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A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA

Aline da Silva Santos*


Jan Carlos Dias de Santana**

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo mostrar as etapas da pesquisa sociolinguística,
seguindo as diretrizes teórico-metodológicas propostas por William Labov no ano de 1972.

Palavras-chave: pesquisa sociolinguística; análise quantitativa; LABOV.

RESUMEN: Este trabajo tiene el objetivo de mostrar las etapas de la investigación


sociolingüística, siguiendo las ideas teórico-metodológicas propuestas por William Labov en el
año de 1972.

Palabras-clave: investigación sociolingüística, análisis cuantitativa, LABOV.

INTRODUÇÃO

Os estudos sociolinguísticos tratam da relação entre língua e sociedade, mostrando que a


linguagem tem um funcionamento dinâmico, ou seja, possui um sistema que articula o
comportamento linguístico e o social. Dessa forma, as diferenças no uso das variantes
linguísticas correspondem às diversidades dos grupos sociais. Por conta disso, devemos romper
com uma velha tendência, “a de tratar as línguas como sendo completamente uniformes,
homogêneas ou monolíticas em sua estrutura.” (BRIGHT, 1974, p. 18)
A partir do pressuposto que a língua é um veículo para se transmitir informações e
estabelecer/manter contatos sociais, “qualquer pessoa fala de modo diferente a pessoas diferentes
e em diferentes situações, ainda que o conteúdo do que diz até aconteça ser o mesmo.”
(STREVENS, 1965, p. 84 apud MARQUES, 1995, p. 128). Assim, entendemos que o “repertório
verbal” de um indivíduo (como também de uma comunidade) é um conjunto de variantes
linguísticas.

*
Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e bolsista de
Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo projeto de
pesquisa ‘A Língua Portuguesa no Semiárido Baiano’, sob orientação da Profa. Dra. Norma Lucia Fernandes de
Almeida.
**
Graduando do curso de Letras com Língua Espanhola da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e
bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo projeto de
pesquisa ‘A Língua Portuguesa no Semiárido Baiano’, sob orientação da Profa. Dra. Eliana Pitombo Teixeira.

1
Tendo em vista a heterogeneidade dos fenômenos linguísticos, William Labov, precursor
dos estudos variacionistas, propôs um modelo de análise linguística que considera a influência
dos fatores sociais atuantes na língua e que ficou conhecido como teoria da variação linguística.

1 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA: PASSO A PASSO

1.1 O que é...

O objetivo da pesquisa sociolinguística laboviana é analisar a diversidade linguística,


sistematizando os fatores que influenciam nessa diversidade. Por isso, com base na teoria da
relação entre língua e sociedade, utilizam-se entrevistas para coletar os dados de pesquisa.
Em toda comunidade de fala são frequentes as formas linguísticas em variação. A essas
formas dá-se o nome de ‘variantes’ que, segundo Tarallo (1997), são diversas maneiras de se
dizer a mesma coisa, num determinado contexto, como o mesmo valor de verdade e a um
conjunto de variantes dá-se o nome de ‘variável linguística’.
Exemplificando, no português brasileiro, encontra-se em estado de variação a marcação
de plural no sintagma verbal, então, um exemplo de variável linguística é a marcação do plural
no SV. A essa variável correspondem duas variantes linguísticas:

variante 1: marca explícita do plural ex: elas foram

variante 2: marca não-explícita do plural1 ex: elas foi0

As variantes de uma comunidade de fala estão sempre em relação de concorrência:


padrão vs. não-padrão; conservadoras vs. inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas. Assim, a
variante considerada padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e que tem prestígio na
comunidade. As variantes inovadoras são, quase sempre, não-padrão e estigmatizadas.
O material básico para a análise sociolinguística é a língua falada, pois é através dos
registros fônicos de indivíduos constituintes de uma determinada comunidade que se investigam
os fatores linguísticos em variação. Para Labov, a língua falada é o vernáculo 3: a enunciação e
expressão de fatos, proposições e de ideias. Trata-se, portanto, dos momentos em que o mínimo
de atenção é prestado à língua, ou seja, o informante não se atenta ao como se fala, preocupando-
se somente com o que se fala. Neste sentido, a língua falada sai de maneira mais natural.

