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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

– Escola de Música –

Ana Isabel Cordeiro Rios Freire


Bárbara Guimarães Penido

Ajustes posturais para o canto

Belo Horizonte
2023
1

Ajustes Posturais Para o Canto

Ana Isabel Cordeiro Rios Freire1


Bárbara Guimarães Penido2
Resumo

Um dos pilares do ensino-aprendizagem do canto é a organização postural, que requer o


desenvolvimento da consciência corporal. Ajustes posturais que beneficiem o canto são, pois,
objetos de estudo do cantor aprendiz. Esta pesquisa visou contribuir para o desenvolvimento da
organização postural em cantores e, especificamente, verificar sua importância para o cantor
aprendiz. Foi empreendida uma revisão bibliográfica sobre a relevância de ajustes posturais no
ensino-aprendizagem do canto e aplicado um questionário a 55 alunos para identificar possíveis
interações entre estudo do canto e aspectos posturais. Observou-se que uma postura equilibrada
beneficia o cantor de maneira integral e, consequentemente, o seu rendimento no canto. Ela
favorece o controle respiratório e o gerenciamento das emoções do cantor, cruciais para uma
performance artística exitosa. A grande maioria dos alunos que responderam ao questionário
indicaram que aspectos posturais são tratados pelo professor de canto e que eles são capazes de
pôr em prática os ajustes posturais sugeridos em sala de aula. Novas investigações que
considerem o parecer dos professores de canto sobre a aplicação de ajustes posturais no ensino-
aprendizagem do canto fazem-se necessárias.

Palavras-chave: Canto. Consciência corporal. Postura. Pedagogia Vocal.


Title of the paper in English: Postural Adjusts for Singing

Abstract
One of the pillars of the teaching-learning of singing is postural organization, which requires
the development of body awareness. Postural adjustments that benefit singing are therefore
objects of study of the apprentice singer. This research aimed to contribute to the development
of postural organization in singers and, specifically, verify its importance for the apprentice
singer. A literature review was undertaken on the relevance of postural adjustments to the
teaching-learning of singing and a questionnaire was applied to 55 students to identify possible
interactions between singing practice and postural aspects. It was observed that a balanced
posture benefits the singer in an integral way and, consequently, their performance. It favors
respiratory control and the management of the singer's emotions, which is crucial to a successful
artistic performance. Most students who answered the questionnaire indicated that postural
aspects are treated by their voice teacher and that they can implement the postural adjustments
suggested in the classroom. Further investigations that consider the opinion of voice teachers
on the application of postural adjustments in the teaching-learning of singing are necessary.

Keywords: Singing. Body Awareness. Posture. Vocal Pedagogy.

1
Licencianda em Música com Habilitação em Canto, Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Escola
de Música, anaisabelcrfreire1@gmail.com.
2
Doutora em Música, professora da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Escola de Música,
barbarapenido@yahoo.com.br.
2

Introdução

O aprendizado da técnica vocal envolve o desenvolvimento da organização postural. Esta, por


sua vez, requer aquisição de consciência corporal, ou seja, que o aluno adquira a percepção
consciente de como ele utiliza o próprio corpo para cantar.

De acordo com Sell (2005), alguns professores de canto evitam o estudo da anatomia e
fisiologia por acreditarem que o saber científico não tem espaço na arte. Entretanto, a autora
explica que esse profissional precisa entender dessas e de muitas outras áreas do conhecimento,
uma vez que o canto envolve o indivíduo como um todo. Ademais, a ciência é capaz de
confirmar aquilo que o professor vê e ouve, o que configura uma ferramenta importante para o
ensino do canto.

De forma semelhante, o estudo do funcionamento do corpo humano é relevante para o cantor


aprendiz que pode, então, ter um entendimento imagético mais rico da anatomia e da fisiologia
de seu aparelho fonador. Isso poderá favorecer a assimilação dos aspectos técnico-vocais e
posturais da arte do canto.

