido. A menos que o professor, por referindo no Contato é uma forma
arquitetural, não uma forma definida,
conta própria, vá introduzindo esses
no sentido estético da palavra. E eu
princípios. Então, desse ponto de vista, penso que se relaciona com isso que você
está falando, que é muito mais fácil
pode ser considerado uma Educação
aprender pela forma. Se não mais fácil,
Somática, mas também não é uma aula um vício mesmo, um costume no ensino
da dança, de seguir a forma e não
somente para conhecer a anatomia do
perceber o que está por trás dela, o que
corpo. Porque o Contato em si estuda as levou essa estrutura a se formar, o
entendimento do que está acontecendo
técnicas de quedas, de rolamentos e de
ali, certo?
carregamentos. E o diálogo de você seguir
É interessante, porque pensando
o fluxo da inércia, da energia, do tempo e
assim você pode aplicar isso para qualquer
do espaço, em duplas, é um conhecimento
prática de dança. Mesmo hoje em dia, se
abissal sobre toque e direção de
você vai dançar a técnica Martha Graham,
movimento. Isso já é chocante! E eu acho
ou mesmo o balé clássico, você pode vir
sim que desde aí já se aproxima da
com sua consciência corporal, mas vai
Educação Somática, mas não
modificar a forma preestabelecida de
necessariamente leva a essa interiorização
alguma maneira. A Nova Dança, falando
da consciência corporal por si só. Porque
esteticamente, nos trouxe chão. Até na
vai ter gente que vai dar uma aula técnica
Dança Contemporânea, antigamente, as
maravilhosa, mas é uma aula técnica de
passagens pelo chão eram bem rapidinhas.
“bananeira”, de você rolar em cima do
Você estava dançando, ia lá, fazia uma
outro, e talvez não necessariamente ele
coisinha; e, atualmente, a dança
explicará ali como é que você entra em
contemporânea, e essa coisa toda da New
contato com o seu próprio osso para fazer a
Dance, é sobre isso, o chão. Os bailarinos
“bananeira”.
ganharam o chão. De fato, aprendeu-se a

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chegar ao chão sem se machucar, porque dizendo, já desde o início da entrevista,


senão saía todo mundo roxo. Essa coisa que eu trouxe o Contato, mas que eu vim
toda da consciência corporal foi um ganho com o pacotão dessas informações
estrondoso para a prática da dança. somáticas. Então, o Contato-Improvisação
veio naturalmente para mim em uma rede
Sobre este tema do aprendizado do
Contato-Improvisação, a Lisa Nelson de conhecimentos que foi gerada na minha
estava me contando, em uma entrevista formação. E essa história da Improvisação,
que fiz com ela há duas semanas, que em
uma das primeiras vezes que ela veio ao enquanto uma linguagem cênica, traz todo
Brasil – quando ela estava em uma Jam esse conceito da pausa. Ela traz também
que você organizou –, ela notou, pela
primeira vez, entre todos os lugares por todo o conceito da imagem, porque é uma
onde ela transitou e observou danças de coisa difícil essa estética do Contato-
Contato-Improvisação, um
desenvolvimento diferente do Contato. Improvisação. Então, é natural muita gente
Afirmou ter observado uma prática que não gostar dessa prática logo de cara,
estava muito próxima da prática
fundamental do Contato, mas que tinha porque, na verdade, é um “espaguete
um desdobramento bastante amórfico”. Existe toda uma fase do
interessante e inusitado. Nessa Jam, ela
comentou que via pausa, que via desenvolvimento do Contato-Improvisação
descanso e que ficou tentando descobrir que é um “Deus nos acuda”. As pessoas
o que era que tinha mudado e
desenvolvido no Contato que ela viu no saem rolando pelo chão e você não
Brasil, sem perder as características consegue ver nada. Você não vê nem a
mais fundamentais do trabalho. Ela já
comentou isso com você? Fale um pouco forma do corpo nem a linha do movimento
sobre isso. no espaço. Mas, por outro lado, está todo
Sabe que a Lisa falou isso para mundo totalmente entregue a essa
mim, sim. Só que ela é tão incrível que eu descoberta sensorial. Este é um trecho
demorei muito tempo para entender. E, até necessário desse aprendizado, porque não
hoje, não sei dizer. Na verdade, ela e o tem jeito, tem horas em que é necessário se
Steve me deram esse retorno. O Daniel entregar totalmente para o sensorial e
[Lepkoff] e mesmo outras pessoas falaram desencanar um pouco da forma para você
coisas parecidas sobre o desdobramento do ter uma experiência interna; daí a relação
Contato-Improvisação aqui no Brasil, em com a meditação. E logo em seguida vem
São Paulo, de uma maneira muito positiva. um segundo momento em que você já se
Mas acho que é por isso que eu estava lhe estruturou, reconstruiu uma experiência

