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\,rt llr\\hr W AÍlomo und Gershom PRO]ETO GRAFICO DE CAPA E MIOLO
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EDIÍORAÇÀO EIÊIRÔN CA

Canrado Esteves
)^ r orrç^o rrÔ
REVEÁo rÊaNca E nxÁçÀo DE TExTo

PARA O POÂTUGUÊS BRASILEIRO


Matiza GueÍra de Andrade 7. Sobre o conceito da História
Gilson lannini \UFoP); Cláudio oliveta \UFF);
Danilo Marcondes \PUC-Rio); Joáo Calas
Salles (UÍBA): Monique David-Ménard CecÍlia L4aftins 21. Fragmento teológico-político
lPàr\J: Olimpio Pimenta (UFOP); Pedro 25. FÍagmentos (filosofia da História e política)
sussekind lUtF): Ragerio lope5 (UFlúG); Rejane Dias
Rodrigo Duade \UçMGJ; Romera Alves 39. Anúncio da revista Angelus Novus
47. Destino e caráter
Revrsado conforme o Acordo Ortográfico da Lingua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desdejane ro de 2009. 57. Sobre a crítica do poder como violência
83. Experiência e pobreza
Todos os direltos Íeservados pe a Autênt aa Editora. Nenhuma partê desta
publicaÇão poderá seÍ reproduz da, seia por meios mecân cos, eletÍônicos, 91. Johann Jakob BachoÍen
seja v ã cóp a xerográÍlca, sem a autorrzaçáo prév a da Editora
109. Teorias do Íascismo alemão

AUTÊNICA EDITORA LTDA. 123. Eduard Fuchs, colecionador e historiador


Belo Horizonte São Paulo
Rua Airnorés, 981, 8" andar F!nronáros Av Paulsta, 2.073, Conlunto Naciona , Horsa I

30140 071 Bêo Horronte . MG 23" andar, Coni 2301 CeÍquê Ía César 165. Comentários
Tel. (55 3l)3214 5700 0131l-940 Sáo Paulo SP
Sobre o conceito da História p. 168
Te .: (55 11)3034 4468
Teievendas 0800 283 13 22 Fragmento teológico-político p. 1 93
vwwvêulenl caeditora corn bÍ
Fragmentos (filosofia da História e política) p. 196
Anúncio da rcuisla Angelus Novus p.201,
Destino e caráter p. 211
Oados lnterna(ionais dê Catalogação na Publicação (ClP)
(Cámârã Brasileira do Livío, SB Braril) Sobre a crítica do poder como violência p. 213

Eenjam n, Walter, 1892-1940. Experiência e pobreza p. 216


O anto da h stória / Walter Benlamin ; oÍganização e Johann Jakob Bachofen p. 217
úadução de loão BaÍento 2' ed. - Belo Horizonrê :
Autêntica Edrtora, 2013 - (F lô/Benlêmin) Teorias do Íascismo alemáo p.224
rsEN 978 85 8217 041 0
Eduard Fuchs, colecionador e historiador p. 224

T Hstóra Frosofa l. Earrento,loão ll TÍtulo.lll Séne

t.) lt5l2 cDD 901


1nd cer pàra catáloqo sistemátco
I H norra Fiosoíra 901
(lc clÍ,rtcr asscnta nesse anonimato do ser humano e da sua moralidadt.
rro nrcio da rnais completa revelação do indivíduo na singularidade d,r
scu traço de caráter. Enquanto o destino desdobra a imensa complicr
çio da personagem culpada, a complicação e as relaçôes dessa culpa, o
c:rráter responde com o gênio àquela sujeiçào mítica da penonagerrr .i

trama da culpa. A complicação toma-se simplicidade, o fado, liberdadc.


Pois o caráter da penonagem cômica nâo é o espantalho dos deter-
ministas, é o farol a cuja luz se toma visível a liberdade dos seus atos.
Ao dogma da culpa natural da vida humana, da culpa original.
cuja insolubilidade de princípio constitui a doutrina do paganismo, e
cuja eventual solução é a base do seu culto, contrapõe o gênio a visào
da inocência natural do homem. Essa visão agarra-se também ao do-
mínio da naturezâ, mas, pela sua essênciâ, está tão próxima de pontos
de vista morais como a ideia contrária apenas na forma da tragédia quc
não é a única que assume. Já a visão do caráter é libertadora sob todas
as formas: está ligada à liberdade (de uma forma que não pode ser aqrrr
demonstrada) pela via da sua afinidade com a lógica.
O traço de caráter não é, ponanto, o nó na rede. É o sol d,,
Sobre a crítica do
indivíduo no céu descorado (anônirno) do ser hurnano, que projco .r poder como violência"
sombra da ação cômica. É isso que reconduz ao seu verdadeiro contexto
a profunda consideração de Cohenr2 segundo a qual toda ação trágicr,
por mais sublime que seja nosseus cotumos, projeta uma sombra cômic.t.
Os sinais fisionômicos, tal como os outros, mánricos, devem ter
servido aos Antigos sobretudo para questionar o destino, de acordo cour
o poder da crença pagã na culpa. A doutrina fisionômica, tâl como l
comédia, é fenômeno da nova época do gênio na história humana. Os
modemos estudos fisionômicos mosram ainda a sua ligação à arte antig.r
dos áugures na ênfase de valoração moral estéril dos seus conceito.,
e na sua tendência para a complicação analítica. Precisamente nessc
âmbito, os fisionomistas antigos e medievais viram as coisas de fonu.r
mais correta ao reconhecerem que o caráter só pode ser apreendido
com referência a alguns, poucos, conceitos fundamentais moralment..
neutros, como os que a doutrina dos temperamentos procurou fixar. () rrrnlo alemâo usado por Benjamin neste título (Caualr) designa tanto o "poder"
iso, ter_se senrPre presente
,
'rlo il "violência". Na leitura deste ensaio deve, Por
, ,.,r polissenria do tcmro, cujas valêncix semânticas mútls vezes úo intercembiáveis'
Hemrann Cohen (1842-1918): frlósofojudeu-alemão, fundador da escola neokanri.rr rrrlrirr r.nrc à palavra ponuguesa "poder" estaú, por isso' quâse senPre umbém a
de Marburgo. Benjamin cita a sua Logka do Conhccimendt hto em ()riryn dLt l)r,u ,,,,1,ir..rçi , di violêniia, e nas passagens em que se usa "violência" ela é tambénr
'lráXiat Abttão (vol.I da ediçào de obras de W. llcnjaurin na Âutênticâ, p. 34). (N. l rrr r1'lrlitalrcrrte a violência do poder.,(N.T.)

Fltõr]rNr^M N

I
A tarefa de uma cútica do poder pode ser circunscrita como
I ,lprcsentação das suas relações com o Direito e a Justiça. De fato,
qttrltluer que seja a forma como uma causa atua, ela só se trânsforma
íttr víolência no sentido mais forte da palavra quando interfere com
rclações de ordem ética. São os conceitos de Direito e Justiça que
rlclirrritarn a eslera dessas relações. No que se refere ao primeiro desses
r orrccitos, ê evidente que a condição elementâr de toda ordemjurídica