Cantar é uma ação produzida pela colaboração de todos os segmentos corporais do indivíduo
trabalhando de forma ordenada e equilibrada. Para que a fonação ocorra de maneira saudável,
o corpo do cantor precisa estar preparado em sua totalidade. Costa Filho (2015, p. 133) esclarece:
“A interatividade entre os diversos segmentos do corpo engloba um conjunto de ações que gera
a voz cantada, e a maneira como funcionam na sua totalidade será determinante na avaliação
da eficácia da técnica vocal”.

Sendo assim, o cantor necessita observar seu corpo de maneira integral, levando em
consideração que qualquer região corporal em desequilíbrio pode ocasionar limitações a seu
pleno fazer musical. Por esse motivo, a organização postural é um dos pilares do ensino-
aprendizagem do canto.

Independentemente da ação realizada, segundo Manley (1949, p.14), apresentar “boa postura é
mais do que sentar-se ou ficar de pé com alinhamento. É a posição do corpo em que todas as
suas partes trabalham de maneira efetiva, com apropriado equilíbrio, facilidade e conforto”. O
autor explica que uma boa postura confere equilíbrio não apenas ao esqueleto, mas também ao
bom funcionamento dos órgãos internos – pulmão, coração e órgãos digestivos – e faz o
indivíduo se sentir melhor (MANLEY, 1949). Por outro lado, padrões posturais ineficientes
3

podem limitar os movimentos respiratórios (RIGGS, 1992). McKinney (1994, p. 33) confirma,
pois, a importância da boa postura:

Ficar de pé com o corpo em estado de desalinhamento, ou a cabeça protusa


em relação aos ombros faz com que os músculos tomem para si algumas das
funções do esqueleto, resultando em tensão desnecessária e fadiga. Quando o
esqueleto está propriamente alinhado, os músculos se fazem livres para
produzir movimento, e a tensão consegue se manter a níveis mínimos para a
assistência do posicionamento do corpo. Uma boa postura permite que a
moldura do esqueleto e os componentes musculares do corpo executem suas
funções básicas com eficiência, sem nenhum gasto de energia desnecessário.

De forma análoga, para evitar gastos desnecessários de energia durante o fazer musical, Santos
(2015, p.44-45) atesta que o esqueleto deve ser mantido estável a partir do equilíbrio de forças
musculares – entre as musculaturas agonistas (que realizam o movimento) e antagonistas
(opostas ao movimento), a fim de se manter um equilíbrio de trações dos segmentos corporais.

No que diz respeito à voz, McKinney (1994) afirma que é bem mais fácil iniciar a ação de
cantar quando o mecanismo vocal está propriamente alinhado e sem tensões desnecessárias.
Portanto, a boa postura beneficia bastante o cantor e alguns problemas técnico-vocais podem
desaparecer se o corpo estiver operando de forma alinhada, equilibrada (SELL, 2005).

Entretanto, embora exercícios de colocação vocal, apoio e respiração costumeiramente façam


parte de aulas de canto, nem sempre são suficientes para que seja desenvolvida a consciência
corporal. Ao realizá-los, o cantor aprendiz pode sentir fadiga, caso esteja em desequilíbrio
musculoesquelético, pois serão geradas ativações e tensões musculares desnecessárias. Por isso,
o professor de canto deve saber analisar a correlação entre os aspectos posturais da performance
vocal e o resultado sonoro de seu aluno e, sobretudo, estimulá-lo a percebê-la.

A partir dessa breve reflexão, nota-se que os aspectos posturais influenciam sobremaneira a
ação do canto. Sendo assim, faz-se importante definir a relevância desse tema em aulas de canto
e sua correlação com os diversos aspectos da performance.

