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r,,,tr,,,1,.,,11,. !'i)/i)11 lo.r()Baírento
Canrado Esteves
)^ r orrç^o rrÔ
REVEÁo rÊaNca E nxÁçÀo DE TExTo
30140 071 Bêo Horronte . MG 23" andar, Coni 2301 CeÍquê Ía César 165. Comentários
Tel. (55 3l)3214 5700 0131l-940 Sáo Paulo SP
Sobre o conceito da História p. 168
Te .: (55 11)3034 4468
Teievendas 0800 283 13 22 Fragmento teológico-político p. 1 93
vwwvêulenl caeditora corn bÍ
Fragmentos (filosofia da História e política) p. 196
Anúncio da rcuisla Angelus Novus p.201,
Destino e caráter p. 211
Oados lnterna(ionais dê Catalogação na Publicação (ClP)
(Cámârã Brasileira do Livío, SB Braril) Sobre a crítica do poder como violência p. 213
Fltõr]rNr^M N
I
A tarefa de uma cútica do poder pode ser circunscrita como
I ,lprcsentação das suas relações com o Direito e a Justiça. De fato,
qttrltluer que seja a forma como uma causa atua, ela só se trânsforma
íttr víolência no sentido mais forte da palavra quando interfere com
rclações de ordem ética. São os conceitos de Direito e Justiça que
rlclirrritarn a eslera dessas relações. No que se refere ao primeiro desses
r orrccitos, ê evidente que a condição elementâr de toda ordemjurídica
os pacifistas e os ativistas com as suas proclamações. Coincide rrrtt.,,,rrr (I K:r r) -lÍ. qlis
a crítica de todo o poderjudicial, ou seja, com a crítica do potl«'r l, 1i.rl N
ou executivo, e não pode ser levada a cabo num quâdro nriris r('\ttttrr ,I brc lr k, ndag:r tlt Íi l,
Nem pode também - se não quisermos proclanlar urrr nrrlrqtrisrrro sr'rrr n
t, ,I (l
dúvida infantil - ser levada a cabo pela rccusa clrr ur'cit;r1io tl< r,ul.r ,,
apar âo seu braço. Essa é mais uma razão para a lei se revelar anrc.r
.15 co Ill P e tcnc ils ch p olí clil raril In e n c sao § u fi clcn tcl il l'.t
cs( P l( rv I
lorrt l.l ll ) ills bru tal pod en do I) o en tant o ex
çatlora conro o destino, no qual está escrito se o criminoso irá ou n.r,, erc e I -S e IIll ls c ga (l
Areâs vulne ra e pes soes e nsa tas coll tra AS qual o E tad(
cair sob a sua alçada. O sentido mais profundo da indeterminidade d.r I) .t
ordenrjurídica só seú apreendido pelas considerações posteriores sobrc P rot egl do P elas ets reside I] o lat o de II ela Itao
erifi CA I ,l se
a csÊra do destino, que é a origem dessa ordem. lJm indício precioso tação entre o poder que institui e o que mantém o Direito.
Ar>
dela encontra-se no domínio penal. Desde que a validade do l)irei«r pede-s c
a c tlrna çào p ela tóía o cgu I] do esta suJ ct t() :l
positivo foi posta em câusâ, o que nesse domínio mais suscitou a crític.r Lt(.io de n ao p () de I p ostular novo fins parr pro p n o () poder
rr.tl cstil lse t)to dessas d uas c ondiç o
ôi a pena de morte. Se os seus argumentos, na maior parte dos casos, E urlt poder lllstltuln te rltr
têm sido pouco fundamentados, já os seus motivos foram e são aprc - porque, não sendo sua função promulgar leis, pode decrerar
C () l]l vlli da de u n (li ca e (l ue tltatl ten') o I)irei to porq u e se
sentados como questões de princípio. Os seus críticos sentiâm, talvcz J
senr serem capazes de fundamentá-lo, provavelmente até sem desejarcrrr ll disposlç ao da quel es fins afl nraç a () segun do a I u al ()s fins do
p() li cial cn alll senlpre dên t1 C ()s a ()s do rcs tan tc t) lrert o o u pe ()
senti-lo, que â contestâção da pena de morte não atinge uma medidl
punitivâ nem determinadas leis, mas o próprio Direito nas suas raízes. Sr ligados a cles !' absol u tamente falsa P elo contrân o o I) lretto
da
,t rl csl qtla aq ue c po t1 to enl cl u e Estado seJ ll po l- lll)
a violência, uma violência coroada pelo destino, constitui a sua origcrrr, I
p ot en c l, seJ il
,l§ ligações 11)lan ntes de odr il o l- del)l
por outro lado não é drficil supor que no poder supremo - o potlcr .t uídi c a t)n o csti] .l a etl)
sobre a vida e a morte que se manifesta na ordem jurídica - as origcrr. clc garan trr atrl es d essa orderl u n dica OS cus flns
J enl p n COS
do "poder-como-violência" interferem de forma significativa na ordcrrr I' rrtcnde II trngt r il (l u al (lu er preç I)or l§s o T polícia ül tervénr e I)l
casos p () I razoes de gr-r ran CI (l uan do a SI tr-r açao
vigente, manifestando-se nela de forma terrível. Em consonância corrr l.g.l n a()
