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ABSTRACT: This work demonstrates the utility of the history of criminal law as analysis
tool of critical criminology. For critical observation of the current punitive system, such na
instrument shown extremely valuable, by enabling a denaturalization of criminal concepts
and punitive realities. For this purpose, it points up the two most important historical
studies to criminology, Punishment and social structure and Discipline and punish. From
the clarification of these studies, it demonstrates how the critical historiography can serve
for the reasoning of knowledge criminological. Through critical to these surveys, bases are
1
Doutorando e Mestre em Direito Penal pela UFPE. Professor de Direito Penal e Criminologia no Centro
Universitário CESMAC e em cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito em Maceió (AL). Membro da
Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e Coordenador estadual do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM) em Alagoas. E-mail: hugoleosantos@yahoo.com.br.
indicated for a history modelo of criminal law that overcomes the mechanism of vulgar
marxismo – with an over-emphasis merely on economic aspects of historical analysis –, as
well as the excessive abstraction of politicization – dissociated of cultural elements –,
considering the importance of historicizing the criminal speeches, and its consequent
punitive practices.
KEYWORDS: HISTORY, CRITICAL CRIMINOLOGY, CRIMINAL LAW.
1. INTRODUÇÃO
2
Para citar alguns: (SANTOS, 2006) (GARLAND, 1993) (MENEGAT, 2012).
criminologia crítica. Ao mesmo tempo, teceremos algumas críticas a esses estudos –
partindo da premissa de que não devem existir textos sacralizados, e acreditando que
seria possível contribuir cientificamente para a criminologia, problematizando esses
estudos clássicos. Fazemos isso, com a intenção de esclarecer a existência da
necessidade de complementar algumas das lacunas existentes nos estudos históricos de
direito penal.
Iniciando pelo estudo de Rusche e Kirchheimer, pode-se afirmar que ele é, por
certo, o maior exemplo de análise histórica marxista, no campo dos estudos criminais.
Sobre o tema, sabe-se que o marxismo desenvolveu ferramentas conceituais
extremamente úteis para o entendimento da sociedade, impactando em definitivo o
desenvolvimento das ciências humanas. Entretanto, especificamente no que diz respeito
ao delito, nem Karl Marx, nem tampouco Friedrich Engels, ocuparam-se diretamente da
análise de institutos penais (GARLAND, 1993, p. 84). Por isso, cumpre afirmar que não
existe uma teoria criminológica, a partir de textos do próprio Karl Marx, mas sim da
contribuição de neomarxistas, autores que criaram um saber criminológico, a partir da
aplicação dos conceitos marxistas à questão criminal. Assim, Rusche e Kirchheimer são
legítimos representantes desse grupo de estudiosos, preocupados em estender as
categorias da teoria marxista para a compreensão do sistema punitivo.
Por isso, quando o labor nas prisões passou a deixar de oferecer retorno
lucrativo, o trabalho prisional foi encarado como um método de tortura, sem nenhuma
utilidade econômica, servindo tão-somente como exercício degradante. Alguns dos
exemplos de suplícios inúteis, indicados no trabalho de Rusche e Kirchheimer, são: a
obrigação de carregar pedras de um canto para outro, e depois trazê-las para o local de
início; o trabalho de mover moinhos com os pés, que moíam nada ou apenas grãos, ou
por vezes bombeavam água; e ainda, cavar poços, nos sítios onde a água retornava para
a fonte (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 159).
Outros temas também foram trabalhados minuciosamente no texto, e a análise
histórica se estende até o século XX, sempre como um supedâneo da hipótese central, já
frisada, de que o modo econômico de produção determina o sistema punitivo. Entre os
tópicos principais, poderíamos elencar a análise das implicações econômicas da
imposição das penas de multa, o contexto sociopolítico para o fim da punição de degredo,
entre outros. De todo modo, com essa explicação breve, já se tem uma ideia da
exposição histórica empreendida pelos autores, e de como o paradigma marxista foi
utilizado no trabalho. Poderíamos encerrar a referência a essa pesquisa, lembrando que a
sua tese, resumida em poucas palavras, é a de que “os sistemas punitivos concretos
estão subordinados às formas de produção concretas” (ANITUA, 2008, p. 620).