Este estudo visa contribuir para o desenvolvimento da organização postural em cantores. De


modo específico, ele se propõe a verificar a importância da organização postural para o cantor
aprendiz, através da realização de uma revisão bibliográfica e de uma sondagem com alunos de
canto a respeito de sua interação com aspectos posturais via questionário Google forms.
4

Revisão Bibliográfica

A postura corporal faz parte do dia a dia dos cantores, já que somos também um corpo mesmo
quando não estamos cantando. A organização postural ao cantar diz respeito a hábitos posturais
que estabelecemos em nossa vida e interfere na aquisição da postura ótima do trato vocal
quando estamos aprendendo a cantar. Conforme explica Feldenkrais, (19943, p. 65 apud
PENIDO, 2020, p. 42), a postura é dinâmica, está relacionada à ação e não a uma determinada
posição. Ela retrata como o indivíduo se organiza para agir, incluindo todas as suas funções
neuromusculares, o conjunto cerebrossomático – a maneira como interagem as emoções, a
motivação, a direção e a execução de um ato.

De acordo com Costa Filho (2015), a coordenação entre o funcionamento da voz e do corpo
como um todo confere um estágio de aprendizagem em que “o indivíduo terá aprendido com a
funcionalidade natural de músculos, órgãos e articulações, face às diferentes propostas de
postura vocal”. Por outro lado, “usar o corpo de um modo casual, em que uma parte do corpo
compensa, ao acaso, e geralmente de modo ineficiente, o movimento de outra para manter o
equilíbrio e a estabilidade”, configura-se um abuso (BARKER, 19914 apud SIMÕES e
SANTIAGO, 2017, p. 203).

Assim, para que haja a aquisição de habilidades vocais que deem o devido suporte à
internalização da técnica do canto, o cantor passa por estágios de aprendizado motor. São eles:

[...] inicial, no qual há um incremento da performance motora já na primeira


sessão de treinamento; o intermediário, que corresponde ao período de
consolidação da informação, e o terceiro, onde se observa a
permanência/estabilidade do desempenho motor, mesmo frente às constantes
e distintas demandas ambientais (MALLOY-DINIZ et al., 2010, p. 152).
Para Machado (1993), o Sistema Nervoso, o qual se origina no cérebro, é um todo, e sua divisão
é acordada para efeitos didáticos. Tal divisão, de acordo com critérios anatômicos, explica a
correlação entre as enervações do corpo e o aprendizado motor no canto. Estabeleceu-se a
nomenclatura Sistema Nervoso Central para designar “aquele que se localiza dentro do
esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral) e Sistema Nervoso Periférico aquele que
se localiza fora deste esqueleto” (MACHADO, 1993, p.11).

3
FELDENKRAIS, M. O poder da autotransformação: a dinâmica do corpo e da mente. São Paulo: Summus,
1994.
4
BARKER, Sarah. A Técnica de Alexander: Aprendendo a usar o seu corpo para obter a energia total. São
Paulo: Summus Editorial Ltda, 1991.
5

De acordo com Pinho e Pontes (2019), a fonação tem origem no córtex cerebral e emerge do
crânio pelo forame jugular. O nervo responsável pelo controle motor, no que diz respeito à
fonação e à deglutição, é o vago, que se origina do Sistema Nervoso Periférico. Assim, as
autoras explicam que o Sistema Nervoso Periférico une os órgãos periféricos (músculos, órgãos
etc.) ao Sistema Nervoso Central, e os nervos cranianos são doze, sendo que cinco deles estão
diretamente relacionados com os músculos intrínsecos da laringe – nervo vago, nervo de
Arnold, nervo faríngeo, e nervos laríngeos superior e inferior.

Riggs (1992) expõe que a coluna vertebral contém os nervos primários do corpo que se
conectam a nervos menores, os quais enviam sinais a toda parte do corpo, incluindo a laringe,
e que, quando não há posicionamento adequado da coluna, esses sinais enfraquecem ou são
interrompidos. Sendo assim, o equilíbrio postural possui correlação com o desempenho da voz
do cantor, uma vez que corpo humano é interligado e regido pelo Sistema Nervoso, o qual regula
todos os aspectos de seu funcionamento “toda ação se expressa como uma manifestação do
sistema nervoso.” (FELDENKRAIS, 20105 p. 74 apud PENIDO, 2020 p. 46).

