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OFICINA ON-LINE MINHA VOZ: ANÁLISE DE UM PROCESSO DE

PREPARAÇÃO VOCAL PARA ATORES E NÃO-ATORES


Patricia Rodriguez

Resumo: Este artigo resulta da análise do processo de preparação vocal na


oficina on-line Minha Voz, ministrada por esta discente, sendo a culminância
desse processo a leitura dramática pública e em formato também on-line do
texto A Farsa do Advogado Pathelin. A escrita parte do relato da trajetória que
precede a pesquisa, pois aquela é determinante para os desdobramentos que
resultam na pesquisa. Para a análise são utilizadas como referências prática e
teórica: 200 Jogos Teatrais para Atores e Não Atores com Vontade de Dizer
algo Através do Teatro de Augusto Boal, Piedras de Agua: Cuaderno de una
Actriz del Odin Teatret de Julia Varley, A Construção do Personagem de
Constantin Stanislavski, entrevista concedida por Babaya à época da pandemia
e exibida no YouTube e os planos de aula da oficina elaborados por mim,. À
data da escrita deste artigo, a oficina ainda não havia sido concluída, mas os
alunos envolvidos aceitaram apresentar a leitura dramática de uma das cenas,
seguida de uma autoavaliação dos resultados almejados e os de fato
alcançados durante o processo de preparação vocal até aquele momento.

Palavras Chave: Voz falada, teatro, estudo online, preparação vocal

Resumen:

Palabras-clave: Voz hablada, teatro, estudios online, lectura dramática


A pesquisadora antes pesquisa

La voz me enseñó más que cualquier otra práctica que la resistencia es el motor de la libertad,
que los obstáculos son signos que permiten descubrir el camino, que la corriente del río
necesita de los cauces para transcurrir.
Julia Varley - Piedras de Agua: Cuaderno de una Actriz del Odin Teatret

Alcançar um objetivo sempre pressupõe ter percorrido antes um caminho.


O atleta percorre vários metros para atingir a linha de chegada. A atriz ensaia
inúmeras ações corporais e vocais para usá-las através de sua personagem
em cena. Para Julia Varley, atriz do Odin Teatret:

…o material¹ da atriz consiste em sequências de ações, cenas, caminhadas, passos


de dança, formas de sentar-me, de olhar e usar os braços com vistas à realização de
um comportamento cênico particular que, geralmente é o personagem.

