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Título: Contos
Autor: Anton Tchékhov
Tradução (do russo): Nina Guerra e Filipe Guerra
Prefácio de Vladimir Nabokov
Capa: Fernando Mateus sobre foto do autor
Contos
Volume 1
Clássicos
Prefácio
estou velho para cocl;leiro . . . Isso era para o meu rapaz , já não é
para mim . . . Esse é que era um cocheiro . . . Se fosse vivo . . .
lona fica um pedaço calado, depois continua:
- É assim a vida, eguazinha amiga . . . Já cá não está o Kuzmá
Iónitch . . . Entregou a alma ao Criador. . . De repente, sem mais
nem menos , apagou-se . . . É assim: digamos que tu tens um potri
nho, que és a mãe do potrinho . . . E de repente , é um supor, o teu
potrinho entrega a alma ao Criador. . . Grande pena, não era?
A égua mastiga, ouve e respira para as mãos do dono.
lona não tem mão em si e conta-lhe tudo . . .
BRINCADEIRA
- Amo-a, Nádenka !
Quando o trenó pára, Nádenka passa o olhar pelo monte que
acabáramos de descer, depois perscruta a minha cara demorada
mente , escuta a minha voz indiferente e impassível , e toda ela,
todinha, até ao regalo e ao capucho dela, toda a figura dela ex
primem uma perplexidade extrema. Está-lhe escrito na cara:
«Ü que se passa aqui? Quem disse aquilo? Foi mesmo ele, ou
pareceu-me?»
Esta incerteza desassossega-a, faz-lhe perder a paciência.
A pobre nem responde às perguntas , carrega o sobrolho , está
prestes a chorar.
- Não quer ir para casa? - pergunto-lhe .
- Eu . . . eu gosto de escorregar no trenó - diz ela corando .
- E se fôssemos mais uma vez?
«Gosta» de escorregar mas , ao sentar-se no trenó , está como
das outras vezes , pálida, quase não respira de medo , treme .
Descemos pela terceira vez , e vejo como ela me olha na cara,
me segue o movimento dos lábios . Mas eu aperto um lenço con
tra os lábios , tusso e, chegados a meio do monte , consigo pro
nunciar:
- Amo-a, Nádia !
E o enigma continua enigma ! Nádenka está calada, pensa . . .
Acompanho-a a casa, ela tenta ir mais devagar, abranda o pas
so , sempre à espera que eu diga aquelas palavras . E vejo como
a alma dela sofre , que esforço faz para não dizer:
«Não é possível que tenha sido o vento ! Também não quero
que tenha sido o vento ! »
No dia seguinte , de manhã, recebo u m bilhete: «Se fo r hoje
ao monte de gelo , venha buscar-me. N.» Desde então vou todos
os dias com Nádenka ao monte de gelo e, ao voarmos a pique
no trenó, pronuncio sempre a meia voz as mesmas palavras:
- Amo-a, Nádia !
Nádenka depressa criou o hábito desta frase , como s e cria o
hábito do vinho ou da morfina. Não pode viver sem ela. É ver
dade que escorregar pelo monte de gelo continua a meter-lhe
32 Anton Tchékhov
2 Tulup - peliça comprida, com o pêlo para dentro e sem forro de pano por fo
ra. (N. T.)
36 Anton Tchékhov
receb er, meu anjinho? De que vou falar contigo , eu , uma parva
inculta? Não o vejo há quinze anos ! Andriúchenka - dirigiu-
42 Anton Tchékhov
revirando o seu bico obtuso; mas agora não estava para traqui
nices . Batia-me o coração , gelava-me o estômago; preparava
-me para ver um homem de dragonas , de sabre desembainhado
e olhos terríveis !
Imaginem a minha desilusão ! Ao lado da minha mãe passea
va pelo jardim um homem pequeno e delgadinho , um janota de
fato branco de seda e boné também branco . As mãos metidas
nos bolsos , a cabeça empinada para trás , sempre a querer tomar
a dianteira à mãezinha a cada passo que davam, o homem pare
cia um perfeito jovem . Havia tanto movimento e tanta vida em
toda a sua figura que eu só pude notar-lhe a velhice traiçoeira
quando me aproximei mais, por trás , e lhe olhei para a orla do
boné , onde brilhava a prata do cabelo curto . Em vez da impo
nência e do gesto vagaroso de um general , o que eu via era qua
se o jeito saltitante e buliçoso de um garoto; em vez da gola en
fiada sob as orelhas , uma gravata normal azul-clara. A mãezinha
e o tio passeavam pela alameda e conversavam. Fui-me ache
gando devagarinho , sempre por trás , e esperei até que um deles
virasse a cabeça para mim .
- Que maravilha isto aqui , Klávdia ! - dizia o tio . - Que
bonito , tudo tão bom ! Se eu soubesse que tinhas aqui esta ma
ravilha, por nada deste mundo tinha ido alguma vez para o es
trangeiro .
