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Colcç.io Howard S.

Becker
ANTROPOLOGIA SOCli- L
diretor: Gilb.:ITO Vdho

· O Riso e o Risfvel · A Teo ria Vivida


Vercna Albern l\ 1ariza P~ i rano

· Outside rs - Cultura e Razão Prática


Howard S. Becker · Hi stória e Cultura
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• Antropologia Cultural
• ~ll etáforas Históricas e

Outsiders
Franz Uo~u;
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Tradução:
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a Antropologia - Pesguisas Urbanas
.•
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Lericia Vianna
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· Guerra de Orixá LUis Rodolfo Vi lhe na
Yvo·1nc Maggi~ • Sociedade d e Esg u ina
· De Olho na Rua
julia O'Donncll
Wi!lia m Foore Whyrc
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I
Título original:
Outsiders í
(Studíes in the Sor.iology of Devinnce) I
I
1ra dução autorizada da edição norte-amE: . icana
publicada em 1991 por The Frce Press, uma d iv:~ ão
da Simon & Schuster, lrrc., de Nova York, FUA

Copyright :t.J 1963, The Free P res~ of Gler ,roc


Copyright renovado .;. 1991, Howard S. Becker
Copyright do Capítulo 1O, "A teoria da rotulação íecon·;iderada" ~· 19 73.
Howard S. Becker
Copyright do prefácio "' 2005, Howard S. Becker
I P.s vezes não tenho tanta certeza de quem tem
o direito de dizer quando uma pessoa está louca
1
Copyright da edição em língua portuguesil ' 2009: e quando não. Às vezes penso que nenhum de nós é
Jorge Zahar Editor ltda. totalmente louco e que n~n hum de nós é totalmente
rua l~éxico 31 sob reloja são até que nosso equilíbrio diga ele é desse jeito.
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
É como se não importasse o que o sujeito faz, mas a
tel.: (21) 2108-0808 I fax: (21) 2108· 0800
e-rnail: jze@zahar.com.br
forma como a maioria das pessoas o vê quando ele faz.
site: W'N'I'I.zahar.com.br W! LLJAM FAULKNER, Enquanto eu agonizo
(São f>aulo, Mandarim , 2001 , tradução de Wladir Dupont).
Todos os direitos resetvados.
A reproduç~o não-autorizada 1esta putllicação. no lodo
ou em pilrte, constitui vi.J laçlto de di reitos autorais. (lei 9.610/98)

Capa: Bruna Senvegnu


Ilustração da ca~>d: ~ Ste·te Winter/Getty Images

CIP-Brasil. Cataloga ção-na-fonte


S' ndic~to Nacional dos Editores de LIVros. RJ .
Becker. Howard !;aul, 1928-
B355o Outsiders: ~studos de sociol!'l gia do desvio I Howard S. Beckfr;
tradução Maria Luiza X. de Borges; revi!ão técn ica Karina Kuschnir.- l.ed.
- Rio de Janeiro: J~ rge Zahar Ed .. 2008.
(Antropologia social)
Tradução de: Outsiders : studies in tJK sociology of deviance
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-178-0108-6

I. De.sajustamento socidl. I. Titule.

CDD: 302.542
08-4049 CD'J: 316.624
I
i

Sumário

Prefádo, 9

1
Outsiders, 1s
Defini ções de desvio, 17
Desvio e as reações dos outros, 21
Regras de quem?, 27

2
Tipos de desvio: um modelo seqüencial, 31
Modelos simultâneo e seqüencial de desvio, 33
Carreiras desviantes, 36

3
f Tornando-se um usuário de maconha, 51

l
·t··-.
.,
Aprender a técnica, 55
Aprender a perceber os efeitos, 57
Aprender a gostar dos efeitos, 61
~;

.,
4
'!ô. Uso de maconha e controle social, 69
Fornecimento, 11
Sigilo, 76
Mora lida de, 82
' ..
..
5
A cultura de um grupo desviante:
o músico de casa noturna, 89
A pesquisa, 93
Músico e "quadrado", 94
Reações ao conflito, 100
Isolamento e auto-segregação, ,os Prefácio*
6
Carreiras num grupo ocupacional desviante:
o músico de casa noturna, 111
"Panelinhas" e sucesso, 11 2
Pais e esposas, 123 Outsiders não inventcu o campo do que hoje se ch ama "desvio':
Outros estudiosos já haviam publicado idéias semelhantes (em
7 especial Edwin Lemert e Frank Tan nenbaum, 1 ambos m encionados
As regras e sua imposição, 1?9 neste livro). M~s Outsiders diferi u de abordagens anteriores em
Estágios de imposição. 136 vários aspectos. Pa'ra começar, foi escrito de maneira muito mais
Um caso ilustrativo: a Lei da -:"ributação da Maconha, 141 clara que o texto acadêmico usual. Não me cabe nenhum mérito
r isso. Tive bons professores, e meu mcntor, Evcrctl llughes, que
8 orientou minha dissertação e com quem depois colaborei estrei-
Empreendedores morais, 153 tamente em vários projetos de pesquisa, era fanático pela escrita
Criadores de regras, 15) !•