Mas o próprio “tornar-se” atleta ou atriz, em certa medida, também foram


objetivos traçados e como tais, resultaram da trajetórias de vida dessas
pessoas e as motivações que nutriram a um e a outro estão em suas
singulares histórias. Por isso nesta pesquisa é pertinente falar do contexto que
a antecedeu e como resultou de desdobramentos do processo pessoal mais
amplo em que estou inserida.
Nasci em 27 de junho de 1972 na pequena Montevidéu, no Uruguai e
exatamente no dia do meu aniversário de 1 ano foi dado o golpe de Estado no
país. Militares nas ruas, toque de recolher, violência, silenciamento dos que
questionavam, nada de festa, nada de encontro…a resistência é o motor da
liberdade² hoje ganha novo sentido quando lembro que a perseguição política
que minha mãe sofria, logo faria sua voz ser calada e que fugir era resistir a
esse silenciamento e seguir projetando sua voz (muitas vezes
incompreendida). Alguns meses depois viemos para o Brasil.
Eu sempre fui uma criança muito falante e me comunicar mesmo que em
“portunhol” (o que gerava muito riso nas pessoas), não me inibia, gostava e me
divertia. Hoje tenho paixão pela comunicação e seus matizes. Aos 14 anos
queria ser jornalista e nutri esse sonho até o último ano do ensino médio
concluído aos 21 anos, devido às inúmeras mudanças de cidade. Por conta da
idade e da responsabilidade com o primeiro filho: Gustavo, lindo e inseparável
companheirinho nessa jornada, mudei a trajetória traçada e prestei vestibular
para Letras, o que não me afastaria da comunicação, do desejo latente de
falar, de ter voz e me faria ingressar mais rápido no mercado de trabalho,
porém o curso de Letras da UFPA, à época não ofertava habilitação em
espanhol e escolas de ensino médio mantinham esse componente curricular,
consequentemente havia carência desses profissionais. Confesso que preferia
me comunicar em português, em espanhol falava apenas em casa com meus
pais. No entanto seria essa proficiência no idioma que logo me abriria as portas
para uma jornada de 20 anos lecionando exclusivamente espanhol em várias
escolas de Belém, fazendo traduções escritas e simultâneas. Durante essa
trajetória, um casamento com o apaixonado pela música (e por mim)
Raimundo, e a chegada de mais três lindos filhos: Sofia, Rita e Ângelo, minhas
inspirações para começar a transitar por outras formas de me comunicar com o
mundo, melodiosamente me conduziram pela música. Em 2013 encerrei
espontânea e definitivamente minha caminhada na docência em espanhol e
abrimos uma escola de música. Não tardei a entender que a paixão por música
não era o suficiente para comunicar, era preciso entendê-la, estudá-la,
apropriar-se desse conhecimento e dessa linguagem. A voz pouco musical
calou-se muitas vezes, a comunicação ficou truncada, até que na busca por
uma nova voz, em 2016 ingressei no curso de Licenciatura em Teatro, aos 43
anos de idade, em 2017 no curso Técnico em Ator, por não conseguir me
imaginar “ensinando” o que eu não “sabia fazer” e pelo receio de não me
comunicar efetivamente.
Hoje, minha voz é e faz teatro, são indissociáveis entre si, representam o
caminho para chegar ao objetivo de ser atriz e educadora de contribuir para
que outras(os) alcem também a sua voz, que quer falar, mas é silenciada.
Minha Voz, desde minha mãe, é resistência!
Resistência que foi posta à prova em 2020 ao decidir abrir a Escola
Koringa, que foi pensada para o ensino de teatro, e criar raízes no distrito de
Icoaraci, que área também considerada de resistência cultural em Belém do
Pará. Mas ninguém esperava um maldito vírus circulando e contaminando o ar
vital para a respiração e para a voz e nem as proporções que a doença
acarretada por ele causariam. Em março foi decretada a pandemia de COVID
19 com as recomendações da OMS: distanciamento social, máscara bucal,
quarentena…e a presença física tornou-se um grande risco. Aulas somente em
ambiente virtual. Celulares, tablets e computadores tornaram-se elementos
vitais para a comunicação, a conexão humana só era possível se houvesse
conexão digital. Quando ingressei no teatro, nem nos meus maiores devaneios
artísticos, imaginei um dia realizá-lo em ambiente virtual, sem contato físico…
que incômodo e tristeza isso me causou!
E mesmo naquele fatídico ano, sequer considerei a possibilidade de
deixar de fazer teatro. De alguma forma, minha voz não se calaria depois da
longa caminhada para fazê-la ecoar, não se calaria mas eu não sabia como
mantê-la aquecida, pois entendia perfeitamente a gravidade presente no ar e
os riscos da contaminação. Os conhecimentos e as experiências vivenciadas
em teatro dentro da academia até ali, me permitiam compreender que o
elemento motor da voz é a respiração e que, o ar: que entra pelas narinas,
percorre a laringe e chega aos meus pulmões, volta e passa novamente pelas
pregas vocais me permitindo produzir a voz que projeto, mas o ar poderia estar
chegando a mim já contaminado ou ainda, eu poderia ser a portadora do vírus
e contaminar meu interlocutor através da simples ação de falar. As máscaras
eram recomendadas, mas não infalíveis. Me senti como o eu-lírico do poema
Eu de Florbela Espanca: aquela que na vida não tem norte. E com o passar do
tempo, a ideia da escola de teatro foi se tornando uma Sombra de névoa tênue
e esvaecida.
2021: as vacinas estavam demorando a ser liberadas no Brasil por conta
de um boicote do próprio presidente da República, a lenta cobertura vacinal
parecia nunca alcançar o número de contaminados, o distanciamento social e
as aulas on-line continuavam na ordem do dia e assim, aquilo que não se
imaginava chegar àquele ponto, na realidade, estava longe de terminar. Então
fazer e promover teatro (da forma que fosse) se tornou uma gritante
necessidade, bem como me sustentar financeiramente dele, mas como os
obstáculos são signos que permiten descobrir o caminho, comecei, a partir do
obstáculo, uma reflexão e uma escuta atenta e acolhedora de minha voz
interior, me perguntei: o que me aflige? O meu próprio silêncio no teatro. Por
que me aflige? Porque não posso me conectar com as pessoas. O que eu amo
fazer quando estou aflita? Falar mais ainda. Posso fazer de alguma forma?
Sim, em ambiente virtual. É da forma como eu gostaria de fazer? NÃO. Mas é
melhor do que não fazer? SIM.
Então observei que o obstáculo - o formato on-line - era o signo do
caminho para (re)começar, e foi a partir dessa resistência mais elástica, que
minha voz para o teatro não se calou definitivamente, apenas se adaptou para
seguir resistindo, manter-se viva e aquecida. Rearticulou-se e projetou-se
dentro desse rígido formato e para não me privar de realizar teatro, ofertei a 1ª
Oficina On-line Minha Voz. Foi planejada para três meses de duração, pois se
eu não me adaptasse ao “novo normal”, ao concluir a oficina, poderia me
dedicar a outra iniciativa. É inegável que o ambiente virtual causou
interferências nas aulas de voz. O deley prejudicava o ritmo da cena, as
“quedas de conexão”, a projeção vocal não era explorada, dada a presença do
microfone, mas o interesse despertado nas alunas que participaram da oficina
e apresentaram no final a Rádio-Teatro A Palavra tem Poder pelo Instagram
valeu todos os percalços e principalmente a determinação de transpor esse
obstáculo da distância física.