isso, vemos que em contextos jurídicos primitivos a pena de mortc \c
,lr Lt l)arll nao fala Í dos casos cDl qu e cI)) qual q LI cr c o I] st dcra
çao dc
I ll rr,lr colls tl tLll UIll 1I1C o l)1 odo tl ru tal quc AC o Ill panha OS cidadâo
aplica também a delitos como o âtentâdo contra a propriedade, crr
relação aos quais parece ser absolutamente "desproporcionada". O rr.rr t, d to da u Itla da regulan.r cn tada, o LI p u rll c SIIII pl e sn-)
eIl te o
sentido não é então o de punir a infração da lei, mas o de afirmâr o nt»,,
L c() D traste c o It) o l) rc to (l uc reconhec llll deci sit ()
fixa dr
Direito. Na aplicação do poder sobre a vida e a morte, mais do que crrr ' l''tt, t t (' ll() te Dl Po ürna câ tcuo rI a nl e tafisi CA graç ils ll qu al reclanra
qualquer outra aplicação da lei, é o próprio Direito que se fortalcr'c l( l 1() .t t_l tlC a, a () CU pa Cà o COIII a ll)s tl t11 o p () Ii cial 1l.l
ça o de para
,t rl ,t ..1.' cs sen cial () c u pode I
Mas é á que, ao mesmo tempo, se anuncia algo de podre no reino rl,, c anl orlir tal C o ID o .l su il lma€ienl
.t g()n â, lntangrv e e () I)t I resen te I]a vida dos E tados cl vüzad o
Direito, especialmente pârâ sensibilidades mais refinadas, que se sabt'rrr
muito distantes de situações nas quais o destino tenderia a mostrar \( llx.r.r (lc nào ser muito diferente de uns lu gâres pare outros, não se
em toda a sua majestade para fazer cumprir a lei. Mas o entendinrcrrr,, ncgrr que o espírito da polícia é menos detesável na monarquia
precisa se aproximar o mais possível dessas situações, se quiser pôr tcrr r r,, ut,r, cnl que representa a figura do soberano que concentra
em si
à crítica do poder que institui e daquele que mântém o Direito. ,i I l{r sla tr C excc tl tl o do q U ILIS d enloc IAC JS eltl (l
LI c ;l
r.,l ,t |]it S ustc ll tada po r nenh ullta re la c.1
formas de poder encontram-se presentes, numa relr1,r, ,
Essas duas o des sc TI po e tcs t('
lr, I. ,t )t' tl cgr'II e rrçâ cftr poder (l t1 e se
muito mais antinatural do que na pena de morte, num hibridisnrc 1,,,r Po d c nragr ltilr
assim dizer fantasmático, numa outra instituição do Estado rnodenr,, ., cr l) q U il l) () II) cl () ctI) po l- fir l) ll () II tl ll r () I) t-c t
da polícia. Trata-se, é certo, de um poder para finsjurídicos (conr rlilcrt,, lltltrti. Io. Sc nio sc rcclarrrar dc rrcnhurrr desscs prcdiclrrlos. rc
de execução), mâs ao mesmo tempo com autorização para institulr l,rr\ I ('olu iss() a qualquer valiclade. Daqui resulta, porí,rrr, que totlo
fins adcntro de anrplos linrites (através do direito de decretur nrcdrri.rrl cllqutlto nrcio, rnesrno uos cAsos nrris [rvorÍveis, pilrticil):l (l.r
() l:rtkr irthrrrc tle untl t;rl instituiç.i,' t1r.rc r,i |,r1 l)()lr('()\. \crtr(l(). l.t ntáticl gcr;rl tlo I)ircito. [i apcsar tle tri., 1r,r.lcrrr,,r..,irr.l,,, rr,,
ponto â que chegânos nestas considerações, discemir bem o alcrrtt c É sigrrificativo que a decadência dos parlamentos tenha desiludido
dessa problemáticâ, dePois do que já se disse, o Direito apresenta-sc 'r ÍN pessoas do ideal de uma resolução pacífica dos conflitos p<lli-
uma luz tão ambígua do ponto de vista ético que se impõe a pergurrt't quanto a guerra o havia fomentado. Aos pacifistas opõem-se os
não haverá, para a resolução de conflitos de interesses entre hur.t.tlttos' hcvistas e os sindicalistas. Fizeram uma crítica radical e globalmente
outros meios que não os violentos? A pergunta leva-nos sobretutlo 't aos parlamentos atuais. Por nrais desejável e satisfatório quc,
constatar que uma solução totalmente não violente de conflitos ntlrl( r dc tudo, seja um pârlâmento que funcione bem, por comparação
poderá desembocar num contrâto juúdico. Por mais pacífico que terrlt r outros regimes, a discussào dos meios, por princípio pacíficos, do
sido o clima que levou as partes a fimrá-lo, um contrâto desse rip.' ento político não poderá passar pelo parlamentarismo. Na
pode acabar sempre por conduzir à violência, porque concede a c:t'l'r , o que este consegue alcançar no que se refere a questões vitais
uma delas o direito de reclamar o recuno a alguma forma de violirr' r'' tpenas aquelas ordensjuídicas reÍéns da violência à entrada e à saída.