cli!ra. Ele considerava inteiramente desneces~ário usa r termos


O destino das cruzadas morais, 157 abstratos, vazios, quando havia palavras simples que diriam a
Impositores de reg r~s, 160 mesma coisa. E me lembrava disso com freqüência, de medo que
Desvio e empreendimento: um resumo, 167 ·~
' ~
,· meu reflexo foi sempre procurar a palavra simples, a frase curta,
9 o modo declarativo.
Além de se~ mais compreensível que grande parte dos textos
O estudo do d~svio: problemas e simpatias, 169
sociológicos, metade de Outsiders consistia em estudos empíricos,
10 relatados em detalhe, de tópicos "interessantes" para a geração de
A teoria da rotulação reconsiderada, 179 estudantes que ingressava então nas universidades norte-ameri-
O desvio como ação coletiva, 183 canas, em contraste com teorizações mais abstratas. Escrevi sobre
A desmistificação do desvio, 189 músicos que trabalhavam em bares e outros locais modestos,
Problemas morais, 194 tocando uma música que tinha uma espécie d e aura romântica, e
Conclusão, 206 escrevi sobre a maconha que alguns deles fumavam, a mesma ma··
conhaque muitos daqueles estudantes experimentavam e de cujos
Notas, 209 efeitos aprendiam a gostar (exatamente como a análise sugerida nos

{
Referências bibliográfir.as, 219 textos). Esses temas, que penetravam mais ou menos suas próprias
Agradecimentos, 228
Índice remissivo, 7.29 • Prefácio à edição dinamarquesa de Outsiders, publicnda por !-lans Reitzel
•J
Publishers em 2005.

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' 9
1.
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..
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10 Outsiders t Prefácio 11

vidas, fizeram de Outsiders uma obra que os profe-sso res, muitos

I
em abordagens marxistas para a análise dos efeitos patológicos do
dos quais partilhavam o int•?resse dos alunos por drogas e música, capitalismo. Alguns- e fui um deles- encontraram uma base fir-
gostavam de indicar em seu~ curso~. O livro assim se tornou uma me em teorias sociológicas fora de moda, que de certa forma ficaram
espécie de texto-padrão em cursüs pMa estudantes jovens.
Mais uma coisa <Jcontct:ia 11 <1 éj'oca.1\ sociologia atravessava
uma de suas ''revoluções" periódil <l~ , em que estruturas teóric:~ ~
If esquecidas quando os pesquisadores abordaram o campo do crime
e do que era então cha mado de "desorganização social':
Em pouca$ paJa,'ras, a pL·squisa nessas úrcas da vida social
mais antigas er<Jm reavaliada s e criticadas. Naquele tempo, no fo ra dominada por pessoas cuja profi ssão t' cujo trabalho diário
início dos anos 1960, os sociólogos estudavam tipicamente o cons;stiam em resolver "problemas sociais", atividades que criavam
crime e outras formas de transgress5o perguntando o que lev<wa dificuldade para alguém em condições de fazer alguma coisa a
as pessoas a agirem daquele modo, violando normas comumen te respeito. Assim, o crime se tornava por vezes um problema para
aceitas e não levando vidas "normais", como diziam todas as nossas alguém resolver. (Nem sempre, porque muitos crimes eram, como
teorias, em que haviam sido socializados, inclusive para aceitá-las sempre for~m; tolerados, visto que era muito difícil detê-los ou
corno o modo segundo o qual se deveria viver. As teorias da época que muitos lucravam com eles.) Esse "alguém" era em geral uma
variavam naquilo que considera\'am as principais caus~.s desse organização cujos membros cuidavam daquele problema em tem-
tipo de comportamento anti-social, como consumo excessivo po integral. Assim, o que veio a se chamar de sistema de justiça
de álcool, crime, uso de drogas, má conduta sexual e uma longa criminal- a polícia, os tribunais, as prisões - recebeu conven-
lista de contravenções. Alguns atacavam as psiques das pessoas cionalmente a tarefa de extirpar o crime ou pelo menos contê-lo.
que se comportavam mal - suas personalidades tinham falhas Eles montaram o aparato de combate e contenção do crime.
que as faziam c.:> meter essas coisas (o que quer que fossem "essas Como em todos os grupos profissionais, as pes~oas nessas
coisas"). Outros, mais sociológicos, culpavam as situações em que organizações de justiça criminal tinham sem próprios interesses e
as pessoas s~ viam e que criavam disparidades entre o que lhes perspectivas a proteger. Parecia-lhes óbvio q ue a responsabilidade
haviam ensinado a almejar e sua real possibilidade de Jlcançar pelo crime pertencia aos criminosos, e não havia dúvida quanto a
esses prêmios. Jovens da classe trabalhadora - a quem haviJm quem eram eles: as pessoas que suas organizações haviam apanhado
ensinado a acreditar no ''s0nho americano'' de mobilidade social e prendido. E sabiam que o problema de pesquisa importante era:
ilimitada e depois se viam refreados por empecilhos socialmente "Por que as pessoas que identificamos como criminosos fazem as
estruturados, como a falta de acesso à educação, que tornari:~n, coisas que identificamos como crimes?" Essa abordagem levou-as-
a mobilidade possível - poderiam então "apelar para" métodos e aos muitos sociólogos que aceitavam esta como a questão de pes-
desviantes de mobilidade, como o cri me. quisa importante- a confiar enormemente, para a compreensão
Essas teorias, porém, não soa•am verdadeiras para sociólogos do crime, nas estatísticas qu~: essas organizações geravam: a taxa
de uma nova geração, menos conformistas e mais críticos com refe- de criminalidade era calculada com base nos crimes denunciados
rência às instituições sociais da época, menos dispostos a :tcreditar à polícia, não necessariamente uma medida precisa, uma vez que
que o sistema de justiça criminal jamai, cometia erros, que todos os as pessoas freqüentemente niio denunciavam os crimes, e a polí-
crin1inos0s eram pessoas más que haviam feito as coisas más de que cia muitas vezes "ajustava" os números para mostrar ao público,
eram acusadas, e assim por düntc. Voltaram-se assim P•lra a busca tk às companhias de seguros e aos políticos que est<Jva fazendo um
respaldos teóricos de várias fontes. Muitos descobriram explicaçõt'S bom trabalho.
12 Ou(siders Prefacio 13

