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ANEXO 1 – ENTREVISTAS COM OS EDUCADORES MUSICAIS


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Entrevista nº1 : ABEL MORAES


Local : Belo Horizonte-MG
Data : 30.04.02
Horário : 20: 15h

1. Boa Noite Abel !


Boa Noite!
Eu gostaria de saber, primeiramente, como se deu seu primeiro contato com a música?
Bom, eu sou filho de uma professora de piano, e eu cresci ouvindo aulas de piano em casa, ouvindo
piano e tocando piano de ouvido, tirando músicas que eu ouvia na televisão, ouvia na escola,
sentava e tocava. Pedi à minha mãe para me ensinar tocar piano e tal. Só que, talvez por frustração
da profissão, ela foi professora, dificuldades por morar em cidade do interior, essa coisa toda, acho
que ela não me incentivou muito a estudar música. E eu falava muito em medicina, me interessava
por muitos outros assuntos, além de, de música. Então ela torceu para que eu escolhesse uma outra
profissão que não música. De forma que, eu precisei chegar aos dezoito anos para realmente tomar
uma iniciativa por vontade própria de estudar música. Mas eu sempre tive contato, de alguma
forma, eu acho que eu me musicalizei, de alguma forma, mesmo antes dos dezoito anos, e a
experiência com música sempre foi muito boa, muito forte. Eu sentava ao piano e tocava,
improvisava, e ficava, era uma experiência muito boa pra mim.
2. E a sua formação ?
Minha formação foi um pouco irregular. Eu comecei, como eu sou de São João Del Rei, eu
comecei a estudar na Orquestra Ribeiro Bastos. Primeiro fazendo uma introdução, tendo uma
introdução, depois participando do coral da orquestra, depois mais ou menos eu já tinha começado
a estudar violoncelo, na época com seis meses de violoncelo, quatro meses de violoncelo, eu entrei
pra orquestra. Ou seja, o que qualquer pessoa condenaria como sendo uma atitude precipitada de
entrar pra orquestra, eu comecei muito cedo. Nesse sentido, eu tive a experiência musical de tocar,
de sentir no ambiente social, participar de uma atividade musical em grupo, dentro de uma
circunstância, é, muito além de simplesmente tocar em grupo, social de tocar na igreja, tocar nas
missas, mais em termos de desenvolvimento musical, é eu posso dizer que eu comecei desenvolver
mais, quando eu entrei para o Conservatório de São João Del Rei. Fiz aula de violoncelo, aula de
solfejo, toda formação que o estudante passa normalmente. Isso coincidiu com a minha, com a
minha escolha de uma faculdade, de uma escolha profissional, e eu optei por Medicina. Fui para
Juiz de Fora, fiquei dois meses fazendo cursinho e desisti por que descobri que não podia viver sem
música. E desde daquela época eu passei a estudar, já com intenções profissionais. Então, passei a
vir ter aulas em Belo Horizonte, quinzenalmente, em 84 me mudei para Belo Horizonte, e fiz aula
normalmente, toda semana, e no final de 84 fiz vestibular e passei. Entrei para a graduação muito
precipitado, não estava preparado. Mas como todo aluno que tem facilidade e chega na prova, e de
alguma forma convence e toca o repertório exigido, eu entrei pro, pra graduação. Entrei
despreparado. Precisava tanto de uma formação musical, quanto instrumental melhor. De forma
que, minha formação foi um pouco atribulada, desenvolvi, estudei bastante, tive acesso a alguns
professores, mas foi uma formação um pouco atribulada, um pouco atropelada.
3. E, Abel, como surgiu o seu interesse em trabalhar com o ensino coletivo?
Bom, enquanto eu era aluno da graduação na UFMG, lá pelos idos de 86, 87, eu comecei a atuar
como monitor do curso de formação musical, que é um curso de extensão, trabalhava com
adolescentes. E do CMI, que era o Centro de Musicalização Infantil, que trabalhava com crianças.
E eu dava aula de violoncelo, pouco tempo depois, eu me interessei em trabalhar com orquestra e
acabei regendo orquestra infantil. Em São João Del Rei eu tive uma experiência com regência coral
também. Então eu tive uma experiência ainda como estudante de violoncelo, de trabalhar com
orquestra, de trabalhar com grupos. O que me chamava muita atenção, era a facilidade com que as
crianças se interagiam, e aprendiam e estavam muito ligadas ali nas atividades. E por conseqüência
eu percebia que a atenção e a produtividade era muito maior do que nas atividades individuais. É,
isso ficou, eu fiquei trabalhando no CMI durante, no curso de formação durante um bom tempo,
quando eu me formei, em 91, eu comecei a especialização, o curso de especialização na UFMG, na
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mesma escola, em Educação Musical e tinha que escolher um tema no final do curso, no final do
curso tinha que escolher um tema, e como a pedagogia sempre me interessou muito, eu sempre tive
muito interesse, gostei, gostava muito, eu escolhi realmente ensino em grupo na época, a minha
primeira monografia, foram sobre os aspectos psicopedagógicos do ensino em grupo. E foi o
primeiro trabalho que eu realmente sistematizei uma experiência que eu tinha com os trabalhos da
orquestra. Foi assim que eu me interessei.
4. E no caso, a orquestra era uma Orquestra de Violoncelo ou era uma Orquestra de
Câmara?
Era uma Orquestra Jovem, uma Orquestra de Cordas.
(...)
Uma Orquestra Jovem. Naquela época eu já fazia algumas aulas coletivas, não com muitos alunos,
mas com três alunos, quatro alunos. È uma espécie, um tipo modificado do Master Class. Porque o
Master Class continua sendo muito direcional, o aluno toca, o professor critica, fala e os outros
alunos presentes só ouvem. Não existe uma participação maior de quem está presente ali.
5. E nesse trabalho seu, monográfico, você direcionou o trabalho com ensino coletivo em
violoncelo, ou para o ensino também em cordas em geral?
Eu direcionei mais pra questão do violoncelo. Porque ele é específico, foi específico pra minha
experiência. Haviam questões técnicas relativas, específicas ao violoncelo, mais como eram
aspectos psicopedagógicos, a maior parte do trabalho é relativo à qualquer tipo de atividade em
grupo, de aprendizado em grupo. Lhe dava com propriedade de grupos, com maneiras mais
eficientes de comunicação em grupo, interação entre os participantes. Então, o conteúdo maior
dessa primeira monografia da especialização, era muito mais voltada pro geral, e não
especificamente para o violoncelo, tinha algumas questões específicas.
6. E no caso, no seu referencial teórico, você teve alguma influência teórica ou foi baseado
nessa sua experiência, na sua observação pessoal?
Na época eu me interessei muito por neuroligüística. Mas não foi um referencial embasado, uma
coisa que eu embasei a bibliografia toda na programação neurolingüística. Foram sugestões, foram
idéias que eu apliquei, não foi necessariamente o referencial teórico não.
7. E no caso, você depois fez o mestrado em Londres, né? Como você vê o ensino coletivo em
música, em instrumento musical no caso? Quais são as vantagens e desvantagens do ensino
coletivo em instrumentos musicais?
Bom, tem duas perguntas ai, primeiro sobre Londres, né?
Isso.
Bom, em Londres, o meu projeto de mestrado foi sobre ensino em grupo, tanto é que foi aceito.
Tinha o interesse da escola, e havia o interesse que eu desenvolvesse esse projeto. Quando eu
cheguei em Londres, eu comecei a ler bastante coisa sobre o ensino em grupo, teses, mestrado,
doutorado, artigos. E eu comecei a descobrir que a parte mais frágil, a parte menos sistematizada,
menos trabalhada, eram as questões técnicas, do desenvolvimento técnico, trabalhadas no contexto
de grupo. As questões metodológicas existiam mas elas não, mas elas não abordavam de uma
forma teórica as diferenças de desenvolvimento musicais, técnicos, ou psicológicos. De forma que,
a maioria dos artigos, das pesquisas, enfatizava o maior desenvolvimento musical advindo do
trabalho em grupo, mas falava muito pouco da questão técnica. Então, eu resolvi pesquisar essa
questão técnica, porque que, que poderia ser considerada o tendão de Aquiles do ensino em grupo.
Porque realmente, quando a gente trabalha individualmente com o aluno a gente pode atender a
especificidade dele, de facilidades, dificuldades, e quando você está num grupo, não é possível se
fazer isso. Porque, não dá pra você, senão você acaba fazendo uma seqüência de pequenas aulas
individuais e não é esse o objetivo. O principal objetivo é que haja interação o tempo todo ou a
maior parte do tempo. Então, eu comecei a pesquisar uma forma de trabalhar, de abordar a questão
técnica de uma forma integrada, com tudo ao mesmo tempo. Eu tive que estudar desenvolvimento
psicomotor. Aprendizado de habilidades psicomotoras e métodos de aprendizagem, de ensino de
habilidades psicomotoras, as fases de aprendizado pra poder fazer uma relação com o ensino do
instrumento. Como que o professor de grupo poderia conduzir três, quatro alunos ao aprendizado
sistematizado, todos ao mesmo tempo. Isso é uma forma ideal. Na prática, não tem como você
fazer isso. Tanto é que existe a necessidade da aula individual exatamente pra, pra compensar uma
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defasagem que o aluno apresente na aula em grupo. É possível trabalhar desta forma? É. Mas a aula
individual, ela é insubstituível. Como uma manutenção, um prolongamento daquilo que se fez na
aula em grupo.
8. No caso, você já trabalhou a iniciação instrumental? Assim, você pegar algum aluno leigo
ou algum aluno iniciante e iniciar o aluno através do ensino coletivo, sem a aula individual, e
depois num segundo momento...
(Interrompendo) Já. Já. É muito mais simples. Porque quando você pega um aluno iniciante, em
termos de experiência com o instrumento, ele não tem nenhuma experiência. Ele tem experiência
cinestésica dele com o corpo dele, o tato o gesto, e você precisa vivenciar o aluno na gesticulação
básica, da postura básica. Então, quanto mais iniciantes são os alunos mais fácil é você conseguir
sistematizar o aprendizado. Porque basicamente, todos têm que fazer a mesma coisa. E o início,
vendo por essa ótica, é muito simples. Eles têm que fazer o gesto, a sonoridade vem como
conseqüência do gesto, percebe? A primeira coisa que se aprende é a posição e o gesto, os
movimentos. De forma que, quanto mais iniciante, mais esse processo pode ser feito de forma
sistemática com todos eles, pela minha experiência.
9. E retornando aquela pergunta sobre quais são as vantagens de se trabalhar com o ensino
coletivo e as desvantagens, depois de um certo momento? Se é que existem ...
É. Para te responder isso, eu tinha, eu tinha que... eu devo te falar que existem muitas abordagens
de ensino em grupo. Existem muitas abordagens. Abordagens de iniciação, é uma abordagem
diferente da abordagem que eu uso. Quer dizer, pode ser, a abordagem que eu uso pode ser usada
em iniciação. Mas a abordagem que eu uso é uma abordagem de interação social , de aprendizado
colaborativo, ou seja, de constate troca de informação dentro, dentro do grupo. O professor é o que
eles chamam de facilitador. O professor, claro que ele dá informação, ele corrige postura, mas o
que o professor puder fazer através de outro aluno, é muito melhor. Porque ele vai estar
envolvendo a percepção do outro em relação ao colega, em relação às limitações e as facilidades do
colega. Então, neste aspecto, o objetivo de uma interação com grupo menor é muito mais rica do
que a interação com grupo maior. Num grupo de alunos a interação social é muito pequena. Ou
seja, o professor num grupo maior, ele tem uma participação muito mais direta, muito mais
decisiva e é ele quem coordena as atividades... quer dizer, as atividades, não digo, mas é ele quem
coordena o aprendizado. E numa, numa interação de um grupo pequeno, os alunos se coordenam,
se instruem, se verificam, e é muito mais rico em termos de aprendizado.
10. E no caso, a sua atividade pedagógica em grupo, então, atualmente, é um complemento
da aula individual? Você reúne ...
(Interrompendo) É um complemento.
Mas seria... poderia ser chamado de música de câmara?
Não. Não. Porque dentro do, da atividade de grupo, existe um momento de música de câmara, no
qual eles ensaiam uma peça. Eles ensaiam discutindo questões musicais, questões técnicas entre
eles, e eu jogo as questões, eu falo : “E a questão do ritmo?”, “E a questão da melodia?”. Eles
discutem a princípio, cada questão que eu proponho, entendeu? E, mas é um momento, a música de
câmara é um momento. Um outro momento, por exemplo, é trabalhar uma questão técnica : um
golpe de arco, mudança de posição, fazer dentro de um trabalho de escalas, você tem uma série de
elementos técnicos a serem trabalhados, entendeu? Então, o professor dá atividade, e eles lidam
com aquele conhecimento, com aquela atividade, entre eles. Eu participo também como professor,
mas eu participo como um... eu sugiro um exercício, eu sempre faço perguntas. Eu mais faço
perguntas do que dou as respostas. Porque um deles sempre vai ter uma resposta de alguma coisa.
O que acontece é que muitas vezes eles percebem coisas que eu não percebo, entendeu? Cinco
cabeças pensando, ouvindo, percebendo melhor que uma.
11. E a faixa etária trabalhada? Você trabalha com alunos mais velhos, já trabalhou com
crianças, adolescentes...
Já. Já. Não se deve misturar. Porque cada faixa etária tem uma ...
(interrupção)
Porque cada faixa etária tem características que são muito peculiares... Se você mistura adulto com
adolescentes, o adolescente pode se sentir inseguro. O adolescente tem uma insegurança natural de
personalidade que faz com que o se apresentar em performance, seja uma experiência dolorosa para
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ele. Eles estão em crise de identidade, então a experiência, ou a troca de experiência com uma
pessoa mais madura, que fala as coisas com mais sinceridade, com mais desinibição, pode causar
uma reação de defesa no adolescente. Então, eu procuro deixar idades próximas. Idades próximas,
mas muitas vezes, níveis diferentes.
12. E no caso, você já trabalhou com todas as faixas etárias? Crianças , adolescentes e
adultos, ou geralmente, são jovens e adultos?
Já trabalhei com várias idades. Com várias idades.
13. E você sentiu dificuldade de trabalhar com alguma, ou você acha que esse fator não é tão
significativo neste caso?
Olha é diferente porque depende muito da característica pessoal do professor , da formação dele.
Eu lido melhor com adolescentes e adultos. Porque eu trabalhei mais tempo com adolescentes e
adultos. Com criança, você tem que diluir a aula com brincadeiras, com joguinhos, com atividades
que são o tempo inteiro tem que ser lúdico. Não adianta você pedir disciplina, exigir disciplina, que
não é por aí. Você tem que tá seduzindo, tem que tá chamando a atenção para alguma atividade ali ,
a atividade tem que ser sempre interessante. Por isso que a aula tem que ser mais curta. Porque não
adianta você argumentar que eles têm que se concentrar, eles têm que, porque não é por aí. Eles
concentram enquanto tá divertido. Se deixou de ser divertido, acabou. Então, pra mim, é mais fácil
trabalhar com adolescentes. Adultos eu gosto também, é outra abordagem. Mas com adolescente, é
um desafio porque eles se defendem, eles se atacam, então essa interação que acontece, que a gente
espera que aconteça com os adolescentes é muito maior, é mais viva.
14. E Abel, atualmente você trabalha o Ensino Coletivo aqui na UEMG.
Isso.
Na Universidade Estadual de Minas Gerais. A carga horária, como você administra isso?
Você tem, eles têm aulas semanais, quinzenais? Qual é a carga horária de cada aula?
Bom, depende do curso. O curso básico que é o curso de extensão, a gente faz aulas em grupo,
aulas semanais. Toda terça –feira às 18:30 a gente se reúne. Às vezes vem um, às vezes vem cinco,
às vezes vem alunos que não são meus alunos particulares, vêm alunos de outros professores. É
uma aula em aberto. Muitas vezes, a maioria das vezes vem três a quatro. Que é o número ideal, na
verdade. Pela minha abordagem é o número ideal. Agora, a graduação, as exigências do repertório,
do desenvolvimento é maior. Então, a gente faz aulas esporádicas, uma vez por mês. Num sistema
não de Master-Class. O Master-Class é um momento da aula em grupo, é o momento em que a
pessoa toca e os outros criticam, os outros observam, elogiam e se for necessário. Mas se trabalham
questões técnicas, trabalham questões filosóficas e musicais, interpretação. É uma discussão bem
ampla.
15. E no caso, além de ser trabalhado aqui na UEMG, você trabalhou em alguma outra escola
com o ensino coletivo em instrumentos?
Eu participo muito de cursos de férias. São João del Rei, Porto Alegre, Domingos Martins no
Espírito Santo, são cidades que tem uma atividade, Ouro Preto, são cidades que tem uma atividade,
sempre em Festival de Inverno que eu vou, participo, sempre faço aulas, a maioria das aulas de
festival é em grupo. Porque o tempo é muito pequeno, e é uma semana só, dez dias às vezes, e
quanto mais eles puderem ter experiências intensas de convivência, de, de conhecer estudantes de
outras cidades, de abordagem técnica diferente, que sugerem discussões muito saudáveis. E , é
muito prazeroso pra mim porque são alunos que eu não conheço. Então, é sempre um desafio você
lidar com alunos novos e você sempre se surpreende, isso mantém a gente mais concentrado, mais
atento, mais vivo. A gente aprende muito mais com os alunos que a gente não conhece, numas
situações dessas.
16. E Abel, na área da pesquisa em Música, em Educação Musical, como você vê o quadro no
Brasil sobre o Ensino Coletivo? Se você conhece o trabalho de outras pessoas fora, em Belo
Horizonte e fora de Belo Horizonte, a atuação de outros professores e a questão da pesquisa
em Ensino Coletivo?
Todos os professores de instrumentos sabe que existe uma resistência muito grande. Porque a gente
aprendeu de forma individual e é muito mais cômodo ensinar da forma como a gente aprendeu.
Mas eu acho que o quê tem feito as pessoas procurarem o ensino em grupo é, sinceramente,
demanda. Demanda de professores mais versáteis, que consigam tornar o ensino mais interessante,
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mais eficiente, mais atrativo. Porque ensino de instrumento tem que ser alguma coisa
extremamente sacrificante. Então eu acho que esse lado lúdico que os cursos, principalmente de
iniciação, e os cursos básicos, precisam ter pra poder trabalhar com quantidade também.
Quantidade. A gente não, não pode negar que de cada dez alunos, um ou meio, segue a carreira, a
carreira profissional. O objetivo é, também vai fazer diferença aí. Se é iniciação, é simplesmente
pra socializar o ensino de música, ou se é pra, pra tirar, se você está dentro de uma universidade, se
é pra tirar uma porcentagem que vai preencher o curso de graduação. Mas, eu acho que a demanda
tem crescido, pelo, pela... porque tem, tem crescido a procura de estudantes também, para começar
a estudar música. E, e otimizar esse tempo. O curso de música é um curso muito caro. É, as escolas
de música das universidades são as escolas mais caras, exatamente porque o ensino é só individual,
percebe? Eu acho que, que é uma das razões também que, que tá fazendo com que o ensino em
grupo esteja muito procurado. Outra que eu acredito é uma, uma (interrupção). Eu acho que com o
próprio desenvolvimento da pedagogia, utilização da, da psicologia humanística na, na educação
tem se chegado à conclusão de que o ensino deve ser mais socializado, mais interativo. Eu acho
que os professores estão começando a se abrir para esse tipo de pedagogia mais moderna. Quer
dizer, na verdade, a psicologia humanística tem cinqüenta anos, né? Isso é, essa, essa transição
demora a chegar até o ensino de música. Primeiro, tradicionalmente, o conhecimento novo começa
com a filosofia, ou a ciência, que andam muito de braços dados. E isso chega na pedagogia, de uma
forma geral, com vinte anos de atraso, trinta anos e isso vai chegar pra nós, professores de música,
ás vezes, muito tempo depois. Então, é uma forma da gente, os bons, os bons professores eles estão
ligados, em termos de paradigma, em termos de, do quê que a filosofia tá pensando, digamos
assim, ultimamente e aplicando isso, tentando aplicar isso, na prática do ensino.
17. E sobre essa questão, você conhece alguém especificamente, que trabalha aqui em Belo
Horizonte, ou nomes fora de Minas, fora de Belo Horizonte? Ou não, você acha que ainda
falta um maior entrosamento entre os educadores musicais, divulgando seus trabalhos,
fazendo um intercâmbio?
Eu sei de nomes de professores que trabalham com o ensino em grupo, mas eu pelo menos não
recebi nenhum convite e não me dirigi a nenhum. Existe um isolamento realmente que separa, que
deixa cada um trabalhando, meio que individualmente. Em Belo Horizonte têm professores que já
trabalharam o ensino em grupo e depois foram ser meus alunos na especialização, aqui na UEMG,
que na verdade foi uma troca de informações porque não existe uma metodologia única. Existem
princípios pedagógicos que são aplicados em abordagens diferentes. Então, não existe uma
metodologia que eu ensino a você. Isso pode acontecer, mas entre dois professores que, que já
trabalham com isso e o que acontece é uma troca de informação. Como dois profissionais. Mas eu
acho que falta um entrosamento, e isso pode acontecer sim, pode melhorar porque só vai
enriquecer.
18. E Abel, para finalizar, você tem alguma consideração a fazer sobre essa nossa conversa,
alguma sugestão a fazer, no caso, para mim, para a minha pesquisa? O que você tem como
palavra final?
Eu acho que o trabalho com o grupo é uma opção, uma modalidade de trabalho, uma abordagem de
ensino que serve a muitos objetivos, a muitos objetivos. Se a gente pensar que a gente no final das
contas de um aprendizado musical a gente vai tocar em público, porque que a gente não pode
aprender em grupo, estudar em grupo, estudar com o colega, ter aula com o colega. Então, qualquer
abordagem que você tiver, que você tiver, desde de uma, de uma abordagem de educação liberal,
sem objetivos profissionalizantes, que você inicia uma quantidade de alunos até uma, com
objetivos profissionalizantes. O ensino em grupo, ele serve perfeitamente para ser trabalho tanto
em abordagens quanto em idades diferentes, pra crianças, pra jovens, adolescentes, terceira idade.
Agora, o mais importante eu acho que é o que eu tenho percebido, isso aconteceu em mim, é uma
mudança, é uma mudança de visão do trabalho como músico, como professor, como intérprete. A
visão do século XIX é uma visão muito, muito mítica, tanto do compositor quanto do intérprete. E
a visão, a visão do século XX é uma visão muito tecnicista do músico, do compositor também. O
músico tem que ser absolutamente excelente, perfeito. O advento do CD, da gravação do CD deu
uma neurose dos alunos de instrumento, dos instrumentistas de não, de eliminar o fator imperfeição
do, da pauta de aprendizado. Se objetiva a perfeição. E sendo o quê caracteriza a vida, a natureza e
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a própria arte é o elemento imperfeição. Se você ouvir o computador tocando absolutamente


afinado, no ritmo, você vai ver que falta o elemento humano. O elemento humano é a
irregularidade, é a sensibilidade, é a emoção que a gente não controla, você entendeu? A falta de
controle é algo que a gente tem que aprender a conviver com ela. As limitações é algo que a gente
consegue enxergar muito mais no colega do que na gente. Por isso que o ensino em grupo ele pode
ser muito mais humano agora, no século XXI. O ensino em grupo, a socialização, a visão de
música como algo que pode servir, que pode servir com o objetivo explícito, não só intrínseco. O
Koellreutter chama de uma Educação Musical Funcional, ou seja, que tenha função de socializar ,
de trazer a experiência de um conhecimento simbólico. Que é algo que é perdido, que é algo que a
gente tem que resgatar. Então, eu acho que o, a principal ligação que eu vejo no ensino em grupo é
como a mudança de paradigma da própria visão, da própria função da música na sociedade e na
vida do homem. Eu posso dizer por mim, o processo de aprendizado musical, de aprendizado
instrumental é algo extremamente sacrificante, é algo que demanda um esforço pessoal, uma
transformação pessoal em cada,em cada estágio da vida. Então, se isso pudesse ser visto como uma
oportunidade de desenvolvimento pessoal, ao invés de unicamente profissional, a gente pode
democratizar, a gente poderia democratizar o ensino de música como sendo algo terapêutico, como
algo que trouxesse a possibilidade de um desenvolvimento muito maior, muito mais amplo do que
simplesmente você chegar a tocar um concerto com uma orquestra. Então, é isso que eu vejo, é
dessa forma que eu ensino, é dessa forma que eu ensino professores a ensinarem, uma maneira de
pela música você entender o mundo de uma forma mais tolerante, porque é imperfeito, percebe? Na
música existe a imperfeição assim como nós somos imperfeitos, existe contradição assim como nós
somos contraditórios. Então a convivência com música, não numa visão tecnicista e perfecionista,
para se moldar um intérprete. Mas no sentido simbólico, artístico. Aí é que tá o casamento com, aí
é que entra o casamento com o nosso lado humano. Eu acho que essa é a abordagem de ensino
musical que a gente deve buscar, de agora em diante. É o que eu tenho buscado. Cada aula que eu
dou, cada momento eu penso sempre nisso. Existe um ser humano tocando um instrumento ali
atrás. Se eu puder preparar esse ser humano, se eu puder lidar com ele, pra aprender melhor o
instrumento, ele vai aprender natação, culinária, direção, ele vai, ele pode se relacionar melhor com
a mulher dele, ele pode se aceitar mais nas suas limitações, entendeu ? Então, isso é que eu
entendo como educação musical.
Educação do ser humano...
É.
19. E no caso, você acredita então que o ensino coletivo poderia ser um instrumento para a
democratização do ensino e conseqüentemente a música como uma forma de transformar
uma realidade dentro da sociedade?
Acho. Acho. Com certeza.
Porque você vai dar mais acesso as pessoas iniciarem, ter um contato com música num país
tão sem oportunidades. As pessoas, de ter um momento consigo mesmo, um momento
cultural, um momento com a música. Nisso vão ser tocadas essas questões que você falou.
Eu acho que o sucesso, o sucesso de se alcançar alguns objetivos está na maior parte na mão do
professor. E principalmente de como o professor faz música e aborda a música. Porque o professor
tem que ser um exemplo. Não adianta ele ensinar uma coisa e ser outra coisa. Por isso que o
processo de ensino não tá desvinculado do processo de desenvolvimento pessoal. Quando a gente
pensa em uma abordagem democrática, de estender a alunos talentosos, alunos não talentosos,
alunos de maneira geral, o professor tem que estar muito claro a abordagem que ele tem que usar,
tem que estar muito clara, senão ele, ele pode ter uma abordagem teórica no papel e quando ele
chega em sala de aula ele pode estar repetindo inconscientemente uma receitinha, que é o
tradicional do ensino do instrumento. Então, a primeira coisa que o professor tem que, tem que
entender, ele assumir aquela abordagem sem violência. Um professor tradicionalmente concertista,
instrumentista, que se força uma abordagem dessa, ele não está convicto, e o professor precisa ter
uma convicção. Ele precisa ter uma convicção pra ele ser original na abordagem dele. Eu acho que
esse é o maior perigo. No papel todas as abordagens são ótimas, são excelentes. Você tem
argumentos fantásticos, seja qualquer abordagem que você, que você utilizar. Agora, quando se
entra na sala de aula, o papel ficou lá na sala, ficou lá na sua casa. Então, você tem que ter um
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compromisso com o aqui, agora, com aquele momento. E se você tiver só a teoria e não conseguir
realizar isso na prática, você tá fazendo uma coisa terrível, você não sabe o quê que você tá
causando ali como conseqüência nos alunos. Você não sabe as conseqüências que os alunos vão ter
com o passar do tempo. Você pode ter um discurso e na prática você ter um, você ter uma direção
completamente diferente. esse que eu acho que é o perigo de você trabalhar com o grupo numa
determinada abordagem porque os danos que você pode causar podem ser muito maiores porque o
número de pessoas envolvidas é maior. Entendeu? A coerência da abordagem que o professor
escolhe tem haver com a vocação deles. Tem professores que são excelentes para se formar um
concertista numa forma tradicional. Esse professor não deve mudar a abordagem dele. Entendeu?
Só que não é democrático. Vai ter um número de alunos restrito que vai se, que vai conseguir
estudar com aquele professor, entendeu? Mas se ele for original, ele tá autêntico na abordagem
dele, entendeu? Eu posso dizer que eu consigo trabalhar de formas diferentes, tanto para alunos
que se profissionalizam porque aí você tem um objetivo, um repertório, um, objetivos muito claros
a cumprir. Mas a abordagem humanística ela tá ali o tempo inteiro. O repertório nunca é mais
importante que o aluno, nunca é mais importante que o intérprete. Porque se você preparar ele
praquele repertório, você prepara ele também pra, pra outro tipo de peça. É a educação da reflexão.
Você nunca dá a resposta. Você sempre dizer coisas que se aplicam a outras situações, entendeu?
Pra ele ter condições de aplicar o conhecimento. O grande objetivo é você tornar o aluno
independente. É você dar pra ele condições dele pensar sozinho, dele estudar sozinho. E prá isso
você não pode dar respostas, se você responder ele acomoda, ele vai depender de você. A
dependência vem desse tipo de relação, se você ensinar ele a pensar, se você ensinar ele a estudar e
a pensar tecnicamente, musicalmente, artisticamente, percebe? Então, eu acho que é uma mudança
de foco. Antigamente se tinha uma, um foco em cima do, da habilidade, do que tem que ser feito,
você tem que. É a Educação Comportamental, baseada na Psicologia Comportamental. Você tem
um objetivo. O objetivo é aquele. Então, você tem que seguir essas etapas do aprendizado até você
alcançar esse objetivo. No final do ano você tem que se capaz de, dois pontos, aí vem o repertório a
cumprir, percebe? De alguma forma, a gente não pode abandonar isso. Porque é uma referência. Lá
fora quando o aluno se formar, ele vai encontrar, ele vai encontrar exatamente isso, abre aspas, pra
você entrar nessa orquestra você tem que ser capaz de. O professor não pode ignorar isso. Mas ele
não pode ignorar que existe um ser humano atrás, que esse ser humano tem que ser preparado, tem
que ser moldado pra ele prosseguir sozinho no, na jornada de aprendizado.
20. Mas alguma consideração, Abel?
Não. Eu acho que já conclui tudo.
Então está bom. Então eu quero agradecer você imensamente pela, por me receber aqui e
espero revê-lo em breve.
Eu também.
Agradeço imensamente.
O prazer foi meu.

Entrevista nº2 : LUCIANO LOPES


Local : São Paulo-SP
Data : 21.05.02
Horário : 11: 30h

1. Bom Dia, Luciano. Primeiramente, eu queria saber, como se deu o seu primeiro contato
com a música?
Bom, meu primeiro contato foi, eu tinha nove anos de idade. E eu estava assistindo TV quando vi
uma orquestra tocando na TV, eu fiquei apaixonado. E no outro dia, acordei de manhã, e fui falar
com o meu pai : “Pai, quero comprar violino”, “Eu quero um violino”. E enchi o saco dele até ele
arrumar um violino pra mim. Ele comprou na época um violininho de fundo de quintal, sabe?
Aqueles que você passava a mão parecia uma lixa. E aí, eu comecei a estudar. O meu primeiro
contato foi assim. Eu comecei a estudar, eu comecei a fazer aula particular com a Dona Edna
Nogueira, em Araraquara. E esse foi o meu primeiro contato, depois foi dando continuação, na
Orquestra e tudo.
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2. E qual é a sua formação musical? Você fez alguma universidade...