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básica intuitiva dentro dessa questão Improvisação/Composição, então, ele tem


sensorial e você começa a ter um pouco de toda uma bagagem. Ele tem todo um
tempo para o processo criativo, mesmo pensamento conceitual de composição. Na
dentro do Contato-Improvisação. Só que, verdade, eu acho que é isso que agradou
ainda assim, dentro do Contato- aos dois um pouco, ao citar meu trabalho,
Improvisação é limitado, porque ainda o porque, ao dar as aulas de Contato-
guia da dança é o toque e a gente cria Improvisação, nós fomos estudando tudo
através dessa escuta. E, se você olhar a meio junto. O aquecimento das minhas
dança do próprio Steve Paxton, nos vídeos aulas na verdade se tornou bastante
históricos de Contato-Improvisação, você consciência corporal. E, depois de um ano,
vai ver a trajetória do Steve. Ele é um cara era muito nítida a diferença no corpo das
que veio do José Limón, fez ginástica pessoas mais assíduas. A minha questão
olímpica, dançou na companhia do Merce pedagógica se tornou o esqueleto: um dia,
Cunningham por muitos anos, acumulou o aquecimento era sobre a tíbia, outro dia,
muito conhecimento estético e era o sacro, depois, as escápulas, ou seja,
coreográfico. Até que ele desenvolveu o todo esse conhecimento da Educação
Contato-Improvisação e foi fundo nessa Somática. Então, toda uma primeira hora
questão sensorial. Mas se você olhar as da aula era sobre isso, e com massagem,
danças dele, pode perceber que o Steve para você ir se sensibilizando já com o
tem linhas o tempo inteiro. Aí se você toque e a sensação, para poder se entregar
observar a papisa do Contato- totalmente a sensação. A gente começava a
Improvisação, que é a Nancy Stark Smith, entrar em algumas questões do vocabulário
vai perceber totalmente outra estética. Olhe da dança de Contato. Aprendíamos os
para o corpo dele e olhe para o corpo dela. rolamentos, as cambalhotas, ou seja. Há
Mas o Steve é um cara performático da uma série de nove rolamentos10. E o
dança, onde o Contato é mais uma das
10
coisas que ele fez. Ele fez demonstrações A série de nove rolamentos é também inspirada
no trabalho da dançarina Simone Forti e é descrita
de Contato-Improvisação durante muito por Steve Paxton em: PAXTON, Steve. Helix. In:
SMITH, Nancy Stark et al. (Ed.). Contact
tempo, mas ele continuava fazendo seus Quarterly’s Contact Improvisation Sourcebook:
Collected Writings and Graphics from Contact
trabalhos solos, coreográficos e Quarterly Dance Journal 1975-1992. Ed. especial e
coreográficos de composição, digo, limitada. Nothampton/MA: Contact Editions, 1997.
pp. 211-6.