1.2 Como se faz...

1
Para indicar a ausência do segmento fônico em uma variante coloca-se o zero fonético – 0.
3
O dicionário Aurélio (2001), diz que vernáculo é o idioma de um país ou uma linguagem pura, sem estrangeirismo.

2
Para a realização de um trabalho de pesquisa, o primeiro passo é a escolha do tema de
estudo. A pessoa que quer fazer um estudo sociolinguístico tem que delimitar o que vai
pesquisar. Fernando Tarallo (1997) diz que o pesquisador-sociolinguista tem que primeiro
detalhar o seu objeto de estudo, ler alguns trabalhos já realizados para saber o perfil das
variantes, em que ambiente ocorre a variação e os possíveis condicionadores linguísticos.
Feita a escolha do objeto de estudo, o pesquisador precisa, ainda, responder algumas
questões que guiarão o trabalho empírico para que não ocorram problemas em alguma fase
posterior, como por exemplo:

(i) Qual o tipo de comunidade de fala?


(ii) Quais as características dessa comunidade?
(iii) Quantos informantes serão necessários para a constituição da amostra?
(iv)Como organizar os informantes?
(v) Como entrar em contato com os informantes?

Estas e outras perguntas serão necessárias para que se organize o esboço da pesquisa e as
entrevistas sejam gravadas. Então, como ir a campo para coletar o vernáculo? Primeiro,
organizar os informantes a partir de grupos de fatores externos (nível socioeconômico,
sexo/gênero, faixa etária, escolaridade, localidade, etc.); segundo, informar-se, previamente,
sobre a comunidade, estudando a sua formação, costumes, comportamento, enfim, a história do
local; terceiro, tentar minimizar o efeito negativo da presença do próprio pesquisador e do
gravador na hora da coleta dos dados, buscando criar situações naturais de comunicação
linguística. Esse é um problema que Labov chama de paradoxo do observador, pois o que se
pretende é registrar como as pessoas falam espontaneamente quando não estão sendo observadas
por um entrevistador, contudo, a presença deste pode afetar o estilo de fala do entrevistado. Tal
efeito pode ser solucionado através de algumas orientações metodológicas sugeridas por Labov
que incluem: evitar a palavra “língua”; formular um roteiro de perguntas e, em momentos
estratégicos, levar o informante a relatar experiências vividas. Por isso, assinala Tarallo, que

A narrativa de experiência pessoal é a mina de ouro que o pesquisador-


sociolingüística procura. Ao narrar suas experiências pessoais mais envolventes,
ao colocá-las no gênero narrativa, o informantes desvencilha-se praticamente de
qualquer preocupação com a forma. (ibidem, p. 23)

Seguindo este modelo de entrevista laboviana e já dispondo de registros fônicos gravados,


o próximo passo é transcrever tudo o que foi gravado da maneira mais fiel possível. Depois, tem-

