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FERNANDA ROBERTI ATERJE
3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu Mestre Yamunisiddha Arhapiagha (Pai Rivas), que
assim como o Sol que ilumina e alimenta a Terra, seu Amor e Sabedoria iluminam e
alimentam meu Espírito.
Humildemente, peço que aceite esta pequena oferenda, como um
agradecimento pelas conquistas que realizei durante todos estes anos, proporcionados pelas
bênçãos de seus ensinamentos.
Assim como a chuva que cai ao solo propiciando a vida, suas palavras e
ensinamentos, muitas vezes tácitos, preenchem minha mente e coração de felicidade e
regozijo, propiciando o meu despertar para Realidades Superiores.
Só quem possui um verdadeiro Mestre compreenderá minhas palavras.
4
AGRADECIMENTOS
5
SUMÁRIO
RESUMO – ABSTRACT-....................................................................................................7
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CONCLUSÃO.....................................................................................................................59
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................60
6
RESUMO:
O objetivo deste trabalho é mostrar uma visão diferente sobre a Divindade Eshu, sob a
ótica das obras dos Sacerdotes Umbandistas W.W. da Matta e Silva e F. Rivas Neto.
Sempre apontado como o Diabo católico ou o “trikster” (trapaceiro, embusteiro,
enganador) como vários estudiosos insistem em qualificá-lo, Eshu é a Divindade mais
instigante do panteão umbandista.
Seu aspecto transgressor resulta no fato de que Eshu vem justamente destruir o
“Status quo” (o que está estabelecido) de uma sociedade calcada na manutenção das
desigualdades através de uma elite dominante, mostrando que todos nós possuímos força e
poder para transformar nossas vidas aqui e agora.
ABSTRACT:
The Job‟s goal is to show a different vision about Eshu Deity, under optics of
Umbandist Priests composition W.W da Matta e Silva and F. Rivas Neto.
Always related as Catholic Devil or “trikster” (dodger, lying, cheater) is the manner
that several scholars insist on characterizing him, Eshu is the inducer deity of the umbandist
gods.
Your transgressive feature results on fact that Eshu exactly comes to destroy the
“Status quo” (what it is established) of based society that keeping ininaqualities
maintenance through of a leading circles dominant, showing that everybody possess force
and power to change our lives here and now.
7
INTRODUÇÃO:
8
Destas três matrizes formadoras do povo brasileiro, foram surgindo vários
movimentos religiosos. Do Candomblé africano à Umbanda brasileira, Eshu passou por
várias transformações. Contudo, o seu aspecto demoníaco permaneceu.
Eshu herdou o estereótipo de Demônio dos cristãos católicos, alimentado pelo
imaginário coletivo de uma sociedade que sofre a imposição de uma elite dominante, a qual
deseja manter como no início da colonização do Brasil, os mesmos pensamentos vigentes
daquela época.
Durante 509 anos, o Brasil ainda sofre com a ideologia cristã de mundo onde alguns
escolhidos irão herdar o reino dos céus. Para isto acontecer devemos nos declarar cristãos
católicos e excluir todos os hereges, pagãos e ímpios, deixando-os a margem da sociedade.
Indo contra a ideologia cristã de mundo, este trabalho apresenta a visão de Eshu
através da ótica das obras de dois Sacerdotes de Umbanda que acreditam que a constante do
Universo é a contínua mudança.
Por manterem um diálogo aberto, Matta e Silva e F. Rivas Neto proporcionam à
sociedade, ao contrário do determinismo da ideologia, a possibilidade de se ter um
pensamento crítico sobre o mundo e lógico sobre a religiosidade brasileira.
Diferentemente das religiões que acreditam na predestinação, doutrina que prega que
alguns homens eleitos estão de antemão destinados a bem aventurança, enquanto outros
estão destinados ao castigo eterno, Matta e Silva e F. Rivas Neto acreditam que Eshu vem
justamente mostrar o contrário, ou seja, que no mundo todos possuem força e poder para
tudo vencer e que a felicidade, em todos os âmbitos, pode e deve acontecer aqui e agora.
9
Capítulo 1:
Eshu: De Mensageiro dos Deuses Africanos ao Diabo Católico
1
COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança-A África antes dos portugueses. p.20
2
COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança-A África antes dos portugueses. p.83
3
COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança-A África antes dos portugueses. p.33
10
Com o crescimento da população, houve a necessidade de se criar aldeias fixas,
ocasionando mudanças em relação ao trato com a terra. Criou-se um sistema de rotatividade
do solo o qual consistia na utilização de parte do mesmo e quando este estava a se esgotar,
passavam a utilizar outra área para que, a que estava esgotada conseguisse se recuperar.
Mas as áreas férteis eram muito raras, a terra era pobre e infértil gerando muito
trabalho com muito pouco resultado. A população vivia a angústia em esperar a chegada
das chuvas que nem sempre caiam na quantidade necessária.
Por ser uma sociedade voltada à agricultura e pecuária, as populações possuíam
características próprias, tanto no cultivo da terra, como no armazenamento dos grãos e o
trato com os animais.
Foram erguidos aldeias, cidades, reinos e impérios cujas construções geravam um
conjunto de habitações com a aparência de ser um só prédio. Estes locais eram projetados
de uma maneira que possibilitava a interligações entre as famílias, locais para o
armazenamento dos alimentos, além de pasto para bois, cabras e ovelhas.
“A cidade dependia inteiramente do campo. Quase todos os seus habitantes viviam
da agricultura e da criação de gado”.
“Até mesmo os mercadores e os que se dedicavam a ofícios especializados – os
ferreiros os escultores, os oleiros os tecelões os herbanários, os curtidores os carpinteiros
- tiravam parte do seu sustento das terras que cultivavam”.4
“Uma África predominantemente rural”. 5
A prosperidade era vista como um grande bem, tanto nos campos de cultivo quanto
nos de pastagem, mas uma família numerosa também era associada a uma vida feliz, pois
para o africano a fertilidade significava poder.
E através do processo de construção e manutenção da vida (alimentação) e da espécie
(sexo), que o homem consegue garantir a perpetuação de sua linhagem, de sua história e de
sua “imortalidade”.
Mas não só de trabalho e preocupações com a vida cotidiana preenchiam mente e
coração dos africanos. A religião possuía um papel importantíssimo no dia a dia da
comunidade, pois esta conduzia as normas de conduta pessoal e os costumes sociais.
4
COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança-A África antes dos portugueses. p.40
5
COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança-A África antes dos portugueses. p.39
11
“Acima de tudo, na África tradicional todos os aspectos da vida se acham
estreitamente entrelaçados, constituindo a religião, a arte, a política, a economia e a vida
familiar uma única realidade”.6
O Sagrado norteava e permeava o cotidiano do homem negro. No presente trabalho,
trataremos mais especificamente dos (falantes do) Yorubá (figura1), pois Eshu é uma
Divindade específica desta região. O Yorubá é um idioma originário da África Ocidental,
língua milenar cuja nação era de Tradição Oral. Desta maneira, usava-se o canto, versos e
narrativas repedidas de geração em geração como mecanismo de transmissão do
conhecimento.
6
FERKISS, Victor C.África Um Continente à procura de seu destino. p.42
12
Na Teogonia Yorubá há uma Divindade, uma Força Suprema Geradora de todas as
coisas conhecida como Olorun e seus enviados os Orixás receberam a incumbência de criar
o mundo e todos os seres da Terra: fossem eles animais, vegetais e minerais.
Para os Yorubá, o Universo possui dois compartimentos o Orun (Espaço-Além) e o
Aiyê (Terra). No primeiro “local” habitam os Orixás, os Ancestrais (Babá Egun) e os
“Doublés” (duplos) de cada ser do Aiyê.
Olorum é o grande detentor de três poderes ou forças que torna possível e regulam
toda a existência tanto no Orun, quanto no Aiyê: Iwá+Abá+Ashé. O Iwá é a existência
genérica (origem), ou seja, a existência no espaço além (Orun).
O Abá (existência) é o poder que dá direção e acompanha o Ashé o qual significa
princípio e poder de realização, que dinamiza a existência.
Esta força vital, Ashé, está contida em todos os seres minerais, vegetais e animais e
também nos seres humanos, sendo considerado o maior bem existente. Este elemento
vibratório, esta força possui a propriedade de ser armazenada, multiplicada e transferida
para outro ser, mas também perdida.
Segundo Juana Elbein dos Santos em seu livro Os Nagô e a morte(1986), o Ashé é:
”A força que assegura a existência dinâmica ,que permite o acontecer e o devir.Sem Ashé a
existência estaria paralisada ,desprovida de toda possibilidade de realização...”.
Existem três categorias de Ashé:
-Ashé Branco (Fun Fun).
-Ashé Vermelho (Pupó).
-Ashé Preto (Dudu).
Cada um destes Ashés possui elementos representativos nos reinos mineral, vegetal e
animal.
Esta mesma força é “alimentada”, movimentada e restituída através das oferendas em
conjunto das orações pronunciadas para dar direcionamento às mesmas. Os elementos e as
Palavras Sagradas (Ofós) das oferendas eram estipulados pelos Babalawô ou Pai dos
Mistérios.
13
Estes Sacerdotes da vida e do destino eram versados nos processos Divinatórios de
Ifá, que através dos vaticínios, das respostas sobre os problemas ou desequilíbrios
levantados, especificava o que era necessário para cada ser.
Equilíbrio e desequilíbrio são para os Yorubá forças que se opõem ou se neutralizam,
pois, o Universo é composto por elas, as quais, por serem dinâmicas, não obedecem a uma
seqüência lógica e estática.
Ou seja, como tudo está em constante transformação, precisamos estar em
consonância com todos estes processos, caso queiramos manter nossas forças em
movimento.
E relacionado com todas estas forças do Universo, com todos os seres tanto do Orun,
quanto do Aiyê, é Eshu, elemento dinâmico do panteão Yorubá sendo considerado como
um Princípio por pertencer e participar de toda a existência cósmica (galáxias, planetas e
etc.) e humana.