Ao discorrer sobre a capacidade do treinamento físico de força em ocasionar a aquisição de


adaptações neuromusculares (neurais e morfológicas), Santos (2015, p.47) descreve o
mecanismo de motricidade corporal em sua relação entre o Sistema Nervoso e as fibras
musculares como uma unidade de funcionamento motor. Toda movimentação corporal
envolve, pois, a comunicação entre cérebro e músculos através de enervações e, assim, fica
claro que trabalhar com a estabilização corporal e alinhamento das articulações corporais é
deveras salutar e integrativo. Além disso, vale mencionar que a realização de certas posturas
envolvidas no treino de força pode demandar treinamentos associados, como os de
flexibilidade, mobilidade, e liberações miofasciais.

Um ponto crucial para o cantor é o cuidado com o alinhamento da cabeça, visto que movimentos
compensatórios durante o canto podem advir do desalinhamento cervical. Conforme argumenta
Simões e Santiago (2017, p. 213), “a tensão excessiva nas articulações das pernas e dos braços,
nas mãos, no maxilar, pode ser reflexo das tensões compensatórias para ajustar os desequilíbrios
da coluna e do pescoço, ou seja, da falta de alinhamento ou da sustentação corporal”. O cantor
com tais desequilíbrios posturais pode enfrentar demasiada tensão na região do pescoço. Ainda,

5
FELDENKRAIS, M. Embodied wisdom: The collected papers of Moshe Feldenkrais. Berkeley: North
Atlantic Books, 2010.
6

ele acaba tendo seu processo respiratório dificultado (ALEXANDER, 19926 apud CAMPOS,
2007).

Ademais e não menos importante, a organização postural se relaciona com o estado emocional
do indivíduo. A divisão do Sistema Nervoso que estabelece a correlação entre ele próprio e as
emoções é visceral. Essa divisão, de acordo com Machado (1993), denomina o Sistema Nervoso
Autônomo que pode ser dividido em simpático e parassimpático. Sendo assim, Pinho e Pontes
(2019, p. 3), designam suas funções:

O sistema nervoso simpático prepara o organismo para suportar situações de


estresse, aumentando a pressão sanguínea e o fluxo respiratório, e o sistema
nervoso parassimpático produz efeitos de relaxamento global, causando a
redução da pressão sanguínea e do fluxo respiratório.
Uma vez que a motricidade e as emoções têm origem no sistema nervoso, existe uma ponte
neural entre as duas. O caminho neural que interliga o mecanismo de ansiedade à motricidade
foi explicado por um estudo feito pela Austin Medical Sciences, em que os autores
correlacionaram ansiedade, equilíbrio motor e gait (marcha):

Foi descoberto que os circuitos neurais que contém um número de caminhos


que mediam o controle autonômico, interações vestíbulo- autonômicas e a
ansiedade formam a base para essa correlação. O núcleo deste circuito neural
é o parabraquial, localizado na medula oblongata. Esse núcleo possui uma
extensa rede de relações com uma quantidade de estruturas cerebrais
importantes responsáveis pelo movimento e o controle do equilíbrio,
incluindo o núcleo amigdaloide central, o córtex infra límbico e o hipotálamo.
O núcleo parabraquial é o ponto de convergência das informações
vestibulares, visuais e sensoriais que processam em caminhos que estão
envolvidos com a ansiedade, pânico e situações que queremos evitar. Este
esquema neurológico cria uma base que explica a correlação entre a falta de
equilíbrio e a ansiedade (FELDMAN et al., 2020, p. 3).

Rosenberg (2017) sugere a correção postural de alinhamento da coluna vertebral, com enfoque
na cervical (nuca e ombros) em tratamento para melhoria da ansiedade, pois esse alinhamento
favorece o funcionamento do Nervo Vago. Além de responsável pelo controle motor da fonação
e da deglutição (PINHO e PONTES, 2008), o Nervo Vago “envia informação para regiões do
cérebro importantes na regulação da ansiedade (GEORGE et al., 2008).