2022: vacinação contra a COVID 19 avançando, teatro e escolas


voltando timidamente à “normalidade”. Aluguei um espaço físico para o
funcionamento da tão sonhada escola de teatro Koringa, mas a economia do
país estava devastada pelo (des)governo e a procura pelos nossos serviços
não corresponderam nem às expectativas nem à cobertura dos custos
mensais. Decidimos encerrar as atividades em dezembro ao término do
compromisso com os alunos. E o texto de Brecht: Aquele que Diz Sim Aquele
que Diz Não encenado pela turma da oficina de iniciação teatral encerrou esse
ciclo, mas deixou presente latente em mim a frase do coro: É preciso aprender
a estar de acordo. Novamente seria necessário achar uma forma de minha voz
resistir, agora por outro motivo, a realidade econômica que me privava de ter
um espaço para articular não só a minha, mas também a voz de outros que
queriam, assim como eu, falar através do teatro.

Em 2023, inspirada na primeira experiência da oficina on-line bem


sucedida e vendo-a como a alternativa mais viável do ponto de vista
econômico, pois poderia ser promovida a partir de minha casa e com
possibilidade de alcançar mais alunos, até de outras regiões, nasceu a 2ª
edição da Oficina On-line Minha Voz e posteriormente, quando já estava em
andamento, se tornou o objeto de pesquisa para a finalidade desta escrita.