contrâ a outra, no caso de esta violar o contrato' E não é só isso: r Mas será a resolução não violenta de conflitos em princípio
própria origem de todo contrato âpontâ para a violência, tal cotrto " vcl? Sem dúvida. As relações entre pessoas singulares estão chcias
seu desfecho. Enquanto poder que institui o Direito, esta não prc' ir'r lxcnrplos disso. O entendimento sem violência encontra-se por
estar diretamente presente nele, mas está nele representada desde tlrrl I parte onde â cultura do coração ofereceu às pessoas meios puros
o poder que garante o contrato juídico tenha, por seu lado, orrut tt' ac cntenderem. Aos meios legais e ilegais de toda a espécie, todos
violenta, ainda que não tenha sido aplicada legalmente no contrirl. cxpressão da violência, podem contrapor-se, como meios puros,
o uA txstôfit^
70 ^NJo
suxs origcns c confiando no seu poder vitorioso, se limita a castigrr.r gludiremos âpenâs aos meios puros da política enquantr> análogos
rlcgllidade onde esta se manifeste, e a Íiaude, uma vez que não é ettt ueles que dominam a convivência pacífica entre pessoas singuhrcs.
si rrrcsrrra de natureza violentâ, não era punível no Direito rolnatto No que se refere às lutâs de classes, nelas a greve terá de ser vistu,
e rro gerrrrârrico antigo (segundo os princípios ins rivíle rigilantiln' dcterminadas condições, como um meio puro. É preciso caracte-
sffiptut,a cst ou "A vigilância vale dinheiro"), o Direito de épocas nt,tr. pormenorizadamente duas modalidades de greve essencialnrcnte
tardias, a quem faltava a conÍiança no seu próprio poder, deixou dc sc tes, a que já nos referimos antes. Cabe a Sorel o mérito de tê-l:rs
sentir à alturâ de qualquer poder alheio. Pelo contrário: o medo dessc nguido pela primeira vez - mais por razões políticas do que teóri-
podcr e a falta de autoconfiança mostrâvam como esse Direito estrr'.r Opõe à greve geral política a greve geral proletária, reconhecendo
abalado. Começou a postular fins com a intenção de poupar a nrttt existe entre as duas uma oposição também no que se reGre à
fortes provações o poder que mantinha o Direito. E volta-se contrt.r ncia. Os panidários da primeira afirmam: "O fundamento das
fraude não por razões morais, mas por receio dos atos violentos t1tt,' concepções é o fortalecinento do poder do Estado; nas suas atuais
ela pode despoletar naquele que foi enganado. Como esse receio entr,r ões, os políticos (1.e., os socialistas moderados) preparam já
em contradição com a própria natureza do poder do Direito, quc lhc tuição de um poder fortemente centralizado e disciplinado, que
vem das origens, tais fins revelam-se inadequados aos meios legítirrr,,' te deixará impressionar pelas cúticas da oposição, que saberá impor
do Direito. Neles maniíesta-se não apenas a decadência da sua própri.r êncio e promulgar os seus decretos hipócritas".s "A p;reve geral
esfera, mas também uma reduçâo dos meios puros: com a proibiçi,, tica 1...1 demonstra como o Estado nada perderá da sua força, como
da fraude, o Direito limita o uso de meios totalÍnente não violentos. potlcr dos privilegrados passará para os privilegtados, cotno a massâ
porque estes poderiam provocar uma reação violenta. Essa tendênci.r produtores mudará de donos."al Contra essa greve geral política
do Direito também contribuiu para a concessão do direito à grev,.. I fórmula parece ser a da passada revolução alemãa2), a proletária
que contradiz os interesses do Estado. O Direito concede-o porque cl. como única tarefa a destruição do poder do Estado. "Elimina
pode prevenir ações violentas que receia enfrentar. Antes, os operário' r rs consequências ideológicas de qualquer política social, seja ela