O tio dobrou-se rapidamente e cheirou uma tulipa. Tudo em
que punha a vista lhe dava enlevo e curiosidade , como se nun
ca tivesse visto um jardim nem um dia de sol . Parecia movido a
molas , o esquisito do homem, palrava sem parar e não deixava
que a minha mãe metesse a mínima palavrinha. De repente , na
viragem da alameda, surgiu de trás de um sabugueiro o Pobe
dímski . Surgiu tão inesperadamente que o tio estremeceu e deu
um passo atrás . Para a ocasião , o meu preceptor ostentava a sua
capa de gala com rameira e mangas , que muito o assemelhava,
especialmente de costas , a um moinho de vento . Tinha um ar
majestoso e solene . Apertando o chapéu contra o peito , à espa
nhola, deu um passo na direcção do tio e fez-lhe uma vénia co-
O Conselheiro Privado 47
- Se não for hoje é amanhã, mas vai ceder! Para que espe
rar? Minha querida, minha adorada Sónia, a sentença foi pro
nunciada, para que adiar a execução? Para que enganar-se a si
mesma?
Sófia Petrovna arrancou dele a mão e esgueirou-se pela porta.
Voltou à sala de estar, fechou maquinalmente o piano , ficou mui
to tempo com o olhar fixo na clave do emblema e sentou-se.
Sentia-se incapaz de ficar de pé e de pensar . . . A excitação e a au
dácia anteriores deram lugar a uma fraqueza terrível , junta a um
tédio , uma moleza . . . Portara-se mal , sussurrava-lhe a consciên
cia, tivera o estúpido comportamento de uma rapariguinha des
vairada, acabara de ser abraçada no terraço e ainda sentia na cin
ta e na cova do cotovelo aquela impressão. Ninguém na sala de
estar, apenas ardia uma vela. Lubiántseva estava sentada no ban
co redondo do piano , sem se mexer, como que à espera de algu
ma coisa. E um desejo pesado , insuperável , como que aprovei
tando-se da sua prostração extrema e da escuridão , começou a
apoderar-se dela. Como uma jibóia, apertava-lhe os membros e
a alma, crescia a cada segundo e já não só ameaçava, como an
tes , mas apresentava-se diante dela nítido , em toda a sua nudez.
Ficou meia hora sentada, imóvel , sem se impedir de pensar
em Iliin , depois levantou-se com preguiça e arrastou-se para o
quarto de dormir. Andrei Iliitch já estava na cama. Sófia Pe
trovna sentou-se à janela aberta e entregou-se ao desejo. Já não
havia «confusão» na sua cabeça, todos os sentimentos e pensa
mentos se ajustavam conformes em tomo de um objectivo cla
ro . Ainda tentou lutar consigo , mas logo desistiu . . . Agora sabia
que forte e implacável era o inimigo . Era preciso força e firme
za para resistir-lhe , mas o meio em que nascera, a sua vida e
educação não lhe davam armas em que pudesse apoiar-se .
«Imoral ! Desavergonhada ! - remoía para si mesma, incre
pando a sua impotência. - Com que então , é assim que tu és?»
A sua virtude ofendida indignava-se com semelhante fraque
za, a ponto de Sófia Petrovna se insultar a si própria com todas
as palavras injuriosas que conhecia, de dizer a si mesma muitas
74 Anton Tchékhov
mau tempo . Via-se-lhe pelo andar, pela tosse e até pela nuca que
se sentia culpado .
- Portanto, mudaste de ideias e já não vais hoje? - perguntou.
O estudante sentiu pena dele , mas logo superou a fraqueza e
disse:
- Oiça . . . Preciso falar consigo a sério . . . Pois , a sério . . . Sem
pre tive respeito por si e . . . e nunca me atrevi a falar com o pai
neste tom , mas o seu comportamento . . . a última cena . . .
O pai olhava pela janela e calava-se . O estudante , como que
procurando as palavras , esfregou a testa com a mão e continuou ,
muito emocionado:
- Não há um almoço ou um chá nesta casa sem o pai armar
barulho . O seu pão fica atravessado na garganta de toda a gen
te . . . Não há nada mais insultuoso e humilhante do que estar
sempre a atirar à cara de alguém que está a comer o pão que lhe
dão . . . Embora o senhor seja o pai , ninguém lhe dá o direito (nem
Deus , nem a natureza) de insultar, de humilhar e descarregar nos
mais fracos o seu mau estado de ânimo . O senhor secou a mãe ,
fê-la perder a personalidade , o estado de embrutecimento da mi
nha irmã é desesperado , e eu . . .
- Não é s tu quem me vai dar lições - disse o pai .
- Sim, eu ! Pode escarnecer de mim quanto quiser, mas dei-
xe a mãe em paz ! Não vou admitir que torture a mãe ! - conti
nuou o estudante , com os olhos a chispar. - O senhor ficou mal
habituado porque ainda ninguém se atreveu a fazer-lhe frente.
Todos tremem, perdem a fala quando estão à sua frente, mas
agora acabou-se ! O senhor é grosseiro . . . grosseiro , entende? . . .
difícil , empedernido ! Os mujiques também o detestam !