14
que ele representa e transporta, participa forçosamente de tudo, estabelecendo a relação
do Aiye com o Orun. Princípio dinâmico e de expansão de tudo o que existe, sem Ele todos
os elementos do sistema e seu devir ficariam imobilizados, a vida não se desenvolveria...”7.
“... como Olorun representa o princípio da existência genérica, Eshu é o princípio da
existência diferenciada em conseqüência de sua função de elemento dinâmico que o leva a
propulsionar, a desenvolver, a mobilizar, a crescer, a transformar, a comunicar”.8.
As oferendas a Eshu residem em manter a harmonia do Cosmo (Universo) e a
integridade de cada indivíduo através da absorção e restituição de Ashé pela Divindade. Por
representar e transportar o Ashé (força vital), Eshu assegura a existência dinâmica
permitindo o acontecer e o devir.
Todo Orixá possui seu Eshu, porque Eshu é a manifestação de algo imanifesto
(Orixás), ou seja, Eshu representa o processo de diferenciação, de individualização, de
formação de algo desprovido de forma. Não só os Orixás possuem seu Eshu individual,
mas todos os seres do Aiyê, embora somente os Orixás possam vê-lo.
Por ser elemento dinâmico, Eshu possui várias funções, como Lonan, o Senhor dos
caminhos, pois o mesmo é responsável por dirigir os caminhos da vida de cada indivíduo,
solucionando e resolvendo os obstáculos, fornecendo ajuda no desenvolvimento da
existência de cada ser.
Como Okotô, o caracol, que se inicia em um ponto e se abre ao infinito, mostrando a
capacidade de crescimento em expansão, visto que o mesmo possui a natureza do
movimento e da transformação.
7
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. p.130
8
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a Morte. p.131
15
16
Por permitir a atuação, a transformação e o desenvolvimento dos destinos dos seres,
Eshu é chamado de Elegbara, ou seja, o Senhor do Poder. Ele possui um instrumento
chamado de ado-iran que consiste em um falo com cabaças, pois a cabaça concentra o seu
poder inesgotável armazenado e o falo que direciona e impulsiona este poder.
Como Yangi, Eshu é o primogênito, pois o mesmo é considerado como a protoforma
da matéria, a primeira dotada de forma, reforçando seu aspecto de representação da
individualização dos seres e sua condição filho, de descendência.
Por ser a interação do masculino e do feminino, Eshu é o Terceiro Gerado. Mas
também é o Um, que dá o movimento, a continuidade, pois por ser o filho, ele concentra em
si o masculino e o feminino que geraram Um filho e este irá dar continuidade aos processos
de perpetuação dos seres ao se unir com outra individualidade.
Vários relatos através dos versos de Ifá especificam os atributos e funções de Eshu
reforçando a sua condição de princípio dinâmico e de veiculador de Ashé. Podemos relatar
várias outras qualidades como:
“Yangi: a Protoforma da matéria.
Oba Babá Eshu: Pai e Rei de todos os Eshus.
Ojishé: Mensageiro.
Enugbarijó: Boca coletiva ou o que fala por todos os Orixás.
Elebó; Senhor do sacrifício.
Olobé: Senhor da faca.
Eleru: Senhor do carrego.
Aláfia: Satisfação pessoal.
Odara: Felicidade.
Odusô: Vigia do destino.
Elegbara: Senhor da Força Magística.
Agbá: Ancestral.
Obara: Rei do corpo.
Lonan: Senhor dos caminhos9.
9
RIVAS NETO, F. Aula ministrada na Faculdade de Teologia Umbandista.Disciplina de Fundamentos de
Teologia Umbandista, 2005.
17
Estas qualidades reforçam a importância desta Entidade na vida e no destino dos
seres. Eshu era para os Yorubás, imprescindível, pois estes dependiam da terra para prover
seu alimento, para criar seu gado e assim ter condições de construir uma grande família.
“Eshu por ser símbolo de descendência, da sexualidade ou fertilidade, não é apenas
uma Divindade estruturada, mas um princípio estruturante do Universo.”
Tanto que existiam várias representações de Eshu nas portas das casas, nos caminhos,
principalmente quando estes ficavam à entrada de cidades. Eram erguidas estátuas de barro
ou de madeira na forma de falos (pênis como símbolo de fertilizador) imensos, exaltando o
poder de penetração, de fertilização e de prosperidade de Eshu, para que estes poderes
pudessem ser direcionados e distribuídos para toda a comunidade.
E foi esta África que os navegantes europeus encontraram.
“Estes europeus se consideravam como habitantes do centro da Terra, imaginando o
resto do mundo a partir de esquemas mentais herdados da antiguidade grega e de textos
latinos e judaico-cristãos. Ao sul das margens conhecidas da humanidade existia, para
eles, a África ou Etiópia.”11
Estes aportaram em costas africanas atrás de suas minas de ouro e pedras preciosas
(meados do séc. XIV12), mas não conseguiram chegar perto nem de uma minúscula pepita.
11
DEL PRIORE, Mary e Renato Pinto Venâncio.Ancestrais introdução à História da África Atlântica p.56.
12
ALBUQUERQUE, Wlamira R. de e Walter Fraga Filho.Uma história do negro no Brasil. p.20
18
Entretanto descobriram outra fonte de renda, o chamado ouro negro, ou seja, o tráfico
de escravos. Os africanos poderosos forneciam os escravos em troca de ajuda militar, mas
para os africanos ser escravo era uma situação apenas de “status”, pois o mesmo não era
visto como mercadoria.
Contudo, foi através dos europeus que o homem fora transformado em coisa,
consolidando a escravidão (figura 2) num comércio altamente lucrativo, tanto para os
chefes de tribos africanas quanto para os europeus que exportavam os negros para as
Américas.
“O conceito de escravidão pode ser assim definido:
Dado fundamental do sistema escravista, a dessocialização, processo em que o
indivíduo é capturado e apartado de sua comunidade nativa, se completa com a
despersonalização, na qual o cativo é convertido em mercadoria na seqüência da
reificação, da coisificação, levada a efeito na sociedade escravista.13”
13
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. p. 144
19
“O seu uso em português é uma adaptação do vocábulo francês fétiche, cuja origem
remonta, por sua vez, a uma transposição da palavra portuguesa “feitiço”. Fetichismo, na
sua acepção mais antiga, refere-se ao culto dos fetiches, ou seja , à adoração de objetos
animados ou inanimados aos quais se atribuem valores sobrenaturais.”14
Como os Orixás eram chamados de fetiches ou feitiços, seus Sacerdotes se tornaram
feiticeiros.
Os europeus, quando chegaram à África, encontraram um local árido,
insuportavelmente quente, habitado por homens de pele negra e seminus.
Estes mesmos negros possuíam várias divindades, muitas delas representadas por
animais, pedaços de madeira e pedras. O pior deles era Eshu que carregava um porrete na
mão e possuía esculturas de falos enormes o reverenciando em qualquer lugar que fossem.
Definitivamente haviam encontrado o local do inferno.
“A cor negra, associada à escuridão e ao mal, remetia, no inconsciente europeu, ao
inferno e às criaturas das sombras. O Diabo, nos tratados de demonologia, nos contos
moralistas e nas visões das feiticeiras perseguidas pela inquisição, era, coincidentemente,
quase sempre negro”.15
E como bons cristãos que eram não suportavam os costumes e crenças de seres tão
desprezíveis e primitivos, registrando toda a sorte de “esquisitices” que presenciavam.
Estes relatos sobre a religiosidade africana se deram no início do século XIV,
perdurando com o mesmo pensamento até o início do século XX.
Entretanto para os europeus, a escravidão (figura 3) também era vista como uma
benfeitoria para os negros, pois estes tinham a oportunidade de salvarem sua alma.
Conseqüentemente ao destruírem suas crenças religiosas, as comunidades tendiam ao
desmoronamento de sua própria identidade.
14
DENIS, Rafael Cardoso. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. In: Revista Arcos,
volume1,número único,1998.Obtido em 16/02/2006 da URL: www.esdi.uerj.br/p_arcos_1.shtml
15
DEL PRIORE, Mary e Renato Pinto Venâncio.Ancestrais introdução à História da África Atlântica p56
20
“Lendo cuidadosamente testemunhos de época referentes ao Saara Ocidental e
Serra Leoa, historiadores mostram como rapidamente o negro vai sendo penalizado pelo
peso dos modelos europeus, mas, sobretudo, católicos, que se tinha sobre a África.
Sua escravização é percebida como um presente capaz de introduzi-los a uma
cultura superior e à salvação de suas almas. Do ponto de vista europeu, seu modo de viver
é bestial, selvagem. Seus códigos quanto ao vestir, comer, morar os colocam no limiar da
animalidade. São idólatras. Falta-lhes racionalidade.
Sua vida nômade é símbolo de desorganização social. Suas qualidades de coragem e
força física não são percebidas, são chamados de “gente pobre, rude e selvagem”. Dizia-
se que eram antropófagos. 16”
“Argumentavam os escravagistas, entre outras coisas, que desenraizar o africano
de seu continente era um bem que se fazia a ele, pois, assim, livre do“ paganismo”, das
práticas antropofágicas, da “idolatria” etc, ele encontraria a salvação espiritual através
do cristianismo, numa pátria nova onde deveria esquecer todos os vínculos passados”17.
16
DEL PRIORE, Mary e Renato Pinto Venâncio.Ancestrais introdução à História da África Atlântica p68/69.
17
LOPES, Nei. Bantos Malês e identidade negra. P 46
21
Os filhos de Noé que saíram da arca eram Sem, Cã e Jafet. Cã era o pai de Canaã.
Estes eram os três filhos de Noé. É por eles que foi povoada toda a Terra. Noé que era
agricultor plantou uma vinha.
Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cã, o pai
de Canaã, vendo a nudez de seu pai, saiu e foi contá-lo aos seus irmãos. Mas Sem e Jafet,
tomando uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e foram cobrir a nudez de seu pai,
andando de costas; e não viram a nudez de seu pai, pois que tinham seus rostos voltados.
Quando Noé despertou de sua embriaguez, soube o que lhe tinha feito o seu filho
mais novo.
“Maldito seja Canaã, disse ele; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos!”
E acrescentou: “Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e Canaã seja seu escravo!
Que Deus dilate a Jafet; e este habite nas tendas de Sem, e Canaã seja seu escravo!” 18.
Para Pierre Verger era infinitamente mais confortável para o espírito dos traficantes,
inclusive pouco escrupulosos, lidar com pessoas cuja religião era “um amontoado confuso
de superstições ridículas” (d’Elbée); ...Sua religião é tão ridícula e tão misturada (de
Nyendaal)...”Superstições ridículas e sem fundamento” (dês Marais)...
“Villault de Bellefond, o padre Loyer e Thomas Phillips gabavam-se abertamente de
quebrar, pisotear e de dar tiros de revólver naquilo que os nativos tinham de mais
sagrado” 19.
Eshu também recebeu várias definições destes mesmos viajantes, padres e tantos
outros que passaram pela África escrevendo sobre o que viam. Assimilaram sua figura ao
diabo, principalmente pelo fato de que Eshu está diretamente ligado aos processos do ato
sexual (fertilidade, poder de criação) e ser representado por falos (pênis: figura 4)).
18
DEL PRIORE, Mary e Renato Pinto Venâncio.Ancestrais introdução à História da África Atlântica p.59..
19
VERGER, Pierre.Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. P36
22
“A horrenda estátua de Belfegór, grosseiramente moldada com argila, guarda a
entrada de todas as casas; ela está á vista nas encruzilhadas e praças; encontramo-la a
cada passo no campo, ora colocada aos pés das mais belas árvores, ora escondida no
interior de pequenas cabanas de forma circular” 20.
20
VERGER, Pierre.Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. P134.
23
Figura 4: Representação do falo (pênis) como símbolo de poder de fertilização, poder
de criação e poder de realização. (Fonte: Verger, Pierre. Nota sobre o culto aos Orixás
e Voduns, 2000.p.128.)
“Em todos os lugares vê-se o horrível instrumento que Líber inventou para servir às
abomináveis manobras de sua paixão: nas casas, nas ruas, nas praças públicas. Ele é
21
VERGER, Pierre.Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. P135.
24
encontrado isolado; os falófaros carregam-no algumas vezes com grande pompa, em
certas procissões, agitam-no com ostentação e dirigem-no para as jovens, em meio às
gargalhadas de uma população despudorada. Os negros são bem inspirados quando fazem
desse instrumento o atributo de Elegbara, personificação do demônio” 22.
Quando os portugueses começaram a embarcar os primeiros negros para o Brasil, em
1517, houve a continuação do processo de salvação das almas dos africanos fetichistas.
“O Padre Antônio Vieira considerava o tráfico um” grande milagre “de Nossa
Senhora do Rosário, pois retirados da África pagã, os negros teriam chances de salvação
da alma no Brasil católico” 23.
Estes tão logo aportavam, recebiam um nome cristão, sendo submetidos a um
processo de perda de identidade, através de torturas físicas e psicológicas, regime de trabalho
rigoroso e agressões morais.
Através de seus senhores, recebiam treinamento para aprender rudimentos do
português, para que pudessem entender as ordens recebidas e distinguirem quem manda e
quem é mandado. O senhor também impunha conhecimentos sobre a religião católica para
que aprendessem a rezar, a serem pacientes e humildes.
Mas não se esquece tão facilmente suas raízes, e a perda de uma identidade, que foi
construída ao longo do tempo não se esvai com muita rapidez.
A recriação do ambiente africano entre as novas famílias construídas na senzala,
juntamente com os laços religiosos, os negros cativos tinham a possibilidade de diminuir a
dor da saudade de casa e da liberdade.
Através do Culto aos Ancestrais os escravos tinham a oportunidade de recompor
simbolicamente o que fora perdido e desfeito pela escravidão.
Foi com a memória do negro escravizado e o imaginário do português cristão que os
Orixás africanos vieram para o Brasil. Mas a amalgamação destas Divindades com os
Santos católicos ocorreram tanto pela necessidade de encobrir seus rituais como pela
similaridade dos atributos entre Orixás e Santos.
22
VERGER, Pierre.Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. P136.
23
ALBUQUERQUE, Wlamira R. de e Walter Fraga Filho.Uma história do negro no Brasil. P41
25
“Pelo processo de sincretismo associaram:
Oxalá: Jesus Cristo.
Yemanjá: Nossa Senhora da Glória.
Xangô: São Jerônimo.
Ogum: São Jorge.
Ibêjis: São Cosme e São Damião.
Oxossi: São Sebastião.
Obaluaiyê: São Lázaro.
Eshu: Diabo”.24
Para o cristão católico o mundo é concebido através de uma visão dualista onde há: o
bem e o mal, o céu e o inferno, Deus e o Diabo. Estes conceitos não existiam entre os
africanos, o que havia eram somente equilíbrio e desequilíbrio das forças que compunham o
Universo.
A concepção de demônio para os africanos era completamente inexistente. Contudo
a associação de Eshu ao diabo católico foi inevitável.
Primeiramente pelo fato do Brasil ter sido colonizado pelos portugueses, os quais
tinham o catolicismo como religião oficial, bem como uma “completa submissão à
autoridade papal e uma forte aliança com o poder de Roma25”
Esta aliança entre o Estado português e a igreja católica, intitulada de Padroado, “rendeu
ao Estado português uma série de concessões e licenças que acabaram por fortalecê-lo e
moldar a mentalidade através da qual se fez a catequese no Brasil” 26.
Importante relembrar que Eshu, para os africanos, era a Divindade responsável pelo
processo de distribuição de fartura, de felicidade e liberdade para todos. Os portugueses
foram para a África para explorar, dominar e usurpar os africanos. Então para eles Eshu era
24
SILVA, Woodrow Wilson da Matta e.Macumbas e candomblés na Umbanda . p.147/148/149/150.
25
DEL PRIORE, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial. P 7.
26
DEL PRIOREI, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial. P 8.
26
o maior inimigo que eles poderiam possuir. Desta maneira, não fica difícil de entender
porque o atributo de demônio foi delegado à Eshu.
Interesses religiosos, políticos e econômicos ditavam as regras sobre a
população que gradativamente ia se formando. Através do pensamento católico imposto a
população, aliado ao processo de desqualificação da religiosidade africana a qual era
relegada a mera feitiçaria, reforçou-se ainda mais o imaginário sobre Eshu como um ser
demoníaco, que permeia as mentes dos brasileiros até os dias atuais seja nos cultos afro-
brasileiros, seja em qualquer outro setor filosófico-religioso.
27
Capítulo II:
Estado Português e Igreja Católica: Poder, Eugenia, Elitismo e Privilegiados.
Como os colonos partilhavam das idéias de seus reis, para eles, todo o não católico
era considerado inimigo, infiel e aliado do Demônio. Com isto iniciou-se uma guerra santa
fazendo com que o índio pagão e infiel, devesse ser tratado com rigor e violência.
“Paganus, que era o habitante do campo, deu pagão em oposição a cristão, pois o
cristianismo, primeiro, conquistou as cidades, depois o interior. Então, antes, o pagão era
o habitante da aldeia, o aldeão camponês. Como, inicialmente, não recebera o batismo - só
os da cidade, mais tarde, é que iriam ser batizados” 29.
27
DEL PRIORE, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial. p 7.
28
DEL PRIORE, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial. p 9.
29
FREITAS, Horácio Rolim de. Uma visão filológica: cotejo de aspectos diacrônicos e sincrônicos da língua portuguesa a partir do latim
vulgar. Conferência proferida na Academia Brasileira de Letras, 2000.
28
“Foi com esta mentalidade que os portugueses instalaram no Brasil uma sociedade
cristã”. 30.
Para os portugueses os índios brasileiros eram vistos como primitivos, selvagens e
perigosos, bem como os negros escravizados que chegavam da África. Como a cor negra
era associada à escuridão e ao mal, no inconsciente europeu o Diabo era quase sempre
negro.
“Em contra posição aos anjos, resplandecentes de brancura, o Diabo é um gigante,
uma sombra, um animal, enfim, tem mil formas, mas é sempre negro. É, pois, chamado de
“Príncipe negro”, “homem preto”, “Jeová negro” ou “Grande negro”. Neste tipo de
literatura, mesmo o pecador branco passa a ter pele negra pela gravidade dos males
cometidos. Ele só volta a ser branco, depois da confissão dos pecados”.31
O processo de demonização do negro e de suas práticas religiosas iniciou-se na
África. Por meio da escravidão (figura 5) a desqualificação do africano continuou em terras
brasileiras.
30
DEL PRIORE, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial.p9.
31
DEL PRIORE, Mary e Renato Pinto Venâncio.Ancestrais introdução à História da África Atlântica p.58
29
Para a Igreja Católica, o negro não possuía alma, sendo considerado um ser
demoníaco, primitivo e inferior, bem como toda a sua cultura.
“A religião nativa dos africanos foi interpretada à luz da teologia católica que se
considerava superior, deferindo títulos de pagãs, idólatras, satânicas, animistas e
politeístas, gerando, senão no africano que aqui chegava, que tinha o conhecimento de
seus antepassados, mas a partir de seus descendentes uma inferiorização da fé e crença
trazidas na alma de seus pais.
Por Francisco Ngunz'tala”.32
Não só a Igreja católica e o Estado viam o negro como uma doença social. A
medicina, por meio da psiquiatria, também colaborou no processo de desqualificação do
negro, reforçando o aspecto de raça inferior.
