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F IL Õ FIL Õ E S P IN O S A
F IL Õ A G A M B E N
Chantal Jaquet
F IL Õ EST ÉT IC A
Slavoj Zizek
A comunidade que vem
Gioigio Agamben
íon
inversões do Apocalipse
Meios sem fim
Platão
Notas sobre a política
Gioigio Agamben
F IL Õ M A R G E N S
Nudez
Gioigio Agamben 0 amor impiedoso.
(ou: Sobre a crença)
A potência do pensamento
Slavojlilek
Ensaios e conferências
Gioigio Agamben Estilo e verdade em Jacques Lacan
Gilson lanninl
FILÕ BATAILLE
Introdução a Foucault
Edgardo Castro
O erotismo
Geoiges Bataille Kafka
Por uma literatura menor
A parte maldita
Gilles Deleuze
Tradução
Precedida de “A noção de dispêndio”
Georges Bataille
Félix Guattari
Rogério Bettoni
Lacan, o escrito, a imagem
FILÕ B EN JA M IN Jacques Aubert, François Cheng, JearrCIaude
Milner, François Regnault, Gérard Wajcman
O anjo da história
Walter Benjamin
A N T IFILÕ
Imagens de pensamento
A Razão
Sobre o haxixe e outras drogas
Pascal Quignard
Walter Benjamin
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7. Introdução: Por uma suspensão teológico-política do ético
Os trechos da Bíblia usados com o citação foram extraídos da Bíblia d e Jerusalém (São Paulo: Paulus, Slavoj Zizek
2 ed., 2003). Os trechos do Alcorão fo ra m citados de Tradução d o sentido d o N obre Alcorão para a lingua
portuguesa (Tradução de Dr. Helmi Nasr. Complexo de Impressão do Rei Fahd, [s.d.]).
7. Introdução: A mistagogia da revolução
Boris Gunjevic
C O O RDENAD O R D A COLEÇÃO FILÓ EDITORA RESPONSÁVEL
Gilson lannini Rejane Dias
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aceitos em benefício da própria sobrevivência e bem -estar, e que podem o façam , é preciso u m a C ausa “sagrada” m aior, u m a Causa que faça
ser violados a qualquer m om ento... Mas as coisas são realm ente desse jeito? qualquer preocupação individual m ín im a em relação à m atança parecer
C o m o é am plam ente sabido, Jacques Lacan afirm ou que a prática trivial. A religião e o pertencim ento étnico são perfeitam ente compatíveis
psicanalítica nos ensina a inverter o dito de Dostoiévski: “ Se D eus não com esse papel. É claro que existem casos de ateus patológicos capazes
existir, então tu d o é proibido”. Essa inversão é difícil de engolir para de com eter assassinatos em massa p o r puro prazer, m atando p o r matar,
nosso senso co m um m oral: nu m a resenha um tanto positiva sobre u m mas eles são raras exceções. A m aioria das pessoas precisa estar aneste
livro de Lacan, u m jo rn a l esloveno de esquerda publicou assim a versão siada contra a sensibilidade elem entar para com o sofrim ento do outro.
de Lacan: “M esm o se D eus não existir, nem tudo é p erm itid o !” - um a Para isso, é preciso um a Causa: sem ela, teríam os de sentir todo o peso
vulgaridade benevolente, transform ando a inversão provocadora de La do que fazemos, sem n en h u m absoluto sobre o qual descarregaríam os
can na garantia m odesta de que m esm o nós, ateus ím pios, respeitam os nossa responsabilidade final. Os idealistas religiosos costum am afirm ar
alguns lim ites éticos... C o n tu d o , m esm o que a versão de Lacan pareça que, verdadeira ou não, a religião leva pessoas geralm ente ruins a fazer
u m paradoxo vazio, u m breve exam e de nossa paisagem m oral confir coisas boas. Pela experiência atual, deveríam os antes nos ater à afirmação
m a que é m u ito m ais apropriado descrever o universo dos hedonistas de Steve W einberg: em bora sem religião, as pessoas boas co ntinuariam
liberais ateus: eles dedicam a vida à busca dos prazeres, m as com o não fazendo coisas boas, e as ruins, coisas ruins, som ente a religião pode levar
há n e n h u m a autoridade ex tern a que lhes garanta o espaço para essa pessoas boas a fazer coisas ruins.