recorriam imediatamente à sabotagem e pegavam fogo às Íãbricas. I for; os seus pârtidários veem todas as reformas, mesmo as mais
Para convencer as pessox a resolver pacificamente os seus conflit,rr rllrcs, como burguesas."tl "Esta greve geral anuncia claramente a
de interesses aquém da ordemjurídica existe, para lá de todx as virtudt's,
I[difc.rença em relação ao ganho material da conquista, ao declarar
um motivo eficaz que, frequentemente, oferece até a mâis renitet)l( qucr acabar com o Estado; o Estado era realmente [...] a razão de
das vontades aqueles meios puros, em vez dos violentos: o receio,l,'
rirr gnrpos doninantes que tiram proveito dc todos os empreendi-
desvantagens comuns que podem resultar de um confronto violent,,,
Ios cujo ônus recai sobre a generalidade da população."aa Enquanto
qualquer que seja a sua nanrreza. Tais desvantagens tomam-se evidentcr
tttcirl fonrra da suspensão do trabalho é üolenta, üsto que só pro-
em muitos casos de conflitos de interesses entre pessoâs singulares. C)rrtr.r
r rrrru nrodificação exterior das condições de trabalho, a segunda,
é a situação no caso de disputas entre classes e nações, em que aqut l,r'
ordens superiores que âmeaçam esmagar tânto os vencedores conro ,,'
5 ed Paris' lere'P 2s0'
vencidos pemlanecen inacessíveis à sensibilidade da maioria e à irtr'
ligência de quase todos. Nesses casos, a busca dessas ordens superi,.,r, t Ei§Tl;^;f;:íonssurtaviotente'
e dos interesses que lhes são comuns. que consriruiriam o nroriv() rr,rr\ f}c rcvolucionária e das "Repúblicas dos Conselhos" que se seguiu ao Íim da
Jnaln {;r".r, Mundial (1918-1919), antes do estabelecimeoto da República
forte para uma política dos meios puros, levaria longe demais.''' l',,r lVcirn.r. (N.T.)
]' Mas veja-se Unger, op. rír,, p. 18 segs Hí:Í:iill
72 /.,
cr(Irlnt() nrcio puro, é não violenta, pois não acontece com a disposiçio ntorte a sua paÍe", para depois abandonar deliberadamerrtc u viti:r rr.r
rlc rctornar o trabalho depois de algumas concessões secundárias ou primeira ocasião. De maneira mais evidente do que nas recetrtcs lutilr
n)udanças nas condições de trabalho, mas sim com a decisão de apenas dc classes, foram-se consolidando ao longo dos milênios de histírria tkrs
retonrar o trabalho se ele for radicâlmente transformado, se deixar de ser Estados os meios não violentos de entendimento. Só esporadicanrerrtc
irrrposto pelo Estado, ou seja, uma rebeliâo, não só desencadeada mas r missão dos diplomatas nas relações bilaterais consiste na alteração dils
tar.ubérn levada a cabo por esse tipo de greve. Por isso a primeira fomr.r ordens juúdicas. No essencial, o seu papel é o de, por analogia con)
de greve é instituinte do Direito, ao passo que a segunda é anarquistr. oi âcordos entre pessoas singulares, em nome dos respectivos Estados,
Apoiando-se em afirmações ocasionais de Marx, Sorel rejeita, para o Itsolver caso a caso os seus conflitos de forma pacífica e sent contratos.
movimento revolucionário, toda espécie de progrâmas, utopias; nunla Uma tarefa delicada, solucionada de maneira mais resoluta pelos tribu-
palavra, a instituição de qualquer forma de Direito: "Com a greve ge- nris arbitrais; mas trata-se de um método superior ao da arbitragem,
ral, todas essas belas coisas desaparecem; a revolução surge como uma uma vez que se situa para além de toda a ordem -jurídica e, portanto,
revolta clara e simples, e nela não há lugar nem para sociólogos nern tlr violência. Desse modo, a convivência entre diplomatas, tal como
para os elegantes deÊnsores de refomras sociais, nem tampouco pâra os ú relações entre pessoas singulares, fez nascer formas e virtudes que,
intelectuais que assumiram a proÍissão de pensar pelo proletariado".ri tinda que se tenham tomado secundárias, nem sempre foram assim.