I-hwia na tradição socio l0g.ira ~~nl<l abürdagc m ;llternativa Comecei falando sohe crime. Mas agora, no parágrafo anterior,
t:. .
cujas raí zes remon tava m ao mo~o dito de W. l. T homas: "Se os mencionei esta área de trabalho como focalizada no "desvio': Essa é
homens definem situações co·11 0 rca i ~, das são reais em suas co n- uma mudança signifiotiva. Ela rcdireciona a atenção para um pro-
s.:qüências."J Isto é, as pessoas agem co1~1 base em sua compreensão blema mais geral do que a questão de quem comete crime. Em vez
do mundo e do que há nele. Forn.ular os problemas da ciência disso, leva-nos a olh;tr para todos os tipos de atividade, observando
social dessa maneira torna problemática a q uestão de como as que em toda parte pe~oas envolvidas em ação coletiva definem certas
coisas são definidas, diri ge a pesquisa para a descoberta de quen. coisas .:orno "erradas'~ que não devem ser feitas, e geralmente tomam
está definindo que tipos de atividade e de que maneira. Nesse caso, medidas yara impedir que se faça o que foi assim definido. De for-
quem está definindo que tipos de atividades como criminosas e ma alguma essas atividades serão todas criminosas- em qualquer
co m quais conseqüê ncias? Pesquisadores que trabalhava m nessa sentido da palavra. Algumas regras são restritas a grupos específicos:
trad ição não aceitavam qu e tudo que a polícia dizia ser crime judeus que observam os principias de sua religião não devem comer
"realmente" o fosse. Pensavam, e sua pesquisa confirmava, que alimentos que não sejamkosher, mas os demais são livres para fazê-
ser chamado de criminoso e tratado como tal não tinha conexão lc. As regras dos esportes e dos jogos são semelhantes: não importa
necessária com qualquer coisa que a pessoa pudesse realmente ter como você mova uma peça do xadrez, contanto que esteja jogando
feito. Era possível haver uma conexão, mas ela não era automática xadrez com alguém que leva as regras a sério, e qualquer sanção pela
ou garantida. Isso ..;ignificava que a pesquisa que usava as estatísticas violação das regras vigora apenas na comunidade do xadrez. Dentro
oficiais estava cheia de erros, e a correção desses erros podia levar dessas comunidades, porém, operam os mesmos tipos de processo
a conclusões muito difere!'ltes. de fabricação de regras e de detecção dos que as violam.
Outro aspect·.) dessa tradição insistia em que todos os envol- Numa outra direção, certos compo rtamentos st>rão considera-
vidos numa situação contribuíam p<tra o que acontecia nela. A n os incorretos, mas nenhuma lei se aplica a eles e nem h á qualquer
atividade de toJos d evia faze r parte da investigação socioiógica. sistema organizado para detectar os que infringem a regra informal.
Assim, as atividades das pessoas cujo trabalho era definir o crime e Alguns desses comportamentos, em aparência triviais, poderiam
lidar com ele integravam o "problema do crime", e um pesquisador ser vistos como infrações de regras de etiqueta (ar rotar onde não
não podia simplesmente aceitar o yue d i:dam por seu significado deveríamos, por exemplo). Falar ~ozinho na rua (a menos que você
manifesto, ou usar isso como b ase para trabalho posterior. Embora esteja segurando um telefone celular) será visto como incomum
contrariancJo o senso comum, isso produzia resultados interessan- e levará as pessoas a achá-lo um pouco esquisito, mas, na maioria
tes e originais. das vezes, nada será feito com relação a isso. Ocasionalmente, essas
Outsírfcrs seguiu esse caminh j. Nunca pensei que fosse uma ações fora do comum incitam de fato os outros a concluir que
abordagem nova. Tratava-se antes do que faria um bom sociólogo, você pode ser um "doente men tal~ c não apenas "grosseiro" ou
segu indo as tradições do ofício. É co m um hoje dizer que toda nova "esquisito': Nesse caso, sanções podem entrar em jogo, e lá vai você
abordagem produziu o que o historiador da ciência Thomas Kuhn para o hospital. Erving Goffman, meu co lega na pós-graduação,
chamou cie "revolução cientlfica". 3 Mas eu diria que essa abordagem explorou essas possibilidades m inuciosament~, em especial em seu
do desvio n ão foi nenhuma revolução. No máximo, diríamos que estudo dos hospitais psiquiátricos.s
foi UJna contra-revolução que devolveu à pesquisa socio!ógica O termo "desvio" foi usado por Goffm<~n , por mim e por
nesta área o caminho certo.~ muitos outros para abranger todas essas possibilidades, usando
14 Outsiders