(Interrompendo) Bom... termina.
Você fez seus estudos com a Professora Edna e deu continuidade...
É eu iniciei em Araraquara, eu era pequeno, tinha nove anos. Depois quando eu tava com quase
onze anos eu fui pra Ribeirão Preto, no Conservatório Carlos Gomes. Eu estudei no conservatório,
saí de lá com quatorze anos, saí de lá formado no conservatório, aí eu voltei para Araraquara e eu
viajava pra Piracicaba na Enerst Mahle, outro conservatório. E eu fui lá e fiquei lá até meus
dezessete anos de idade. Fiquei lá e me formei lá também. Depois eu fui para Tatuí, Conservatório
de Tatuí. Aí eu estudei lá também e terminei lá também. Aí eu vim pra cá, pra São Paulo e fiz USP
em São Paulo, terminei agora, o ano passado.
3. E como surgiu esse interesse em trabalhar com o ensino coletivo em cordas? Como você
começou a trabalhar? Como você se interessou pelo ensino coletivo? Fale um pouco da sua
experiência.
Olha, quando eu entrei, eu entrei aqui, na época eu tava, eu tava no último ano em Tatuí, estudando
lá. E eu precisava de trabalhar, música é aquela coisa né. Eu precisava arrumar algum emprego,
alguma coisa, eu só tocava em orquestra. E orquestra éramos bolsistas ainda, não tínhamos
formado. Então, apareceu o Pedro, que é o coordenador técnico do projeto. Ele ligou para mim e
falou diretamente comigo sobre dar aula em grupo e tal. Eu nunca tinha, nunca tinha imaginado
que esse tipo de coisa existia. Isso há, há quase seis anos atrás já. E eu aceitei. E na época era em
São Roque, né. E aí eu fui pra lá e cheguei lá, dei de cara com um monte de aluno assim, foi, eu
me assustei né. Eu nunca tinha feito curso do Galindo, ele dava, ele dá e nem os cursos que ele dá.
Eu nunca tinha feito os cursos do Galindo ainda, eu tava, eu fiquei perdido. Mas, eu comecei a
gostar daquilo, eu comecei a gostar daquilo, que no entanto, eu acho que hoje, hoje foi, hoje é o.
Eu prefiro dar aula coletiva do que dar aula individual, né. Eu aprendi muita coisa durante todo
esse tempo. Com as pessoas com que quem eu trabalhei, com quem eu trabalho. Uma delas é a
Carmem. Nossa, ela era, ela foi uma grande escola para mim. Ela me ensinou muita coisa assim,
eu não sabia nada, né. Macetes, aquelas coisas já, fui fazer os cursos com o Galindo também, né,
Então foi essa a minha. O que eu posso dizer assim, realmente, eu prefiro dar aula hoje individual,
tenho muito amor no que faço, né, do que, não, coletiva do que dar aula individual.
4. E Luciano, na sua opinião quais são as vantagens do ensino coletivo? E você acredita que
exista alguma desvantagem? Como você, você enxerga aí o ensino coletivo em relação aos
benefícios para os alunos?
Olha eu acho assim : quando a gente dá aula individual, só tá você e o aluno numa sala. O aluno,
ele tem um único incentivo que é o do professor, né. Agora, agora quando é aula coletiva, quando
não tem só o incentivo de uma única pessoa, têm o incentivo de todos os alunos. Porque é aquela
coisa, eu acho que a vantagem é essa, dos alunos estarem sentados, todos estão fazendo a mesma
coisa. Então, o aluno que tá tocando menos, ele olha, ele olha pro outro que tá do lado e vê, “ele tá
tocando melhor que eu”. ele pensa isso com ele, porque eu já ouvi esse tipo de comentário e tudo.
Ele olha pro aluno do lado e ele pega e pensa com ele, fala assim : “Não ele tá tocando. Porque eu
não vou tocar também?”. E vai atrás e consegue isso né. E são várias coisas assim. É engraçado
que a maioria, aliás todas as crianças que vem fazer aula, que entram numa turma pra poder
começar e iniciar a aula, eles não conhecem nada de música, eles não conhecem nada. Então, a
gente procura passar um pouco de teoria e aos poucos ir acrescentando as coisas né. Então, acho
que tem muita coisa boa né, que dá pra tirar muito proveito disso tudo né? E os alunos se
interessam, assim, é engraçado que você vê. Hoje mesmo você assistiu à aula e você viu aquele
pequenininho lá, há dois meses atrás o pequenininho não conseguia se concentrar, o Natan. Ele não
conseguia, ele não conseguia colocar na cabeça que ele tinha que ficar parado, ele tinha que
colocar o violino no ombro e ficar quieto no cantinho dele. Só que aos poucos ele vai percebendo
porque as ouras pessoas do lado vão fazendo isso e ele tem que colocar na cabeça e pensar que
realmente tem que ficar de uma forma pra conseguir tocar legal. E ele já está saindo, ele já tá
tocando, acho que isso.
5. Então, o incentivo do grupo é a grande vantagem?
É, a grande vantagem.
227

Além de aprender mais rápido, assim, no sentido que eles podem tocar num recital, em três,
quatro meses, porque cada um faz uma voz, ou então, tocando uma escala, ele já pode tocar
canções folclóricas em um grupo que tem aquela sonoridade maravilhosa, né. Então, isso é
um incentivo.
É, exato né. É diferente. Você tá com uma turma que tem vinte e cinco do que você tá sozinho com
o aluno, né. O aluno se sente motivado, ainda mais quando coloca peças com vozes diferentes, né.
Eles ficam assim : “Nossa que bonito!”. Eles acostumam a tocar só uníssono, que é uma voz só e
de repente eles se deparam com outras vozes, eles realmente sentem, eles se sentem, eles sentem
que estão numa Orquestra. Porque é uma Orquestra, sai e fala pro pai e pra mãe : “Mãe e Pai”
sabe? Isso incentiva eles, e a cada aula, eles querem fazer algo diferente, a cada aula eles se
concentram mais. Agora, por quê? Porque é o ensino em grupo. É diferente, bem diferente do que
ensino individual. Eu já dei aula individual, né. Mas eu acho que é isso daí.
6. E você trabalha com qual faixa etária aqui?
Olha a idade é de 8 a 18 anos. Isso é o projeto que colocou essa idade porque a gente tem que
trabalhar com crianças e adolescentes, né, a adolescência vai até os 18 anos. Agora tem a
Orquestra Paulista, que é a orquestra paralela que montaram, né, que tem já alguns alunos, se eu
não me engano, só seu eu tiver muito enganado, mas parece que tem alunos mais velhos, que
começaram a aprender no projeto, né. Então, montaram essa orquestra, pra quê? Pra dar
continuação ao trabalho deles. Porque às vezes, que nem tem alunos que não têm condições
nenhuma, né. De viajar,de viajar, de gastar né, não tem condições nenhuma. Então, eles montaram
estas orquestras aqui pra quê? Pra ser mais acessível né, pra todos os alunos que estão aqui, ao
redor, vir e fazer.
7. E essas turmas? Vocês misturam todas as faixas etárias? Ou vocês trabalham de 8 a 12, 14
e depois tem a turma de adolescentes, como é que é? Ou depende da disponibilidade?
É engraçado isso. A gente normalmente, que nem, música é um, é uma, é um ensino livre. Que
nem você vai em uma escola de música como um conservatório e você vê – inclusive eu quando
estudava, eu tinha um amigo que tinha 16 anos, eu era mais velho que ele, eu tinha um amigo de
16 anos e ele estava se formando primeiro que eu. O moleque tocava muito, né. Mas aqui acontece
isso, de você entrar numa sala de aula e deparar com crianças, de 8 a 10, e já adolescentes de 12
anos pra cima, né. Então, aí quando você senta você vê de frente com eles, as palavras que você
usa nem sempre tem que ser a mesma, né. Porque de repente com criança você usa mais
diminutivo, né. Agora com adolescentes, mesmo eles estando na mesma turma, se você usar esses
diminutivos, ele vai achar muito babaca, muito quadrado, muito careta, né. É a visão que eles tem.
Mas, é junto isso né. É misturado realmente. Mas aí vai assim. eu já. já chegou acontecer isso
comigo, eu chamar os mais velhos e falar : “Olha, eu, quando eu tiver falando: ‘Vamos tocar essa
notinha! Vamos tocar isso assim dessa forma. Olha o arquinho, toma cuidado!’ Vocês sabem que
não vai ser pra vocês”. Lógico, né. Porque quando eu falo eles dão risada, eles pulam, eles fazem
alguma coisa. Então, é isso daí. è junto realmente, não tem, não tem separação nenhuma, que nem,
você vê aqui na segunda turma, que é o pessoal que fica pra fazer ensaio com a orquestra, tem
pequenininho junto, lá, né. Mas o Dasso (?), quando ele chega, ele fala igual pra todo mundo, né.
A bronca quando a gente dá bronca, é igual pra todo mundo. Não tem diferença não.
8. E você atua no ensino coletivo só aqui, no Projeto Guri ?
É eu trabalho aqui, né.
E você trabalha em outros pólos, mas dentro do projeto?
É, dentro do projeto. Eu cheguei a trabalhar fora, também, no Conservatório em Sorocaba, ???
Julião, mas eu dei só, eu só comecei. Eu montei tudo lá, montei uma estrutura legal. Aí eu
consegui, eu peguei alguém pra colocar no meu lugar, né, pra dar continuação ao trabalho. E o
trabalho esta sendo feito até hoje, né.
Ah, que bom!
9. E a carga horária aqui ? São duas aulas? Qual que é a carga horária? De uma hora, de
uma hora e meia? Qual que é a carga horária?
É. A primeira turma, a primeira turma, de manhã no caso, pelo fato de ser, ser muito pequenos, né,
crianças, a gente tem a visão que é o seguinte: a criança, ela não tem paciência pra agüentar a ficar
sentada, fazendo aula, como tem um adolescente, né. Mesmo o adolescente, ele já reclama. Então,
228

a gente procura, a gente procura, fazer uma aula logo no início, dá o máximo de nós, e pedir o
máximo deles, no início que é a hora que eles se concentram mais. Porque depois de, de meia hora,
quarenta minutos, eles já tão bem dispersos já, não conseguem mais se concentrar, né. Então, mas,
normalmente, é uma hora a primeira turma, a segunda, a gente já puxou pra fazer uma hora e
quinze, né. E a tarde também funciona assim.
10. Luciano, o seu referencial teórico, então, o método que você aplica é o método do
Galindo, e quais são as outras fontes? Você tem arranjos próprios, onde você busca.
(Interrompendo) É, que nem, eu estudei, eu fiz composição, regência, então, a gente tenta se
esmerar em querer aproveitar isso, né. Normalmente, a gente usa o método do Galindo mesmo, né,
vai até o final dele. Dou aula no Pólo São Roque também, já cheguei no final do método e voltei
pro começo, de maneiras diferentes, assim, fazia, é estranho, mas é interessante pros alunos, para
eles terem reflexo, terem leitura boa, lia todas as peças, de trás pra frente, todas as peças, ao invés
de tocar as notas que estão escritas, dividir tipo colcheia, semicolcheia, fazer tudo, sabe, alternar
tudo, mudar tudo. E aí, quando tem peças de orquestras, ou quando a gente vai fazer alguma
audição, como você ouviu agora, eu ensaiando, o que a gente estava fazendo, tem arranjos,né. A
gente escreve, né. Eu escrevi um bem básico realmente, ali prá eles, mas a gente faz os arranjos,
são próprios nossos também. Só que aqui tem o maestro aqui, né. Eu, a Andréa, a gente dá aula
né, tudo que a gente faz chega no maestro e mostra pra ele, fala assim : “Maestro, passa isso pra
eles lá, dá uma olhada aí, pra vê se tá legal”. Se falar que tá, tudo bem, se ele falar assim : “Vamos
mudar aqui” e eu falo : “Então, mude, então!”. Se você acha que tem que mudar, então muda.
Então, muda você.
Mas é isso daí.
11. E na sua opinião, você acha que a pesquisa em ensino musical, em ensino coletivo vem
crescendo? Como você vê essa área da pesquisa em Educação Musical? E como você vê a
questão do ensino coletivo? Você acha que está crescendo a prática, as pessoas tem sido mais
receptivas, como é que você vê isso aí?
Olha, eu tô, eu acho que eu já disse isso a você, eu tô no projeto a quase cinco, seis anos já. Então,
quando eu entrei não sabia nada. Eu perdido completamente, então, com o tempo a gente vai
acostumando, vai pegando, né, e eu acho que isso acontece com os outros, com os outros
professores também. Hoje, hoje tem professores daquela época que eu entrei, que hoje eles atuam
muito bem, trabalham muito bem, né. E isso é importante pras crianças também. O ensino coletivo
pra eles ali é, como posso dizer, eles têm, assim, eles têm vontade de sair da casa de cada um e vir
prá cá fazer, vim fazer a aula e tudo. E, eu fugi um pouco de sua pergunta.
Não, assim, sobre a questão social ... Você acha que a pesquisa no ensino coletivo, com a
temática, vem aumentando? Você conhece além da dissertação do João Maurício, do
Enaldo, alguma outra? E sobre a questão mesmo do ensino coletivo, você acha que vem
crescendo em São Paulo ? Ou é só aqui no Guri, como é que você vê isso?
Não, não, isso vem, realmente vem crescendo assim. Eu tô há tempo aqui, você vê, você vê o
desenvolvimento assim, cada vez, cada vez tá indo pra melhor. Você vê os professores, eles se
empenhando, sabe, dando o máximo de cada um pra conseguir fazer um trabalho legal, pra
conseguir, sabe, que nem hoje aqui. Você vê que a gente trabalha, eu e a Andréia dentro de uma
sala de aula, isso faz render muito mais o trabalho, isso faz. O pessoal costuma falar que eu sou
bravo né, que eu sou o casca grossa daqui do pólo. A Andréia é mais calma, então, sempre têm
essa, essa coisa assim, todos alunos eles gostam. Porque às vezes eu brinco, faço uma palhaçada ou
outra, né. Mas eu acho que isso vem do tempo, do trabalho. Acho que quanto mais tempo o
professor tiver dentro do projeto, tiver trabalhando, melhor vai ser o rendimento dele.
12. Luciano, para finalizar nossa entrevista, nossa pequena entrevista, você tem alguma
consideração final, alguma sugestão a fazer sobre a pesquisa? Sobre a minha pesquisa, no
caso, alguma consideração final?
Eu achei muito legal. Você sair lá de Goiânia, vir aqui fazer tudo isso. Eu acho que é um trabalho
legal, pra mostrar para bastante gente. Porque esse projeto é só aqui em São Paulo. Então, não sei,
eu acho que você tinha comentado comigo que estão querendo levar pra lá, ou alguma coisa assim.
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É. A gente trabalha há dois anos e meio como o método Galindo. A gente trabalha com esse
método que vocês trabalham aqui, há dois anos e meio em Goiânia. Mas é só Cordas. Então,
a gente veio conhecer aqui.
Eu achei importante pra caramba, seria bom se todos as universidades, todos os estados pudessem
querer conhecer, tivesse essa idéia de montar uma tese assim. Parabéns.
Então tá. Então, muito obrigada Luciano.
Por nada.
Até mais!

Entrevista nº3 : MARCELO BRAZIL


Local : São Paulo-SP
Data : 21.05.02
Horário : 13 h

1. Marcelo, Boa tarde! Eu gostaria de iniciar a entrevista perguntado : como se deu seu
primeiro contato com a música? Como você começou a estudar violão?
Eu tive contato com violão, principalmente, com meus irmãos mais velhos. Os dois tocam violão e
eu, apesar de não ter passado a minha infância toda com eles, eu morei aqui em São Paulo até os
nove anos de idade e convivi com meus dois irmãos que tocavam violão. Apesar de que os dois
eram canhotos. Então, eu nunca pude experimentar o violão deles porque o violão deles era de
cordas trocadas para mim. E depois, eu fui morar na Paraíba, e lá que eu comecei a estudar mesmo.
Mas a minha primeira iniciação musical foi com o meu irmão, que até hoje foi o meu incentivador,
meu irmão mais velho. Que sempre me mostrava discos, me mostrava as coisas, ele que me levou
pra frente.
2. E qual que é a sua formação musical? Você falou que iniciou seus estudos na Paraíba, e
qual é assua formação, depois disso o quê que você estudou?
Eu lá, aos quinze anos comecei a estudar violão. Comecei com um colega de escola que me
ensinou algumas coisas, depois eu comecei a fazer aulas. Mas eu trabalhava em outra área, eu fazia
curso técnico, era técnico em eletrônica, e depois fui morar em Recife, e estudando Engenharia, e aí
uma hora me deu na telha assim, eu disse : “Ah, vou começar a estudar música”. Aí, comecei a
estudar em um Conservatório em Olinda, né, fazia aula de violão, e tal. E aos vinte e cinco anos eu
entrei na Licenciatura em Música, na Universidade Federal, na época eu desencanei de Engenharia,
de tudo e disse : “Vou estudar música”, entrei na Federal. Aí fiz os cinco anos de Licenciatura lá, e
vim embora prá São Paulo, tentar fazer Pós-graduação, essas coisas. E aqui eu entrei com a
intenção de fazer Mestrado, mas cheguei aqui tive dificuldade de entrar direto no mestrado aqui. Aí
entrei na UNESP, comecei a fazer Composição e Regência. Fiz três anos de Composição e
Regência na UNESP. E aí, entrei no mestrado agora, meu mestrado é em Musicologia, vou estudar
a obra do Baden Powell. Fora isso, aqui em São Paulo, eu estudei na ULM, eu fiz Violão Popular
na ULM, estudei eu acho que uns três a quatro anos na ULM, aí parei agora porque entrei no
mestrado, aí eu tive que parar.
3. E quando se deu esse interesse em ensinar através do ensino coletivo? Como surgiu esse
contato com o ensino coletivo?
Eu dava aula já no Projeto Guri em 98. Mas eu dava aula de Canto Coral. Fiz formação, estudei,
cantei em coral, fiz um monte de coisa e dava aula no coral infantil. E o pessoal da coordenação
sabia que eu tocava violão e estavam precisando de professor de violão no pólo aqui. E aí eu fui.
Não sabia que era aula em grupo, não sabia como era e cheguei lá e me deparei com uma turma, e
disse : “não vou ter que fazer alguma coisa né”. E diante daquela situação eu comecei a criar, eu
comecei a experimentar um monte de coisas e algumas coisas deram certo, algumas coisas não
deram certo, a gente vai experimentando né. Comecei a escrever arranjos, já em 98, tem arranjos
que eu toco até hoje, aquele é um arranjo de 98. E algumas coisas que eu aprendi lá e de lá pra cá
sempre trabalhei muito com aula em grupo.
4. E quais são as vantagens de se trabalhar com o ensino coletivo? E se existe alguma
desvantagem? Fale sobre isso.
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Olha eu não vejo desvantagem nenhuma. Eu vejo assim : eu dou aula individual também, eu
trabalho numa outra escola. E assim, o aproveitamento, o rendimento dos alunos é muito superior.
As grandes vantagens que eu vejo, é assim : o estímulo, porque um trabalho em grupo é muito mais
interessante, eu tenho pouquíssimo problema de disciplina, porque vêm as pessoas que estão
realmente estão interessadas, as que não estão interessadas não vem. Eles criam uma amizade
muito grande, vira uma turma mesmo, de amigos, né. O fato de um ver o outro desenvolvendo, ele
se estimula para aprender, ele troca experiências com os amigos. então assim, ás vezes o que um
aluno fala, um colega dele fala : “ah, eu vi uma música de tal pessoa é muito mais, talvez chame
mais a atenção do colega do que se eu falasse. Chegasse e :“Olha vamos ouvir Hermeto Pascoal,
vamos ouvir Egberto Gismonti” , pra eles talvez, não significasse nada. mas chega um colega :
“Ah eu ouvi uma música de tal e tal”. Aí o cara : “Pô deve ser legal”. è uma outra referência né.
Tem isso do desenvolvimento, do interesse, e eu acho que eles criam uma prática que eles levam
pra vida. Assim, tocar em grupo, fazer uma rodinha de violão. É um instrumento muito popular no
Brasil. Então é fácil de fazer o menino tocar, e toca muito o quê ele quer. Instrumentos de Cordas
às vezes têm essa dificuldade, ele toca algumas coisas que ele não conhece né, e o violão ele
consegue tocar o repertório que ele gosta, seja axé, pagode, ele sai tocando né. Ele consegue
perceber que isso, que essa parte do instrumento pode ser aplicada de qualquer forma. E isso na
prática de grupo é muito mais fácil. E assim, uma outra coisa que eu gosto de sempre ressaltar é
que sempre a gente consegue fazer a música chegar no fim. Porque sempre alguém vai conseguir
tocar até o fim né. Quando a gente está no aluno individual, ele fica naquele, ele erra, pára ou você
toca junto com ele e aí né. E eu aqui, inclusive, na aula, os meninos até comentam, acham
engraçado, porque eu não toco prá eles. Eu dificilmente preciso toca porque sempre tem alguém
que consegue mostrar. Então se tem algum exemplo, o próprio colega dá o exemplo pra ele. Muda
de lugar, põe, senta ele do lado dele. Então, não fico naquela deu mostrar, que é uma coisa, que é
uma experiência que eu vivi. Eu via meu professor tocando e achava que ele tocava aquilo porque
tinha estuda quinze anos a mais do que eu, que eu nunca ia conseguir fazer aquilo, o colega tocando
é outra coisa.
É outra coisa.
5. E Marcelo, nesta metodologia que você desenvolveu através do ensino coletivo, qual, você
tem algum referencial teórico? Algum método que você se espelhou ou algumas coletâneas...
Olha, método na verdade, eu não, não achei nenhum que me desse suporte aqui. Mas eu sempre
segui por dois caminhos. Na verdade por três caminhos: a leitura por partitura, sempre aliada à
prática do instrumento, sempre. Desde a primeira notinha, ele toca junto, até ele se conscientizar de
que aquilo que ele tá vendo, é o que ele tá tocando. E ainda assim, é difícil. Eles lêem a partitura, lê
a nota : “Ah, isso é dó, isso é ré”, mas olha para o instrumento e não sabe aonde tá. E sempre
paralelo a isso, a parte de harmonia funcional, sempre. Desde o começo, entender o quê é cifra,
entender o que é um dó maior, entender o que é um ré. E evoluindo um pouco o trabalho, eu
sempre faço com que eles descubram os acordes no violão né. Não fico eu, desenhando o tempo
todo, dizendo né. Se é um acorde de lá, e às vezes ele quer fazer um lá com sétima, eu digo : “Põe
um sol aí” e se virá, dá um jeito, até eles descobrem uma maneira de montar um acorde e aprendem
desta forma, não esquecem. Se a gente for lá e colocar o dedo dele lá, ele vai esquecer, ele tira a
mão e não sabe mais. E uma outra coisa que eu gosto de fazer, mas isso desde o começo, é fazer
com que eles entendam como funciona o violão. É engraçado que eu dou aula, às vezes, pra
pessoas mais antigas assim, (...?) né, e quando eu mostro pra ele assim, que o mesmo acorde, fá e
fá# são iguais, os caras ficam olhando para a minha cara e dizem : “Nossa, eu toco violão há dez
anos e ninguém nunca me falou isso” né. E eu faço eles descobrirem isso, que é o grande, grande
recurso que o instrumento têm, ele vai contra todas as regras de harmonia, porque é de um
paralelismo absurdo né, mas é o recurso do instrumento, então se ninguém aprende a fazer o fá, ele
aprende a fazer todos os acordes maiores, menores, com sétima e aí (...?). E diz : “Não, vamos
fazer um dicionário de acorde?”. Não precisa. Se você entende o instrumento, você toca. Você se
vira, você sabe onde é o sol, você sabe onde é o sol sustenido, né? É um mecanismo. Eu até brinco
assim, eu digo : “Engraçado, vocês compram um teclado e fica lendo o manual três dias até
aprender mexer em tudo. O violão também, tem que aprender como é que funciona, tem que
apertar, tem que, é a lógica do instrumento”.
231

6. E Marcelo, e as turmas aqui de ensino coletivo, que você trabalha no Projeto Guri, qual
que é a carga horária semanal?
Olha, as turmas iniciantes, eu tenho, assim, são duas vezes na semana, tem turmas que tem aulas de
uma hora e quinze, tem turmas que tem aula de uma hora nesses dois dias, com exceção da turma
mais avançada, que além dessa uma hora de aula, eles tem o ensaio, né. e aí, como são dois dias na
semana, um dia de ensaio geralmente é uma hora e meia, eles tocam com a orquestra e dia de
ensaio, eles ficam aqui fazendo a Camerata. Mas duas vezes na semana.
Então, no total, mais ou menos, duas horas e meia.
Mais ou menos. O pessoal da Camerata é isso mesmo, têm cinco horas de aula.
Ai que bom!
E eu acho inclusive que isso é um reforço muito grande no aprendizado. Você não cria uma
distância tão grande. Não é que o menino não estude, a gente sabe que hoje em dia você pega um
adolescente, ele tem trabalho de escola, tem não sei quê, não sei quê. Então, eu até brinco assim, se
não estudar em casa, pelo menos duas vezes por semana eu sei que ele vai ficar aqui, que ele vai
tocar um pouquinho né, e vai levando pra frente.
7. E além daqui, você trabalhou em outro lugar com o ensino coletivo ou a sua experiência é
só aqui?
De ensino coletivo de violão, só aqui. Já trabalhei em outros projetos sociais e dou aula individual.
Já trabalhei com canto coletivo, né, mas de violão, só no Projeto Guri.
8. Você está começando o mestrado, então eu gostaria de saber se você acha que a pesquisa, se
você tem notícia na USP...
(Interrompendo) Na UNESP
na UNESP da pesquisa na área do ensino coletivo? Você acha que vem crescendo o interesse
dos professores e conseqüentemente o interesse da pesquisa nessa área?
Olha, eu acho que sim. Na minha turma da UNESP não tem ninguém que tenha problema com
pesquisa nesta área. Mas eu vejo um crescimento nesta área de ensino coletivo. Eu não consegui,
ainda, encontrar uma maneira de fazer isso em escola particular de música. Embora na nossa
cabeça, seja interessante financeiramente, né. Mas perde uma grande mágica da coisa que é o não
ser obrigado a fazer. Eu acho que aqui, por exemplo, funciona porque o aluno vem se ele quer, no
dia que ele não quer mais ele não vem, né. Se você pegar uma turma em escola que o pai leva o
menino, enfia lá na sala de aula, mesmo que seja em grupo, seja turma vai ter aquele que não quer
fazer aula né. E as escolas, elas, as escolas particulares, elas também ficam receosas de criar este
tipo de mecanismo né, porque de repente, vão dizer que eles estão querendo ganhar dinheiro fácil,
que o ensino não é assim, tem as pessoas mais tradicionais que dizem : “Imagina, vocês estão
enrolando todo mundo”. E a gente sabe que não é.
No caso, precisa de um investimento maior, né. No violão nem tanto, porque o violão é um
instrumento mais acessível. Mas outros instrumentos precisam de uma estrutura que ás vezes
a escola particular não está muito interessada em gastar...
E tem outro problema né, uma escola que o pai tá pagando, a família tá lá, fazendo um esforço, de
repente o menino não vai pra frente, e você de repente não tem com explicar para o pai que ele
aprendeu menos que o outro. Ele pensa : “Pôxa, mas ele está a um ano, todos os colegas dele agora
tão tocando, porque que ele não toca? O meu filho tem que ficar naquela turma”. Cria esse
problema que a gente não tem como dizer pro cara isso. “Não eu tô pagando, ele tem que ficar aí” ,
não tem como tirar,aí fica difícil.
É complicado.
Aqui é assim : a gente tem essa possibilidade, “Não esse ano ele ainda tá no começo, a gente vai
deixar ele na primeira turma”, nunca tive qualquer problema com isso, pra mim, isso é tranqüilo.
9. E pra finalizar Marcelo, você tem alguma consideração a fazer sobre o ensino coletivo?
Alguma sugestão?
Olha, eu sou um defensor assim, ferrenho do ensino coletivo, né. Eu acho que ele tem que ser
aplicado a tudo, tem que ser levado pras universidades, mesmo que vá entrar pras práticas de
conjunto das universidades. Eu quando estudava na UNESP era muito fraco isso, né. E instrumento
se aprende tocando, né. E na maioria, na grande maioria das vezes a gente vai tocar em grupo, não
232

tem jeito. Se é instrumento de orquestra, você vai tocar numa orquestra, se é instrumento popular
ele acaba tocando dentro de um grupo.
(Interrupção - a fita acabou)
Então Marcelo pra finalizar, você tem alguma consideração a fazer sobre ensino coletivo?
Alguma sugestão?
Bom, vou repetir (risos).
É, repete (risos).
A minha resposta, eu acho que tem que ser levado a diante, tem que ser aplicado, tem que ser
embasado isso, pra mostrar pras pessoas que funciona. as pessoas, na maioria das vezes, não
acreditam que possa funcionar esse tipo de coisa. E ser levado pras universidades, pras escolas
públicas. Inclusive é uma prática musical que poderia ser feita nas escolas. Eu inclusive vejo nas
escolas particulares que tem aula de música, é muito pobre o ensino de música nas escolas, então,
poderia ser muito rico, né. O máximo que eles fazem é uma aula de flauta doce, ou coisa assim, que
eu até tenho algumas críticas, porque eu acho que é um instrumento que não reflete a realidade da
música brasileira, não reflete a cultura brasileira, não existe repertório brasileiro sobre isso, não
estimula o aluno a ir pra casa dele e tocar flauta doce no meio da família dele. Tem tantos
instrumentos que são até fáceis de se conseguir, aqueles que não tem um violão na família, um
cavaquinho, um pandeiro ou qualquer coisa e formar grupos de instrumentos, que sejam populares,
que possibilite o aluno tocar isso. Então, eu acredito plenamente no ensino coletivo, acho que tem
que ser estudado, tem que ser levado pra frente.
E até mesmo pra democratizar o acesso a educação musical, né?
Lógico, você tem, aqui eu tenho oitenta e cinco alunos, né. Então, eu tô possibilitando o acesso a
uma aula de música pra oitenta e cinco crianças, né, num dia só eles tem oitenta e cinco crianças
que passam por aqui. Então, se eu tivesse dando aula particular eu ia dar aula pra meia dúzia, né?
É.
Então, é uma gama de alcance (interrupção, entrevista encerrada).

Entrevista nº4 : CARMEN BORBA


Local : São Paulo-SP
Data : 23.05.2002
Horário : 10 h

1. Carmen, eu gostaria de saber primeiramente, como se deu seu primeiro contato com a
música? Como você começou a estudar música?
Bom, primeiramente, foi através de um concerto que assisti no Teatro Municipal, há muito tempo
atrás eu vi o Antônio Jonigro tocando violoncelo e fiquei assim fascinada com o som do
instrumento. Eu era muito pequena e minha mãe nem queria saber daquela história e eu acabei
estudando violão porque tinha violão em casa e daí, acabei fazendo violão erudito e mais tarde
quando eu tinha condições, eu acabei estudando violoncelo. Foi através daí que eu acabei
envolvendo completamente na música.
2. E qual é a sua formação? Você chegou a cursar universidade?
Eu fiz faculdade, fiz bacharelado em violão, na realidade. Daí, estudei na Escola Municipal de
Música aqui, que é uma escola da Prefeitura de São Paulo. Os professores são, em geral, o pessoal
que toca na Sinfônica né. Então, é uma excelente escola e também não é uma escola cara, então,
facilitou muito, uma vez que instrumento é muito caro, material, manter o instrumento, então eu
estudei o violoncelo ali, na Escola Municipal de Música. E na Faculdade eu fiz o trabalho com
percussão, com o núcleo de percussão, cantei em coral muito tempo, fiz o estágio com uma
professora que dava o Método Orff de musicalização para criança né. Então, eu transitei meio
assim, com várias áreas, assim, musicais.
3. E como é que surgiu o seu interesse pelo ensino coletivo ?
Ah, foi o seguinte : eu trabalho na Fundação de São Caetano, era professora lá, e lá nós temos, nós
tínhamos um quarteto de cordas. E o professor Enaldo Oliveira fazia parte deste quarteto e quando
ele foi abrir os pólos lá, ele me convidou para fazer parte. Então, ele me ensinou a maneira com ele
faz o ensino coletivo e eu fiquei encantada por ver o resultado. Isso me impressionou muito, a
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rapidez com que a criançada conseguia tocar, tão diferente daqueles alunos, eu só dava aula
particular até então não é. E eu fiquei muito interessada e daí eu li a tese dele e daí prá cá eu tô cada
vez mais envolvida nesta coisa.
4. E faz quanto tempo que você está no ensino coletivo? Desde (...)
(Interrompendo) Desde quer ver, faz uns quatro anos. Mais ou menos uns quatro anos. Quatro ou
cinco anos que eu estou no ensino coletivo.
5. E fale um pouquinho da sua experiência como professora no Projeto Guri, no ensino
coletivo? E ainda : quais as vantagens do ensino coletivo em relação ao ensino individual?
Eu acho que o ensino coletivo, primeiro, é muito mais lúdico. Uma turma inteira, existe uma troca
de energia de idéias que é muito maior do que numa aula individual. Você está conduzindo pra uma
música o estudo, também é muito mais interessante, eu acho, né. Você não fica só em cima daquela
coisa técnica no começo, e o grupo acaba eliminando aquele som feio do começo, e a outra coisa
que eu vejo é o cara olha do lado e não tá conseguindo e vê que não é uma coisa dele. Que vários
ali não estão conseguindo, e que outros conseguiram, o colega acaba conseguindo, daí ele descobre
que ele também pode conseguir. Existe uma competitividade, assim, boa, exatamente, no sentido de
instrutivo. E é muito rápido, eu acho. Essa é a coisa mais fantástica que logo, logo, eles conseguem
tocar alguma coisa, isso é muito legal, viu. No olho da criança, quando ela consegue acertar todas
as notas, e brilha o olho, ele não precisa nem dizer, porque eu sei que ele conseguiu. E no começo
eu vejo, que a gente trabalha com criança, baixa renda, baixa auto-estima, né, eu vejo que no
começo eles dizem que não conseguem, não sei, “Ah, é muito difícil!” e isso no decorrer do ensino
vai se transformando, né. Eles acabam pedindo pra você passar mais uma vez, que ele ainda não
conseguiu. Ele tem a absoluta certeza que se passar de novo ele vai conseguir. Isso é muito legal.
Isso aí eu acho que é o mais importante pra mim.
6. E você, nesse início, você vê alguma desvantagem no ensino coletivo ou você só vê
vantagens?
Não, o problema é, eu acho assim, depois de um período você tem que encaminhar as crianças pra
uma aula individual. Eu acho que depois de uns dois anos, você de certa forma esgota aquela coisa
que pode ser feita junto, você precisa começar a burilar e a aprimorar, não é. Daí precisaria ter o
encaminhamento, certo? Aqui quando acontece isso no Projeto Guri, a gente de certa forma, as
pessoas que se interessam, porque muitas crianças acabam saindo e tudo, o que foi acrescentado a
elas, ninguém vai tirar. Isso aí é muito legal. Mas a gente procura mandar para a ULM, a gente aqui
tem um, de certa forma consegue. Já se conseguiu instrumentos pra quem não pode comprar,
porque a gente trabalha numa faixa muitas vezes de muita baixa renda, é complicado isso. Mas eu
não vejo tanta desvantagem assim. Acho bem legal.
7. Carmen, você atua com ensino coletivo aqui no Projeto Guri, só aqui você atua?
É, só aqui no Projeto Guri.
8. E a carga horária aqui? Como é que é dividida as aulas? São duas vezes por semana? Qual
é a carga horária semanal?
Todo pólo que eu trabalhei são dois dias por semana, cada turma mais ou menos uma hora e meia.
Tem lugares que a gente tem instituições que dão problema do ajuste interno com os horários deles,
tem alguns projetos que a gente tem aula de uma hora e quinze, né. Mas em geral é uma hora e
meia semanal só e tem sempre um ensaio de Orquestra, que a gente chama, que trabalha mais uma
hora, uma hora e meia dependendo do pólo.
9. E Carmen sobre as turmas, geralmente, qual que é o número de alunos? A quantidade de
alunos por turma depende de cada pólo, da procura, mas geralmente qual é a quantidade?
O padrão é de uns quatorze violinos, três violas, três cellos e um contrabaixo. Têm pólo que não
tem contrabaixo ainda, porque tem crianças muito pequenas. O pólo que eu trabalho lá na Casa da
Solidariedade foi um pólo que tinha muitas crianças e eu tinha mais crianças na sala, não é. Quando
eu juntava as minhas turmas eu tinha uns vinte e três violinos mais ou menos lá. O ensaio da
Orquestra seria maior né. Mas normalmente é isso, quatorze violinos, três violas...
10. E sobre as pesquisas? Você disse que leu a dissertação do Enaldo, né? Além da pesquisa
do Enaldo, você conhece outra pesquisa que trata do ensino coletivo?
Eu li alguns artigos né. Mas não peguei.
Tem a do Galindo também.
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Do Galindo eu não li ainda.