A essa concepção profunda, ética e autenticamente revolucionária nào Em toda esfera dos poderes que pressupõem um Direito natural
se pode contrapor nenhuma consideração que pretenda estigmatizar ou positivo não se encontra um único que não seja afetado pelos gra-
como violência uma tal greve geral, tendo em conta as suas possíveis ves problemas atrás referidos, inerentes a qualquer poderjudicial. No
consequências catâstróficas. Ainda que se possa dizer, com razão, que cntânto, como toda ideiâ de uma solução imaginável para as tarefas
toda a economia atual é comparável não tanto a uma máquina que parl humanas - sem falar da libertação do círculo onde caíram todas as
quando o fogueiro a abandona, mas mâis a uma fera que se enrâivecc iituações existenciais da história univenal até hoje - continuâ a nào
quando o domador lhe volta costas, do mesmo modo a violênciâ dc rcr possível com total exclusão, por princípio, de qualquer violência,
uma ação deve serjulgada não pelos seus efeitos ou pelos seus fins, nus intpõe-se a pergunta sobre a existência de outros tipos de violência
apenas segundo a lei dos seus meios. O poder do Estado, porém, ao quc não aqueles sempre considerados pela teoria do Direito. E ao
considerar apenas os efeitos, opõe-se precisamente a essa greve conr() nlcsmo tempo a pergunta sobre a verdade do dogma fundamental
supostâ violência, ao contrário das greves parciais que, na maior parte r(nlum àquelas teoriâs: fins justos podem ser alcançados com meios
dos casos, são meras formas de chântâgem. Sorel explicou com muitl ' lcgítimos, meios legítimos podem ser usados para fins justos. O que
perspicácia em que medida uma tão rigorosa concepção da greve geral rr'ontcceria então se esse tipo de poder dependente do destino e que
é, enquanto tal, um bom instrumento para diminuir as possibilidades usl nleios legítimos se encontrasse num conflito inconciliável com fins
de eclosão da violência propriamente dita nas revoluções.
,lustos enl si? E se ao mesmo tempo fosse previsível um poder de outro
Por outro lado, temos um caso exemplar de suspensão violentu, tr|(), que entào não pudesse ser o meio legítimo ner.n ilegítimo para
mais imoral e brutal do que â greve geral política, comparável ao bl<r rlt.tttçar aqueles fins, por se relacionar com eles não como um rnrio,
queio: a greve dos médicos, tal como a conhecemos de várias cidacles nt.rr tlc outro modo qualquer? Lançaria assim luz sobre a estranha e
alemãs. Ela revela da maneira mais repugnante o uso da violência scrl tlcstlc logo desencorajante experiência da indecidibilidade de princípio
escrúpulos, que chega a ser perversa numa classe profissional qtrt., t[' (odos os problemas jurídicos (provavelmente só cornparável, no
durante anos e sem a menor tentativa de resistência, "assegurorr i rcu (ilrítcr aporético, à impossibilidade de uma decisão vinculutivu
trtlrrc o r;rrc ó "ccrto" r'rtr "errado" nas línguas ertr dcvir histririco). Nl
'§ Sorel, op. cit., p.200. vcrr,l.rrlt', rlttcrt tlccirlc sobrc e legitirrritladc cLrs rrrcios c cla.jrrstczu tl,rs
/4 arlõrJrNr^M N w^ t ot NJaMtN i, I I il
firrs nurrca ô a razão, mas um poder do destino acima dela, acima rkr
ntificar quando admira os grandes criminosos. A violência cri crrtr'io
qual, por sua vez, está Deus. Um ponto de vista que só é raro porquc
Níobe a partir da esfera insegura e arnbígua do destirro. Nio i.
donrina o hábito tenaz de pensar aqueles fins justos como fins de url
te destruidora. Apesar de provocar a morte sangÍentâ d(r§
l)ireito possível, ou seja, não apenâs como tendo validade univen.rl
or de Níobe, suspende-se perante a vida da mãe, que deixa para tr;'rs
(o que é uma consequência analítica do traço distintivo da justiç.r),
t culpada do que antes, carregando etema e mudamente essa culpr,
rnas também como sendo suscetíveis de generalização - o que, conr()
mtco que assinala a fronteira entre homens e deuses. Se esse poder
se poderia provar, contradiz aquele traço distintivo. Os fins que sr'
diretamente nas manifestações míticâs pretende mostrar a sua
âfigurâm justos, univenalmente reconhecidos e univenalmente válidos
de, ou mesmo identidade, com um poder instituinte do Dircito,
numa situação não o são parâ outra, por mais parecida que ela seja solr
oura problemática se projeta dele para o poder instituinte do
outros aspectos. Uma função mediata da violência, tal como a vamos
rçito, na medida em que - na exposição da violência da guerra que
propondo à discussão aqui, está presente nâ nossa experiência da vitl.r
antes - o câracterizâmos como um poder apenx dos meios. Ao
quotidiana. No que aos seres humanos se refere, a cólera, por exemplo,
o tempo, esse articulaçào promete esclarecer melhor o destino,
leva-os às mais evidentes explosões de violência, uma vez que nâo rt'
subjacente ao poderjuúdico, e levar até o Íim as grandes linhas
relaciona, enquanto meio, com um fim proposto. Não é meio, nrls
tua crítica. E que a funçào do poder como violência na instituiçào
manifestação. E essa forma de violência conhece manifestações objetir .n
l)ireito é dupla, na medida em que essa instituição se propõe ser
nas quais pode ser sujeita a crítica. Tais manifestações encontram-sc,
hr que se institui como Direito, conlo seu fim, usando a violência
em primeiro lugar e de forma muito significativa, no mito.
