Você está na página 1de 8

Jefferson Lessa Batista da Silva Costa

AULA DE CANTO: ELEMENTOS, APLICAÇÕES E OBJETIVOS

Trabalho apresentado à Prof. Kátia Figueiredo como


parte da avaliação da disciplina de Canto 4 Da
Faculdade Batista do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 2018


2

1. INTRODUÇÃO

Quando uma pessoa manifesta interesse numa aula de canto, provavelmente ela já teve
algum contato com o instrumento vocal, mesmo que por vias amadoras. Existem alguns casos
de pessoas que se interessam pelo estudo do canto sem nunca ter cantado a não ser em casa ou
enquanto toma banho ou realiza algum trabalho. Comumente encontramos pessoas
interessadas pelo canto, mas que não se interessam pelo estudo dele. As que se interessam e
procuram uma aula apresentam na maioria das vezes um contato inicial, como apresentações
em comunidades religiosas, bares, bandas de amigos, pequenas apresentações para familiares e
até mesmo performances artísticas feitas na escola, num grupo de teatro ou dança ou coisas do
tipo.
Esse artigo se discorrerá sobre as formas de abordagens possíveis numa aula de canto,
pensando como devem ser conduzidos os primeiros encontros e como podemos planejar as
aulas de modo que os principais assuntos relacionados ao canto sejam abordados e
compreendidos de modo reflexivo intelectual e também experimental prático pelos alunos.

2. O PRIMEIRO CONTATO NA SALA DE AULA

Pelo fato do canto ser uma prática que usa um instrumento presente no corpo do
instrumentista, os primeiros momentos de contato com o estudo do canto na sala de aula
precisam ser feitos de modo a possibilitar que o aluno conheça sua própria corporeidade. O
som que produz e a visão que cada um tem de si é sempre mediada pela visão que o outro tem
de nós mesmos. Nas primeiras aulas de canto, entretanto, o aluno precisa começar a ouvir seu
próprio corpo e identificar componentes em si mesmo que antes eram despercebidos.
Nesse primeiro momento de aula é possível então que o professor conduza as aulas de
modo a demonstrar para o aluno as importâncias que a voz tem para o profissional que a
utiliza freqüentemente. Professor, jornalista, cantor, apresentador, atendente de telemarketing,
relações públicas, e outras profissões, usam a voz profissionalmente e fazem dela seu meio de
trabalho. Para que não incorramos em problemas vocais acarretados pelo mal uso, as primeiras
quatro aulas precisam ser direcionadas a saúde vocal, cuidados com a voz, fatores de risco
3

para a voz, o que fazer quando se está com problemas vocais, conhecimentos fisiológicos do
som, um estudo mais aperfeiçoado sobre as partes do corpo que estão envolvidas no processo
da fala e, conseqüentemente, do canto.
Enquanto o aluno começa a conhecer os cuidados que precisa ter com a voz, o
professor apresentará os principais assuntos que serão estudados ao longo do curso de canto.
São eles: preparação, postura, respiração, articulação, ressonância e vocalises. Podemos
utilizar também alguns testes de saúde vocal como por exemplo, os testes “DESCUBRA SEU
PERFIL DE COMPORTAMENTO VOCAL” (Adaptado de VILLELA & BEHLAU, 2000) e
“IDENTIFIQUE UM POSSÍVEL PROBLEMA DE VOZ” (Adaptado de BAHLAUL &
REHDER, 1997). Ambos os testes são possíveis de utilização em contexto de aulas de canto e
demais atividades que façam uso freqüente da voz. Com os resultados obtidos neles,
poderemos começar as aulas sobre cuidados com a voz e higiene vocal e ter pontos de partida
para traçar os objetivos do semestre ou de todo o curso de canto.

3. ABORDANDO OS PRINCIPAIS ASSUNTOS

Acima falamos dos principais assuntos que serão estudados durante todo o curso de
canto. Muitos alunos não conseguem experimentar logo de imediato as transformações que
propomos durante as aulas ou máster classes. Isso se dá porque o canto é um instrumento que
utiliza músculos que ainda não estão treinados e ativos para o trabalho consciente do cantor.
Outros instrumentos também utilizam músculos para serem executados e essa é a principal
característica da ação musical: exercício da performance muscular refinada sobre um
instrumento feito de material especial para que o som seja produzido musicalmente. No caso
do canto, o instrumento está interno ao corpo e isso então impossibilita que o professor toque
o instrumento do aluno da mesma forma que um professor de violão pode fazê-lo ao perceber
a dificuldade do aluno em formar determinado acorde. Ao professor de canto resta apenas a
demonstração do exercício no próprio instrumento, sua própria voz, e a busca por maneiras
didáticas para demonstrar ao aluno o caminho que ele precisa percorrer para que chegue a
sonoridade pretendida.
4

