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O SENTIMENTO TRÁGICO DE ANTERO DE QUENTAL E DE

MIGUEL DE UNAMUNO

José Beluci Caporalini -DCS


Universidade Estadual de Maringá - PR

Resumo: Antero era um poeta que deixou Abstract: Antero was a poet who has written
em seus escritos alguns dos sonetos mais some of the deepest and most beautiful son-
profundos e belos da língua portuguesa em nets of the Portuguese language ever. It is
todos os tempos. Neles está impressa a dor printed in them human being´s pain and
de ser homem, a luta em uma vida tão atri- struggle due to such a life full of troubles,
bulada, cheia de sofrimentos e de limites. sorrows and limits. Is it worth living amongst
Vale a pena viver ante dores tais, pergunta-se such hardships, asks the Portuguese poet-
o poeta-pensador português? Responde sem thinker? He answers himself without hesita-
titubear: Não! Unamuno conhece profunda- tion: No! Unamuno knows deeply Antero´s
mente a problemática anteriana, abordada em concerns, as they are touched on by him in
sua obra. O salmanticense também vai de- his works. Unamuno too faces the classical
bater-se com os clássicos problemas dos problems of human existence limits. He will
limites da existência humana. Elaborará o seu create his tragic sense of life, his protest in
sentimento trágico da vida, o seu protesto face of pain, suffering, agony and, man´s
ante a dor, o sofrimento, a agonia e, o limite supreme limit, death. By doing so he does not
supremo do homem, a morte. Ao abordar isto succeed getting clear and convincing an-
Unamuno não consegue encontrar respostas swers to his tragic sense of life, but he is led
claras e convincentes para o seu sentimento to reflect about man and so elaborates a
trágico da vida, mas elabora reflexões sobre o philosophical anthropology in which the pres-
homem e uma antropologia filosófica nas ence of the Portuguese poet is rather con-
quais a presença do poeta português é bas- stant, even though, differently from Antero,
tante constante, ainda que, diferentemente de for Unamuno living is worth it.
Antero, para ele viver vale, sim, a pena.
Key Words: Existencialism, anthropology,
Palavras-chave: Existencialismo, antropo- man, tragic, mortality-immortaliy, God.
logia, homem, trágico, mortalidade-imortalida-
de, Deus.

Introdução

Para os terrestres o melhor é não ter nascido, // jamais ter visto


os raios do agudo sol, // e, nascidos, chegar quanto antes às
portas do Hades, // e jazer cobertos por um grande manto de
terra.” (Teôgnis)

ntero de Quental é conside- muno da Espanha.1 Ambos são, pois,

A rado uma das maiores e mais


representativas mentes de
sua geração e Miguel de Una-
1
Cf, Anna Maria Moog Rodrigues. Antero de
Quental: símbolo dos valores da cultura por

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pensadores que refletiram em pro- Ambos vates partem do mesmo


fundidade. Há, entre ambos, vários ponto e usam o mesmo método dia-
elementos que os aproximam. Eles lético, o da contradição, apaixonada,
interessam-se pelo homem, situado, resolvida em paradoxas em um, e
o homem com os seus afazeres, do- polarizações de contrários no outro.
res e limites. Em face dos limites do
homem põem-se a refletir, cada qual Ambos são homens em crise em
desde o seu ponto de vista, mas com épocas de crise e desde tal situação
várias aproximações em seus escri- de crise é que se lançam ao terreno
tos. das idéias. Uma vez perdida a fé ca-
tólica na qual tinham sido criados até
Este artigo tem um duplo objetivo: à juventude, deixam o caminho do
mediatamente conhecer melhor al- passado e lançam-se ao mundo do
guns aspectos do pensamento de pensamento. E é aqui no campo reli-
ambos escritores e imediatamente gioso e filosófico onde as suas rela-
examinar estas aproximações, con- ções são mais profundas.
cretamente, se o conceito do senti-
mento trágico unamuniano tem algo a Já se ressaltou a influência de um
dever à influência anteriana. Kierkegaard, de um Pascal, dos teó-
logos protestantes, ingleses e ale-
Como isto se opera ver-se-á no que mães dos séculos XVIII e XIX sobre
se segue. Unamuno, mas a influência de Antero
de Quental foi negligenciada por to-
1. Apóstolo e Guia da Geração de dos os autores até o presente estudo
Coimbra e o Sócrates Espanhol de Julio García Morejón. Os demais
1.1 Aspectos Religiosos e Filosóficos autores passam pela tangente e não
aprofundam o tema.3
Há na vida e pensamento de ambos
pensadores caminhos semelhantes, Em 1887 Antero de Quental envia a
muitas idéias paralelas, disposições sua carta autobiográfica a seu amigo
mentais típicas da geração a que e tradutor alemão Wilhelm Storck. É o
cada um pertence; Antero tendo per- documento mais importante para es-
tencido à geração de 70 portuguesa e truturar a vida e o curso das idéias de
Unamuno à de 98 espanhola. 2 seu autor. Lê-se nela, entre outras
coisas, o seguinte:
tuguesa. Rio de Janeiro: Universidade Gama
Filho, 1983. (Tese de Doutoramento) e Julio
O fato importante da minha vida, du-
García Morejón. Unamuno y Portugal. 2.ed. 4
Madrid: Gredos, 1971. rante aqueles anos, e provavelmente
2 o mais decisivo dela, foi a espécie de
A tese da paralelidade - assincronia, segun-
do a qual o que acontece em Portugal tende a
3
acontecer em Espanha, e vice versa, é desen- Cf. Segundo Serrano Poncela. El
volvida por Fidelino de Figueiredo em seu pensamiento de Unamuno. México: Fondo de
livro As duas Espanhas. Veja também Julio Cultura Económica, 1953, p. 95.
4
García Morejón, op. cit., p. 175-207. 1856-1864, que ele passou na Universidade
de Coimbra.