O estudante perdera o fio ao pensamento e era como se já não
falasse mas disparasse à toa palavras soltas . Evgraf Ivánovitch
ouvia e calava, como aturdido; mas de repente o pescoço
enrubesceu-lhe , a cor começou a subir-lhe pela cara, agitou-se .
- Caluda ! - berrou.
- Muito bem ! - não se calava o filho. - Não gosta de ouvir
as verdades? Óptimo ! Muito bem ! Ponha-se aos gritos ! Óptimo !
98 Anton Tchékhov
8 izbá - casa típica dos camponeses russos , feita de troncos . (N. T.)
Sonhos 1 15
Relato de um vadio
Naquele ano , por onde começo o meu relato , era eu chefe de es
tação num dos nossos caminhos-de-ferro do Sudoeste. Pode-se
ver que alegre ou que aborrecida era a minha vida pelo facto de,
vinte verstás em volta, não haver uma única habitação humana,
uma única mulher, uma única taberna razoável , e eu naqueles
tempos ser jovem, forte , ferveroso , estouvado e tolo . Os meus úni
cos divertimentos possíveis eram as janelas dos comboios de pas
sageiros e mais a vodka nojenta a que os judeus adicionavam es
tramónio. Acontece surgir por um instante na janela da carruagem
uma cabecinha de mulher, e eu, parado como uma estátua, nem
respiro e fico a olhar até que o comboio se transforme num ponto
quase indistinto; ou então, às vezes, bebo até não poder mais a
vodka nojenta, fico estonteado e não sinto as horas e os dias lon
gos a correrem. A estepe produzia em mim, homem do Norte, o
efeito de um cemitério tártaro abandonado . No Verão , a sua quie
tude solene - aquele estridular monótono dos gafanhotos, o luar
transparente que não deixa ninguém esconder-se em lado nenhum
- infectava-me de uma tristeza enfadonha; e no Inverno, a bran
cura imaculada da estepe, as suas vastidões frias , as noites lon
guíssimas e o uivo dos lobos esmagavam-me como um pesadelo .
Viviam na estação-apeadeiro estas pessoas: eu com a minha
mulher, um telegrafista surdo e escrofuloso e três guardas .
Champanhe 1 19
salvou , por que mudei só de olhar para ela e por que deixei de
beber, isso não sei explicar-lhe . Só sei que as palavras dela e as
acções generosas dela me mudaram a alma, ela corrigiu-me , es
sa mulher, nunca me hei-de esquecer disso . Então com licença,
já estão a chamar para a entrada.
Luchkov fez uma vénia e foi para as galerias .
INIMIGOS
tre coberto com u m pano branco; dali passaram para uma pe
quena sala de estar, acolhedora e bonita, envolta numa penum
bra rosada.
- Espere aqui um pouco , doutor - disse Abóguin - , que
eu . . . já volto . Vou ver como ela está e avisá-la.
Kin1ov ficou sozinho . O luxo da sala de estar, a agradável pe
numbra e mesmo a sua presença numa casa estranha, desconhe
cida, com um toque de aventura, pelos vistos não o impressio
navam . Sentou-se numa poltrona, observando as mãos queima
das pelo ácido carbólico . Só por instantes reparou no quebra-luz
avermelhado , no estojo de violoncelo e, olhando num soslaio rá
pido para o lado onde tiquetaqueava o relógio , num lobo empa
lhado farto e imponente como o próprio Abóguin .
Era o silêncio . . . Algures ao longe , nos quartos vizinhos, al
guém pronunciou em voz alta o som «a-a ! » , uma porta envidra
çada tilintou , pelos vistos de um armário , e o silêncio caiu outra
vez . Depois de esperar mais cinco minutos , Kin1ov deixou de
observar as mãos e levantou os olhos para a porta por onde ti
nha desaparecido o Abóguin .
À soleira estava o próprio Abóguin , mas não o Abóguin que
saíra. A expressão farta e de elegância fina tinham desapare
cido dele , a cara, as mãos , a pose desfiguravam-se numa ou
tra de terror e abominação , quiçá de torturante dor física. O
nariz , os lábios , o bigode , tudo no semblante se mexia, como
se tentasse desprender-se-lhe da cara; de dor, os olhos pare
ciam rir. . .
Abóguin deu uma passada larga e pesada para o centro d a sa
la, curvou-se , gemeu e sacudiu os punhos .
- Enganou-me ! - gritou ele , acentuando com força a síla
ba «nou» . - Enganou-me ! Fugiu ! Adoeceu e mandou-me bus
car o médico só para fugir com esse palhaço do Paptchínski !
Santo Deus !
Abóguin deu mais um passo pesado na direcção do doutor,
pôs-lhe à cara os punhos brancos e macios e, agitando-os , con
tinuou aos berros:
1 42 Anton Tchékhov
- Quem é?