tnr: nteio; mas, por outro lado, no momento da aplicação dos fins
O poder mítico, na sua forma arquetípicâ, é mera manifestaç.i,'
vistâ como Direito, a violência não abdica, mas transforma-se.
dos deuses. Não meio para os seus fins, diÍicilmente manifestaçâo da su,r
llt scntido rigoroso e imediato, em poder instituinte do Direito, na
vontade, em primeiro lugar manifestação da sua existência. A lenda clt'
r,lida em que estabelece como Direito, em nome do poder político,
Níobelt' contém um exemplo excelente desse poder. Poderia pensar-sc
r trnr fim livre e independente da violência, mas um fim necessária
que a ação de Apolo e Artemisa é apenas um castigo. Mas o seu podcr
hrtirnlrnente a ela ligado. A instituiÇão de um l)ireito é instituiçào
representa muito mais a institucionalização de um Direito novo tkr
ttnr poder político e, nesse sentido, um ato de manifestação direta
que a punição pela transgressão de um existente. A fiybns de Níobe llz
violôncra. A justiça é o princípio de toda instituiçâo divina de fins,
recair sobre si a fatalidade, não por transgredir a lei, mas por desafiar o
prxlcr político, o princípio de toda instituição mítica de um Direito.
destino - para uma luta em que ele vencerá, fazendo eventualmentc
I
expiação. Toda intervenção do Direito motivâdâ pela infração dr lcr ao mesmo tempo, ao aniquilar absolve da culpa, c não sc pode
não escrita e desconhecida recebe o nome de "expiação", e conl r\\i t uma profunda relação entre o carátcr não sangrcnto e a absol-
se distingue da punição. Mas, por maiores que sejam as desgraças tlrrc petentes nesse poder. O sangue, de hto, é sírrrbolo da vida nua.
ela inflige ao trans€fessor inconsciente, a sua intervençào, no sentitl,, cedeamento do poderjudicial renrete - de um rtrodo que nâo
do l)ireito, não se deve ao acaso, mas ao destino, que uma vez r)1.1\ os desenvolver aqui - para a culpa inerente à vidl nua r natural
s<: Drostrâ rrlui na sua arrrbiguidade deliberada. Já Hermann Cohcrr. ttttÍcga o ser humano inocente e infeliz à expiação, que o liberta da
nunra breve análise da ideia antiga do destino, se referiu â isso conro r ttlp,r - rbsolvendo também o culpado, não de uma culpa, nras d<>
"unr detenninisnro inexorável", dizendo que "é a sua própria ordorr r. No âmbito da vida nua cessa a dominação do Direito sobre os
que parece provocar essâ transgressão ou infração".ae (Jm testenrunl)r' ( ) poder mítico é, em si e para si, poder sangrento sobre a vida
modemo desse espírito do Direito é o postulado de que a ignorârrr r,r lnquanto o poder diüno, tomando como referência o vivo, é puro
da lei não exime ninguém de punição, tal como a luta pelo l)ircrt,, rohrc l vida. O primeiro exige sacrificios, o segundo acolhe-os.