Introdução

Após a contextualização da estrada percorrida para definir o objeto de


pesquisa, este artigo visa a descrever e analisá-lo, portanto a 2ª edição da
Oficina On-line Minha Voz: Preparação Vocal para o Atuante. Para isso, esta
escrita resultará da aplicação da metodologia de descrição analítica
motivações, o desenvolvimento e os objetivos na escolha dos elementos
presentes nesse processo.
A importância da voz para a comunicação cotidiana, profissional e
especialmente para o teatro e meu interesse particular por esse elemento
resultaram na oferta de um serviço voltado para seu estudo e sua prática. Já a
escolha do possessivo que acompanha esse vocábulo no título visa a remeter
à ideia de singularidade inerente à cada voz e despertar o interesse de um
público de não-atores “com vontade de dizer algo através do teatro”
parafraseando Boal.
O serviço ofertado na prática baseia-se no desenvolvimento de um
processo contínuo de exercícios, experimentações e treinamento da voz para
atender a objetivos vocais específicos dos participantes (dentro do contexto da
comunicação), mas também para alcançar um objetivo coletivo comum: a
realização de uma leitura dramática. As experimentações e treinamentos, são
amplos, e quanto ao teatro? As especificidades dele, a pesquisa esta mais
direcionada para leituta dramática? A escolha da leitura dramática (uma das
etapas de um processo criativo em teatro) como o objetivo a alcançar reside
em dois motivos: ser o teatro a área de atuação desta discente e a importância
que ele tem para a sociedade, por isso, direcionar a preparação vocal para
esse fim é uma forma de descortinar aos poucos o universo teatral aos não-
atores.
E o meio de oferecer essa preparação atravé de uma oficina reside nas
características desse processo de ensino-aprendizagem: curta duração,
direcionamento para temas específicos e por se estabelecer de maneira menos
vertical na relação discente/docente. Por fim, a expressão inglesa on-line que
reporta instantânea e explicitamente a ambiente virtual, foi o veículo escolhido
para conduzir a oficina, pela atual realidade estrutural da escola Koringa (sem
instalações físicas) e pela oportunidade de alcançar um público
geograficamente afastado.

MINHA VOZ

O Dicionário Houaiss em sua versão on-line apresenta doze definições


para a palavra voz, mas aqui nos interessam apenas quatro dessas definições
para esclarecimentos do que venha a ser realmente o processo de preparação
vocal de que trata este artigo:

1. Som musical produzido por vibrações das pregas vocais, no ser humano e em muitos
mamíferos que também as possuem, e que é usado como meio de comunicação e
expressão de emoções, no riso, no choro, na fala, no canto etc.
2. Possibilidade de falar, fala
3. Modo de pensar ou julgar, opinião
4. Direito de falar, de manifestar opinião

A voz é uma das nossas principais formas de comunicação com o mundo e


é produzida através da respiração. Fisiologicamente, durante a respiração o ar
entra e sai de nosso organismo passando livremente por entre as duas pregas
vocais, situadas na laringe, que estão relaxadas e afastadas entre si, por isso
não é produzido som. Já ao intencionarmos produzir voz, um comando cerebral
“envia a informação” de fechar as pregas vocais, nos induzindo a forçar,
durante a expiração, a passagem do ar entre elas, ação que as faz vibrar e
consequentemente produzir a voz, o som dessa voz então é direcionado às
cavidades de ressonância que o amplificam. Entretanto cabe observar que os
sons que produzimos nesse processo podem resultar apenas em ações
sonoras pouco complexas como: chorar, bocejar, rir, gargalhar, roncar, gemer e
etc e para uma comunicação mais ampla, concreta e eficiente o que
produzimos e usamos efetivamente é a fala. A fala é gerada a partir do som da
voz produzido nas pregas vocais e direcionado às cavidades da boca através
de movimentos articulados entre língua, lábios e dentes, é a precisão dessa
articulação que nos ajuda a produzir sons claros e compreensíveis ao nosso
interlocutor.
Se pensarmos que o uso da voz falada em qualquer circunstância tem
como finalidade a comunicação, é importante observar que ela se torna mais
eficaz a partir do domínio e prática de alguns elementos básicos como:
respiração, projeção, articulação, impostação e entonação.
A um ator ou atriz cabe também a finalidade de comunicar um texto
com clareza, portanto os aspectos importantes da expressão vocal são os
mesmos também no contexto comunicacional do teatro, mas não apenas nele.
A partir dessa percepção criam-se as bases da oficina Minha Voz: propor a um
público de não-atores e/ou atores uma preparação vocal construída em torno:
da autoanálise da voz, de sugestões para uma reeducação vocal com vistas a
uma prática cotidiana mais saudável e comunicacionalmente mais eficiente e
de uma experimentação artística. Esta última objetiva tornar lúdica a
aprendizagem, acrescentando aos elementos básicos da emissão vocal, outros
resultantes da criação artístistica e construção dos personagens, além de
buscar também apresentar uma nova perspectiva profissional aos alunos que
desejem dar continuidade aos estudos de teatro.
As oficinas inserem-se num rol do processo ensino-aprendizagem em
que a participação ativa dos envolvidos é primordial para que se atinjam e
percebam mais claramente os efeitos e resultados dos conhecimentos
compartilhados e num momento em que se discute a polêmica reformulação do
Ensino Médio no Brasil, e que independente da qualidade da proposta, é um
fato o de que a educação básica (e o ensino superior também) em seu aspecto
geral continua sendo “bancária” como bem a conceituou Paulo Freire:
Eis aí, a concepção de “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam

portanto parece importante, como educadora buscar uma transformação dessa


realidade através de um formato educacional onde se estimule à discussão, à
prática, ao compartilhamento de experiências, à voz em todos seus aspectos
semânticos.
Portanto nessa troca de experiências e conhecimentos compartilhados
na oficina Minha Voz, como é que o processo em si se efetiva? Primeiramente
precisamos entender as especificidades das aulas virtuais, o veículo escolhido
para desenvolver a oficina de que tratamos neste artigo. Assim as
descrevemos, atribuindo ao veículo, por vezes, juízos de maior ou menor
qualidade, mas limitando esse julgamento às suas influências no resultado dos
objetivos alcançados, pois já foi exposto anteriormente que a escolha do
formato virtual da oficina se deu por motivos alheios ao que julgamos ser ideal
para uma preparação vocal e principalmente se está direcionada à prática
teatral. (penso ser propício uma melhor abordagem sobre os pqs do online
A plataforma virtual escolhida para conduzir as aulas tem um acesso
restrito aos inscritos ou quem eventualmente recebe o link para participar na
oficina, então concorrem aí duas circunstâncias: o encontro ocorre em tempo
real e não fica gravado para posterior acesso. O desenvolvimento em tempo
real é uma estratégia que já existia antes da pandemia, mas tornou-se habitual
e imprescindível para manter a conexão humana nesse período pandêmico em
que foram inviabilizados os encontros presenciais e nesta nova fase pós
pandemia, não é imprescindível o encontro nesse formato, mas quando ele se
faz necessário, é importante que forjemos minimamente a aproximação entre o
virtual e o real. E a escolha por não deixar gravada a aula também caminha por
essa estratégia de resistir a que a conexão digital substitua a conexão humana
e a necessidade de “tirar dúvidas”, compartilhar ideias, debater, experimentar
permaneça aquecida pela busca de conviver mesmo à distância.
Por isso, no primeiro encontro da oficina, os participantes são
estimulados a falar de si, de sua própria relação com a voz e nesse processo,
alguns falam mais superficialmente, outros são um pouco menos evasivos, mas
dificilmente se aprofundam em rememorar eventos ou fases da vida mais
remotas e que, de fato poderiam ajudá-los a compreender tanto o
funcionamento atual de suas vozes como as próprias motivações para estarem
participando da oficina. O estímulo a essa fala é proposto, mas nunca
ultrapassa os limites que o próprio participante estabelece, por vezes
tacitamente. A partir desse momento, o participante é convidado a refletir e
compreender sobre o processo em que está inserido e que se baseia na
redescoberta das características e funcionamento de sua voz física, no
exercício de técnicas mais recomendadas para a saúde e longevidade vocais,
mas também na liberdade do uso dessa voz. Então a participante que tem
dificuldade de projetar sua voz física, por exemplo, passa a (se) questionar se
essa dificuldade advém da sua própria condição de mulher numa sociedade
patriarcal, onde o silenciamento é constante e para ela, sempre o foi inclusive,
desde criança porque aí era silenciada a mulher e a criança.
Abro parênteses aqui para refletir sobre o que fundamenta essa
proposta de estímulo aos participantes não só à autoanálise mas também a
observar quanto e como fatores e agentes sociais externos nos influenciam na
relação que estabelecemos com a nossa voz física e na voz-discurso que
escolhemos (precisamos) verbalizar ou silenciar; porque afinal esse processo
de preparação vocal poderia ser desenvolvido apenas sob a óptica das
técnicas vocais. E é na voz de uma Pedagogia da Esperança alçada por Paulo
Freire que encontro a resposta-inspiração:

Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa de prática para tornar-se concretude


histórica (…) Uma das tarefas do educador ou educadora progressista através da análise
política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a
esperança, sem a qual pouco podemos fazer...