ó l tkrs nreios e dos fins. A isso haveria a acrescentar que, em princípio,


r violôncia só pode ser procurada no âmbito dos meios, e não dos Íins.
l'lrn,rs constatações dizem mais, e certamente também coisas diferen-
ls, st>bre a crítica do poder do que pode parecer à primeira vista. Na
vcrthde, se a violência lor um meio, poderá parecer que dispomos
rk rrru critério pâra a sua cítica, que se manifesta na pergunta sobre
tc, crrr determinados casos, a violência é um meio para fins justos ou
irrlrrrtos. A scr assim, a sua crítica estaria implícita num sistema de fins
Just()s. Mils na realidade não é isso o que acontece. Porque, partirdo
rlr prittcípio de que ele está acima de qualquer dúvida, o que ttrtt t;tl
rirlt'rrru incluiria não seria un.r critério da própria violência crrqtrirrrl()
princípio, rrtls urn critério ajustado aos câsos enr que ela sc uplir,rssr'
l,) pcrrrrrrrrcccril crn abcrto a qucstão de saber sc l violi'rtci;r crtr .rl,
t()lul(), c()r)r() prirtípit>, rrrcsrrro scndo uttt rtteio pltrit fitts.jttstos, lIttt
uttt IittttIrrttt«'ttto ttt<lr:tl. I):tr;t dccitlir sobrc cssll (llrcsti() l)r'('( ts.rtrro\
r r(.r :r ()r.lro critório, mais exato, a uma distinção na esferâ dos
( r or lrr()s, ilplicados para alcançar finsjustos. O Direito natunrl uspir.r
l)t('rPrios nlcios, senl considerar os fins que servem. "lcgrtrrrlrr" os neios pela naturezajusta dos fins; o Dircito positrvo
A clirrrinação desse tipo de pergunta crítica mais exata caracterizir ,t "11;trantir" a natureza justa dos fins pela legitimidade dos nreios
rrrru tlas grarrdes correntes da 61osofia do Direito, e é mesmo o seu rtIrIttrorrriu revelar-se-ia insolúvel no caso de o pressuposto dogrtrático
(llç() nuis nlarcante: falamos do Direito natural. Essa orientação do lrn scr l'also, ou seja, se os meios legítimos, por um lado, e os fins
I )ircito não vê qualquer problema na aplicação de meios violentos para tr,\, por outro, se encontrassem nunla contradiçào inconciliável.
finsjustos, tal como o ser humano não o vê no "direito" que lhe assistc tr.t pc.rcepção desse estado de coisas não seria possível antes de sair
dc rrrover o corpo até chegar a um determinado ponto. De acordo írculo e de estabelecer critérios independentôs, tanto para os fins
r
corn essa concepção (que serviu de base ideológrca ao teÍrorismo na lor c()n)o para os meios legítimos.
l\evolução Francesa), a violência é um produto da natureza, qualquer () dornínio dos fins, e com isso também a busca de um critério
coisa como uma matéria-prima para cujo uso não há entraves, a nào tlr. lrntiçr, exclui-se, para já, dos objetivos desta investigaçào. Em
ser que se abuse da violência para fins injustos. Se, como diz a teori.r rlrrtr.rpurtida, torna-se central a questão da legitimidade de certos
política do Direito natural, os indivíduos prescindem de todo o ser,r llrrirl,r (lLlc constituem o poder. Os princípios do Direito natural não
poder em favor do Estado, isso acontece na condição (expressamente prrlcrrr tlecidir sobre esse ponto, levam apenas a uma casuística sem
constatadâ, entre outros, por Espinosa no Tratado Teológico-Polítíco'a) lltttrlr. l)c fato, se o Direito positivo não tem olhos para a natureza
de o indivíduo, no fundo, e ântes de firmar esse contrato ditado pela lrr rrrrdicional dos fins, no Direito natural acontece o mesmo com o
rezã.o, exercer de jrle todo e quâlquer poder que de Jacto possta. Talvez r r r rrlicit»ralismo dos meios. Já a teoria do Direito positivo é aceitável
essas ideias tenham sido reanimadas mais tarde pela biologia de Darwin, r orrro tirndamento hipotético no ponto de panida da investigaçào,
que, de forma absolutamente dogmática, e â pâr da seleção natural,
lxrr(luc estabelece uma distinção básica, atendendo aos tipos de violên-
aceita apenâs a violência como meio original e adequado a todos os r t,r, itrtlcpendentemente dos casos em que são aplicados. Essa aplicaçào
fins vitais da natureza. A filosofia popular darwinista mostrou muias or i,rrc cntrc a violência historicamente reconhecida, ou sancionada, e
vezes como é pequeno o passo que leva desse dogma da história natural rt tr,rr s:rttcionada. O fato de as considerâções que se seguem partirem
àquele outro, ainda mais grosseiro, da filosofia do Direito, que pretende rh.rr.r rlistinção não signiÍica que uma determinada forma de violência
que toda violência adequâda quase exclusivamente a fins naturâis serià, m.1,r r'lussificada à luz do critério do sancionado ou não sancionado, já
só por isso. rambém legrtimável. rpl(' nr.ur)l crítica da violência o critério do Direito positivo não pode
Contra essa tese do Direito natural do poder apresenta-se, nunra u'r .rplicldo, nlas tão sonlente avaliado. A questão aqui presente é a
posição diametralmente oposta, a do Direito positivo, que vê o poder rlr' .,rl,cr clue consequências se podem extrair para a essência do poder
como dâdo historicamente adquirido. Se o Direito natural é capaz lrclo Íirto de uru tal critério ou de uma tal distinção lhe poderem ser
de ajuizar de qualquer Direito existente apenâs âtravés da crítica dos lplrr.rtkrs; ou, por outras palavras, trata-se de saber qual é o sentid<r
seus fins, já o Direito positivo o faz enl, relação ao Direitô em devir rl.rr;rrcLr rlistinção. Mais adiante ficará claro que aquela distinção pro-
apenas através da crítica dos seus meios. Se a justiça é o critério dos
Iro\t.r l)('l() l)ircito positivo faz sentido, é perleitamente fundarner)tl(lrr
fins, a legrtimidade é o critério dos meios. Não obstante essa opo\i- r ttcrrlrrtrrlr ()utra a pode substituir; nlJs ao mcsltto tertrpo f.rr-rc-ir Irrz
ção, as duas escolas encontrâm-se num dogma fundamental comunr: tolrtc rr rirricu cslcrl crrr qtre essa distinção poclc tcr luglr. Ntrrrr;r 1,,r
os fins justos poden ser alcançados por meios legítimos, e os nrcios l,tvr,r: ,,. ,, criti'rio proposto pelo l)ireito positivo prra a lcgitirrritl.r,l,.
rl,t violtlttt i;t só poclc scr lnalisado ern lurrçãt.l do seu scutitlr, ;r csl, r.r
'{ Cap. 16: "Sobre os fundamentos do Estado, sobre o Direito natural e civil tir rLt rrr,r.r1'II1 ,1,.i,1 ri'Pr',lr'.tr(ntI(,l(l.r(rr)Iirr1,i,,,1,,sctrr.rl,'r.Il,r,'
inclividuo e sobre o Direito dos poderes strperiores". (N.T.) (ls(,, atlti(), (tl(()tllr:rI llllr l)()Ilt() tlt vistlr lirr.t rkr l)irr'rto l)()\itrv(), ||t.t\