Para Lazarus e Folkman (19847 apud Suchy, 2011), os mecanismos de “reatividade ao estresse”
constituem a ativação do Sistema Nervoso Simpático – como resposta imediata a um evento

6
ALEXANDER, Frederick Matthias. O uso de si mesmo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

7
LAZARUS, Richard S; FOLKMAN, Susan. Stress, appraisal, and coping. New York: Springer. (1984).
7

estressante em potencial – e envolvem a percepção do indivíduo em relação a esse evento.


Estudos recentes sobre “reatividade ao estresse” têm considerado a variabilidade do índice de
batimentos cardíacos associada a mudanças na respiração, além do tradicional enfoque de
pesquisa nos níveis de cortisol, pressão arterial e batimentos cardíacos. De acordo com Suchy
(2011), observa-se que a indução de um padrão respiratório controlado ativa o Sistema Nervoso
Parassimpático, capaz de suprimir, periodicamente, a ativação do Sistema Nervoso Simpático.

Assim, o controle do fluxo respiratório, que deve ser praticado pelo cantor aprendiz, possui
efeito benéfico no controle da ansiedade, uma vez que atua regulando as emoções. A prática de
Mindfullness (Atenção Plena), por exemplo, propõe exercícios de meditação atrelados à
conscientização da respiração, o que favorece o estado de relaxamento do indivíduo,
apaziguando os níveis de estresse (WILLIAMS, 2015) – em outras palavras, estimulando o
funcionamento do Sistema Nervoso Parassimpático.

Logo, o alinhamento postural favorece sobremaneira o cantor, pois além de aprimorar sua
capacidade respiratória, propicia autoconfiança, fundamental para o êxito da performance
musical. Sobre isso, Blades-Zeller e Nelson (2002, p. 34) elucidam:

Quando nos deslocamos com facilidade, nos sentimos seguros e equilibrados.


Quando estamos sem equilíbrio, nossa caixa toráxica não está sendo
devidamente suportada e temos uma sensação de insegurança. E quando nos
sentimos inseguros, tendemos a apertar e segurar a nossa respiração. Como
resultado, diminuímos nossa performance.

Para Malloy-Diniz et al. (2010), uma das características marcantes do comportamento humano
é a maneira como controlamos aspectos temporais relacionados à execução de habilidades
motoras. Essa organização temporal é definida pelos autores como timing que, por sua vez,
participa do fazer musical do cantor em múltiplos aspectos. Segue um exemplo prático da
relevância do controle respiratório para a prática vocal artística, levando-se em conta o timing
e o controle das emoções.

Um caso ocorrido no programa The Voice Australia8: a cantora e mentora Jessie J que, durante
a apresentação de uma das participantes, foi ao palco para frisar sobre a importância do controle
respiratório. Jessie J orientou que antes que fizesse improvisos, a participante deveria dar
enfoque à sua respiração como modo de preparo e controle emocional.

8
Programa televisivo de origem norte-americana que se espalhou por vários países do mundo, como a Autrália.
Nesse programa, cantores pré-selecionados se apresentam para os jurados e passam por uma competição
constituída de fases que levam à seleção de um único vencedor. O caso acima referido pode ser assistido pelo link:
https://www.youtube.com/watch?v=adZHYnZTyEs.
8

Em seu canal no Youtube, quatro anos depois, a participante fez um vídeo9 em formato “React”,
reagindo à sua participação no The Voice Australia, e disse não gostar de assistir à gravação de
sua audição por ter estado muito ansiosa e estressada naquele momento. Ela revela que,
atualmente, não se sente mais assim. Disse ter mais controle dos níveis de ansiedade de palco,
provavelmente porque desenvolveu suas habilidades de coordenação fonorrespiratória.

