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MIGUEL DE UNAMUNO
Resumo: Antero era um poeta que deixou Abstract: Antero was a poet who has written
em seus escritos alguns dos sonetos mais some of the deepest and most beautiful son-
profundos e belos da língua portuguesa em nets of the Portuguese language ever. It is
todos os tempos. Neles está impressa a dor printed in them human being´s pain and
de ser homem, a luta em uma vida tão atri- struggle due to such a life full of troubles,
bulada, cheia de sofrimentos e de limites. sorrows and limits. Is it worth living amongst
Vale a pena viver ante dores tais, pergunta-se such hardships, asks the Portuguese poet-
o poeta-pensador português? Responde sem thinker? He answers himself without hesita-
titubear: Não! Unamuno conhece profunda- tion: No! Unamuno knows deeply Antero´s
mente a problemática anteriana, abordada em concerns, as they are touched on by him in
sua obra. O salmanticense também vai de- his works. Unamuno too faces the classical
bater-se com os clássicos problemas dos problems of human existence limits. He will
limites da existência humana. Elaborará o seu create his tragic sense of life, his protest in
sentimento trágico da vida, o seu protesto face of pain, suffering, agony and, man´s
ante a dor, o sofrimento, a agonia e, o limite supreme limit, death. By doing so he does not
supremo do homem, a morte. Ao abordar isto succeed getting clear and convincing an-
Unamuno não consegue encontrar respostas swers to his tragic sense of life, but he is led
claras e convincentes para o seu sentimento to reflect about man and so elaborates a
trágico da vida, mas elabora reflexões sobre o philosophical anthropology in which the pres-
homem e uma antropologia filosófica nas ence of the Portuguese poet is rather con-
quais a presença do poeta português é bas- stant, even though, differently from Antero,
tante constante, ainda que, diferentemente de for Unamuno living is worth it.
Antero, para ele viver vale, sim, a pena.
Key Words: Existencialism, anthropology,
Palavras-chave: Existencialismo, antropo- man, tragic, mortality-immortaliy, God.
logia, homem, trágico, mortalidade-imortalida-
de, Deus.
Introdução
revolução intelectual e moral que em nele tal ato e o abandonou desde en-
mim se deu, ao sair, pobre criança ar- tão, sem desencaminhamento sensível
rancada do viver quase patriarcal de algum pelo momento, como a coisa
uma província remota e imersa no seu mais natural do mundo.6
plácido sono histórico, para o meio da
irrespeitosa agitação intelectual de um Ambos reconhecem as bases católi-
centro, onde mais ou menos vinham cas de sua fé infantil; ambos sofrem o
repercutir-se as encontradas correntes primeiro impacto vital, que lhe conduz
do espírito moderno. Varrida num ins- à racionalização da fé e, conseqüen-
tante toda a minha educação católica e temente, à primeira batalha interna
tradicional, caí num estado de dúvida e ao abandonar o lar de onde provi-
incerteza, tanto mais pungente quanto, nham; Coimbra será para Antero o
espírito naturalmente religioso, tinha que Madri seria para Unamuno: co-
nascido para crer placidamente e obe- meço dos estudos universitários e
decer sem esforço a uma regra reco- perda da fé.
nhecida. Achei-me sem direção, estado
terrível de espírito, partilhado mais ou Isso é de extrema importância na
menos por quase todos os da minha vida de ambos pois outra coisa não
geração, a primeira em Portugal que farão senão contemplar e lutar com
saiu decididamente e conscientemente ardor, buscando a Deus, cuja exis-
da velha estrada da tradição.5 tência acabam de por de lado nesse
momento. Antero, dificilmente o en-
Compare-se o texto anteriano citado contrará de novo; Unamuno deseja,
ao unamuniano, também autobiográ- procura, com todas as suas forças
fico: para voltar a duvidar, chegando a
sonhá-lo, a criá-lo, em termos de seu
... o seu tio enviou-o a estudar em Ma- pensamento. Daí o sentimento trági-
dri; era a época em que com o krau- co: se não há um Deus pessoal como
sismo soprava ventos de racionalismo. justificar a santidade fundada na mo-
(...) No primeiro curso ia à missa todos ral, como no caso de Antero? Ou:
os dias e comungava mensalmente. O como sustentar a imortalidade, o de-
trabalho de racionalizar a fé ia carco- sejo de per-vivere, como em Una-
mendo, despojando-a de suas formas muno? O que se pode dizer é o se-
e reduzindo-a à substância e conteúdo guinte: É quase impossível dizer, sem
informe. Assim é que ao sair da missa margem a dúvidas, se ambos vieram
na manhã de um domingo – fazia tem- a crer ou não. Mas é irrefutável a sua
po que não ia a ela senão nos dias procura franca pelo Deus pessoal de
festivos – perguntou-se que significava Abraão, Isaque e Jacó. Este, não o
dos filósofos.