um método comparativo de descobrir um processo bás ico que


assumia muitas formas em diversas ,;ituações, sendo que a?enas 1
uma delas é criminosa. As várias h rmulações que pro pusemos Outsiders*
atn1íram muita atenção e várias críticas, algumas das quais foram
respondidas no último capítulo desta versào revista dt: Outsiden.
Ao longo dos anos, porém, produziu-se ampla bibliografia em
torno dos problemas de " rotulação" e "desvio': e não reexaminei
o li,•ro para levá-la em consideração.
Se fizesse essa revisão, daria grande peso a uma idéia que Gil- Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos
bert·o Velho, o eminente antropólogo urbano brasileiro, acrescentou e ~m algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situa-
!i :nistura.'~ a ~ual, a meu \Cr, clucida certas ambigüidades que ções e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando
cnaram dlficu1dadc para alguns leitores. Sua sugestão foi reorientar algumas ações como "certas" e proibindo outras como "erradas".
ligeiramente a abordagem, transformando-a num est udo do pro - Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a
l..'esso de acusação, de modo que suscitasse essas perguntas: quem infringiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem
acusa quem? Acusam-no de fazer o quC:? Em quais circunstâncias não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo.
essas acusações são bem-wcedida:., no sentido de serer.1 aceitas Essa pessoa é encarada como um outsider.
por outros (pelo menos por alguns outros)? Mas a pessoa assim rotulada pode ter uma opinião diferente
Não continu<'i a trabalhar na área do desvio. Mas encuntrei sobre a questão. Pode não aceitar a regra pela qual está sendo
~~1~ versão air.da mais geral do mesmo tipo de pensament'J que julgada e pode não encarar aqueles que a julgam competentes ou
e ut1l no trabalho que venho realizando há muitos anos na socio- legitimamente autorizados a fazê~ lo. Por conseguinte, emerge um
logia da arte. Problemas semelh2ntes surgem ali, porque nunca segundo significado do termo: aquele que infringe a regra pode
está claro o que é ou não "arte': e os mesmos tipos de argumento pensar que seus juízes são outsiders.
e processo podem ser observados. No caso da arte, claro, ninguém Tentarei a seguir elucidar a situação e o processo designados
se incomoda se o que faz é chamade de arte, de modo que temos 0 por esse termo ambíguo: a situação de transgressão da regra e de
mesmo processo vi.sto no espelho. O rótulo não prejudica a pessoa imposição da regra e os processos pelos quais algumas pessoas vêm
ou a 0bra a que é aplicado, como acontece em geral com rótulos a infringir regras, e outras a impô-las.
de desvio. Em vez disso, acrescenta valo r. Cabe fazer algumas distinçõ~s preliminares. Há grande nú-
Com bso quero dizer apenas que o terreno que eu e outros mero de regras. Elas podem ser formalmente promulgadas na
~~~ea.mos no campo do dt!svio ainda está vivo e é capaz de gerar forma de lei, e, nesse caso, o poder de polícia do Estado será usado
1de1as mteressantes a serem pesquisadas. para impô-las. Em outros casos, representam acordos informais,

~A edição anterior deste capitulo t>m português optou por traduzir outsiders por
"marginais t: Jcsviantesn, assinalando t (UC "marginais" significavn, nesse contexto,
alguém que está do lado de fora, para além das margens de determi nada fronteira
ou limite soei;~ I. Na presente edição, O)' IOU -se por mant~r o li:rmo outsider porque
seu uso já se tornou consagrado na~ 'i~ncías sociais. l N.R.T)

15
16 Ou tsiders Dutsiders 17

recém -estabelecidos o u St:dimentados (O ill a sanção da idade c da mossexuais e viciados em drogas são bons exemplos) desenvolvem
tradição; regras desse tipo são impost;•s por ~ ançôcs informais de ideologias completas para explicar por que estão certos e por que
vários tipos. os que os desaprovam e punem estão errados.
De maneira semelhante, quer um a regra tenha fo rça de lei
ou de tradição, quer seja simplesmente resultado de consenso, a ta-
rda de impingi-la pode ser o encargo de algum corpo especializado, Definições de desvio
como a polícia ou o comité de ética de uma rtssociação profi,;sional;
a imposição, por outro lado, pode ser uma tarefa de todos, ou pelo O outsider- aquele que se desvia das regras d e grupo- foi ob-
meno ~ a tarefa de todos no grupo a que a regra se: aplica. jeto de muita especulação, teorização e estudv científico. O que os
Muitas regras não são impostas, e, exceto no sentido mais leigos querem saber sobre desviantes é: por que fazem isso? Como
formal, não constituem o tipo de regra em que estou interessado. poC.emos explicar sua transgressão das regras? Que há neles que os
Exemplos disso são as leis que proíbem cenas atividades aos do- leva a fazer coisas proibidas? A pesquisa científica tentou encontrar
m in gos, que permanecem nos códigos legais, embora não sejam respostas para estas perguntas. Ao fazê-lo, aceitou a premissa de
impostas há I 00 anos. (É importante lembr<tr, co ntudo, que é possível senso comum segundo a qual há algo inerentemente desviante
reativa r uma lei não imposta por várias rnzões e recuperar toda a sua {qualitativamente distinto) em atos que infringem (ou parecem
força o riginal, como ocorreu recentemente com relação às leis que inft ingir) regras sociais. Aceitou também o pressuposto de senso