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revolução intelectual e moral que em nele tal ato e o abandonou desde en-
mim se deu, ao sair, pobre criança ar- tão, sem desencaminhamento sensível
rancada do viver quase patriarcal de algum pelo momento, como a coisa
uma província remota e imersa no seu mais natural do mundo.6
plácido sono histórico, para o meio da
irrespeitosa agitação intelectual de um Ambos reconhecem as bases católi-
centro, onde mais ou menos vinham cas de sua fé infantil; ambos sofrem o
repercutir-se as encontradas correntes primeiro impacto vital, que lhe conduz
do espírito moderno. Varrida num ins- à racionalização da fé e, conseqüen-
tante toda a minha educação católica e temente, à primeira batalha interna
tradicional, caí num estado de dúvida e ao abandonar o lar de onde provi-
incerteza, tanto mais pungente quanto, nham; Coimbra será para Antero o
espírito naturalmente religioso, tinha que Madri seria para Unamuno: co-
nascido para crer placidamente e obe- meço dos estudos universitários e
decer sem esforço a uma regra reco- perda da fé.
nhecida. Achei-me sem direção, estado
terrível de espírito, partilhado mais ou Isso é de extrema importância na
menos por quase todos os da minha vida de ambos pois outra coisa não
geração, a primeira em Portugal que farão senão contemplar e lutar com
saiu decididamente e conscientemente ardor, buscando a Deus, cuja exis-
da velha estrada da tradição.5 tência acabam de por de lado nesse
momento. Antero, dificilmente o en-
Compare-se o texto anteriano citado contrará de novo; Unamuno deseja,
ao unamuniano, também autobiográ- procura, com todas as suas forças
fico: para voltar a duvidar, chegando a
sonhá-lo, a criá-lo, em termos de seu
... o seu tio enviou-o a estudar em Ma- pensamento. Daí o sentimento trági-
dri; era a época em que com o krau- co: se não há um Deus pessoal como
sismo soprava ventos de racionalismo. justificar a santidade fundada na mo-
(...) No primeiro curso ia à missa todos ral, como no caso de Antero? Ou:
os dias e comungava mensalmente. O como sustentar a imortalidade, o de-
trabalho de racionalizar a fé ia carco- sejo de per-vivere, como em Una-
mendo, despojando-a de suas formas muno? O que se pode dizer é o se-
e reduzindo-a à substância e conteúdo guinte: É quase impossível dizer, sem
informe. Assim é que ao sair da missa margem a dúvidas, se ambos vieram
na manhã de um domingo – fazia tem- a crer ou não. Mas é irrefutável a sua
po que não ia a ela senão nos dias procura franca pelo Deus pessoal de
festivos – perguntou-se que significava Abraão, Isaque e Jacó. Este, não o
dos filósofos.
6 Carta auto-biográfica, em Prosas, 1946,
tomo III.

6
Paz en la guerra. 4.ed. Buenos Aires, 1952,
p. 50-51.

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1.2 Leituras Juvenis aniquilando o seu pensamento e a


sua consciência.
Antero diz na sua carta auto-
biográfica que, chegando a Coimbra, O paralelismo ideológico entre Una-
devora romances, livros de ciências muno e Antero é indubitável. Antero
naturais, poetas, publicistas, teólo- tem uma vida mais turbulenta e ao
gos, Goethe (em francês), Remüsat, final, sem encontrar uma síntese en-
Proudhon e Michelet. E assim, diz tre Razão e Fé, Pensamento e Sen-
ele, “fiquei definitivamente conquista- timento deixa-se conduzir ao martírio
do para o Germanismo.” final. Unamuno tem uma vida mais
plácida: tem nove filhos, é homem de
Já Unamuno é influenciado por dois uma só mulher e morre de repente.
pensadores espanhóis católicos: Antero é mais um vencido da vida ao
Jaime Balmes e Donoso Cortés. Am- passo que Unamuno “com razão,
bos escritores conduzem-no ao des- sem razão ou contra ela” é um ven-
cobrimento do germanismo: Kant, cedor. Mas a influência que Antero
Hegel e Leibniz, principalmente; Des- tem sobre o salmanticense não pode
cartes também.7 Ao lado dos filóso- ser descartada. Ele o chama de “a
fos alemães e dos poetas românticos figura mais trágica de nossa literatura
lê São Paulo, Santo Agostinho, Lute- ibérica”8 ou, em outra ocasião, de “o
ro, Harnack, a Bíblia, os místicos es- maravilhoso Quental.”9
panhóis, os Santos Padres e os filó-
sofos do século XIX. Como se vê são 1.3 Afinidades Ideológicas
quase as mesmas caóticas leituras
que se descobre em Antero. O que Unamuno lê e admira o poeta-
se passa é que o espanhol segue pensador português. Veja-se abaixo
uma trajetória ideológica quase ine- alguns exemplos:
vitável, original e sem tropeços. O
vate luso, ao contrário, tropeça e re- Quem não já conhece – escreve em
nuncia a cada instante. A sua obra 1912 – esta trágica figura de Antero de
está cheia de renúncias e de novas Quental, o autor dos imortais Sonetos,
eleições. Ambos estão insatisfeitos a figura mais trágica de nossa literatura
mas com uma diferença. Unamuno ibérica, incluindo nesta a castelhana, a
ganha forças para querer crer – que é portuguesa, a catalã e a galega? Quem
uma das soluções unamunianas que não conhece aquele homem cuja fór-
justificam, a sua agonia - ; para Ante- mula era um helenismo coroado de
10
ro as coisas são um pouco diferentes budismo?
pois ele se deixa arrastar por esse
caos de influências e vai aos poucos
8
Miguel de Unamuno. De esto y de aquello.
7
O autor de Odes modernas não conheceu Buenos Aires: Sudamericana, III, p. 340. EA,
Hegel diretamente ao que parece, mas través daqui para frente.
9
das exposições do filósofo italiano Augusto Epistolário ibérico: cartas de Pascoaes e
Vera. Unamuno aprendeu alemão traduzindo Unamuno. Lisboa: Nova Lisboa, 1957, p. 33.
10
a Lógica de Hegel. EA, III, p. 340.