3.1. Preparação

A preparação no canto envolve o relaxamento muscular necessário para que a prática


vocal não seja marcada por tensões indesejáveis. Junto do relaxamento, também precisamos da
ativação muscular das partes ligadas diretamente ao canto e que não podem estar flácidos ou
em estado que não seja de prontidão à ação desejada.
Podemos pedir aos alunos que executem exercícios para experimentar esse
relaxamento e logo após a ativação muscular. Esses exercícios podem ser feitos através de
massoterapia aplicada ao canto, segundo Helena Wöhl Coelho, e envolvem as partes do corpo
envolvidas no canto, sendo elas: costas, ombros, braços, pescoço, cabeça e rosto.

3.2. Postura

A postura é uma parte importante da compreensão do corpo na prática do canto não só


com relação à sua performance, mas também em relação à forma correta que o corpo deve
encontrar-se para que seja possível a emissão do som correto em sua fisiologia, sem prejudicar
seus componentes por estarem operando sob pressão muscular indevida ou de forma
inconsciente, acarretando problemas sem que seja percebida a gravidade disso.
Com isso, podemos pedir aos alunos que experimentem posicionar suas pernas de
modo eqüidistante, na mesma cão dos ombros, o quadril relaxado e encaixado sobre as pernas,
sem tensões na coluna, que por sua vez estará ereta mas sem tensões desnecessárias,
possibilitando o trabalho da musculatura abdominal sem dificuldades. O pescoço levemente
direcionado para o horizonte, sem necessidade de levantar ou abaixar com a emissão das
notas. Os ombros precisam estar relaxados levemente para trás, possibilitando a ereção da
coluna. Os braços podem estar apoiados com as mãos na altura da cintura ou soltos ao longo
do corpo, mas nunca presos ao corpo para não tencionar a musculatura abdominal.

3.3. Respiração

Outra parte importantíssima no canto é o domínio da respiração e essa acontece de


modo automático promovido pelo sistema nervoso central e periférico. O que será estudado
5

acerca da respiração no canto é o domínio consciente dos processos envolvidos na inspiração e


expiração. Segundo Oiticica, na respiração fisiológica a inspiração precisa ser mais longa e a
expiração mais curta, mas no canto acontece o contrário, pois não é necessário muito ar para
cantar. Quando se inspira uma quantidade exagerada de ar para cantar, acaba soltando-o de
forma desordenada pois o pulmão, órgão responsável pelo armazenamento do ar durante a
respiração, sente a necessidade de expirar o ar inspirado. Logo, para cantar, deve-se concentrar
em tornar a respiração algo programado, não apenas mecânico, como no caso da respiração
natural que praticamos para viver.
Há três partes envolvidas no processo de respiração e o professor de canto pode
abordá-los para permitir que seus alunos tomem consciência do processo de respiração. A
musculatura abdominal, intercostal e torácica está diretamente envolvida na respiração e
precisam ser controladas conscientemente para que tanto a inspiração quanto a expiração
sejam feitas de forma a aperfeiçoar o canto. Exercícios de respiração podem ser feitos usando
intercalações entre inspiração lenta e expiração lenta; depois inspiração lenta e expiração
curta; depois inspiração curta e expiração lenta; depois expiração curta e expiração curta. A
emissão do som na expiração pode ser feita utilizando-se de vibradores nos lábios que
facilitem a saída de ar, como o som do /v/ e /g/, caso queira controlar exatamente a expiração,
ou até mesmo com sons que favoreçam a emissão econômica do ar, como o som do /z/ e do
/m/.

3.4. Articulação

A articulação é a forma como os sons são emitidos pelos articuladores, que são órgãos
ou músculos que atuam na formação das vogais e consoantes de uma determinada língua. Há
alguns grupos de letras que são articuladas de modo parecido, como o caso do /p/ e do /b/ e
para que a emissão deles seja feita corretamente é preciso que o aluno treine a articulação de
cada uma das letras, começando pelas vogais nas suas formas mais comuns (/a/, /é/, /ê/, /i/, /ó/,
/ô/, /u/) e posteriormente as consoantes.
Bons exercícios de articulação e dicção para os alunos praticarem são frases chamadas
de trava línguas que contém dificuldades articulatórias por usarem consoantes de difícil
emissão quando são colocadas juntas, como é o caso da frase “três pratos de trigo para três
6

tigres tristes”. Existem outras frases que podem ser musicadas, aumentando o grau de
complexidade da mesma para que os desafios musicais do cantor sejam vencidos e treinados
durante suas aulas.