60 Fttõlll Nr^MrN *^lIlfl lllN.,^M|N, "rlr,, l,l


tlnrbém fora do l)ireito natural. O que vamos tentar esclarecer é errr nu dcfesa cai em relação a essa máxima esclarecer-se-á por si no
quc nrcdida apenas o estudo do Direito no âmbito de uma filosoli.r no dcsta reflexão). Dessa máxima deduz-se que o Direito vê o
da História permite chegar a esse ponto de vista. nas mãos de pessox individuais como um perigo de subvenão d:r
Em si mesmo, não é óbvio o sentido da distinção do poder entrr' tu cstabelecida. Como um perigo que implica o fracasso dos fins
legítimo e ilegítimo. Deve ser recusado de forma clara o mal-entendrd,, lltrcito e do poder execudvo judicial? Não é esse o caso, porquc,
do l)ireito natural que afirma que tal sentido se encontra na distinção Ll.r miim, não se condenaria a violência em si mesma, mas apenas a
violência para finsjustos ou injustos. Pelo contrário, sugerimos já quc cie orientada para 6ns ilegítimos. Poderá dizer-se que um sistema
o Direito positivo exige a toda forma de poder uma explicação sobre .r llttr dg Direito é insustentável se abrir a possibilidade de se chegar
sua origem histórica, da qual depende, em determinadas condições, a srr,r nrturais por meio da violência. Mas isso, por agora, não passa
legitimidade, o ser ou não sancionado. Uma vez que o reconhecimerrto Unr doglna. Talvez tenhamos antes de dâr atenção à surpreendente
da legitimidade do poder se manifesta de forma mais palpável na obr hilidade de o interesse do Direito pela monopolização do poder
diência aos seus fins, por princípio sem resistência, pode considerar sc llcc da pessoa individual não se explicar pela intenção de garantir
como base hipotética para a classifrcação dos poderes a existência ou .r littr tlc l)ireito, mas antes o próprio Direito. Trata-se da possibili-
falta de um reconhecimento histórico universal dos seus fins. Os firs dc o poder, quando não cai sob a alçada do respectivo Direito,
que prescindem desse reconhecimento podem ser designados de firs tllrcrçar, não pelos fins que possa ter em vista, mas pela sua simples
naturais, enquanto os outros serão fins de Direito. E as diversas funçõc. rtência fora do âmbito do Direito. A mesma suposição pode ser
do poder, consoante servem fins naturais ou de Direrto, poderão scr nda, de modo mais drástico ainda, se nos lembrarmos de como a
demonstradas de forma mais clara tomando como base determinad.rs ru do "grande" criminoso, por mais repugnantes que tenham sido
relações juídicas. Para simplificar o problema, as consideraçôes que sr' rctts Íins, suscitou tantas vezes a secreta adrniração do povo. Isso
seguem tomâm como referência a situação na Europa atual. prxle âcontecer devido aos seus atos, e não à violência de que dão
Nessas relações jurídicas, e no que conceme ao indivíduo crr ctttunho. Nesse caso, o poder - que o Direito atua.l procura retirar
quanto sujeito de Direito, a tendência dominante é a de não admitir Itttlivíduo em todos os domínios de atuação * constitui-se realmente
fins naturais em todos os cxos nos quais a realização desses fins pudessc llt(, arneaça e, mesmo em situação de desvantagem, desperta ainda a
eventualmente ser alcançada adequadamente pelo uso da violênci.r. 1r.rtr.r dr multidão, em oposição ao Direito. Através de que funçào o
Ou seja: essa ordem jurídica empenha-se em instituir, em todos o. r da violência parece, e com razão, tão ameaçador para o Direito
domínios nos quais os fins de pessoas individuais possam ser alcançu I t,lo tcnrido por ele? Isso só se manifesta nos casos em que, mesmo
dos adequadamente pelo uso da violência, fins de Direito que apenl\ Ittr tll ordem jurídica atual, o recurso à violência é admitido.
o poder judicial pode concretizar desse modo. Empenha-se mesnr,, ( ) primeiro exemplo poderá ser o da luta de
classes, sob a forma
em cercear, conl recurso a fins de Direito, domínios nos quais, por rlirci«r à greve garantido aos trabalhadores. O operariado orga-
princípio, os fins naturais são livres adentro de amplos limites, corrro lllt,rrlr í', hoje ern dia, o único sujeito jurídico, além do Estado, ao
acontece com a educação; isto, sempre que esses fins naturais possarrr qltal rc corrccdc o direito à violência. Contra esse ponto de visra, i,
ser alcançados com um excesso de violência - veja-se o caso das lci' trt, potlc objetar-se que â recusa de agir, a não ação coisa que,
-
sobre os limites das competências quanto às punições escolares. A
|t últirrra instância, a greve é -, de modo algum pode ser referida
atual legislação europeia rege-se por uma máximâ geral que pode scr
llno violôncia. Foi provavelmente esse fato que facilitou ao poder
formulada nos seguintes termos: todos os fins nâturais de pessoas indr p E*ado a aceitação do direito à greve, quando estâjá não podia ser
viduais colidem com os fins de Direito, desde que sejanr perscgrriri.s ptt<h. Mas a sua validade nâo é ilimitada, porque não se rrata dc urrur
corn rnaior ou rnenor violência (â contradição cln quc o clircito tlc Jdtrç1" irrcondicional. É..rto q.,c a recusa dc unra açãr> ou tlc urn
alí{J^xlll 'r ^N
r rr^ ir,ljtri^
)
scrviço, nos casos em que equivâle simplesmente e uma "quebrâ de quando este, em detenninadas circunstâncias, se opõe conr violôrrr.i:r
rclaç(-)es", pode ser um meio limpo e não violento. E como, do ponto los grevistas enquânto agentes da violência. Na verdade, o quc o lis_
de vista do Estado (ou do Direito), o direito à greve não concede aos trdo rnais teme na greve é aquela função da violência que esta:rnÍrlise
trabalhadores um direito à violência, mes antes o de se subtrair a ela prctende investigar como único fundamento seguro da sua
críticu.
(quando esta possa ser exercida de maneira indireta pelo patrão), pode Sc a violência fosse, conro parece ser, apenas o meio de se
apodcrlr
ocorrer de vez em quando um caso de greve que corresponda a esses lnrcdiatamente do que quer que seja que se pretende nurn darlo rno
pressupostos e pretenda apenas manifestar um "voltar costas" ou um tcnto, só poderia alcançar os seus fins sob a fon.na da violência de
"alheamento" em relação ao patrão. O momento de violência pode,
url
mrdto. O poder da violência seria, nesse caso, completanente inapro
no entanto, acontecer no âmbito dessa recusa, sob a forma de chan- plra instaurar ou modificar relaçôes de fonna relativarnente estável.
tagem, nomeadamente quândo naquela se encontre uma disposiçâo () cxernplo da greve, porém, mostra que ela é capaz
disso, que tem
de princípio para voltar a praticar a ação recusada em determinadas (ondições de instaurar e modiÍicar relações juídicas,
po. ,rrri, qr,. o
condições que ou não têm nada a ver com ela ou atuam apenas sobre kntinrenro de justiça possa sair ofendido. É Íã.il ob.,.ir._r. que unia
o seu âspecto exterior. É nesse sentido que, do ponto de vista do lrl função do poder da violência é ocasional e.spo.áài.a. A anáüse da
operariado, que se opõe âo do Estâdo, o direito à greve corresponde vkllência da guerra refutará essa objeçâo.
ao direito de exercer a violência para alcançar determinados objeti- A possibilidade de um direito à guerra assenta exatamente nas
vos. O antagonismo dessas duas posições manifesta-se na sua máxima ntcrnras contradições objetivas que a do direito à greve, concretâmente
acuidade na situação da greve geral revolucionária. Nessa situaçào, a lto ílto de os suj eitos jurídicos sancionarem fornras de violência cujos
classe trabalhadora reclamará sempre o seu direito à greve, enquanto ll r pcrmanecem, para os que sancionam, fins naturais, e que, por
o Estado verá nessa reivindicação um abuso, ume vez que o direito à hro, cnr situações extrernas podem enftar em conflito aor,, or r.r,
greve não deve ser entendido "assim", e promulgará decretos especiais.
frôprios fins de Direito ou naturais. A violência da guerra, no entanro,
De fato, o Estâdo se sentirá no seu direito de declarar que o exercício prrx rrm desde logo alcançar os seus fins de lonna imediata
e corn a
de uma greve simultânea em todâs âs empresas é ilegítimo, uma vez
)olência do assalto. Apesar disso, é mais do que evidente que até em
que não pode ter em cada empresa o motivo especíÍico previsto pelo lr' l()s pII n) tr ()s u P rc C sll t)I I) tc ]l q u e nral c o II h ec l)l o
legislador. Nessas diferentes interpretações espelha-se a contradiçã<r ,t das re la ço e tl ls c il das n o l)i r et () p ol c () c t11 e t11 o I]
OS
objetiva da situação juídica segundo a qual o Estado reconhece uttr or cnl que o vencedor entrou na posse de algo agora inalienável,
poder a cujos Íins, enquanto fins naturais, é indiferente, mâs que trat.r rxrgc sc.rnpre que o cessar das hostilidades seja assinalado com um
de forma hostil quando a situação se âgÍâvâ (com a greve geral re- .l d pa z p ll a vril p 1\Z tl c lgna l)l c 1t) () II ll C o rIe il .l o
volucionária). Em determinadas circunstâncias, e por mais paradoxal ,t b C c co IIt gu erra p orq ue C\IS at II cla u Ill o u ro sc n do
que isto possâ parecer à primeira vista, pode ser visto como violêncirr ll.t () nl e .l fó rI C o c P () tr c o q LI c c a q Lt c e CIII q TI c K JI) f:l I
il
também um comportamento âssumido no exercício de um direito. Url ,l t) (rp ll il tl t, u tI) .l at) C t1 allt c tl d to d J q u ll
tal comportamento será designado de violento quando for assumido de ,l t) ll rl o l) d.p II den
I I
d c tô d ils AS o tl rl re :l Ç () es
forma ativa, sempre que exercer um direito que lhe assiste com vist.t.r t(.rs, c que consiste em reconhecer a nova situação conlo unla
derrubar a ordemjuídica pela qual tal direito the foi outorgado; se firl I íirnna dc "l)ireito", antes mesnto de se saber se essa situação
um comportamento passivo, poderá igualmente ser designado asstttr ltritrr orr rrio, fu.facttt, de algunra garantia para ter continuidade
serrrpre que se trâte de chantagem, no sentido da reflexão prop(,st.t It rcrrdo, sc lr violência da guerra, enquanto lornra prinrorclial
e
arrtcs. l)or isso, estanlos apenas perante uma contradição objctiv:r rrrr ctípir'.r, poric scr torrrlcla corno rnodclo de totlir vioiôrrciu pur:r
siturçio .jtr rítliclt, rnas não peratrte ulna contradiçio lógica tlo I)ircrtr', ll0titrius, i'insrct)tc il todlrs css:rs fitrrrrlrs tlc violôrrt.ilr t,
lroilcr rrrrr
r,l fr!õrn Nr^MrN
)
caráter legislador. Voltaremos mais adiante a essa dedução e às suls ,I ('r c ()il ç il o exercl da SO brc () ndi VI d u o c pc il p roc ;l l,t .l ri
implicações, pelas quais se explica a tendência do Direito modenro, Fará o q uc te agra da f
Pr Máxi nlas CO nto CSSA SC
atrás referida, de retirar, pelo menos às pessoas individuais enquant() til ,l
lt .t reflexão SO bre il esfera etl C () históric il c c onl SSo obrc (l ual (l u I
sujeitos jurídicos, todo o poder que vise fins naturais. Na figura d,, «la aç a() n1 CSIII da reali dade enl g('ral
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grande criminoso, o Direito vê-se confrontado com esse poder c.r (l tt:rlrdt> il açao tir Í
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sua ameâça de instituir um novo Direito, uma âmeâçâ que, apesar drr o rtât I te
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sua impotência, nos casos mais significativos faz estremecer o pov,r, .t referên cla e () tnl pera tr câte go nco c onl () scu 1n qu es t1 ()
hoje em dia como nâs épocas arcaicas. O Estado, porém, teme ess,' na
ll t,l nlll'l II ol6
Ag. de tal nrodo qu e 1l C ada l1) () n1 en to possas
poder essencialmente pela sua possibilidade de instituir um Direir,,. u ar
anidade semp IC co 11t o fim, c D ul) CA
ap e nas c () I)l o lI) c tan ()
do mesmo modo que tem de reconhecê-lo como tal quando potênci.n rIr re fe rc a tua pro pna pe's SO :l CO
l)l a () de unl LI tro I)e fa to
estrangeiras ou classes sociais o obrigam a conceder-lhes, respecti\.r Í() p()sl tr VO ctl e r C ()t scl cn te das uils r.lt z CS rcl vllt
mente, o direito de fazer a gtserra ou a greve.
) S
di c aril
ll tcrcss c da h urllam dadc deve IA
scr reco nhec do e fomen tado
Quando, na última guerra, a crítica do poder militar se tomou . dc cada indi d uo Ess e I) lre o desc
o bre o re ferido lll teressc
ponto de partida de uma acesa crítica da violência em gera.l - cútica 11trc. ll taçâ () e nLl n u tc nç ao d C tl ula o rdem
pelo menos, ensina que ela não pode já ser exercida de fomra ingêrrrr,,
d.p (] tl den te do des trn ()
ll lllr'\Il ll) do q LI llao deye Dl OS po u p ar
a cntl c lls CSSA ord C n-I, qu e
nem tolerada -, aquele poder transformou-se em objeto de crítica, r r.r, ' l() (-()ll I rtzao pre tende conserva
I a§sl nl tarn bénr q ualq u r con
âpenâs por querer instituir unr I)ireito; ele foi julgado de forma talr', 2 dcssa () rdem se revela III po ten te
enl l'a C c da cn t1 ca SC for lei t:t
ainda mais arrasadora no que respeita a uma outra função. O que,,l,' ll ll ()t)l c de ulll a li berda dc seln
ftr nlla e Dl p OSSI b ili cla des de
âto, caracteriza o militarismo - que só chegou a ser o que é devido .r,, l.t .r(l tI cla ordern sup en OI
dc li berdade E sera rmp () cll te e n)
serviço militar obrigatório - é uma duplicidade na função da violêncil. t I D il() con testar () p rópri ()
c orpo da ord eltl tln di CA llLls ilpen
mütarismo é a compulsão ao uso generalizado da violência como nrcr,, J AS
)\tu Dl cs J tlü di co5 isolados q u e
o I)irei to p rote gera cn tao co nl
para atingir os fins do Estado. Essa compulsão ao uso da violêncil l,,r
t,, lcr uul P () de Í q LI c rcc lama d e q u e so ex§te ulll des hr)
recentemente condenada com igual ou maior ênfase do que o prí4,rr,' o c
l!r l\.1 lll II o ()
esta d de colsas gen te c o eleme n to alll ea do r
uso da violência. Nela, a violência mostra-se numa função tôtalnrt rrt, lÍcv () ga velm cn te a sull ordenr I) orqu e () ça
poder (l uc ten d e
diferente da do seu uso simples para fins naturais. Consiste no uso ,lr .t t )i rc to uD1 pode r âIll eaçad o r Essa anl
ea ça Pore ll1 na ()
üolência como meio para fins juúdicos, pois a submissão dos citlarl.r,,' l,r ll scn tido de ntl núda (:a o corll ()
aco 1l t(]c com C e rto te o-
à leis - no caso vertente, a lei do serviço militar obrigatóno - i ru'' I t,r.r .t t\ dcs I] lonra d () A II tl midação n () sen tl d() cxato do ()
fim jurídico. Se àquela primeira função da üolência chamamos r tirrrl .r, ' te nll
,l tl enllln rla d e qu c c()n
tra rl a ll ess en c rl cla anl aç a, qu e
instituidora do Direito, a segunda pode ser vista como a funçào t1rr, ,, rl l"l rl .l l) I) C ll lr Unlâ Iei uIlra vez que e xt c a es pera
mântém. [Jma vez que o serviço militar obrigatório constitui urr ( .r.,, câ (l
'
de aplicaçâo do poder que mantém o Direito - em princípio iclôrrt r, , ' .r
lo ó rl;r peçr de Coethe Toruuato Tas
v (rad
outros -, a sua crítica realmente eÍicaz não é tão simples conro (lrcn rr R.róri,,'.i'À;;,1;ü:'r.';i:i',i.;T. ee4 de Joào Barrenro