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CONTATO-IMPROVISAÇÃO NO BRASIL PELA TRAJETÓRIA DE ISABEL TICA LEMOS

trabalho que o Steve já está fazendo nesses com eles, eles já estavam dançando há
últimos quinze ou vinte anos, que é o treze anos – eles começaram em 1972 e eu
11
Material for the Spine (Material para a os conheci em 1985. Era muito novo tudo
Coluna), é o olhar dele sobre as espirais isso, mas eles já estavam dançando há
que surgiram dentro da dança do Contato- treze anos, ou seja, eles todos já estavam se
Improvisação. Ele retirou esses desdobrando em outros interesses. O
movimentos de lá e há vinte anos está Daniel tinha esse interesse em ser
pesquisando só isso. Ele dá uma virada conduzido literalmente, como um golpe de
estética. Aqui em São Paulo, nós fomos Aikido, ou seja, não era mais a questão já
estudando os conceitos da linguagem da tão livre do Contato-Improvisação. Ele se
Composição em Improvisação, em cima preocupava sobre de que forma alguém
das estruturas da Lisa Nelson e também da realmente se responsabilizava pelo corpo
Katie Duck. Ela é genial ao unir o do outro em um movimento inteiro. Assim,
conhecimento da linguagem de o Contato passou a ter algumas pequenas
Improvisação com a arquitetura do teatro. diferenciações. E, no vídeo da Nancy e do
O trabalho dela é maravilhoso. Entradas, Steve, que é o Fall After Newton12, há um
saídas, o desaparecimento, o aparecimento, momento em que ele fala que, depois de
o desenho. A impressão que eu tenho é que anos dançando, eles começaram a criar
dei uma esticadinha no Contato- novas estratégias para a dança do Contato
Improvisação sobre essa questão da começar a acontecer. Por exemplo, eles
Educação Somática, de uma forma começavam em solos e em algum lugar, no
realmente efetiva ao colocar a Ideokinesis, meio do caminho do solo dos dois, eles se
e essas outras práticas, na aula. E também encontravam. Começou a aparecer a
na questão estética da linguagem da Lisa música, tanto que tem um dueto dos dois
Nelson, baseada na dança do Steve Paxton nesse mesmo vídeo com o Kone Wolkar
e do Daniel Lepkoff. Quando fui fazer aula tocando as tablas indianas.

11
Material for the Spine: a movement study. Edited
12
and produced by Contredanse. Realized by Baptiste Contact Improvisation Archives DVD #1: Chute
Andrien and Florence Corin (for Contredanse) and (1979 b&w) e Fall After Newton (1987 b&w,
Steve Paxton. Project initiated by Patricia Kuypers. color). Videoda. Director: Lisa Nelson. Authoring:
Artistic Advisors: Patricia Kuypers, Lisa Nelson. Intervision, Eugene, OR. Charleston: Videoda,
DVD-ROM development: Emeric Florence. 2006. (32:21).
Bruxelles: Contredanse, 2008.

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Diego Pizarro

E sobre o desenvolvimento do Contato- Lu Favoreto, Thelma Bonavita e Adriana


Improvisação, aqui em São Paulo, o que
Grechi; e, depois, a Cristiane Paoli Quito
aconteceu depois do primeiro workshop
internacional em 1992? se juntou a nós. Mantive os cursos

O Contato foi pegando de levinho. regulares, que eram muitos. Havia aula de

Eu trouxe o Daniel e a Cathie Caraker, que Contato todos os dias, de um a três

foi quando a gente teve pela primeira vez o horários até. Dessa forma, comecei a

BMC® no Brasil, em 1992. Ou seja, mais divulgar bastante o Contato, e continuava

uma vez associando BMC® e Contato- fazendo muita preparação corporal para

Improvisação, em um workshop casado. grupos de teatro; por isso, também fui

Aí, tiveram três bailarinos, que eu disseminando muito essa prática no meio

considero como uma primeira geração do do teatro também. Trabalho de

contato aqui em São Paulo, que foi a Neca sobrevivência e de prazer, porque eu adoro

Zarvos, o Gil Grossi, que é fotógrafo, e a teatro, eu vim do teatro. Aí então, em

Raquel Ornellas, que é atriz, mas veio 1995, comecei de novo; e, em 1996,

fazer o Contato e se apaixonou. Os três chegou a Lívia Seixas que, hoje em dia, é

fizeram aulas regulares comigo por uns da Companhia Nova Dança 4 – e é dessa

três anos. Aí, quando o Daniel veio, a que eu chamo de segunda geração do

gente fez uma primeira performance Contato aqui em São Paulo. Ela se tornou

pública de Contato-Improvisação, e isso uma professora de Contato e até hoje

fortaleceu o movimento. Estávamos eu, o dançamos juntas. Nessa época, nós fizemos