Não há resposta. O guarda não vê nada, mas por entre o ba
rulho do vento e o ramalhar das árvores sente perfeitamente que
anda alguém a calcorrear a álea à frente dele . A noite de Março ,
cerrada e nevoenta, envolve a terra, e parece ao guarda que a
terra, o céu e ele próprio mais os seus pensamentos se fundiram
numa coisa única, enorme , impenetravelmente negra. Só às pal
padelas se pode andar.
- Quem é? - repete o guarda, e parece-lhe ouvir um sus-
surro e um riso contido . - Quem está aí?
- Sou eu , paizinho . . . - responde uma voz de velho .
- Tu , quem?
- Eu . . . um caminheiro de Cristo .
- Caminheiro? - diz o guarda num grito zangado , mas a
sua voz gritada é mais para disfarçar o medo . - Andas por on
de não és chamado ! Esta agora, diabo do homem a passear-se à
noite no cemitério !
- Então aqui é o cemitério?
- Que mais havia de ser? O cemitério , pois ! Não vês?
- Ooooh . . . Nossa Senhora que estais no céu ! - ouve-se
num suspiro senil . - Não vejo nada, paizinho , nadinha . . . Irra,
está escuro , que escuridão . Escuro como breu , paizinho .
Ooooh . . .
Coisa-ruim 1 49
Petrovna, senhora nobre que tinha uma casa grande alugada que
por sua vez subalugava a inquilinos . Ocupavam dois quartos:
num , com janelas , uma cama e dois quadros com molduras dou
radas nas paredes , vivia a maman; no outro, contíguo , pequeno
e escuro , vivia Volódia. No quarto de Volódia havia um divã on
de ele dormia e, além do divã, mais nenhuns móveis; o quarto
estava atulhado com cestos de vime com roupa, caixas de car
tolina para os chapéus e todo o género de tralha que a maman,
sabe-se lá porquê , gostava de guardar. Volódia fazia os trabalhos
de casa no quarto da mãe ou na «sala comum» - assim se cha
mava uma sala grande onde se reuniam todos os inquilinos ao
almoço e à noite .
Chegado a casa, Volódia deitou-se no divã e agasalhou-se
com o cobertor, a ver se lhe passavam as tremuras . As caixas
dos chapéus , os cestos e a tralha lembraram-lhe que não tinha o
seu próprio quarto , não tinha um abrigo onde pudesse esconder
-se da maman, dos convidados da maman e das vozes que lhe
chegavam agora da «sala comum» ; a mochila e os livros espa
lhados pelos cantos lembraram-lhe o exame a que faltara . . . Por
qualquer razão , nada a propósito , veio-lhe à memória Menton
onde vivera quando tinha sete anos com o falecido pai;
lembrou-se de Biarritz e de duas meninas inglesas com quem
corria pela areia da praia . . . Apeteceu-lhe muito reconstituir na
memória a cor do céu e do oceano , a altura das ondas e o seu es
tado de espírito nesse tempo , mas não foi capaz; as meninas in
glesas passaram-lhe diante dos olhos como ao vivo , tudo o res
to se lhe embaralhava, se dissolvia na desordem . . .
«Não , está frio aqui» - pensou Volódia; levantou-se, vestiu
o capote e foi para a «comum» .
Tomava-se chá, na «comum» . Ao lado do samovar, três pes
soas: a maman, a velhinha professora de música sempre com a
sua luneta de tartaruga, e Augustin Mikháilitch , um francês ido
so , muito gordo , que trabalhava numa fábrica de perfumes .
- Ainda não almocei hoje - dizia a maman. - Tenho de
mandar a criada de quartos ao pão .
1 66 Anton Tchékhov
16
Chi - sopa russa tradicional, à base de repolho. (N. T.)
17
Borch - sopa tradicional ucraniana.(N. T.)
l8 Rassólnik - sopa tradicional russa com carne ou peixe e pepinos salgados . (N. T.)
1 90 Anton Tchékhov
los de varal , seguidos por mais uma carreta de canhão , peça feia
e nada imponente , como a primeira. Atrás da segunda carreta ro
da a terceira, depois a quarta; ao lado da quarta vai um oficial ,
e assim por diante . A brigada tem seis baterias , e cada bateria
tem quatro bocas-de-fogo . A coluna estende-se por meia verstá,
e o rabo dela é um comboio de carros , ao lado do qual marcha
pensativamente , baixando a cabeça orelhuda, um personagem
extremamente simpático - o burro Magar , trazido da Turquia
por um comandante de bateria.
Riabóvitch olhava com indiferença para a frente e para trás ,
para as nucas e para as caras ; noutra altura dormitaria, mas ago
ra todo ele mergulhava nos seus novos , aprazíveis pensamentos .
No princípio , logo que a brigada se pôs em marcha, ainda quis
convencer-se de que a história do beijo não era nada, apenas
uma pequeníssima aventura, misteriosa, isso sim, mas no fundo
insignificante - pensar nela a sério era, pelo menos , estúpido;
mas depressa desistiu da lógica e se entregou ao sonho . . . Ora se
imagina num salão do Rabbeck, à beira da menina misturada de
lilás e loira de vestido preto; ora fecha os olhos e se vê a tratar
com outra menina, a ninguém parecida e com um rosto de tra
ços indefinidos; fala-lhe com carinho , inclina-se no ombro dela,
imagina que vai para a guerra e está nas despedidas , depois o
reencontro, o jantar com a mulher, os filhos . . .