A cantora de ópera Luisa Tetrazzini também testificou a importância do controle respiratório


para o cantor, como segue:

Um cantor precisa possuir a habilidade de confiar em sua respiração, assim


como confia na solidez do chão abaixo de seus pés. Uma respiração trêmula e
descontrolada é como uma frágil fundação em que nada pode ser construído,
e, até que ela seja fortalecida, o aspirante a cantor não pode esperar nenhum
resultado satisfatório (CARUSO e TETRAZZINI, 190910 apud SELL, 2005,
p. 74).
Uma boa coordenação da respiração para o canto requer equilíbrio postural e, por vezes, ajustes
na postura do cantor aprendiz poderão beneficiar sua prática vocal. Afinal, Blades-Zeller e
Nelson (2002, p. 33) frisam que:

Quando estamos equilibrados, o peso será distribuído pelas duas pernas,


em concordância com as proporções dos dois lados. […] Quando o peso
não está equiparado, nos inclinamos para um lado ou para o outro, o
que comprime as costelas em um lado, comprometendo nossa
respiração. Também existe alguma compressão no pescoço que
impinge na laringe”
Como já foi dito, uma boa postura, por sua vez, requer o desenvolvimento da consciência
corporal. De acordo com Simões e Santiago (2017) a chamada posição de base para o canto,
replicada na posição do macaco na Técnica Alexander, se refere, principalmente, ao
alinhamento dos pés e favorece o enraizamento e o equilíbrio como um todo. Tal posição é
também adotada na prática Tai Chi Chuan e contribui para o grounding na Bioenergética, –
contato e troca energética do corpo com o chão. Essas técnicas corporais valorizam a integração
corpo-mente e sua prática pode aprimorar a consciência corporal do indivíduo.

Sob a perspectiva do Método Feldenkrais, Blades-Zeller e Nelson (2002) explicam que se nossa
caixa torácica não tiver o devido suporte, nos sentiremos inseguros. De acordo com Subotnick
(1981), quando há encurtamento em uma das pernas, isso pode estar associado com o

9
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=sIhBj14NF2Q
10
CARUSO, Enrico; TETRAZZINI, Luisa. Caruso and Tetrazzini on the Art of Singing. Metropolitan
Company, 1909.
9

desabamento do arco plantar em um dos pés (overpronation of one foot). Blades-Zeller e Nelson
(2002) explicam um efeito cadeia que é causado quando existe encurtamento em uma das
pernas, pois este ocasiona a compressão em um lado das costelas, o que diminui a capacidade
respiratória e pode levar ao sentimento de insegurança no cantor. Nesse caso, o treinamento da
respiração para o canto deveria, portanto, considerar o engajamento e a tomada de consciência
dos arcos plantares, pois, segundo Blades-Zeller e Nelson (2002), aprender a usar bem os pés
é, comumente, a forma mais rápida de aperfeiçoar o canto. Uma vez que o cantor possui uma
base postural sólida, é mais fácil gerenciar o fluxo aéreo a partir do chamado apoio vocal, ou
apoggio.

Miller (2019) descreve o apoggio como um sistema que equilibra a pressão subglótica numa
interação denominada Luta Vocale por Francesco Lamperti11, na segunda metade do século
XIX. Nessa “luta”, os músculos inspiratórios se esforçam para manter, durante todo o ciclo
respiratório, a postura próxima àquela pertencente ao início da fase inspiratória. Ainda, o
conceito de apoio vocal, tão importante para o ensino-aprendizagem do canto, inclui fatores
ressonantais da voz, combinando e balanceando músculos e órgãos da região do pescoço e do
tronco. A falta de habilidade em controlar a pressão subglótica decorrente do mau uso do
mecanismo respiratório, desfavorece o cantor que pode experimentar tensões em seu aparelho
fonador (SUNDBERG, 2015).

A técnica italiana do apoggio envolve, pois, o desenvolvimento de uma organização postural


que, segundo Miller (2019, p. 68), “assegura a atividade muscular cooperativa na região
epigástrica e umbilical, e o controle diafragmático. O torso todo é envolvido. A poderosa
musculatura abdominal fortalece o mecanismo respiratório”.