Daniel Lepkoff, o Zé Maria e a Cathie uma montagem de um espetáculo na

Caraker. Então, eu comecei a dar conta de Escola de Artes Dramáticas da USP, a

fazer umas primeiras demonstrações em EAD. Eu fazia todo o trabalho de corpo e

alguns eventos estudantis da USP e em uns improvisação, com toda essa base de

colégios de adolescentes. Depois, houve consciência corporal e do Contato-

uma debandada dessa primeira turma. A Improvisação, e a Quito deu toda a

Neca foi fazer outras coisas; a Raquel foi formação de palhaço, assim, nós criamos

fazer outras coisas; aí, de novo, você este espetáculo de improvisação. Desse

começa do zero com outras pessoas. Foi grupo de atores pertenciam algumas

quando, em 1995, eu abri o Studio Nova pessoas que, até hoje, estão por perto, uma

Dança com essas minhas sócias e amigas: delas é o Cristiano Karnas, que, hoje em

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dia, é da Companhia Nova Dança 4 em 2005 e 2006; a Nancy Stark Smith,


também. Em seguida, veio o Alex Ratton, acho que em 1994. A Lisa Nelson também
por volta de 1997. Ele começou fazendo veio em 2000 e 2005 com o Steve Paxton.
palhaço com a Quito. Ele trabalhava com E depois foi o fechamento disso tudo,
vídeo no SESI; largou tudo e veio para o inclusive do Estúdio Nova Dança.
teatro. Assim começou a trabalhar no
E desde então, desde o fechamento disso
Estúdio Nova Dança, porque nós
tudo, o que você tem feito? O que
trabalhávamos muito com permuta, a
mudou?
pessoa trabalhava em troca das aulas. Aí,
ele começou a trabalhar na secretaria da Basicamente, as mesmas coisas, só

Nova Dança e a fazer Contato- que não tenho mais o Estúdio, não sou

Improvisação. Foi quando eu criei a mais a dona. Dou aula no estúdio do Diogo

Companhia Nova Dança 4, e este foi o Granato, em uma proporção bem menor.

grupo básico: eu, a Quito, Alex Raton, Porque, no Nova Dança, eram três salas,

Cristiano Karnas e, depois, veio o Diogo um terraço, uma cantina, um teatro, era

Granato, que foi para Brasília, em 2000, e uma produção, uma secretaria, era grande

trouxe de lá a Gisele Calazans. Essa foi a lá. O Diogo já tinha aberto o estúdio antes

segunda geração na verdade. Por volta de de fechar o Nova Dança, então, a Cia Nova

1998, a Lívia, que já estava comigo desde Dança 4 se acomodou por lá e todos nós

1996, já foi começando a dar aulas e os dávamos aula no espaço. E todas as outras

outros começaram a dar aulas por volta de pessoas foram se acomodando em outros

2000. Aí, eu formei cinco professores que lugares pela cidade.

ficaram e trabalham até hoje com Contato- E você formou todas essas pessoas em
Improvisação. A Érica Moura e a Gisele Contato-Improvisação, mas essas aulas
agora são mais abertas, você não está
Calazans chegaram por volta de 2000 e nós mais formando sistematicamente
sete passamos a dar aulas, o que foi bom pessoas em Contato?

para dar uma firmada um pouco maior. Acho que aqui podemos citar de
Depois, chegou o Ricardo Neves, que já é novo o comentário da Lisa Nelson. Porque
de uma terceira geração. O Ricardo, por as pessoas faziam Contato-Improvisação
exemplo, foi aluno de todos eles. E, nesse no Estúdio Nova Dança, mas elas também
tempo, eu trouxe o Steve Paxton em 2000, faziam balé clássico e dança