- Aguentáá as bestas ! - ouvia-se a ordem sempre que o ca
minho descia.
Riabóvitch também gritava «aguentáá as bestas ! » e temia que
o grito lhe rasgasse os sonhos e o trouxesse à realidade . . .
A o passarem ao lado de uma grande propriedade , Riabóvitch
espreitou pelos gradis do parque . Viu uma comprida alameda,
direita como uma régua, coberta de saibro amarelo e marginada
de bétulas novinhas . . . Com a ânsia de um homem levado pelos
devaneios , imaginou pequeninos pés femininos a pisarem o
chão amarelo e, num repente , desenhou-se-lhe diante dos olhos
aquela que o beijara, aquela que ontem, à mesa da ceia, só pu
dera fantasiar. A imagem colou-se a ele e já não o abandonou .
208 Anton Tchékhov
embora tenha uma nuca vermelhusca bem feia e não tenha pra
ticamente cintura . . . O Salmánov é bruto e demasiado tártaro ,
mas já teve um romance que culminou em casamento . . . Eu sou
igual a todos eles e hei-de passar pelo mesmo , mais cedo ou
mais tarde . . . »
A ideia de ser um homem vulgar e ter uma vida vulgar alegrou
-o e animou-o. Já a desenhava sem receios , a essa vida e às suas
felicidades , não restringindo em nada o voo da imaginação ...
Quando , pelo anoitecer, a brigada chegou ao destino e os ofi
ciais já descansavam nos abarracamentos , Riabóvitch , Merzlia
kov e Lobitko sentavam-se em volta de uma arca e jantavam.
Merzliakov comia sem pressas e, mastigando vagarosamente ,
lia a Vést nik Ev rópi que equilibrava nos joelhos . Lobitko falava
sem parar, sempre a encher o copo de cerveja, e Riabóvitch,
com uma neblina na cabeça por um dia inteiro de devaneios , só
se calava e bebia. Ao fim de três copos sentiu-se embriagado e
mole , com uma vontade insuperável de partilhar com os com
panheiros a sensação em que vivia.
- Aconteceu-me uma coisa estranha em casa desses Rab
beck . . . - começou , tentando dar à voz um tom indiferente e
irónico . - Fui até à sala de bilhar . . .
Contou , e m muito pormenor, a história do beijo e, u m minu
to passado , já se calava . . . Num minuto pôde contar tudo , e ficou
terrivelmente espantado por ter precisado de tão pouco tempo .
Parecia-lhe que podia falar daquele beijo até ao amanhecer. Ou
vindo a história, Lobitko , que mentia muito e como tal não acre
ditava em ninguém, olhou para ele com desconfiança e soltou
uma risadinha. Merzliakov ergueu as sobrancelhas e, sem des
viar os olhos da Vést nik Ev rópi, sentenciou:
- Só Deus sabe o que isso é ! . .. Atirar-se ao pescoço de al
guém sem lhe chamar primeiro pelo nome . . . Uma psicopata
qualquer.
- Sim, deve ser psicopata . . . - concordou Riabóvitch .
- A mim aconteceu-me uma vez o raio de um caso seme-
lhante . . . - disse Lobitko , fazendo olhos de susto . - Foi no ano
210 Anton Tchékhov
Oh ró-ró , ró-ró ,
Ouve esta cantiga ...
Capítulo 1
Mal comportada
por ter sido levada a passear, saltava, atirava-se aos latidos contra
as carruagens do «arnericano»23 , entrava nos pátios e desafiava os
outros cães para corridas . O marceneiro, volta e meia, perdia-a de
vista, parava e gritava-lhe zangado . Uma vez até lhe agarrou, rai
voso , na orelha, puxou-lha e pronunciou marteladarnente:
- Di-a-bos te le-vem pes-te mal-di-ta !
Depois de ter visitado todos os fregueses , Luká Aleksándritch
passou por um instantinho por casa da irmã, onde bebeu e meren
dou; da irmã foi ver um encadernador seu conhecido, do encader
nador seguiu para a taberna, da taberna para o compadre, etc . Nu
ma palavra, quando Kachtanka se viu sozinha no passeio desco
nhecido já anoitecia e o marceneiro já estava borracho como um
sapateiro. Abanava as mãos e, suspirando fundo, resmoneava:
- Com o pecado do seu ventre me pariu a minha mãe ! Oh ,
pecados , pecados meus ! Vamos muito bem pela rua fora a olhar
para os lampiões e , olhai só , morremos e vamos arder nas pro
fundas dos infernos . . .
O u então caía no tom benevolente , chamava a Kachtanka e
dizia-lhe:
- Tu , Kachtanka, és uma criatura insecta e nada mais . . .