Então confiante nessa inerente esperança humana, concretizo através do


estímulo à prática do falar minha função política e social de uma educadora
progressista não só atenta às técnicas da prática vocal, mas também às
nuances dessa fala influenciadas pela história de vida de seus falantes.
De volta à descrição e análise da preparação vocal dos participantes da
oficina Minha Voz, passamos para o conteúdo proposto. Nos segundo e
terceiro encontros foi apresentado o esboço de um conteúdo programático
baseado em aspectos comuns para uma melhor emissão da fala cotidiana,
profissional e teatral que visa a atender as demandas desse grupo heterogêneo
de não-atores e uma atriz, mas também foram apresentados nesse conteúdo
alguns elementos da voz que visam a enriquecer e compreender a prática
teatral buscando ajudar a construir uma performance artística dessa voz. Após
o conteúdo proposto ser apresentado via compartilhamento de slides permitido
pela própria plataforma, lido em conjunto e discutido, partimos para um diálogo
sobre como esse conteúdo pode ser alterado também com as propostas dos
alunos, baseadas em suas perspectivas com relação à oficina.

Efetivamente cabe considerar que a educação se concretiza através do


investimento de recursos financeiros, não o ato educacional em si, mas a
estrutura que o compõe: educadores precisam ser pagos pela força de trabalho
oferecida à sociedade, é necessário investir na construção e manutenção de
prédios ou na aquisição de recursos tecnológicos que os substituam
minimamente, e outros e outros investimentos, mas dessa abordagem
depreende-se que: o que é uma alternativa economicamente viável para mim
como docente, definitivamente não é para muitos potenciais alunos. Entretanto
esses alunos não teriam acesso pelo mesmo motivo econômico a frequentar
cursos ou oficinas presenciais pagas que é uma característica, da oficina Minha
Voz. Conclui-se desta problemática então que para uma oferta de cursos e
oficinas gratuitas on-line ou presenciais é imprescindível o acesso de quem os
ministra a recursos públicos oriundos de editais para converter o trabalho em
contrapartida social de gratuidade, mas considerando vários fatores, percebe-
se que o acesso a esses recursos não é tão facilitado o que inviabiliza muitas
vezes as oficinas gratuitas. Como essa é uma discussão muito complexa e
ampla que alteraria o foco desta escrita e pesquisa, cabe aqui apenas extrair a
reflexão de o público a alcançar para a prestação de um serviço on-line e pago
tem suas especificidades.
Em seu Dicionário de Teatro, Pavis define:
A voz do ator é a última etapa antes da recepção do texto e da cena pelo espectador: isto diz
de sua importância na formação do sentido e do afeto, mas também da dificuldade que existe
em descrevê-Ia e em avaliá-Ia e em apreender seus efeitos.”,
ou seja, é o primeiro elo de comunicação estabelecido entre o espectador e o
texto teatral na cena, mas também ele reconhece a dificuldade de avaliá-Ia,
bem como a do espectador (principal receptor) de assimilar seus efeitos. A
partir dessas observações, depreendemos a importância da VOZ para o teatro

Oficina por quê?

Curso de curta duração que envolve estudo e trabalho prático, no qual participantes partilham
experiências
https://michaelis.uol.com.br/palavra/QwnnE/on-line/

Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa de prática para tornar-se concretude


histórica (…) Uma das tarefas do educador ou educadora progressista através da análise
política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a
esperança, sem a qual pouco podemos fazer...