Que é adotado aqui.
Do Galindo também eu só pela instrução dele, eu fiz cursos com ele também né. Mas só na tradição
oral, só nesse sentido aí. Não li ainda, mas eu preciso ler a tese dele.
11. E Carmen, como você o ensino coletivo no futuro? Assim, você acredita que é um campo
que está crescendo e que é importante até mesmo pra democratizar o ensino de música, pra
tirar as crianças da rua como vocês fazem aqui no Guri. Como é que você vê esse campo de
atuação para o professor de música?
Eu tô vendo que tá crescendo sim, né. Mesmo lá em São Caetano, onde eu trabalho, que é uma
fundação, a gente tem adotado esse esquema. Porque a gente tem assim, quatro, três, quatro
professores, e de repente a gente tem uma lista assim de quarenta crianças inscritas pra fazer
violino e você tem duas vagas pra oferecer. Então, em função disso, nós resolvemos trabalhar com
também lá, a classe de cello não tem porque são pequenos, ainda não tem a procura é bem menor,
dá pra gente cobrir ainda. Mas de violinos, que nós temos assim número de procura, a gente acabou
implantando esse esquema de ensino coletivo, né. E daí, vai selecionando naturalmente o pessoal
que vai se desenvolvendo, e que você sente que realmente quer, daí vai distribuindo essas vagas
que estão sobrando. Então, eu acho que o futuro do ensino musical vai ser nessa base mesmo.
Porque essa coisa de você ter um professor pra um aluno é muito cara, não é. Em função, inclusive,
da questão econômica mundial, não é. então, eu acho que o ensino coletivo é uma maneira de você
criar bons ouvintes, você trabalha a audição destas crianças né, e mesmo numa classe muito grande
muita gente não segue, não vai seguir. Então é só (...)
(Interrompendo) faz parte da formação.
Da formação, exatamente. E você cria bons ouvintes né, exigentes também e eu acho que
naturalmente você acaba selecionando e você elimina essa problemática inicial do custo de um
professor pra um aluno, né. Outro dia eu estava conversando com a professora Marília Pilli (?), não
ser se você conhece, ela é da área de História da Música, ela é uma pessoa muito entendida, ela
acha que o futuro mundial do ensino vai ser na base do coletivo. Só uma pessoa muito especial,
inclusive ela acha que esse pessoal que toca em Orquestra vai ser um trabalho mais ou menos
coletivo que vai ser feito. E só esses grandes solistas é que vão sair pro ensino particularizado e
mais refinado, não é, mais burilado, vamos dizer assim. Ela acha que é isso e de certa forma eu
concordo com ela que existe um caminho pra isso aí, né. está sendo adotado no mundo inteiro o
ensino coletivo, ainda que muita gente fale, “Não funciona” (risos). A pessoa que fala que não
funciona, é uma pessoa que nunca viu, nunca ouviu.
Nem testou, nem leu sobre.
É, exatamente.
12. E Carmen, pra finalizar essa nossa pequena entrevista, quais as considerações finais que
você tem a fazer sobre a sua experiência com ensino coletivo mais uma vez e se sugestão pra
gente, pra nossa pesquisa?
Olha foi uma das coisas mais gratificantes que eu fiz na área musical, certo. Eu adoro tocar no meu
quarteto, mas na hora, na área de ensino, isso aí realmente mudou minha cabeça, abriu muito a
minha cabeça. Eu tô adorando o Projeto Guri porque trabalha também esse lado social que eu acho
super importante. Eu tô vendo o benefício que faz pra essas crianças. A única coisa que eu acho
que devia ter, e que se devia começar numa faixa etária menor, fazendo musicalização porque lá na
casa aonde eu pego as crianças, as crianças de sete anos, eles começam com Côro e Flauta. Quando
eles passam por violino, é assim, eles já, quando eles descobrem o esquema, entendem o esquema
do instrumento, eles já começam a transportar tudo que eles aprenderam pro instrumento, então, é
muito legal, muito legal. Então, eu acho que isso faz falta. A gente, acho que poderia ser ainda mais
rápido se por exemplo começasse, depois desse período essas crianças, seria muito mais
interessante. E tivesse uma coisa mais, também concreta, pra continuação do pessoal que cresce
dentro do projeto. Porque às vezes eles ficam meio...
Eles saem com dezoito anos.
Exatamente, eles ficam fora numa época que eles querem tocar.
Querem tocar.
Exatamente.
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Então tá, Carmen. Muito obrigada pela hospitalidade aqui, eu visitei esse pólo essa semana, e
gostei muito do trabalho de vocês e muito obrigada pelo carinho e atenção. Tá bom?
Muito obrigada você (risos).

Entrevista nº5 : JOSÉ ALÍPIO DE OLIVEIRA MARTINS


Local : Salvador-BA
Data : 27.05.2002
Horário : 13 h

1. Alípio, Boa Tarde! Primeiramente eu gostaria de começar a entrevista perguntando como


se deu seu primeiro contato com a música? Como surgiu o interesse de tocar um
instrumento?
Na verdade eu comecei a tocar, criar interesse em escola mesmo, na escola onde eu estudava. De
primeiro grau né. Então, na 6ª série, mais ou menos, eu conheci um conjunto musical que tinha na
escola, que fazia baile né, e tinha uma banda marcial. Então, as possibilidades eram o quê?
Começar aonde desse oportunidade. Eu comecei tocando percussão na Banda Marcial. Depois
comecei a me interessar por violão, aí fui tocar guitarra nesse conjunto posteriormente. Voltei a
morar no interior, porque minha turma é oriunda do interior, comecei a participar de Bandas,
participando de bandas, não perdi também o contato com o violão. E fiquei tocando trompa,
percussão, bombardino, trombone e retornei a Salvador, fiz um curso de violão, chamado de violão
clássico né, daí então, para me aprofundar mais com a banda voltei para o interior novamente, essa
ida e vinda. Com retorno ao interior, eu mexia já com alguns instrumentos, aí veio aquele papo :
“Ah, você é maestro. Já toca muitos instrumentos” e tal. Aí, eu passei a pensar nisso, né, e já dava
aula e tal no interior. E aí fui fazer universidade de Regência. Fiz o curso de Regência e no meio do
caminho vi que a minha mesmo era trabalhar com a Educação Musical, ensinando música com o
instrumento de banda. Entrei em alguns projetos né, que já desenvolvo aqui em Salvador, e tô
caminhando.
2. Então, como surgiu então, esse interesse pelo ensino coletivo em sopros e em cordas? Foi a
partir desse contato?
Eu acho que na verdade ensinar música é até mais agradável quando a gente tem uma turma mista,
eclética, com vários instrumentos, é mais gostoso para o professor. E quando você já tem essa
habilidade ou você constrói essa habilidade, que você pega a dificuldade de cada instrumento,
começa a buscar caminhos que facilite esse aprendizado, eu acho que aí, a coisa se torna gostosa de
se trabalhar, eu acho que meu interesse maior foi justamente obtendo essa facilidade né, de
contornar, de encontrar uma ponte, entre um instrumento e outro e tal. É uma coisa, no início sem
metodologia, sem nada né, e depois com o conhecimento que existe métodos pra esse trabalho, aí
interesse foi bem maior.
3. E qual, você está falando dos métodos, qual que é o seu referencial teórico? Quais métodos
você utiliza nesse projeto de sopros?
Há cinco anos atrás, eu conheci o método do professor Joel Barbosa, que na verdade é uma Tese de
Doutorado do professor, baseado no que hoje é feito nos Estados Unidos, no Japão, na Alemanha,
em cima do ensino coletivo de bandas. Com a chegada dele aqui a Salvador, eu comecei a
participar de cursos né, que ele promovia e montamos uma banda trabalhando esse método. Mas a
frente um pouquinho, eu montei esse mesmo trabalho, agora já inserido no currículo escolar, na
escola particular aqui em Salvador. Aí comecei a trabalhar esse método. Mas vejo que existia
possibilidades diferentes dentro desse mesmo método e essas possibilidades eram apresentados em
outros métodos e eu comecei trabalhar com um método americano chamado Essencial Elements .
Esse método tem uma questão de intervalos que trabalham alguns instrumentos diferentes do
método do professor Joel. Tipo a trompa começa com uma nota diferente do que é a proposta dele,
mas trabalha todo mundo em uníssono, na verdade, e não é a proposta dele que é em quintas e tal.
4. E Alípio, eu queria saber : além de você trabalhar aqui na Escola Adventista, você atuou
em outros lugares?
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Eu tô em vários lugares, Graças á Deus. Eu trabalho aqui na Escola Adventista e na Universidade


Adventista no interior da Bahia. Trabalho no projeto com o professor Joel, que já, vamos fazer
cinco anos já juntos, nos Alagados, que é uma região da periferia de s Orquestras Filarmônicas que
a gente segue, pela Bahia toda, promovendo cursos né, reciclando os professores de banda e tal.
5. E a faixa etária trabalhada? Nesses grupos que você trabalha, qual que é a faixa etária?
Aqui na Escola Adventista, nós temos de 5ª ao 1º ano do Ensino Médio, né. Então na 5ª série os
meninos geralmente estão com onze anos. Então vamos botar aí o mais novo, dez anos e dezesseis
anos. No projeto dos Alagados nós começamos com a proposta de dez a quatorze anos. Hoje os
meninos já estão com, os meninos que começaram com quatorze, estão com dezoito, dezenove e
continuam no projeto, aí nós não tiramos do projeto por isso e por aquilo. Então fica em torno de,
vamos pensar assim de onze a dezenove, vinte anos, né. Nesse pessoal todo trabalhado né.
Então você não trabalha ainda com crianças menores de dez? Assim seis, sete, oito aninhos,
né? E não trabalha co a faixa etária mais avançada, mais a juventude né?
Essa turma avançada o trabalho já é com as bandas mesmo, com eu falei, no interior. Já tem suas
bandas montadas, tem até senhores que tocam né. Agora dentro dessa metodologia, dentro desse
processo, inclusive dentro dessa metodologia, o quê que eu tenho visto? A proposta inicial do
professor Joel, de dez a quatorze anos com o método coletivo e ele trabalha canções folclóricas e
tal, canções de várias regiões né. No início praticamente tudo uníssono com intervalo de quintas,
mais pra frente distribui com, o arranjo já com jeito de banda mesmo e no final, tem alguns
arranjos, algumas composições, mas trabalhando basicamente música brasileira. Os meninos de
quatorze anos hoje, não querem mais tocar, né. Então, o que a gente faz? Tem que ou começar
fazendo arranjo, que é muito escasso o material pra banda, pra esse período, essa faixa etária, mas
tem que colocar assim, temas de filmes, o que tá acontecendo no momento, né, o que quê eles
ouvem na televisão, alguma coisinha que sustente essa visão da galera adolescente né. Porque se
ficar tocando Ciranda, Cirandinha, tal, eles não querem mais. E até porque se pegar o método
mesmo, não vai dar mais do que um ano, você pega um método que dá pra fazer em um ano.
6. E a carga horária dessas aulas? Aqui na Escola Adventista é quanto tempo?
Aqui são cinqüenta minutos né. As aulas são germinadas, são juntas né, aí ficam essas duas aulas
juntas, que é um problema também. O menino só teria contato no caso, uma vez por semana com o
instrumento. Eles não levam o instrumento pra casa. Aí eu crio a possibilidade, analiso quem tem
Educação Física no período oposto, ou natação ou outro esporte que eles fazem, combino com os
pais, combino com a coordenação e aí, pego esses meninos pra fazer um trabalho, nem que seja
individual, para eles ter um maior contato. Aqui como eles têm no dia de sexta-feira o período
menor de aulas, as dez e meia às doze horas, ao meio-dia, eu promovo um grande encontro aí, com
os melhores da semana pra fazer o ensaio geral. E a mesma coisa acontece no período da tarde.
Tem que ser uma manobra porque eles não têm instrumentos, a maioria não tem instrumentos, não
pode levar os instrumentos pra casa e tal.
Isso. Então, a escola que cede os instrumentos para eles?
É. Aí tem que ser na escola mesmo. A gente sabendo que um contato só não funciona, não vai ter,
não vai ter, não tem mágica né, aí é preciso promover esses encontros individuais, ou pequenos
grupos né.
7. E Alípio, em relação à, quais a vantagens que você vê do método do ensino coletivo de
instrumento em relação ao ensino individual?
Eu vejo que (interrupção).
Então, quais são as vantagens do ensino coletivo em relação ao ensino individual de
instrumento?
O ensino coletivo entusiasma mais os alunos e até os professores. Vamos supor que você pegue o
pique de trabalhar em grupo né, tem que dominar a classe, aquele papo todo, mas a aula se torna
mais gostosa, pra eles, o aprendizado é isso, pela comparação do aluno que faz, sempre tem alguém
que faz com mais facilidade, o outro já ouve, repete, tem aquela ajuda mútua né. E aí a musiquinha
sai diferente, os instrumentos também participam já na sua independência depois de certo
período,né, na sua função exatamente. A tuba já faz papel de tuba, o trompete é o solista, isso e
aquilo, aí começa esse trabalho é muito gostoso. A vantagem eu vejo é que é um trabalho que
aparentemente confuso, assim pra ser moldado porque você tem que combinar arranjos que facilite
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no geral né, mas depois a coisa começa se tornar fácil. E não é cansativo como você pegar um
aluno por aluno né, tentar resolver todos os problemas e não dá. Aí resolve um probleminha aqui, o
restante da música vai ser construído, eu acho que eles pegam mais coisas, é muito mais contagioso
né.
8. E você vê alguma desvantagem a princípio, ou não?
É, aí tem que ter alguns critérios a gente tem que estabelecer, principalmente questões técnicas né.
Tem que tá bem atento pra que não, a gente não ache que um probleminha acumulado não possa
trazer milhões de problemas. Tipo postura de como se tocar um instrumento, o professor tem que
estar bem atento. Eu tenho visto alguns professores ligados às bandas no interior que eu ando
dando assessoria, o pessoal vai deixando o trompete mal colocado, a postura dos meninos, o cara
cansa de ficar chamando a atenção, de repente isso vai ficando normal e a pessoa acaba não tendo
êxito futuro no instrumento por causa da observação do mestre da banda, né. Então, o professor
deve estar bem atento, ter critério mesmo, estar seguro, da técnica de cada instrumento, pra não dar
bobeira, né. Eu vejo que às vezes individual, a pessoa pára mais pra observar o aluno, e não deve
esquecer desse ponto.
9. E aqui na sua aula de sopros, quais instrumentos que você utiliza?
Nós temos uma banda completa né. Temos flauta, oboé, fagote, todos os saxofones, o alto, o tenor,
o barítono, depois temos os trompetes, trompas, trompa profissional, trompa em fá. Os
instrumentos aqui, graças a Deus, são todos bons, instrumentos importados de alta qualidade né.
Temos bombardino, trompas como eu falei, bombardino, tuba, clarinetas, clarineta alto que é um
instrumento raro, clarone, tudo aqui, a banda sinfônica.
A banda completa.
A banda completa. Percussão e tudo.
10. E você tinha me dito que nessas andanças que você tem feito, como é que você acha que
está à questão do ensino coletivo em Educação Musical? Você tem percebido, como você tem
percebido essa área na Educação Musical?
Ainda em relação á?
Ao ensino coletivo de banda, de instrumentos? Você falou que tem andado pelo interior da
Bahia, por São Paulo até o Pará, né, e como você tem visto a atividade do ensino coletivo de
instrumentos?
O que eu tenho observado é o seguinte : ninguém está fazendo, ainda não vi, ainda se está
construindo este pensamento, né. Eu vejo pessoas juntarem meninos, tentarem montar banda e tal, a
proposta de tocar repertório.
Mas não tem uma metodologia ainda específica?
Não tem. E eu acho também que o pessoal não tá preocupado com isso. O que se tem feito, o
pessoal nunca consegue isso dentro desses projetos, o ensino de instrumentos através da banda e
montar repertório, os professores não tem a preocupação, eu não vejo pelo menos, não tenho visto,
essa preocupação, primeiro, desse acompanhamento técnico preciso e estar integrado a questão
musical mesmo, de trabalhar música, no fazer musical né. não só tocar repertório, né. E outro
ponto, essa inclusão como nós fizemos aqui da banda de música, da orquestra dentro do currículo
escolar, como proposta mesmo, que é avaliada, tem prova, tem programa né, que acompanha todo o
processo da escola normal, é uma disciplina que o aluno tem que cumprir a carga horária, que
como eu falei a pouco, tem a semana da prova, tem as apresentações da escola, tem as
apresentações das avaliações, eu não tenho visto isso. Eu tenho visto um pessoal que quer formar
um grupo de pessoas que tocam, pra ensinar instrumento através da, eu não vejo a preocupação da
Educação Musical, de todo o contexto, né, de toda a vivência, dos compositores, de fazer música,
de compor, de improvisar, eu não vejo, isso nós fazemos aqui. Temos a proposta até esse ano da
gravação de um CD, que tá muito fácil de hoje gravar, num pequeno estúdio aí, nós já promovemos
isso aí, armamos quem é o diretor musical da turma, os compositores já estão escrevendo as
músicas, aí vamos promover um festival através desse festival, fazer a seleção dos temas, trabalhar
quem vai ser os arranjadores né. Busca a fonte normal, como se diz, nessa produção.
11. E além do trabalho que você citou do professor Joel Barbosa, você conhece outros
trabalhos acadêmicos em relação ao ensino coletivo? Ai no caso, de sopros ou de outros
instrumentos?
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Eu tenho um método que trouxe agora do Pará, não tô lembrado, posso ver aqui o nome do autor,
pra cordas, pra sopro não conheço ninguém que eu vejo assim, como o professor Joel né. Eu
também já ouvi falar de outros de cordas né, mas de sopros não conheço.
12. E Alípio, em relação à questão social do ensino coletivo, como é que você vê esse lado?
Você enxerga aqui no seu grupo fatores que vão além da música?
Sem dúvida, na própria escola a gente sempre é solicita na coordenação, pela direção, pra atender
aquele aluno que tá um pouco indisciplinado, parece que não que nada nas outras disciplinas, talvez
se você dá uma força pra ele, vê se abre o caminho dele ou fica mais feliz, né, com a banda de
música. A gente sabe que a música não dá pra curar todos os problemas né, mas pelo entusiasmo,
por ser a banda é uma aula prática né, que tem instrumento ali, o aluno pega o instrumento, faz a
coisa viva né, então, eu, sempre dá resultado, sempre tem um aluno que é disperso e acaba se
entrosando ali, ele também não quer ficar por baixo, né, que ele é tido como indisciplinado, (?)
então ele quer mostrar também o potencial e acaba, eu tenho um bando de exemplo disso aí. Agora,
fora de escola o pessoal sempre pega, querendo colocar até palavras pra gente dizer : “A música
tira as crianças das drogas” e tal. Eu acho que a música pra ter essa função, teria que ter um
trabalho voltado pra essa coisa, talvez a criança ocupada com música não tenha a mesma
possibilidade de ficar vulnerável as drogas, mas tirar da marginalidade, e tirar das drogas, aí é outra
conversa, tinha que ser um outro método específico, que eu não conheço, né, e que ocupa. Os
meninos dos Alagados por exemplo, essa região periférica aqui em Salvador, eles tem hoje, eles
são o xodó do bairro, já gravaram disco e a mãe vem com o orgulho, o pai, ás vezes, cachaceiro e
tudo mais, mas chega feliz, “Meu filho toca na banda!” . Então, eles são vistos hoje com outros
olhos, e eles também tinham aquela coisa de dizer “Não, eu vou ser música profissional”, nós
temos lá, quatro agora, tocando profissionalmente, que comprou o telefone da mãe, né, deu um
presente pro pai através da música, estão querendo fazer vestibular pra música. Mas que eu não
vejo essa coisa toda desse trabalho, dizer que vai tirar, ou está tirando, talvez não tenha, não esteja
oportunizando o uso de drogas ou a marginalidade. Acho que tinha de ser outro trabalho.
13. Então, pra finalizar, você tem alguma sugestão, alguma consideração final a fazer em
relação ao ensino coletivo em música? Alguma consideração final?
O que eu acho é que a coisa tá cada dia mais, tá crescendo né. Quando surgiu o ensino coletivo em
outros países como citei, Alemanha, Estados Unidos, Japão, era a proposta de baratear custos. Nós
vivemos num país em que as oportunidades são pouquíssimas. Hoje a gente sabe que a
universidade, se a universidade tivesse uma proposta de criar educandos né, educadores pra
trabalhar esse pessoal todo que a gente pode, essa massa toda que são escolas públicas, escolas
particulares, não ia ter profissional, a gente sabe que não. E se fosse pra trabalhar individualmente
ainda é pior. Nós temos um mercado, a música tem mercado demais. Se todo mundo se interessasse
por música não tinha professor. Então, o que acontece, pra baratear o custo a Alemanha pensou
assim depois da Segunda Guerra, nós precisamos colocar aí, ativa nossas orquestras e precisamos
de um método que em pouco tempo tem um bom resultado. Não podemos, não temos dinheiro pra
pagar a cada professor pra atender um e um aluno, né. Vamos pensar coletivamente. Eu acho que é
uma grande saída. Agora o professor, ele deve estar atento essas questões né, os futuros
profissionais que tem esse mercado, um mercado muito gostoso de se trabalhar, ninguém tenha
dúvida, você começa a fazer música mesmo, e todo dia tem, enfrenta barreiras pra você transpor, eu
acho que as pessoas devem ficar cada dia mais estimuladas. Aumentar mais o seu, abrir mais seu
leque de conhecimento instrumental né, e partir para uma proposta dessa que oportuniza em pouco
tempo milhares de pessoas a tocar instrumento.
Então Alípio eu quero agradecer imensamente a atenção e espero revê-lo em breve, tá bom.
Muito Obrigada.
Tá bom. A você também muito obrigado, apareça sempre.

Entrevista nº6 : MARCOS ANTÔNIO DE OLIVEIRA ROCHA


Local : Salvador-BA
Data : 27.05.2002
Horário : 14 h
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1. Marcos, a princípio eu gostaria de saber como se deu seu primeiro contato com a música ?
Eu nasci numa família em que desde pequenininho todos cantam na minha casa, a gente ia igreja
cedo e cantava na classe das crianças, às vezes cantava na frente da Igreja. Meus irmãos mais
velhos, também cantavam e transmitiam pra nós algum, algum toque sobre música né, educação
musical, educação vocal também,e isso era muito interessante pra nós também, para o nosso
crescimento. A partir daí, a gente foi crescendo né, e começamos a ter contato também com a
música instrumental, os irmãos meus tocavam violão, o mais velho já tocava clarinete e sax, e
realmente esse já, já tinha um conhecimento mais profundo em música foi que começou a me
instruir no conhecimento da música e também no, na execução de um instrumento musical, que
meu primeiro instrumento foi sax, né. Quer dizer, o primeiro foi flauta doce né, mas com ele foi
saxofone e a partir daí eu comecei a conhecer também novos instrumentos até chegar no que eu
toco hoje, que é violino.
2. Qual é a sua formação musical ? Você chegou a fazer faculdade? Qual é a sua formação?
Olha, eu ainda faço faculdade, mas estou praticamente formado, né, já faz seis anos que em curso o
curso de Violino na UFBA. Antes eu tinha entrado como Licenciatura, mas depois eu já tocava
violino, ai depois eu pedi a transferência, passei pra violino e agora eu posso me formar
normalmente o ano que vem eu estou formado né.
3. E como se deu o seu interesse pelo ensino coletivo em Cordas? Como você se interessou em
trabalhar pelo ensino coletivo?
Eu já trabalhei a, eu trabalho há muito tempo né, coletivamente. Aqui na escola tem só três anos,
mas na igreja que eu dou aula, eu sempre trabalhei, faz mais de oito anos que eu dou aula na igreja
e lá o ensino é mais coletivo, né. Eu comecei a trabalhar mesmo com todos instrumentos, de
cordas, de sopros né, ensino assim em conjunto. Já aqui na escola, só dava aula particular,
individual, até que surgiu esse projeto do professor Alípio de trabalhar em grupo, montar uma
Orquestra e uma Banda. Aí como eu era professor aqui, ele me incentivou a trabalhar, a ajudá-lo, e
já trabalhava com isso. E estava empolgado, já fazia curso do Método Suzuki e trabalhava
coletivamente, nunca tive a oportunidade de trabalhar com o Método Suzuki coletivamente, mas
sempre tive vontade né, também por um motivo de experiência né, pra ter um conhecimento. E foi
interessante pra mim, e tô gostando né, é muito bom, legal mesmo. Você vê o crescimento dos
alunos, um ajuda o outro, apóia o outro, eles se apóiam, assim vai tendo aquele joguinho né? Muito
interessante pros alunos.
4. E qual é o método que você utiliza ou quais são os métodos que você utiliza nessas aulas
coletivas?
Olha, estamos utilizando um método americano, não sei, esqueci o nome dele agora, um método
americano que antes a gente começava já com esse método que ele começa primeiro com leitura de
cifras né, corda ré D, corda mi E, depois que o aluno começa a ler notas musicais na pauta, na
música. Só que esse ano eu fiz diferente, o grupinho aqui começou novo, eu estou trabalhando
como se fosse método Suzuki, por meio de transmissão oral, que são sempre as primeiras músicas
do Suzuki pra eles aprenderem primeiro a tocar, sem ler partitura né, pra eles terem condições de
estar apenas ligado no que eles estão fazendo com o violino né. Isso vai dar até mais facilidade pra
eles assimilarem o aprendizado e desenvolver mais rápido e depois quando eles já tiverem tocando
umas duas músicas, aí a gente começa a trabalhar a leitura de notas.
5. E nessas turmas você tem os quatro instrumentos de cordas friccionadas? Você tem violino,
viola, cello e o baixo?
Não temos nenhuma, mas temos aqui os quatro instrumentos.
E os alunos? Eles têm os instrumentos ou eles utilizam os instrumentos da escola?
Aqui na escola, a gente faz milagre. Os alunos, quero dizer, os alunos é que fazem milagres porque
alguns, talvez dois por cento dos alunos têm o instrumento em casa né. O violino que é mais barato,
né, e os pais compram pra eles estudarem, o restante não tem instrumento, então, quando eles
podem, eles vêm na escola praticar. Mas o que a gente, o que eu falo que eles fazem milagre é que,
que eles fazem mais é na hora. Muitas vezes o aluno fica uma semana sem pegar no instrumento,
vai pegar na aula né. Tenho que lembrar tudo que passou na outra aula, revisar, depois dar
continuação ao trabalho. Por isso que é um milagre estar fazendo isso né.
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6. E você inicia desde com o arco, através do arco ou você, como é que você inicia as crianças
coletivamente ?
Sim através do arco.
Cordas soltas?
Cordas Soltas, cordas soltas, entendeu? Eu faço mais pra eles fazer um acompanhamento quando
eles tocavam em grupos, ás vezes, eu toco no piano uma música e eles fazem mais
acompanhamento com cordas soltas, entendeu? Isso também pra eles perceberem o que eles estão
fazendo na música, isso pra mim vai educando o ouvido deles.
7. E quais são as vantagens que você vê do ensino coletivo em relação ao ensino individual de
instrumento?
Bom, o ensino coletivo é o ensino que não deixa o aluno desanimar né. Quando o aluno tá
precisando de um, de um, tá meio assim, vê o colega tocando ele anima né, quer fazer o mesmo né.
E ás vezes eu, um ajuda o outro né, a entender, um está ajudando o outro a produzir, a crescer em
muito pouco tempo. Individual também tema suas vantagens né, apesar de ser melhor porque está
direcionado a uma pessoa só né. Então tem como você corrigir defeitos, mas você precisa estar com
um, só que individual ele está aí sozinho, não tem um conjunto de colegas pra ele se apoiar, ajudá-
los até na própria afinação né. Quando eles tiverem tocando um instrumento, a afinação dele já
muda e seria interessante né.
8. E você vê alguma desvantagem no ensino coletivo?
Não, não vejo desvantagem. Não vejo desvantagem nenhuma. Aliás, eu acho é que muito
vantajoso. Tanto pra quem ensina, que tem um conjunto de alunos e o tempo dele vai ser realmente
praquele grupo todo, distribuído praquele grupo quanto também pros alunos, entendeu? É tanta
gente pros alunos ganhando e é animado também. Mais animado que a pessoa tocar sozinho, aqui,
a pessoa tem vergonha né, de ter aula sozinho, assim, isso afeta até a sua produção. Em conjunto
não, o aluno se solta, quer tocar mesmo, quer fazer música. É interessante, é animador.
9. E qual que é a carga horária aqui da escola? Quantas aulas por semana e quantas horas
por dia eles têm?
Os alunos têm, a gente trabalha aqui na escola com os alunos da quinta ao básico, ao primeiro ano
né, chamado básico. A quinta série, a sétima, a quinta, a sexta, a sétima, a quinta, sexta, a sétima e
a oitava tem duas aulas semanais né, que são aulas seguidas né, não são separadas, são todas no
mesmo dia têm as duas aulas. Somente o básico, ou os básicos que são dois, que tem uma aula
apenas semanal. Só vem naquela aula e depois espera a outra aula.
10. Então a faixa etária trabalhada é entre dez e dezesseis anos, mais ou menos? Qual que é a
faixa etária?
É, a faixa etária é, aqui é assim, o mínimo é nove anos, nove a dezessete anos, alguns alunos ás
vezes passam, tem dezessete. Tem aluno que é novinho né, que tem até oito anos e já,
pequenininho é sério e já está estudando violino.
11. E Marcos, eu queria saber o seguinte : em sua opinião, você acredita que o ensino coletivo
em música, em instrumentos em específico, vem crescendo? Como é que está a pesquisa em
Educação Musical? Você sabe se tem pessoas trabalham com o ensino coletivo na Bahia ou
em outros lugares? Você sabe de pesquisas?
Na Bahia eu sei. Em Salvador, eu trabalho né. Tem uma escola também que trabalha é a EMIM (?),
que trabalha sobre, investe em métodos, que trabalha sobre, investe no método Suzuki, trabalha
com o método Suzuki. E tem um projeto também, interessante até, um projeto na periferia, aula
coletiva né. Tá crescendo, esse projeto começou esse ano né, lá na periferia, trabalha com mais de
cem alunos o ensino coletivo. E tá crescendo. Aqui em Salvador, pelo menos já é o segundo projeto
que apareceu a respeito do ensino coletivo. Na Bahia em geral não sei, o trabalho aqui está muito
atrasado nesse, no âmbito da música instrumental, especialmente de cordas.
E pesquisa? você sabe de alguma pesquisa em nível de mestrado ou doutorado, de pós-
graduação aqui na Bahia ou em outro lugar?
Não, não.
Em Cordas não?
241

Em Cordas não. Na verdade, em nenhuma área né, ainda não sei. È interessante até que depois eu
tenho que pesquisar mesmo, até mesmo pra aprofundar o meu conhecimento, eu quero fazer pós-
graduação em música.
12. E você falou que o seu suporte teórico é o Suzuki e tem outros métodos americanos?
É, eu uso um americano, só que também tem muita coisa que eu tenho que fazer né. Porque ás
vezes eu preciso de certos, dependendo do grupo, né, isso varia muito. Ás vezes eu vejo que esse
estão necessitando de certos exercícios né, exercícios de técnica, exercícios de arco, então, eu
mesmo é que tenho que fazer. Porque também a gente só tem um método americano e algumas
músicas. Algumas músicas já até avançadas, entendeu. Então, pra você equilibrar tudo, você tem
que fazer isso. Você mesmo criar alguma atividade pra que eles possam desenvolver até chegar
naquele ponto de tocar aquela música, entendeu?
13. E há quanto tempo você atua no ensino coletivo? Você falou que atua aqui e em outra
escola, em outros projetos. E faz quanto tempo mais ou menos que você está atuando no
ensino coletivo?
Já tens uns, já tem uns oito anos. Oito anos que eu trabalho nessa área.
14. E pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o ensino coletivo,
alguma coisa que você ache interessante de colocar? Alguma consideração final?
Eu, eu ainda tô pensando né. Espero que surja daqui pra frente pelo menos um ensino coletivo pra
orquestra, pra orquestra toda né. Quer dizer, uma orquestra de cordas e de sopros. Porque pra
conciliar esses dois é um pouco complicado. De sopro tem instrumentos transpositórios né. A
orquestra você só vai tocar por enquanto, no início, com tonalidades de Re e de Sol e de Lá , são
quatro né. Pra conciliar os dois fica muito difícil. Sopros se for transpor, vai ficar com muito
sustenido, mas estou esperando isso acontecer né.
Ou você tem que se animar a fazer um , desenvolver um método próprio.
Eu também penso em desenvolver eu só preciso ter tempo pra pensar. Pensar e depois também por
em prática. Eu acho que vai ser muito bom porque aí vai ter como trabalhar os dois juntos. Apesar
de que sopros o desenvolvimento é bem mais rápido do que com cordas, mas aí a gente vai vendo
depois o que pode surgir. Tudo é uma questão de experiência, e aprendizagem, vai crescendo junto.
Então Marcos, muito obrigada pela entrevista e espero que a gente mantenha esse contato. Tá
bom?
Obrigado!