Comparada ao homem, és a mesma coisa que o carpinteiro com
parado ao marceneiro . . .
Estava a falar nestes termos com ela quando ribombou , d e sú
bito , a música . Kachtanka virou a cabeça e viu que pela rua, di
rectamente ao seu encontro, marchava um regimento militar.
Como Kachtanka não suportava música, que lhe mexia com os
nervos , desvairou-se e pôs-se a uivar. Para sua surpresa, o mar
ceneiro , em vez de se assustar, ganir e latir, esboçou um sorriso
largo , tomou a posição de sentido e levou os cinco dedos à tes
ta numa continência. Vendo pois que o dono não se impunha,
Kachtanka uivou ainda mais alto e, fora de si , atravessou preci
pitadamente a rua para o passeio oposto .
Capítulo 2
Um misterioso desconhecido
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Talento ! Talento !
Passou um mês .
Kachtanka já se habituara a que lhe fosse servido todas as tar
des um saboroso almoço e que lhe chamassem Tia Tina.
Habituara-se ao desconhecido e aos seus novos companheiros .
A vida corria-lhe às mil maravilhas .
232 Anton Tchékhov
Capítulo 6
- R-r-r-r. . .
Passou bastante tempo, o mesmo que leva a roer um osso gran
de até ao fim; o grito não voltou a ouvir-se. A Tia Tina foi-se acal
mando a pouco e pouco, e dormitou. Sonhou com dois cães gran
des com tufos de pêlo do ano passado nos quartos traseiros e dos
lados; comiam com avidez , de uma selha grande, uma lavagem
donde se exalava um vapor branco e um cheiro muito saboroso;
de vez em quando viravam as cabeças para a Tia Tina, arreganha
vam os dentes e rosnavam: «Não te damos nada ! » Mas de dentro
da casa saiu a correr um mujique e enxotou-os à chicotada; então,
a Tia Tina foi à selha e começou a comer; mas , mal o mujique de
sapareceu atrás do portão, os dois cães negros atiraram-se a ela,
rugindo , e de repente repetiu-se o grito estridente.
- Que-gue ! Que-gue-gue ! - gritou Ivan Ivánitch .
Tia Tina acordou , levantou-se de um salto e , sem sair do col
chão , desatou nuns latidos uivados . Parecia-lhe que não era Ivan
Ivánitch a gritar, mas outro qualquer, um estranho . E, sabe-se lá
porquê , também na barraquinha se ouviu a porca a grunhir.
Depois ouviu-se um arrastar de chinelos e entrou no quarto o
dono , de roupão , trazendo uma vela. A luz bruxuleante saltitou
pelo papel de parede sujo e pelo tecto , expulsando as trevas . Tia
Tina viu que no quarto não havia ninguém estranho . Ivan Ivá
nitch estava sentado no chão e não dormia. Tinha as asas abertas
e o bico também, e o seu aspecto geral era o de quem se tinha fa
tigado muito e estava com sede . O velho Fiódor Timoféitch tam
bém não dormia. O grito também a ele acordara, pelos vistos .
- Ivan Ivánitch , o que tens tu? - perguntou o dono ao gan
so . - Por que gritas assim, estás doente?
O ganso calava-se . O dono apalpou-lhe o pescoço , acariciou
-lhe as costas e disse:
- É s um grande parvinho . Não dormes e não deixas dormir
os outros .
O dono saiu levando consigo a vela e a escuridão voltou . Tia
Tina estava com medo . O ganso agora não gritava, mas Tia Tina
voltou a ter a sensação de que estava um estranho no quarto . O
236 Anton Tchékhov
Capítulo 7
lambendo caras e mãos , cada vez mais para cima, até que che
gou à galeria . . .
Meia hora depois j á Kachtank:a caminhava pela rua fora atrás
do cheiro a cola e verniz daquelas duas pessoas . Luká Aleksán
dritch ia aos barrancos e, instintivamente , ensinado também pe
la experiência, cambaleava o mais longe possível da vala.
- Aqui jaz neste abismo pecaminoso a minha carne pecami
nosa . . . - murmurava ele . - E tu , Kachtanka, és a modos que
um desconchavo . Comparada com o ser humano , és a mesma
coisa que o carpinteiro comparado ao marceneiro .
Ao lado de Luká Aleksándritch caminhava Fediuchka com o
boné do pai . Kachtank:a olhava para as costas deles , e parecia
-lhe que desde sempre andara assim atrás deles , toda contente
por a vida dela não ter sido interrompida por um minuto sequer.
Recordou o quarto do papel de parede sujo, o ganso , Fiódor
Timoféitch , os almoços saborosos , os estudos, o circo , mas tu
do isso morava agora apenas na sua imaginação , como um so
nho comprido , confuso , penoso . . .