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O pobre Antero, que acabou por suici- ambos autores, além da influência do
dar-se, é uma alma que se pode por pensador português sobre o espa-
junto às de Thomson (o do século pas- nhol. Daí a abundância de citações
sado), Sénancour, Leopardi, Kierke- de obras do luso pelo autor espanhol.
gaard e os maiores desesperados.”11 São almas gêmeas na busca da ver-
dade, do Absoluto, da santidade e da
No prólogo à sua novela Niebla, ou imortalidade. Possuem, por assim
nivola, expressa a sua exteriorização dizer, dois sentimentos trágicos da
de suas preferências ideológicas ou vida semelhantes, cujo método é o da
poéticas e de sua luta pela imortali- paixão, e cujo fundo é o desespero e
dade da alma e diz aí o seguinte: a dúvida. Até que ponto deriva o de-
sespero unamuniano do trágico poeta
E daqui a doutrina do tédio de Leo- português?
pardi depois que pereceu o seu en-
gano extremo ch´io eterno mi credei Em ambos poetas, como já se disse
(que eu eterno me cri), de crer-se acima, o problema vital, existencial,
eterno.12 filosófico é de fundo religioso, che-
gando a ser central no caso do sal-
No ensaio intitulado “Um povo suici- mantino, e, talvez, no do açoriano
da” volta a irmanar o poeta luso a também. Mas o que distingue o de-
seus desesperados, favoritos, a seus sespero do pensador basco do de-
irmãos da alma e diz: sespero anteriano é esse fio de espe-
rança que Antero, ibérico também,
Antero, com seus irmãos Obermann,13 quis vencer e não pode. Unamuno
Thomson, Leopardi, Kierkegaard – não confia sempre na vitória, até o fim de
mais intensos que ele -, dorme para seus dias e só a consegue parcial-
sempre. O seu coração, já liberto, dor- mente através da palavra poética; o
me o sono na mão de Deus, na sua autor de Odes Modernas não tem
mão direita, eternamente.”14 paciência: vence-lhe o desassossego
e põe fim à sua tragédia agônica em
Estas citações já dão algumas idéias um banco de jardim, quando ainda é
das afinidades e paralelismos entre relativamente jovem, ao passo que o
autor de Paz em la guerra vive até à
11
Miguel de Unamuno. Por tierras de senectude!
Portugal y de España. Madrid: Aguilar, 1953,
p. 34-35. PTPE, daqui para a frente.
12
E por isto se explica que três dos autores Os dois são homens de desespero,
mais favoritos de Unamuno sejam Sénancour, de agonia e do sentimento trágico da
Quental e Leopardi. Cf. Miguel de Unamuno. vida. Ambos são homens dotados de
Niebla. Madrid: Aguilar, p. 29. sabedoria.
13
Obermann é o título da novela autobiográ-
fica de Etienne de Sénancour (1770-1846).
Unamuno cita aqui o ente de ficção pelo autor Alguns dos problemas mais impor-
de carne e osso porque para ele aquele muitas tantes que angustiam o poeta de
vezes supera em realidade a este. Portugal refletem-se na consciência
14
PTPE, p. 137. de Unamuno com grande força, como

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é o caso das interrogações anteria- Deus e sonhá-lo ao passo que Ante-


nas ainda da juventude. Deus, é ou ro, por vezes, desaparece na inércia
não é verdade?15 No soneto dedicado e no esquecimento ante o silêncio de
a Germano Meireles, acaba com es- Deus, que nunca responde.
tes versos:
Amortalhei na fé o pensamento
Quem fora tão ditoso que olvidasse... e achei a paz na inércia e esqueci-
Mas nem seu mal com ele então dormi- mento...
ra, Só me falta saber se Deus existe!18
Que sempre o mal pior é ter nascido!16
Deus existe? Veja-se a oração una-
Há uma luta desesperada para des- muniana do ateu, soneto de indiscutí-
cobrir a presença de Deus em ambos vel corte anteriano, que termina as-
poetas, mas com uma diferença: ao sim:
passo que para o poeta luso “o mal
maior é ter nascido” e portanto não Qué grande eres, mi Dios! Eres tan
valerá a pena ter nascido, para o sa- grande
lamanquino valerá a pena pois ele se que no eres sino Idea; es muy angosta
encontra com forças o bastante para la realidad por mucho que se expande
“lutar agonicamente”. para abarcarte. Sufro yo a tu costa,
Dios no existente, pues si Tú existieras
Deus existe?, perguntam-se ambos. Existiría yo también de veras.19
A resposta não é muito diferente.
Antero era ateu, um ateu loucamente Antônio Sérgio, na sua edição dos
enamorado de Deus.17 Unamuno não sonetos anterianos recorda um poe-
chegou a sê-lo, a não ser durante os ma de Sully-Proudhomme, que res-
seus anos de juventude em Madri. ponde à s características agônicas de
Unamuno encontra forças para criar a ambos poetas:
15
A poética anteriana é riquíssima da temáti- Deux voix s´élèvent tour à tour
ca transcendental. Alguns exemplos: “Ignoto
Des profondeurs troubles de l´âme:
Deo”, “A Um Cruxifixo”, “Na Capela”, “Pa-
La raison blasphème, et l´amour
lavras Dum Certo Morto”, “Disputa Em
Família”, “À Virgem Santíssima”, “Na Mão Rêve un dieu juste et le proclame.
de Deus”. In: Antero de Quental: poesia e Panthéiste, athée ou chrétien,
prosa. Organização de Adolfo Casais Montei- Tu connais leurs luttes obscures;
ro. Ed. Rio de Janeiro, 1972. Também a C´est mon martyre, et c´est le tien,
literatura unamuniana o é. Veja-se o capítulo
De vivre avec ces deux murmures.
II de Unamuno y el Cancionero: la salvación
por la palabra de Julio García Morejón. São L´intelligence dit au coeur:
Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Le monde n´a pas un bon père.
Letras de Assis, 1966, p. 51-139. Vois, le mal est partout vainqueur.
16
Antero de Quental. Sonetos. Edição organi- Le coeur dit: Je crois et j´espère.
zada, prefaciada e anotada por Antônio Sér-
gio. Lisboa: Couto Martins, 1943, p. 147. 18
17
Segundo Miguel de Unamuno, EE, I, p. Antero de Quental, op. cit., p. 193.
19
959. Rosário de sonetos líricos, p. 60.

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` Espère, ô ma soeur, crois un peu: queiram dar de que existe um Deus


C´est à force d´aimer qu´on trouve: não me demonstram nada; que quan-
Je suis immortel, je sens Dieu´. tas razões se queiram dar de que
L´intelligence lui dit: Prouve!20 existe um Deus me parecem razões
baseadas em paralogismos e petições
1.4 O Sentimento e o Intelecto de princípio (...). Ninguém conseguiu
convencer-me racionalmente da exis-
A razão e a fé, o coração e a cabeça, tência de Deus, mas tampouco da sua
o sentimento e o intelecto são anti- não existência.
nomias que não podem ser resolvi-
das com facilidade e daí o tormento Umas linhas antes havia escrito:
agônico de ambos autores, seme-
lhante ao de Pascal, Leopardi, Ki- Tenho, sim, com o afeto, com o cora-
erkegaard e outros agônicos deses- ção, com o sentimento, uma forte ten-
perados. dência ao cristianismo, sem me ater a
dogmas especiais desta ou daquela
Antero escreve: confissão cristã.22

Uma negação não pode ser o último E na sua obra Del sentimiento trágico
verso do poema do destino. Atravessa- de la vida sintetiza toda a sua angús-
ria a existência os espaços, com seu tia sob estes três dilemas:
ardente vôo de águia, só para encon-
trar ao fim o nada e precipitar-se nele? ...ou sei que morro completamente, e
Deve ser outra, e muito maior e mais então a desesperação irremediável, ou
digna da alta idéia que nos fazemos do sei que não morro completamente, e
universo, a solução do fatal problema. então a resignação no desespero ou
Não certamente a conclusão fixa, de- este naquela, uma resignação deses-
terminada e imóvel das teologias e, perada, ou um desespero resignado, e
principalmente, da teologia cristã. Uma a luta,23
conclusão moral e não doutrinal. A
confiança e não o céu. Uma crença do que é o ponto de partida de toda a
21
coração, e não o código duma Igreja.” sua filosofia, como se sabe.