Entrevista nº7 : ANA CRISTINA TOURINHO


Local : Salvador-BA
Data : 30.05.2002
Horário : 11 h

1.Bom dia, Cristina!


Bom dia!
Primeiramente eu gostaria de saber como se deu seu primeiro contato com a música?
Eu comecei a tocar violão, eu tinha 11 anos de idade. Comecei a tocar de ouvido com o filho de
uma amiga do meu pai. E eu toquei mais ou menos durante uns dois anos de ouvido. Depois meu
pai decidiu que era melhor eu fosse aprender música. E depois de alguma relutância, porque eu, eu
não sabia bem o quê queria né, eu fui com ele numa escola, que era o Instituto de Música da
Universidade Católica de Salvador, e ele me apresentou a diretora, que era amiga dele. Então, ela
me levou lá pro professor de violão, e foi aí que eu conheci o professor Josimar Assis. Eu estava
com treze anos e ele foi meu primeiro professor de violão. Daí eu fiquei, estudei oito anos no
Instituto de Música e saí de lá graduada em professora de violão. Depois eu, e durante esse tempo,
que foi que eu fiz? Eu não só aprendi a ler, mas como Josimar tinha uma grande, ele tocava muito
chorinho, muito acompanhamento, então, ele de uma certa forma eu continuei tocando música
popular. Foi assim que eu comecei.
2. E qual foi a sua formação posterior? Qual foi a sua formação musical?
Olha, eu acabei o curso de graduação em, eu fiquei como professora de violão pelo Instituto de
Música da Universidade Católica de Salvador em 1975. Depois de, em 76, eu prestei vestibular pra
242

Universidade Federal da Bahia, fiz outra graduação, dessa vez meu diploma foi como
instrumentista. Foi já de, foi em 1982 que eu conclui meu curso. Eu fiquei de 82 a 90 só
trabalhando e ensinando e fazendo curso, me aperfeiçoando, mas em 90 eu entrei no mestrado, e
em 97 eu entrei no doutorado e acabei em 2001.
3. E como surgiu o interesse em ensino coletivo em música? No caso, em violão?
Foi engraçado porque nós éramos, eu era professora de música da Escola de Música da
Universidade Federal da Bahia, desde 82. Foi engraçado porque eu entrei pra ser professora seis
meses antes de concluir a minha graduação na própria escola, eu entrei com o diploma da
Universidade Católica né. Fiz concurso, passei e a gente, nós éramos na época dois, três
professores de violão, e a demanda era muito grande, a procura pelo curso de violão era muito
grande. Então, o que acontecia, pra você entrar na escola de música, na extensão da escola, né, no
que o pessoal chamava do curso preparatório, você precisava ler música e não tinha escola de
música em Salvador. Então, era uma inconsistência né, você exigir que a pessoa soubesse música
se ela não tinha uma escola pra ela se preparar antes. Então se escreviam tipo duzentos candidatos e
entravam dez, doze porque era a carga que sobrava pra gente pra atender a extensão, porque a gente
também atendia na época só tinha a graduação, só atendia a graduação. Então foi vendo assim, de
que eu, eu também me sentia perdendo tempo no início porque eu ficava repetindo a mesma coisa
pra uma porção de gente, e depois percebendo também que aquele teste que a gente fazia pro
ingresso era um teste que não era verdadeiro. Porque num contato de dez, quinze minutos você não
pode avaliar muito à pessoa. Então, eu ás vezes me sentia perdendo tempo, né. E quando chegou
em 89, o diretor da Escola de Música, na época Paulo Costa Lima, Paulo me propôs fazer aula de
grupo. A gente conversou num dia informalmente, ele falou : “Porque você não faz?”, eu disse :
“Paulo, eu não sei porque eu me sinto ... é como se eu tivesse (como é que eu digo) enganando os
outros, eu não sei se vai dar certo, eu fico com medo”. Ele disse : “Faça a experiência! Pegue, por
exemplo, quem você não admitiu e faça um grupo”. Aí a minha experiência foi essa. Eu peguei um
galpão enorme, e comecei a trabalhar, acho que trinta pessoas de uma vez só. Bom, não deu certo.
Não deu certo em termos. Porque eu vi por exemplo assim, poderia dar certo, mas não era com essa
quantidade de pessoas que ia funcionar. Então, de trinta eu baixei pra três turmas de dez. Depois
três turmas de dez, eu peguei fiz turmas de quatro alunos. Aí, eu comecei, né. E foi assim, foi numa
coisa assim, que eu fiquei observando, fui observar também na época, já existia as aulas de piano
em grupo na escola, que a professora Alda Oliveira dava, que ela chamava do IMIT - Iniciação
Musical com Iniciação ao Teclado. E eu observando as aulas de Alda, eu comecei a ver a
metodologia. Como eu sempre me interessei por ensinar, o que aconteceu, eu de repente me vi,
pensando em como que eu poderia fazer aquilo pras pessoas. E aí foi uma seqüência natural assim,
sabe? De, como que eu digo, olhar outros instrumentos, no caso violino também, que estava assim,
tinha uma escola boa de instrumento em grupo por causa do Suzuki, de ver as experiências da
escola de começar a ler e tentar ver como eu poderia fazer com o mesmo material, a metodologia
pro trabalho em grupo. Foi assim.
4. E nessa sua experiência de muitos anos já, com o ensino coletivo, quais são as vantagens
que você enxerga em relação a aula individual de instrumento? E se você enxerga alguma
desvantagem?
Olha, tem coisas que funcionam na aula de grupo que não funcionam na aula individual e ao
contrário, não enxergo exatamente nem vantagem, nem desvantagem. Tem coisas que funcionam
e tem coisas que não funcionam. A desvantagem é que se você não preparar o professor pra ele
trabalhar em grupo, ele vai tornar a aula, a aula não vai funcionar, entende? E se você preparar o
professor, a aula vai funcionar, mas ela vai funcionar de maneira diferente. Então, primeira coisa
que eu acho, olhando a parte, digamos assim, de economia de tempo. Você gasta menos tempo pra
poder fazer o mesmo trabalho, né. E se você for pensar, ainda, não é o meu caso, porque eu
trabalho na universidade, eu não ganho por hora de aula, mas eu sempre falo quando estou dando
algum curso, que eu digo : “Gente, se vocês quiserem, é uma maneira também de ganhar um pouco
mais de dinheiro”, né, tem o fator econômico também. Agora, as vantagens pedagógicas, que eu
considero são inúmeras, né. Como você poder, por exemplo, oferecer pra um iniciante parâmetros
muito mais facilmente, né. A pessoa que começa, ela tem do lado um, espelhos como chamam, né.
Então, tem pessoas que estão com as mesmas dificuldades que ela, ou com um pouco mais, ou com
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um pouco menos, mas naquele mesmo nível de aprendizagem, diferente da aula individual, onde
você tem um professor que é mais um modelo que você segue. Eu aprendi muito com os meus
alunos quando eles chegavam pra mim e eu, eles faziam alguma coisa, e eles : “Olha, veja isso
aqui! Isso aqui é fácil. Não isso aqui não é fácil. É fácil só pra quem sabe”, não é? E foi, as
vantagens pra mim, basicamente assim, eram essas, que você permite que as pessoas avancem mais
rapidamente e depois você pode também deixar essa pessoa mais desinibida. É uma coisa assim,
que é gritante. Os alunos de grupo, eles pra tocar, eles se sentem melhor, mais a vontade do que um
aluno que tem aula sozinho. E eu acho que de uma certa forma, eles avançam mais rapidamente. Se
a gente começa uma Oficina com quatro pessoas que não tocam o instrumento, tem mais ou menos
a mesma faixa etária, isso é importante também fazer a seleção bem né, porque se você não, não é
você juntar quatro pessoas quaisquer, mas saber primeiro, eu acho que é a faixa etária é importante
né, e depois a habilidade, toca ou não toca, e depois a um outro nível que é possível realmente hoje
já encontrar, se a pessoa lê música ou não lê música, que aí a abordagem é diferente né. Então, se a
gente junta essas quatro pessoas, em três meses de aula, com quinze aulas você vê que você já
diferencia muito. A gente lá na escola, geralmente tem várias turmas de iniciação no mesmo dia e
horário trabalhando em salas simultâneas, por quê? Porque depois do primeiro semestre, eu
reagrupo essas turmas, ou mesmo durante o primeiro semestre, a gente troca às pessoas de nível,
porque aquela pessoa que a gente não detecta, digamos assim, nenhum, nenhuma habilidade
especial naquele primeiro contato, que era com se fosse o teste seletivo, você vê aquela pessoa se
revelar e progredir de uma maneira que você nunca esperava ao passo que aquela que você
depositava mais esperança, né, estou falando em termos antigos, da antiga concepção, aquela
pessoa fica lá, estacionada né. Então, é imprevisível realmente. Eu tô, eu sempre tô tendo surpresas
com os alunos.
5. E Cristina,eu queria que você descrevesse a sua atividade pedagógica? Então, desde
quando começou essa, as oficinas de ensino coletivo em violão, como foi a trajetória em
termos de quantidade alunos, né? No início, qual que era o seu referencial teórico, o quê você,
qual metodologia você se espelhou, em quais autores, em quais pessoas você se espelhou pra
montar esse programa? Como é que era, como é que foi essa trajetória?
Olha, a primeira experiência foi com aquele grupão doa trinta alunos né. Aliás eu tinha tido uma
experiência antes, anterior, que eu não fiz na escola, eu fiz, na época eu trabalhava na Fundação
Cultural do Estado, então eu fiz um turma, eu posso até te dar esse relatório por escrito, porque esse
relatório espelha bem o que foi na época, né. Eu acho assim, quanto mais inexperiente você é, mas
você perde aluno entre aspas. Com experiência agora, eu já tive semestre em que eu não tive
nenhuma desistência, eu tinha assim, tipo assim, cinco ou seis turmas eu dando aula, e ninguém
desistia, ninguém ia embora, a não ser claro, aquelas coisas que você não controla, o cara muda de
cidade, vai transferido, e essas coisas, a mãe morre alguma coisa assim né. Então, né, só, aonde eu
tava mesmo? Sim. Como foi? Então, tinha um grupão, né, o grupão não funcionava então eu me
desgastava muito. Depois eu reduzi pra dez e eu vi que eu podia fazer com dez pessoas, desde que
eu não quisesse que essas pessoas lessem música, se eles pudessem fazer música popular,
funcionava bem legal, só música popular e foi o quê eu fiz durante uns cinco a seis anos na
Fundação Cultural, no “Projeto Viver com Arte”, foi o que eu fiz. Depois na escola, eu disse,
quatro é bom, por que eu digo quatro é bom? Porque o círculo você armando, você trabalhando em
grupo em círculo, todo mundo se vê, fica junto o suficiente né, pra você poder consertar um aluno,
interagir com ele, por uma questão de olhar, de contato e tudo. Porque a gente trabalha muita coisa
também, com co-repetição, por imitação, então, quatro são dois a dois, quatro também são dois a
dois mesmo se um falta e quatro são, é um a um, se dois faltam. Então, eu acho que quatro, esse
número é bom por isso, né. Depois a gente trabalhou com uma hora de violão prática por semana,
que eu continuo achando até hoje achando pouco. Mas pra gente. Continuar cobrando um preço
acessível, tem que ser esse preço infelizmente. O ideal é que fosse duas vezes por semana, mas a
gente nunca conseguiu fazer, principalmente logo no início. Onde a pessoa, o professor tem que se
assegurar que a pessoa entendeu aquilo que ele tá querendo, então ele vai levar uma semana
estudando errado, né. Foi outra coisa que eu aprendi também com o tempo, o importante na aula é
deixar que o cara entenda exatamente o que ele tem que cumprir pra próxima. Se ele souber o que
244

ele vai ter que fazer pra próxima, aí você ganhou a aula. E não deixar com que ele saia da aula sem
saber o que ele tem que fazer.
6. E em relação ao referencial teórico? Você tinha alguma pessoa em que você se espelhava ou
algum autor? Como é que foi a construção desse...
(Interrompendo) É, porque olha, eu comecei em 89 na Fundação Cultural e 90 eu entrei para o
mestrado. O mestrado foi uma experiência muito rica pra mim porque eu entrei num outro mundo
onde eu comecei realmente a ler em outras línguas alguma bibliografia que eu não tinha acesso
antes, e eu tenho a agradecer muito a professora Alda Oliveira porque ela realmente me abriu as
portas pra essa coisa de você saber que não sabe tudo e procurar saber sempre mais do que você tá
sabendo hoje, né. E, aí foi realmente uma busca, eu li muito sobre pedagogia em geral, não
pedagogia de música, mas pedagogia geral, sabe? De trabalho, como se portar em classe, atitude
em classe, eu mudei muito a minha atitude em classe, sabe? No sentido de que eu passei a situar os
alunos sempre nas coisas que eles estavam fazendo, eu não fazia isso anteriormente, entende? E no
grupo, quando você trabalha com o grupo, é importante você dizer se o cara acertou ou se o cara
errou, ou como ele pode fazer para melhorar instantaneamente, né, naquilo que você chama de
correção imediata, o quê a pessoa fez errado você vai e corrige imediatamente, não deixa ele ficar
fazendo o que não devem né. Depois o quê aconteceu? Eu comecei a ler muito. Eu não sei, eu
poderia, a bibliografia é tão grande.
Mais na área de psicologia e pedagogia ?
Psicologia e pedagogia, e depois, jogo. A parte de esporte. Toda aquela parte que trabalha com
interatividade, com troca. Depois eu comecei fazer a coisa com jogos, quer dizer como se fosse,
não é uma, não é uma competição, mas é um jogo realmente, sabe? Você pode acertar ou pode
errar, pode ficar fora. Não nesse sentido de.
Competitividade.
É, no sentido ruim não, mas na parte positivo dessa coisa, sabe? Aí eu li também muita coisa de
esporte, porque as pessoas de esporte têm esse negócio de fazer a equipe, de fazer o grupo não é?
E foi, deixe-me ver, nos últimos cinco anos, olha, eu li bastante sobre, sobre psicologia da
educação e na parte de música, no doutorado agora, eu trabalhei em cima do referencial teórico do
Swanick. Eu acho que ele foi muito feliz quando ele incorporou no que fosse uma aula de música,
as atividades de tocar né. A atividade de você, você toca, mas escuta, você improvisa, você lê
sobre, né, e você cria né. Então, ele foi muito, então eu procurei fazer as aulas realmente de
maneira que elas fossem umas aulas muito dinâmicas e organizadas, né. Agora de uma maneira
geral assim, pedagogia instrumental eu li, sem restrição, muita coisa. Mesmo as coisas antigas que,
sabe? Vai lá pra Sá Pereira e tem as coisas de, e piano também. Piano, o pessoal tem uma escola
organizada né. Maria Lurdes de Junqueira Gonçalves, Maria Isabel Montandon, a própria Alda
mesmo, numa maneira muito prática, porque se Alda não escreveu nada sobre isso, o livrinho dela
“O tempo de tocar” tá até hoje aí sem edição, mas eu tive a oportunidade de convivendo com ela,
vê muita prática né. Eu conversei também, vi muitas coisas com Diana Santiago, foram às pessoas
mais próximas assim.
7. E atualmente, como é que está sendo desenvolvido o ensino coletivo das Oficinas da
Universidade da Bahia? Qual que é a carga horária? Como é que funciona? Agora é uma
hora por semana com quatro alunos?
Isso.
Como é que é ?
Olha a gente tem trabalhado assim, com pessoas da graduação depois de apanhar muito, nossos
melhores estagiários pra trabalho realmente são os estagiários da graduação de violão. Então, esse
pessoal tem no máximo quatro horas de aulas por semana, porque permite pra a eles também não
se sobrecarregarem com a atividade de dar aula. Porque você precisar estar pronto na aula pra estar
sempre né. Então, eles trabalham uma hora por semana como aluna, ela vem tem uma aula de
instrumento, depois ele tem uma hora de Teoria Musical, quer dizer, que não é verdade, não é bem
Teoria Musical, seria leitura e percepção musical né, que a gente chamava antigamente de Teoria.
Então, ele vem pra essa aula também e se ele quer, ele pode participar também do coral da escola.
A escola tem um Coral Infantil, um Coral Infanto-Juvenil, Juvenil e Adulto. Tem coral para todas
as idades. Então, na verdade ele tem três horas de música, e ainda tem acesso a biblioteca pra poder
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escutar disco, e a gente comprou, a gente tem assim uns sessenta Cds de, só de violão, sabe? Pro
pessoal escutar. Porque embora eles, você pode dizer : “Não o aluno precisa escutar música”, mas
ele no início, ele tá muito centrado, aquela coisa mesmo do, da fase manipulativa, ele quer
realmente manipular um instrumento, e o repertório que mais interessa pra ele, é o repertório que
diz respeito ao instrumento que ele tá tocando. Então, é isso aí.
8. E a faixa etária trabalhada nessas aulas?
A gente divide por faixa etária mesmo. Tem duas pessoas que trabalham com as crianças, né.
Atualmente, nós só estamos trabalhando com oito crianças na escola, entre oito e onze anos. Essas
meninas têm aulas com outro projeto, que não é oficina, é oficina mas não é oficina, é iniciação
musical com iniciação ao violão. Quer dizer, a gente usa um instrumento como instrumento pra
ensinar música, né. então, elas também tocam um pouco de metalofone, tocam instrumento de
percussão e vão fazer daquela, daquela leitura, gradativa, né. Como se fosse uma iniciação musical,
mas ela já tem o instrumento, né. Não é uma iniciação musical sem instrumento. Aí, a partir da
Oficina de Violão a gente aceita, tem meninos de até doze, mas são exceção. Inclusive, como eles
são menos, as turmas dessas são menores. Nosso público mesmo está entre quinze e dezenove anos.
É a grande né, já que ao todo são cento e vinte alunos. Então, é muita gente. Seriam quase quarenta
turmas, não tem quarenta, são trinta e três turmas, nesse semestre agora, dois mil e dois. E eles tão
divididos em quatro, têm uma hora de aula de violão por semana, e aos poucos a gente tá tentando
fazer um material pra esse trabalho, né. Já tinha um material, mas ele tava muito desorganizado. Eu
agora com o professor Robson Barreto, a gente sentou nesse primeiro semestre, fez um
experimental, é esse que você tá levando, e ele já vai sofrer alteração agora pro segundo semestre.
Quer dizer, você aplica, conversa com o pessoal, porque a gente tem reunião de coordenação uma
vez por mês e os instrutores, eles são obrigados a vir nessas reuniões, inclusive a gente faz questão
de pagar como hora aula para poder garantir a presença. E deles, deles vem às sugestões pra gente
fazer as modificações, entende? Então, esse segundo volume vai sair com mais alguns arranjos, as
queixas agora deles são que a gente precisa ao mesmo tempo ao lado do repertório clássico, um
repertório popular que use aquele mesmo tipo de técnica. A gente tem alguma coisa de música
popular, mas eles tão pedindo mais, mais possibilidades e a gente tem dado liberdade pra que eles
usem esse material, introduzam nas aulas o quê eles acham interessante desde que seja relatado,
seja conversado para gente colocar como modificação.
9. E Cristina, quais os locais que você já atuou como professora em ensino coletivo do
instrumento?
Na Escola de Música, pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, eu trabalhei no espaço X, foi na
Biblioteca Central durante um tempo, depois eu trabalhei no Teatro Miguel Santana, no Pelourinho,
depois eu trabalhei no SESI da Casa Branca, esse foi o tempo que eu demorei mais foram quase
cinco anos lá no SESI. E eu saí e já deixei uma pessoa no lugar fazendo esse trabalho, entende?
Tem um menino lá, Fábio. Fábio já tá fazendo o trabalho que eu fazia e muito bem por sinal. E fico
contente também porque sabe, essa, essa maneira de trabalhar, eu venho conseguindo que mais
pessoas acreditem nisso né, e que também trabalhem desse jeito e os resultados são sempre bons.
10. E como é que você vê a pesquisa na Educação Musical e em específico no Ensino coletivo?
Eu acho que a criação dos cursos de pós-graduação realmente favoreceram muito o pensar sobre o
fazer pedagógico, né. Então se antigamente a gente ficava restrito as publicações prática dos
professores, né, e digamos assim, ou você saia daqui pra fazer um curso com um professor fulano
de tal pra saber como é que ele tava pensando, né, que é o caso por exemplo da Maria de Lurdes
Junqueira, que os livros que eu tenho da Maria de Lurdes Junqueira são da década de 70, entendeu?
Quer dizer, eu tô falando de coisas de trinta anos atrás, né. Mas, a pós-graduação permitiu que as
pessoas começassem a conversar sobre o assunto, não é, trocar idéias e as publicações, eu acho que
as publicações dos cursos de pós-graduação são muito importantes porque permite que a gente
acesso a trabalhos de outras das pessoas. Eu acho que isso melhorou bastante, né, tanto que você tá
vendo aí que tem gente que você nem conhece pessoalmente né, mas já tá lendo sobre o trabalho
até já, quer dizer, conhece sem conhecer né, através do que a pessoa escreve e publica sobre o
assunto. Acho que isso aí foi um passo muito importante.
246

11. E você acredita que a pesquisa em ensino coletivo e a prática também pedagógica a partir
desse método, vamos falar assim, dessa metodologia, dessa prática coletiva, vem aumentando,
tanto a pesquisa quanto a ...
(Interrompendo) Ela vem aumentando muito, se eu pensar aqui em Salvador à dez anos atrás só
tinha uma Escola de Música, hoje eu sei que muitos outros lugares estão fazendo, não exatamente
do jeito que a gente faz, mas vamos assim, percebendo as vantagens que é você ensinar em grupo.
O quê eu temo é que alguns, em alguns lugares as pessoas fiquem fascinadas pelo ganhar dinheiro e
esqueçam da parte pedagógica mesmo né. Por exemplo, a gente na escola não permite você tá no
meio do semestre não matricula uma pessoa que vá começar do zero com a turma que tá iniciada né
e eu sei que tem algumas escolas que fazem isso o tempo inteiro. Algumas escolas não, alguns
cursos. Eu acho que isso aí não é legal porque prejudica o trabalho e o professor tem que estar
preparado pra poder lhe dá com essa situação nova, né. Chegou um aluno que não toca nada junto
com um grupo de três que já tão fazendo um trabalho mais adiantado. Eu ouço muitas queixas dos
professores, de escolas, de outras escolas particulares que fazem esse tipo de coisa. E vejo também,
que muitos professores lá na Escola de Música não só de violão mas também de piano trabalham
em grupo em nível mais avançado. Já, eu vou dá como exemplos, o professor Mário Ulloa,
professora Diana Santiago que pega os alunos da graduação e juntam esses alunos uma vez por
semana e conversam sobre problemas em comum, tentando, digamos assim, encontrar soluções ou
fazer com que as pessoas pensem em soluções pra ajudar os outros e se ajudarem. Isso é bem
interessante.
12. E você citaria além desses, algum método, algum professor que trabalhe a iniciação
instrumental através do ensino coletivo? Algum trabalho que você goste? Você gostaria de
citar algum nome?
Olha (pensativa), pra não ser injusta né, bom, o quê que eu vi por aí de trabalho em São Paulo, há
muito tempo atrás eu vi o trabalho do Cláudio Jaffé, que impressionou muito na época, eu nem
pensava em trabalhar grupos e eu fui ver o Jaffé lá em São Paulo, no SESC?
É no SESC de São Paulo, mas tem muito tempo, assim, tem uns vinte anos. Depois eu tive agora
também no SESC da Consolação e vi um trabalho bem interessante de Cordas também, vi o seu
próprio trabalho lá em Goiânia. Eu acho que prática, não sei se eu tô sendo injusta, se eu tô
esquecendo alguma coisa, mas não acompanhei de perto assim mais pessoas não.
É um campo muito recente né?
É recente sim, agora tem coisas escritas né. Eu peguei várias, de onde eu vou eu pego as
monografias, os trabalhos de especialização, de mestrado das pessoas né, pra, porque eu acho que
estudar é isso né, é você fazer o seu trabalho e se situar, realmente junto com as outras pessoas que
tão fazendo uma coisa parecida, não necessariamente até no seu próprio instrumento. Eu andei
fazendo uns trabalhos em, no ano passado, eu fui a Varginha, né, falar com os professores lá, no
outro ano eu fui a Recife, fui no Rio Grande do Norte, dei aula em Curitiba também, quer dizer, é
uma coisa assim que tem muita gente querendo fazer, entende? Eu acho que vamos dar mais dez
anos, eu acho que a gente já vai ter uma série de trabalhos impressos e escritos, entende, pra poder
situar a gente melhor. O campo é incipiente, tá começando mas eu acho que tá começando de pé
direito.
13. E Cristina você acredita no ensino coletivo em instrumentos, no nosso caso, como uma
forma de democratização ao ensino de música, à Educação Musical? de dar acesso a um
maior número de pessoas a começar? E eu também gostaria que você falasse um pouco, se
você acredita nessa abordagem social, da questão social, o quê o ensino coletivo pode levar
comunidades, a música, como você vê isso?
Mais pessoas sim, mais pessoas sim com certeza porque sobretudo se você pega, digamos assim,
violão que é um instrumento que muita gente tem, mas não tem como pagar a aula né, então,
comprar um violão de péssima qualidade é até relativamente fácil, agora pagar o professor pra dar
aula, realmente é complicado. O ensino em grupo dá essa possibilidade também, mas eu vejo tanta
gente, sabe, acho que a gente também já teria, teria espaço para escolas inteiras de aula de
instrumento em grupo e eu vejo que mesmo assim, é muito difícil, é uma utopia você achar que vai
levar música pra todo mundo, não é? Eu acho que é meio difícil, mas é uma possibilidade sim. Por
exemplo, pelo caso pequeno lá da escola né que a gente tá atendendo, claro, praticamente mil por
247

cento a mais da pessoas que a gente poderia atender se a gente fosse fazer um atendimento
individual. É mais democrático sim. Mas ainda custa caro pra muita gente né. Eu acho que tem
campo pra fazer projetos sociais.
(Acabou a fita)
Então Cristina, a gente interrompeu a fita terminou, mas como é que você vê essa questão
social e o ensino coletivo, essa relação?
Então, a possibilidade de você ensinar em grupo realmente você aumenta o número das pessoas né.
Mas por exemplo, na Escola de Música ainda é uma coisa elitista, que a pessoa que se dirige até
uma escola pra tentar aprender um instrumento, ela já passou por um, a gente poderia tentar chegar
mais nas pessoas, ao invés de ficar no canto da gente, esperando que as pessoas viessem. Tem
alguns projetos no ensino coletivo que vão até a lugares mais pobres né. Eu sei que o projeto de
Joel de Bandas, o projeto de Oscar Dourado em Cordas, tá indo lá para periferia, pras comunidades
mais carentes e tal. A gente poderia pensar em fazer isso com o violão também, porque é uma
chance, entende, de você dá pra essas pessoas, eu acho, claro, que a música vai colaborar pra
melhorar a pessoa como, como indivíduo não é. Não é só pra ela ficar contente ou ficar mais feliz,
mas pra ela ser uma pessoa melhor porque tem um contato com música, né.
14. E Cristina, pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o seu trabalho
ou uma sugestão pra minha pesquisa? Fica livre essa pergunta pra você.
Uma sugestão para sua pesquisa? Se vai olhar o lado social né? Eu acho que esse é um ponto bem
interessante a ser tocado porque por exemplo nos trabalhos que eu vi até agora, nos trabalhos
escritos, registrados de ensino em grupo eu não vi nenhum com essa preocupação, eu acho que
você tá tocando num ponto importante, que você pode explorar realmente. Seria um diferencial no
trabalho que você tá fazendo. No mais eu espero, realmente, que daqui a mais alguns anos a gente
possa ter mais pessoas trabalhando com ensino em grupo. Porque alguns modelos aí que são
defendidos, eu acho que eles já não cabem mais né. Aquele modelo do aluno virtuoso, do aluno
talentoso, que só esse merece chance, eu acho que isso aí cada vez mais, graças a Deus, né. Se bem
que nas escolas eu ainda vejo que tem muito isso, né, por parte dos professores, a pessoa quer
trabalhar com aquele aluno que pode render muito né, e não com aquela pessoa que pode
simplesmente ser uma pessoa melhor porque tem o contato com música, né. Nisso aí eu acredito
sim, na educação pela música, na música com um poder de transformação e de melhoria da sua
forma de viver né.
Então tá Cristina. Muito obrigada.
Obrigada Também.
Até a próxima oportunidade.

Entrevista nº8 : JOEL LUÍS DA SILVA BARBOSA


Local : Salvador-BA
Data : 31.05.2002
Horário : 11 h

1. Bom dia, Joel! Primeiramente, eu gostaria de saber como se deu seu primeiro contato com
música?
Eu comecei a aprender música na Guarda Mirim Municipal de Piracicaba, São Paulo, né. Uma
entidade para menores carentes. E lá tinha uma banda e um coral e um conjunto de flautas doce. E
quando eu entrei lá, prestava serviços pra bancos, entidades da cidade né, recebia um salário, um
salário mínimo acho na época, e junto com isso, eu tinha banda, onde eu comecei a aprender
música na banda e no conjunto de flauta doce e no coral.
2. E qual é a sua formação? Depois desse primeiro contato, quais foram às outras escolas que
você estudou?
Lá eu comecei a aprender clarineta, depois de lá, eu fui pro Conservatório de Tatuí, onde eu morei
lá com a bolsa do governo do estado. Depois de lá, eu fui pra UNICAMP, fui fazer o bacharelado
em clarineta. Depois do bacharelado em clarineta, eu fui pros Estados Unidos fazer o mestrado e o
doutorado em clarineta, sendo que a minha tese foi o método de ensino coletivo para instrumentos
248