os pacifistas e os ativistas com as suas proclamações. Coincide rrrtt.,,,rrr (I K:r r) -lÍ. qlis
a crítica de todo o poderjudicial, ou seja, com a crítica do potl«'r l, 1i.rl N
ou executivo, e não pode ser levada a cabo num quâdro nriris r('\ttttrr ,I brc lr k, ndag:r tlt Íi l,
Nem pode também - se não quisermos proclanlar urrr nrrlrqtrisrrro sr'rrr n
t, ,I (l
dúvida infantil - ser levada a cabo pela rccusa clrr ur'cit;r1io tl< r,ul.r ,,
apar âo seu braço. Essa é mais uma razão para a lei se revelar anrc.r
.15 co Ill P e tcnc ils ch p olí clil raril In e n c sao § u fi clcn tcl il l'.t
cs( P l( rv I
lorrt l.l ll ) ills bru tal pod en do I) o en tant o ex
çatlora conro o destino, no qual está escrito se o criminoso irá ou n.r,, erc e I -S e IIll ls c ga (l
Areâs vulne ra e pes soes e nsa tas coll tra AS qual o E tad(
cair sob a sua alçada. O sentido mais profundo da indeterminidade d.r I) .t
ordenrjurídica só seú apreendido pelas considerações posteriores sobrc P rot egl do P elas ets reside I] o lat o de II ela Itao
erifi CA I ,l se

a csÊra do destino, que é a origem dessa ordem. lJm indício precioso tação entre o poder que institui e o que mantém o Direito.
Ar>
dela encontra-se no domínio penal. Desde que a validade do l)irei«r pede-s c
a c tlrna çào p ela tóía o cgu I] do esta suJ ct t() :l
positivo foi posta em câusâ, o que nesse domínio mais suscitou a crític.r Lt(.io de n ao p () de I p ostular novo fins parr pro p n o () poder
rr.tl cstil lse t)to dessas d uas c ondiç o
ôi a pena de morte. Se os seus argumentos, na maior parte dos casos, E urlt poder lllstltuln te rltr
têm sido pouco fundamentados, já os seus motivos foram e são aprc - porque, não sendo sua função promulgar leis, pode decrerar
C () l]l vlli da de u n (li ca e (l ue tltatl ten') o I)irei to porq u e se
sentados como questões de princípio. Os seus críticos sentiâm, talvcz J

senr serem capazes de fundamentá-lo, provavelmente até sem desejarcrrr ll disposlç ao da quel es fins afl nraç a () segun do a I u al ()s fins do
p() li cial cn alll senlpre dên t1 C ()s a ()s do rcs tan tc t) lrert o o u pe ()
senti-lo, que â contestâção da pena de morte não atinge uma medidl
punitivâ nem determinadas leis, mas o próprio Direito nas suas raízes. Sr ligados a cles !' absol u tamente falsa P elo contrân o o I) lretto
da
,t rl csl qtla aq ue c po t1 to enl cl u e Estado seJ ll po l- lll)
a violência, uma violência coroada pelo destino, constitui a sua origcrrr, I
p ot en c l, seJ il
,l§ ligações 11)lan ntes de odr il o l- del)l
por outro lado não é drficil supor que no poder supremo - o potlcr .t uídi c a t)n o csti] .l a etl)
sobre a vida e a morte que se manifesta na ordem jurídica - as origcrr. clc garan trr atrl es d essa orderl u n dica OS cus flns
J enl p n COS
do "poder-como-violência" interferem de forma significativa na ordcrrr I' rrtcnde II trngt r il (l u al (lu er preç I)or l§s o T polícia ül tervénr e I)l
casos p () I razoes de gr-r ran CI (l uan do a SI tr-r açao
vigente, manifestando-se nela de forma terrível. Em consonância corrr l.g.l n a()
isso, vemos que em contextos jurídicos primitivos a pena de mortc \c
,lr Lt l)arll nao fala Í dos casos cDl qu e cI)) qual q LI cr c o I] st dcra
çao dc
I ll rr,lr colls tl tLll UIll 1I1C o l)1 odo tl ru tal quc AC o Ill panha OS cidadâo
aplica também a delitos como o âtentâdo contra a propriedade, crr
relação aos quais parece ser absolutamente "desproporcionada". O rr.rr t, d to da u Itla da regulan.r cn tada, o LI p u rll c SIIII pl e sn-)
eIl te o
sentido não é então o de punir a infração da lei, mas o de afirmâr o nt»,,
L c() D traste c o It) o l) rc to (l uc reconhec llll deci sit ()
fixa dr
Direito. Na aplicação do poder sobre a vida e a morte, mais do que crrr ' l''tt, t t (' ll() te Dl Po ürna câ tcuo rI a nl e tafisi CA graç ils ll qu al reclanra
qualquer outra aplicação da lei, é o próprio Direito que se fortalcr'c l( l 1() .t t_l tlC a, a () CU pa Cà o COIII a ll)s tl t11 o p () Ii cial 1l.l
ça o de para
,t rl ,t ..1.' cs sen cial () c u pode I
Mas é á que, ao mesmo tempo, se anuncia algo de podre no reino rl,, c anl orlir tal C o ID o .l su il lma€ienl
.t g()n â, lntangrv e e () I)t I resen te I]a vida dos E tados cl vüzad o
Direito, especialmente pârâ sensibilidades mais refinadas, que se sabt'rrr
muito distantes de situações nas quais o destino tenderia a mostrar \( llx.r.r (lc nào ser muito diferente de uns lu gâres pare outros, não se
em toda a sua majestade para fazer cumprir a lei. Mas o entendinrcrrr,, ncgrr que o espírito da polícia é menos detesável na monarquia
precisa se aproximar o mais possível dessas situações, se quiser pôr tcrr r r,, ut,r, cnl que representa a figura do soberano que concentra
em si
à crítica do poder que institui e daquele que mântém o Direito. ,i I l{r sla tr C excc tl tl o do q U ILIS d enloc IAC JS eltl (l
LI c ;l
r.,l ,t |]it S ustc ll tada po r nenh ullta re la c.1
formas de poder encontram-se presentes, numa relr1,r, ,
Essas duas o des sc TI po e tcs t('
lr, I. ,t )t' tl cgr'II e rrçâ cftr poder (l t1 e se
muito mais antinatural do que na pena de morte, num hibridisnrc 1,,,r Po d c nragr ltilr
assim dizer fantasmático, numa outra instituição do Estado rnodenr,, ., cr l) q U il l) () II) cl () ctI) po l- fir l) ll () II tl ll r () I) t-c t
da polícia. Trata-se, é certo, de um poder para finsjurídicos (conr rlilcrt,, lltltrti. Io. Sc nio sc rcclarrrar dc rrcnhurrr desscs prcdiclrrlos. rc
de execução), mâs ao mesmo tempo com autorização para institulr l,rr\ I ('olu iss() a qualquer valiclade. Daqui resulta, porí,rrr, que totlo
fins adcntro de anrplos linrites (através do direito de decretur nrcdrri.rrl cllqutlto nrcio, rnesrno uos cAsos nrris [rvorÍveis, pilrticil):l (l.r
() l:rtkr irthrrrc tle untl t;rl instituiç.i,' t1r.rc r,i |,r1 l)()lr('()\. \crtr(l(). l.t ntáticl gcr;rl tlo I)ircito. [i apcsar tle tri., 1r,r.lcrrr,,r..,irr.l,,, rr,,
ponto â que chegânos nestas considerações, discemir bem o alcrrtt c É sigrrificativo que a decadência dos parlamentos tenha desiludido