Comparem-se estas com as seguin- Os dois escritores ibéricos partem do


tes afirmações do agonista basco: mesmo ponto. De uma interrogação.
Estão de acordo nisto: “não é possí-
Confesso sinceramente que as supos- vel que uma negação seja o último
tas provas racionais – a ontológica, a verso do poema de nossas vidas”. E
cosmológica, a ética, etc., etc., da se lançam a prová-lo. Mas como a
existência de Deus não me demons- razão é impotente para isso, o único
tram nada; que quantas razões se fundamento há de ser o coração, o
20 22
Antônio Sérgio, op. cit., p. 193. EE, II, p. 367.
21 23
Antero de Quental, Prosas, II, p. 13. EE, II, p. 743.

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sentimento, o afeto. Diante da inte- gera é o da paixão. A cabeça resolve


lecção racional, a intuição sentimen- unicamente retas, que são silogísti-
tal: ambos são profundos sentidores. cas. O coração resolve as curvas.
O sentimento era o único capaz de Daqui que a ´filosofia` destes dois
lhes fazer mais fraca a incertidão. poetas é a que gera o sentimento, e o
Ficariam satisfeitos da existência de método de introspecção é o da pai-
Deus através das afirmações do sen- xão; o seu estado, o de desespero.
timento e do afeto, contra as da ra- As dicotomias, por sua vez, são as
zão. seguintes: lógica-sonho, cabeça-
coração, razão-fé.27
1.5 Sonho Tortuoso Versus Linha Reta
Encontra-se, assim, perante dois
Vê-se aos poucos que o método filo- sentidores. Dois insatisfeitos. Segui-
sófico de ambos pensadores é o irra- ram os mesmos caminhos e estive-
cionalista, sendo ambos irracionalis- ram a ponto de chegar a idênticas
tas desesperados. soluções, mas por que não chegaram
à mesma solução? De onde a analo-
A curva para os poetas, é o caminho gia, a similitude, o paralelismo?
da verdade ideal. Antero diz que
A analogia está na atitude desespe-
...pode ser que a reta seja o caminho rada que adotam ante a existência,
da verdade ideal; mas a verdade hu- no mesmo sentimento trágico de su-
mana, essa, como as voltas d´um doce as vidas, nos métodos dialéticos apli-
ribeiro, ora costeando montes, ora ao cados, na entonação, no esforço, na
longo dos vales, incerto na largura e na agonia.
rapidez, essa segue todas as curvas
caprichosas, mas necessárias, do sen- Na introdução aos Cantos de solidão,
timento.24 de Manuel Ferreira da Portela, Antero
escreve:
O escritor basco pensa que a reta é Além da estética e da literatura há ain-
um estado predominantemente cida- da uma coisa: o coração. Os grandes
dão e monótono, que nada gera. 25 poetas foram grandes sabedores, por
certo; mas não sei bem se foi todo
A luta, que é o que interessa, exige esse saber que lhes deu aquele grande
curvas, muitas curvas. A vitória é coração cujo calor ainda cá de longe e
uma reta, mas o importante “creia- à distância de séculos nos aquece e
me, é a luta, não a vitória.”26 alumia. A Ciência dá ao gênio a segu-
rança, a firmeza que fazem a consis-
Por isso o único método capaz de tência e a exata proporção das obras.
vencer os obstáculos que a curva Mas a obra, essa sai toda da alma, e

24 27
Antero de Quental, Prosas, p. 2. EE, I, p. 792; 939; 989; EE, II, p. 293, 727.
25
EE, I, p. 362.
26
EE, II, p. 557.

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para a alma não há senão uma lei: a ca chega-se a descobrir melhor uma
sinceridade.28 possível influência do escritor portu-
guês sobre o espanhol.
Para ambos escritores a verdade é a
sinceridade e a sinceridade é a ver- A minha cabeça conserva-se lúcida,
dade do sentimento. O irracionalismo mas o resto insurge-se: ora o resto, em
destes dois escritores ibéricos tem toda a gente é alguma coisa; em mim é
pouquíssimas bases lógicas. Des- muitíssimo; é tanto que lhe não posso
cansa sobre a cardíaca. Fundamen- resistir e deixo-me ir levando. Isto é
tam o seu pensamento filosófico no deplorável, dirá você. Mas é assim,
sentimento e nos problemas existen- respondo-lhe: Fatum. Penso como
ciais: o seu sentimento trágico da Proudhon, Michelet, como os ativos:
vida repousa sobre o homem con- sinto, imagino e sou como o autor da
creto, sobre o homem de carne e Imitatio Christi (...). Como quere que eu
osso, como diz o próprio Unamuno. ande, se sou ao mesmo tempo solici-
tado, com intensidade igual, em dois
É bom, pois, que se chame a atenção sentidos contrários? Pensa que renego
para o paralelismo ideológico de am- às nossas grandes verdades filosóficas
bos poetas, já que não é difícil esta- ou morais? Engana-se. Vejo-as tão
belecer uma filiação unamuniana ao bem como nunca. Simplesmente, vejo-
pensamento e à obra de Antero de as: nada mais. Ora a gente não é se-
Quental. O escritor Segundo Serrano gundo o que vê, somente, mas ao
Poncela diz o seguinte: mesmo tempo segundo o que sente,
segundo a direção para que vai levado
Do poeta português Antero de Quental por uma tendência, que é a expressão
absorve excitações que estimulam exata do eu de cada um (...). Seja
seus combates entre razão e fé; Una- como for, o que é certo é que estou
muno considerava o português como neste momento atacado da náusea da
uma das almas atormentadas pela realidade. Não sei que tempo durará o
sede de infinito e pela fome de eterni- ataque. Não é o primeiro: é uma das
29
dade. minhas alternativas, conforme predo-
mina um ou outro dos dois fatores da
Na famosa antinomia cabeça-coração minha vida moral.30
e o conseqüente processo dialético
da contradição que este sentir provo- Unamuno também insiste muitas ve-
zes nisto, quase com as mesmas
28
Antero de Quental, Prosas, I, p. 318. palavras. Diz a cada passo que nele
29
Segundo Serrano Poncela, op. cit., p. 95. O
se albergam e combatem duas forças
sentimento, como uma das notas característi-
cas do pensamento galaico-português, foi poderosíssimas, a razão e a fé, que é
muito bem explorado por Ramón Piñeiro em como dizer o sentimento e a mente, o
Siñificado metafísico da saudade. Notas pra coração e a cabeça, o sonho e a lógi-
unha filosofia galaico-portuguesa. Revista ca. Em última análise, todos os pro-
Filosófica. Coimbra, Atlântida – Coimbra,
2:141, jul 1951. 30
Antero de Quental, Sonetos, p. 2.