Por haver muitos curandeiros, feiticeiros e benzedores (figura 6) procurados por todas
as classes sociais, a comunidade médica precisava exterminar seus concorrentes. E foi
através da ciência que se iniciou o programa de caça aos bruxos, feiticeiros e toda sorte de
“charlatões” existentes.
Através da descrença das práticas religiosas destes feiticeiros a elite acadêmica
“provou” para a sociedade que, aqueles que se “passavam” por curandeiros, eram na
verdade doentes mentais perigosíssimos para toda a comunidade.
32
http://www.cieaa.ueg.br/downloads/documentos/candomble-angola.pdf
30
Figura 6: curandeiro
Seus cultos possuíam como característica principal, o fenômeno da possessão e do
transe. Estes fenômenos eram vistos como doenças psíquicas corroborando o primitivismo
e a incapacidade intelectual dos negros.
“A comunidade psiquiátrica pertencente ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo adotou
uma postura mais “ medicalizante”, influenciada principalmente por autores franceses.
Enfatizou o papel das religiões mediúnicas como causa de loucura, chegando a
considerá-la a terceira maior causa de alienação mental. O psiquiatra e professor da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Henrique Roxo, criou uma nova classe
diagnóstica intitulada “delírio espírita episódico”.
A primeira publicação psiquiátrica brasileira a respeito dos problemas relacionados
às práticas mediúnicas é de 1896 escritas por Franco da Rocha. O “problema do negro”
passa a ser uma questão científica.
31
O médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues colaborou explicitamente no
processo de “erradicação” dos malefícios causados pelos “negros portadores de doenças
mentais”.
“Em resumo, considera como típicos da estrutura fenomenológica apresentada nos
quadros de possessão: alteração qualitativa de consciência causada por sugestão e
manifestada por estado sonambúlico, modificações nesse estado por meio de respostas
verbais e físicas dadas às injunções sugestivas feitas por uma figura de autoridade,
assunção temporária de outras identidades, confusão mental ou sonolência, além de
grande desgaste físico e amnésia ao sair do processo.
Além dessa forma “clássica” do estado-de-santo, observa que as manifestações
poderiam ser frustras ou incompletas, mas também se prolongar em “delírio furioso e
duradouro”, o que ele considera desvios, aberrações do verdadeiro estado-de-santo”.
“A maior crítica que dirige aos praticantes do espiritismo, sobretudo aos “chefes de
seita”, é a de estimularem fenômenos psicopatológicos latentes, o que sob certas condições
poderia conduzir à loucura coletiva ou ao crime – crítica comum entre os alienistas
europeus citados pelo médico brasileiro (Nina Rodrigues, 1939).”
A maioria defendia a proposição de o espiritismo, por desencadear a loucura, ser um
perigo social que deveria ser fortemente combatido. Xavier de Oliveira destacava que o
espiritismo seria o terceiro maior “fator de alienação mental”, atrás apenas do álcool e da
sífilis”.
“Além de desencadear a loucura, as práticas espíritas também eram acusadas de
induzir o suicídio (Caldas, 1929), estupro (Peixoto, 1909), homicídio e desagregação da
família”.33
O espiritismo kardecista também colaborou negativamente sobre os negros e índios e
suas práticas religiosas. O kardecismo nasceu em plena Europa no século XIX através de
um pedagogo francês chamado Hippolyte Leon Denizard Rivail.
Através do pseudônimo de Allan Kardec, Rivail estudou e difundiu a comunicação
com os espíritos. A esta doutrina deu-se o nome de espiritismo kardecista. Dita como uma
doutrina de caráter “científica” chegou ao Brasil em 1865.
33
Revista de psiquiatria clinica (WWW.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/34.html).
32
Intitulada como uma doutrina cristã, o kardecismo adotou a filosofia salvacionista
fortalecendo mais ainda os conceitos de bem e mal. Através da teoria das evoluções das
espécies formulada por Darwin, o kardecismo por ser constituído de pessoas de “alto nível
intelectual”, trouxe o conceito de evolução, mas para os espíritos.
Nas sessões de “mesa branca” dos kardecistas, só havia a comunicação com Espíritos
evoluídos de médicos e doutores. Desta maneira o kardecismo era considerado como “alto
espiritismo”.
Conseqüentemente os cultos afro-brasileiros, por serem formados pela “escória” da
sociedade, seus cultos bem como os espíritos que fazem parte destas “religiões” foram
considerados como “baixo espiritismo”.
“Os Kardecistas não toleram que se qualifique a Umbanda como espírita. Mas os
próprios umbandistas continuam a proclamar empenhadamente que também eles são
verdadeiros espíritas.
A Federação Espírita Brasileira, numa solene declaração, publicada no órgão oficial
Reformador, de julho de 1953, página 149, acabou concedendo aos umbandistas o
“privilégio” de se chamarem espíritas”.34
As perseguições sobre as religiões afro-brasileiras continuavam. E as repressões
vinham de toda a parte.
“Durante o Estado Novo, no final dos anos 30, sob a ditadura de Getúlio Vargas, os
Terreiros de Umbanda, em São Paulo, viveram sua fase mais difícil. Para que pudessem
trabalhar, eram obrigados a se registrar nas delegacias e ao pagamento, do que
chamavam, à época, de “Taxas de Proteção”, que eram verdadeiras extorsões.
Os que não se registravam eram obrigados a atuar na clandestinidade, correndo o
risco de, a qualquer momento, serem surpreendidos pelas “batidas policiais”. Nessa
época, não se ouvia falar em Umbanda ou Candomblé; o que se lia em jornais eram termos
como feitiçaria, macumba e baixo espiritismo. Não existiam Centros de Umbanda em São
Paulo.”
“Assim como hoje se vê uma grande movimentação dos cultos evangélicos,
principalmente em programas de TV, tentando de todas as formas difamar a religião de
34
Revista catolicismo 2005/www.catolicismo.com.Br
33
Umbanda, em 1953 a Igreja Católica não mediu esforços para empreender uma violenta
campanha da Arquidiocese de São Paulo contra a Umbanda. Esses ataques nada mais
fizeram do que repetir as acusações da Imprensa conservadora.
Falava-se em “demonolatria”, “despachos que pegam”, ou sobre o uso do
sincretismo para enganar os “imprudentes”. Aos católicos que freqüentassem terreiros ou
mesmo os centros kardecistas, era dada uma única e definitiva condenação: “Pecado
mortal”. 35
Desde 1500, o Brasil vem sendo massacrado pela ideologia européia de mundo.
Ideologia esta que exalta um “processo de total exclusão: espiritual, cultural, social
36
política e econômica” de todos aqueles que não se enquadravam neste molde, neste
padrão de ser no mundo.
Através da elite “dominante” o setor religioso também recebe fortes cargas
ideológicas de manutenção das desigualdades. Ao relembrar a história da colonização do
Brasil, vemos que a Igreja católica possuía o status de religião oficial do país, que perdurou
até 1890.
“O Brasil tornou-se um Estado Laico, ou seja, uma nação sem religião oficial, no
inicio do período republicano, através do Decreto 1119-A, de 17 de janeiro de 1890,
subscrito, entre outros, por Manoel Deodoro da Fonseca e por Ruy Barbosa.” 37··.
Durante 390 anos a Igreja católica aliada ao Estado português, exerceu oficialmente
seu poder sobre a sociedade no pensamento e nas formas de sociabilidade. Mesmo se
tornando um Estado Laico, o ideal de vida católica permanece fortemente enraizado sobre a
população brasileira.
“No Brasil, segundo a ideologia predominante, oficial e oficiosa, religiosa e secular,
todos são católicos. Assim, com uma frase, eliminam-se o candomblé e as suas variantes,
assim como a pajelança e suas variantes; sem esquecer as variantes do protestantismo e do
próprio catolicismo.
35
Fonte: Estudo apresentado por Maria Helena Villas Boas Concone, do Depto. de Antropologia da PUC e
Lísias Nogueira Negrão, do Depto. de Ciências Sociais da USP.Revista Espiritual de Umbanda, N° 07 – Ed.
Escala – São Paulo
36
RIVAS NETO, F. Aula ministrada na Faculdade de Teologia Umbandista.Disciplina de Sociologia, 2005.
37
Artigo: O Estado Laico e a liberdade religiosa por: Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará/12marçode08.RobertoNogueira Feijó WWW.direito2.com.br/noticias/2008/mar/12/
34
Em todos os espaços públicos, do palácio presidencial à câmara municipal, há
sempre um crucifixo ou alguma variante de ícones católicos. Nas escolas, a despeito dos
preceitos constitucionais em que se contemplam as ou todas as religiões, predominam
símbolos católicos.
Também na mídia em geral, explícitos ou nas entrelinhas, eles aparecem. Na cultura
popular, em sentido amplo, seja a rural ou a urbana, aí sempre aparecem signos, símbolos
e emblemas católicos. De tal forma que se recobrem, encobrem ou esquecem uma ampla e
múltipla gama de práticas, valores, ícones, tradições, modos de ser e visões da vida e da
sociedade enraizados em um caleidoscópio de formas culturais e religiosas.
Sim, o catolicismo catequiza e batiza o país, desde a Primeira Missa, em 1500. Tem
sido sempre uma poderosa argamassa dos blocos do poder: Independência ou Morte,
Ordem e Progresso, Nacionalismo e Industrialização, Segurança e Desenvolvimento, Nova
República”.38
38
IANNI, Octavio. Tendências do pensamento brasileiro. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 12(2):
55-74, novembro de2000
35
A difusão de cultos afro-asiáticos de conotação satanista é hoje uma realidade. No
Uruguai, por exemplo, a umbanda é a prática religiosa que mais cresce, a tal ponto que a
festa de Iemanjá é a mais popular do país, atraindo para as praias centenas de milhares de
praticantes desse culto de origem africana (cfr. “Folha de S. Paulo”, 27-11-99).
Mesmo aqueles que procuram esses cultos por razões folclóricas ou turísticas, arcam
com o risco de ser envolvidos por eles e sofrerem as conseqüências”.