O autor descreve a postura dinâmica do appogio, na qual o osso esterno se encontra em posição
moderadamente alta, por todo o ciclo respiratório, permitindo que as costelas mantenham
posição expandida. A região entre o esterno e o umbigo move-se para fora principalmente nos
planos laterais. Subsequentemente, há um movimento sutil para dentro, na região do umbigo,
flancos e região inferior das costas. Deve haver estabilidade no torso, salvo no encerramento de
uma longa frase, em que ocorrerá um movimento abdominal para dentro. Além disso, os ombros
devem permanecer relaxados e a respiração deve ser silenciosa, evitando a superlotação de ar
na fase inspiratória.

11
Renomado professor de canto, o italiano Francesco Lamperti (1811–1892) escreveu o livro Arte del canto.
10

As reflexões supracitadas demonstram quão valiosa é uma postura equilibrada para o cantor.
Organização postural, estado emocional e qualidade vocal estão imbricados. Dessarte, ajustes
posturais são importantes no processo de aprendizagem do canto e demandam o
desenvolvimento da consciência corporal. Desta maneira: “a postura determina o alinhamento
e equilíbrio do corpo. O bom alinhamento do corpo é fundamental para uma respiração
eficiente, e para o canto saudável” (BUNCH, 199512 apud SELL, 2005, p. 71)

Aplicação do questionário

Com o objetivo de sondar o manejo de hábitos posturais em aulas de canto, foi realizada uma
pesquisa via Google Forms com cinquenta e cinco cantores aprendizes brasileiros que se
encontravam em diferentes níveis aprendizado do canto –nível básico, graduação e pós-
graduação. Não foram identificadas as idades dos mesmos e nem a cidade em que habitavam.
Entretanto, os questionários, que continham perguntas abertas e fechadas, foram enviados,
sobretudo, a alunos de canto da região metropolitana de Belo Horizonte. A seguir, estão
descritas as perguntas feitas aos alunos de canto, bem como suas respectivas respostas:

Gráfico 1. Ao cantar, você se percebe consciente de sua postura?

Gráfico 2. Seu (sua) professor (a) de canto trata de questões posturais em sala de aula?

12
BUNCH, Meribeth. Dynamics of the singing voice. Wien, New York: Springer, 1995.
11

Gráfico 3. Ele (a) já te sugeriu algum ajuste postural para cantar?

Caso sua resposta à pergunta anterior tenha sido "sim", por gentileza responda as próximas
perguntas. Qual ou quais ajustes posturais foram sugeridos pelo seu professor?

Algumas pessoas correlacionaram a pergunta ao mecanismo de respiração, como por


exemplo: “Posicionamento de pernas, braços, peitoral, costas, cabeça, língua e abdômen…
e processo respiratório” e “Alongamentos, abrir as costelas para dar mais espaço ao
diafragma, cabeça erguida e postura ereta.”

Outras pessoas deram respostas descritivas: “Elevação do esterno, maior união das escápulas
para trás, leve flexão dos joelhos, atenção para não levantar demasiadamente a cabeça,
distância média entre os pés.” Houve respostas mais genéricas– “erguer a coluna”, “apoio”
“corpo, voz, respiração” – que indicam que a postura se associa ao controle respiratório e à
qualidade vocal.

Uma participante disse que “a postura corporal é fundamental para um bom conforto vocal”,
confirmando o que foi exposto na revisão bibliográfica. Outro aluno escreveu “ajuste das
costelas, com pulmões cheios e ombros retos. Joelhos apoiados e o pulmão ereto pa ra uma
respiração mais livre.” Provavelmente, o participante usou o termo “pulmão ereto” referindo-
se ao posicionamento alto do esterno. Dessa forma, ele descreveu a postura dinâmica do
apoio.

Gráfico 4. Você sente que obteve êxito em colocar essas sugestões na prática?
12

Descreva, por gentileza, como foi o seu processo de implementação desse(s) ajuste(s).

Alguns participantes que disseram ter obtido êxito, o fizeram por meio do uso do espelho
para auto-observação durante o processo de aprendizado. Segue um exemplo: “Primeiro, a
conscientização por meio do olhar. Cantar em frente a um espelho, observando a postura d a
cabeça e tentar modificá-la toda vez que a postura não for adequada à função do canto.”