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blemas unamunianos se concentram


nesta fórmula: o esforço da cabeça Porque viver é uma coisa e conhecer
por dominar os impulsos do coração outra, e, como veremos, talvez haja
e a rebeldia do sentimento ante a entre elas uma tal oposição que pode-
lógica da razão. mos dizer que todo o vital é anti-
racional, não já só o irracional, e todo o
Algo disto chegava a Unamuno por racional anti-vital.34
via portuguesa, diretamente. Ele ha-
via lido várias vezes e anotado com A aporia unamuniana, coração-razão,
curiosidade e emoção o poeta dos o seu sentimento trágico da vida é o
Açores. Desse modo, pode-se de- mesmo sentimento trágico anteriano
tectar pensamentos, como os acima e é por este influenciado.
citados, em “Intelectualidad y espiri-
tualidad”; “Los naturales y los espiri- Na Revista do Século o autor de
tuales”; “El sepulcro de Don Quijote” Odes Modernas escreve, dizendo
(prólogo à segunda edição de seus que:
famosos comentários à obra máxima
de Cervantes); ensaios como “Mi A desarmonia pode existir nos fatos do
religión”, “Verdad y vida”, e todo o mundo, nas formas aparentes; jamais
livro Del sentimiento trágico de la nas leis eternas. E os atos do espírito,
vida.31 se parecem contradizer-se, se flutuam
encontrados, no fundo o movimento é
Mas há mais. No primeiro capítulo de o mesmo e a contradição visível es-
Del sentimiento trágico de la vida lê- conde uma concordância íntima pro-
se: “Contradição? Creio-o! A de meu fundíssima, porque o espírito é uno e
coração que diz sim, e minha cabeça simples. A intuição e a idéia são ape-
que diz não.”32 nas duas ondas produzidas pelo mes-
E mais adiante: mo impulso; duas vozes da mesma
boca, duas expressões do mesmo
A filosofia é um produto humano de cada olhar. O que deseja o coração o que
filósofo, e cada filósofo é um homem de carne quer a inteligência é uma coisa só: luz
e osso. E faça o que queira, filosofa, não com e amor: a verdade que se vê e a ver-
a razão somente, mas com a vontade , com o dade que se sente. A inspiração e o
sentimento, com a carne e com os ossos, pensamento são os dois eternos com-
com a alma toda e com o corpo. Filosofa o batentes que o homem mandou à con-
homem.33 quista do mundo: diferentes são as ar-
mas: mas no pendão de ambos está
Em seguida: gravada esta mesma legenda: Verda-
de: A Religião chama-lhe Deus, a Ci-
31
Segundo Julio García Morejón, op. cit., p. ência Idéia.”35
230, praticamente toda a obra de Unamuno
ressente-se da influência do poeta luso.
32
EE, II, p. 726.
34 EE. II, p. 739. 35
35EE, II, p. 739. Antero de Quental, Prosas, p. 323.

An. Filos. São João del-Rei, n. 10 p. 91-109, jul. 2003


CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ... 101

Emana destes dois elementos a ago- nada necessária, e sem a qual não é
nia. A vida em paz não existe, porque possível a síntese nem por conse-
Religião e Ciência não conseguem guinte, a unidade na sinceridade.37
conciliar-se. A vida em paz é sinôni-
mo de morte. Antero e Unamuno, É bom deixar de lado, contudo, a
almas gêmeas, abominam a paz, afirmação de Veloso sobre a impos-
principalmente aquela falsa paz dos sibilidade da síntese, nem a unidade
espíritos burgueses; paz aparente, na sinceridade pois ambos poetas-
superficial. Ou nas palavras de Théo- pensadores têm que ser compreendi-
dore Jouffroy (1776-1842): dos acima do plano dogmático. Tal-
vez não tenham chegado a uma sín-
Comment vivre en paix, quand on ne tese conclusiva mas que há sinceri-
sait ni d´où vient, ni où l´on va, ni ce dade na busca que fazem, lá isso há,
qu´on a à faire ici-bas? Vivre en paix e muita.
dans cette ignorance est chose contra-
ditoire et impossible.36 2. Antero e a Poética Unamuniana
2.1 A Influência de Antero na Poética
Unamuno, no Del sentimiento trágico Unamuniana
de la vida, parte das seguintes
proposições: Viu-se que há paralelismos evidentes
e contactos prováveis na prosa de
Não sou um livro feito com reflexão; ambos autores. Veja-se agora a in-
sou um homem com minha contradi- fluência do poeta luso sobre a poética
ção. do autor espanhol.
Antero é um dos maiores líricos por-
A respeito de Antero há a exegese de tugueses de todos os tempos; Dáma-
Agostinho Veloso que diz: so Alonso coloca-o ao lado dos maio-
res da poesia universal, ao lado de
É certo que, tanto na vida, como na Dante, Petrarca, Garcilaso, Shakes-
sua obra, há contradições, mas pare- peare, Camões, Ronsard e Queve-
ce-nos que todas elas se podem expli- do.38 Antero, como Unamuno, contu-
car por aquilo a que Bourget chamou do, era um sonetista com pendor filo-
`a teoria das sinceridades sucessivas´. sófico.
Já a ela nos referimos. Esta sucessão
de contradições sucessivamente since- Os sonetos de Antero são o sumo
ras e de sinceridades sucessivamente poético de uma agonia filosófica,
contradictórias não é, por certo, um melhor, de uma agonia religiosa e
valor positivo. É mesmo a resultante filosófica. Antero não se contenta
negativa da multiplicação do pensa- jamais com a falta de Cristo ou de
mento pela exclusão de uma coorde- Deus – explicitamente, como encon-
36 37
Mélanges philosophiques, p. 338. Citado Agostinho Veloso, Antero e os seus fan-
por Antônio Sérgio in: Antero de Quental, tasmas, Porto, 1950, p. 201-202.
38
Sonetos. Cf. Morejón, op. cit., p. 234.