Espiritismo umbandista:
D. Frei Boaventura Kloppenburg O.F.M., Bispo de Novo Hamburgo (RS), explica:
“Não podemos indicar uma data exata para a aparição, entre nós, daquilo que hoje se
chama espiritismo de Umbanda. Movimentos populares, de origem nitidamente africana,
com fachadas cristãs, mas fortemente paganizadas e diretamente influenciadas pelas
práticas espíritas, aos poucos se aglutinaram e continuam a coordenar-se ainda hoje, para
formar a umbanda (palavra africana que significa feitiçaria). O Batuque do Sul, a
Macumba do Rio, o Candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambuco, o Catimbó do
Nordeste, o Nagô ou as Casas de Minas do Maranhão, a Pajelança da Amazônia: eis a
matéria remota desse novo tipo de Espiritismo”.39
Através dos europeus colonizadores herdamos a ideologia de que um bom cidadão
deve ser: branco, cristão-católico, letrado, possuidor de bens de valor. Características estas
em que a grande maioria da sociedade não possuía e ainda não possui.
Muito pelo contrário, pois, a grande massa, que vivia e ainda vive nas ruas, nos
morros, nas periferias, foi formada pelas misturas entre índios, negros, judeus, pagãos e
mestiços.
Através desta mistura, desta troca de culturas que várias manifestações religiosas
eclodiram em todo o país. Charutos, bebidas, terços, atabaques, maracás, ervas curativas,
cachimbos, patuás, rezas “fortes”, toda a sorte de “instrumentos” para se comunicar com as
Divindades, eram usados nos mais variados rituais religiosos.
Dentre estas múltiplas expressões de se cultuar o Sagrado surge a Umbanda. Como
religião sincrética, abarca e aceita em sua rito-liturgia todas as diferentes formas de se
entender e de se fazer Umbanda.
39
Revista catolicismo 2005/www.catolicismo.com.Br
36
Dos brancos “recebeu” os rosários, dos índios as ervas curativas, dos negros a alegria
da dança e do som do tambor. Na Umbanda ninguém fica de fora, exclusão só se for das
doenças e da tristeza.
Mesmo possuindo a influência de três diferentes matrizes, os umbandistas, em sua
grande maioria, permanecem com a visão católica de Deus e da criação do Universo. Afinal
de contas o Brasil é o maior país católico do mundo.
Terreiros que possuem influência africana (Congo-Angola-Kêto-Gêge), católica e
ameríndia é chamada de Umbanda Mista ou Traçada. Seus Sacerdotes são chamados de
Tatas e chamam este culto de Umbanda Omolocô.
“Embora seja um ritual com predominância Angola, muito raramente as Entidades
são chamadas Inkices, e sim Orishás. Os nomes desses Orishas também são os do Gêge-
Kêto, a par de sincretizá-los com os Santos católicos”.40
Nestes terreiros tanto Sacerdotes quanto filhos de Santo acreditam em: céu e inferno,
Deus e Diabo, bem e mal, culpa e pecado.
“O inferno é um lugar de padecimento eterno, de onde não se pode sair. As almas
que padecem no inferno decidiram conscientemente seguir este caminho. Não foram
predestinadas à pena eterna. Para quem não conheceu a mensagem evangélica, a forma de
evitar a condenação eterna é a obediência à lei moral.” 41
Desta maneira não fica difícil de entender porque, em alguns terreiros a imagem de
Eshu está atrelada ao Diabo católico. A própria história nos mostra o longo e intenso
processo de demonização de Eshu, que se iniciou na África e que continuou no Brasil através
da escravidão.
Devemos relembrar que para os africanos o conceito de bem e mal não existiam. Para
eles só havia equilíbrio e desequilíbrio das forças do Universo. Além de não acreditarem
em bem e mal, os negros não eram salvacionistas.
A salvação está atrelada ao fato de sermos salvos de algo ou de alguém. Os católicos
acreditam que devemos ser salvos das influências do demônio sobre a humanidade para não
irmos para o inferno.
40
RIVAS NETO, F. Umbanda a Proto Síntese Cósmica p417.
41
Revista catolicismo 2005/www.catolicismo.com.Br
37
“A Declaração Dominus Iesus do ano de 2000 refutou a existência de uma atuação
diferenciada do Verbo Encarnado de Cristo na Igreja Católica e do Logos Divino nas
igrejas não cristãs, como se a Pessoa de Cristo na sua humanidade pudesse ser dispensada
em processos salvíficos não cristãos.
E também rejeitou a idéia de uma atuação diferenciada do Espírito Santo em relação
à Igreja Católica e às igrejas cristãs. Os elementos de santificação e de verdade que
existem em comunidades apartadas da fé católica romana dependem inteiramente da graça
original presente na Igreja Católica, pois apenas ela é a Igreja de Cristo e sem ela a
salvação não é possível - assim determinou expressamente o Seu Fundador.
A ação salvífica é sempre da Santíssima Trindade realizada com a Encarnação do
Verbo de Deus. Só existe uma Igreja de Cristo no céu e na Terra, e sem esta mediação, a
santificação dos homens e a sua salvação, não é possível.” 42
Logo se os negros não acreditavam na salvação, conseqüentemente não havia nenhum
ser maligno para combater.
Para continuar a discorrer sobre a transformação de Eshu no diabo católico, retornarei
no início da escravidão do negro no Brasil.
“Muitos foram os povos africanos representados na formação brasileira, os quais
podem ser classificados em dois grandes grupos lingüísticos: os sudaneses e os bantos
(Prandi, 2000)”.43
“São chamados sudaneses os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao
Chade e do sul do Egito a Uganda, mais o norte da Tanzânia. Seu subgrupo denominado
sudanês central é formado por diversas etnias que abasteceram de escravos o Brasil,
sobretudo os povos localizados na região do Golfo da Guiné, povos que no Brasil
conhecemos pelos nomes genéricos de Nagôs ou Yorubás, os Fons ou Jejes, os Haussás,
famosos, mesmo na Bahia.
Os Bantos são povos da África Meridional que falam entre setecentas e duas mil
línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites
sudaneses, até o cabo da Boa Esperança, compreendendo as terras que vão do Atlântico
ao Índico.
42
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43
PRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade e religião. Revista USP, São Paulo, nº
46, pp. 52-65, 2000.
38
Os Bantos trazidos para o Brasil eram falantes de várias dessas línguas,
sobressaindo-se, principalmente, os de língua quicongo, falada no Congo, em Cabinda e
em Angola; o quimbundo, falado em Angola acima do rio Cuanza e ao redor de Luanda; e
o umbundo, falada em Angola, abaixo do rio Cuanza e na região de Benguela.
As diferentes etnias africanas chegaram ao Brasil em distintos momentos,
predominando os bantos até o século XVIII e depois os sudaneses. Nas últimas décadas do
regime escravista, os sudaneses Yorubás eram preponderantes na população negra de
Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma espécie de língua geral para todos os
africanos ali residentes, inclusive bantos” . 44
“No Brasil, os cultos de origem banta, são conhecidos pelo nome genérico de
macumba (RJ, SP, ETC.) e os de origem sudanesa- com suas variantes regionais, como o
batuque gaúcho e o xangô pernambucano- pela denominação extensa de candomblé.
A palavra candomblé, entretanto, é certamente de origem banta, tanto podendo
derivar da aglutinação das vozes quimbundas kiandombe (negro) e mbele (casa)
significando talvez “casa de negros”, como pode ser resultado da fusão desse mesmo
mbele com o prefixo diminutivo ka mais o termo ndumbe (principiante) para dar:
ka+ ndumbe +mbele, ou seja, casa de principiantes, neófitos ou, melhor, “casa de
iniciação”.45
Os sudaneses, mais especificamente os Nagô/Yorubás tinham os Orixás como suas
principais Divindades e Eshu era o Mensageiro o elo entre os Orixás e os homens. Seus
rituais eram marcados pela possessão destes Orixás em seus cavalos de santo (médiuns).
Já entre os bantos há uma “notável diferença entre suas concepções e as dos povos
sudaneses (nagô/Yorubá) que também deram escravos ao Brasil, ela residia na
importância que os povos bantos atribuem à ancestralidade. De fato, parece que em todas
as religiões bantas os espíritos dos ancestrais são os intermediários entre a Divindade
Suprema e o homem”.46
Para os Bantos, o culto ao ancestral era a pedra basilar de sua religiosidade. Ao chegar
ao Brasil estes africanos tentaram reconstruir o seu universo cultural e religioso, que
violentamente tiveram que deixar em sua terra natal.
44
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 4ª edição.
45
LOPES, Nei.Bantos Malês e identidade negra. p, 165.
46
LOPES, Nei.Bantos Malês e identidade negra. p, 127.
39
Na África, os Bantos cultuavam seus antepassados que eram negros como eles, bem
como os Inkices, Divindades responsáveis pela criação do Universo. Mas tanto os Inkices
quanto os antepassados Bantus ficaram na África.
Então no Brasil, este culto foi remodelado, visto que os antepassados aqui eram os
índios, e foram estes índios que passaram a ser reverenciados. Desta maneira surgiu o que
conhecemos como Candomblé de Caboclo.
Com o fim da escravidão, muitos negros migraram da Bahia para o Rio de Janeiro,
levando consigo os Orixás, e também o Candomblé de Caboclo. Vieram negros do
Nordeste e também do Norte, trazendo seus costumes, sua religiosidade e seus espíritos.
Através deste “entrelaçamento” de crenças, Mestres do Catimbó de Pernambuco,
Encantados do Maranhão, o Candomblé de Caboclo da Bahia e Orixás baianos ao se
“encontrarem” em plena Capital brasileira, deram a formação ao que conhecemos como
Macumba carioca.
Estes rituais tinham em comum a manifestação mediúnica, através da incorporação
em seus devotos, à atividade mágico-curativa e a consulta oracular. Os rituais possuíam as
danças acompanhadas de músicas ao som dos tambores africanos.