de banda. Mas durante esse percurso todo, eu sempre trabalhei tocando clarineta em diversos
grupos, orquestra, banda e música popular. E trabalhando com bandas, regendo bandas,
trabalhando ensinando e formando bandas em escolas, bandas municipais em São Paulo e também
bandas escolares né.
3. E como se deu esse interesse pelo ensino coletivo? Como é que você iniciou esse trabalho em
ensino coletivo em sopros no caso?
Eu dava aula no Instituto Adventista de Ensino, em São Paulo, né. E lá tinha uma banda, quer
dizer, eu fui responsável pra formar a banda que existia e tinha acabado. Quando eu tava dando
aula lá e montando essa banda, eu trombei na Biblioteca muito material americano que tinha lá, e
no meio tinha três, tinha uma coleção completa do Hal Leonard pra banda né. Os três volumes e
cada volume são pra cada instrumento. Então, um monte de métodos de banda,né. Aí eu comecei.
Eu peguei o método elementar, intermediário e o avançado. Comecei a usar individualmente nas
aulas, pra conhecer né. Aí falei : “Pô, que legal!”, aí fui entendendo a partir de como funcionava o
ensino coletivo, embora lá é uma escola particular, a aula lá, os atendimentos eram individuais.
Dois anos depois, eu tô já na UNICAMP e em Nova Odessa eu começo a trabalhar com a banda de
Nova Odessa, onde um amigo meu era o regente da banda. Ele me chama pra dar aula lá pra ajudar
ele a formar instrumentistas novos. Eu disse pra ele assim : “Vamos experimentar esse método
aqui!”, que era o método elementar do Hal Leonard, que aquele é da década de 70, eu acho que o
método é de 72, uma coisa assim, eu tenho lá anotado em detalhe, aí eu peguei esse método,
tiramos xerox e começamos a usar com os meninos iniciantes da banda de Nova Odessa. E o
resultado foi interessante porque a média de desistência na banda era muito alta, não só ali como na
região toda, que a gente conhecia toda região : Nova Odessa, Sumaré, Americana, Brotolândia (??),
Piracicaba, né, toda a região de Campinas. Então a média de desistência dos alunos era muito alta,
era muito alta a média. Aí conseguimos começar o ano com vinte e cinco alunos e acabar com vinte
e seis. Aí eu pensei : “Pôxa esse negócio funciona!”. E no final do ano, a gente não tinha como
tradicionalmente lá, a gente forma lá de vinte e poucos alunos, a gente formava dois que entrava na
banda dois anos depois, né. Com esse método no final do ano, nós tínhamos uma banda nova, quer
dizer, tinha a banda municipal e formamos uma banda mirim. Aí entusiasmamos com a idéia, tanto
ele quanto eu. Aí ele falou assim : “Joel, no Sumaré, que é pregado com Nova Odessa, outra
prefeitura, a banda de lá vai ter um apoio maior, a gente quer ter uma equipe maior de professores,
não só você e eu, mas outras pessoas. Vamos aplicar um outro método lá?”. Aí começamos lá, no
ano seguinte com outro método realmente, que agora não me lembro o autor do método, mas é um
método em Tatuí. A gente preocupava, “vamos experimentar um outro método agora”. Montamos
uma equipe lá, aí começamos o trabalho coletivo naquele ano né, quando foi em agosto, tive que ir
embora pros Estados Unidos né, mas ele continuou. Essa banda formada ali, no ano seguinte, em
dois anos foi campeã do estado no Concurso de Bandas e três anos depois no Concurso Nacional de
bandas. Então, funciona. O problema é que, quer dizer, que eu comecei a perceber nesse dois anos
trabalhando dentro do ensino coletivo com os meninos né, porque antes eu usei o método em São
Paulo, mas individualmente, né, no atendimento individual. Foi que, era tudo em inglês. O primeiro
método do Hal Leonard tinha as letras a ser cantadas, porque o método não era pra ensinar apenas a
ler partitura e dominar a técnica do instrumento, mas educar o menino né. Embora as bandas
trabalhem na mesma direção, inicialmente trabalha-se nesta direção, né. Aí, nós percebemos assim
: que o quê o menino interessava quando conhecia a melodia. No método americano tinha a “Jingle
Bells”, aí quando eles achavam uma música conhecida eles gostavam, vibravam. Aí eu falei assim :
“Pô, imagina se eles conhecessem mais melodias desse método”. Não conheciam porque era
americano né. Eles não podiam cantar porque era inglês e ainda, o método americano de bandas
tem um problema porque eles usam o dó móvel, não o dó fixo. Era outro problema no ensino da
teoria pra eles. E tudo era inglês no ensino do pentagrama, tudo né, a teoria toda. Então, dificultava
né. Então pensamos assim : “Pô, então, vamos fazer um método em português, sistema brasileiro e
as melodias, sejam melodias brasileiras” , né. Então, essa foi à idéia que surgiu, mas que não é
uma idéia originalmente minha não. É uma idéia, na verdade, que eu já tinha ouvido falar lá do
professor Coelho, José Coelho de Almeida, lá de Tatuí, que era né. Porque lá em Tatuí, antes de ir
pra São Paulo, o José Coelho de Almeida na banda, pegou o método e leu uma vez na banda. Eu
não sabia do que se tratava aquele método, depois que eu conheci : “Ah, esse método!”, entende?
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Mas ele nunca aplicou em Tatuí, só passou e leu pra gente conhecer o método. E nesse trabalho que
ele fez lá ficou a mensagem assim dele, de maneira inconsciente, que era bom ter um método de
banda brasileiro. Bom esse foi o contato com a?
Com o ensino coletivo. E em qual ano você começou esse trabalho lá?
Ah sim, Nova Odessa, deixa eu recordar aqui, 80, 90, 84 eu tomo contato em São Paulo com o
método, 84, né. Em 85, eu entro na UNICAMP e começo aplicar em Nova Odessa, no prédio, no
Conjunto das Artes. Deixa eu lembrar tudo certinho. Em 84 eu tomo contato em São Paulo e
começo a usar individualmente. Em 89, a gente usou em Sumaré, e no ano anterior, 88, nós usamos
em Nova Odessa, né. Foi isso aí. Na verdade, eu tomo contato com o método, mas vou usando
individualmente porque não tinha como usar de maneira coletiva lá, né. fui conhecendo aos poucos,
assim. Mas antes de 84, nesse período de 80 a 83 é quando Coelho num certo momento do ensaio,
parou e leu um desses bem facinho, que eu não consigo lembrar do autor, mas tenho anotado, esse
método a gente usou em Sumaré né, mas eu não entendia o que era aquilo lá ainda, né. Essas datas,
eu tô meio confuso na minha cabeça assim.
Isso é na década de 80.
Década de 80, isso acontece.
4. E na sua opinião, quais são as vantagens de se ensinar a partir do método coletivo? E se
existe alguma desvantagem que você acredite?
Olha só. Quer dizer, na minha experiência inicial que nós tivemos né, o quê marcou muito foi : que
os alunos, a desistência foi muito pequena, a evasão, né foi muito pequena, quer dizer não teve pra
primeiro caso. No segundo não acompanhei até o final, mas até onde eu fiquei de março a agosto,
março a setembro na verdade, em Sumaré, não tinha nenhuma né, depois eu não acompanhei mais
assim, os detalhes todos, embora, eu sei que foi muito baixo. Mas a grande vantagem que nós
vimos foi a seguinte : de um lado, vamos dizer, o método tradicional que a gente usava lá em São
Paulo e que se usa aqui, que se usa em Belém, eu já trabalhei no Pará, na Universidade do Pará,
onde eu tenho trabalhado há um bom tempo né e os mestres de banda nos encontros que eu vou, a
gente conversa, “Como é o ensino da banda?”, do ensino de instrumento nas bandas, né, e que
também é (?) assim, individualmente. O quê acontecia era, nas bandas, o aluno passa por uma fase
onde ele aprende a ler partituras. Nesse processo, ele gasta muito tempo em geral, no Brasil, com o
BONNA. Aqui na Bahia, eles chamavam de harpinha, quando o professor, como chama, é quase
um ensino quase que personalizado. Pra cada aluno, o professor fazia uma liçãozinha pra ele
aprender a dividir, a leitura musical. Então, tem uma fase só de, pra desenvolver a leitura. Essa fase
com o BONNA, você sabe, é quase um exercício silábico, quer dizer (demonstra). Nesta fase,
perdia-se muito aluno. E o aluno não tem o contato direto com a experiência musical, ali no
momento, porque fazer divisão musical, ainda que não é solfejo né, é só divisão musical, né. Aí,
entravam na segunda parte aonde pegavam o instrumento. Aí, quando ele pegava o instrumento, os
métodos usados, no caso, (?) , esses métodos todos, em geral, são métodos que mais trabalham
técnica do instrumento, sabe? Com poucas melodias. E muitas vezes, a melodia, quando ouvia,
tirava de ouvido era meio proibido nas bandas assim, né, no ensino né. Ficava muito no método e o
método e o método era técnico. Aí, depois que ele conseguia, no final desse período, a começar
trabalhar o repertório, ele trabalhava o repertório da banda, os dobrados, a marcha e tudo mais, né.
Aí, quando ele começava a dominar esse repertório, o Hino Nacional e tal, aí ele entrava na banda,
ele entra na banda. Ainda é assim nos dias atuais, né.Aí ele passava um período de aprendiz na
banda pra depois se tornar um músico da banda. Então, nesse processo se perdia muitos alunos. No
começo, sem conhecimento musical, aí na segunda fase muita técnica do instrumento, técnica
instrumental e pouca música, depois entra música, mais a música é o repertório da banda, né. Aí,
quando entrava pra banda, entrava pouquíssimos alunos na banda, muitos alunos que entravam no
começo, sobravam pra banda só os corajosos. No outro método coletivo, quando nós começamos a
trabalhar, a gente começava logo no primeiro dia com o instrumento na boca do menino, né. A
gente já “Pum”, já punha o instrumento. Aí a experiência do menino, ele veio pra tocar saxofone,
ele não quer ficar dois, três meses ou às vezes, esperar um ano aprendendo a ler partitura, de seis
meses a um ano lendo partitura pra depois pegar o instrumento, aí faz todo o trabalho técnico do
instrumento. Não. Desde o começo a gente trabalhava com o instrumento na boca e trabalhando
música. A gente trabalha desde o começo com melodias mesmo sabe, coisas bem simples, duas
250

notas, três notas. Então ele já vai desde o começo assim, tendo essa experiência musical e essa
afinidade com o instrumento, com, uma experiência musical com, relacionado com o instrumento
mesmo, onde a técnica é desenvolvida dentro de melodias. E além disso, desde o primeiro contato,
ele já percebe que faz parte do grupo, divide o grupo em pequenos grupos menores, depois junta
um grande número, a banda mesmo né. Aí, desde o começo, ele percebe assim : “Eu faço parte de
uma banda!”. Então, essa, essa, ligação com o grupo, acho que tá prendendo ele, sabe? Então, quer
dizer, ele trabalhando tudo isso junto, quando chega, quando chegava no final, a gente tem uma
outra banda montada, entendeu? Acho que isso entusiasmou e foi a grande vantagem que nós
vimos, o entusiasmo, e o desenvolvimento do menino, musicalmente falando né, eu achava que era
bem maior do que o outro método individual. Porque desde o começo ele desenvolvia habilidades
auditivas, né, em todos os sentidos, ele cantava as melodias do método,né. Aí desenvolvia melodia,
harmonia, ritmo, cantando a melodia né. E como chama? Quando a gente trabalhava musicalmente
tocando as melodias, as melodias tinham várias texturas musicais, desde a melodia acompanhada,
né, cânones, texturas corais, então, quando ia tocando aquilo, ele já é exposto à diversas texturas
musicais e já se depôs desde o começo, em tudo, nessa questão musical muito mais ampla do que
ficar seis meses a um ano batendo, fazendo divisão musical com o BONNA, né. E além de
desenvolver essa habilidade toda, ele desenvolvia a habilidade de se tocar em grupo desde do
começo, né. Percebendo o que o outro tá fazendo né. E ele aprendia muito também com o aluno do
lado, né. Por exemplo, o som dele, às vezes, falava assim, “a embocadura é assim”, na embocadura
do outro ele via “Opa!” , já corrigia a embocadura e já via, “Ah o professor faz igual dele”. Então,
ele buscava o som do vizinho, sabe? Ele ia tendo assim, modelos dentro do próprio grupo, aqueles
que iam se destacando, para que todos aprendessem. Quer dizer, vinha há muito tempo com isso,
né. Com esses modelos né. Então, tudo nesse mesmo mecanismo incentivou a acreditar no método
coletivo, né.
5. E no seu método, que você acabou desenvolvendo, os alunos a princípio não tem o
instrumento? Como é que se dá essa estrutura?
No meu método, eles já começam com o instrumento mesmo.
Mas eles possuem os instrumentos? A maioria, o curso mesmo é que oferece o instrumento ou
eles estudam em casa? Como é que é essa estrutura?
Ah sim! Bom, quer dizer, onde eu trabalho hoje, com os meninos, numa região carente, então não
tem instrumento pra casa né. Hoje já alguns já conseguiram e tem o instrumento em casa. Mas os
instrumentos ficam na sede da banda né, ou na escola. Aí, com aquele instrumental, por exemplo eu
tenho vinte e seis instrumentos né. No horário, por exemplo, das 8 às 10 da manhã, eu não faço isso
hoje lá porque não dá tempo de fazer isso lá, mas a idéia que a gente tem uma turma pegando
instrumento das 8 às 10 da manhã né; das 10 ao meio-dia outra turma usa aquele instrumento, aí à
tarde, quer dizer que tem um instrumento pelo menos sendo para quatro pessoas utilizarem, sabe?
Então, tipo assim, vamos dizer com trinta instrumentos você tem cento e vinte alunos, né. Porque,
por ser caro o instrumento naquela região carente, né. Mas a gente não faz isso não porque a gente
não tem pessoal suficiente da UFBA né, na universidade pra trabalhar lá, assim né. Então, a gente
faz cada instrumento pra dois, por enquanto, porque a gente consegue atingir no máximo duas
turmas, né, 46 alunos lá hoje, né, e alguns são monitores da UFBA da própria cidade (?), lá da
região, né. Então, a idéia do método é, o ideal é que ele tenha o instrumento em casa pra estudar em
casa. Mas por ser complicado, ele vem até a banda pra estudar, limpa, aí um outro usa aquele
instrumento e assim, né. Então, essa é a idéia.
6. E Joel o seu método prevê depois de algum tempo aulas individuais ou não? Quanto tempo
que dura essa parte coletiva de iniciação?
Quer dizer, eu acredito assim, o trabalho ideal seria o coletivo e o individual paralelo sabe? Eu
acredito que isso seria assim, o ideal né? Porque se hoje você trabalha só o coletivo, você não
consegue ver muitas coisas, carências pessoais de certos alunos sabe? Embora eu tô trabalhando o
coletivo, eu tenho aquele momento pra atender individualmente né. mas como se diz, não há uma
atenção tão específica com podia ser se fosse só individual. Então, eu tenho os monitores que me
ajudam individualmente em alguns casos né. Mas ainda assim, eu acho que o ideal seria os alunos
participarem realmente do ensino coletivo e ter o apoio individual. Mas como isso é caro, então, a
gente fica mais no coletivo e faz o atendimento individual dentro do que a gente consegue fazer na
251

carga horária né. Alguns momentos a gente fala : “Hoje depois da aula fica você” e atende aquele
aluno. Mas o processo que a gente trabalha é o seguinte, assim, dentro da metodologia mesmo : a
gente não começa com o coletivo total não, né. A gente faz o recrutamento dos alunos, aí faz a
reunião com os pais, aí os alunos são divididos em dois grupos : um grupo que eu chamo de grupo
recreativo e outro grupo cultural, que organiza as outras atividades do grupo né, aí logo depois
disso, é o primeiro contato com instrumento. A gente passa pra uma fase pra conhecer os
instrumentos e decidir qual instrumento que eu vou estudar. Aí você marca o quê eles querem
estudar né. “Ah, eu quero estudar saxofone!”. A gente passa um período, onde eles vão lá, a gente
monta um instrumento, eles tocam, eles tocam algumas músicas de duas notas, tipo (Canta) :
“Berimbau, Berimbau”. Com duas notas eles aprendem a tocar música, sem partitura sem nada.
Tudo de ouvido né. A gente vai tocando, uma metodologia que a gente desenvolveu assim : a gente
punha o instrumento na mão do menino e ensina soprar e vamos tocar junto. Aí, ele passa essa fase
: “Ah professor, na outra aula eu gostaria, eu gostei do saxofone, mas prefiro estudar trompete
hoje”. A gente dá mais um período aí de duas, três aulas, uma semana né, a gente faz três aulas
semanais coletivas né, e duas aulas de prática monitorada. Ele tá estudando e temos o monitor tira a
dúvida, né. Então, nessa semana, ele experimenta vários instrumentos e decide : “Oh, eu quero tal
instrumento!”, né. Aí quando decidiu, a gente passa uma fase, aulas de naipes. Vamos dizer,
dependendo dos alunos, a gente tem aula de saxofone e clarineta juntos. Então, nessas aulas em
naipes, que a gente trabalha já com embocadura, postura, respiração, montagem, montar, desmontar
o instrumento, enxugar, como conserva o instrumento né. E já entra no método e começa a ler, ler a
partitura no método e ler, começa a leitura musical já no método nessa segunda semana né. Aí,
então, as aulas em metais agudos, metais graves, percussão, madeiras, são os naipes. Aí depois que
passou essa fase dos naipes, quando a gente sente que todo mundo já consegue tocar a primeira e a
segunda fase do método né, todinha, assim, sem problema com divisão e né, aí a gente marca o
encontro.A primeira aula com tudo junto, embora eles já tiveram essa aula com todo mundo junto
naquela semana onde todos experimentavam os instrumentos sabe? Aí passa uma aula todo mundo
junto pra conhecer o instrumento sem a leitura de partitura, aí no outro período específico de
técnica individual de instrumento né, aí começou a ler a partitura, aí todo mundo junto. Aí quando
chega na aula coletiva agora, eu já sei quem vai ter dificuldade em embocadura. Então, quando eu
tô fazendo o ensaio coletivo, eu fico corrigindo um : “Olha abaixa a embocadura!”, “Olha a
postura!”, sabe?, “Olha a respiração de fulano!”. Quer dizer, aí vai seguindo, né. Aí vai seguindo e
dando o acompanhamento individual dentro do necessário sabe? E agora, chega um certo
momento, que o método realmente, depois que fica um ou dois anos, dependendo do
desenvolvimento do menino, e a partir daí, vem encaminhando para a aula individual mesmo, sabe?
Musicalmente, eu posso dar de fato, para todos instrumentos ali né, mas tecnicamente, eu me limito
mais aos instrumentos que eu conheço mais, né. E quando não conheço, tento arranjar alguém que
possa encaminhar. Assim que é possível né, porque quando eu trabalho no caso lá, tem pessoas que
não tem condições de pagar outra pessoa, né. Mas eu acho que é só isso, as fases todas, né.
7. Então, a princípio a carga horária desse aluno iniciante é qual, no começo?
A gente já trabalhou de várias maneiras lá, sabe? No começo a gente fazia só uma aula semanal,
sabe? Era lento, mas o aluno tinha chance de, no começo de tudo, eles não tinham essa chance, era
só uma aula por semana mesmo. Depois eles passaram assim a ter alguns dias que podiam ir lá,
praticar. Tinha uma hora por semana e praticava, sabe? A aula era de uma hora à uma hora e meia,
né. Assim, depois, quer dizer, o ideal a gente queria que fosse três aulas, né, semanais, pelo menos
né. Hoje, nós temos duas aulas semanais e fora esse período, alguns alunos vão lá praticar e acabam
tendo chance de às vezes ter um monitor tá lá, pra eles praticarem. Não é, o trabalho lá ainda não tá
assim totalmente bem definido nesse sentido, porque nós não temos financiamento pra pagar um
monitor, pra, então, a gente comenta, “Pode vim?” , “Posso!Ah eu vou atender os alunos X tal dia”,
né. É muito mais na base da amizade, né. Com exceção dos alunos da UFBA que vão lá e dão essa
aula, uma aula ou duas aulas semanais acontecessem. Aí a prática monitorada que eu chamo, que
depende dos meninos que moram lá estarem disponíveis, esse negócio todo, né. Mas o quê, o
método que eu conheço, como funciona bem esse método na escola, é assim : chega pro cara :
“aula de uma hora por dia, cinco dias na semana”. É porque meu horário todo mundo vem pra aula
de banda, senta pega o instrumento e toca, fica lá hora tocando mesmo. Esse sistema que eu tenho
252

visto faz funcionar, ou pelo menos, três aulas semanais. È, em se pensando que o aluno não leva o
instrumento pra casa pra estudar, o contato dele é naquele horário de ensaio, cinco dias na semana.
Quer dizer, ou cinco aulas coletivas, ou três aulas coletivas e mais dois períodos monitorados. O
problema das aulas monitoradas é que, se o cara não for estudar uma música diferente, não tem
espaço. Tem que ter espaço físico pra dividir cada um numa salinha, pra eu passar pra conferir.
Então, o ensino carece e não tem salas. Então, às vezes, acaba sendo ideal que seja cinco aulas
semanais mesmo, que todo mundo está estudando a mesma coisa, o mesmo horário, tem só vinte e
cinco. “Agora só você”, “Agora vocês dois”, sabe aquele negócio todo. Então, eu passei uma
prática, é um ensaio né, é uma prática de instrumento coletiva, um ensaio coletivo, entendeu?
8. E a faixa etária trabalhada? Qual é?
A gente pega assim, de dez a dezessete anos que a gente trabalha, sabe, mais, né. Por exemplo,
alunos mais velhos se tornaram monitores hoje, até vinte e dois anos. Agora na UFBA, nós
trabalhamos já com uma faixa bem de adulto mesmo, de vinte até tem gente lá de cinqüenta e sete
anos.
9. Então, fala pra mim um pouquinho do trabalho, onde você atuou com o ensino coletivo e
onde você atua nesse projeto? Onde que é e como é que está sendo desenvolvido? Então,
primeiro onde você atuou e agora na Bahia onde é que você atua?
Quer dizer, lá em São Paulo foi na Banda Municipal de Nova Odessa em Sumaré, né. É, usando o
método individual e não coletivo, mas ??? em São Paulo. Aqui, inicialmente comecei aplicar na
UFBA mesmo, duas turmas de alunos no curso de extensão.Pagavam o curso na verdade, alguns
tinham o instrumento, outros não tinham. Os alunos lá da UFBA né? Depois eu consegui uns
recursos na Sociedade de 1º Maio, nesse convênio com a Escola de Música, conseguiu-se do
governo, aí começamos a trabalhar nesse convênio que estamos até hoje. Há quase quatro anos,
chama-se Sociedade 1º de Maio. È uma ONG que trabalha com várias, vários cursos, sabe? Tem
escola de 1º Grau, tem creche, tem tudo quanto é coisa assim, curso de serigrafia, mecânica de
automóvel, aí implantaram música porque dentro desse programa tem uma aula de reforço escolar,
é tudo através da arte, das diversas linguagens : teatro, pintura né, aí e música né. E aí que eu entrei
com a música. Então, lá nós estamos já há quatro anos. Lá você chama laboratório assim, onde
além do método, nós já fechamos o método, agora estamos usando um repertório didático que é o
que acompanha o método, o método né, a questão didática para uma banda coletiva tocar né,
arranjos com composições né. Que a gente faz, que os alunos fazem, eu faço, a gente experimenta e
vê o que funciona e o que não funciona pra, se de cada nível da Sociedade 1º de Maio. Aí, eu passei
mais um período de um ano, agora não tô mais, aqui Centro Social Urbano de Mussurunga, em
Salvador também, com, foi começado por um ano, mas depois por questões governamentais a coisa
não funcionou, não tinha recursos, parou, assim não dava para trabalhar com, lá, aí desistimos do
trabalho lá. È, paralelo com isso, a gente, eu faço, dando cursos em vários lugares, onde pessoas
passaram a aplicar o método, né. A Weril financia experimentar esse método lá na ULM, na
Universidade Livre de Música em São Paulo né, ligado ao foco das artes, que eu freqüentei o curso
várias vezes, em cursos em vários pontos no Brasil, né, e em São Paulo, tem diversos lugares
usando o método também que eu acabei fazendo né, nessa metodologia, vários pontos no interior,
Rio, aqui em Sergipe, em uma banda municipal ??, e no Pará, tem cursos, tem um projeto de
bandas muito grande dentro do Pará. Aqui na Bahia tem Cachoeira e Salvador. E Minas Gerais
começou, mas ainda a faixa etária, o pessoal já sabia tocar, aí então, partiram já para um outro
nível, e disse que ia começar uma turma de iniciantes.
10. E atualmente, hoje você tem um projeto social, também envolvido com a banda? Aonde...
(Interrompendo) Isso. Esse projeto social que é na Sociedade 1º de Maio, que é, que funciona
assim, tem uma, no começo, eu comecei conforme eles pediram, um bocado de música lá, fui e
alguns dos meus alunos como voluntários fazerem o trabalho. Aí a UFBA tinha um programa
chamado “UFBA em Campo”, um programa de extensão. Aí pegava os alunos da Escola de
Música, eles iam comigo e ganhavam um crédito de disciplina né, de extensão. Aí depois desse
programa individual começou um outro programa individual, começou um outro programa o ano
passado chamado “ACC – Atividade Curricular em Comunidade”. Os alunos iam comigo para
trabalhar com o método, conhecer, mas os alunos da UFBA eram treinados, Licenciatura e
Bacharelado, para trabalhar com essa metodologia coletiva, né. E ao mesmo tempo, os alunos de
253

Composição e Arranjo faziam composições para experimentar o que funcionava dentro daquele
nível didático. Eles aprendem a escrever só música para profissional tocar na UFBA né. Ali é o
contrário, um pouco vai escrever para iniciante de seis meses e um ano tocar né. Quer dizer, não
conhece o instrumento com detalhe. É, então, aí, nessa Atividade Cultural em Comunidade, ACC,
que estamos até hoje com ela, acontece dentro da sociedade sob a parceria UFBA e Sociedade 1º de
Maio, nesse projeto que eu estou engajado até hoje com eles né, embora isso não é uma atividade
fixa lá na UFBA né. Tá pra ser aprovada né.
11. E Joel, como é que você vê a pesquisa e os trabalhos, no geral, em ensino coletivo no país?
Fale um pouco sobre o quê você conhece, o trabalho de outras pessoas não só em sopros, mas
em cordas, em violão. Então, assim, como está o panorama no Brasil de metodologias para o
ensino coletivo? O quê que você conhece, o quê que você já viu por aí?
Quer dizer, eu conheço mais, realmente, o, na área de sopros, né, na qual eu convivo. Aqui eu
acompanhei Diane Santiago nos teclados, piano e teclados, acompanhei Cristina com o violão, o
Projeto Guri eu sabia, mas nunca pude acompanhar de perto né, apenas com esse amigo Daniel
Tamborim que me informava : “Tá indo assim, legal!”, mas faz um bom tempo que eu não o via né,
mas ?? com sessenta e quatro pontos. É aí eu conheci esses pontos aonde essas pessoas que vieram
fazer o curso comigo, de vários lugares do Brasil até na Colômbia, alguma coisa assim, tem
pessoas se interessando realmente, querendo usar, mas que alguns que pegavam o método
americano, tentando usar, mas tendo dificuldade por causa da língua, esse negócio todo, né, e esse
foi o caso de um regente, como é que chama? De uma cidade em São Paulo, na beira do mar, numa
cidade praiana, não lembro o nome, e começou a usar lá, né, questões de alguns anos atrás. E aí,
quando ele conheceu meu método, ele inverteu, ele deixou o método americano, agora tem em
português, vou levar para as crianças, né. Esse eu acompanhei, em Tatuí né, desde que eu voltei nos
Estados Unidos, aí, alguns, alguns amigos lá e colegas de trabalho, começaram a usar o meu
método lá, né, dentro do Conservatório. Mas eu tenho acompanhado assim, mais em relação aos
sopros mesmo, aos sopros. Antes disso, eu acompanhei, por exemplo, quando eu estava fazendo a
pesquisa com o meu trabalho de doutorado, eu, na verdade, acompanhei tanto depoimento de
pessoas quanto li né, o trabalho do Jaffé né, em vários pontos, e dessa Linda Kruger, que é uma
americana do Texas, que passou um período em Belém, tentando fazer um trabalho de, um método
como é que chama de cordas né, usando música brasileira. Aí na verdade, eu nem sabia que existia
isso, quando eu tava numa biblioteca nos Estados Unidos pegando material bibliográfico para a
minha dissertação, eu acho uma tese exatamente, eu falo assim : “Pô, essa mulher fazendo aquilo
que eu exatamente queria fazer, só que pra cordas!”. Aí, quando eu estava lendo a tese dela, eu vejo
tudo isso e digo : “que legal !”, né. Quer dizer, eu vejo assim, que a minha idéia não era uma idéia
sozinha né. Então, quer dizer, eu morei com pessoas que trabalharam, que foram alunos do Jaffé
em vários pontos. Tanto pessoas que, alguns estão até em Salvador hoje né, que aprenderam ou em
Fortaleza né, que ele trabalhou, Brasília teve, e em São Paulo né. Mas São Paulo como é
desenvolvido. Mas, quer dizer, eu tenho visto assim e o trabalho do Abel, ??? pessoas que me
comentam né. Então, tem um trabalho muito bonito de sopros, é que o ensino toca com o coletivo
mas numa outra, numa outra direção, que acontece em Volta Redonda, no Rio com, esqueci o nome
do professor lá, conversamos várias vezes por telefone trocando idéias, coisas assim, né. Eu tenho o
nome dele escrito, se precisar... Lá em Volta Redonda, ele tem um trabalho ligado à escolas
municipais, né. isso um trabalho acompanhado, de, quer dizer, aí eu acompanhando, o pessoal que
passou a usar meu método, em lugares como São Paulo, o pessoal sempre mantém contato como ta
indo esse trabalho, tando assim, tudo isso, tudo aquilo, não passou disso, não faz aquilo.
12. E professor, sobre a questão da função social da música, você acredita que o método
coletivo de ensino de instrumentos ele democratiza o acesso do cidadão comum, do cidadão à
Educação Musical? Como é que você vê essa ligação entre o ensino coletivo e a função social
da música ?
Na minha própria experiência pessoal, eu comecei numa entidade pra menores carentes né. Se não
fosse aquela oportunidade, hoje eu não seria o músico (acabou a fita).
Então Continuação da entrevista com o professor Joel Barbosa. Joel, então, a questão da
relação entre a, o ensino coletivo e a função social ? Como é que você vê essa questão?
254

E, pensando na minha própria experiência pessoal, se não fosse, embora não era ensino coletivo na
época né, se não fosse a música ali, sendo oferecida pra menores carentes, eu não tinha tanta
experiência, nem a oportunidade de me tornar um músico profissional né, hoje né, trabalhando com
isso. É, depois disso né, eu trabalhei em algumas bandas municipais de São Paulo, onde a clientela,
eram crianças, realmente, de, carentes né. E depois, eu pude acompanhar o processo dessas
crianças que hoje são profissionais de música né. E histórias interessantes, assim, como na época
quando a gente estava aprendendo, isso já é com o ensino coletivo né, em Nova Odessa e Sumaré,
onde o pai vinha e dizia assim : “Ò professor, eu vou tirar o meu filho porque eu prefiro que ele
trabalhe na lanchonete, em algum lugar aí, pra ajudar em casa e ter dinheiro, né”. E eu tentando
segurar o filho lá, uma coisa assim, e quando eu volto depois de três anos depois, aquele menino
ganhava três vezes mais que o pai né, com música. Então quer dizer, essa coisa toda né. E agora,
mas, na Sociedade 1º de Maio, numa maneira de falar, existe uma ?? trabalhando com os meninos,
o que a gente vê assim, é a dimensão da cabeça dos meninos sabe? Passa a ser, passa a buscar
outros horizontes mesmo, sabe? Tanto a questão social , a questão política, a questão educacional, a
maioria, eles querem ser hoje músicos profissionais, querem fazer vestibular pra música na UFBA
sabe? Quer dizer, alguns alunos estavam assim com a escola e hoje querem estudar realmente na
escola, sabe, todo, por estar envolvido nesse processo de aprendizado no instrumento, sabe e
coletivo né. Agora, o preço do aprendizado é caro né. Porque a aula individual é cara e o
instrumento é caro né, pensando nessa faixa da sociedade né. Então, com o ensino coletivo, você
consegue um ensino eficiente, né, pedagogicamente falando, e ao mesmo tempo, você consegue
baratear muito, porque o professor vai ser pago por diversos alunos né, àquela hora aula que os
alunos estão pagando e o instrumento pode ser usado por vários alunos. Desde que exista um
sistema de que o aluno vai até lá, né, pra, realmente pra aprender o instrumento. Então, eu acho que
com o método coletivo a gente consegue como se fosse democratizar, ou realmente deixar a música
disponível, num preço acessível, para uma maior parte da população. E facilitando até para a
música entrar realmente, na escola de 1º e 2º Grau, quer dizer, não tinha outra maneira da música
instrumental estar presente na escola de 1º e 2º Grau, a não ser pelo ensino coletivo, não é?
13. É. E Joel, em relação ao seu método, eu queria que você falasse mais sobre o seu
referencial teórico.
Então, o método quando eu fui elaborá-lo, né. Eu fiz uma revisão bibliográfica extensa de vários
autores que trabalhavam com ensino coletivo (Interrupção).
Joel, eu queria que você falasse sobre o seu referencial teórico? É, qual foi o referencial
teórico que você desenvolveu a sua metodologia?
Na verdade, quando eu comecei a fazer o método para a iniciação, a revisão bibliográfica inicial, eu
trabalhei dentro de diversos educadores, né. Então, Kodály, o método do, do japonês...
Suzuki.
Suzuki, né. A metodologia geral deles né. E depois diversos autores que trabalham com ensino
coletivo de instrumentos de banda especificamente né e diversos livros afim, e por último, eu
peguei foram vinte e um métodos de banda, pegando assim, desde da década de 40 que eu
encontrei, até no momento que eu tava escrevendo, que foi em 92, 93. Assim, os que eu pude ter
acesso, né. E fiz uma, e analisando esses trabalhos todos, e tinham diversas dissertações que eu
pude, olhar de mestrado e doutorado, nessa que trabalhavam, e experimentavam diversas
metodologias de ensino, dentro da metodologia coletiva né. Aí, eu acho que foram, olha, os autores
todos, não quero impressionar, acho que teve uns catorze dissertações, de mestrado e doutorado,
que fizeram experimentos, dentro do ensino coletivo de instrumentos de banda, o que usar, se
ensina isso e se ensina aquilo primeiro, sabe?
Todas essas americanas?
Todas essas americanas, todas americanas né? Então, quando eu passei, incluindo essa da Linda
Kruger que eu né, que era pra cordas. Então, a partir desse arcabouço de idéias né, eu podia passar
mais ou menos só uma linha desses métodos todos né, que todos eles trabalhavam. Aí eu decidi,
como seria mais ou menos o método, porque o método poderia sair. Quer dizer, eu baseei
francamente, em cinco itens, depois de organizar essa, essa bibliografia toda. E em geral, o ensino
de instrumento individual é muito em leitura de partituras e técnica instrumental (interrupção).
Então, são cinco pontos importantes que eu achei que devia incluir no método a partir das
255

experiências que eu vi né. Umas das experiências que foram feitas, experimentos científicos que
foram feitos, que realmente mostravam que podiam ser incluídos no método e outros que eu ainda
estava em dúvida, sabe? Principalmente assim, uma linha de Educação Musical muito forte nos
Estados Unidos na época que eu tava lá, o Comprehensive Musicianship, que é trabalhar a
musicalidade inteira do aluno né. E aí tem métodos de banda que trabalham muita criatividade,
improvisação, trabalham composição desde o início né, e com menos ênfase em técnica
instrumental, esse negócio todo? Mas quando eu olhei pra tudo isso, eu bati em cinco pontos
importantes, que era realmente, a leitura, né, a técnica instrumental, logo em seguida a percepção,
então, do método uma grande linha fazia em cima de cantar né. Edgar Willems que através das
canções que você canta né, cantando que você desenvolve as questões rítmicas, as questões de
afinação, questões de textura musical, de interpretação das frases, das canções né. È, isso ainda,
quer dizer, o método todo em cima de Canções Brasileiras baseado no que Kodály diz que
“aprender o desconhecido através do conhecido”, né. E esse conhecido né, ele disse que é a língua
musical mãe que nós temos né. Então, isso tá presente na nossa música folclórica, na nossa música
popular. Então, e o desconhecido seria exatamente a leitura musical e auxiliar (??) a técnica
instrumental. Quer dizer, o instrumento, aprender música através da nossa língua musical mãe,
como Kodály coloca né. Por isso que é um método todo ensina o repertório de música folclórica
brasileira, né. Bom, então vamos lá, leitura musical, técnica, aí depois percepção, cantando em
cânones, em cantando o método todo ali, teoria da música atualmente né, tem diversas teorias,
organizando a teoria da música toda ali, e por último, a criatividade, onde o método inclui
atividades de improvisação, né, eu ainda inclui composição, né, alguns métodos inclui, mas eu
coloco improvisação dentro do método, logo no começo, já, o aluno sabe duas notas, a gente já
começa a trabalhar improvisação. Com esses cinco itens que eu retirei de vários autores que
pesquisaram e analisam todo o ensino coletivo né, para buscar né.
14. E Joel, pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o seu trabalho,
sobre o ensino coletivo, e até mesmo uma sugestão a fazer?
Deixa eu pensar aqui (risos).
Sobre alguma sugestão, alguma coisa, alguma pessoa que você acha que eu deva entrevistar,
alguma, alguma palavra final?
Eu acho assim, uma pessoa que seria interessante se você voltar pra São Paulo e conversar, embora
a área dele é mais de sopro também né, mas ele desenvolveu um trabalho de ensino coletivo
também no SESC, atualmente, é o José Coelho de Almeida, que é o ex-diretor do Conservatório de
Tatuí. Ele reside em Tatuí novamente. Ele foi diretor por muitos anos né, foi uma pessoa que, acho
que, deu o pontapé, eu vi o método coletivo, mas eu não conheci e não entendi nada também, né.
Depois que eu fui entender e fui entender a idéia dele né.È igual a idéia dele, ele traduziu o método
americano pro português. Hoje, quer dizer, o que eu to fazendo hoje, quer dizer, foi um erro que eu
fiz ao fazer o método que hoje eu estou tentando corrigir, se você for, fazer um novo método ou
não né. Mas, por exemplo, eu achei que essa história da língua musical mãe que a gente usava no
método bastava eu usar a música, o código? brasileiro ou a música brasileira. Mas na verdade, na
construção do método, tipo assim, o quê que aprende primeiro? Aprende isso, depois aprende
aquilo. O quê que aprende primeiro? Qual é o intervalo brasileiro? O intervalo de segunda maior,
segunda menor, terças? O que vamos aprender primeiro no instrumento? Qual ritmo que a gente vê
primeiro? Vai vim isso, vai vim sincopas, seguida de pontuadas, seguida de colcheia? Quer dizer,
nessa seqüência toda, eu quando arranjei os métodos americanos, eu vi que quase todos eles tinham
a mesma seqüência dos elementos que deviam ser aprendidos, tanto em teoria quanto em ritmo,
quanto à seqüência de notas nos instrumentos. Eles tinham uma seqüência muito parecida, sabe?
Vinte e um métodos, tanto os antigos quanto os mais recentes. Aí quando eu vi isso, eu falei assim :
“Ah, vou seguir!”. Eu peguei mais ou menos um padrão geral daquilo lá. Eu peguei a seqüência dos
elementos a serem ensinados em cada página do método, certo? Aí eu fui encaixando música
brasileira de acordo que, com, atingisse aquele andamento do aprendizado, sabe? Hoje a minha
pesquisa mudou, eu tô procurando estabelecer através do que a professora Alda de Oliveira na tese
dela, ela analisa elementos musicais mais freqüentes na nossa música. O quê é mais freqüente, é o
tom maior ou o tom menor. O quê é mais freqüente? A escala pentatônica? O quê é mais freqüente,
o ritmo de síncopa ou semínima pontuada com, semínima pontuada com colcheia? Sabe? Então,
256

quais são os ritmos na seqüência? Então, a partir disso, a gente vê, se isso é mais freqüente do que
aquilo, então isso deve ser aprendido antes do que outra coisa? Então, isso eu baseei, inicialmente,
do método americano, certo? Eu tirei de lá e encaixei na brasileira. Hoje, pelo contrário, eu tento
estabelecer essas seqüências, ?? a serem aprendidos. “Ah, primeiro eu vou ensinar...” . A primeira
nota do meu instrumento é sol, né, talvez a segunda deva ser um fá, intervalo de segunda maior, ou
então, deve ser um fá sustenido, porque a segunda menor é mais recorrente. Nós estamos fazendo
um estudo de freqüência de elementos musicais pra estabelecer essa ordem de metodologia , pra
depois, a partir daí, encaixar as músicas, né. Eu quis, eu baseei na música brasileira porque na
música brasileira, mais esse cerne né, que era assim, o quê aprenderia antes né. Quer dizer, baseado
nos resultados que nós temos hoje, tanto na pesquisa da professora Alda de Oliveira quanto o que
nós tínhamos feito, quer dizer, não fugiu muito do que o método tem de importado dos Estados
Unidos, mais uma adaptação né, com exceção da coisa rítmica né, que realmente a síncopa aparece
??? um pouco mais cedo no método né. ??? E um pouco mais de músicas com, em tom menor.
Porque lá é uma, é bem menos, a música é mais em tons maiores né. As escalas nordestinas, como
conhecemos, e mais, tem muito pouca, acho que posso incluir mais. Então, quer dizer, hoje a
pesquisa, olhando para nossa língua musical mãe, eu acho assim, eu to refazendo o método
sozinho.
Então Joel, muito obrigada ! Espero te reencontrar, revê-lo em breve! Muito Obrigada!
Às ordens!