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102 CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ...

tro pessoal – e daí o terremoto que Desse sonho e essas ânsias afronto-
sacode todos os seus sentimentos e sas,
que a sua poética bem revela. Que exprimem vossas queixas singula-
res...
Unamuno conhecia a poética anteria-
na e foi influenciado por ela, como se Almas no limbo ainda da existência,
pode ver a seguir: Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,
Em 1907 quando estava terminando
uma conferência em Valência, em Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
homenagem a Darwin, Unamuno Cair desfeitas, como um sonho vão...
interrompe-se e exclama dizendo que E acabará por fim vosso tormento.”39
mais que ouvi-lo, melhor seria pres-
tar-se atenção nos dois sonetos de Após a leitura dos mesmos, Una-
Antero de Quental, intitulados Re- muno acrescenta:
denção:
Vejam aqui uma das visões mais es-
Vozes do mar, das árvores, do vento! plêndidas que ao homem foi dado so-
Quando às vezes, num sonho doloro- nhar: a visão do universo todo, anima-
so, do e inanimado, tendo consciência de
Me embala o vosso canto poderoso, si, dando-se conhecimento de si e
Eu julgo igual ao meu vosso tormento... caindo então as formas transitórias.40

Verbo crepuscular e íntimo alento Claro que isto é insuficiente para de-
Das cousas mudas; salmo misterioso; monstrar a influência anteriana em
Não serás tu, queixume vaporoso, Unamuno, mas a admiração reflete
O suspiro do mundo e o seu lamento? um indício da influência provável.
Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade Segundo Julio García Morejón exis-
Agita e abala as formas fugitivas. tem alguns sonetos do Rosário una-
muniano, pelo menos oito, que são
E eu compreendo a vossa língua es- parentes próximos dos de Antero e
tranha, talvez tenham sido elaborados sob o
Vozes do mar, da selva, da monta- seu influxo. São os seguintes: “La
nha... oración del ateo”, “Mi Dios hereje”,
Almas irmãs da minha, almas cativas! “Razón y fe”, “Ateísmo”, “El mal del
pensar”, “En la mano de Dios”, “ Por
Não choreis, ventos, árvores e mares, qué me has abandonado?” e “La
Coro antigo de vozes rumorosas,
39
Das vozes primitivas, dolorosas Antero de Quental, Sonetos, p. 281.
40
Apud Morejón, op. cit., p. 237. Segundo
Como um pranto de larvas tumulares...
este autor há ainda alusão a estes poemas em
três ensaios unamunianos: “Sobre la filosofía
Da sombra das visões crepusculares española”, “Plenitud de plenitudes” e em EE,
Rompendo, um dia, surgireis radiosas II, p. 925.

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CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ... 103

unión con Dios”. Estes, continua Mo- ...Sufro yo a tu costa


rejón, pelo menos, são os que mais Dios no existente, pues si Tú existieras
diretamente mostram a filiação ante- Existiría yo también de vera,
riana de Unamuno e através dos
quais se pode determinar melhor o E a do poeta luso:
parentesco ideológico entre ambos.
Outros, quase todos os do livro citado Pura essência de lágrimas que choro
(isto é, Rosário de sonetos líricos) e sonho dos meus sonhos! Se es
assemelham-se aos de Antero, pelo verdade,
menos na forma interna. descobre-te, visão, no céu ao menos!

Dos anteriores, há um que declara Em outro soneto, vê-se a angústia do


em seu título a procedência de inspi- poeta luso ante a pergunta: Deus
ração, pois se intitula com um verso existe?
do poeta português: “En la mano de
Dios.”41 Erma, cheia de tédio e de quebranto,
rompendo os diques ao represo pranto
As soluções em ambos poetas são virou-se para Deus minha alma triste!
semelhantes, ou seja, são de carác- Amortalhei na fé o pensamento,
ter negativo. Em tais sonetos, a se- E achei a paz na inércia e esqueci-
melhança chega a tal ponto que é mento...
difícil entender a contradição unamu- Só me falta saber se Deus existe42
niana e procurar-lhe uma solução.
O soneto que imediatamente deriva
Compare-se, por exemplo, “La de Antero é o intitulado “En la mano
oración del ateo” e “Ignoto Deo”. O de Dios.!” No poema de Antero de
Deus que não existe, a quem o ateu Quental, o coração descansa definiti-
implora, é a sonhada visão da alma vamente na mão direita de Deus. É
anteriana: “ Qué grande eres, mi uma palma aberta e suave. Em Una-
Dios!, exclama o suplicante salmanti- muno, o coração fica preso sob forte
cense. E Antero: “Que refletes em aperto da mesma mão. É uma visão
mim teu brilho ingente”. teomórfica, sendo a anteriana mais
contemplativa. Ainda que ambos so-
O Deus desta oração unamuniana é netos sigam caminhos diferentes são
demasiado grande para ser palpado, iguais na forma e a influência de An-
por isso é só Idéia. A realidade é tero é clara. Há diferenças no final,
muito estreita para contê-lo. O anteri- mas não se podem negar as seme-
ano é pura essência de lágrimas, lhanças e identidades de expressão,
sonho de sonhos. E os dois poetas a postura ideológica inicial, o tom da
sofrem à s Suas custas. A solução do invocação, a estrutura de visão ou
salamanquense é esta: imagem visionária, e nisso Unamuno
segue o caminho do poeta português.
41 42
Apud Morejón, op. cit., p. 238-239. Antero de Quental, Sonetos, p. 191.

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104 CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ...