r~gula.m a abertura <:e estabelecimentos com~róats aos domin;jos com um de que o ato desviante ocorre porque alguma característica
em Missouri.) Regras informais podem mo rrer de maneira se,le- da pessoa que o comete torna necessário ou inevitável que ela o
lhantc por fc1lta de imposição. Estou interessado sobretudo no que cometa. Em geral os cientistas não questionam o rótulo "desviante"
podemos chamar de regras operantes efetivas de grupos, aquelas quando é aplicado a atos ou pessoas particulares, dando-o por
mantidas vivas por meiu de tentativas de imposição. certo. Quando o fazem, aceitam os valores do grupo que está for-
Finalmente, o grau em que uma pessoa é outsider, em qual- mulando o julgamento.
quer dos dois sentidos que mencionei, "aria caso a caso. Encara- Observa-se com facilidade que diferente!> grupos conside-
mos a pessoa que comete um:1 transgressão no trânsito ou bebe
um pouco demais numa festa como se, afinal, não fosse muito
..,
·Õ'
ram diferentes coisas desviantes. Isso deveria nos alertar para a
possibilidade de que a pessoa que fa:t o julgamento de desvio e o
diferente de nós, e tratamos sua infração com tolerância. Vemos o processo pelo qual se chega ao julgamento e à situação em que ele
ladrão como menos semelhante a n ó~ e o f'unimos severamente. t! feito possam todos estar intimamente envolvidos no fenômeno.
Crimes como assassinato, estupro ou traição nos levam a ver o À medida que supõem que atos infratores de regras são inerente-
transgresso: como um verdadeiro otasider. mente desviantes, e assim deixam de prestar atenção a situações e
Da mesma maneira, alguns dos que violam regras não pensam processos de julgamento, a visão de s~nso comum sobre o desvio
que foram injustamente julgados. Qu.~m comde uma infr.tção no e as teorias científicas que partem de suas premissas podem deixar
trânsito geralmente aprova as próprias regras que infringiu. Alcoó- de lado uma variável importante. Se os cientistas ignoram o cará-
latras são muitas vezes ambivalcntes, por vezes sentindo que .tquelcs ter variável do processo de julgamento, talvez, com essa omissão,
que os julgam não os compreendem , outras vezes concordando que limitem os tipos de teorias que podem ~er desenvolvidos e o tipo
a bebida compulsiva é maléfie<1. No extremo, alguns <lcsviautes ~ho- de compreensão que se pode alcanç.tr.'

......

18 Outsiders Outsiders 19

Nosso primeiro problema, portanto, é construir uma defini- quando se usa a noção de patologia, de maneira análoga, para des-
ção de desvio. Antes disso, consideremos algumas das definições t:rever ttpos de comportamento vistos como desviantes. Porque as
que os cientistas usam, atualmente, vendo o que é deixado de pessoas não concordam quanto ao que constitui comportamento
lado quando as tomamos como ponto de partida para 0 estudo saudável. É difícil encontrar uma definição que S<l tis faça mesmo um
dos o utsiders. grupo tão seleto e limitado como o dos psiquiatras; é impossível
A concepção mais simples de desvio é essencialmente estatística, encontrar uma definição que as pessoas aceitem em geral, tal como
definindo como desviantc tudo que varia excessivamente com rela- :t.:eitam critérios de saúde para o o rganismo. 2
( to à média. Ao anabar os resultados de: um c:xperimento agrícola, Por vezes as pessoas concebem a analogia de maneira mais
um estatístico descreve o pé de milho excepcionalmente alto e o estrita, porque pensam no desvio como produto de doença men-
pé excepcionalmente L,;ti.xo como desvios da média. De maneira tal. O comporta~uento de um homossexual ou de um viciado em
semelhante, podemos descrever como desvio qualquer coisa que · drog:ts é visto como o sintoma de uma doença mental, tal como a
difere do que é mais comum. Nessa concepçJo, ser canhoto ou ruivo difícil ci<.:atrização dos machucados de um diabélico é vista como
é dcsviante, porque a maioria das pessoas é destra e morena. um sintoma de sua doença. Mas a doença mental só se assemelha
Assim formulada, a concepção estatística parece simplórict, até ~~ à do'!nça física na metáfora:
trivial. No entamo, ela simplifica o problema pondo de lado muitas f
questões de valor qu.e surgem usualmente em discussões sobre a
natureza do desvio. Ao avaliar qual.:juer caso particular, basta-nos
r ~-
A patt.ir de coisas como sífilis, t•.tbrrculose, febre tifóide, carcinomas e

calcular a distância entre o comportamento envolvido e a média. ~,~;.-


,.
fraturas, criamos a classe "doença". De início, essa classe era composta
apenas de alguns itens, todos os quais partilhavam o traço comum da
Mas essa é uma solução simples demais. A procura com semelhante :) '*'··
.
- referência a um estado de estrutura ou função perturbada do corpo
definição ret~ rna com um resultado hderogêneo - pessoas ex- humano como uma máquina físko-química. Com o pas~ r do tem..
~/f· j.
cessivamente gordas ou m agr;ls, assassinas, ruivas, homossexuais
c infratoras das regras de trânsito. A mistura contém pessoas co- .r ct·

.,~
po, no entanto, outros itens foram adicionados a essa classe. Eles não
foram acrescidos, contudo, por serem doença~ físicas rec~ m-desco­
mumente consideradas desviantes c outras que não infringiram l'''fi;: ,-
....~.!'~ bertas. Aatenção do médico havia se desviado desse critério e passara