Por último, a obra cuida da prisão, e é nesse ponto que se destaca sua
originalidade para a criminologia crítica. Isso, porque Foucault advoga que existiria uma
funcionalidade invertida, na aplicação da pena de prisão, e por isso não se pode dizer,
com vistas às suas funções, que a prisão é um fracasso total, mas sim que ela atinge
finalidades outras, que não estão explícitas no discurso penal oficial. Ou seja, se por um
lado, a prisão não garante a intimidação e prevenção da criminalidade, por outro lado,
configura-se como tecnologia de poder, assegurando o disciplinamento e a produção de
corpos dóceis (GARLAND, 1993, p. 148). Como afirmou Alessandro Baratta, Foucault
defende que o sistema punitivo teria uma função direta e indireta, sendo que esta última é
a de “golpear uma ilegalidade visível para encobrir uma oculta; a função direta é a de
alimentar uma zona de marginalizados criminais, inseridos em um verdadeiro e próprio
mecanismo econômico (...) e político” (BARATTA, 2002, p. 190).
Contudo, Luis Ferla destaca que as ressalvas à ideia de que teria havido um
disciplinamento social não retiram a importância da obra de Michel Foucault,
considerando que, se por um lado, pelo fato de não se aplicar o modelo de sociedade
disciplinar à nossa realidade, seria possível chegar à conclusão de que as pesquisas do
pensador francês não são essenciais para a compreensão do contexto social brasileiro,
de outro lado não se pode ignorar que suas lições ainda são bastante úteis para a
explicação do discurso do período, particularmente o dos médicos da escola positiva
(FERLA, 2009, p. 40). Concordamos com essa posição, pois acreditamos que é inegável
a utilidade da teoria de Michel Foucault para o desvelamento do discurso penal, mesmo
que algumas de suas afirmações históricas sobre a sociedade disciplinar possam ser
questionadas, quando confrontadas com o passado brasileiro. Isso, porque o
disciplinamento da nossa sociedade, a partir do gerenciamento da população e do
biopoder (FOUCAULT, 2014, p. 145-157), foi realizado por meio da construção de um
saber criminal específico, que serviu para justificar as medidas de segregação e
higienização, de caráter punitivo. Sobre o tema, Manuela Abath Valença afirmou que “se a
prática das instituições não se assemelha ao panoptismo, os saberes o farão. A
criminologia tradicional – construída, sobretudo, a partir do saber médico – conformará os
tipos sociais perigosos, esclarecendo quem são eles” (VALENÇA, 2014, p. 99-100). Por
isso, parece-nos ser de todo necessária a obra de Michel Foucault, para a compreensão
do papel do saber criminal para o exercício das práticas punitivas, a partir dos seus
discursos específicos, no passado brasileiro.
Continuando com as ponderações de ordem histórica, a historiadora Michelle
Perrot afirmou ainda que as descrições do funcionamento das prisões francesas no
século XIX não correspondem àquilo que de fato ocorria nos cárceres franceses, e essa
disparidade talvez se explique pelo fato de Foucault ter se utilizado preferencialmente de
fontes prescritivas (textos jurídicos e regulamentos), ao invés de fontes históricas mais
seguras. Longe de refletir a estruturação de uma prisão disciplinadora e higienizada, o
que se via nas instituições era um sinistro espetáculo, com as mesmas mazelas que eram
bastante comuns às masmorras medievais (PERROT, 1980, p. 59). Foucault não
comprovou a alegação de que teriam ocorrido certas estratégias políticas, utilizadas para
fomentar a criminalização de certos grupos sociais (GARLAND, 1993, p. 160). Também
não explica porque, mesmo após os pensadores iluministas terem difundido suas ideias
reformistas, aconteceram retrocessos legislativos, com o recrudescimento das punições –
como ocorreu com a edição do código penal de 1810, que restabeleceu suplícios
públicos, amputação do punho, entre outras penas cruéis –, o que restou sem explicação
suficiente em Vigiar e punir (OLIVEIRA, 2011, p. 316).