Em Antero é a entrega passiva e es- Pode-se concluir esta segunda parte


quecida na mão de Deus, como uma deste artigo valendo-se de uma cita-
criança que atravessa montanhas, ção algo longa do Prof. Morejón ne-
rios desertos, nos braços de sua ter- cessária, não obstante, pois a hipóte-
na mãe. Em Unamuno é o homem se deste artigo – que há influência de
que deposita na mão de Deus o co- Antero em Unamuno, de modo parti-
ração e a mente, os dois famosos cular na concepção do trágico – tor-
pólos de sua aporia. Veja-se o final na-se mais evidenciada ainda.
de um e outro soneto:
Disse uma vez o Sócrates salmanti-
Selvas, mares, areias do deserto... cense que os sonetos de Antero eram
Dorme o teu sono, coração liberto, duros, recortados, graníticos. Mas não
Dorme na mão de Deus eternamente.” são assim precisamente os seus? Se
com freqüência o mundo dos conceitos
E o de Unamuno os une bastante, não lhes une menos a
forma, o tipo de expressão, o estilo, a
Mientras la mente, libre de la losa palavra poética. Claro que em Una-
del pensamiento, fuente de ilusiones, muno se declaram aspectos que ema-
duerme al sol en tu mano poderosa. nam de outras fontes e de um fundo
tragicista espanhol que deixou pega-
A mão poderosa de Deus é a eterni- das fundas em nossas artes. Quevedo
dade e assim pode-se ver que o últi- também está presente, mas este autor
mo verso é quase igual ao de Antero. tinha o dom clássico do conceptismo
Em carta do dia 5 de janeiro de 1911 do século XVII, virtude que precisa-
Unamuno escreve a seu amigo uru- mente Unamuno desprezava.44 Os jo-
guaio Juán Zorilla de San Martín e gos de palavras, todo aquele emara-
lhe diz: nhado de engenho e de sentido, não
eram gratos ao mestre. Não obstante,
Dentro de pouco tempo publicarei - e a leitura de seus sonetos traz-nos à
o senhor receberá - o meu Rosário de memória a sensibilidade e a forma
sonetos líricos (antes bem trágicos), quevediana. Mas a quem mais se
entre os que o senhor verá desabafos aproximam é a Antero de Quental. Ha-
de meu pessimismo. Dizem-me alguns via em ambos uma concentração pode-
que recordam os de Quental.43 rosa de forças expressivas, por ser
ambos pensadores. Era o mínimo de
2.2 Dois Gênios Líricos: o Mínimo formas para o máximo de pensamen-
de Formas Para o Máximo de Pen- tos. Uma luta expressiva incalculável
samento os domina. Era preciso concluir em tão
só quatorze versos uma idéia universal
e um sentimento particularíssimo do
43
Citado por Manuel García Blanco, El
escritor uruguayo Juán Zorilla de San Martín 44
Jesse de Kock, Unamuno et Quevedo, em
y Unamuno, em Cuadernos Hispano- CCMU, IX, Salamanca, 1959, p.35-30, apud.
americanos, LVIII, Madrid, 1954, p. 47. Morejón, op. cit., 250.

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CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ... 105

ser e da vida. Poucas vezes em Poesia vam de uma sinceridade que fere e
procuraram-se tamanhas sínteses de que está renhida com o ritmo íngreme
idéias em tão curto espaço de entoa- a que estamos habituados. Todo poeta
ção lírica. E esta faculdade, que pos- deve ser, para ser poeta, em primeiro
suía Antero de Quental, admirava-a o lugar sincero. E há na sinceridade
reitor de Salamanca sobre todas as destas duas almas ibéricas um matiz
outras. E a tomava como modelo. Ob- de redenção suprema, a que se grava
serva-se na expressão anteriana um nessa luta, das palavras por encontrar
forcejo inato, uma luta, um desassos- o seu lugar exato e a sua própria exati-
sego, que se exterioriza muitas vezes dão expressiva. Se a luta pela palavra
em acavalamentos abruptos, mais poética, como diria Luis Felipe Vivanco
abruptos ainda no poeta da geração de ao apreciar o panorama da lírica espa-
98. Os dois são românticos, profunda- nhola atual,45 é algo que em poesia se
mente românticos, e recortam as suas foi perseguindo modernamente como
idéias no granito das estrofes como raras vezes em nossa língua, é a Mi-
nas pedras endurecidas pelo tempo o guel de Unamuno a quem se deve,
escultor talha imagens pessoais. São junto com António Machado, o verda-
sonetos escritos para ser gravados. deiro arranque. Este arranque devem-
Não caminham pausados, lentos, em no os portugueses a Antero. E até nisto
ritmo e melodia. Marcham tempestuo- se parecem. É uma palavra poética es-
sos. Precipitam-se bruscamente em sencial, livre de cargas modernistas, li-
cascata que é floração sintética de um vre do sonsonete tradicional, da músi-
pensamento transcendental, ora religi- ca pela música. ´Algo que não é músi-
oso, ora ético, ora metafísico. Poucos ca é a poesia´, já tinha dito (Unamuno)
versos como este de Unamuno, Oír llo- em seu primeiro livro de versos. E se
ver no más, sentirme vivo, consegui- referia, sem dúvida, a esta particulari-
ram abarcar tão vastos horizontes. É dade. A que a poesia deve ser a es-
algo assim como o cogito, ergo sum sência da vida, a comunicação mais
cartesiano, sem a frialdade dedutiva do apertada da existência, mais livre de
filósofo de La Haye. E poucos também sensações externas, mais interior, mais
como aquele de Antero que começa: anímica. A poesia é uma consciência
`Vozes do mar, das árvores, do vento´ do próprio ser, do Universo, feita Pala-
ou o outro, o da mão de Deus, ou vra, Logos.”46
aquele que começa: `Há mil anos, e
mais, que aqui estou morto´. Conclusão

Na forma interior e na exterior asse- Ao escrever-se sobre alguns aspec-


melham-se. O forcejo espiritual, que tos do pensamento de Antero de
em tão poucos poetas foi tão forte Quental e de Miguel de Unamuno o
como nestes, traduz-se nesse esforço
45
da fala, que muitas vezes nos dificulta Luís Felipe Vivanco, Introducción a la
a leitura e nos produz a sensação de
poesía española contemporánea, Madrid,
1948, apud Morejón, op. cit., p. 251.
falta de harmonia, de dureza. Durezas 46
Morejón, op. cit., p. 250-252.
há em ambos. Mas são as que se deri-

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106 CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ...