Entrevista nº9 : ENALDO OLIVEIRA


Local : São Paulo
Data : 10.08.2002
Horário : 10 h

1. Bom Dia, Enaldo! Para iniciar essa entrevista, eu gostaria de saber como se deu seu
primeiro contato com a música?
Eu comecei a estudar música quando eu tinha sete anos, em Belém do Pará. Primeiro eu fiz um
curso de musicalização, somente pensando na preocupação do fazer musical, sem uma abordagem
instrumental. Aos nove anos eu comecei a estudar violino, com dezessete anos, eu fiz a, eu mudei
pra São Paulo pra fazer o bacharelado na Faculdade Santa Marcelina e depois eu fiz o mestrado na
Universidade de São Paulo e é basicamente essa a minha formação musical, né.
2. E como se surgiu o seu interesse pelo ensino coletivo?
O ensino coletivo foi mais ou menos a uns, deixa eu ver, meu filho tem oito anos, mais três onze
com mais dois (risos), mais ou menos, uns treze a quinze anos atrás, por intermédio de um amigo
meu chamado Mário Vergio que foi aluno do professor Alberto Jaffé. E ele me mostrou um CD que
o professor Alberto Jaffé gravou com os alunos do SESC pra demonstração do trabalho dele. Esse
CD foi, esse CD não, esse LP, na verdade, foi gravado com oito meses de trabalho dos alunos e o
resultado musical desse, desse disco, despertou toda a minha curiosidade pra como se realiza essa
questão do aprendizado musical coletivo. O aprendizado instrumental coletivo.
3. E qual é a sua experiência em relação ao ensino coletivo? Aonde você trabalhou? Em que
lugares você atuou e atua?
Bom, a partir dessa, desse despertar para o ensino instrumental coletivo, eu comecei a querer a
trabalhar com essa prática de ensino. Trabalhei alguns anos na Escola Britânica de São Paulo, onde
eu tinha classes de ensino de cordas, foi muito bom porque eu trabalhei junto com o professor
Coelho de Almeida, José Coelho, que é um excepcional professor de banda, também pra fazer
iniciação instrumental. E depois eu fui trabalhar na Universidade Livre de Música, eu tinha um
projeto lá pra criar classes coletivas e heterogêneas, você sabe muito bem o que significa classes
heterogêneas, violino, viola, violoncelo e contrabaixo. Mas infelizmente não havia disponibilidade
de recursos pra fazer dessa maneira, aí eu comecei fazendo ensino coletivo de violino, com classes
de dez a quinze alunos. Foi quando surgiu a oportunidade de eu trabalhar no Projeto Guri, que o
Projeto Guri estava no início, tinha apenas dois pólos e eu vim justamente pra fazer uma
sistematização pedagógica dos procedimentos que o Projeto Guri precisava. Porque ele tinha mais
257

ou menos um ano de fundação, tava trabalhando em termos de metodologia de uma maneira um


pouco curiosa e aí eu vim justamente, consegui fazer uma reestruturação de toda essa área
pedagógica do projeto, criando quanto alunos precisamos ter em turma, qual é a periodicidade das
turmas, como se trabalha dentro do ensino coletivo, né.
4. E Enaldo, então me fala sobre essa experiência no Projeto Guri? Como se dá, qual é a
carga horária das aulas, qual é o número ideal de alunos que você acha, me fala um pouco
como funciona?
Olha, eu queria falar antes um pouco do quê que é ideal para o aprendizado de música, né? O ideal
para o aprendizado de música é que você tenha aulas individuais diárias com pelo menos uma hora,
duas horas de aula, com um professor. Obviamente isso tem um custo fenomenal e nós teríamos
que ter milhões de pessoas como Airton Pinto, Maria Vishnia, como Watson Kliss??, para dar aula
pra tanta gente, nessa maneira. O ensino coletivo vem justamente pra tentar utilizar a questão de
recursos de infra-estrutura e de pessoal né, pra que um professor com uma qualidade, de uma boa
qualidade, possa atender a um número maior de alunos. Dentro do projeto, eu comecei trabalhando
na FEBEM com turmas de, que tinha, três vezes, aula três vezes por semana durante duas horas.
Eram turmas de violino, viola, violoncelo e contrabaixo e a gente tinha mais ou menos dentro de
cada turma, de vinte e cinco a trinta alunos, né. O quê que é ideal dentro do ensino coletivo? É que
você tenha pelo menos uma periodicidade de quatro vezes por semana, e uma hora e meia de aula.
Ou seja, uma carga horária de seis a oito horas por semana, né. Como dentro da FEBEM a gente
tinha facilidade de os alunos estarem no local de, aonde aprendiam os instrumentos, então a gente
conseguiu fazer três vezes por semana. O quê acontece é que alguns pólos do Projeto Guri, apesar
de estar muito próximo a população que eles atendem, a gente tem dificuldade em colocar uma
periodicidade de três vezes por semana. Porque significa gastos desse aluno com transporte ou
mesmo esse aluno precisa trabalhar, então em geral, dentro dos pólos do Projeto Guri, a gente
trabalha com duas vezes por semana, com uma média de uma hora e meia de aula pra cada turma
né. Os sopros dependendo da carga horária que a gente tem pra cada pólo, varia de uma hora a uma
hora e meia também.
5. E em relação, você acredita que existe alguma, quais são as vantagens dessa abordagem de
democratização do ensino de música e dar uma maior acesso as pessoas iniciarem o
instrumento...
(Interrompendo) Isso.
Quais as vantagens desse ensino, as outras vantagens de se iniciar através do ensino coletivo e
se existe algumas desvantagens? Como é que você vê em relação ao ensino individual?
Olha, as vantagens que o método tem é principalmente a otimização de recursos instrumentais, ou
seja, tem um número de instrumentos que você pode utilizar para vários alunos ao mesmo tempo,
né. E também, a otimização do tempo do professor, em que eu tenho que, eu tenho um professor
que pode atender, um bom professor que pode atender um bom professor que pode atender um
grande número de alunos. Eu acredito que realmente essa seja a melhor das vantagens né. Porque o
Projeto Guri hoje está indo pra 106 (cento e seis) pólos, pra atender vinte mil crianças. Se eu
tivesse que atender esse número de crianças com professores individuais, a gente teria que ter um
número enorme de professores individuais, né. Tanto quanto no processo coletivo quanto no
processo individual, a periodicidade do número de aulas por semana precisa ser grande,
infelizmente aqui no Brasil, a gente sempre tem aquele costume de que o professor tem uma aula
por semana com o aluno e esse aluno vai embora pra casa e passa sete dias. Se você for pensar um
pouco como é que se aplica aulas individuais, por exemplo, na Rússia. Você vai ter que, você vai
ver que os alunos têm pelo menos duas aulas por semana de duas horas, individualmente. Então,
também é uma grande carga horária de aula, né. Então, como eu tava falando, a questão da
otimização do número de professores, perdão eu me perdi. Tanto faz no processo individual quanto
no processo coletivo, o aluno precisa de um grande número de aulas, né. Então, qual é a tendência
desse número enorme de alunos, vinte mil, com aulas individuais, ele precisaria de um número
enorme de professores. E que todos esses professores, fossem capacitados para formar alunos, né,
utilizando essa prática coletiva, precisa de um número muito menor de professores. E, necessitando
de um número menor de professores, eu tenho a possibilidade de escolher melhor quem são esses
professores, e que tem o perfil para trabalhar com os alunos. Porque a gente tem algumas falhas lá.
258

Por exemplo, ninguém possui uma formação específica para ser professor de instrumento. Em geral
o instrumentista que aprendeu a tocar, e aí vai transmitir seus conhecimentos pros alunos. Isso
muitas vezes, isso muitas vezes da certo, mas muitas vezes também dá errado. Porque você precisa
toda uma formação metodológica, pedagógica de como ensinar o aluno que isso não é passado
quando você aprende a tocar o seu instrumento, né. Então, pra gente ter dentro do Projeto Guri um
número, eu já nem sei quantos funcionários a gente tem hoje, mas eu acredito que esteja por volta
de uns quinhentos a seiscentos funcionários, dentre esses, pelo menos uns quinhentos devem, ser
professores, né. Pra gente ter quinhentos professores com o perfil pedagógico de forma, que tenha
uma formação para dar aulas, independente se elas são coletivas ou individuais, é necessário um
grande esforço pra formar esses professores. Imagina atender esses vinte mil alunos, eu precisaria,
chutando alto, pelo menos uns quatro mil professores, né. Então, pelo menos, oito vezes a mais
esse número de professores. Então, eu acredito que realmente, a principal vantagem do ensino
coletivo, se reside nisso, de utilizar um número pequeno de recursos e ampliar esse número de, de
recursos em relação a questão do número de atendimentos. Obviamente, que existem outras
vantagens, existe a questão da socialização desse aluno porque ele está justamente começando
dentro de uma prática coletiva, ele aprende a respeitar e a manter as relações com seus colegas, né,.
Por exemplo, se hoje nós estamos dentro da mesma sala de aula e eu tenho uma dificuldade, e você
não respeitar esse meu momento, amanhã pode ser que você tenha uma dificuldade e eu também
vou me sentir no direito de não respeitar. Então, essa questão do respeito mútuo e do respeito em
viver na coletividade, é muito aprendida pelos alunos, né. Você respeitar o teu semelhante, aquele
que é aluno como você, é uma das lições que se aprendem rapidamente, né. Por outro lado, o fazer
musical coletivo, o professor Jaffé tinha uma frase que era muito boa, ele dizia assim : “Quando
você aprende a tocar um instrumento de cordas, como por exemplo, o violino as sonoridades
iniciais são extremamente ruins, a produção do som e tudo mais é uma coisa que realmente não dá
muita satisfação, quando você coloca isso dentro de um grupo, né, do processo ensino coletivo,
essas, essas, esses sons não muito agradáveis, eles vão se amenizando e aí, a sonoridade em si fica
quase aceitável”. Essa era mais ou menos a frase dele. Porque ele queria dizer com isso é que
quando você ta estudando violino, por exemplo, individualmente a sonoridade é muito ruim. A
somatória dessas sonoridades dentro de um grupo, ela fica quase aceitável. Não fica tão ruim
quanto individualmente. Bom isso gera pro aluno, um estímulo realmente adicional, porque ele não
percebe tanto as coisas ruins que tem no seu próprio som e o resultado musical acaba
entusiasmando ele porque ele ta percebendo uma coisa melhor do que realmente a realidade
individual dele, né. Tem esse aspecto. Um outro aspecto que a gente pode abordar (interrupção).
Então, continuando...
Nós estávamos falando do incentivo ao aprendizado musical pela questão de uma percepção um
pouco mais satisfatória pela questão do processo coletivo. Dentro do Projeto Guri, eu pude
perceber também um aspecto muito interessante relacionado a auto-estima do aluno,
principalmente em relação a Febem. Por exemplo, como é que se, como é que se pode perceber
essa melhora da auto-estima. Os alunos vão pra Febem ou todos os nossos alunos que tem um perfil
culto, social desfavorável, eles recebem a seguinte mensagem da sociedade : “Você não serve para
viver em sociedade ou você não serve para ter um bom atendimento médico ou você não serve para
ter uma boa casa”, né. Então, isso deixa a auto-estima do aluno, a realidade social dele, deixa uma
auto-estima muito baixa, né. a mensagem básica que ele tem dentro dele é “você não serve pra
nada”. Com o desenvolver do processo de aprendizagem instrumental, ele começa a perceber que
ele serve pelo menos para aprender a tocar um instrumento. E se ele é capaz de aprender a tocar um
instrumento e produzir algo tão bonito quanto à música, ele capaz de fazer outras coisas tão bonitas
quanto isso. E isso começa a desenvolver essa auto-estima no aluno. Por exemplo, dentro da
Febem, pra preparação do primeiro concerto, eu deixei que eles escolhessem a roupa que eles
queriam tocar. Extremamente preocupado porque eu achei que ia dar tênis, calça de boca larga e
camiseta. Eles escolheram sapato social, meia social, calça social, cinto social e camisa social, né.
Eles tinham um extremo orgulho de ir para o palco e receber os aplausos, né. Porque isso tudo
significava a prova pra eles e pra sociedade que eles servem sim para alguma coisa, né. Isso eu
também percebi dentro de vários outros locais economicamente desfavoráveis que eu trabalhei.
Outra coisa importante que me aconteceu dentro da Febem foi mais ou menos em maio, final de
259

maio daquele ano, nós estávamos preparando para fazer o concerto de Campos de Jordão. E ouve
uma grande rebelião dentro da Febem, eu não sei se você conhece a Febem, mas ela é um
quadrilátero imenso e dentro desse quadrilátero tem várias casas separadas e todos as casas têm um
sistema único de direção e de organização e de instalações. Então dentro de uma delas ouve uma
grande rebelião em que só não fugiu quem realmente não queria. E os alunos que não quiseram
fugir foram meus dois alunos do projeto, eles disseram : “Não” . Eles disseram pros colegas: “Nós
não vamos fugir porque tem concerto em Campos e nós queremos tocar”, né. Isso demonstra que
era uma opção deles entre a vida economicamente e socialmente desfavorável e uma atividade que
provava que eles serviam sim, pra alguma coisa. Por exemplo, mesmo dentro da Febem, eu tinha
muitos alunos que não queriam sair da Febem pra continuar estudando no projeto. E tinha alunos
que saiam e pediam para retornar só para as aulas, pra poder continuar aprendendo e tocando,
aprendendo os instrumentos e tocando junto com a Orquestra da Febem, né. Então, isso tudo
mostra um, uma melhora na auto-estima desse aluno e nessa própria concepção, né. Ele começa a
se sentir inserido dentro de um mundo, né. Mesmo que a realidade dele não seja ainda aquela que
nós gostaríamos que fosse, mas ele começa a se sentir inserido dentro daquilo, vamos dizer, dos
cidadãos brasileiros. Porque a idéia anterior era, a situação anterior, o status anterior era “não sirvo
pra nada”, “não sou cidadão”, “não tenho direitos” e tudo mais, né. Bom, já falamos da questão
musical, já falamos da questão social, existe um outro ponto que é que não se refere
especificamente ao aprendizado coletivo, mas acontece também dentro dele, que é a questão da
melhora no aprendizado formal, né. E aqui o processo coletivo tem uma grande importância no que
se refere à massificação desse estudo, né. Ou seja, ao acesso que toda a população brasileira
deveria ter e não tem. Quando você, como é que funciona o processo de aprendizagem do ser
humano, né? A grosso modo, o ser humano aprende através do seu sentidos, ou seja, existe um
determinado objeto que precisa ser apreendido, esse objeto é captado pelo, pelo sentidos, existe
todo o processo de elaboração do envio dessa informação para o cérebro, o cérebro decodifica e aí,
emite um resposta aquele objeto. Esse é basicamente o processo de aprendizagem do ser humano.
Com a aprendizagem instrumental, né, o quê que você está fazendo, quando você aprende a tocar
um violino, você tá treinando o seu tato, você está treinando a sua visão, você tá treinando a sua
audição, você ta envolvendo a maioria ou quase todos os seus sentidos nesse processo de
aprendizagem e refinando, né. A gente não pode esquecer que aprender a tocar um violino significa
trabalhar as habilidades motoras finas, né. Ou seja, habilidades que você precisa fazer com extrema
precisão, né. Então, o aprendizado musical ajuda no desenvolvimento do, da, dos sentidos né. No
treinamento desses sentidos. Por outro lado, quando você ta na frente de uma partitura que você
olha a partitura e você precisa dar uma resposta motora a essa partitura você também, ou seja, o
processo da leitura musical você também ta acelerando o seu processo de captar informação e dar
uma resposta. Você ta acelerando e treinando esse processo, né. Então você já tem um ganho na
melhoria de dois fatores que estão envolvidos no, na aprendizagem humana. E a terceira parte, ou
seja, o treinamento da elaboração da informação dentro do, específica dentro do encéfalo, existem
muitos, muitos estudos sobre como funciona, como funciona o encéfalo humano e as ligações
sinápticas. Você tem um pouco de conhecimento sobre esse assunto?
Não. Eu tenho mais sobre desenvolvimento cognitivo mas não entrei na parte...
(interrompendo) na parte fisiológica, né. Bom existem algumas discordâncias em relação a isso,
mas a grosso modo, os técnicos hoje em dia dizem que o ser humano nasce com um número X de
neurônios mas que esses neurônios não estão interligados através das ligações sinápticas, né.O
estímulo humano, né, quando uma criança recebe um determinado estímulo, é justamente isso que
força com que o neurônio comece a entrelaçar essas ligações. o estudo instrumental, o estudo da
música já foi mapeado em, em, e se notou que numa determinada parte do encéfalo existe um
número muito grande de ligações naqueles indivíduos que, que mexem, o que aprenderam música
ou que aprendem música, né. Então, essas ligações, o maior número significa a maior capacidade
de processo da informação né. Então, o processo de aprendizagem instrumental melhora o,a
questão do dos sentidos, melhora a veiculação dessa informação captada pelos sentidos pra chegar
ao cérebro e melhora a manipulação dessa informação dentro desse ?? Então, por conta disso, o
aprendizado da música é fundamental pro ser humano porque se você tem toda essa melhoria ao
estudar música, isso faz com que automaticamente você melhore também o aprendizado das outras
260

matérias, como matemática, como história, geografia e tudo mais, né. Aonde é que ensino coletivo
tem a sua importância? quando ele faz a massificação do aprendizado instrumental, né. Só por isso,
é uma vantagem que o ensino coletivo tem, vamos dizer, em relação ao individual. não que o
individual também não tenha todo esse treinamento. Também tem, mas o coletivo faz com que esse
treinamento seja em número exponencial de alunos, né. Porque o individual tem bastante
dificuldade (acabou a fita).
Continuando a entrevista com o professor Enaldo Oliveira.
Sobre desvantagens do processo coletivo, bom, a grande, quer dizer, existem algumas desvantagens
sim. Pra trabalhar dentro de um processo coletivo o professor é, precisa ter uma qualificação muito
melhor do que um individual. Eu acho que essa é um dos grandes problemas do processo coletivo
precisa enfrentar. Ou seja, se hoje em dia nós quiséssemos dar acesso e tivéssemos instrumental
disponível para dar acesso a toda população brasileira, nós não teríamos profissionais capazes de
lhe dar com esse processo coletivo. Individual também não, mas um professor, vamos dizer assim,
mediano individual ele até consegue fazer com que seus alunos aprendam, um professor de nível
mediano do processo coletivo, ele tem extrema dificuldade em fazer com que os alunos aprendam.
Por quê? Porque o processo coletivo ele ta baseado muito nas habilidades do professor em ensinar e
o aluno aprende obviamente independente de sua habilidade de aprender, ou seja, o aluno, um
aluno que tem facilidade de aprendizado, não tô falando só de aprendizado instrumental, mas
aprendizado de qualquer, qualquer tópico da Ciência Humana, um aluno médio, um aluno que tem
muita facilidade e um aluno que tem muita dificuldade, todos eles dependem do, da habilidade do
professor em ensinar. No processo individual, que é aquele processo muito de amostragem, olha
como eu toco e tenta imitar, é, no processo coletivo não funciona, né. Então, eu acho que essa é
uma das principais desvantagens que o processo coletivo enfrenta hoje em dia. Bom, algumas
pessoas, alguns teóricos, colocam a questão do problema coletivo ser apenas para a iniciação, né.
Existem várias pesquisas realizadas atualmente em que tentam aplicar o processo coletivo não
apenas um processo de iniciação instrumental, mas também no estágio médio de aprendizado, né.
Ou seja, quando ele acaba com o processo de ensino coletivo, ele pode sim, continuar dentro do
processo coletivo, muitas vezes não heterogêneo, mas sim, homogêneo, né, mas ainda dentro de
uma classe de alunos maior que o individual. Então, eu acho que isso é um desafio que, que os
pesquisadores estão tentando enfrentar hoje em dia. Quer dizer, levar o ensino coletivo também
para o ensino médio. No ensino avançado, realmente não tem como ser aplicado, né. Porque muita
gente diz : “Tudo bem!” , o sistema Master Class.. Você tem noção exata do que significa coletivo
heterogêneo, coletivo homogêneo, Master Class? Então, o, muita gente acredita que a Master Class,
por exemplo, seja uma maneira de se ensinar coletivamente para os avançados. Eu discordo disso.
Eu acho que Master Class é um processo individual de aprendizagem, né. Apesar de ter gente na
platéia assistindo. Então, pros alunos de nível avançado, realmente, ele, o processo coletivo não
funciona, né. Que mais a gente tem de desvantagem? Eu acho que aqui no Brasil, a grande
desvantagem que a gente enfrenta é justamente a questão da periodicidade do número de aulas. Que
o processo coletivo exige que seja maior do que, do que, aliás o número mínimo ideal de quatro,
né. Dentro das grandes cidades como São Paulo, isso se torna quase que inviável, pela questão de
distância de tempo de deslocação, de custo financeiro pra esse aluno que tem que pegar três
conduções, ás vezes, é uma criança de sete anos, então, são duas conduções pra vir ou mais duas
pra voltar, pelo menos, no mínimo, né. Então, essa é uma outra desvantagem, de que eu acredito
que atualmente no Brasil, nós estamos trabalhando com um número muito inferior aquilo que eu
acho que deveria ser esse processo coletivo. E também, aqui no Brasil, uma outra desvantagem que
nós temos, é que esse processo coletivo não é aplicado dentro das escolas, né. Se você aplica esse
processo coletivo dentro das escolas, primeiro lugar, o aluno já tem que ir cinco vezes por semana
para escola estudar, né, você colocar isso dentro da carga horária do aluno mais quatro aulas de
música, é fácil desde que tenha vontade política para fazer isso, né. E aí quando eu digo vontade
política, não apenas nos políticos, mas de diretores, coordenadores, professores, colegas e próprios
professores de música, né. Então, eu acho que realmente o ensino coletivo tem estar, o ensino
instrumental tem que estar dentro das escolas, né. Eu acho que uma escola como a Universidade
Livre de Música ou como o Conservatório de Tatuí, precisa se concentrar no nível de
aperfeiçoamento, não de, não de massificação, né.
261

6. E Enaldo, me fale um pouco do seu estudo, da sua dissertação de Mestrado que fala sobre o
ensino coletivo? E nessa pergunta você pode abordar o seu referencial teórico, onde você se
baseou?
Tá legal. O meu trabalho de mestrado, ele é o estudo analítico de três metodologias, né. Uma delas
foi do professor Paul Rolland que trabalhou no estado de Illinois e criou um projeto de ensino
coletivo de violino, viola, também aplicado a violoncelo e contrabaixo, por todo estado. Ele fez
um, uma pesquisa trabalhada na questão do equilíbrio postural, movimentos, como se realiza
movimentos pra tocar e exercícios não musicais, vamos dizer assim, exercícios motores para
auxiliar no aprendizado dos movimentos do instrumento. O segundo autor foi Samuel Applebaum
que dentro dos Estados Unidos, vamos dizer assim, foi o primeiro, ou foi um dos primeiros a ter
um extenso material escrito para o aprendizado coletivo, né. Os livros deles, porque tem várias
séries, tem o “String Builder”, tem o “First Program For String Orchestra”, tem vários, vários. Eu
acho que foi a primeira coleção sistematizada e de grande porte para aprendizado coletivo. E o
terceiro, o terceiro, a metodologia, ela foi feita pelo Anderson e pelo Frost que é o “All for Strings”
é uma abordagem mais moderna, já daí, da década de 80, 90, né. E que é um sucesso editorial nos
Estados Unidos, né. Então, o quê que eu fiz, eu peguei essas três metodologias, fiz uma, fiz um
estudo analítico de como, do conteúdo programático dessas três metodologias, né, e propus uma
síntese dessas três dentro de um programa específico, né. Então, por exemplo, o Rolland, ele tem
exercícios motores de como segurar o instrumento, como segurar o arco, como desenvolver uma,
toda essa movimentação. O Samuel Applebaum, a metodologia dele tá muito baseada na troca de
cordas e na aprendizagem da leitura musical imediatamente, né. Então você introduz o primeiro
dedo na corda ré, depois na corda lá, depois na corda mi e depois na corda sol, no caso específico
do violino, né. Então, toda vez que você introduz um problema, você acaba introduzindo ele nas
quatro cordas e com leitura musical. O “All for Strings” ele já, primeiro estabelece um padrão em
cada corda, ou seja, ele coloca primeiro, segundo e terceiro dedos, no caso do violino, na corda ré,
pra depois levar isso pra corda lá, né. E só bastante tempo depois é que ele aborda a corda sol e a
corda mi. Então, eu comecei a pensar isso tudo bastante grosseiramente porque tem um monte de
minúcias aí em relação à, a toda abordagem pedagógica de cada um. Eu comecei a pensar como
que seria um, um conteúdo programático que utilizasse esses três conceitos ao mesmo tempo. E
propus uma síntese dos três num determinado conteúdo programático, né. Então, por exemplo, a
questão do “All for Strings” que primeiro estabelece um padrão na corda ré, isso eu mantive, mas
eu antecipei e muito a utilização desse padrão nas quatro cordas, que é justamente o conceito do
Samuel Applebaum, né. E o Paul Rolland, ele tem uma, a questão daquilo que ele colocou no, da
não necessidade da leitura musical para aprender a movimentação do violino, né, porque na
verdade, no início você não precisa do aprendizado teórico, você ta ensinando a tocar um
instrumento, você ta ensinando a realizar movimentos. Então, mais importante que a gente se
concentre na minha opinião na realização dos movimentos do que não, do que necessariamente na
leitura musical, né. E aí, eu peguei isso e apliquei também na metodologia do Anderson e Frost do
“All for Strings” que tem o seu início em que eles intitulam “Start by Root”, né, em que eles
utilizam uma simbologia criada por eles para, para, para desenvolver a primeira parte do programa
antes da introdução da leitura musical, né. Então, eu juntei tudo isso e tentei criar um conteúdo
programático específico (Pausa/interrupção).
7. Enaldo, em sua opinião, como é que está a Pesquisa em Educação Musical, no geral e em
específico, no Ensino Coletivo? Você conhece algumas dissertações? Como é que você vê a
área do Ensino Coletivo e na Educação em geral, na Educação Musical?
Olha, no Ensino Coletivo, graças a Deus, eu to vendo a coisa começar a crescer. Quando eu fiz a
minha dissertação, só existia um outro título nessa área de Ensino Coletivo de Cordas. Depois da
minha já teve a do João Maurício, to sabendo da sua do...
Abel
sei da do Abel, também a do, como é que chama lá da Bahia?
Joel Barbosa.
Joel Barbosa. Então, eu to vendo que as pessoas estão começando a despertar pra essa questão do,
da pesquisa do ensino coletivo instrumental, né. A questão da Educação Musical em si, ela, eu acho
que a gente ainda tem muita coisa pra pensar, tem muita coisa pra resolver, a gente não tem aqui no
262

Brasil, uma formação de Educadores Musicais e principalmente a formação de professores em


instrumento. A gente tem pessoas que dão aula mas sem essa preparação, sem esse perfil de
professor e isso obviamente se reflete na questão toda da pesquisa e também, não só de pessoas que
não produzem a pesquisa, mas também, pesquisas que não, não, não estão, não estão, vamos dizer
assim, não conseguem ainda formar os professores que a gente precisa. Eu tive chance, eu fiz um
curso na Austrália o ano passado, em julho do ano passado, eu tive chance de ter contato com três
pessoas muito interessantes, um deles é o professor Bob Kuber (?) da Universidade de Michigan,
em que ele me mostrou como é que é o curso de Bacharelado para a formação de um professor de
música instrumental. no primeiro ano, o aluno, entre todo o resto que ele precisa aprender, ele
precisa aprender de verdade dois instrumentos de cordas, no segundo ano, dois instrumentos de
sopro, no terceiro ano, percussão e durante os quatro anos regência e no quarto ano também
arranjo. Então, a pessoa sai de lá, completamente capacitada pra sozinha tocar um programa de
música dentro de uma escola nos Estados Unidos. Em nenhum lugar, eu vejo isso aqui no Brasil, e
nem as pessoas começando a pensar um professor de música precisa ter essa formação.
Obviamente, além de estudar esses instrumentos ainda tem matérias sobre pedagogia e didática, né.
o próprio professor Bob Kuber tem um trabalho muito interessante que ele chama “Master Teacher
Profile”, né e que é muito bem pensado como precisa ser esse perfil do professor, em relação não
só à questão do conhecimento do instrumento, mas a questão do conhecimento de como é sua
própria postura dentro da sala de aula e como é o aluno que ele enfrenta. Esse tipo de coisa, eu não
vejo muitas pessoas se, preocupadas aqui no Brasil, né. Elas estão questionando pontos específicos
e também ainda preocupada com a questão da musicalização infantil, né. E uma musicalização que
não necessariamente está voltada para o aprendizado de instrumento. Eu não acredito muito nesse
processo de Educação, de Musicalização sem abordagem do instrumento né. Eu não, pra mim é
como uma criança aprender a ler antes de aprender a falar, né. Por isso também, que eu coloco a
leitura musical não em segundo plano, mas atrás do aprendizado da produção do som do
instrumento né. Eu acredito que o aluno precisa primeiro emitir o som pra depois aprender o
símbolo que representa esse som, né. Então, eu acho que ainda precisa, nós temos muita coisa a
fazer nessa da Pesquisa em Educação Musical e na Pesquisa dos Instrumentos de Cordas, a gente
não pode esquecer que a primeira classe de instrumentos de cordas nos Estados Unidos, de
instrumento coletivo musical nos Estados, da primeira classe de ensino instrumental coletivo nos
Estados Unidos que se tem registro foi em, por volta de 1800. O primeiro método editado foi antes
de 1950, 1851, né. E a gente só tem alguns pensamentos sobre esse assunto em meados do século
passado, nós temos o trabalho do professor Jaffé que aconteceu na década de 70 e 80 e as pesquisas
que estão surgindo agora. Então, tem um campo muito, muito grande pra ser desenvolvido.
8. E pra finalizar, Enaldo, você tem alguma sugestão a fazer em relação a pesquisa, a minha
pesquisa? Ou você tem outra sugestão? A palavra é sua...
Opa! Olha eu acho que é assim : eu posso falar algumas coisas em relação a professora e em
relação a pesquisa, ao pesquisador. Eu acho que o pesquisador é aquilo que você ta fazendo é
muito importante, porque provavelmente vai ser o primeiro trabalho que considera a questão do
lado social. Eu acho que você pode também além de se preocupar com o lado social e aí você vai
precisar realmente de uma ajuda de alguém da área social, porque são conceitos que obviamente
você pode aprender sozinha, mas se você tiver a ajuda de um, de um co-orientador da área social
vai ser extremamente benéfico, você pode também ampliar isso um pouco mais pro lado do, da
questão da aprendizagem e também talvez ir um pouco mais a fundo na questão da, do processo de
aprendizagem instrumental. Bom, a primeira, a segunda coisa que eu te falei, o que significa,
explorar um pouco mais a questão de como o ser humano aprende e como é que é esse processo,
como é que o processo instrumental coletivo influencia isso. E o segundo ponto, fazer uma
pesquisa maior sobre métodos, porque o material escrito, a parte menos importante de um “Master
Teacher Profile”, né. Mais importante é você ter na cabeça todas as possibilidades que você
precisa explorar, você ter na cabeça exatamente aquilo que você precisa ensinar em dois anos. E
dependendo da turma, você vai pegando o item A, ou o item C, ou o item F, ou o item Z, né. Você
ser capaz de ter essa mobilidade com todas as turmas que você tem, né. Se você tem uma turma de
crianças de sete anos, você precisa ir com uma determinado, é, com um determinado cronograma
né, e com determinado conteúdo programático, com uma determinada linha de conteúdo
263

programático, né. Se você tem uma turma de nove a onze, você já pode mexer nisso bastante. Se
for de onze a treze, muito mais, né. Se for de quarenta a cinqüenta, é um outro perfil
completamente diferente e você precisa ter o conhecimento de vários métodos né, escritos, pra
poder utilizar tudo isso a seu favor, né. Então, eu acho que você deveria ampliar. Por exemplo, a
minha pesquisa foi análise de três métodos né. Então, eu conheci profundamente três métodos,
conheço outros, né, e dentro da minha prática de ensino eu consigo utilizar todos esses, todos esses,
vamos dizer assim, esse material impresso a minha disposição. O conteúdo, a linha do conteúdo
programático eu faço de acordo com a minha necessidade dentro da sala de aula. Então, por
exemplo, na ULM no semestre passado, eu iniciei quatro turmas de violino. Uma turma em que os
alunos já tinham algum conhecimento musical e até algum conhecimento instrumental, então, essa
turma teve um desenvolvimento bastante rápido. Uma turma que é de cinco alunos apenas, uma
turma que tinha alunos com dificuldade de aprendizagem e uma quarta turma que tinha alunos com
dificuldades de aprendizagem, de desenvolvimento motor, com problemas de bloqueios
psicológicos grandes e com problemas sociais, porque tinham três alunos que eram de um orfanato,
isso tudo dentro da mesma turma, então, eu tenho que ser capaz de utilizar a, todo o meu
conhecimento, de como ser humano aprende, de qual é essa realidade social desse ser humano, e
todos os métodos de, de violino que eu tenho a mão para utilizar, pras quatro turmas diferentemente
e tirar dessas turmas, o melhor que eles podem dar né, porque apesar de eu estar da ULM, eu tenho
a completa, a ULM é uma instituição que está preocupada com a formação de instrumentistas, né,
eu tenho que ter sempre em mente qual é o meu papel como professor, como eu influencio
enquanto professor na formação de um ser humano? Né, na educação desse ser humano e caráter
desse ser humano, né. Então, eu tenho que utilizar todo esse conhecimento para tirar o máximo que
ele pode me dar, né. Eu nunca esqueço, eu estudei com a professora Maria Vischnia que foi aluna
do Max Rostal. E ele sempre dizia : “eu não to interessado naquilo que você pode enquanto aluno
me dar, ou seja, se você tem talento, ou sei que lá, eu to interessado naquilo que eu posso te
ensinar”, né. Se eu for capaz de te ensinar muita coisa né, você com sua capacidade vai conseguir
aprender aquilo que você puder. Agora, se eu só puder te ensinar um grão, né, independentemente
da sua capacidade, você não vai conseguir aprender mais do que aquilo, né. Então, eu acho que é
bem isso, você se preocupar nessas três linhas, né.
Então ta Enaldo! Muito obrigada e até a próxima!
Nada!