6 Carta auto-biográfica, em Prosas, 1946,
tomo III.
6
Paz en la guerra. 4.ed. Buenos Aires, 1952,
p. 50-51.
O pobre Antero, que acabou por suici- ambos autores, além da influência do
dar-se, é uma alma que se pode por pensador português sobre o espa-
junto às de Thomson (o do século pas- nhol. Daí a abundância de citações
sado), Sénancour, Leopardi, Kierke- de obras do luso pelo autor espanhol.
gaard e os maiores desesperados.”11 São almas gêmeas na busca da ver-
dade, do Absoluto, da santidade e da
No prólogo à sua novela Niebla, ou imortalidade. Possuem, por assim
nivola, expressa a sua exteriorização dizer, dois sentimentos trágicos da
de suas preferências ideológicas ou vida semelhantes, cujo método é o da
poéticas e de sua luta pela imortali- paixão, e cujo fundo é o desespero e
dade da alma e diz aí o seguinte: a dúvida. Até que ponto deriva o de-
sespero unamuniano do trágico poeta
E daqui a doutrina do tédio de Leo- português?
pardi depois que pereceu o seu en-
gano extremo ch´io eterno mi credei Em ambos poetas, como já se disse
(que eu eterno me cri), de crer-se acima, o problema vital, existencial,
eterno.12 filosófico é de fundo religioso, che-
gando a ser central no caso do sal-
No ensaio intitulado “Um povo suici- mantino, e, talvez, no do açoriano
da” volta a irmanar o poeta luso a também. Mas o que distingue o de-
seus desesperados, favoritos, a seus sespero do pensador basco do de-
irmãos da alma e diz: sespero anteriano é esse fio de espe-
rança que Antero, ibérico também,
Antero, com seus irmãos Obermann,13 quis vencer e não pode. Unamuno
Thomson, Leopardi, Kierkegaard – não confia sempre na vitória, até o fim de
mais intensos que ele -, dorme para seus dias e só a consegue parcial-
sempre. O seu coração, já liberto, dor- mente através da palavra poética; o
me o sono na mão de Deus, na sua autor de Odes Modernas não tem
mão direita, eternamente.”14 paciência: vence-lhe o desassossego
e põe fim à sua tragédia agônica em
Estas citações já dão algumas idéias um banco de jardim, quando ainda é
das afinidades e paralelismos entre relativamente jovem, ao passo que o
autor de Paz em la guerra vive até à
11
Miguel de Unamuno. Por tierras de senectude!
Portugal y de España. Madrid: Aguilar, 1953,
p. 34-35. PTPE, daqui para a frente.
12
E por isto se explica que três dos autores Os dois são homens de desespero,
mais favoritos de Unamuno sejam Sénancour, de agonia e do sentimento trágico da
Quental e Leopardi. Cf. Miguel de Unamuno. vida. Ambos são homens dotados de
Niebla. Madrid: Aguilar, p. 29. sabedoria.
13
Obermann é o título da novela autobiográ-
fica de Etienne de Sénancour (1770-1846).