escrito na fase arcaica das comunidades antigas deve ser entendida corrr, ' lisc poder divino não é testemunhado apenas pela tradição re-
rebelião contra o espírito da lei mítica. ; In'l() contrário, encontrâ-se também na vida atual, pelo menos
Longe de abrir uma penpectiva mais pura, a mânifestâçào nrirr dt rttas nranifestações sagradx. Uma dessas formas de manifestação
ca imediata do poder revela-se, no seu âmago, idêntica a todo prxl, r lcr th educação na sua forma mais acabada, fora da esfera do
jurídico, e transforma a suspeita do seu lado problemático em cert( ./.r . lil;rs não se definem, portânto, pelo fato de Deus em pessoa
quanto ao caráter nefasto da sua funçâo histórica, posttrlando assinr a srr,, rr r.rrc potlcr de nrodo não mediatizado, através de milagres, mas
trrcio tlaqueles nlomentos de uma atualização não sangrenta,
I
í3 Ânatole France, lt lys rcuge, Paris, 1894, câp. VII (a traduçâo alenrã utiliz«l,r 1,,r tuc, ,rbsolvcndo da culpa. Em última aníise, pela ausência de
Benjamin, Drie nte Lylie, sait em Munique em 1919). A passagem do rorrr.rrr, ,' , lirnrr;r dc instituição de Direito. Nessa medida, será tambénr
a seguinte: "E obrigação dos pobres sustentar o poder e o ócio dos ricos. I).rr.r nr,, t rlcsigrmr csse' poder como aniquilador; mas ele o é apenas de I
pemite-se-lhes que trâba.lhern sob igualdade majestosa de uma lei qr.rc proibe,
a .r r r, ,
" lthtiva, crn relação a bens, ao Direito ou à vida, mas nunca
como a pobres, dormir debaixo das pontes, mendigar nx rux e roubar pão". (N l)
íe Hermann Cohen, Ethik des teinen Wittens [Ética da Pura Vont.rJcl, f . ctl rtvrst.r
Berlim, 1907, p. 362. I hl,'r, . tNrrrf, r,* lr, \ I '
7A
vivo. [Jma tal extensão do podcr
rubsoluta, enr relação à âlma do ser lxistência em si está acima de un1a existência justa, se por existôrr,..r.r
puro ou divino suscitârá, precisamente hoje em dia, as mais violentls se entender mais do que a vida nua - como acontece na rcflcxio
críticas, que a refutarão com o argumento de que, segundo a sua lógic.r. . Mas esta contém unra verdade de peso se por existência (otr
ela permitiria também, em determinadas condições, a violência letal dos hor, vida) - palavras cuja ambiguidade, perGitamente análogl i
honrens uns contra os outros. O argumento não colhe, pois à perguntrr prlavra "paz", tem de ser resolvida a partir da sua relaçào conr durs
"Posso matar?" segue-se, como mandamento, a resposta inefutávcl: rirs *
entender "o ser hul'rano" como um agregado imutável. ()u
se
"Nào matarás!".srEsse mandamento está antes do ato, tal como o Dctrs rc quiser dizer que o não-ser do ser humano é algo de mais terrível
está "ante ele"52 para evitá-lo. E, no entanto, apesar de não poder tratar-sc que o (necessariamente e mero) ainda-não-ser do ser humano jus
do medo da punição que exorta ao respeito do mandamento, cl. A essa ambiguidade deve a Êase citada o seu caráter de ilusão. De
perrnanece inaplicável, incomensurável perante o ato consumado. l)o nenhum o ser humano se pode identificar com a mera vida do
mandamento não pôde deduzir-se qualquerjulgamento do ato. Por es\,r humano: nem com â mera vida que existe nele, nem com qualquer
razão não se pode prever nem o juízo divino do ato nem a razão dessr' dos seus estados ou das suas qualidades, nem, finalmente, com
juizo. E por isso não têm razão âqueles que pretendem fundamentrr rltgularidade da sua pessoa fisica. Por mais sagtada que seja a pessoa
com o mandamento a condenação de toda e qualquer morte violel)t.r lrnâ (ou também aquela vida nela que existe de maneira idêntica
de um ser humano por outro. Ele não constitui medida do julgamento. vida terrena, na morte e na vida após a morte), não sào sagrados
é, antes, guia para a açào das pessoas ou comunidades que a ele recor- rcus estados-de-vida nem a sua vida corpórea, vulnerável à ação de
rem nâ sua solidão e em casos inauditos assumem a responsabilidatlc tros. O que é que distingue essencialmente a vida humana da dos
da transgressão. Era esse o entendimento do judaísmo, que rejeit.r\.r lrris e das plantas? Mesmo que também estas lossem sagradas, nào
expressamente a condenaçâo do homicídio em caso de legítima defes:r.
porlcriam ser em função da sua vida nua e só nela. Talvez valesse a
,r investigâr as origens do dogma do caráter sagrado da vida. Tal-
Mas os pensadores a que nos referimos reportam-se a un1 outro teorenlll.
a partir do qualjulgam poder fundamentâr o próprio mandamento. L I csrc dogrna seja recente, é mesmo muito provável que assim sej.r
o princípio do caráter sagrado da vida, que olr se estende a toda vi(l,r vcz cle seja o último erro da enfraquecida tradição ocidental, o de
ttntr o sagrado, que perdeu, no plano insondável do cosmológico
animal e mesmo vegetal ou se limita à humana. A sua argumentaçi(,.