Foi através do som do tambor que este culto miscigenado recebeu o nome de rito de
macumba ou rito do tambor.
Existem várias maneiras de entendermos a palavra Macumba:
“Em língua Bantu, essa palavra designa, enquanto instrumento musical, um Reco-Reco de
madeira, feito de uma árvore chamada Magombe, na África. Este reco-reco chamava-se
Mukumbu, palavra quimbundo que significa som.
Desta mesma árvore (claro que há outras árvores africanas que são utilizadas para
se fazer os tambores rituais. Todas são consideradas sagradas) faziam-se tambores que
recebiam nomes bem próximos ao nome das árvores, tais como Ngoma, Ngombe, Makuta,
Makombe, ETC.
Assim Macumba tinha o significado de algo sagrado relacionado à árvore que
transmitia através do tambor a palavra das potestades.
Ainda, Cumba, em quicongo se traduz como valente, forte, rugido (com o significado
onomatopaico relativo ao rugido do leão) e por estes atributos, mais à idéia das árvores
40
sagradas, Cumba ou Kumba amplia-se enquanto designação identificando-se como algum
fato miraculoso.
Finalmente, temos Cumbe, do Umbundo Ekumbi, que significa sol. Assim, temos Ma
Kumbe, como dedicação ao sol, através do louvor a árvore através da música, onde as
palavras foram sobrecarregadas de significados que de certo modo se tornaram sinônimos.
Aqui é que surge a conexão com as lendas do Nkice Nkose Mukumbe (aquele que
venceu o leão). Lembrando que o Leão é identificado com o Sol nas antigas tradições.
Vencer o Sol significa estar ligado à Lua, que o vence por eclipsá-lo, este é um dos mais
fortes símbolos da iniciação, lembrando que a Lua reflete a luz do Sol.
Desse modo pode-se entender o conceito de iniciados como “tradutores” e sua
relação com o rugido do tambor. Todas essas variantes da palavra Macumba chegaram ao
Brasil e foram identificadas com o tambor dos ritos umbandistas, sendo que este foi um dos
primeiros nomes dos rituais de Umbanda no Rio de Janeiro, por exemplo.
Com o tempo, com a perseguição da polícia (principalmente na Era Vargas) a
palavra foi adquirindo uma conotação negativa e aos poucos foi sendo repudiada até
mesmo pelos prosélitos das religiões brasileiras”.47 .
Mesmo havendo a influência dos africanos, os cânticos eram quase todos em
português reafirmando o caráter de religião mestiça.
Logo após a macumba carioca, também em pleno Rio de Janeiro, em 1908 o Caboclo
das Sete Encruzilhadas, através de seu médium Zélio Fernandino de Moraes, “revela” uma
nova religião dizendo que a mesma iria se chamar de Umbanda.
“Umbanda-escreve Redinha (1975:375) – é uma palavra das línguas mbunda, usada
entre os Mbundos e outras etnias do sul de Angola, e constando também dos dicionários de
kimbundo com as sinonímias de magia e arte de curar”.48
“Em nenhum momento fica escondida a mistura básica que compõe cada uma delas
(religiões afro brasileiras): América, África e Europa, índio, negro e branco, são estas as
fontes indispensáveis da sua constituição. E todas elas são sincréticas com o catolicismo,
47
OLIVEIRA, Willian de Aula ministrada na Faculdade de Teologia Umbandista.Disciplina de música,
2006.
48
LOPES, Nei.Bantos Malês e identidade negra. p, 167.
41
resultado de um momento histórico, o de sua formação no século XIX, em que ninguém
podia ser brasileiro se não fosse igualmente católico. O catolicismo era a religião
hegemônica, oficial e a única tolerada em solo brasileiro”.49
Após breves explicações sobre a formação das religiões afro descendentes, retornarei
mais uma vez na história, situando a função de Eshu e a sua transformação no diabo
católico.
Como já foi relatada, a demonização de Eshu se iniciou em plena África através dos
europeus. Mas foi em terras brasileiras que seu aspecto “cruel” foi fortalecido. Eshu para os
Yorubás era considerado o Mensageiro entre os homens e as Divindades.
Por meio da restituição do Ashé (Princípio e Poder de Realização) das oferendas que
Eshu recebia, o equilíbrio das forças do homem com o Universo eram restabelecidas.
Importante relembrar que para os africanos o conceito de bem e mal era inexistente. Para
eles não haviam forças contrárias, mas forças complementares.
O conceito de bem e mal faz parte das religiões que tem como base os conceitos de
Abraão e também as religiões, que possuem uma visão salvacionista, como por exemplo, o
Zoroastrismo.
Para o negro estar longe de sua terra natal, de seus familiares, sendo vendido como
mercadoria, vivendo uma vida de miséria em todos os âmbitos possíveis e imaginados, era
no mínimo o maior desequilíbrio que este poderia estar vivendo.
Fica fácil de imaginar que, certamente Eshu seria invocado para “libertar” os negros
escravizados.
“No entanto, a característica africana de Eshu adquire no contexto da situação
escravocrata, o sentido mais pragmático e agressivo de atuação constante na práxis social
dos negros escravos. Desta maneira, os aspectos propriamente mágicos da Divindade são
enfatizados.”50 .
49
PRANDI, Reginaldo A dança dos caboclos.Uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros.
50
TRINDADE, Liana Salvia. Exu símbolo e função. p.82.
42
“Desde que a religião do candomblé constitui um nicho cultural de resistência
comunitária a uma situação escravocrata, a magia de Eshu passa a ser utilizada como
força protetora e de combate às relações sociais conflitantes.”51.
Através da resistência do negro a escravidão, e da sua luta contra o branco dominador,
a transformação de Eshu como demônio culminou através da utilização da magia como um
meio de ataque e de defesa dos negros escravos em relação aos senhores brancos.
“Primeiro, por causa da escravidão, Eshu foi usado pelos negros em sua luta contra
os brancos, enquanto patrono das feitiçarias. E dessa forma, seu caráter sinistro se
acentuou em detrimento do de mensageiro. O deus fanfarrão tornou-se um deus cruel que
mata, envenena, enlouquece. Porém, esta crueldade, tinha um sentido único, mostrando-se
Eshu, em compensação, aos seus fiéis negros, como o salvador e o indulgente”.52
Mas Bastide mostra a diferença entre o Eshu Divindade entre os Nagô e o Eshu
feiticeiro dos bantu.
“Os ketu conservaram fielmente a imagem africana do Eshu intermediário falando
pelos búzios em nome dos Orixás, Divindade de orientação, garoto mais malicioso do que
mau, e também protetor de seu povo.
Em compensação, nas nações bantu, onde a mitologia não era conhecida e onde a magia
ocupou lugar de destaque ao contrário das outras nações, esse elemento demoníaco vai se
firmando cada vez mais, acabando por triunfar na macumba carioca.”
Contrapondo a macumba carioca surge o espiritismo kardecista. Dita como uma
religião cristã, só se comunicava com espíritos ditos “superiores” como os médicos e
doutores. Instituiu a sua doutrina como “alto” espiritismo sendo que as afro brasileiras eram
consideradas „„baixo” espiritismo.
Espíritos de caboclos e pretos velhos eram considerados espíritos inferiores, e que
necessitavam ser “doutrinados” para poderem evoluir. Como a Umbanda é uma religião
sincrética, encontraremos terreiros mais afins com o pensamento kardecista.
Estes terreiros acreditam, bem como os kardecistas, que espíritos de caboclos, pretos
velhos e Eshus são espíritos atrasados. Através da incorporação em seus médiuns, estas
51
TRINDADE, Liana Salvia. Exu símbolo e função. p.83.
52
Roger, Bastide As religiões africanas no Brasil vol 2 p349 .
43
entidades têm a “oportunidade” de conhecerem a doutrina espírita- umbandista- cristã e de
esquecerem seu passado quando estes ainda faziam parte de seitas pagãs.
Através do trabalho voltado a caridade, estes seres também possuem a oportunidade
de evoluírem seus sentimentos, neutralizando o “ódio” deixado pela escravidão entre índios
e negros.
Os conceitos doutrinários kardecistas como: alto espiritismo e baixo espiritismo,
espíritos evoluídos e espíritos atrasados, mesa branca e magia negra, fazem parte destes
terreiros. Estes mesmos terreiros dizem fazer a chamada “Umbanda Branca”.
Importante ressaltar que até mesmo nos próprios terreiros umbandistas existem
algumas pessoas que insistem em impor a supremacia da “raça” branca em detrimento das
outras.
Uma “raça” que se intitula superior, imprimindo violentamente seus valores,
costumes, crenças e cultura sobre toda a coletividade planetária. Esta exaltação das
diferenças colabora através da exclusão em todos os âmbitos, uma ideologia de uma
sociedade de desiguais.
Foi retratado neste capítulo o trabalho exaustivo da elite dominante, que possui as
características do: europeu-branco-cristão-moderno, em desqualificar e retalhar tudo e
todos os que não fizessem parte deste “grupo” privilegiado.
Como vivemos em uma sociedade onde há uma forte dominação de uma elite
minoritária, sofremos a imposição de uma ideologia (conjunto de idéias, concepções ou
opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão), segundo Marx, com influência marcante
nos jogos de poder e na manutenção dos privilégios que plasmam a maneira de pensar e de
agir dos indivíduos na sociedade.
Contra esta ideologia, que através da concepção marxista, adquire um sentido
negativo, temos o chamado “discurso não ideológico”. “O discurso não ideológico é
aquele que visa o preenchimento das lacunas pela procura da gênese do processo”.53
Através da elaboração de críticas, do questionamento, da troca do conhecimento,
teremos a oportunidade de combater o determinismo da ideologia, que promove a
inflexibilidade no pensar e no agir por meio de fórmulas prontas e acabadas.