busca, eles acabam intricados nu m a densa rede de regras autoim postas e N ão m enos im portante, o m esm o parece ser válido para a dem ons
politicam ente corretas, com o se u m supereu m uito mais severo que o da tração das cham adas “ fraquezas hum anas”: formas extrem as e isoladas
m oral tradicional os controlasse. Eles se to rn am obcecados com a ideia de sexualidade entre hedonistas ím pios são im ediatam ente elevadas a
de que, ao buscar seus prazeres, eles po d em h u m ilh a r ou violar o espaço símbolos representativos da depravação dos ím pios, ao passo que qual
dos outros, p o r isso regulam seu com portam ento em regras detalhadas quer questionam ento, digam os, da relação entre o fenôm eno m uito mais
de com o evitar “assediar” os outros, isso sem m encionar regras m enos com um da pedofilia entre padres e a Igreja com o instituição é rejeitado
complexas relacionadas ao cuidado de si (ginástica, alim entação saudável, com o difam ação antirreligiosa. A história b em -d o cu m en tad a de com o a
relaxam ento espiritual...). N a verdade, nada é m ais opressor e regulado Igreja católica com o instituição protege os pedófilos dentro de sua própria
que u m simples hedonista. hierarquia é o u tro b o m exem plo de com o, se D eus existir, então tudo
A segunda coisa, estritam ente correlata à prim eira observação, é é perm itido (para aqueles que se legitim am com o servos de Deus). O
que, hoje em dia, tu d o é p erm itido para aqueles que se referem a Deus de que torna tão repugnante essa atitude p rotetora em relação aos pedófilos
u m a m aneira bru talm ente direta, percebendo-se com o instrum entos da é o fato de não ser praticada p o r hedonistas tolerantes, mas sim —para
vontade de Deus. São os cham ados fundam entalistas que praticam um a piorar ainda mais as coisas - pela m esm a instituição que posa de guardiã
versão pervertida do que K ierkegaard chamava de suspensão religiosa do m oral da sociedade.
ético: para cu m p rir um a missão de D eus, tem -se perm issão para m atar Mas e quanto aos assassinatos em massa realizados pelos comunistas
m ilhares de inocentes... E ntão p o r que testem unham os hoje o aum ento stalinistas? E quanto à liquidação extralegal de m ilhões de anônim os? E
da violência justificada religiosam ente (ou eticam ente)? Porque vivem os fácil perceber com o esses crim es sem pre foram justificados pelo próprio
n um a época que se considera pós-ideológica. C om o as grandes causas falso deus dos stalinistas, “o D eus que fracassou”, com o o cham ou Ignazio
públicas não po d em m ais ser usadas com o fundam entos para a violência Silone, u m dos grandes ex-com unistas decepcionados — eles tin h a m
em massa (ou guerra), isto é, com o nossa ideologia hegem ônica nos incita seu próprio Deus, p o r isso tu d o lhes era perm itido. E m outras palavras,
a gozar a vida e com preender nossos Eus, é difícil, para a m aioria, superar a m esm a lógica da violência religiosa aplica-se aqui. O s com unistas
essa repulsa pela to rtu ra e pelo assassinato de outro ser hum ano. A grande stalinistas não percebem a si próprios com o individualistas hedonistas
m aioria das pessoas é espontaneam ente m oral: to rtu ra r ou m atar outro abandonados à própria liberdade; não, eles se veem com o instrum entos
ser h u m an o é p ro fundam ente traum ático para elas. E ntão, para que elas do progresso histórico, instrum entos de um a necessidade que im pulsiona
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FILOMARGENS SLAVOJ iÜ E K / B O R IS G U N JEVIC 0 SO FRIM EN TO DE DEUS: IN V E R SÕ E S DO APO C ALIPSE 41
fogueira no dia seguinte. O G rande Inquisidor o visita em sua cela para de C risto A nrit »-foicalmente livres, então essa liberdade tam b ém _
lhe dizer que a Igreja não precisa mais dele - seu reto rn o interferiria na t raz consigo o fardo peoçfo da. responsabilidade total. Essa posição mais
missão da Igreja, que é levar a felicidade para as pessoas. C risto ju lg o u autêntica tam bém não im plica u m sacrifício? D epende do que querem os
m al a natureza hum ana: a m aior parte das pessoas não consegue lidar dizer com esse term o.