Unamuno cita aqui o ente de ficção pelo autor Alguns dos problemas mais impor-
de carne e osso porque para ele aquele muitas tantes que angustiam o poeta de
vezes supera em realidade a este. Portugal refletem-se na consciência
14
PTPE, p. 137. de Unamuno com grande força, como
Uma negação não pode ser o último E na sua obra Del sentimiento trágico
verso do poema do destino. Atravessa- de la vida sintetiza toda a sua angús-
ria a existência os espaços, com seu tia sob estes três dilemas:
ardente vôo de águia, só para encon-
trar ao fim o nada e precipitar-se nele? ...ou sei que morro completamente, e
Deve ser outra, e muito maior e mais então a desesperação irremediável, ou
digna da alta idéia que nos fazemos do sei que não morro completamente, e
universo, a solução do fatal problema. então a resignação no desespero ou
Não certamente a conclusão fixa, de- este naquela, uma resignação deses-
terminada e imóvel das teologias e, perada, ou um desespero resignado, e
principalmente, da teologia cristã. Uma a luta,23
conclusão moral e não doutrinal. A
confiança e não o céu. Uma crença do que é o ponto de partida de toda a
21
coração, e não o código duma Igreja.” sua filosofia, como se sabe.
24 27
Antero de Quental, Prosas, p. 2. EE, I, p. 792; 939; 989; EE, II, p. 293, 727.
25
EE, I, p. 362.
26
EE, II, p. 557.
para a alma não há senão uma lei: a ca chega-se a descobrir melhor uma
sinceridade.28 possível influência do escritor portu-
guês sobre o espanhol.
Para ambos escritores a verdade é a
sinceridade e a sinceridade é a ver- A minha cabeça conserva-se lúcida,
dade do sentimento. O irracionalismo mas o resto insurge-se: ora o resto, em
destes dois escritores ibéricos tem toda a gente é alguma coisa; em mim é
pouquíssimas bases lógicas. Des- muitíssimo; é tanto que lhe não posso
cansa sobre a cardíaca. Fundamen- resistir e deixo-me ir levando. Isto é
tam o seu pensamento filosófico no deplorável, dirá você. Mas é assim,
sentimento e nos problemas existen- respondo-lhe: Fatum. Penso como
ciais: o seu sentimento trágico da Proudhon, Michelet, como os ativos:
vida repousa sobre o homem con- sinto, imagino e sou como o autor da
creto, sobre o homem de carne e Imitatio Christi (...). Como quere que eu
osso, como diz o próprio Unamuno. ande, se sou ao mesmo tempo solici-
tado, com intensidade igual, em dois
É bom, pois, que se chame a atenção sentidos contrários? Pensa que renego
para o paralelismo ideológico de am- às nossas grandes verdades filosóficas
bos poetas, já que não é difícil esta- ou morais? Engana-se. Vejo-as tão
belecer uma filiação unamuniana ao bem como nunca. Simplesmente, vejo-
pensamento e à obra de Antero de as: nada mais. Ora a gente não é se-
Quental. O escritor Segundo Serrano gundo o que vê, somente, mas ao
Poncela diz o seguinte: mesmo tempo segundo o que sente,
segundo a direção para que vai levado
Do poeta português Antero de Quental por uma tendência, que é a expressão
absorve excitações que estimulam exata do eu de cada um (...). Seja
seus combates entre razão e fé; Una- como for, o que é certo é que estou
muno considerava o português como neste momento atacado da náusea da
uma das almas atormentadas pela realidade. Não sei que tempo durará o
sede de infinito e pela fome de eterni- ataque. Não é o primeiro: é uma das
29
dade. minhas alternativas, conforme predo-
mina um ou outro dos dois fatores da
Na famosa antinomia cabeça-coração minha vida moral.30
e o conseqüente processo dialético
da contradição que este sentir provo- Unamuno também insiste muitas ve-
zes nisto, quase com as mesmas
28
Antero de Quental, Prosas, I, p. 318. palavras. Diz a cada passo que nele
29
Segundo Serrano Poncela, op. cit., p. 95. O
se albergam e combatem duas forças
sentimento, como uma das notas característi-
cas do pensamento galaico-português, foi poderosíssimas, a razão e a fé, que é
muito bem explorado por Ramón Piñeiro em como dizer o sentimento e a mente, o
Siñificado metafísico da saudade. Notas pra coração e a cabeça, o sonho e a lógi-
unha filosofia galaico-portuguesa. Revista ca. Em última análise, todos os pro-
Filosófica. Coimbra, Atlântida – Coimbra,
2:141, jul 1951. 30
Antero de Quental, Sonetos, p. 2.