dessa problemáticâ, dePois do que já se disse, o Direito apresenta-sc 'r ÍN pessoas do ideal de uma resolução pacífica dos conflitos p<lli-

uma luz tão ambígua do ponto de vista ético que se impõe a pergurrt't quanto a guerra o havia fomentado. Aos pacifistas opõem-se os
não haverá, para a resolução de conflitos de interesses entre hur.t.tlttos' hcvistas e os sindicalistas. Fizeram uma crítica radical e globalmente

outros meios que não os violentos? A pergunta leva-nos sobretutlo 't aos parlamentos atuais. Por nrais desejável e satisfatório quc,

constatar que uma solução totalmente não violente de conflitos ntlrl( r dc tudo, seja um pârlâmento que funcione bem, por comparação

poderá desembocar num contrâto juúdico. Por mais pacífico que terrlt r outros regimes, a discussào dos meios, por princípio pacíficos, do

sido o clima que levou as partes a fimrá-lo, um contrâto desse rip.' ento político não poderá passar pelo parlamentarismo. Na
pode acabar sempre por conduzir à violência, porque concede a c:t'l'r , o que este consegue alcançar no que se refere a questões vitais

uma delas o direito de reclamar o recuno a alguma forma de violirr' r'' tpenas aquelas ordensjuídicas reÍéns da violência à entrada e à saída.

contrâ a outra, no caso de esta violar o contrato' E não é só isso: r Mas será a resolução não violenta de conflitos em princípio
própria origem de todo contrato âpontâ para a violência, tal cotrto " vcl? Sem dúvida. As relações entre pessoas singulares estão chcias

seu desfecho. Enquanto poder que institui o Direito, esta não prc' ir'r lxcnrplos disso. O entendimento sem violência encontra-se por
estar diretamente presente nele, mas está nele representada desde tlrrl I parte onde â cultura do coração ofereceu às pessoas meios puros
o poder que garante o contrato juídico tenha, por seu lado, orrut tt' ac cntenderem. Aos meios legais e ilegais de toda a espécie, todos

violenta, ainda que não tenha sido aplicada legalmente no contrirl. cxpressão da violência, podem contrapor-se, como meios puros,

com recurso à violência. Quando desaparece a consciência da Preser)\'r


rlttc rcnunciam à violência. Os seus pressupostos subjetivos são a
udeza, a simpatia, o amor da paz, a confiança e outras qualidades
latente da violência numa instituição de Direito, esta entra em decrttli'tr
poderíamos acrescentar. Mas é a lei - cujas imensas implicações
cia. Exemplo disso no nlomento âtual sào os parlamentos Oferccetrr"
podenros comentar aqui - que determina a sua manifestaçào ob-
triste espetáculo que conhecemos porque perderam a consciênci;t 'l r"
forças revolucionárias a que devem a sua existência. Particularmctttc tr''
, tlizendo que meios puros nuncâ poderão servir para soluções
última manifestação de tais poderes não teve consequôtrt t'"
r, nlas apenas mediatizadas. Por isso eles nuncâ se relacionam
Alemanha, a
[tcnte com a resolução dos conflitos entre uma pessoa e outra,
nos parlamentos. Faita-lhes o sentido do poder instituinte do l)ilcrt''
lêrrr sempre de passar pelas coisas. E nos casos em que os conflitos
que neles esú representado. Não admira que não cheguem â t()trr'rr
rros se relacionam de rnodo mais objetivo com bens materiais
resoluções dignas desse poder, entregando-se, pelo contrário, a pr"rtr' r''
r' ,rlrrc <> domínio dos meios puros. Por isso a técnica, no sentid<r
de compromisso que espelham uma forma pretensamente não vi()lcrrl r
únrplo do termo, é a sua área de eleição. O seu exemplo corn
de tratar assuntos políticos. O resultado é um "produto que, apcs;rr 'l''
lirnrlas consequências é talvez o diálogo, visto como uma técnicâ
desprezar toda violência âberta, se insere na mentalidade da violirr' r'''
são motivados ttrio p"r ''t
lcrrrlirnento civilizado. Nele não só se toma possível um acordo
porque os esforços que levam ao compromisso
vtol('nt() como se prova cxplicitarnente a renúncia de princípio
mesmos, mâs a Panir de fora, pelas tendências opostâs; porque o 'rr'rlr'l
(
rrr'iu, com base numa relação importante: a da impunidadc dr
compulsivo é inerente a todo compromisso, por mais voluntítri r '1rr''
lr,r. 'l llvez não exista no mundo nenhur.na legislação que origi
tenha sido a sua aceitação. 'Uma solução diferente teria sido rrrcllr"r'
lll(' punâ â mentira. O que quer dizer que existe ultta csÍi'nt tl.t
eis a sensação subjacente a todo compromisso".rs
vloli'rrcil na convivência humana que é totalnrentc irnccssír'cl i
ia: a csfi'ra propriarnente dita do "cntendinl('nto", r lingrLrgcrrr
s Erich Unger, Politik únd Metaphysi& (Die Theorie' Versuche zu philosrl'lrrl lrlt t:trtlc, c nurrr cstmrrht> processo dc dccadônciu, o ptxler.jtrrlir i,rl
Politik, 1. Verõffentlichung) [Política e Metefisicâ (A tcorir' Ensrit' tl' p.'lrtr'r
filosóÍica, 1'pubücação)l Berlim, 1921. p. u. tt. ao prrrrir lr filrtrtlc. l)c fit<1, crrt;r,r:rrrto ;r orrlcrrr .jlrrírlir .r, tt.tr