absolutamente qual<..Juer regra. A definiçã0 estatística de desvio, em
'
v:; a se concentrar, em vez disso, na incapacidade e no sofrimento como
suma, está longe demais da preocupação com a violação de regras
que inspira o estudo científico dos outsiders.
Uma concepção menos simples, mas muito mais ce m um, de
1. '
L$~
.


novos critérios de seleção. Assim, a princípio lentamente, coisas
como histeria, hipocondria, neurose obsessivo-compulsiva e depressão
foram adicionadas à categoria de doeuça. Depois, com crescente zelo,
'1:.0• '
desvio o identifica co!110 algo esscnci;,lmente patológico, revelando ~~. médicos e especialmente psiquiatras passaram a .:hamar de "doença"
a presença de uma "doença': Essa concep..;ào repousa, obvi;,mcntc,
numa analogia médica. Quando está funcionando de modt' eficien-
l
:ft1'
(isto é, evidentemente, doença mcntal} absolutamente tudo em que
podiam detectar qualquer sinal de 111au funcionamento, com base
te, sem experimentar nenhum desconforto, o organ ismc humano f;.~- em não importa que regra. Port<~.lto, a agorafobia é domça porque
é wnsiderado "saudá·,rel". Quando não funciona com eficicncia, há -~~/
não se deveria ter medo de espaÇO$ abertos. J\ homossexualidade

~·.
doença. Diz-se que o órgão ou função em desajuste é patológico. é doença porque a heterossexuJlidade é a norma social. Divórcio é
H{t, é claro, pouca discordância quanto ao que constitlli um estado doença porque indica o fracasso do raSJmento. Criml', .1rte, lide-
saudável do organjsmo. H:\ muito menos concordância, porém, rança política indesejada, participação em qw:~tõcs ~oa.:iais ou o
20 Outsiders Outsiders 21

.tb,111dono d ~~sa parlicipaç;1u · tod.r' ~·~~.~~L' nwita., t> utras roisas que de~crevemos as regras que um grupo impõe a seus membros,
f~>r.Jm con~idc.::rad.1s sin.lis d~ dol'n~,· ., mental.-' podemos dizer com alguma precisão se uma pessoa as violou ou
não, sendo portanto, nesta concepção, desviante.
A metáfora médica !_imita o qut' podemos ver tanto quanto a Essa concepção é mais próxima da minha, mas não déi peso sufi-
concepção estatística. Ela aceita o julgamento leigo de algo como ciente às ambigüidades que surgem ao se decidir quais regras devem
desviante c, pelo uso de analogia, situa sua fonte dentro do indi- ~·e r tomadas como o padrão de comparação com referência ao qual o
víduo, impedindo-nos assim de ver o próprio julgamento como comportamento é medido e julgado desviante. Uma sociedade tem
parte decisiva do fenômeno. muitos grupos, cada qual com seu próprio conjunto de regras, e as
Alguns sociólogos usam um modelo de desvio baseado essen- pessoas pertencem a muitos grupos ao mesmo tempo. Uma pessoa
cialmente nas noções médicas de saúde c doença. Consideram a pod(. infringir as regras de um grupo pelo próprio fato de ater-se às
sociedade, ou uma parte d e uma sociedade, e perguntam se há nela regtas de outro. Nesse caso, ela é desviante? Os proponentes dessa
processos ( In curso que tendem a diminuir sua estabilid~de, redu-· d efmição talvez oojetem que, embora possa surgir ambigüidade em
~.i ndo assim sua chance de sobrevivência. Rotulam esses processos relação às regras peculiares de um ou outro grupo na ~ociedade, há
de desviantes ou os identificam como sintomas de desorganüação algJJllas regras que são geralmente aceitas por todos, ca<;o em que
social. Discriminam entre aqueles traços da sociedade que promo- a dificuldade não surge. Esta, claro, é uma questão de fato, a ser
vem estabilidade (e são portanto "ft~ncionais") e os que rompem resolvida por pesquisa empírica. Duvido que existam muitas dessas
a estabilidade (e são portanto "di.>funcionais"). Essa concepção áreas de consenso e considero mais sensato usa r uma definição que
tem a grande virtude de apontar para ;ír~as de possível perturbação nos permita lidar com as situações ambiguas c com aquelas sem
numa sociedade de que as pessoas poderiam não estar cientes.~ ambigüidade.
É mais difícil na prática do que parece ser na teoria especificar
o que é funcional e o que é disfuncional para uma sociedade ou
um grupo social. A questão de qual é o objetivo ou meta (função) Desvio e as reações dos outros
de um grupo - e, conseqüentemente, de que coisas vão ajudar ou
atra palhar a realização desse objetivo - é muitas vezes política. A concepção sociológica que acabo Je discutir define o desvio
Facções dentro do grupo discordam e manobram para ter sua cvmo a infração de alguma regra geralmente aceita. Ela passa en-
própria :!c!1niçã0 da funçi.io do grupo aceita. A função do grupo ou tão a perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas
organização, portanto, é decidida no conflito polític0, não dada personalidades e situações de vida dessas pessoas, e que poderiam
na natureza da organização. Se isso for verdade, é igualmente ver- explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que infringiram
dadeiro que as questões de quais regras d evem ser imp ostas, que uma regra constituem uma categoria homogênea porque come-
comportamentos vistos como dcsvi,m tcs c 4lll' pc!>sua.~ rotuladas ll•ram o mesmo at0 dcsviantc.
como outsiders devem tamhém ser encarados como políticas.5 Tal pressuposto parece-me ignorar o fato cen tral acerc~ do
A t:oncepção funcional d•J desvio, au ignorar o aspccll> P'Jiíticn desvio: ele é criado pela sociedade Não digo isso no sentido em