53
ARRUDA ARANHA, Maria Lúcia e Maria Helena Pires. Filosofando Introdução à filosofia. p. 39
44
Negando este determinismo, este engessamento do pensamento, mas sim promovendo
um diálogo aberto, escolhi retratar Eshu sob a ótica de Matta e Silva e F. Rivas Neto.
Como F. Rivas Neto mesmo disse “Não há a última pergunta por que não há a última
resposta”.
45
Capítulo III:
Eshu e Seus Aspectos Cósmicos – O Orixá Telúrico
O povo brasileiro da atualidade possui como origem, três principais etnias: o índio
silvícola, o negro escravizado e o português conquistador, os quais durante a colonização
inevitavelmente foram se misturando, juntamente com as suas culturas, línguas e hábitos.
E esta mistura de diferentes povos, culminou na formação de várias manifestações
religiosas. Dentre elas surgiu a Umbanda que expressa, em sua rito-liturgia, as três matrizes
formadoras do Brasil sendo assim considerada uma religião sincrética.
Esta característica proporciona aos umbandistas a possibilidade de realizarem os mais
variados ritos, pois “a Umbanda é uma idéia que se apresenta em várias linguagens” (F.
Rivas Neto)
Com isto temos o que chamamos de “ângulos de interpretação do sagrado”, ou seja,
cada Templo, Terreiro, Tenda, Choupana possuem uma visão particularizada de se fazer e
de se transmitir Umbanda.
Dentre as várias visões sobre a Umbanda e sobre Eshu, escolhi retratar sob a ótica de
dois Sacerdotes Umbandistas, W.W. da Matta e Silva e F. Rivas Neto, e de suas obras .
Longe de serem deterministas e dogmáticos estes Sacerdotes possuem uma visão
amplificada e aprofundada da Umbanda podendo ser comprovadas em suas obras literárias,
através de seus textos os quais não se chocam contra a ciência, a filosofia e a arte.
Muito pelo contrário, Matta e Silva e F. Rivas Neto acreditam que estes pilares do
conhecimento juntamente com a religião, possuem um ponto de convergência.
Por acreditarem no aspecto universal do Espírito, estes Sacerdotes elucidam que
acima da forma está a essência de todas as coisas.
É por isso que, uma mesma verdade pode ser expressa de várias maneiras.
46
F. Rivas Neto em sua obra Fundamentos Herméticos de Umbanda explica que:
”O Fundamento Umbandístico pode ser expresso em três graus:
-Grau Superlativo=aspectos essenciais, diretamente relacionados ao Espírito.
-Grau Relativo=aspectos universais, independentes de cultos ou credos.
-Grau Positivo=aspectos voltados às crendices, fábulas, mitos, fenômenos e
superstições.
Temos então, o que F. Rivas Neto fala sobre a Unidade e a Universalidade da
Umbanda. A Unidade se refere ao fato de que, por maior que seja a diversidade de ritos, ou
seja, de se fazer e entender a Umbanda, por mais diferente que seja um Terreiro do outro,
no final todos estão fazendo Umbanda. A Unidade Umbanda se expressa na diversidade
(vários ritos).
A Universalidade está no fato de que ao afirmarmos que somos Espíritos e os mesmos
são desprovidos, em sua essência de corpos, todos somos semelhantes.
Ao colocar toda a comunidade planetária no mesmo patamar de igualdade, a
Umbanda mostra que é Universalista por não se ater aos aspectos regionais ou aqueles que
propiciam a exaltação das diferenças, mas sim a aspectos Superiores ou aqueles que levam
a união da sociedade.
Matta e Silva e F. Rivas Neto expõem a sociedade que a Umbanda em seu estado
mais elevado, está muito acima dos conceitos de uma religião que, agrega em si um pouco
de cada cultura porque a mesma não possui Fundamento.
O Fundamento da Umbanda está no Espírito que anima a matéria.
Ao desfazer os mitos populares sobre Eshu, Matta e Silva e F. Rivas Neto expõem
que acima da forma (mitos) está a essência (espírito) e ambos não são conflitantes entre si,
mas sim complementares.
Neste capítulo serão abordados aspectos metafísicos de Eshu sob a ótica das obras de
Matta e Silva e F. Rivas Neto, pois para estes Sacerdotes, Eshu está ligado diretamente com
a estruturação e a formação do Universo e do Planeta Terra.
Será explicado o início da jornada do Espírito no mundo das formas, sob a ótica de
Matta e Silva e F. Rivas Neto, e o que fez deflagrar o fenômeno do Big Bang, para então
termos condições de esclarecer sobre a atuação dos Eshus.
47
Segundo Matta e Silva e F. Rivas Neto: “... existe uma Divindade Suprema (Deus,
Tupã, Zamby, Olorum) conhecedora das origens-causas de tudo que temos como realidades
criadas e incriadas”.
Existem três realidades coexistentes:
-O Espírito.
-O Espaço Cósmico ou Reino Virginal.
-O Universo Astral ou Reino Natural.
Somente a Divindade, como o “Único Senhor das Realidades” é quem sabe das
origens delas, bem como o fato de serem eternas.
Estes Espíritos eternos estão em evolução nestes dois reinos, Virginal e Natural. O
Reino Virginal é um “local” isento de qualquer partícula de matéria conhecida. Por isto, o
mesmo é infinito, atemporal, adimensional não havendo corpos ou veículos de
manifestação.
Como os espíritos não possuíam “meios” para exporem suas afinidades virginais, ou
seja, percepção, consciência, inteligência e desejos, ocorreu o processo de “descida” destes
seres espirituais para o mundo das formas.
Através do Poder da Vontade do Orixá Refletor, deflagrou-se o Big Bang, ocorrendo
o fenômeno movimento, luz e som, gerando ciclos e ritmos e tudo o que conhecemos no
Universo (galáxias, planetas, etc.) formando o Universo Astral ou Reino Natural.
As características deste Universo Astral consistem: na presença de energia-massa
(matéria), finitude, espaço, tempo e veículos de manifestação dos seres espirituais, ou
corpos.
48
Representação esquemática do Reino Virginal e Reino Natural:
Reino Virginal:
-Infinito.
-Atemporal.
-Adimensional.
-Espíritos (sem corpos).
Reino Natural:
-Finitude (inicio e fim).
-Dimensão temporal.
-Regido pelo Espaço-Tempo.
-Espíritos com veículos de manifestação (corpos).
49
Mas para que todo este processo de “descida” destes Seres Espirituais do Reino
Virginal para o Reino Natural fosse organizado houve a interferência da Hierarquia Divina
(Orixás) através de seus subalternos diretos.
Foram estes Seres que executaram o aspecto da transformação, sendo considerados os
Senhores da Gênese do Universo Astral e de todos os Espíritos que, a partir deste instante
passariam a utilizar corpos.
Surge neste momento o Exu Cósmico, o Senhor da Magia, o mesmo Elegbara dos
Yorubás, tornado Eshu o Grande Agente Cósmico Universal por ser o responsável pela
ordenação da matéria nos vários graus de densidade, interferindo no mundo físico e astral,
pois, no mundo mental essa interferência fica a cargo dos Orixás por manipularem energias
mais sutis.
Quando os Seres Espirituais se “encontravam” em evolução somente no Reino
Virginal, Estes tinham a plena noção de seu “estado” de Espíritos. Mas ao adentrarem no
Reino da Matéria estes Seres Espirituais mergulharam em um “estado” de esquecimento de
sua condição de Espírito.
Neste instante o Espírito que tinha consciência de seu “estado” essencial, se encontra
mergulhado em um “estado” que denominamos de inconsciência. Desta maneira temos o
inconsciente associado à matéria, pois o Espírito ao penetrar no mundo das formas,
esqueceu completamente sua condição de Espírito.
Por ser o Senhor da Matéria e a mesma estar atrelada ao “estado” de inconsciência,
Eshu também é considerado o Senhor do Inconsciente.
Quando o Ser Espiritual mergulhou no mundo das formas, agregou para si corpos
ocasionando o total esquecimento de sua condição de Espírito, ocasionando o processo de
inconsciência ou a ausência da ciência de si.
O inconsciente é desconhecido para o indivíduo. Seu conteúdo pode permanecer
indefinidamente desconhecido, ou partes dele podem, às vezes, passar para o subconsciente
daí serem chamados para o consciente. Os conteúdos do inconsciente, segundo a
psicanálise, são de grande significação na determinação da conduta e do pensamento.
Como a inconsciência é decorrente da interpenetração do Espírito na matéria e Eshu é
o Senhor da Matéria, conseqüentemente Eshu é também o Senhor do Inconsciente. Este é
50
um dos motivos do porque Eshu ao incorporar em seus médiuns, vem com as mãos viradas
para trás e não porque são seres atrasados ou “bestiais”.
Por meio destes gestos, os Eshus simbolicamente estão demonstrando e relembrando
que são os Senhores do inconsciente, e que dominam estes aspectos ocultos da psique
humana.
“São encontradas nas lesões que afetam o tronco cerebral, com a Escala de Coma de
Glasgow variando entre 3 e 5. A rigidez de decorticação consiste na flexão dos braços, dos
punhos e dedos com adução do membro superior e extensão do inferior e são típicas de
lesões no mesencéfalo”.
“O coma é uma inconsciência da qual o paciente não pode ser recobrado mesmo por
forte estimulação, sendo uma incapacidade a estímulos normais internos e externos. A
consciência significa um estado cônscio de si mesmo e do ambiente, sendo seus limites
precisos difíceis de serem definidos.