o uA txstôfit^
70 ^NJo
suxs origcns c confiando no seu poder vitorioso, se limita a castigrr.r gludiremos âpenâs aos meios puros da política enquantr> análogos
rlcgllidade onde esta se manifeste, e a Íiaude, uma vez que não é ettt ueles que dominam a convivência pacífica entre pessoas singuhrcs.
si rrrcsrrra de natureza violentâ, não era punível no Direito rolnatto No que se refere às lutâs de classes, nelas a greve terá de ser vistu,
e rro gerrrrârrico antigo (segundo os princípios ins rivíle rigilantiln' dcterminadas condições, como um meio puro. É preciso caracte-
sffiptut,a cst ou "A vigilância vale dinheiro"), o Direito de épocas nt,tr. pormenorizadamente duas modalidades de greve essencialnrcnte
tardias, a quem faltava a conÍiança no seu próprio poder, deixou dc sc tes, a que já nos referimos antes. Cabe a Sorel o mérito de tê-l:rs
sentir à alturâ de qualquer poder alheio. Pelo contrário: o medo dessc nguido pela primeira vez - mais por razões políticas do que teóri-
podcr e a falta de autoconfiança mostrâvam como esse Direito estrr'.r Opõe à greve geral política a greve geral proletária, reconhecendo
abalado. Começou a postular fins com a intenção de poupar a nrttt existe entre as duas uma oposição também no que se reGre à
fortes provações o poder que mantinha o Direito. E volta-se contrt.r ncia. Os panidários da primeira afirmam: "O fundamento das
fraude não por razões morais, mas por receio dos atos violentos t1tt,' concepções é o fortalecinento do poder do Estado; nas suas atuais
ela pode despoletar naquele que foi enganado. Como esse receio entr,r ões, os políticos (1.e., os socialistas moderados) preparam já
em contradição com a própria natureza do poder do Direito, quc lhc tuição de um poder fortemente centralizado e disciplinado, que
vem das origens, tais fins revelam-se inadequados aos meios legítirrr,,' te deixará impressionar pelas cúticas da oposição, que saberá impor
do Direito. Neles maniíesta-se não apenas a decadência da sua própri.r êncio e promulgar os seus decretos hipócritas".s "A p;reve geral
esfera, mas também uma reduçâo dos meios puros: com a proibiçi,, tica 1...1 demonstra como o Estado nada perderá da sua força, como
da fraude, o Direito limita o uso de meios totalÍnente não violentos. potlcr dos privilegrados passará para os privilegtados, cotno a massâ
porque estes poderiam provocar uma reação violenta. Essa tendênci.r produtores mudará de donos."al Contra essa greve geral política
do Direito também contribuiu para a concessão do direito à grev,.. I fórmula parece ser a da passada revolução alemãa2), a proletária
que contradiz os interesses do Estado. O Direito concede-o porque cl. como única tarefa a destruição do poder do Estado. "Elimina
pode prevenir ações violentas que receia enfrentar. Antes, os operário' r rs consequências ideológicas de qualquer política social, seja ela
recorriam imediatamente à sabotagem e pegavam fogo às Íãbricas. I for; os seus pârtidários veem todas as reformas, mesmo as mais
Para convencer as pessox a resolver pacificamente os seus conflit,rr rllrcs, como burguesas."tl "Esta greve geral anuncia claramente a
de interesses aquém da ordemjurídica existe, para lá de todx as virtudt's,
I[difc.rença em relação ao ganho material da conquista, ao declarar
um motivo eficaz que, frequentemente, oferece até a mâis renitet)l( qucr acabar com o Estado; o Estado era realmente [...] a razão de
das vontades aqueles meios puros, em vez dos violentos: o receio,l,'
rirr gnrpos doninantes que tiram proveito dc todos os empreendi-
desvantagens comuns que podem resultar de um confronto violent,,,
Ios cujo ônus recai sobre a generalidade da população."aa Enquanto
qualquer que seja a sua nanrreza. Tais desvantagens tomam-se evidentcr
tttcirl fonrra da suspensão do trabalho é üolenta, üsto que só pro-
em muitos casos de conflitos de interesses entre pessoâs singulares. C)rrtr.r
r rrrru nrodificação exterior das condições de trabalho, a segunda,
é a situação no caso de disputas entre classes e nações, em que aqut l,r'
ordens superiores que âmeaçam esmagar tânto os vencedores conro ,,'
5 ed Paris' lere'P 2s0'
vencidos pemlanecen inacessíveis à sensibilidade da maioria e à irtr'
ligência de quase todos. Nesses casos, a busca dessas ordens superi,.,r, t Ei§Tl;^;f;:íonssurtaviotente'
e dos interesses que lhes são comuns. que consriruiriam o nroriv() rr,rr\ f}c rcvolucionária e das "Repúblicas dos Conselhos" que se seguiu ao Íim da
Jnaln {;r".r, Mundial (1918-1919), antes do estabelecimeoto da República
forte para uma política dos meios puros, levaria longe demais.''' l',,r lVcirn.r. (N.T.)
]' Mas veja-se Unger, op. rír,, p. 18 segs Hí:Í:iill
72 /.,
cr(Irlnt() nrcio puro, é não violenta, pois não acontece com a disposiçio ntorte a sua paÍe", para depois abandonar deliberadamerrtc u viti:r rr.r
rlc rctornar o trabalho depois de algumas concessões secundárias ou primeira ocasião. De maneira mais evidente do que nas recetrtcs lutilr
n)udanças nas condições de trabalho, mas sim com a decisão de apenas dc classes, foram-se consolidando ao longo dos milênios de histírria tkrs
retonrar o trabalho se ele for radicâlmente transformado, se deixar de ser Estados os meios não violentos de entendimento. Só esporadicanrerrtc
irrrposto pelo Estado, ou seja, uma rebeliâo, não só desencadeada mas r missão dos diplomatas nas relações bilaterais consiste na alteração dils
tar.ubérn levada a cabo por esse tipo de greve. Por isso a primeira fomr.r ordens juúdicas. No essencial, o seu papel é o de, por analogia con)
de greve é instituinte do Direito, ao passo que a segunda é anarquistr. oi âcordos entre pessoas singulares, em nome dos respectivos Estados,
Apoiando-se em afirmações ocasionais de Marx, Sorel rejeita, para o Itsolver caso a caso os seus conflitos de forma pacífica e sent contratos.
movimento revolucionário, toda espécie de progrâmas, utopias; nunla Uma tarefa delicada, solucionada de maneira mais resoluta pelos tribu-
palavra, a instituição de qualquer forma de Direito: "Com a greve ge- nris arbitrais; mas trata-se de um método superior ao da arbitragem,
ral, todas essas belas coisas desaparecem; a revolução surge como uma uma vez que se situa para além de toda a ordem -jurídica e, portanto,
revolta clara e simples, e nela não há lugar nem para sociólogos nern tlr violência. Desse modo, a convivência entre diplomatas, tal como
para os elegantes deÊnsores de refomras sociais, nem tampouco pâra os ú relações entre pessoas singulares, fez nascer formas e virtudes que,
intelectuais que assumiram a proÍissão de pensar pelo proletariado".ri tinda que se tenham tomado secundárias, nem sempre foram assim.
A essa concepção profunda, ética e autenticamente revolucionária nào Em toda esfera dos poderes que pressupõem um Direito natural
se pode contrapor nenhuma consideração que pretenda estigmatizar ou positivo não se encontra um único que não seja afetado pelos gra-
como violência uma tal greve geral, tendo em conta as suas possíveis ves problemas atrás referidos, inerentes a qualquer poderjudicial. No
consequências catâstróficas. Ainda que se possa dizer, com razão, que cntânto, como toda ideiâ de uma solução imaginável para as tarefas
toda a economia atual é comparável não tanto a uma máquina que parl humanas - sem falar da libertação do círculo onde caíram todas as
quando o fogueiro a abandona, mas mâis a uma fera que se enrâivecc iituações existenciais da história univenal até hoje - continuâ a nào
quando o domador lhe volta costas, do mesmo modo a violênciâ dc rcr possível com total exclusão, por princípio, de qualquer violência,
uma ação deve serjulgada não pelos seus efeitos ou pelos seus fins, nus intpõe-se a pergunta sobre a existência de outros tipos de violência
apenas segundo a lei dos seus meios. O poder do Estado, porém, ao quc não aqueles sempre considerados pela teoria do Direito. E ao
considerar apenas os efeitos, opõe-se precisamente a essa greve conr() nlcsmo tempo a pergunta sobre a verdade do dogma fundamental
supostâ violência, ao contrário das greves parciais que, na maior parte r(nlum àquelas teoriâs: fins justos podem ser alcançados com meios
dos casos, são meras formas de chântâgem. Sorel explicou com muitl ' lcgítimos, meios legítimos podem ser usados para fins justos. O que
perspicácia em que medida uma tão rigorosa concepção da greve geral rr'ontcceria então se esse tipo de poder dependente do destino e que
é, enquanto tal, um bom instrumento para diminuir as possibilidades usl nleios legítimos se encontrasse num conflito inconciliável com fins
de eclosão da violência propriamente dita nas revoluções.
,lustos enl si? E se ao mesmo tempo fosse previsível um poder de outro
Por outro lado, temos um caso exemplar de suspensão violentu, tr|(), que entào não pudesse ser o meio legítimo ner.n ilegítimo para
mais imoral e brutal do que â greve geral política, comparável ao bl<r rlt.tttçar aqueles fins, por se relacionar com eles não como um rnrio,
queio: a greve dos médicos, tal como a conhecemos de várias cidacles nt.rr tlc outro modo qualquer? Lançaria assim luz sobre a estranha e
alemãs. Ela revela da maneira mais repugnante o uso da violência scrl tlcstlc logo desencorajante experiência da indecidibilidade de princípio
escrúpulos, que chega a ser perversa numa classe profissional qtrt., t[' (odos os problemas jurídicos (provavelmente só cornparável, no
durante anos e sem a menor tentativa de resistência, "assegurorr i rcu (ilrítcr aporético, à impossibilidade de uma decisão vinculutivu
trtlrrc o r;rrc ó "ccrto" r'rtr "errado" nas línguas ertr dcvir histririco). Nl
'§ Sorel, op. cit., p.200. vcrr,l.rrlt', rlttcrt tlccirlc sobrc e legitirrritladc cLrs rrrcios c cla.jrrstczu tl,rs