O mais grave, parece-nos, é que toda a sua genealogia da prisão parte de uma
visão excessivamente abstrata do poder. Como se todas as determinantes do poder
punitivo estivessem enraizadas na dimensão política, não importando para a análise
histórica os fatores sociais e jurídicos. No mais, o aspecto político é estranhamente
despolitizado – apresentando uma estrutura oca –, porque baseada em seres humanos
reificados. Uma análise realista do poder não pode isolar os fatores políticos dos sociais,
não pode descuidar-se da compreensão do papel dos agentes do poder punitivo
(GARLAND, 1993, p. 168-171). Nesse sentido, suas observações sobre as tecnologias de
poder funcionam bem melhor como uma hipótese, que como uma teoria geral
(GARLAND, 1993, p. 163).
Rebatendo essas críticas, Michel Foucault lembrou que muitos historiadores não
teriam compreendido bem Vigiar e punir. Tal obra, na verdade, não seria um estudo
histórico sobre a prisão, mas sim, sobre as técnicas de disciplinamento. Por isso, não
seria uma pesquisa histórica acerca um período específico – nos moldes de uma
historiografia tradicional –, longe disso, trata-se de uma análise de um problema
específico (FOUCAULT, 1980, p. 32). Ainda segundo o autor, muito mais útil do que a
discussão estéril sobre se seria ou não o texto um exemplar de estudo histórico, é
questionar sobre a modalidade de pesquisa que foi empreendida. Com esse argumento,
defende que não se poderia esperar que o texto trouxesse respostas para inquietações
que não se encontram no seu campo de análise (FOUCAULT, 1980, p. 32 e 38).
Encerrando esse debate, podemos afirmar conclusivamente que Vigiar e punir é, sem
sombra de dúvidas, uma pesquisa histórica, ainda que repleta de peculiaridades, optando
por um modelo conceitualizante, bem próprio do que se conhece como sociologia
histórica.
4. CONCLUSÕES
Ao fim, fica claro que ambos os estudos, Punição e estrutura social e Vigiar e
punir são exemplos notórios de como a história do direito penal pode ser útil à
criminologia crítica. Mas, ambos os estudos pecam ao incorrerem em equívocos
históricos, alguns dos quais já indicados acima. Nesse sentido, afastam-se de uma
pesquisa histórica tradicional – com base empírica verificável – optando por priorizar a
elaboração de hipóteses teóricas, de forma ensaística, sem uma preocupação suficiente
com a constatação dessas categorias nas fontes históricas. No mais, esses estudos foram
elaborados para a compreensão da racionalidade penal da modernidade, e por isso são
limitados, caso se deseje uma análise mais acurada das práticas punitivas do sistema
punitivo atual (ANDRADE, 2003, p. 197). Hoje, não existe mais a ambição estrutural de
cumprir com a superada função mítica de ressocialização, sendo certo que a prisão nem
mesmo possui funções declaradas, servindo tão-somente como uma técnica de poder
para a exclusão e marginalização do condenado.
Ainda mais grave, não obstante toda a sua importância, os dois estudos
fundamentam-se em visões parciais do sistema punitivo. O primeiro trabalho, preocupou-
se demasiadamente com os aspectos econômicos, e o segundo, com os políticos, sendo
que ambos acabaram negligenciando os demais fatores, os quais também são
determinantes na questão punitiva – sobretudo os aspectos culturais, sobretudo aqueles
correspondentes ao discurso do direito criminal. Sabe-se que os fenômenos sociais são
complexos, motivo pelo qual constitui-se como um trabalho de Sísifo tentar separar o
âmbito social do político, ou do econômico; parece-nos que todos esses aspectos estão
intrinsecamente relacionados, e essa é uma premissa que a pesquisa histórica deve
assumir, se não quiser formular conclusões afastadas da realidade.
REFERÊNCIAS
KOERNER, Andrei. Punição, disciplina e pensamento penal no Brasil do século XIX. Lua
nova, n. 68. São Paulo: CEDEC, 2006.
VEYNE, Paul. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2011.