Entrevista nº10 : JOÃO MAURÍCIO GALINDO


Local : São Paulo
Data : 11.08.2002
Horário : 12:30 h

1. Bom Dia, Galindo! Primeiramente, eu gostaria de saber como se deu o seu primeiro
contato com a música?
Primeiro foi com minha mãe falando que achava a música linda (risos), e não tinha nenhuma
tradição de música na família. Não sou filho de músicos como acontece com freqüência aí. Minha
mãe falava muito e aí, eu achei um dia uns discos de 78 rotações, aqueles antigos e comecei a ouvir
e ficava ouvindo aquilo o dia inteiro. Aí com, engraçado que eu pedia para estudar música e minha
mãe não, nada. Até que eu tava com dez anos de idade e na escola tinha uma professora que
organizou um coro, aí eu comecei a cantar nesse coro. E ela era uma professora meio atípica, ela
era muito legal. Aí eu adorava! Foi a primeira experiência musical foi cantar nesse coro mesmo, né.
Aí com 15 anos resolvi a estudar música, comprei um violão, fui ter aula de violão. Fui ter aula de
Jazz. E aos 17 comecei a estudar viola. Aí fui pra viola, fui estudar, cai num trabalho de ensino em
grupo e em um ano eu já tava tocando na Orquestra Jovem, aqui em São Paulo, aí foi indo. Fiz
vestibular, entrei na Faculdade de Música, sabendo pouca coisa, e fui indo. Foi assim que começou.
2. Ah, que bom! E a essa formação musical, depois da faculdade você fez mestrado?
Bom eu sempre tive aula de instrumento individualmente, aula particular, sempre procurei com
vários professores que eu podia e na faculdade fiz Composição e Regência, né. Foi até difícil eu
264

tirar o atraso das matérias teóricas, porque eu não tinha feito no conservatório nada. Mas também
na faculdade, eu encontrava gente que tinha feito anos de conservatório e não sabia nada de
Harmonia, nada, nada de Contraponto. O mestrado eu fui fazer muito tempo depois porque durante
a faculdade eu comecei a trabalhar dando aula no SESC aqui em São Paulo, aulas de ensino
coletivo. Então, quando, quando acabou, eu acabei a faculdade, já tava trabalhando com isso e fiz
concurso pra Sinfônica do Estado e entrei. Então, já tinha dois trabalhos, deixei de lado a idéia de
pós-graduação. Até que depois de vários anos, um amigo meu, pós-graduando da USP começou a
me incentivar. Então, você precisa fazer, precisa fazer. Me apresentou pro maestro Olivier Toni,
que disse que me aceitaria como, como orientando, né, então, me animei e fiz mestrado. Agora to
aí, pensando no dia em que vou fazer doutorado, continuo trabalhando muito. Respondeu ou não?
3. Respondeu. E Galindo, como surgiu esse interesse pelo ensino coletivo? Em trabalhar né?
Primeiro você teve esse contato com as oficinas do Alberto Jaffé na época do SESC. Então,
fale um pouquinho dessa experiência como aluno e como professor no ensino coletivo.
Bom, acho que a, eu fui estudar através do ensino coletivo por acaso. Eu fiquei sabendo desse
trabalho, li no jornal, um amigo me falou. Fui lá e comecei a ter aula. Inclusive no começo eu tava
muito cético, eu achava que aquilo lá não ia dar certo. Depois de uns meses eu vi que dava certo
que eu tava conseguindo tocar mesmo o instrumento. Eu não sei se é uma coisa meio inata, assim,
esse interesse meu especulativo, eu começava a perguntar pro Jaffé, como é que era pra dar aula,
né. E depois de um, de um tempo eu fui ter aula individual com ele particular, porque o ensino
coletivo funciona por um tempo, depois de um ano e meio dois anos de trabalho coletivo, até ele
veio se, dizer pra mim que eu tinha que ter aula individual, que eu era ali, um dos melhores alunos
do grupo, se eu quisesse ter aula com ele, ele gostaria de dar aula pra mim. eu fiquei super
envaidecido, honrado e fui ter aula com ele. E nas aulas individuais, ele, ele, ele era um grande, ele
é, né? Ta vivo coitado! Grande pedagogo. Ele tem um, uma facilidade didática impressionante,
sabe dar aula. E pesquisou o assunto, na área dele de ensino de cordas, ensino coletivo. Então, eu
aprendi, ele não só me ensinava a tocar um instrumento, como ele ensinava como dar aula. Ele
muitas vezes falava : “Olha, o dia que você tiver dando aula, cê também, isso que eu te ensinei
agora também pode ser ensinado de um outro jeito assim, pra você não precisou, mas pode ser que
um aluno assim assado precise, então, veja pode ser ensinado assim também”. Uma coisa assim, o
trinado : “Ò fazer trinado é assim!Tem outra técnica de trinado, você não precisou já ta fazendo,
mas olha é assim que faz, de repente pega um aluno diferente pode ser...”. Então, ele ensinava. e eu
ia anotando essas coisas, eu guardava. O próprio Jaffé chegou a fazer em Campos do Jordão, num
festival em Campos do Jordão, por exemplo, um curso que ele chamou de “Pedagogia de
Instrumentos de Arco”, quer dizer, tinha vários professores de violino lá, no Festival de Campos,
três ou quatro professores, ele era mais um. Só que ele não dava aula de violino, ele dava aula de
como dar aula de violino, né. eu não fiz esse curso, ele falou que eu não precisava fazer : “Pô você
já tem aula comigo, isso aí eu já to ensinando no dia a dia”. Mas ele era um professor, mas ele é um
professor especial. E na época ele era um muito especial. Eu acho que era o único que fazia isso. E
qual era a pergunta mesmo? Eu já fugi da pergunta (risos).
4. E agora em relação à, quando você iniciou a atuar? Sua experiência no SESC e no Projeto
Guri?
Então, o Jaffé foi embora pros Estados Unidos e convidaram um professor pra ficar no lugar dele, o
professor Ailton Pinto, que na época ele era spalla da Sinfônica do Estado. Grande violinista,
grande músico, tinha sido violinista da Boston Simphony, né, e era professor de Música de Câmara
e de Violino na UNESP, onde eu estava estudando, né. Então, ele foi pro SESC, aí ele me convidou
pra trabalhar. Eu era aluno do, ex-aluno do SESC, mas continuava lá no SESC tocando na
Camerata. O Jaffé tinha organizado uma Camerata com os alunos antigos dele, então, essa
Camerata fazia concertos em nome do SESC, a Camerata SESC. Então, de uma certa maneira, eu
ainda tava ligado ao SESC, não era mais aluno do SESC, mas estava nessa camerata. Então, como
eu era aluno do Ayrton e tava na Camerata SESC, ele falou : “João, não quer vir trabalhar lá
comigo, como meu assistente? Assim, vai ser bom pra mim, eu to chegando lá pra ver como é que
é, você é uma pessoa que eu conheço...”. Então, por causa desta ligação com a UNESP, ele me
convidou. Então, eu comecei a funcionar como monitor. Aí, o Ailton, que não era uma pessoa com
experiência de ensino em grupo, o que ele fez? Ele pediu o SESC para contratar um professor de
265

cada instrumento. Um professor de violino, de viola, de violoncelo e contrabaixo. Esses quatro


professores davam aulas individuais por pequenos grupos. Quer dizer, ele foi coerente com a
experiência dele. Ele não era um cara conhecedor de ensino em grupo. Então, ele falou pro SESC :
“Eu venho trabalhar aqui, então que seja do jeito que eu conheço. Contrata quatro professores!”. E
ele se tornou regente da própria camerata. E eu? O quê que eu fui fazer? Dar aula pros iniciantes.
Jogaram os iniciantes pra mim. Na verdade, uma das características do ensino individual,
tradicional, assim, de cordas, é que ninguém gosta de dar aula pra iniciante. Então, na hora que ele
contratou quatro professores, eles davam aula para os alunos mais adiantados e os iniciantes
ficavam comigo. Aí eu comecei a botar em prática tudo aquilo que eu tinha vivenciando com o
Jaffé durante dois anos em grupo e mais quatro anos em aula individual. Então, eu era muito cara
de pau. Então, eu tentava lembrar como o Jaffé dava as aulas, e imitava as aulas dele e olhava nas
anotações que eu tinha. E foi dando certo. As pessoas gostavam da minha aula. E aconteceu uma
coisa também interessante que assim, o Jaffé tinha criado um método dele, né, e quando ele saiu do
SESC, ele soube que eu ia dar aula lá, por que aconteceu logo em seguida, ele ainda tava no Brasil,
ele pediu pra não usar o livro dele. Falou : “João, eu quero editar esse método!”, né, “Eu to tirando
SESC todo os meus (...)”, era tudo manuscrito, tudo xerox, “eu to levando comigo, porque eu quero
editar, o SESC não quis editar, eu usei enquanto eu tava aqui. Então, eu pediria pra você não usar!
Se ficar usando, nenhuma editora vai se interessar”. Então, o quê que aconteceu? Em respeito a
isso, eu comecei, eu ia inventar meus próprios exercícios. Então, por exemplo, o Jaffé tinha um
exerciozinho, um dos primeiros que ele usava pra treinar musculação de mão esquerda. Ele
chamava de ginástica, “Ginástica número 1”, era (cantando) “re, fá, re, fá,mi,fá,mi,fá,re,fá,ré,fá, mi,
lá, re, fá, re, fá”. Então eu falei : “Não vou usar a Ginástica número 1, mas vou fazer um negócio
parecido pra treinar a musculação”. Então, eu inventava os meus. Aí eu comecei a comprar método
de violino, ler o prefácio dele, ler as instruções, tocar, comprei um violino, comprei mais violinos,
comecei a tocar, comecei a tocar métodos de viola, comecei a fuçar a método de violoncelo.
Cheguei a fazer um curso de contrabaixo, aulas de contrabaixo pra saber como é que era o
instrumento, e fui fuçando”. E pelo fato, por esse cerceamento que o Jaffé me, me pediu né, de não
usar o método dele, eu acabei inventando um próprio! (risos). Quer dizer, eu não inventei nada, eu
segui a linha dele, só que eu, eu fiz exercícios pra mim, a pedido dele. Depois quando eu fui fazer o
mestrado, eu catei toda aquela papelada que eu tinha feito durante anos, e fui organizando, fui
preenchendo umas lacunas, e acabou virando o meu trabalho de mestrado, entendeu?
5. E nesse início do SESC, quando você pegou as turmas de iniciantes, já era o ensino em
grupo dos quatro instrumentos, né?
Ta, o Jaffé fazia o heterogêneo.
E você não fazia?
Ele botava todo mundo na sala e ensinava. Quando o Ailton Pinto chegou, ele não sabia disso. Ele
não conhecia o assunto como a maioria dos professores do Brasil, né. Então, ele determinou que o
ensino ia ser homogêneo, classe só de violino, só viola, então, eu ia dar aula pros violinos
iniciantes, entendeu?
Ah, ta. Já dava aula em grupo.
Era em grupo. Mas, o que aconteceu, logo o Ailton não ficou muito tempo. Ele saiu, ficou um ano,
eu acho, um ano e aí, ficamos só nós, os professores. Quer dizer, e os professores que ele levou, e
os professores que ele levou também saíram com ele, aí o SESC contratou outros professores.
Então, eu fiquei sendo o professor de viola, eu deixei de ser monitor, eram quatro professores, um
de violino, um de viola, um de violoncelo, um de contrabaixo, né. Depois eu fiquei sendo o de
viola, depois o de viola, de violino saiu. Então, fiquei eu cuidando de violino e viola. E aí, nós
dividíamos as tarefas. Aí a gente, entre nós a gente fazia eventualmente aula, aula com turmas
heterogêneas, né. E eu passei a ensaiar a orquestra, a orquestra dos alunos. A orquestra dos alunos
mais antigos, né. Aí passou a ser um trabalho, voltou a ser um pouco o heterogêneo. Tinha aulas
com grupos homogêneos e também tinha heterogêneos. Eu, professor Leonel Gonçalves Dias, que
é de violoncelo, que foi esse amigo que me incentivou a fazer o mestrado, ele é doutor pela USP e
o Gerson Frutuoso, que ensina contrabaixo, e que continuam, os dois continuam no SESC até hoje,
dando aula, no SESC-Vila Mariana 1, SESC-Consolação 1.
266

6. E o Projeto Guri? Como é que surgiu esse início do Projeto Guri? Você está desde o
começo, como se deu esse...
(Interrompendo) O Projeto Guri começou por iniciativa de um, de uma outra pessoa e tava lá
funcionando. E nessa época, eu já era regente da Orquestra Jovem do Estado, que era ligada a
ULM, Universidade Livre de Música. A ULM era um departamento da Secretaria de Cultura,
Secretaria de Cultura do Estado, acho que em 1990, criando um departamento pra cuidar só, só das
atividades musicais, e chamou de Universidade Livre de Música. Escola de Música a qual estavam
ligados como grupos de status : Banda Sinfônica, Orquestra Jovem, eu tava lá. E um dia a diretora
geral do Projeto Guri bateu na porta da ULM pra pedir socorro de ajudo, disse que a parte
pedagógica do Guri não tava legal, ela percebia que as cordas não iam bem, né. Então, ela bateu lá
na ULM, falou com o professor Sidney Lullevantal (?) que era o diretor pedagógico da ULM na
época, “Sidney nós precisamos de ajuda aqui no Guri, a coisa não vai bem na área de cordas, a
gente percebe que a desistência, o número de desistência é muito grande, os pólos fazem muitos
concertos, depois afunda e depois a gente abre pólo em outro lugar, faz outro concerto depois
afunda. Então, o quê que o Sidney fez, ele chamou várias pessoas ligadas à área de cordas, pra uma
reunião com a diretora do Guri. Então tava lá eu, o professor Enaldo Oliveira, que é uma outra
pessoa que se dedica ao ensino coletivo, que tem mestrado no assunto, pela USP também, o
mestrado dele ele fez um ano antes do meu, é uma obra interessante de você consultar, né, chamou
a professora Maria Vischnia, que era uma professora emérita assim de violino, da ULM, o Dario
Sotero que é maestro de Tatuí, e um outro núcleo do governo do estado, onde existe o
conservatório, é uma atividade musical muito importante. E o Dario cuidava de orquestras de,
cuida, acho que até hoje, de orquestras jovem lá em Tatuí, né, orquestra das crianças, de
adolescentes. Não sei se tinha mais algum na época, eu lembro disso : eu, Dario, Enaldo e a Maria
Vischnia. Talvez tivesse mais alguém. Então, ele fez ali uma, um encontro com pessoas ligadas à
área de cordas pra tentar conversar com, com a diretora do Guri. E a gente já conhecia um pouco o
quê tava acontecendo no Guri né, e a gente deu a nossa opinião, deu nossa opinião e desse encontro
ela acabou, pra ser mais objetivo, me convidando pra trabalhar lá, depois de um tempo, pra ajudar
na área de cordas. Eu e o Enaldo fomos trabalhar lá, né. Então, eu propus, nessa época, que se
fosse, que se, que se adotasse um método, que se adotasse um método de ensino. Era meio assim,
cada, cada pólo a pessoa fazia o quê dá na telha, era bem isso mesmo. Não tinha um método. Então,
eu propus assim : “Oh, compra um método, tem tanto método, compra um método do Samuel
Applebaum, por exemplo. Institui que esse método, é o método oficial do Guri. “Ah, mas que
método é esse?”. “Ah, mas é inglês. Inglês a gente não quer. Precisamos de um método em
português!”. Eu falei : “Em português não tem. Só se escrever um”. Aí pediram pra escrever um.
Eu passei a bola pro Enaldo. O Enaldo não quis. Tava muito ocupado, eu não queria. Enaldo não
quis, por, sei lá por que razão, não me disseram e voltou a bola pra mim. Eu falei : “Então, ta
bom!Então eu faço!”. Aí fui fazendo, levou um ano pra ficar pronto. E foi assim que aconteceu.
Realmente o trabalho com cordas, vou ser bem franco, era bem problemático. E até hoje é pelo
seguinte : você vai para o interior do estado de São Paulo, você não tem professores qualificados.
Você não tem professores qualificados pra ensino em grupo em lugar nenhum, né. Os professores
de ensino tradicional tem muito preconceito né. Eles não sabem do que se trata direito, e ficam sem
conhecimento de causa. Hoje em dia ta havendo uma aceitação maior, muito por causa do Guri.
Então, a gente percebeu que os professores não tinham qualificação. Às vezes era, determinada
região do estado você não achava um bom professor de violino, nem pra dar aula individual quanto
mais pra aula em grupo. Aí nós começamos a tentar a fazer treinamentos, fizemos vários já. Eu ia
lá pro interior e juntava um monte de professores da região, lá na divisa com Mato Grosso, do, da
região de Presidente Prudente, do Pontal do Paranapanema, levava o método, o livro dos
professores e alunos, fazia uma orquestra com os professores. Eu passava a dar aula em grupo pra
eles. Eu fazia assim : eu pegava, aparecia um grupo lá de 20 da região, todo mundo tocava
violoncelo ou contrabaixo, eu mandava pegar o violino e a viola e vice-versa. Para eles se sentirem
no começo. Eu começava dar aulas pra eles do zero. Fazia isso no 1º dia, no 2º dia, aí eu mandava
eles irem lá na frente dar aulas, 15 minutos, 20 minutos cada um, né. Fizemos isso várias vezes.
Mas mesmo assim é difícil. Alguns só que entendem o assunto, né. Como a gente costuma a dizer :
“cai a ficha”. Outros fazem aquilo, não entendem, leva tempo. Daí pra cá, o Guri melhorou muito.
267

No final do ano passado, por exemplo, eu fui fazer, eu visitei, eu fui assistir apresentações de fim
de ano, acho que de 12 ou 15 pólos. E realmente estava uma coisa muito melhor, graças a Deus!
Algum resultado deu, né. A gente ainda tem problemas de professor com deficiência, professor
fraco, mas eu assisti esses 12 pólos e não teve nenhuma apresentação que foi uma coisa ruim de se
ouvir, né. Porque no começo era. Era sofrível! Então, foi assim que eu entrei no Guri e essa é mais
ou menos a função que eu tento tentado exercer, treinar professor, escrever um método e depois,
agora pediram pra eu cuidar de um dos grupos, a Orquestra Paulista. Eu dizia que não queria reger,
já estava cansado de dar aula em grupo, fiquei 14 anos no SESC dando aula em grupo e regendo
grupo de estudantes, estava meio cansado de tudo isso, né. Mas, me convenceram. E estou
cuidando desse grupo aí.
7. Galindo, me fala um pouco, qual é o perfil do professor que você acha ideal para trabalhar
com ensino em grupo?
Bom, primeiro o cara tem que ter um certo carisma, que agente, é difícil definir objetivamente, né.
Tentando definir, o quê eu poderia dizer? O professor que vai lá na frente pra uma turma de vinte,
trinta alunos, ele tem que ter uma voz clara, ele tem que saber impor disciplina, ele não pode ser
muito tolerante demais na disciplina, mas também não pode ser muito áspero, senão você
desestimula a turma. Isso é mais ou menos um perfil de um regente, né. Um maestro de uma
orquestra, ele tem que ser um cara que impõe uma disciplina de trabalho, mas também não pode ser
muito áspero, senão não tem, não se faz música. Isso o professor do Guri tem que ter, né. E ele tem
que misturar característica de professor e de maestro, isso ta escrito na minha, no meu trabalho de
mestrado. No Guri é muito comum a gente vê uma coisa engraçada, se vê um pólo numa
cidadezinha no interior lá de São Paulo, em São Paulo, aí você estabelece professores e os
professores a gente coloca pra fazer os concertos. Aí quando o cara já se acha já maestro, aquilo
sobe a cabeça, ele fica convencido, a vaidade vai lá pra cima, tem cada caso hilário. Tem uma
cidade, logo no começo, que eu fui assistir o concerto final de ano deles, cujo o regente lá era o
único na cidade que tinha uma escolinha de música. O dono da escolinha tocava violino, era o
único professor de violino na cidade, mas também era cantor, estudava canto, toda apresentação de
fim de ano, ele cantou várias árias de ópera com os coitadinhos dos meninos acompanhando ele,
teve que chamar ele e dizer : “Escuta meu querido, o Guri não é pra você aparecer!”. Tinha vários
casos, o cara se achava maestro. Eu, quantas vezes eu falei : “tira esse título!”, quer dizer, quando
se estabelecia a hierarquia do pólo se escolhia um professor pra ser o maestro. Ah, isso era um
Deus nos acuda! Então, é ridículo, mas é verdade, entendeu? Então é um caso né, um caso. Então,
tem essa, essa característica que você, o professor tem que saber dosar, até que ponto ele é
professor, até que ponto ele já é o regente do grupo. Desde a primeira aula do grupo heterogêneo,
você é o regente do grupo. Você tem que saber fazer o gesto direito, você tem que ensinar eles a
interpretar, decifrar o código de, dos gestos de regência, você tem que ter um carisma positivo, de
não ser áspero demais com as pessoas, e não ser mole. Outra dificuldade que a gente vê, é assim, o
professor organizar na cabeça dele, o quê ele vai ensinar naquela aula e quais as técnicas de
aprendizagem que ele vai buscar, né. As pessoas misturam isso. tem professor que fala demais.
Tem professor que não fala nada, né. O quê fala demais é o mais comum, fala, fala pelos cotovelos.
A aula em grupo tem que ser prática, objetiva. Por exemplo, uma das coisas que a gente tem lá no
meu trabalho, tem no trabalho do Enaldo, ce vai dar aula no grupo, faz uma solicitação de cada vez.
As vezes o professor ele pede pra, diz que está desafinado em uma determinada passagem, diz que
é prá segurar o arco não sei como e também pra fazer um final de frase, são três coisas ao mesmo
tempo. Então, isso é difícil de entrar na cabeça dele. Faz treinamento e vê que é difícil entrar na
cabeça do professor. Meu amigo faz, pede uma coisa de cada vez, né. E peça com poucas palavras.
Com essas características de boa comunicação são as mais difíceis que a gente encontra por aí, né.
Outra coisa interessante, é você saber que o Guri é um trabalho que não visa formar músico
profissional. É um trabalho que tem um cunho social, tem todo um departamento do Guri que é
formado por assistentes sociais, de gente que cuida da parte social, que um dos objetivos é você
usar música pra passar noções de convívio, de sociabilidade, de cidadania e tudo mais né. Às vezes,
o professor...acabou?
Não. Acabou não.
268

O professor mistura as coisas. Tem professor que, de instrumento que não consegue entender esse
lado e começa a exigir do aluno como se o cara fosse, tivesse se preparando pra fazer um concurso,
né. Não sabe colocar um limite na exigência dele. Isso é uma coisa complicada. Essa garotada ta
aqui fazendo música e o aspecto lúdico, aonde é que ta? Você ta exigindo dele como eles fossem
orquestras profissionais. Você esquece o lado social, somente a questão lúdica. Ele tem que se
divertir. Ele tem que ser gostoso pra eles, pra garotada, são garotos, adolescentes e crianças, tem
que ser divertido, tem que ser gostoso. Com disciplina, mas tem que ser. E isso é uma outra coisa
difícil, o ensino musical que veio do ensino musical tradicional é meio militar, às vezes, né.
Começa com as bandas que a gente vê pelo interior. É militar e tem aspecto punitivo né, de
punição, isso a gente demora também pra tirar da cabeça das pessoas aí. Bom, tem essas
características principais, as críticas que faço, as coisas que a gente tenta combater e melhorar nos
treinamentos de professores que a gente faz.
8. E Galindo, o Guri trabalha com a faixa etária de 8 a 18, não é isso?
Isso.
E no SESC também trabalhava essa faixa etária ou todas as faixas etárias?
(Interrompendo) Não. No SESC é bem complicado porque é assim : o SESC é uma instituição
voltada pra cultura e lazer. Então, o SESC não queria que houvesse limite de idade. Então, a gente
tinha que trabalhar com quem aparecesse. E infelizmente, dos quatorze anos que eu fiquei lá, eu vi
que a partir de uma certa idade, realmente era muito difícil aprender a tocar um violino, violoncelo.
Por mais, quer dizer apareciam pessoas de idade, idosos, mas com uma disposição pra aprender,
todo tempo do mundo, ficava lá o dia inteiro, mas era difícil, não conseguia, não conseguia, a gente
tinha, eu tinha a maior paciência, tentava. Olha, a gente tentou fazer uma época um grupo só de 3ª
idade, mas também a coisa não ia pra frente. E o SESC insistia, isso era uma briga no SESC. E um
dos motivos que, uma das coisas que me deu alívio quando eu saí do SESC é não ter que trabalhar
com isso, não assim, que fosse uma carga, não porque era uma carga pra mim trabalhar com
pessoas mais velhas, mas porque eu senti que eu não tava fazendo bem eles.
(Acabou a fita). Então olha, se tiver alguém que descubra o método que funcione com pessoas de
mais idade, eu vou ficar muito feliz, eu tenho toda a humildade do mundo pra dizer : “Eu não
consegui!” , entendeu, eu não consegui, eu tentei, não sei, ficaria feliz se eu visse turmas de idosos
aprendendo a, muitas vezes não precisava ser idosos não, gente assim, a partir de 30 anos já tinha
problema de tensão muscular, de, em geral são muito críticos, muito críticos, faz uma coisinha
errada já travam. A criança é menos crítica né, ela vai fazendo por brincadeira, uma hora sai, a
coisa funciona. Então, o SESC era isso. Não tinha, não tinha limite de idade, eles queriam que
atendesse todo mundo. Agora no Guri tem o seguinte, tem limite de 18 anos, mas tem muita gente
que passa dos dezoito anos e quer continuar tocando. Por isso foi criado esse grupo que eu dirijo, a
Orquestra Paulista, onde gente com mais de dezoito anos é aceita. È o único grupo do Guri que é
assim, mas é pra tocar né, pra fazer apresentação numa pequena Orquestra de Cordas, pequena não,
Orquestra de Cordas de 50 pessoas. Mas nesse grupo a gente já deixa que as pessoas com mais de
18 anos atue.
9. E a carga horária ideal semanal? Qual você acha, quantas aulas por semana? Quantas
horas cada aula?
Isso Jaffé dizia. Se tivesse três aulas por semana de duas horas, seria bárbaro. Aquela, dentro
daquele conceito de Estudo Dirigido, de você na aula, você ta dirigindo o estudo do aluno, ta
cuidando dele. Isso é melhor que do ficar em casa uma semana, tocando torto, pra depois você
voltar na aula, você ter que desentortar ele. Muita gente critica o ensino coletivo dizendo assim :
“É, mas como é que o aluno, que o aluno, é você vai vigiar a postura de trinta alunos na tua frente,
né? Eles vão ficar tortos”. Mas eu rebato dizendo o seguinte : “Pois é, no ensino individual você dá
aula pro cara e manda ele ir pra casa, ele fica seis dia estudando torto. Sem ter ninguém pra
vigiar!”. Uma das coisas que o Jaffé dizia era assim: “Três aulas por semana e os outros dias da
semana não estuda em casa!”. Aí os professores tradicionais ficavam mais escandalizados ainda.
Que pra mim é muito fácil de entender. Você faz três aulas por semana, tem duas horas de aula, o
professor ta olhando você, você tem o professor assistente, que fica circulando pela classe,
encostando em você pra tirar seus pontos de tensão, você e o aluno né, pra tirar os pontos de tensão,
consertando a postura e os outros dias da semana, ele não estuda em casa, o aluno não estuda em
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casa, né. Agora o quê a gente vê na prática, principalmente numa cidade como São Paulo, pra você,
um aluno se dispor, uma criança fazer três aulas por semana é muito. Porque aqui você vê a criança
fazendo natação num dia, inglês no outro, né. Eu não sei, talvez em comunidades mais carentes,
você, numa comunidade que não tenha outras opções de lazer, outros interesses, se você propuser
três aulas por semana, talvez. No Guri, eu já soube de alguns pólos que isso funcionou. Foi criado
um pólo, acho que em Osasco, queriam fazer uma apresentação de inauguração do pólo, eles
tinham aulas todos os dias e eles iam. Mas também porque não tinha uma outra opção mesmo.
Então, três aulas por semana eu acho...
O ideal.
O trabalho vai render muito rápido. Duas aulas, funciona também. Só você não ter expectativa de
fazer um concerto em dois meses. Muitas veze4s acontece isso. Agora uma aula por semana, eu
acho que é perda de tempo mesmo. Não funciona. È muito pouco.
10. E Galindo, eu queria que você falasse quais são as vantagens, pra você, da iniciação
instrumental do ensino coletivo em relação ao ensino individual? Quais são as vantagens que
você vê? E se existe alguma desvantagem?
Isso tem bem explicadinho na minha dissertação.
É. Na dissertação.
Mas, pra quem quiser ler, ta lá. Vantagem. Motivação. Você motiva o aluno, né. Pega um aluno,
alguém, é muito fácil encontrar gente foi estudar violino através do ensino individual, teve uma
aula, foi pra casa com o violino, tentou tocar saiu aquele som horroroso. Porque tirar som do
violino é complicado ou do viola, do violoncelo, do contrabaixo, é complicado né. Aquilo raspa,
aquilo apita e a pessoa se desestimula rapidinho, principalmente se for jovem ou crianças né. É, no
ensino em grupo você pega aquele som, que sai, e você se diverte com ele, você até brinca : “E
pessoal, que som feio!Vamos melhorar esse som!”. A criançada dá risada. E ela vê que o
amiguinho do lado ta tendo o mesmo problema, entendeu? Isso é muito comum, você : “Puxa não
sou eu que estou tirando som!” . E você através do Estudo Dirigido, você vai, você vai dando as
instruções para o som melhorar : “O põe o arco longe do cavalete!”, “Pega o arco só com a
pontinha do dedo, não aperta”. Pronto você já resolve a questão do som. Eu tô dando um exemplo,
que é a questão do som. Então, você estimula, eu, isso é um exemplo e na minha experiência, vejo
que realmente você consegue estimular o aluno, você, outra coisa você tem que cuidar como
estratégia de ensino pra que eles toquem uma melodiazinha o mais rápido possível. No ensino
individual, muito comum você vê o professor, fazer o aluno ficar fazendo nota longa durante três
meses até a posição do arco estar totalmente perfeita, pra depois ensinar mão esquerda. Isso é
desestimulante. O Jaffé falava em Gestalt, né. Você não precisa fazer o arco ficar perfeito pra
começar introduzir a mão esquerda, você deixa o arco numa posição aproximada, uma
configuração básica da posição, gestálticamente falando assim, né. Aí você já vai entrar na mão
esquerda e você vai vigiando, vai cuidando aos poucos de todos os assuntos. Então, é, em vez de
você fazer um ensino sintático, passo a passo, ensina mão direita, corda solta durante três meses, aí
agora que ta bom, aí você estudo o primeiro dedo, durante três meses, quando ta bom, você ensina
o segundo, né. Não você faz o principal do ensino panorâmico, né. Você ensina três, vai colocando,
coloca um conceito não espera ele ficar perfeito, já coloca o segundo, vai cuidando dos dois, aí
coloca o terceiro. Arco, faz um pouco de corda solta, duas, três aulas, aí já começa a mexer com a
mão esquerda, né. E você vai cuidando das duas ao mesmo tempo. Isso é possível. E com isso você
estimula mais o aluno, né. Então na verdade, assim, tem muita coisa que é própria do ensino
coletivo e outras coisas são próprias da estratégia de ensino, como é que você vai ensinar. Se o
professor individual usar essas estratégias, se ele fizer aula três vezes por semana, com o aluno dele
individualmente usando essa estratégia de ensino do Estudo Dirigido e a estratégia do ensino não
sintático, que eu chamo do panorâmico, ele vai conseguir um bom resultado, né. O quê vai ficar
faltando é assim, que o ensino coletivo tem, aí sim, que o ensino individual você não tem, é você
tocar uma música a três ou quatro vozes logo de cara. Isso é muito estimulante. Quando a
criançada, a garotada ouve, a harmonia a quatro vozes acontecendo, eles ficam encantados. Isso eu
já cansei de ver. Eu quando tive aula coletiva, e toquei a minha primeira música a quatro vozes, eu
fiquei encantado, né. E aí, você fazer apresentações com uma orquestra, sentir que você ta dentro
de uma orquestra, dignificar um trabalho de uma orquestra, valorizar isso. Isso também estimula os
270