Um participante, em especial, relatou dor ao fazer uso da postura que entende como “correta”
e diz ter dificuldade de manter o ajuste por esse motivo. Ele revelou: “na verdade é uma luta,
pois quando saio do meu ‘natural’ para fazer o que é correto, eu sinto dor... Então, é uma
luta constante.”

Este relato indica que essa pessoa precisa desenvolver a consciência corporal para encontrar
o equilíbrio dinâmico da postura ao cantar. O que ele julga ser “correto” pode ser mera
concepção “ideal” e, ao persegui-la, acaba realizando tensões desnecessárias e encontrando
desconforto. Além disso, ele pode estar focando em uma correção pontual, numa região
específica do corpo, negligenciando o equilíbrio do todo. Logo, um trabalho complementar
às aulas de canto, como o treino de força para adaptações neuromusculares sugerido por
Santos (2015), ou a prática de técnicas corporais como o Método Feldenkrais e a Técnica
Alexander, podem ajudá-lo a cuidar de sua postura e beneficiar o seu canto.

Alguns relatos apontaram que manter os ajustes implementados é desafiador. Segue um


exemplo: “simplesmente levei a atenção aos locais onde os ajustes foram sugeridos, um de
cada vez, até que a postura fosse acertada. Constantemente, faz-se necessário um reajuste da
postura, que acaba se desfazendo no decorrer dos estudos.” Isso traz a reflexão de que a força
dos hábitos pode mesmo dificultar a apreensão dos ajustes posturais, principalmente quando
já aparece um comportamento de compensação muscular por conta do não engajamento e/ou
enfraquecimento de certas musculaturas. Portanto, vale reiterar a importância de se
aprimorar a consciência corporal para domínio dos ajustes posturais salutares e favoráveis à
prática vocal.

Um dos participantes correlacionou o êxito que obteve com o ganho de autoconfiança,


confirmando o exposto na revisão bibliográfica: “Eu costumava ficar tensa e ´pendular´ o corpo.
Às vezes, também ‘enterrava’ o pescoço. As mudanças me deixaram mais confortável e
confiante, além de deixar a voz mais leve.”
13

Considerações finais

Este estudo permitiu observar que uma postura equilibrada beneficia o cantor de maneira
integral e, consequentemente, o seu rendimento no canto. Ela favorece o controle respiratório
e o gerenciamento das emoções do cantor aprendiz, cruciais para uma performance artística
exitosa.

Para desenvolver uma postura equilibrada, o aluno de canto precisa aprimorar sua consciência
corporal e, portanto, deve ser estimulado pelo seu professor nessa direção, o que favorece a
apreensão de ajustes posturais benéficos à sua prática vocal. O cantor aprendiz, ao adquirir mais
clareza de como ele se organiza para cantar, alcança mais autonomia em seus estudos musicais
e tem mais condições de proteger sua saúde de práticas inadequadas no canto.

Os questionários demonstraram que a maioria dos cantores relatou não ter sentido dificuldade
de pôr em prática as sugestões posturais propostas pelo professor de canto. Questiona-se se esta
percepção é de fato realidade para todos que disseram obter êxito na implementação dos ajustes
posturais. Afinal, a pesquisa se limitou a “ouvir” os alunos de canto, sem o parecer dos seus
professores.

Aos cantores aprendizes que sentem dificuldades em implementar ajustes posturais necessários,
sugere-se a prática de técnicas que favoreçam a integração corpo-mente e o desenvolvimento
da consciência corporal, como a Reabilitação Postural, a Técnica Alexander, o Método
Feldenkrais, o Yoga, o Tai Chi Chuan, entre outros.
14

Referências13

BLADES-ZELLER, Elizabeth; NELSON, Samuel H. Singing with Your Whole Self: The
Feldenkrais Method and Voice. Lanham, MD: Scarecrow Press, 2002.

CAMPOS, Paulo Henrique. O impacto da Técnica Alexander na prática do canto: um


estudo qualitativo sobre as percepções de cantores com experiência nessa interação. 2007.
161f. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
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