do fenômeno, limita nossa compreensão. que é comumente compreendido, de que as causas do desvio estão
Outra concepção soc:ológica é mais rdaâvística. Ela dentifi- localizadas na situação social do desviante ou em "tàtorcs sociais"
ca o desvio como a falha .:m obedecer a regras do grupo. Depoi~ que incitam sua ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam
Outsiders 23
22 Outsiders

Um dia uma explosão de gemidos e uma grande comoção me reve-


des1'io ao fazer as regras wjn infração con;;rítttí desvio, e ao aplicar
laram que ocorrera uma morte em algum lugar na vizinhança. Fui
C!\sas regras a pessoas particulares e rotuh1-las como otttsiders.
. informado de que Kima'i, um garoto que eu conhecia, de cerca de
Des:-.c ponto de vista, o desvi0 niio é uma qualidade do ato que a
16 anos, calra de um coqueiro e mor~era .... Descobri que um outro
pessoa comete, mas uma conseqüência da ,1plicação por ou:ros
rapaz fora gravemente ferido por alguma misteriosa coincidência.
de regras c sançóes a um "intúllor". O d~."sv iantc é alguém a quem
E no funeral havia obviamente um sentimento de hostilidade entre
esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento dcsviante ., ·. a aldeia em que o menino morreu e aquela para onde seu corpo foi
é Clqut'le que as pessoas rotulam como tal. c·
l~vado para ser enterrado.
Corno o desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das Só muito mais tarde consegui descobrir o verdadeiro significado
reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não

.,
desses eventos. O garoto se suicidara. A verdade era que ele infringira
podem supor que estão lidando com uma categoria homogê nea as regras de exogamia, e a parceira de seu crime era sua prima materna,
quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem · .~ a filha da ir~ã ae sua mãe. Isso foi sabido e geralmente reprovado,
supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante '-
,. y mas nada se fizera até que o amante rejeitado da moça, que quisera
~ .
ou inti·ingiram alguma regra, porque o processo de rotulação ~wde ... ""
desposá-la e sentira-se pessoalmente injuriado, tomou a iniciativa. Esse
não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desvian- rival ameaçou primeiro usar magia negra contra o jovem culpado, mas
tes sem ter de fato infr:ngido uma regra. Além disso, não podem isso não surtiu muito efeito. Depois, uma noite, ele insultou o culpado
supor que a categoria daqueles rotulados conterá todos os que em público- acusando-o de incesto à vista de toda a comunidade e
realmente infringiram uma regra, porque muitos infratores podem lançando-lhe certas expressões intoleráveis para um nativo.
escapar à detecção e assim deix:ar df' !o>er incluídos na população Para isso, só havia um remédio; só resta va uma saída ao infeliz
de "desviantes" que estudam. À medida que a categoria carece de rapaz. Na manhã seguinte ele vestiu um traje t\:stivo, enfeitou-se e,
homogeneidade e deixa de incluir todos os casos que Lhe pertencem, tendo subido num coqueiro, dirigiu-se a toda a comunidade; falando
não é sensato esperar encontrar fato~es comuns de personaliJade em meio às folhas do coqueiro, despediu-se dela. Explicou as razões
ou situação de vida que expliquem o suposto desvio. para o gesto desesperado e também lançou uma acusação velada
O que é, então, que pessoas rotuladas de desvhntes têm em contra o homem que o impelira para a morte, diante do que se tornou
comum? ~\o mínimo, elas partilham o rótulo e a experiência de dever de seus companheiros de dá vingarem-se em seu nome. Depois
serem rotuladas como desviantes. Começarei minh:1 an..í.lise com gemeu alto, como é o costume, saltou de um coqueiro de cerca de 18
esta similaridade básica e verei o desvio como o produto rJe uma metros de altura e morreu no ato. Seguiu-se UJJI<l luta na aldeia, em
transação que tem lugar entre algum grupo social e algu(m que é que o rival foi ft>rido; e a briga repetiu-se durante o funeral. ...
visto por esse grupo como infrator de uma reg1 a. Estard menos Se fôssemos indagar sobre o assunto entre os nativos de Tro-
interessado nas carácterísticas pessoais e sociais dos desviantt·s que briand, descobriríamos ... que des demonstr;un horror á idéia de
no processo pelo qual eles passam a ser considcrrdos outsiders e violação das regras de cxogamia c acreditam que mab, doença e
sua s reações a esse julgamcnh). até morte podem resultar de um inces~o clànico. Esse é o ideal da lei
Malinowski descobriu, muitos anos atr<ls, a utilidade dessa nativa, e em questões morais é t;tdl e agrau;ívcl adni r o.:~ t ritamcnlc
çoncepção parn a c,lmpH't·ns~to da nat uroa do lksvio, em seu ao ideal- ao julgar a conduta de outros ou expressar uma opinião
sobre conduta em gewl.
estudo nas ilhas Trobriand .
21+ Outsiders Outsiders 25

Q u;1 ndo se trata da aplicação da moralidade c de ideais à vida real, momentos, os agentes da lei podem decidir fazer um ataque em
contudo, as coisas podem ,tssum ir um<' feição diferente. No caso .... regra a algum tipo particular de desvio, com o jogos de azar, vício
descrito, era óbvio que os f,ttos não ~orrespondc riam ao ideal de em drogas ou homossexualidade. É obviamente muito mais peri-