alunos, né. È agora, desvantagens é o seguinte, ás vezes você, você tem que manter a turma
homogênea. Às vezes você encontra um, é difícil hein, superlotado, mas às vezes acontece. Eu em
catorze anos no SESC nunca vi. mas se você encontra tem que tirar ele fora. Ele vai aprender mais
rápido e vai ficar esperando os outros. Quer dizer, ce tem aqueles que são muito lerdinhos, que
também não dá pra você querer manter a turma homogênea. No SESC a gente fazia uma avaliação
a cada três, quatro meses, os que não estavam acompanhando a gente pedia pra se matricular de
novo, né. Aparece muita gente que tem dificuldade de aprendizado, por mais que a gente tente.
Agora esse que tem dificuldade em grupo, vão ter dificuldade na aula individual também. Pra
manter a turma heterogênea você acaba sacrificando alguns. Ou melhor, pra manter a turma
homogênea você acaba sacrificando alguns. Mas é uma opção de democratização do ensino. Você
vai ensinar pra muita gente as noções básicas da coisa. Aí, que quiser ser músico profissional,
quem quiser usar aquilo como hobby vai escolher depois, né. E outra coisa, que eu não diria que é
uma desvantagem, mas que o professor tem estar ciente é que o ensino em grupo funciona pra um
ano, um ano e meio, dois anos, estourando. depois disso, se o aluno quiser continuar, tem que ir pra
aula individual. Tem que deixar bem claro, principalmente pra quem faz crítica ao ensino coletivo,
é um trabalho de iniciação. Só pra você passar todos aqueles conceitos básicos, para depois serem
desenvolvidos na aula individual mais tarde. Então, por exemplo, você pode ensinar, você deve
ensinar o aluno a fazer um spicatto com todos os conceitos básicos, o arco fazendo movimento
circular, porque a quantidade de crina influi, que o funcionamento do seu dedinho no spicatto pra
funcionar não deve apertar, você vai ensinar tudo pra fazer um bom spicatto. Agora você não
precisa do ensino coletivo nem deve, trabalhar velocidade, o cara fazer spicatto muito rápido. Você
pode deixar pra quando ele for ter aula individual, mas você ensinou spicatto limpo e com todos os
conceitos bem ensinados. Mas ou menos igual ao esporte né? A questão de fundamentos, então
você vai jogar vôlei, você vai pra dar um saque, ensina fazer, ensina os fundamentos certos.
Levanta a bola com a mão esquerda, bate com a direita espalmada, então o saque por baixo que é,
pisa não sei aonde, você ensina os fundamentos, direito. Se ele vai desenvolver mais ou menos,
dependendo do biótipo dele com o instrumento. Deu pra entender? Falei muito né?
Não falou não.
11. Galindo, em relação à pesquisa em ensino coletivo, como é que você vê essa área? Você
conhece além da do Enaldo alguma outra? Como é que você ta vendo esse ramo da pesquisa
em ensino coletivo?
Olha, eu pra ser sincero eu to um pouco fora porque eu fiz esse meu trabalho já faz uns anos e
tenho profissionalmente trabalhado muito mais como regente, desses anos pra cá, né. Tem o
trabalho do Enaldo, tem o trabalho anterior que é do Zé Leonel Gonçalves Dias, é outro também,
foi esse amigo que trabalho comigo, deu aula no SESC muitos anos. Tem o trabalho dele, não
conheço outros. Acredito que deva existir. Tem um rapaz na UNESP, antes fez um trabalho de
iniciação científica sobre ensino coletivo, ele até me entrevistou, mas isso já faz vários anos, o
nome de era, não lembro o nome dele, é Mauro, Mauro Vieira, UNESP. Mas é um trabalho muito
simplezinho, iniciação científica, um trabalho bem simplezinho. Em Rio Claro, o maestro Pedro
Cameron fez um método de ensino coletivo, que nem você, violonista. Trabalhou com esse método
muito tempo lá, mas não é um trabalho acadêmico. mas foi uma outra iniciativa que houve. É e eu
não tenho notícia de outro da área acadêmica, realmente não. O quê eu posso te dizer, não sei se
ajuda aí, é que eu acho que quando o Jaffé começou esse trabalho em São Paulo, em 78, o
preconceito era imenso dos outros professores. E hoje você vê a coisa se difundindo de certa
maneira. Muito por causa do Guri, se fala muito em ensino coletivo. Não é todo mundo que
entende, não é todo mundo que leu o, quando eu faço treinamento no interior, eu levo o meu livro
do professor, ele tem um extrato, um sumariozinho do, da minha dissertação, falando das vantagens
e desvantagens, do preconceito. Eu nem sei se todos esses professores que passaram pelo
treinamento comigo leram isso. É difícil, mas eu acho que muito por causa desse, dessa
disseminação do Guri, pelo menos, se fala mais no assunto, tem algumas pessoas levando a sério,
esse monte de professores que passou pelo treinamento, alguns estavam interessados, quer dizer, eu
acho que a coisa na prática ta caminhando, ta dando fruto. E agora, trabalho na área acadêmica eu
só conheço esses que eu te falei. Talvez existam outros, se existirem, vou ficar feliz de saber.
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12. E Galindo pra finalizar, eu queria saber se você tem alguma sugestão a fazer em relação a
minha dissertação né? Ou alguma consideração final sobre o ensino coletivo, alguma coisa
que você queira falar... A palavra é sua (risos).
Bom, eu acho assim, acho que o novo da questão é o seguinte, a gente passou por décadas aí de um
ensino musical que era pra formar datilógrafos. Extremamente bem treinados. Estou cansado de ver
como regente, violinista que tem os dedos treinados e não tem conhecimento musical amplo, sabe?
È, quer dizer, eu acho que é o caso de um país onde faltam músicos amadores, gente tocando
música pra, pra fazer parte da vida isso. O ensino musical é sempre, parece que é sempre voltado
pra idéia de formar o profissional. E eu acho que é mais importante é que o ensino musical seja
para ensinar música mais rápido possível, que op aluno consiga fazer um pouco de música mais
rápido possível e depois, com os fundamentos bem, bem trabalhados. Mas parece que o ensino
tradicional é pra formar virtuose. Se você não é o violinista, se você não consegue tocar os
Caprichos de Paganini, isso é um problema. Isso não é um problema! Você tem que estudar
violino e tocar cançãozinha folclórica, qual é o problema? E se você gostar, você continua
estudando, né. É, quando Brahms estava vivo e compôs uma sinfonia e a sinfonia era tocada, a
platéia era toda de músicos amadores, todo mundo tocava piano, violino, etc. Hoje todo mundo
ouve CD. Então ficou um buraco aí. Então a gente ta num país tentando criar orquestras, ensinando
os músicos profissionais a tocar violino, os Caprichos de Paganini, pra quem? Tem gente que não
consegue ouvir. Porque o público pra qual a música erudita foi composta para um público de
músicos amadores. Não temos público. O público, a culpa também não é do público. Se a gente
ensina música pra muita gente, essas pessoas vão curtir música, ensinar sem stress de querer fazer
deles um, Paganinis, né? Ou Chopins, pra eles gostarem de música. Eu vão assistir concertos, vocês
vão gostar de assistir concertos, vão prestigiar a atividade de músico profissional. Acho que aí a
vida musical passa a funcionar, né. Porque eu não vejo ela funcionar, né. Porque eu não vejo ela
funcionar. Tô cansado de reger concertos de música erudita, e olho pra cara da platéia e a platéia
não entende. Olhando praquela orquestra como se fosse uma coisa estranha. Da uma dormida,
conversa bastante, né, durante o concerto, e bate palma no final pra ser educado. Então, acho que
formar músicos amadores é importante para o ambiente musical, pra que a profissão de músico
exista e é importante pra essas pessoas. Porque o que tem de gente frustrada : “Ah, eu estudei
música na minha infância, mas, ah, já nem quero ver um piano mais na minha frente!” . Cansei de
ver gente falando isso. “É porque o professor batia na minha mão porque eu não conseguia tocar
aqueles exercícios!”. Então, ta faltando o lúdico, o prazeiroso, ta faltando um ensino musical pela
música, não pra formar virtuoses. Não pra professores de piano ou violino fazer do aluno dele
aquilo que ele queria ter sido e não foi. Entendeu? Eu acho que é isso (risos) que eu tenho a dizer,
assim de importante. Ensinar a música pela música, pras pessoas se divertirem.
Pra formar o ser humano.
E pronto! O resto acontece, né.
Então ta Galindo! Então, muito obrigada e até a próxima!
Não faltou nada aí?
Não.

Entrevista nº11 : THELMA CHAN


Local : São Paulo
Data : 14.08.2002
Horário : 13 h

1. Bom, para iniciar Thelma, eu gostaria de saber como se deu o seu primeiro contato com a
música?
Bem Flavia, desde os meus cinco anos, eu estudo música. Então, meus pais sempre gostaram
muito, meu avô era um tocador de bandolim, um português que sempre que tinha oportunidade, ele
pegava o bandolim e tocava um pouquinho pra gente, gostava muito que a gente cantasse pra ele,
sabe? E meus pais também. Então, aos cinco anos, minha mãe me pôs primeiro no ballet. Aí, eu
não fui muito bem com o ballet. Uma criança meio gordinha, uma professora meio sem, sem
pedagogia e aí então, eu desisti do ballet. Minha mãe disse : “Bom, você não quiser fazer ballet,
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você vai fazer piano!”. Aí eu falei : “Então tá bom!”. Aí eu peguei o piano aos cinco anos e hoje
quase aos quarenta e nove, ainda continuo na mesma vida (risos).
2. E qual é a sua formação musical?
Bem, eu fiz como todo mundo, comecei fazendo Conservatório, e depois eu fiz a primeira
Faculdade de Música de São Paulo, a primeira turma. Eu estava terminando o Conservatório e o
diretor do Conservatório tava mudando de Conservatório para Faculdade de Música. Ele disse pra
mim : “O quê você vai fazer da tua vida daqui pra frente?”. Eu falei: “Não sei ainda!”. Eu fazia
Normal, essa coisa, Magistério, Sempre gostei de ser professora. Aí ele disse : “Então, você vai
fazer música”. Aí eu falei : “Ah, então tá bom!”. Aí continuei o quê eu vinha fazendo no
Conservatório, só que então agora, num nível superior e tal. Então, é isso. Primeira turma da
primeira Faculdade de Música.
3. Thelma como se deu o seu interesse em trabalhar com o ensino coletivo, com côro, com
grupos?
Bem, eu sempre gostei de coisas pessoas juntas. Eu sempre achei que a coisa quando você junta as
pessoas, ela acaba bonita, ela fica mais bacana. Sei lá, cria uma força né. Então, eu sempre fui de
trabalhar com o coletivo mesmo. É, e surgiu como? Surgiu porque eu sempre gostei de cantar com
mais gente, né. Sempre gostei de participar de coral, de conjuntos, de, por exemplo, no
Conservatório tinha aula de Música Popular, né. Então, eu ligava pra participar dos conjuntos de,
de Música Popular, tal. Aí eu vi que eu tinha um gostinho por essa coisa de estar junto com mais
gente, fazendo música. Aí, eu fui pra Brasília, morei em Brasília, trabalhei na Escola de Música de
Brasília, mas eu já vinha com essa formiguinha da, de juntar as pessoas pra cantar, principalmente,
que era sempre o meu grande tesão, é verdade, sempre falta à coisa do canto. Então, o piano eu fiz
assim meio que empurrado, entendeu? Não era uma coisa que eu gostava tanto assim de me
dedicar. Meu lance era mais, a coisa da voz, da regência principalmente, de fazer os outros
cantarem, né. Aí quando eu fui pra Brasília, eu tive a oportunidade de expor, de risco (??). Eu fui
pra Brasília muito nova, tinha vinte e dois anos, eu tava com a minha carreira começando e a
Escola de Música de Brasília foi, e o Maestro Levino, que era o diretor na época, foram grandes
responsáveis assim, pelo deslanchar da minha carreira, né. Então, no I Festival de Verão de
Brasília, tava o Carlos Alberto Pinto Fonseca, grande regente mineiro né, e foi dá pra gente aula de
regência. E eu fui pela primeira vez me mostrar para um profissional dessa categoria. E ele achou
que eu tinha talento. Então, isso veio reforçar minha vontade de ser regente e de fazer as pessoas
cantarem. Eu sempre achei que trazia alegria, sei lá, e nunca parei, não sei. A harmonia das vozes é
uma coisa que arrepia muito. Então, tudo que me arrepia, eu gosto (risos).
4. E Thelma, Em relação ao ensino coletivo, quais são as vantagens que você vê em relação,
comparado ao ensino individual?
Olha, eu acho que crianças fazendo música juntas, uma ajuda a outra, sabe? Então, no caso do coral
por exemplo, você tem um superafinados, os médios, os normais, né, e os desafinadinhos. Então,
quando você tem o desafinado, por quê que ele é desafinado, né? Por quê ele não cantava nunca na
casa dele? Por quê a mãe dele era desafinada? Por quê ele ouviu ninguém cantando? Porque... Por
quê? Então, sempre tinha uma razão. Daí, você colocava o desafinado aqui e um afinado a sua
direita, e outro afinado a sua esquerda, e um outro afinado atrás. Então, essa coisa dessa vibração,
né, que vinha, atrás da orelha do desafinado, ele afinava, entendeu? Então, essa é uma vantagem, eu
acho que assim, um ajuda o outro, e esse cara sozinho, esse desafinado fazendo mal, já pensou que
sacrifício? Aí, fora isso, é, a gente tem também a coisa do, do, da própria convivência mesmo
social, né, a coisa do grupo mesmo, dentro de um, de fazer música coletivamente, eu falo da parte
do coral, a pessoa, ela se reconhece né, e se faz reconhecer. Então, às vezes assim, uma criança que
era apagadinha, sabe, porque não tinha grandes talentos, de repente ela descobre que ela tem uma
voz superafinada, então, ela cresce dentro do grupo, ela cresce nela mesma, autoconfiança, sabe? E
ela fica outra. Ela aprende a sorrir, ela aprende a levantar a cabecinha, porque ela viu que ela tem
um dom, né? Que é esse de cantar afinado e ela tá cantando junto de uma série de pessoas. Então,
tem todas as vantagens. Sem colocar assim, porque, como você no instrumento, quando eu faço
coral infantil, eu também não ensino, num primeiro momento a leitura de notas né. Nada acontece
porque ela vai praticar tanto aquela, aquela música, ela vai subir e descer tantas vezes né, que
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quando ela pegar uma partitura, certamente aquilo vai facilitar né, pra que ela enfim leia né. Então,
eu acho que é tudo isso, né. Eu sou muito favorável a essa coisa.
5. E você acha que tem alguma desvantagem, a princípio ou não?
Desvantagem? Em se tratando de crianças eu acho que não. Porque assim, eu acho legal também o
trabalho pela consciência, né. Você que já trabalhou com a gente, cê sabe que a gente busca a
conscientização, não é? Pra cantar e quero conhecer exatamente como é o meu instrumento, né. Só
que assim, pra criança, eu acho que isso pode vir mais tarde. Então, num primeiro momento eu não
tenho muito...
6. E Thelma, em relação ao seu referencial teórico, às suas influências? Você pode falar um
pouco ?
Ah, com maior prazer! Assim, de medalhões da música brasileira, meus grandes influenciadores
são Villa-Lobos - é influenciadores acho que inventei essa palavra agora – Osvaldo Lacerda, que eu
amo de paixão. E depois vem assim, os outros. Porque assim, os outros porque assim, eu tive uma
vivência maravilhosa com o canto lírico, que era um grupo de coral adulto, né, jovem na verdade,
mas uns jovens com muita capacidade. Então, a gente teve a oportunidade de conhecer muitos
compositores e fazer a música desses compositores, né. E arranjadores também.Então, veio o Zé
Ronaldo Miranda, por exemplo, que eu admiro demais, né. Bem, depois eu tive a influência de
todos os regentes possíveis com os quais eu cantei. E eu tive a felicidade de cantar com Camargo
Guarnieri, com Eleazar de Carvalho, né, com Emílio César de Carvalho, depois em Brasília com o
próprio Levino Alcântara, com o Carlos Alberto Pinto Fonseca, com Zé Gramani, que foi meu
professor na faculdade, de percepção, até foi meu regente mas também meu professor também, que
me influenciou pra caramba, não é ? O Roberto Manso depois, que não é tão conhecido, já foi,
também já morreu. Bom, e assim, na regência eu acho que foi isso, aí em São Paulo, no tempo em
que eu comecei a reger corais, tinha um movimento efervescente de corais, era uma loucura, né.
Ah, eu não posso esquecer do Benito Juarez, que é um supercara também, músico maravilhoso, me
ensinou muita coisa, né. E toda a vivência que eu tive cantando em corais, viu Flavia. Você tem
Joaquim Paulo Espírito Santo, que também não é um músico tão conhecido, mas que também me
ensinou demais, e uau, né. E eu fiz uma faculdade, quer dizer, então, lá todos os professores e toda
a literatura me ajudou. Depois teve uma coisa importante na minha vida que foi o fonoaudiólogo
Mara Behlau que me deu uma série de coisas pra estudar, depois teve Rose-Marie Schoch, que
também tá com Deus, que me deu uma outra série de, de teorias pra ver, entendeu? Então, tô
fazendo assim meu mestrado.
7. E trabalhos interessantíssimos em relação a corpo, expressão corporal?
Ah sim! Isso começou com Ivaldo Bertazzo que é um cara aqui de São Paulo, um coreógrafo, ele é
um pesquisador, ele vai pesquisar o mundo, assim, especialmente na Índia e na Bélgica, e trás
muita coisa desses lugares. Uma mulher maravilhosa que tem lá na Bélgica que faz um estudo
super de corpo né. Então, estudei em dois anos, em dois anos com Ivaldo Bertazzo, intensamente,
né. E veio dele essa necessidade, né. Inclusive nesse segundo trabalho “Dos pés a cabeça”, surgiu
muito por causa do Ivaldo, das aulas que a gente fazia lá, né. E ele foi me mostrando que meu
corpo era um instrumento realmente, então, se eu, seu eu não mantinha uma postura corporal eu
não era um ser humano que fui feito né. E aí, eu comecei a ver através da própria Mara Behlau, do
Roberto Zimberman e depois da Rose-Marie, é que era importante mesmo ter essa consciência,
entende? Então, se você tá esticado, seu som sai de um jeito, se você tá caído seu som sai de outro.
è como qualquer instrumento que você, a flauta você soprou extremamente você apitou, não é? O
violino cê passou o arco com força você arranhou. Então, mesma coisa o corpo. E aí o, porque é ir
atrás da voz, né Flavia? Sempre atrás da voz e até eu morrer eu vou ficar atrás da minha voz, né.
Então, tudo que pudesse me ajudar, eu vi que o corpo era fundamental, né. Porque assim, tem gente
que nasce, sabe? Então, se tiver que cantar de quatro, ela canta. Se tiver que cantar de bruços,
deitada, ela canta. Porque assim, parece que Deus pois a mão e disse : “Você vai cantar!”. E ela não
faz nada. Ela acorda de manhã e tomando banho ela cantava (...), entendeu? Agora, os pobres
mortais assim, que tem que ir atrás, tem que aprender, né. Mas eu acho também que, que Deus fez
direitinho porque se eu não tivesse ido tanto atrás da minha voz, eu não teria descoberto sabe,
tantos artifícios bacanas pras pessoas descobrirem as delas (risos).
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8. Thelma em relação ao, vamos falar sobre os lugares em que você atuou, primeiramente, e
depois, eu queria que você falasse pra mim, assim, em termos de côro pra criança, pra adulto,
qual que é a carga horária que você acha a ideal, pra ter um rendimento bom, quantas vezes
por semana? Eu queria que você falasse um pouco sobre essa área de atuação sua?
Onde eu atuei. Eu comecei a reger coral infantil, então, em Brasília, né. Que depois eu tive um
aluno, que eu nunca vou esquecer disso, um já mocinho, que era do canto lírico, uma vez ele usou
assim a expressão : “Thelma, eu fui lá reger, e regi com vibratto!” (risos). E foi uma coisa que eu
sempre me sinto, porque eu achei assim muito bacana. Então, “eu regi com vibratto” em Brasília,
primeira vez. Daí eu fui pra São Paulo, aliás eu já tinha tido uma parca experiência, nos meus
dezoito, dezenove anos, quando eu dava aula no conservatório, né, de pedagogia musical. Então, eu
já tinha vontade de fazer uma coisa coletiva e tal, com as alunas e comecei dar coral. E assim, eu
tinha tanto desconhecimento da área, que eu pegava aqueles livrinhos de flauta doce, que tinha
duas vozes pra flauta, e fazia elas cantarem aquilo. Não sabia nem aonde procurar repertório, nada
disso. Então, e isso realmente foram os rudimentos, os primórdios, foi nesse conservatório. Depois
eu fui pra Brasília. então, foi a primeira vez que eu regi em público, com o tal do vibratto lá (risos)
Tremendo de medo!! Depois eu voltei de Brasília, aí reassumi o Conservatório que eu estava, aí,
definitivamente, comecei a reger o grupo, que depois se tornou o Canto Livre, né. E paralelo a isso,
eu regi vários corais de empresa, de faculdade, né. Nossa Senhora! Teve épocas assim, que eu tinha
muitos coros! E teve uma coisa importantíssima na minha vida que foi onde eu comecei reger
corais infantis de verdade, que foi a Escola Municipal de Iniciação Artística. Então, de volta a São
Paulo, eu, depois de morar dois anos e meio em Brasília, aí eu precisei retornar né. retornar?
Começar aqui em São Paulo, porque eu não tinha começado nada praticamente. Eu fui embora com
vinte e dois anos, eles achavam que eu já tinha começado alguma coisa. Aí, eu voltei e fui para na
Escola de, na Escola Municipal de Iniciação Artística, por vias de amigos meus que me indicaram,
enfim, eu fui lá conversar com as pessoas até que eu consegui uma vaga nessa escola. E eu cheguei
lá não tinha coral infantil, mas eu já tinha um grande trabalho na área do coral adulto, né. Já tava
superadiantada como eu te disse. Naquela época São Paulo fervia, assim, de corais adultos. Era
uma loucura, sabe? Era uma coisa assim : “Gente vamos caprichar porque o coral da fulana vai ta
lá!”, sabe? O coral de Mara, coral de Esmeralda. Olha Marcos Júlio, então a gente assim, tinha
aquela, aquela coisa que a gente sabia que ia pintar de coral e a gente não podia fazer feio, sabe?
Porque os corais eram tinindo, era um melhor que o outro. Então, eu atuava nessa área, nos corais
adultos. Quando eu cheguei lá na Escola de Iniciação Artística tinha piano, tinha flauta, tinha
violino, percepção e não tinha coral. “Ah porque nós não temos regente!”. Eu falei : “Muito prazer!
Então cheguei!”, né. E comecei a aula coral infantil que existe até hoje e daí já emendei coral de
mães, entendeu e daí foi. Depois trabalhei em várias escolas particulares também fazendo corais,
né. E passei pra Universidade Livre de Música também, aí eu já, já tinha toda aquela vivência de
Ivaldo Bertazzo, Mara Behlau etc. Então, já comecei a dar canto popular pras pessoas e reger coral
adulto de novo. Porque depois que acabou o Canto Livre, eu parei com essa estória de coral adulto,
até hoje não tem mais. E fui me apaixonando pela área coral infantil. E aí assim, na Escola
Municipal de Iniciação Artística a gente tinha uma hora e meia de aula, uma vez por semana, né. È
da turma de ensaio. Eu meio que peguei esse parâmetro, sabe? De ficar com essa uma hora e meia,
uma vez por semana. Mas se você tiver uma hora e meia duas vezes por semana, melhor ainda, né.
Depois eu tive um, o ano passado e o ano retrasado a oportunidade de trabalhar num projeto com as
crianças na favela de Heliópolis, um projeto muito bonito do maestro Baccarelli, aqui de São Paulo,
que inclusive trabalhou com ensino coletivo né, de cordas, também com o pessoal da Heliópolis,
com a Renata Jaffé, então, e aí lá a gente fazia duas, uma vez por semana de três horas. E esse ano,
se eu tivesse continuado com eles, a gente ia fazer duas vezes por semana de duas horas, que eles
tão fazendo com maestro Elias, um maestro que eu deixei lá. E então trabalhando com criança,
quando eu cheguei na área de coral infantil que foi em 82, não tinha nada de infância aqui em São
Paulo! Era uma loucura! Eu olhava do lado assim, me via num deserto! Eu falei : “Não, isso não ta
certo! Onde que ta o pessoal que trabalha coral infantil?”. O coral adulto era uma efervescência
total, como é que o coral infantil ... Aí eu comecei a procurar as pessoas, entendeu? Aí fiz o I
Encontro de Corais Infantis. Aí lance a Associação de Regentes de Corais Infantis , que existe até
hoje, a ARCI. E fui inventando moda, entendeu? Pra você vê como eu gosto do coletivo (risos). Fui
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inventando moda e fui juntando os regentes e tive um coral de cem crianças e depois na própria
associação a gente juntou trezentas crianças pra cantar, entendeu e aí foi indo assim.
9. Que Bom! Eu queria que você falasse um pouquinho, já que você trabalhou com as
crianças carentes e tal, dessa função social da música...
(Interrompendo) Nossa Senhora!
Como você vê a nossa função como educador na sociedade e da música na sociedade?
Nossa Senhora! Olha é uma coisa assim, absurda, né. Assim, é claro, você tem que ser músico
educador mesmo e aja educador nisso, entendeu! Porque assim, se você for só músico, você vai só
se preocupar com, com o resultado sonoro né, não daquele corpo que ta na tua frente, daquela alma
daquele ser. se você for educador, você vai olhar primeiro praquela pessoa, praquela alma, praquele
ser, pra depois né, saber porque ele tá suando daquela forma, né. Aí você vai se preocupar assim,
escovou os dentes? Com que roupa ele ta? Ele ta cheiroso? Ele tomou banho, né? Quando ele tira o
tênis, o quê que acontece? Desmaia meia dúzia? É ou não é, né? Então, foi a primeira coisa que eu
falei pras crianças né? Não foi a primeira vez que eu trabalhei com carentes, mas foi a mais efetiva.
Então, eu falei pra eles o seguinte : “Olha, eu quero todo mundo de banho tomado no ensaio”. Aí
você vê, começa daí a coisa. E a música, levou ele pra lugares que ele jamais imaginaria entrar, né.
Porque aquelas são crianças que se admiram, que se admiravam né, porque hoje elas já conhecem,
um secador de mão, sabe? Que você põe embaixo e vuuum. “Ah, que diversão!”, sabe? Lugares
bonitos porque eles não vêem lugares bonitos, né. Eles moram numa favela onde tem até casa de
alvenaria, mas tudo pobre, feio e sujo, né. Então, de repente, ele entra num lugar que tem um lustre
de cristal, tem um tapete alto. Tudo isso é bobagem, mas assim, dá um parâmetro de vida pra eles,
você entende? Não que isso seja importante, o lustre de cristal ou o tapete, não é? Mas o mostra pra
eles que eles estão indo a esses lugares. Então, por eles estarem indo nesses lugares, eles tem que
ter um certo comportamento, não é? Ele vão se sentar à mesa de um restaurante, eles vão tomar um
lanche perto de autoridades, de gente importante, eles vão conhecer. Então, enfim, todo esse lado
de como é que você é perante o outro, como é que você se comporta, como é que você se cuida né.
Sabe? Pra daí poder fazer a sua música legal, limpa, cheirosa e tudo mais né. É fundamental, né?
Fundamental. Por que ao invés deles preocuparem com quantos mataram na minha rua hoje,
entendeu? Ele tem que chegar da escola e tomar banho e saí porque ele tem que ir pro ensaio.
Então, é assim, maravilhoso!
10. E Thelma, em relação à pesquisa em música, você destacaria algum trabalho que você
goste nessa área de ensino coletivo? Como é quê você vê a pesquisa em música...
(Interrompendo) Você tá falando em termos gerais?
É, pode ser em termos gerais, em ensino coletivo e em música em geral. Assim, tem algum
trabalho que você destaque?
Olha, tem muita gente fazendo coisas legais né? Porque assim, sabe Flavia, eu nunca fui de estudar
coisas de fora, sabe? Eu nunca, por exemplo, eu nunca estudei, nunca ensinei método Kodály, eu
nunca ensinei aquele outro que todo mundo faz...
Dalcroze.
Dalcroze. O Willems, nunca liguei pra esse tipo de coisa, sabe? Eu sempre achava que a gente tinha
que fazer uma coisa a partir da nossa realidade, que tudo o quê vinha de fora não servia pra gente,
entendeu? Até hoje eu acho assim, não sei se até por desconhecimento dos métodos afundo, porque
eu nunca estudei mesmo, e falo isso sem medo nenhum, porque acho que criei uma coisa
totalmente diferente e minha que então até hoje eu não posso entender que as crianças vão ficar
meses a fio fazendo : nã nã, nã nã, nã nã, nã nã (canta o intervalo de terça maior descendente),
sabe? Não consigo ver isso. Então eu só posso alcançar as pessoas que eu acho que trouxeram
coisas importantes, né? Então, por exemplo, tem a Valquíria Passos que trouxe a música pra bebê,
depois seguida pela Josete Félix que trouxe a música pra bebê. É tem a Eny Parejo que faz um
trabalho de musicalização também, bela, uma coisa bela que ela pesquisa, que ela vai atrás, eu acho
bárbaro. Aula de musicalização que a gente ta falando né? Bom, ensino coletivo não preciso nem te
falar, nomes que você conhece acho todos assim, bárbaros, pessoas que trabalham com isso, que
tão mantendo isso né. Na área Coral Infantil tem o SESC através da Gisele Cruz né, que também
faz, ta supercolaborando assim, com o trabalho, a Marisa Fonterrada que eu também gosto tanto de
citar. O Samuel que embora não seja um cara na música infantil dentro da educação. Ele trouxe
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uma idéia nova, sabe? Assim, pro coral, eu acho que foi fundamental. O meu querido amigo finado
Marcos Leite, que eu também acho que foi uma figura importantíssima que trouxe coisas assim, da
música popular pra música erudita que foi bárbaro né? Isso que eu já citei pra você, que são meus
grandes mestres, né ? Lacerda e Villa-Lobos (risos) e maestro Levino.
11. E Thelma, pra finalizar, você tem alguma sugestão a fazer em relação a minha pesquisa
em ensino coletivo e alguma consideração final a fazer? A palavra é sua em relação ao grupo,
ao ensino em grupo...
Olha Flavia, eu só tenho a dizer a você que eu espero que essa sua pesquisa incremente ainda mais
esse movimento no Brasil. Que você seja uma figura importante que possa irradiar de Goiânia pro
Brasil inteiro.
Que Bom! Obrigada!

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