3
se que fazer o levantamento dos dados. Esta etapa consiste em procurar e destacar nas
transcrições feitas o objeto de estudo em questão. Devem-se observar as palavras isoladas ou
frases no contexto (na ambiência) em que as variantes aparecerem para verificar quais os fatores
condicionadores da variação. Cada fator é constituído por subfatores. Para cada subfator deve-se
atribuir um valor representado por letra ou número (processo chamado de codificação) e isso
facilitará na quantificação dos dados.
Na etapa da codificação dos dados, será feita uma seleção dos fatores que podem
influenciar na ocorrência das variantes. Tais fatores podem estar ligados a contextos linguísticos
ou não, como faixa etária, gênero, escolaridade, nível socioeconômico do falante, e serão
associadas a símbolos (letra, número, etc.) para serem submetidos a uma análise quantitativa. O
tratamento estatístico nas pesquisas sociolinguísticas serve para verificar com que frequência
cada fator pode interferir nas escolhas feitas pelos falantes, porque se leva em consideração o
resultado dos cálculos do uso das variantes e o peso relativo de cada um. Esta quantificação das
ocorrências de cada variante é que faz com que a linha de pesquisa também seja conhecida como
Sociolinguística Quantitativa. Conforme Naro (2003, p. 16), “o problema central que se coloca
para a Teoria da Variação é a avaliação do quantum com que cada categoria postulada contribui
para a realização de uma ou de outra variante das formas em competição”. Para tanto, há
programas computacionais, como o VARBRUL 2S e GoldVarb 2001, que fornecem suporte
estatístico, gerando frequências absolutas e relativas de ocorrência de cada grupo de fatores.
A interpretação dos resultados é a última fase da pesquisa, quando o investigador já tem em
mãos as informações necessárias, os seus dados quantificados. É importante salientar que o
programa computacional seleciona os grupos de fatores mais significativos, eliminando os
demais, portanto, de acordo com a estatística dos dados, a análise permitirá perceber quais são os
grupos de fatores verdadeiramente responsáveis pela realização da variação linguística e que
alguns fatores não demonstram qualquer efetividade na aplicação da regra variável. Então, nesta
etapa, faz-se a análise dos fatores linguísticos e extralinguísticos a partir do número de
ocorrências da realização e não-realização do fenômeno estudado.
Para concluir a pesquisa, escreve-se um texto relatando todo o processo empírico e o
resultado encontrado em relação à variação estudada. É importante salientar que no final da
análise os resultados obtidos podem confirmar algumas hipóteses levantadas em relação ao
fenômeno linguístico selecionado no início do trabalho, enquanto que outras hipóteses podem
não se aplicar no seu corpus, surgindo também hipóteses novas. Nesta etapa, pode-se comparar o
resultado da sua pesquisa com de outros autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A proposta teórico-metodológica de Labov busca verificar as variações que ocorrem na
língua, sendo que o principal objetivo é analisar e descrever variantes usadas em uma
comunidade de fala. Segundo este pesquisador, a língua é um sistema dinâmico porque está
condicionada a fatores internos (estrutura da língua) e externos (social). Dessa forma, é
fundamental avaliar a importância de cada um destes fatores condicionantes, visto que “o
pressuposto básico do estudo da variação no uso da língua é o de que a heterogeneidade
linguística [...] não é aleatória, mas regulada, governada por um conjunto de regras.” (MOLLICA
& BRAGA, 2003, p. 15). Em geral, estes são os aspectos teórico-metodológicos de uma pesquisa
sociolinguística construídos a partir dos pressupostos labovianos.

REFERÊNCIAS

BRIGHT, William. As dimensões da Sociolingüística. Trad. de Elizabeth Neffa Araújo Jorge. In:
FONSECA, Maria Stella Vieira da; NEVES, Moema Facure (orgs). Sociolingüística. Rio de
Janeiro, Eldorado, 1974. p. 17-23.

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Trad. de Marcos Marcionilo.


São Paulo: Parábola, 2002.

FISHMAN, Joshua. Sociología del lenguaje. Trad. De Ramón Sarmiento y Juan Carlos Moreno.
Madrid: Cátedra, 1995.

GOMES, Henriette Ferreira; LOSE, Alícia Duhá. Documentos científicos: orientações para
elaboração e apresentação de trabalhos acadêmicos. Salvador: Edições São Bento, 2007.

LABOV, William. Modelos sociolingüísticos. Trad. José Miguel Marinas Herreras. Madrid:
Cátedra, 1983.

_________. The desing of a sociolinguistic research project. Mysore, India: Central Institute
of Indiam Languages. May – June, 1972.

MARQUES, Maria Emília Ricardo. Sociolingüistica. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza. Introdução à Sociolingüística: o tratamento


da variação. São Paulo: Contexto, 2003.

MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. Metodología Sociolingüística. Madrid: Gredos, 1990.

NARO, Anthony Julius. Modelos quantitativos e tratamentos estatísticos. In: MOLLICA, Maria
Cecília; BRAGA, Maria Luiza (orgs.). Introdução à Sociolingüística: o tratamento da variação.
São Paulo: Contexto, 2003. p. 15-25.

5
SCHLIEBEN-LANGE, Brigitte. Iniciación a la Sociolingüística. Trad. de José Rubio Sáez.
Madrid: Gredos, 1977.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. 5 ed. São Paulo: Ática, 1997.

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