/4 arlõrJrNr^M N w^ t ot NJaMtN i, I I il
firrs nurrca ô a razão, mas um poder do destino acima dela, acima rkr
ntificar quando admira os grandes criminosos. A violência cri crrtr'io
qual, por sua vez, está Deus. Um ponto de vista que só é raro porquc
Níobe a partir da esfera insegura e arnbígua do destirro. Nio i.
donrina o hábito tenaz de pensar aqueles fins justos como fins de url
te destruidora. Apesar de provocar a morte sangÍentâ d(r§
l)ireito possível, ou seja, não apenâs como tendo validade univen.rl
or de Níobe, suspende-se perante a vida da mãe, que deixa para tr;'rs
(o que é uma consequência analítica do traço distintivo da justiç.r),
t culpada do que antes, carregando etema e mudamente essa culpr,
rnas também como sendo suscetíveis de generalização - o que, conr()
mtco que assinala a fronteira entre homens e deuses. Se esse poder
se poderia provar, contradiz aquele traço distintivo. Os fins que sr'
diretamente nas manifestações míticâs pretende mostrar a sua
âfigurâm justos, univenalmente reconhecidos e univenalmente válidos
de, ou mesmo identidade, com um poder instituinte do Dircito,
numa situação não o são parâ outra, por mais parecida que ela seja solr
oura problemática se projeta dele para o poder instituinte do
outros aspectos. Uma função mediata da violência, tal como a vamos
rçito, na medida em que - na exposição da violência da guerra que
propondo à discussão aqui, está presente nâ nossa experiência da vitl.r
antes - o câracterizâmos como um poder apenx dos meios. Ao
quotidiana. No que aos seres humanos se refere, a cólera, por exemplo,
o tempo, esse articulaçào promete esclarecer melhor o destino,
leva-os às mais evidentes explosões de violência, uma vez que nâo rt'
subjacente ao poderjuúdico, e levar até o Íim as grandes linhas
relaciona, enquanto meio, com um fim proposto. Não é meio, nrls
tua crítica. E que a funçào do poder como violência na instituiçào
manifestação. E essa forma de violência conhece manifestações objetir .n
l)ireito é dupla, na medida em que essa instituição se propõe ser
nas quais pode ser sujeita a crítica. Tais manifestações encontram-sc,
hr que se institui como Direito, conlo seu fim, usando a violência
em primeiro lugar e de forma muito significativa, no mito.
tnr: nteio; mas, por outro lado, no momento da aplicação dos fins
O poder mítico, na sua forma arquetípicâ, é mera manifestaç.i,'
vistâ como Direito, a violência não abdica, mas transforma-se.
dos deuses. Não meio para os seus fins, diÍicilmente manifestaçâo da su,r
llt scntido rigoroso e imediato, em poder instituinte do Direito, na
vontade, em primeiro lugar manifestação da sua existência. A lenda clt'
r,lida em que estabelece como Direito, em nome do poder político,
Níobelt' contém um exemplo excelente desse poder. Poderia pensar-sc
r trnr fim livre e independente da violência, mas um fim necessária
que a ação de Apolo e Artemisa é apenas um castigo. Mas o seu podcr
hrtirnlrnente a ela ligado. A instituiÇão de um l)ireito é instituiçào
representa muito mais a institucionalização de um Direito novo tkr
ttnr poder político e, nesse sentido, um ato de manifestação direta
que a punição pela transgressão de um existente. A fiybns de Níobe llz
violôncra. A justiça é o princípio de toda instituiçâo divina de fins,
recair sobre si a fatalidade, não por transgredir a lei, mas por desafiar o
prxlcr político, o princípio de toda instituição mítica de um Direito.
destino - para uma luta em que ele vencerá, fazendo eventualmentc
I

l'lstc últirno princípio tem no Direito político uma aplicaçào


nascer da vitória um novo Direito. Esse poder divino no sentido antiq,,
tottscquências imensas. De fato, na sua esfera, o estabelecimento
não se confunde com o poder da punição, que tende a manter o Dircrt,,
lirrritcs - presente nâ "pzz" de todas as guerras da era mítica - ó
vigente: isso esú bem patente nas lendas dos heróis em que estes, p()r
ttili'ttônrcno por excelência do poder instituinte do Direito. Aí se
exernplo Prometeu,aT desafiam o destino com dignidade e coragenr.
r\t r,r i cvidênciâ que o poder político teur de ser garantido por toclr
lutam contra ele com melhor ou pior sorte, e â nârrâtivâ não deir.r
lcr irrstituinte clo I)ireito, muito para além da mera posse nrris ou
de lhes dar a esperança de um dia virem a conseguir unr novo Dircit,,
lttos cxcessiva. Quando se fixam limites, o adversário não é punr
para os humanos. É esse tipo de herói e o poderjurídico que assr\tc
tittrplcsrrrcntc clinrinado; são-lhc conccdidos direitos, ainda cltrc o
ao mito, de que ele é parte integrante, que ainda hoje o povo procur.,
lcr tlc dorrrinação csteja do lado do vencedor. Direitos "igtrrris",
4 llllt rcntido tlcnrorríacr> c arrbíguo: í' unra e a nrcsrn]:r lirrlr.r,lc
Yd. Ilíada, Canto 24, v. 605-617; e Ovídio, MetamorJoses 6, v. 146-315. (N. 1 .)
{7 Vd. Hesíodo, Teogonia, v. 507-616; e Erga, v. 47 105. (N.T.) lonteir:r cluc nâo potlc ser trarrsgreditla. Estlr))os pcrlt)tc x(lucl.r I

ltttta lnlt)iHui(ll(lc rrrític:r, tcrrivclrrrcrtc .rlc.riz:rrrtc, dus leis rlrrt'


Ft!õti Nr^MrN
Ít N,^Mllr
não podem ser infringidâs, de que fala satiricamente Anatole Frrnt c o. É precisamente essâ tarefa que, unle vez mais, coloca em
quando diz que elas proíbem igualmente a pobres e ricos pemoitarctrr instância a questão de um poder puro e inrcdiato clpaz cle travar
debaixo das pontes.48 Também Sorel parece tocar numa verdade nrtt.r r do poder mítico. Do mesmo modo que, cn) todos os clornínios,
fisica, e não apenas histórico-cultural, ao sugeár que nas origens totl,' to sc opõe Deus, assim também ao poder rrrítico sc opõe r> divino.
o Direito (Reràr) assentava no direito de prerrogativa ( I/or-Redrr) d,,. l, dc fato, o oposto do primeiro em todos os rspectos. Sc o poder
reis e dos grandes, em suma, dos poderosos. E assim continuará a scr. o é instituinte de um Direito, o divirro tenclc a clcstruir csse I)i-
mutatis mutandis, enquanto existir o Direito, porque do ponto de vr.t., rc aquele impõe limites, este destrói todos os linritcs; sc o poder
do poder-violência (o único que pode gârantir o Direito) não cxisrc úrâsta consigo, a um tempo, culpa e expirçio, o clivin<> absolve;
igualdade, nras, na melhor das hipóteses, poderes da mesma escala. M.r. lc é ameaçador, este é aniquilador; sc urrr i.silr)[Ircr)t(), () outro
o ato da instituição de limites é importante para o reconhecimento ..1,, rcm ser sangrento. Podemos confrontar corrr l lcncla cle Níobe,
Direito ainda sob outro aspecto. As leis e os limites traçados penrr.r exemplo desse outro poder, ojuízo divino sobre o bando de
necem, pelo menos em eras primitivas, leis não escritas. O indivídrr,, ,m Essejuízo abate-se sobre privilegrados, Lcvitns, rtinge-os scrn
pode infringi-los sem ter consciência disso, e sujeitar-se assim a trrrr,r pÉüo, sem ameaça, castigandonão hesitando cnr rniqr,rilá-los.
e'

expiação. Toda intervenção do Direito motivâdâ pela infração dr lcr ao mesmo tempo, ao aniquilar absolve da culpa, c não sc pode
não escrita e desconhecida recebe o nome de "expiação", e conl r\\i t uma profunda relação entre o carátcr não sangrcnto e a absol-
se distingue da punição. Mas, por maiores que sejam as desgraças tlrrc petentes nesse poder. O sangue, de hto, é sírrrbolo da vida nua.
ela inflige ao trans€fessor inconsciente, a sua intervençào, no sentitl,, cedeamento do poderjudicial renrete - de um rtrodo que nâo
do l)ireito, não se deve ao acaso, mas ao destino, que uma vez r)1.1\ os desenvolver aqui - para a culpa inerente à vidl nua r natural
s<: Drostrâ rrlui na sua arrrbiguidade deliberada. Já Hermann Cohcrr. ttttÍcga o ser humano inocente e infeliz à expiação, que o liberta da
nunra breve análise da ideia antiga do destino, se referiu â isso conro r ttlp,r - rbsolvendo também o culpado, não de uma culpa, nras d<>

"unr detenninisnro inexorável", dizendo que "é a sua própria ordorr r. No âmbito da vida nua cessa a dominação do Direito sobre os
que parece provocar essâ transgressão ou infração".ae (Jm testenrunl)r' ( ) poder mítico é, em si e para si, poder sangrento sobre a vida

modemo desse espírito do Direito é o postulado de que a ignorârrr r,r lnquanto o poder diüno, tomando como referência o vivo, é puro
da lei não exime ninguém de punição, tal como a luta pelo l)ircrt,, rohrc l vida. O primeiro exige sacrificios, o segundo acolhe-os.
escrito na fase arcaica das comunidades antigas deve ser entendida corrr, ' lisc poder divino não é testemunhado apenas pela tradição re-
rebelião contra o espírito da lei mítica. ; In'l() contrário, encontrâ-se também na vida atual, pelo menos
Longe de abrir uma penpectiva mais pura, a mânifestâçào nrirr dt rttas nranifestações sagradx. Uma dessas formas de manifestação
ca imediata do poder revela-se, no seu âmago, idêntica a todo prxl, r lcr th educação na sua forma mais acabada, fora da esfera do
jurídico, e transforma a suspeita do seu lado problemático em cert( ./.r . lil;rs não se definem, portânto, pelo fato de Deus em pessoa
quanto ao caráter nefasto da sua funçâo histórica, posttrlando assinr a srr,, rr r.rrc potlcr de nrodo não mediatizado, através de milagres, mas
trrcio tlaqueles nlomentos de uma atualização não sangrenta,
I
í3 Ânatole France, lt lys rcuge, Paris, 1894, câp. VII (a traduçâo alenrã utiliz«l,r 1,,r tuc, ,rbsolvcndo da culpa. Em última aníise, pela ausência de
Benjamin, Drie nte Lylie, sait em Munique em 1919). A passagem do rorrr.rrr, ,' , lirnrr;r dc instituição de Direito. Nessa medida, será tambénr
a seguinte: "E obrigação dos pobres sustentar o poder e o ócio dos ricos. I).rr.r nr,, t rlcsigrmr csse' poder como aniquilador; mas ele o é apenas de I
pemite-se-lhes que trâba.lhern sob igualdade majestosa de uma lei qr.rc proibe,
a .r r r, ,
" lthtiva, crn relação a bens, ao Direito ou à vida, mas nunca
como a pobres, dormir debaixo das pontes, mendigar nx rux e roubar pão". (N l)
íe Hermann Cohen, Ethik des teinen Wittens [Ética da Pura Vont.rJcl, f . ctl rtvrst.r
Berlim, 1907, p. 362. I hl,'r, . tNrrrf, r,* lr, \ I '