3.5. Ressonância

A ressonância é a reverberação que o som possui nas cavidades do corpo do cantor e


ela interfere diretamente na qualidade do timbre e sonoridade da voz do cantor. As cavidades
são espaços ósseos ou não que estão presentes no corpo de cada pessoa e geneticamente cada
um possui uma configuração biológica que confere a singularidade do som a cada pessoa. O
som da voz das pessoas costuma ser parecido com o de seus parentes, como no caso de irmãos
gêmeos, que possuem DNA muito semelhante ou até idêntico. Sendo assim, as configurações
do som e as propriedades timbrísticas do som serão muito parecidas. Apesar dessa
configuração genética, cada cantor precisará identificar em seu corpo quais partes dele
contribuem para tornar o som mais trabalhado. É possível que alguns alunos iniciantes
cheguem com a voz cantada bem nasal, ou metálica, escura, ou sem foco, rouca, com pouca
capacidade de projeção.
Os estudos de ressonância do som possibilitarão maior controle da sonoridade
pretendida pelo cantor e pedida pelo professor, de modo que durante o curso de canto o aluno
se encontrará com sons produzidos por ele mesmo que poderão não ser reconhecidos de cara
pois se apresentam muito diferente do que ele imaginava ou ouvia até o momento. Então para
que sejam trabalhados esses componentes de ressonância, o professor poderá trabalhar com
metáforas de modo a facilitar a compreensão do som de modo reflexivo e também prático.
Nesse ponto de estudo é muito importante que o aluno tenha um vasto repertório de cantores e
profissionais vocais dos quais tem apresso para que seja possível compreender a sonoridade
pretendida.

3.6. Vocalises

Os vocalises são trechos sonoros musicais utilizados para treinar a sonoridade do


cantor. Nessa sonoridade estão inseridos todos os outros componentes falados anteriormente,
7

adicionando também outros dois muito importantes: aquecimento e desaquecimento. Para que
a voz seja aquecida, poderá o professor utilizar-se de vocalises simples com notas que ficam
mais agudas gradativamente. A intenção desses exercícios é treinar o esticamento e o
relaxamento das pregas vocais de modo sistemático, automático e preciso. Por se tratar de uma
ação muscular, não há necessidade de o aluno apresentar perfeição logo no início, sendo então
uma construção que levará tempo.
Os vocalises são a base do aperfeiçoamento vocal, pois nele podem ser executados
trechos complexos ou simples, dependendo do que se pretende treinar, em diversos tons, de
diversas formas, conquistando sonoridade diferenciada ao longo de sua execução. Com esses
vocalises, podemos trabalhar exercícios de ressonância, respiração, articulação, extensão
vocal, dentre outros.

4. CONCLUSÃO

O canto como estudo possui metodologias e abordagens que podem variar de escola
para escola, porém os principais aspectos abordados acima são os que de comum existem entre
a maioria delas. O professor em conversa com o aluno deverá buscar compreender as
motivações que o levaram ao estudo de canto e buscar desenvolver metodologias que
possibilitem o alcance desses objetivos, pois isso está diretamente ligado à motivação do aluno
em freqüentar as aulas.
A aula de canto deve sempre passar por avaliações de todos os envolvidos no processo
educativo. O professor deve avaliar os alunos, os alunos devem avaliar uns aos outros e a si
mesmo bem como também devem avaliar seu professor. Uma forma de possibilitar a avaliação
técnica do aluno é através de questionários preenchidos em todas as aulas ou sempre que se
encerrar um ciclo de aprendizados para que seja possível a visualização dos resultados e
também das dificuldades que ainda precisam ser superadas.
Cada profissional terá sua abordagem quanto à avaliação do processo de aprendizagem,
porém também deve se submeter à avaliação do aluno, uma vez que o processo de ensino está
ligado à aprendizagem e não é apenas uma via de mão única, por isso preferimos chamar o
8

professor de canto de facilitador, pois o aluno é responsável pelo aprendizado que obteve
assim como o professor também aprenderá muitas coisas com o aluno.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEHLAU, Mara; PONTES, Paulo. Higiene Vocal: cuidando da voz. 3. ed. Rio de Janeiro:
Revinter, 2001.

BEHLAU, Mara, REHDER, Maria Inês. Higiene Vocal Para o Canto Coral. Rio de Janeiro:
Revinter, 1999.

OITICICA, Vanda. O Bê-a-bá da Técnica Vocal. Brasilia: MusicMed, 1992.

Você também pode gostar