Emana destes dois elementos a ago- nada necessária, e sem a qual não é
nia. A vida em paz não existe, porque possível a síntese nem por conse-
Religião e Ciência não conseguem guinte, a unidade na sinceridade.37
conciliar-se. A vida em paz é sinôni-
mo de morte. Antero e Unamuno, É bom deixar de lado, contudo, a
almas gêmeas, abominam a paz, afirmação de Veloso sobre a impos-
principalmente aquela falsa paz dos sibilidade da síntese, nem a unidade
espíritos burgueses; paz aparente, na sinceridade pois ambos poetas-
superficial. Ou nas palavras de Théo- pensadores têm que ser compreendi-
dore Jouffroy (1776-1842): dos acima do plano dogmático. Tal-
vez não tenham chegado a uma sín-
Comment vivre en paix, quand on ne tese conclusiva mas que há sinceri-
sait ni d´où vient, ni où l´on va, ni ce dade na busca que fazem, lá isso há,
qu´on a à faire ici-bas? Vivre en paix e muita.
dans cette ignorance est chose contra-
ditoire et impossible.36 2. Antero e a Poética Unamuniana
2.1 A Influência de Antero na Poética
Unamuno, no Del sentimiento trágico Unamuniana
de la vida, parte das seguintes
proposições: Viu-se que há paralelismos evidentes
e contactos prováveis na prosa de
Não sou um livro feito com reflexão; ambos autores. Veja-se agora a in-
sou um homem com minha contradi- fluência do poeta luso sobre a poética
ção. do autor espanhol.
Antero é um dos maiores líricos por-
A respeito de Antero há a exegese de tugueses de todos os tempos; Dáma-
Agostinho Veloso que diz: so Alonso coloca-o ao lado dos maio-
res da poesia universal, ao lado de
É certo que, tanto na vida, como na Dante, Petrarca, Garcilaso, Shakes-
sua obra, há contradições, mas pare- peare, Camões, Ronsard e Queve-
ce-nos que todas elas se podem expli- do.38 Antero, como Unamuno, contu-
car por aquilo a que Bourget chamou do, era um sonetista com pendor filo-
`a teoria das sinceridades sucessivas´. sófico.
Já a ela nos referimos. Esta sucessão
de contradições sucessivamente since- Os sonetos de Antero são o sumo
ras e de sinceridades sucessivamente poético de uma agonia filosófica,
contradictórias não é, por certo, um melhor, de uma agonia religiosa e
valor positivo. É mesmo a resultante filosófica. Antero não se contenta
negativa da multiplicação do pensa- jamais com a falta de Cristo ou de
mento pela exclusão de uma coorde- Deus – explicitamente, como encon-
36 37
Mélanges philosophiques, p. 338. Citado Agostinho Veloso, Antero e os seus fan-
por Antônio Sérgio in: Antero de Quental, tasmas, Porto, 1950, p. 201-202.
38
Sonetos. Cf. Morejón, op. cit., p. 234.
tro pessoal – e daí o terremoto que Desse sonho e essas ânsias afronto-
sacode todos os seus sentimentos e sas,
que a sua poética bem revela. Que exprimem vossas queixas singula-
res...