com a liberdade que ele lhes deu; ao dar aos seres hum anos a liberdade E m seu “Esboço de u m conceito fenom enológico de sacrifício”,2
de escolha, C risto excluiu da redenção a m aior parte da hum anidade e Jean-L uc M ario n com eça com a afirm ação de que nossos tem pos ímpios
a condenou ao sofrim ento. “aboliram toda diferença entre sagrado e profano, p o rtan to toda pos
Para levar felicidade para as pessoas, o Inquisidor e a Igreja, p o r sibilidade de atravessá-la p o r m eio de u m sacrifiement (ou, ao contrário,
tanto, agem de acordo com “o espírito sábio, o tem ível espírito da m orte p o r um a profanação)”. A p rim eira coisa que precisam os acrescentar aqui
e da destruição” —o dem ônio, capaz de fornecer sozinho as ferram entas é a distinção feita p o r A gam ben entre secular e profano: o profano não
para acabar com to d o o sofrim ento hum ano e u n ir todo m undo sob o é o secular-utilitarista, mas o resultado da profanação do sagrado, e p or
estandarte da Igreja. A m ultidão deveria ser guiada p o r aqueles poucos isso é inerente ao sagrado. (T am bém devem os interp retar a fórm ula do
que são fortes o suficiente para carregar o fardo da liberdade - som ente “sacralizar” de m aneira literal: é o p róprio sacrifício que sacraliza u m
dessa m aneira toda a hum anidade conseguirá viver e m o rrer feliz na ig objeto ordinário, isto é, não há nada de sagrado no objeto com o tal, em
norância. Esses poucos fortes são os verdadeiros m ártires-de-si-m esm os, seu ser im ediato.) M arion, então, fornece um a descrição detalhada dos
que dedicam suas vidas para proteger a hum anidade de ter de encarar a três m odos de sacrifício:
liberdade de escolha. E p o r isso que, na tentação no deserto, C risto foi E m prim eiro lugar, há o aspecto negativo-destrutivo que sobrevive
forte para rejeitar a sugestão do diabo para que ele transform asse pedras em nossa era ím pia com o p u ra destruição (terrorista): a única m aneira
em pães: as pessoas sem pre seguirão aqueles que alim entem suas b arri que ainda tem os de apreender o Sagrado é pelos atos despropositados da
gas. C risto rejeita a tentação, dizendo: “O hom em não vive só de pão”, destruição que subtraem algo do curso utilitarista-funcional das coisas.
ignorando a sabedoria segundo a qual devem os prim eiro “alim entar os Sj- U m a coisa é “sacralizada” quando é destruída - é p o r isso que as ruínas do
hom ens, depois exigir deles a v irtu d e!” (ou, com o B recht colocou em 11 de Setem bro (“M arco Z ero ”) são sagradas... (Aqui M ario n acrescenta
sua Opera dos três vinténs: “Erst kom m t das Fressen, dann kommt die Moral!”). um a subdivisão a esse sacrifício negativo-destrutivo: o sacrifício ascético
E m vez de responder ao Inquisidor, C risto, que se m anteve em de todos os bens m ateriais “patológicos” ou todas características do Si
silêncio o tem po inteiro, beija-lhe os lábios. C hocado, o Inquisidor liberta para afirm ar o próprio Si em sua autonom ia autárquica. A fina, o que é
Cristo, mas lhe pede para nunca mais voltar... Alíocha responde à história sacrificado aqui é o conteúdo “patológico” não essencial, que perm ite a
repetindo o gesto de Cristo: ele tam bém beija Ivan levem ente nos lábios. autoapropriação da autonom ia autárquica do Si —ao fazer o sacrifício, eu
O propósito da história não é sim plesm ente atacar a Igreja e d e não perco nada, ou seja, apenas aquilo que é irrelevante em si mesmo.)
fender o re to rn o da plena liberdade que nos foi dada p o r C risto. O E m segundo lugar, há o aspecto de troca, ou sacrifício, com o
p róprio D ostoiévski não poderia chegar a um a resposta direta sobre a dádiva condicional — nós dam os algo para receber algo de volta: “o
questão. P ode-se argum entar que a história da vida de E lder Zossim a, sacrifício destrói tanto quanto a dádiva oferece, pois am bos trabalham
que acontece logo depois do capítulo sobre o G rande Inquisidor, seja para estabelecer a troca; ou m elhor, quando o sacrifício destrói e a dádiva
um a tentativa de responder as questões de Ivan. Zossim a, em seu leito oferece, eles trabalham exatam ente da m esm a m aneira para estabelecer
de m orte, conta com o encontrou sua fé durante sua ju v en tu d e rebelde, a econom ia da reciprocidade”. Isso acaba n u m impasse, um a vez que o y
no m eio de u m duelo, e decidiu se to rn ar m onge. Zossim a ensina que as sacrifício com o ato de troca anula a súm esm o: / r / _ Is /h /
pessoas devem p erdoar as outras reconhecendo os próprios pecados e a
própria culpa perante os outros: não existe pecado isolado, p o r isso todos
e “sett*.h F p * * '
2 O ensaio in é d ito de M a rio n é baseado e m seu “ E sboço de u m c o n ce ito fe n o m e n o
são responsáveis pelos pecados do próxim o... N ão seria essa a versão de lógico d o d ád iv a”, p u b licad o e m O L IV E T T I, M . M . (O rg.). Filosofia delia rívelazione.
Dostoiévski do “ Se D eus não existir, então tudo é proibido”? Se a dádiva R o m a : B ib lio tec a d e li’ A rc h iv io di F ilosofia, 1994.
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