autor deste artigo tem um duplo obje- muno ganhava forças com sua postu-
tivo: mediatamente conhecer melhor ra de querer crer, Antero, em última
ambos autores ibéricos; imediata- análise ia se desgastando, se ani-
mente examinar a hipótese da influ- quilando, até morrer a morte que o já
ência de Antero sobre Unamuno, de havia matado pelo menos duas vezes
modo particular no que diz respeito anteriormente, como testemunhou
ao sentimento trágico da vida. Oliveira Martins. 47
O poeta espanhol tinha afinidades
Antero e Unamuno seguiram cami- ideológicas com o poeta luso a quem
nhos semelhantes, tiveram idéias muito admirava. Ele o cita muitas
paralelas, típicas de suas respectivas vezes em seus escritos e sempre
gerações e usaram o método dialéti- com aprovação e admiração.
co.
Eram sedentos do Absoluto, do Deus
Ambos eram homens de crise viven- pessoal, a diferença sendo que Ante-
do numa época de crise. Apesar de ro – a partir de um certo ponto em
tanto parentesco ideológico – exis- sua vida – perde a esperança e o
tencial, pouco ou quase nada se falou basco não. Este continua a sua bus-
da influência de Antero sobre Una- ca com razão, sem razão ou contra
muno e do paralelismo de seus es- ela. Cessando, já não seria agonia.
critos.
Ambos, também, perderam a fé A problemática transcendental anteri-
quando estudantes universitários mas ana é assimilada pelo espanhol:
jamais conseguiram se livrar da idéia Deus existe? Vale a pena ter nasci-
de Deus recebida na infância. Daí é do? Não, dirá o açoriano; sim, dirá o
onde reside a origem do sentimento vascongado.
trágico na vida de ambos escritores.
Antero não abandona a idéia de san- As antinomias representadas pelo
tidade e Unamuno insiste constante- sentimento e o intelecto, a razão e a
mente na imortalidade do homem de
carne e osso. 47
Era velha e firme a tentação do suicídio.
Conta Oliveira Martins: `Duas vezes o de-
As leituras que fizeram foram algo sarmei, e uma no instante em que se ia matar´
semelhantes; são leituras caóticas as (Correspondência, p. 160, ed. de 1926).
mais diversas possíveis. Mas houve, Afirma Teófilo Braga: `De amigos íntimos
aqui, uma diferença entre ambos soubemos que ainda em Coimbra tentara
suicidar-se´ (In: Modernas idéias, p. 180, V.
poetas-pensadores, de pendor filosó-
II.) Apud Fidelino de Figueiredo, Antero, São
fico: ao passo que Unamuno encon- Paulo, p. 41, nota 4. (Coleção `Departamento
trou uma trajetória ideológica e a ela de Cultura´ V. XXVI). Unamuno também
se ateve, o mesmo não se deu com o esteve muito próximo do suicídio. Diz ele: `E
poeta luso que, apesar de seus es- a mim livrou-me de seu fim (refere-se a José
Asunción Silva, outro suicida) o haver-me
forços sobre-humanos, tropeçava e casado a tempo.´ In: Sánchez Barbudo,
renunciava para logo recomeçar. Isso Estudios sobre Unamuno y Machado, Madrid,
é fundamental pois enquanto Una- 1959, p. 32.

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CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ... 107

fé, o coração e a cabeça tornam-se neste texto, que algo do pensamento


aporias insuperáveis, e, claro, não anteriano influenciou a sua prosa e a
poderiam deixar de sê-lo. sua poética. Algo se pode dizer, com
segurança; muito, com probabilidade.
Antero não consegue relacionar-se
com um Deus pessoal (torna-se-lhe Para ambos Religião e Ciência não
Idéia; influência da dialética hegelia- eram conciliáveis e a vida em paz,
na) e Unamuno diz que ninguém lhe paz autêntica, era um mito aparente e
convenceu racionalmente da exis- superficial. A vida em paz era sinôni-
tência ou não de Deus. mo de morte.

A agonia verdadeira – em ambos O Rosário de sonetos líricos foi


escritores – dá-se a partir do mo- elaborado sob a influência de Antero
mento em que “vêem que não é pos- e prova disto são os seguintes
sível que uma negação seja o último sonetos: “La oración del ateo”, “Mi
verso do poema da vida do homem”, Dios hereje”, “Razón y fe”, “Ateísmo”,
por um lado, e por outro, “quando “El mal de pensar”, “En la mano de
sentem a distância de Deus e o con- Dios”, “ Por que me has
seqüente vazio existencial”. abandonado?” e “La unión con Dios”.
À linha reta (a lógica) preferiram o Eles – como já se viu – mostram a
sonho tortuoso (o sentimento): a pri- filiação anteriana de Unamuno e pos-
meira seria para uma atitude à la sibilitam estabelecer melhor o pa-
Aristóteles, Kant e o segundo seriam rentesco ideológico entre ambos au-
as almas poético-filosófico-agônicas tores. As soluções que dão são de
como eles, Platão, Agostinho, Pascal, carácter negativo.
Kierkegaard, Leopardi e outros.
É evidente que se podem detectar
Ao seguirem esse método mostraram aspectos que emanam do fundo tra-
que a verdade íntima, profunda, a gicista espanhol na obra de Una-
verdade do homem concreto é a car- muno. Mas a influência do autor luso
díaca e não a lógica. Fundando o seu parece ser inquestionável na obra do
pensamento no sentimento, e não na escritor salmantino. E essa filiação
fria razão, tornaram-no irracional, anteriana pode ser vista nos versos
mas é um irracionalismo de duas que o poeta espanhol escreveu no
almas ibéricas que queriam ante tudo desterro que aparecem hoje no seu
a verdade na sinceridade. Eram al- Cancionero, editado postumamente.
mas poéticas, e, na medida em que
buscam incessantemente a verdade Antero, Antero, isloteño,
em suas obras, filosóficas. nido de brumas, Azores,
donde las algas son flores
Como Unamuno conhecia muito bem y la mar engendra en sueño,
as obras do poeta português pode-se profeta tú congojoso
sim dizer, com quase certeza, que, de la Atlántida perdida,
tendo-se em vista o que foi visto viejo mundo, nueva vida

An. Filos. São João del-Rei, n. 10 p. 91-109, jul. 2003


108 CAPORALINI. José Beluci. O Sentimento Trágico de Antero de Quental ...

de inacabable reposo tú que viste la verdad,


de Dios en la mano diestra la sola real, la nuestra,
la aboriginalidad - ; la verdad que hace a la suerte;
Antero, tu alma está triste
Desde el umbral de la muerte”.48

Pode-se concluir afirmando que há


muitos pontos de contacto entre am-
bos escritores. Sentem a mesma dor
do abandono por um Deus inatingí-
vel, a mesma nostalgia de outra vida,
a sede tormentosa da perfeição ideal
e a imortalidade, a sensação do iso-
lamento entre turbas, a pressentir
Deus sem achá-lo; esses dois senti-
dores ibéricos aproximam-se, irma-
nam-se pelo sentimento trágico que
vivem e que poeticamente expressam
em agonia; em profunda agonia.

Antero de Quental, o poeta luso, e


Miguel de Unamuno, o poeta espa-
nhol, são almas ibéricas irmãs na dor,
na busca e no sofrimento agônico
desesperado e que repousam na
mão de Deus, na sua mão direita,
cujas obras, em muitos pontos têm
muitas afinidades.
48
Citado por Morejón, op. cit., p. 252.

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An. Filos. São João del-Rei, n. 10 p. 91-109, jul. 2003


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