DIA DE ANJO
mesmo dia para sua casa. Cada novo conhecimento era para ela
uma verdadeira festa. Divinizava os famosos , orgulhava-se de
les e todas as noites sonhava com eles . Ansiava por eles e nun
ca fartava a sede que tinha deles . Desapareciam e caíam no es
quecimento os antigos , arranjava novos; os novos depressa lhe
entravam no hábito ou a desiludiam, procurava avidamente ou
tros novos e grandes homens , encontrava-os , voltava a procu
rar. Para quê?
Depois das quatro, almoçava em casa com o marido . A simpli
cidade, o senso comum, a bondade dele enchiam Olga Ivánovna
de enternecimento e entusiasmo . Volta e meia saltava do lugar,
abraçava impetuosamente a cabeça dele e cobria-lha de beijos .
- Tu , Dímov, és um homem nobre e inteligente - dizia - ,
mas tens um defeito muito grave . Não te interessas pelas coisas
da arte . Negas a música e a pintura.
- Não percebo nada disso - respondia o marido com resig
nação . - Toda a vida agarrado às ciências naturais e à medici
na, que tempo tinha para as artes?
- Mas isso é horrível , Dímov !
- Porquê? Os teus amigos não conhecem as ciências natu-
rais nem a medicina, mas tu não lho censuras . Cada qual no seu
ramo . Eu não entendo de paisagens nem de óperas , mas penso
assim: se há pessoas inteligentes que lhes dedicam uma vida in
teira e há outras pessoas inteligentes que pagam fortunas por
elas , então é porque são necessárias . Eu não as compreendo ,
mas não compreender não é negar.
- Deixa-me apertar a tua mão honrada !
Depois do almoço , Olga Ivánovna ia visitar amigos , a seguir
ao teatro ou ao concerto , voltando para casa depois da meia
-noite. E assim todos os dias .
À s quartas , recebia. Eram serões em que anfitriã e convida
dos não jogavam às cartas nem dançavam mas se entretinham
nas artes . O actor dramático recitava, o cantor cantava, os pin
tores desenhavam nos álbuns que Olga lvánovna possuía em
profusão , o violoncelista tocava, a anfitriã desenhava, esculpia,
302 Anton Tchékhov
- Estou tão feliz por te ver! Sonhei toda a noite contigo , to
da a santa noite , e estava com medo que tivesses adoecido . Ah ,
se soubesses o querido que tu és e como chegaste a propósito !
Vais ser a minha salvação ! Só tu , só tu é que me podes salvar!
Amanhã vai haver aqui um casamento , mas um casamento ori
ginalíssimo - continuava ela, rindo-se e compondo-lhe o nó da
gravata. - Casa-se um jovem, o telegrafista da estação dos
comboios , um tal Tchikeldéev. Um rapaz bem apessoado , nada
estúpido e , sabes , tem na cara qualquer coisa de forte , de ursi
no . . . Podia-se utilizá-lo como modelo para um jovem víquin
gue . Todos os veraneantes daqui querem ser simpáticos com
ele , e nós demos-lhe a palavra de honra que íamos ao casamen
to dele . . . É um homem de poucos recursos , solitário , tímido e ,
estás a ver, até era pecado recusar-lhe a nossa atenção . Imagina
o casamento , a seguir à missa, depois toda a gente a pé , até à
casa da noiva . . . estás a imaginar, a floresta, o trinado dos pás
saros, os reflexos do sol na relva, e nós todos , como manchas
de cores num fundo verde-vivo . . . tão original , ao gosto dos im
pressionistas franceses . Mas , Dímov, estás a ver, o que vou ves
tir para ir à igreja? - disse Olga lvánovna e fez uma cara de
choro . - Não tenho aqui nada, literalmente nada ! Nem vesti
dos , nem flores , nem luvas . . . Tens de me salvar. Se vieste , foi
porque o próprio destino te enviou para me salvares . Pega nas
chaves , querido , vai a casa e procura no guarda-roupa o meu
vestido cor-de-rosa, estás a ver, é logo o primeiro que está pen
durado . . . Depois , no chão da despensa, do lado direito , estão
duas caixas de cartolina. Abres a de cima, vês logo tule , tule , tu
le , uns retalhos , e em baixo as flores . Tira as flores todas com
cuidado , tenta não as estragares , meu anjo, depois eu escolho . . .
E compra-me luvas .
- Está bem - disse Dímov. - Amanhã vou e mando-te is
so tudo .
- Amanhã? - espantou-se Olga Ivánovna. - Como é que
ias ter tempo? O primeiro comboio é às nove e o casamento é às
onze . Não , querido , tens de ir hoje, sem falta ! Se amanhã não
306 Anton Tchékhov
nhou com ela o seu melhor estudo , assim, sem mais. Depois do
chá foi sentar-se à janela, carrancudo , a olhar para o Volga. O
Volga perdera o brilho , ia baço , opaco , arrepiado de frio . Tudo ,
tudo lembrava que o tristonho e sombrio Outono se aproxima
va. Parecia que a natureza já tirara ao Volga os luxuosos tapetes
verdes das margens , os reflexos diamantinos dos raios , o hori
zonte azul e transparente , e tudo o que era roupa elegante e gar
rida, tudo o que era de gala, arrumara-o nas arcas até à próxima
Primavera, e que as gralhas voavam à beira do Volga e gozavam
com ele: «Estás nu ! Estás nu ! » Riabóvski ouvia os grasnidos
das gralhas e pensava como já se exaurira e perdera a chama do
talento , como tudo no mundo era convencional e estúpido , e que
não deveria ter-se deixado prender por esta mulher... Numa pa
lavra, estava de mau humor, a puxar para o hipocondríaco . . .