7A
vivo. [Jma tal extensão do podcr
rubsoluta, enr relação à âlma do ser lxistência em si está acima de un1a existência justa, se por existôrr,..r.r
puro ou divino suscitârá, precisamente hoje em dia, as mais violentls se entender mais do que a vida nua - como acontece na rcflcxio

críticas, que a refutarão com o argumento de que, segundo a sua lógic.r. . Mas esta contém unra verdade de peso se por existência (otr
ela permitiria também, em determinadas condições, a violência letal dos hor, vida) - palavras cuja ambiguidade, perGitamente análogl i
honrens uns contra os outros. O argumento não colhe, pois à perguntrr prlavra "paz", tem de ser resolvida a partir da sua relaçào conr durs
"Posso matar?" segue-se, como mandamento, a resposta inefutávcl: rirs *
entender "o ser hul'rano" como um agregado imutável. ()u
se

"Nào matarás!".srEsse mandamento está antes do ato, tal como o Dctrs rc quiser dizer que o não-ser do ser humano é algo de mais terrível
está "ante ele"52 para evitá-lo. E, no entanto, apesar de não poder tratar-sc que o (necessariamente e mero) ainda-não-ser do ser humano jus
do medo da punição que exorta ao respeito do mandamento, cl. A essa ambiguidade deve a Êase citada o seu caráter de ilusão. De
perrnanece inaplicável, incomensurável perante o ato consumado. l)o nenhum o ser humano se pode identificar com a mera vida do
mandamento não pôde deduzir-se qualquerjulgamento do ato. Por es\,r humano: nem com â mera vida que existe nele, nem com qualquer
razão não se pode prever nem o juízo divino do ato nem a razão dessr' dos seus estados ou das suas qualidades, nem, finalmente, com
juizo. E por isso não têm razão âqueles que pretendem fundamentrr rltgularidade da sua pessoa fisica. Por mais sagtada que seja a pessoa
com o mandamento a condenação de toda e qualquer morte violel)t.r lrnâ (ou também aquela vida nela que existe de maneira idêntica
de um ser humano por outro. Ele não constitui medida do julgamento. vida terrena, na morte e na vida após a morte), não sào sagrados
é, antes, guia para a açào das pessoas ou comunidades que a ele recor- rcus estados-de-vida nem a sua vida corpórea, vulnerável à ação de

rem nâ sua solidão e em casos inauditos assumem a responsabilidatlc tros. O que é que distingue essencialmente a vida humana da dos
da transgressão. Era esse o entendimento do judaísmo, que rejeit.r\.r lrris e das plantas? Mesmo que também estas lossem sagradas, nào
expressamente a condenaçâo do homicídio em caso de legítima defes:r.
porlcriam ser em função da sua vida nua e só nela. Talvez valesse a
,r investigâr as origens do dogma do caráter sagrado da vida. Tal-
Mas os pensadores a que nos referimos reportam-se a un1 outro teorenlll.
a partir do qualjulgam poder fundamentâr o próprio mandamento. L I csrc dogrna seja recente, é mesmo muito provável que assim sej.r
o princípio do caráter sagrado da vida, que olr se estende a toda vi(l,r vcz cle seja o último erro da enfraquecida tradição ocidental, o de
ttntr o sagrado, que perdeu, no plano insondável do cosmológico
animal e mesmo vegetal ou se limita à humana. A sua argumentaçi(,.
que num caso extremo se pode exemplificar com o homicídio dr,t a.urtiguidade de todos os mandarnentos religiosos que proíbenr o
rir'ítlio não constitui objeção â essa tese, porque na sua base estào
opressores em contexto revolucionário, é a seguinte: "se não rrlt:rr,
ntss outros pensamentos que não os do teorema modemo). Por
nunca conseguirei estabelecer neste mundo o reinô universal dajurtrq.r
tlri quc pensar o fato de aquilo que aí se proclar.na como sagrado ser,
[...] Asim pensa o terrorista intelectual. Mas o que nós proclanattror
é que acima da felicidade e da justiça de uma existência isolada esr.i .r
I(ordo com o antigo pensamento mítico, o suporte estigrlatizado
a'ulpi: a vida nua.
existência em si".sr Essa frase não é apenas falsa e mesmo ignóbil, cl.r
A crítica do poder-conro-violência é a filosofia da sua história. E
liberta-nos da obrigação de procurar o fundamento do mandarncrl,, tlikrsofir" dessa história porque só a ideia do seu desfecho possibilrt.r
naquilo que o ato faz ao morto, mas leva-nos a procurá-lo naquilo (lu(
tlu,rrlnrrrrento cútico, dilerenciado e decisivo das suas balizas tent
ele faz a Deus e ao próprio autor do ato. E íâlso e vil o postulado dc tltrc
N, LJrrr olhar que se concentre apenas no que está nrais pr<ixinro
't'lrcr' ,ic Ír, tlrrlndo rluito, de unra oscilação clial['ticl nls Íirrrrr;rs
ir Ci 2 Moisés (Êxodo), 20, 13. (N.T.)
Ittirl;ts pclo poclcr, cnquanto instituintc tle I)ircito ou tcr)(lcr)t(
5'z
Cf 5 Moisés (Deuteronômio), 5, 17. (N.T.)
lr,'/
tltcr I)ircik). A lci dcssa oscillçã<) tssclttil n() Íirto tlc torlo
sssc
Kun Hiller, "Anti-Kain. Ein Nachwort" lAnti Ca;n. Unr posficio], irr: 1)tr
.ldhrhíiúü.fin leisti.q( Poiiti[. Ecl. Kurt Hillcr. Vol. 3. Munirlrrc, l()](), 1,. l5
Í tct)(lcntc il n)lurtcr o l)ireito, no rlccorrcr rlo tcrrrpo, :rclhrrr.
nr n r^MtN
tt0 l
por enfrâquecer indiretamente o Direito instituinte do poder nele rc
presentado, através da opressão dos poderes contrários e inimigos (;r,
longo deste trabalho chamamos a atenÇão para alguns sintomas disso)
Essa situação mantém-se até que novos poderes, ou os anteriornretttr
oprimidos, vençam o poder até aí instituinte do Direito, fundarrtl,
com isso um novo Direito predestinado à decadência. As novas époc.t
históricas fundamentam-se na ruptura desse ciclo dominado por fonr,r
míticas do Direito, na destituição do Direito e dos podcres dc ,1rr,
depende (tal como eles dependem dele), enfim, no desmembrame nt,
do poder do Estado. Se o domínio do mito foi já minado aqui c .rl
na atualidade, o Novo não se situa num ponto de fuga tão incorrc,.
bivelmente longínquo que uma palavra contra o Direito acabe por r,
tomar inócua. Mas se a permanência do poder, enquanto poder ptr,
e imediato, estiver garantida também para além do Direito, isso pror.
a possibilidade de um poder revolucionário, expressão pela qual dcr,
ser designada a suprema manifestação do poder puro exercido pcl,
homem. Mas já não é igualmente possível, nem urgente, para os s( r(
humanos se o poder puro o foi realmente num determinado monte rl (, r
l.xperiência e pobreza
De fato, só o poder mítico, e não o divino, poderá ser reconheci,l,,
com alguma margem de certeza, como violência do poder; a nàt, s,
no caso de efeitos incomparáveis, uma vez que a força do poder,1t,,
absolve da culpa não é acessível ao homem. O puro poder dtvrrr,
volta a dispor de todas as formas eternas que o mito abastardou atr.rr',
do Direito. Esse poder pode manifestâr-se tânto nâ gueÍra verclltk rr
como no juízo divino da multidão sobre o criminoso. Desprezír't l ,
porém, todo poder mítico, o poder instituinte do Direito, a t1rrr",,
poderia chamar o poder que permite ao homem determinar (xhtltr tt'l
Cewalt) - Desprezível é também o poder que mantém o Direito, o p,,,1,
administrado (venuahete Geualt) que serve o primeiro. Ao poder drv rr,, '
que é insígnia e selo, mas nunca meio para a execuçào sagrada clc rrrrr
pena, chamaremos o poder que dispõe (wahende Ceualt).

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