Unamuno conhecia a poética anteria-
na e foi influenciado por ela, como se Almas no limbo ainda da existência,
pode ver a seguir: Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,
Em 1907 quando estava terminando
uma conferência em Valência, em Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
homenagem a Darwin, Unamuno Cair desfeitas, como um sonho vão...
interrompe-se e exclama dizendo que E acabará por fim vosso tormento.”39
mais que ouvi-lo, melhor seria pres-
tar-se atenção nos dois sonetos de Após a leitura dos mesmos, Una-
Antero de Quental, intitulados Re- muno acrescenta:
denção:
Vejam aqui uma das visões mais es-
Vozes do mar, das árvores, do vento! plêndidas que ao homem foi dado so-
Quando às vezes, num sonho doloro- nhar: a visão do universo todo, anima-
so, do e inanimado, tendo consciência de
Me embala o vosso canto poderoso, si, dando-se conhecimento de si e
Eu julgo igual ao meu vosso tormento... caindo então as formas transitórias.40
Verbo crepuscular e íntimo alento Claro que isto é insuficiente para de-
Das cousas mudas; salmo misterioso; monstrar a influência anteriana em
Não serás tu, queixume vaporoso, Unamuno, mas a admiração reflete
O suspiro do mundo e o seu lamento? um indício da influência provável.
Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade Segundo Julio García Morejón exis-
Agita e abala as formas fugitivas. tem alguns sonetos do Rosário una-
muniano, pelo menos oito, que são
E eu compreendo a vossa língua es- parentes próximos dos de Antero e
tranha, talvez tenham sido elaborados sob o
Vozes do mar, da selva, da monta- seu influxo. São os seguintes: “La
nha... oración del ateo”, “Mi Dios hereje”,
Almas irmãs da minha, almas cativas! “Razón y fe”, “Ateísmo”, “El mal del
pensar”, “En la mano de Dios”, “ Por
Não choreis, ventos, árvores e mares, qué me has abandonado?” e “La
Coro antigo de vozes rumorosas,
39
Das vozes primitivas, dolorosas Antero de Quental, Sonetos, p. 281.
40
Apud Morejón, op. cit., p. 237. Segundo
Como um pranto de larvas tumulares...
este autor há ainda alusão a estes poemas em
três ensaios unamunianos: “Sobre la filosofía
Da sombra das visões crepusculares española”, “Plenitud de plenitudes” e em EE,
Rompendo, um dia, surgireis radiosas II, p. 925.
ser e da vida. Poucas vezes em Poesia vam de uma sinceridade que fere e
procuraram-se tamanhas sínteses de que está renhida com o ritmo íngreme
idéias em tão curto espaço de entoa- a que estamos habituados. Todo poeta
ção lírica. E esta faculdade, que pos- deve ser, para ser poeta, em primeiro
suía Antero de Quental, admirava-a o lugar sincero. E há na sinceridade
reitor de Salamanca sobre todas as destas duas almas ibéricas um matiz
outras. E a tomava como modelo. Ob- de redenção suprema, a que se grava
serva-se na expressão anteriana um nessa luta, das palavras por encontrar
forcejo inato, uma luta, um desassos- o seu lugar exato e a sua própria exati-
sego, que se exterioriza muitas vezes dão expressiva. Se a luta pela palavra
em acavalamentos abruptos, mais poética, como diria Luis Felipe Vivanco
abruptos ainda no poeta da geração de ao apreciar o panorama da lírica espa-
98. Os dois são românticos, profunda- nhola atual,45 é algo que em poesia se
mente românticos, e recortam as suas foi perseguindo modernamente como
idéias no granito das estrofes como raras vezes em nossa língua, é a Mi-
nas pedras endurecidas pelo tempo o guel de Unamuno a quem se deve,
escultor talha imagens pessoais. São junto com António Machado, o verda-
sonetos escritos para ser gravados. deiro arranque. Este arranque devem-
Não caminham pausados, lentos, em no os portugueses a Antero. E até nisto
ritmo e melodia. Marcham tempestuo- se parecem. É uma palavra poética es-
sos. Precipitam-se bruscamente em sencial, livre de cargas modernistas, li-