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Diego Pizarro

contemporânea com a Lu Favoreto. Faziam organização do Giovane Aguiar13, em


improvisação, dança e teatro durante Brasília, e de frequentar esse festival do
muitos anos. Eu tinha uma turma com a Ricardo Neves14, aqui em São Paulo. Eu
Cristiane Paoli-Quito que era chamada nunca fui para a Argentina, por exemplo.
improvisação-dança-teatro, porque aí nós Em Brasília, eu observei um pouco as
alinhamos totalmente os conceitos teatrais. pessoas dançando, mas eu frequentava as
Porque a Quito nos trouxe todo o Jams do Nova Dança. Muito raramente, eu
conhecimento das máscaras, do Bufão, da fui a uma Jam que era organizada em outro
máscara neutra, e de conceitos muito lugar. E hoje ainda prevalece isso, eu tenho
básicos do teatro. Então, o que aconteceu é me voltado muito para o trabalho de
que essas pessoas que se formaram comigo respiração, e para o Aikido também. Mas,
no Contato-Improvisação, como ele foi desde que fechou o Estúdio, por exemplo,
firmado e baseado no Nova Dança, foram eu também nunca mais organizei uma Jam.
totalmente influenciadas por todas essas Hoje em dia quem está totalmente
técnicas paralelas. Era muito raro alguém antenado no mundo do Contato-
que fazia só Contato; no mínimo, as Improvisação é o Ricardo Neves. Ele
pessoas faziam outra aula também, escolheu o Contato para a vida dele e
variando as combinações. Nesse sentido, frequenta todos os festivais. Desde que
parece que surtiu um efeito interessante fechamos o estúdio, faz três anos, que não
mesmo. frequento uma Jam. Agora, no festival do
Ricardo, eu fui. Fui uma noite assim e vi
Durante toda essa sua trajetória,
observando pessoas dançando Contato que tinha um monte de gente da Argentina
em diferentes lugares, tudo isso que você dançando. As pessoas estão dançando
observou na década de 1980, depois
1990, 2000 e agora, quais são as bastante mesmo.
semelhanças e diferenças mais nítidas?

Sobre isso, tenho muito pouco a te


dizer, porque, na verdade, eu não pertenço 13
Refere-se ao Festival Internacional da Nova
a essa comunidade de Contato- Dança, concebido e coordenado por Giovane
Aguiar, desde 1996 até o presente em Brasília/DF.
Improvisação, nesse sentido. Apesar de ter 14
Refere-se ao Encontro Internacional de Contato-
me dedicado tanto ao Contato, eu nunca fui Improvisação de São Paulo, que teve sua primeira
edição no ano de 2008 e seguiu para a sua sexta
a um festival – com exceção de ter ido à edição em janeiro de 2015. Concebido e
coordenado por Ricardo Neves.

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CONTATO-IMPROVISAÇÃO NO BRASIL PELA TRAJETÓRIA DE ISABEL TICA LEMOS

Há algo mais que você gostaria de nos


deixar sobre a dança, sobre o Contato,
sobre a sua experiência?

Bem, dançar é muito legal, Contato


é muito legal, é uma técnica que acho que
traz um acréscimo na vida da pessoa
mesmo. O Contato-Improvisação
especificamente porque ele também é
conhecido como a dança-esporte. Muita
gente dança Contato como um esporte
mesmo. A pessoa não necessariamente
quer ser bailarino, mas ela vai lá, faz aula
de Contato, adora dançar Contato, mas é
artista plástico, é advogado, é médico, tem
outras profissões, mas adora dançar. De
repente, vai e dança para curtir o momento.
E é maravilhoso porque a pessoa sai com
um ganho fenomenal de experiência com o
movimento. Qualquer ser humano que tem
um conhecimento corporal e um acesso ao
seu próprio corpo é maravilhoso. Isso
coloca esse ser humano em um canal a
mais. A pessoa pode passar a vida sem
fazer esportes, sem fazer nada, mas quando
ela possui uma prática que a convida para a
sensibilidade, eu acho que é um ganho de
conexão neuronal mesmo. E isso é
maravilhoso.

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