Olga lvánovna estava sentada n a cama colocada por trás de
um tabique e , passando os olhos pelo seu maravilhoso cabelo
cor de linho , imaginava-se ora na sua sala de estar, ora no quar
to de dormir, ora no gabinete do marido; a imaginação levava-a
ao teatro , à modista, aos amigos de renome . O que estarão a fa
zer neste momento? Lembrar-se-ão dela? Começara a tempora
da, era altura de pensar em receber de novo . E o Dímov? Que
rido Dímov ! Que meiguice e que súplica infantil ao pedir-lhe
nas cartas para voltar o mais depressa possível para casa ! Todos
os meses lhe mandava setenta e cinco rublos e, quando ela lhe
escreveu a dizer que devia cem rublos aos pintores ; enviou-lhe
também esses cem . Que homem bondoso , magnânimo ! A via
gem já cansara Olga Ivánovna, aborrecia-se , apetecia-lhe fugir
o mais depressa possível destes mujiques , do cheiro húmido do
rio , livrar-se desta sensação de impureza física que não a larga
va, vivendo nas izbás dos camponeses e errando de aldeia em
aldeia. Se Riabóvski não tivesse dado aos pintores a sua palavra
de honra de que ficaria com eles até 20 de Setembro , poderiam
partir hoje mesmo . E que bom seria!
- Meu Deus ! - gemeu Riabóvski . - Quando haverá final
mente sol? Como posso avançar com a paisagem de sol sem sol? ...
3 10 Anton Tchékhov
35 Masini , Angelo ( 1 844- 1 926) - tenor italiano que fazia digressões à Rússia.
(N. T.)
312 Anton Tchékhov
uma mulher estranha, uma rival , uma mentirosa que estava agora
escondida por trás da tela e talvez se estivesse a rir de maldade.
- Trouxe-lhe um estudo - disse timidamente , numa voz fi
ninha, os lábios a tremerem-lhe - , uma natureza-morta.
- Ah . . . um estudo?
O pintor pegou no estudo e, examinando-o , passou como que
maquinalmente para outra sala.
Olga Ivánovna seguia-o , submissa.
- Natureza-morta ... primeira porta - murmurava Riabóvs
ki , procurando rima - , horta . . . torta . . . comporta . . .
No atelier ouviram-se passos apressados a afastarem-se e o
roçagar de roupa. Portanto , a outra saíra. A Olga Ivánovna só
apetecia berrar, bater no pintor com qualquer coisa pesada na
cabeça e sair, mas não via nada através das lágrimas , estava es
magada pela vergonha e já não se sentia Olga Ivánovna nem
pintora, mas um bichinho minúsculo .
- Estou cansado . . . - pronunciou com moleza o pintor,
olhando para o estudo e sacudindo a cabeça para vencer a mo
dorra. - É lindo , claro , mas hoje um estudo, no ano passado um
estudo , daqui a um mês mais um estudo . . . Não está farta disso?
No seu lugar, esquecia a pintura e dedicava-me a sério à músi
ca ou a outra coisa qualquer. É que a senhora é talvez música,
não é pintora. Aliás , sabe , estou cansado ! Vou mandar que nos
sirvam o chá ... Está bem?
Saiu da sala, e Olga Ivánovna ouviu-o a dar ordens ao lacaio .
Para evitar despedir-se e para fugir aos esclarecimentos , mas so
bretudo para não se desfazer em lágrimas , correu para o vestí
bulo , calçou as galochas e , antes de Riabóvski voltar, saiu para
a rua. Na rua respirou de alívio e sentiu-se livre para sempre de
Riabóvski , da pintura e da vergonha terrível que a esmagava no
atelier . Acabara tudo !
Foi a casa da modista, depois foi visitar B arnay3 8 , que chega
ra apenas na véspera, do B arnay foi a uma loja de pautas , e tu-
Saudade 23
Brincadeira 29
O Amor 34
O Conselheiro Privado 41
Uma Desgraça 61
O s Papa-jantares 76
Insignificâncias da Vida 83
Gente Difícil 90
Psiu ! . . . 99
Vanka 103
Sonhos 108
Champanhe - Relato de um vadio 118
Mendigo 1 25
Inimigos 1 32
Coisa-Ruim 148
Volódia 1 54
A Boa Estrela 1 68
Drama 1 80
Canto de Sereia 1 86
O Beijo 1 93
Dormir, Dormir . . . 214
Kachtanka 22 1
Dia de Anjo 245
Gússev 282
Lavandisca 297