cascata que é floração sintética de um vre do sonsonete tradicional, da músi-
pensamento transcendental, ora religi- ca pela música. ´Algo que não é músi-
oso, ora ético, ora metafísico. Poucos ca é a poesia´, já tinha dito (Unamuno)
versos como este de Unamuno, Oír llo- em seu primeiro livro de versos. E se
ver no más, sentirme vivo, consegui- referia, sem dúvida, a esta particulari-
ram abarcar tão vastos horizontes. É dade. A que a poesia deve ser a es-
algo assim como o cogito, ergo sum sência da vida, a comunicação mais
cartesiano, sem a frialdade dedutiva do apertada da existência, mais livre de
filósofo de La Haye. E poucos também sensações externas, mais interior, mais
como aquele de Antero que começa: anímica. A poesia é uma consciência
`Vozes do mar, das árvores, do vento´ do próprio ser, do Universo, feita Pala-
ou o outro, o da mão de Deus, ou vra, Logos.”46
aquele que começa: `Há mil anos, e
mais, que aqui estou morto´. Conclusão
autor deste artigo tem um duplo obje- muno ganhava forças com sua postu-
tivo: mediatamente conhecer melhor ra de querer crer, Antero, em última
ambos autores ibéricos; imediata- análise ia se desgastando, se ani-
mente examinar a hipótese da influ- quilando, até morrer a morte que o já
ência de Antero sobre Unamuno, de havia matado pelo menos duas vezes
modo particular no que diz respeito anteriormente, como testemunhou
ao sentimento trágico da vida. Oliveira Martins. 47
O poeta espanhol tinha afinidades
Antero e Unamuno seguiram cami- ideológicas com o poeta luso a quem
nhos semelhantes, tiveram idéias muito admirava. Ele o cita muitas
paralelas, típicas de suas respectivas vezes em seus escritos e sempre
gerações e usaram o método dialéti- com aprovação e admiração.
co.
Eram sedentos do Absoluto, do Deus
Ambos eram homens de crise viven- pessoal, a diferença sendo que Ante-
do numa época de crise. Apesar de ro – a partir de um certo ponto em
tanto parentesco ideológico – exis- sua vida – perde a esperança e o
tencial, pouco ou quase nada se falou basco não. Este continua a sua bus-
da influência de Antero sobre Una- ca com razão, sem razão ou contra
muno e do paralelismo de seus es- ela. Cessando, já não seria agonia.
critos.
Ambos, também, perderam a fé A problemática transcendental anteri-
quando estudantes universitários mas ana é assimilada pelo espanhol:
jamais conseguiram se livrar da idéia Deus existe? Vale a pena ter nasci-
de Deus recebida na infância. Daí é do? Não, dirá o açoriano; sim, dirá o
onde reside a origem do sentimento vascongado.
trágico na vida de ambos escritores.
Antero não abandona a idéia de san- As antinomias representadas pelo
tidade e Unamuno insiste constante- sentimento e o intelecto, a razão e a
mente na imortalidade do homem de
carne e osso. 47
Era velha e firme a tentação do suicídio.
Conta Oliveira Martins: `Duas vezes o de-
As leituras que fizeram foram algo sarmei, e uma no instante em que se ia matar´
semelhantes; são leituras caóticas as (Correspondência, p. 160, ed. de 1926).
mais diversas possíveis. Mas houve, Afirma Teófilo Braga: `De amigos íntimos
aqui, uma diferença entre ambos soubemos que ainda em Coimbra tentara
suicidar-se´ (In: Modernas idéias, p. 180, V.
poetas-pensadores, de pendor filosó-
II.) Apud Fidelino de Figueiredo, Antero, São
fico: ao passo que Unamuno encon- Paulo, p. 41, nota 4. (Coleção `Departamento
trou uma trajetória ideológica e a ela de Cultura´ V. XXVI). Unamuno também
se ateve, o mesmo não se deu com o esteve muito próximo do suicídio. Diz ele: `E
poeta luso que, apesar de seus es- a mim livrou-me de seu fim (refere-se a José
Asunción Silva, outro suicida) o haver-me
forços sobre-humanos, tropeçava e casado a tempo.´ In: Sánchez Barbudo,
renunciava para logo recomeçar. Isso Estudios sobre Unamuno y Machado, Madrid,
é fundamental pois enquanto Una- 1959, p. 32.
Referências Bibliográficas