que num caso extremo se pode exemplificar com o homicídio dr,t a.urtiguidade de todos os mandarnentos religiosos que proíbenr o
rir'ítlio não constitui objeção â essa tese, porque na sua base estào
opressores em contexto revolucionário, é a seguinte: "se não rrlt:rr,
ntss outros pensamentos que não os do teorema modemo). Por
nunca conseguirei estabelecer neste mundo o reinô universal dajurtrq.r
tlri quc pensar o fato de aquilo que aí se proclar.na como sagrado ser,
[...] Asim pensa o terrorista intelectual. Mas o que nós proclanattror
é que acima da felicidade e da justiça de uma existência isolada esr.i .r
I(ordo com o antigo pensamento mítico, o suporte estigrlatizado
a'ulpi: a vida nua.
existência em si".sr Essa frase não é apenas falsa e mesmo ignóbil, cl.r
A crítica do poder-conro-violência é a filosofia da sua história. E
liberta-nos da obrigação de procurar o fundamento do mandarncrl,, tlikrsofir" dessa história porque só a ideia do seu desfecho possibilrt.r
naquilo que o ato faz ao morto, mas leva-nos a procurá-lo naquilo (lu(
tlu,rrlnrrrrento cútico, dilerenciado e decisivo das suas balizas tent
ele faz a Deus e ao próprio autor do ato. E íâlso e vil o postulado dc tltrc
N, LJrrr olhar que se concentre apenas no que está nrais pr<ixinro
't'lrcr' ,ic Ír, tlrrlndo rluito, de unra oscilação clial['ticl nls Íirrrrr;rs
ir Ci 2 Moisés (Êxodo), 20, 13. (N.T.)
Ittirl;ts pclo poclcr, cnquanto instituintc tle I)ircito ou tcr)(lcr)t(
5'z
Cf 5 Moisés (Deuteronômio), 5, 17. (N.T.)
lr,'/
tltcr I)ircik). A lci dcssa oscillçã<) tssclttil n() Íirto tlc torlo
sssc
Kun Hiller, "Anti-Kain. Ein Nachwort" lAnti Ca;n. Unr posficio], irr: 1)tr
.ldhrhíiúü.fin leisti.q( Poiiti[. Ecl. Kurt Hillcr. Vol. 3. Munirlrrc, l()](), 1,. l5
Í tct)(lcntc il n)lurtcr o l)ireito, no rlccorrcr rlo tcrrrpo, :rclhrrr.
nr n r^MtN
tt0 l
por enfrâquecer indiretamente o Direito instituinte do poder nele rc
presentado, através da opressão dos poderes contrários e inimigos (;r,
longo deste trabalho chamamos a atenÇão para alguns sintomas disso)
Essa situação mantém-se até que novos poderes, ou os anteriornretttr
oprimidos, vençam o poder até aí instituinte do Direito, fundarrtl,
com isso um novo Direito predestinado à decadência. As novas époc.t
históricas fundamentam-se na ruptura desse ciclo dominado por fonr,r
míticas do Direito, na destituição do Direito e dos podcres dc ,1rr,
depende (tal como eles dependem dele), enfim, no desmembrame nt,
do poder do Estado. Se o domínio do mito foi já minado aqui c .rl
na atualidade, o Novo não se situa num ponto de fuga tão incorrc,.
bivelmente longínquo que uma palavra contra o Direito acabe por r,
tomar inócua. Mas se a permanência do poder, enquanto poder ptr,
e imediato, estiver garantida também para além do Direito, isso pror.
a possibilidade de um poder revolucionário, expressão pela qual dcr,
ser designada a suprema manifestação do poder puro exercido pcl,
homem. Mas já não é igualmente possível, nem urgente, para os s( r(
humanos se o poder puro o foi realmente num determinado monte rl (, r
l.xperiência e pobreza
De fato, só o poder mítico, e não o divino, poderá ser reconheci,l,,
com alguma margem de certeza, como violência do poder; a nàt, s,
no caso de efeitos incomparáveis, uma vez que a força do poder,1t,,
absolve da culpa não é acessível ao homem. O puro poder dtvrrr,
volta a dispor de todas as formas eternas que o mito abastardou atr.rr',
do Direito. Esse poder pode manifestâr-se tânto nâ gueÍra verclltk rr
como no juízo divino da multidão sobre o criminoso. Desprezír't l ,
porém, todo poder mítico, o poder instituinte do Direito, a t1rrr",,
poderia chamar o poder que permite ao homem determinar (xhtltr tt'l
Cewalt) - Desprezível é também o poder que mantém o Direito, o p,,,1,
administrado (venuahete Geualt) que serve o primeiro. Ao poder drv rr,, '
que é insígnia e selo, mas nunca meio para a execuçào sagrada clc rrrrr
pena, chamaremos o poder que dispõe (wahende Ceualt).
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