Existem duas propriedades fundamentais da consciência. Uma é o conteúdo, a
essência das funções cerebrais, cognitivas e afetivas (linguagem, memória, crítica e
comportamento). A outra é a reação de despertar, intimamente ligada à vigília. No
decorrer do dia temos oscilações fisiológicas do nível de consciência, assim, o sono
representa uma diminuição desta atividade, com falência dos mecanismos da manutenção
e da consciência”.54
54
http://www.gate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/neuro/coma_uti_ruston/coma_uti_ruston.htm
51
Ao atuar no inconsciente, Eshu por Ser o Porta Voz dos Orixás (Enugbarijó), ou seja,
aquele que trás a Luz Espiritual para as trevas (matéria), faz com que gradativamente nos
lembremos de nossa condição de Espíritos, aumentando nossa consciência(inclui as porções
da vida mental das quais o indivíduo tem conhecimento rápido a qualquer momento dado)
diminuindo a nossa inconsciência.
Muitos Eshus também usam longas Capas Pretas as quais reforçam a idéia de
profundos conhecedores do Inconsciente humano, pois, a capa representa aquilo que está
oculto, encoberto, bem como o preto que também trás o aspecto do oculto, do mistério, do
indecifrável.
Neste momento relembramos que na África Eshu era o Elo entre Orun (Espaço-
além/Espírito sem corpos/Reino Virginal/consciente) e o Aiyê (Terra/Espírito com
corpos/Reino Natural/inconsciente) , ou seja, é através da atuação de Eshu que temos a
oportunidade de amplificarmos nossas mentes e de relembrarmos de nossa condição de
Puro Espírito (Essência).
Como Enugbarijó ou aquele que fala pelos Orixás, pois foi Eshu que concretizou o
Poder dos Orixás, ou seja, o Verbo Divino que vem realizar o processo de ideação dos
Orixás.
A própria Via Láctea, que é uma galáxia em forma de espiral, assim como o Okotô
(caracol que sai de um ponto e vai se abrindo) demonstra o aspecto de transformação em
constante evolução de Eshu,porque nada no Universo está parado e Eshu é o Um que se
abre ao infinito.
Por ser o responsável pela planetogênese (início do Planeta Terra) Eshu é chamado de
Asiwajú, aquele que vem a frente conduzindo, organizando, executando, o Poder Espiritual,
e é por este motivo que Eshu é considerado o Primeiro Guardião da Magia e Executor da
Justiça Kármica.
52
Como tradutor dos Poderes dos Orixás, Eshu manipula estas forças através de ciclos e
ritmos atuando nas energias eletro magnéticas (atração e repulsão), ou seja, agregação e
desagregação da matéria.
Esta mesma matéria direcionada e organizada em corpos para que os Seres Espirituais
decaídos pudessem se manifestar mostra o aspecto Yangi (Protoforma) de Eshu.
Surge então a Roda da Vida ou a Encruzilhada de Eshu, origem de toda Energia-
massa que Eshu manipula. Esta Roda da Vida é formada pelos quatro elementos da
natureza: ar, fogo água e terra, pois a encruzilhada são os cruzamentos destas forças, destas
vibrações que Eshu transforma e onde se faz a Justiça e a Magia de agregação e
desagregação de energias.
Por manter a tensão de entrada e saída destas forças, Eshu mantém a coesão do
Planeta mantendo a estabilidade planetária. Por manipular essas energias e as suas
condensações, Eshu é chamado o Senhor dos Entrecruzamentos Vibratórios.
Eshu está diretamente ligado a da manutenção e coordenação dos processos coesivos
(agregação) e dissipativos (desagregação) das energias e de nascimento e morte. É na Roda
da Encruzilhada onde se equilibram as ações e reações entre estas energias.
Por ser o Senhor dos Limites Eshu limita o que é Espírito (Reino Virginal) do que é
matéria (Reino Natural), o Sagrado do profano .
Também limita organizando nosso Karma, pois o Planeta Terra é o planeta da ação e
reação. Um mal executado faz acionar o choque de retorno, advindo o “mal” e um
benefício, atrai outro benefício.
Entenda-se mal como algo passageiro, pois o mesmo não está afeto ao Espírito em
“estado” essencial, ou seja, isento de corpo, sendo que só o bem é eterno.
É a famosa Lei da Ação e Reação e é Eshu que executa esta Lei, por ser o Agente da
Justiça Kármica e Senhor dos Limites por determinar como serão limitadas as reações bem
como enviá-las. É por isto que Eshu está acima dos conceitos do bem e do mal, afeto
apenas ao conceito de Justiça.
Por ser o Senhor das Energias, também é chamado de Senhor das Trevas, pois, se
associarmos os Orixás como Senhores da Luz (Espírito) Eshu é o Senhor das Trevas, pois a
mesma está associada a tudo o que é relativo à matéria ou energia-massa.
53
Eshu nada mais é do que o elo entre a Divindade e a humanidade, porque o Princípio
Espiritual (Orixás) se manifesta no Princípio Material (energia-massa) através de Eshu por
meio do Ashé que Ele transporta.
54
Capítulo IV:
Eshu O Guardião da Vida e do Destino: Funções e Atuações nos Terreiros de Umbanda
Para F. Rivas Neto o Macro se manifesta no Micro. Neste capítulo será demonstrado
que o poder de Eshu “O Orixá Telúrico” (Macro) se manifesta no Eshu “Guardião da Vida
e do Destino” (Micro), quando Este vem aos Terreiros, Templos e Choupanas
Umbandistas, atender a todos os que O procuram.
O Orixá como “Ser” Estruturante do Universo estendeu aos Eshus a responsabilidade
de concretizar suas ideações. Ou seja, temos a mente que pensa (Orixás) e o corpo que
realiza (Eshu).
Será dada continuidade sobre o pensamento de Matta e Silva e F. Rivas Neto sobre
Eshu, explicando que o mesmo está muito distante do atributo que, insistentemente tentam
dar como o Diabo católico.
Por ser um “lócus” isento da presença de matéria, não existe Eshu no Reino Virginal.
Mas obedecendo a mesma Lei que instituiu a Hierarquia Divina para os Orixás no Reino
Natural (presença de energia-massa) os Eshus também possuem a sua Hierarquia.
A Umbanda sob a ótica de Matta e Siva e F. Rivas Neto, por meio de suas obras
preconiza que, existem Sete Orixás, também conhecidos sobre o adágio de As Sete Linhas
da Umbanda, que são: Oxalá, Oxossi, Ogum, Xangô, Yori (Ibeji), Yorimá (Obaluaiyê) e
Yemanjá.
E cada um destes Orixás possui seus Eshus respectivos. E como estes Sete Orixás
formam a Coroa Divina, os Sete Eshus correspondentes formam o que conhecemos como a
Coroa de Defesa Planetária.
Na obra “Eshu o Grande Arcano” F. Rivas Neto explica todo o processo Hierárquico
dos Eshus Guardiões.
Esta Coroa de Defesa Planetária, formada pelos Eshus Indiferenciados tem suas
vibrações (forças) expressas através da Coroa da Encruzilhada, formada pelos Sete Eshus
Cabeças de Legião.
Cada Eshu corresponde a um Orixá:
Orixá Oxalá - Eshu Senhor Sete Encruzilhadas;
Orixá Ogum – Eshu Senhor Tranca-Ruas;
Orixá Oxossi – Eshu Senhor Marabô;
55
Orixá Xangô – Eshu Senhor Gira Mundo;
Orixá Yori – Eshu Senhor Tiriri;
Orixá Yorimá – Eshu Senhor Pinga Fogo;
Orixá Yemanjá – Eshu Senhora Pomba Gira.
56
Estas são algumas das funções exercidas pelos Eshus as quais podemos considerar
como “invisíveis”, pois estão afetas ao Plano Astral (plano dos desencarnados/intangível).
No plano visível, onde os homens se encontram, estas Entidades atuam através do
fenômeno da mediunidade, quando incorporados em seus médiuns para poderem, durante os
ritos ou giras de caridade, atender a comunidade a qual procura os Terreiros em busca de
auxílio.
“Segundo o prof. F.Rivas Neto existem quatro tipos de problemas que fazem com que
as pessoas procurem os terreiros de Umbanda:
- Problemas de ordem financeira (desemprego);
- Problemas de ordem afetiva (falta de amor);
- Problemas de saúde (doenças do corpo);
- Problemas de ordem espiritual (doenças do espírito).”
57
(padrões pré-estabelecidos) de uma sociedade calcada nas desigualdades espirituais,
culturais, sociais, políticas e econômicas.
Por meio do egoísmo vivemos em um mundo onde pouquíssimos ganham milhares e
milhões estão abandonados à própria sorte. Muitos são aqueles que vivem à margem da
sociedade ou até mesmo fora desta margem. Pois as classes dominantes insistem em manter
este Status Quo (o que está estabelecido).
Os Eshus mostram a sociedade, que todos têm o direito de possuir uma vida digna,
onde as diferenças são respeitadas e as desigualdades são exterminadas.
Como estas atitudes são contrárias a elite dominante, Eshu acaba por andar na contra
mão desta mesma sociedade que deseja manter estas desigualdades por ser eugênica, elitista
e de poucos privilegiados.
Por subverter a ordem e transgredir as “leis” dos homens Eshu é visto como o “diabo”
o inimigo número um das classes dominantes, pois Eshu vem justamente entregar a grande
massa de excluídos e marginalizados o que a própria sociedade os nega.
Eshu é contra as castas, as mazelas e doenças de ordem cultural, social, política e
econômica. Ao oferecer os meios “mágicos” para se melhorar a sorte e proporcionar uma
mudança de vida Eshu mostra a todos que não devemos nos conformar com a miséria.
Por agregar todos estes aspectos, Eshu mais uma vez reforça o seu atributo de
“transgressor”, pois Eshu subverte a ordem social vigente por mostrar ao mundo que todos
têm força e poder para mudar suas vidas.
58
CONCLUSÃO:
59
BIBLIOGRAFIA:
60
TRINDADE, Liana Sálvia. Exu símbolo e função, vol.2, 19a edição. São Paulo,
FFLCH/USP, 1985.
VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos Orixás e Voduns. São Paulo, Edusp, 2000.
AUTORES UMBANDISTAS
INTERNET
www.catolicismo.com.Br
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/leis-de-newton/primeira-lei-de-newton-2.php
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