é visa a v escrever e analisar um processo de preparação, treinamento e


criação com a voz, ministrado por esta discente. A análise não é de um
espetáculo teatral, apesar da preparação vocal aqui descrita e discutida servir
para treinar os participantes para esse fim, mas analisaremos primeiro módulo
com carga horária total de 50 horas, sob o título Minha Voz que integra um
processo mais amplo de Iniciação Teatral de um treinamento direcionado a um
grupo heterogêneo em aspectos como: faixa etária, gênero, motivações
pessoais, objetivos, localização geográfica e profissões. om foco na prática,
estudo e treinamento vocais para o teatro me coloca nesse lugar de facilitadora
do processo ensino-aprendizagem, preparadora vocal de um elenco quase
inteiramente formado por não-atores e de encenadora. culminará com a leitura
dramática do texto A Farsa do Advogado Pathelin. Por fim, se todos esses
elementos já são suficientes para enriquecer e movimentar esta pesquisa
acrescentem-se aí as especificidades e dificuldades de conduzi-la no ambiente
virtual e àquilo que Pavis aponta como dificuldade tanto de emissão quanto de
recepção dos envolvidos numa apresentação cênica presencial, faço coro e o
engrosso apresentando essas dificuldades maximizadas ao analisar e conduzir
esse processo ensino-aprendizagem em ambiente virtual.
Para atender a toda essa demanda citada, elaborei um planejamento,
que visa a propor a esse público formado por três não-atores e uma atriz, um
processo de preparação e treinamento vocais construído em torno: da
autoanálise da voz, de sugestões de reeducação vocal para uma prática
cotidiana mais saudável e profissionalmente mais eficaz, e de uma
experimentação artística que busca tornar lúdico o processo de aprendizagem
estimulando a criatividade através da construção psicológica e vocal dos
personagens e de experimentações sonoras e visuais no ambiente virtual, além
de buscar também apresentar uma nova perspectiva profissional aos alunos
que desejem dar continuidade aos estudos de teatro.
Como oficina que é, a prática se sobrepõe à teoria para estimular o
envolvimento dos alunos, mas os conhecimentos teóricos e técnicos dos
mecanismos propostos para exercitar e criar com a voz são apresentados em
breves momentos precedentes à prática com a conhecida técnica de aula
expositiva associada ao recurso de apresentação de slides e expondo os
tópicos mais importantes do estudo a cada dia de encontro, até o momento em
que os encontros se tornam principalmente práticos e a troca de ideias,
informações e os ensaios baseiam-se na oralidade, tendo como suporte escrito
apenas o texto dramático para A resumida fundamentação teórica também é
compartilhada através de material didático digital distribuído aos alunos ao final
da oficina. A proposta avaliativa elaborada é de autoavaliação contínua e ao
final de cada encontro essas percepções são compartilhadas e discutidas, além
de um roteiro escrito e organizado para os alunos refletirem e preencherem
após a apresentação final.
. Entretanto não podemos perder de vista que esta pesquisa trata da
análise de processo de preparação vocal em ambiente virtual e por isso muitos,
senão todos os aspectos da voz e da comunicação sofrem interferências. Esse
aspecto também será analisado como forma a contribuir para que se volte o
olhar para o melhoramento desse formato que, se não foi de todo desprezado
após a pandemia de COVID 19, isso se deve aos poucos mas não menos
importantes, aspectos positivos que ele propicia, como: a economia de tempo e
investimento no deslocamento de alunos e professores, possibilidade de
acesso por participantes de diferentes espaços geográficos, a oportunidade
para algumas pessoas de trabalhar ou estudar a partir de sua casa (há
controvérsias sobre ser positivo ou não, mas para algumas pessoas é
primordial essa comodidade), enfim, ao longo do artigo essa discussão
ganhará a força da opinião dos participantes da oficina e de algumas
estatísticas sobre aspectos qualitativos e quantitativos desse formato.

Para Sábato Magaldi, a síntese de elementos artísticos faz o espetáculo, e é


em função dele que se deve pensar o teatro. Espetáculo teatral e teatro podem
ser considerados sinônimos.
A turma está formada por duas alunas e dois alunos que contribuem
individualmente com o coletivo através de sua rica diversidade acerca de
aspectos como: faixa etária, experiência em teatro, objetivos e perspectivas ao
se inscreverem na oficina, profissões e principalmente: suas histórias de vida.
Referências

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