cond uta. A opinião pública não ficou em nada ultrajada pelo conhe· goso envolver-se numa dessas atividades quando uma campanha
dtnento do crime, nem reugiu d iretamen te - teve d e ser mobilizada ~stá em curso que em ·qualquer outro momento. (Num estudo
por um relato público d o crime e por insultos lançados ao culpado muito interessante sobre notícias a respeito da criminalidade nos
pn r um a parte interessada. Mesmo assi m e le teve d e levar a cabo, ele jornais cio Colorado, Davis descobriu'que a quan tidade de crimes
próprio, a puniçuo .... Sondando mais pro fundamente a questão e noticiados nos jornais do estado m ostrava muito po uca associação
colhendo informação concreta, descobri qu~: a violação da rxogamia •.:om mudanças reais na quantidade de crimes que oco:riam no
~ no tocan te a relações sexttuis, não J casa mento - n:io é de modo território. E, além disso, que a estimativa das pessoas sobre o au-
aJgum umo1 ocor>·ência rara, e a opini[to pública é leniente, embo ra mento da criminal idade em Colora do estava associada ao aumento
d ecididamentt: hipócri ta. Se o caso for levado adiante em segredo r.n quantidade de notícias de crime, não a qualquer aumento na
e com <.:erto grau de decoro, e se ningu~m em particular provocar quantidade de crimes. 8)
tumulto, a "opinião pt'tblica" vai mex~rica r, mas não exigirá nenhuma O grau em que um ato será tratado como desviante depende
punição severa. Se, ao cont rá rio, irromper um escândalo, todos se também de quem o comete e de quem se sen te prejudicado por ele.
voltuào contra o casal culpado e, por türça de ostracismo o u insultos, Regras tendem a ser aplicadas ma is a algumas pessoas que a outras.
um ou o utro poderá ser levado ao suitidio.- Estudos da delinqüência juveniJ deixam isso muito claro. Men inos
de áreas de classe média, quando detidos, não chegam tão longe no
Se um ato é o u não desvian te, portanto, d epende de com o processo legal como os m eninos de bairros mise ráveis. O menino
o utras pessoa'> reagem a ele. Uma pes:.oa pode cometer um incesto de classe média tem menos probabilidade, quando apanhado pela
cl ânico e sofrer apenas com m exericos, cont.t nto que ninguém faça políci<>., de ser levado à delegacia; menos probabilidade, quando
uma acusação pública; mas será im pelida à morte se a ac usação ievado à delegacia, de ser autuado; e é extremamente improvável
for feita. O ~onto é que a resposta das o utras pessoas deve ser vista que seja condenado e sentenciado.') Es!;a variação ocorre ainda que
como problem ática. O simples fato de uma pessoa ter cometid o a infração original da no rma seja a mesma n os dois casos. De
uma infração a uma regra não ~ignifi ca que uut ros reagirão co mo ma neira semelhante, a lei é diferencialmente ap licada a negros
se isso tivesse acontecido. (Inversamente, o simples fato de ela não c brancos. Sabe-se muito bem que um negro que supostamente
ter violado uma regra não significa qu~ n:1u puss,\ s~r trat,tJa, em ataco u uma m ulher branca tem muito maior probabilidade d e
algumas circunstâncias, como se o tivesse feito.) ser p unido que um branco que comete a mesma infração; sabe-
O grau em que outras peswJs rcagirJo a um alo dado como se um pouco menos que um negro lJUC mata outro negro tem
desviante varia enormemen te. Diversos tipos de variação parecem m enor probabilidade de ser punido que. um branco que comete
dignos de nota. Antes de ma is nada, há variação ao longo do ter:1po. homicídio. 10 Este, claro, é um dos principais pontos da amílise que
Uma pessoa que se consider<1 pratic<tntc de certo ato "desviante" Sntherland faz do crime do colarinho -branco: delitos cometidos
pode em um momento despertar reaçôt>s muito m;,is lt' nicntes po r empresas são quase sem pre proú·ssados como causa li vil, mas
do que em algum outro mom ::nto. A ocorrênci;1 de "cam panhas" o mesmo crime cometido por um indivíduo é usualme nte tratado
con tra vários ti pos de desvio ilu 'itra is~n da ralll('Jl k. Em diversos como ddito criminal. 11
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26 Outsiders

Se tomamos como objeto de nossa atenção o comportamento


Algumas regras são imrostas somente quando resultam em
que vem a ser rotulado de desviante, devemos reconhecer que não
certas conseqüências. A mãe solteira forn ece um claro exemplo.
Vincent salient;:~. que relaçõe;; sexuais ilícitas raramente resultam podemos saber se um dado ato será categorizado como desviante
att que· a reação dos outros tenha ocorrido. Desvio não é uma
em punição severa ou censura social para os infratores. 1 ~ Se uma
moça engravida em c!ecorréncia dessas atividades, no entanto, a qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação
reação dos outros provavelmente será severa. (A gravidez il~cita entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele.
é também um interessante exemplo da imposição diferencial de
regras sobre diversas categorias de pessoas. Vincent obst.rva que
pais solteiros escapam da severa censura infligida à mãe.) Rt!gras de quem?
Por que repetir estas observações banais? Porque, tomadas em
Venho usando o termo ''outsiders" para designar aquelas pessoas
seu conjunto, elas sustentam a proposição de que o desvio não é
que são consi4er~das desviantes por outras, situando-se por isso
uma qualidndc simples, presente em alguns tipos de comporta-
fora do círculo dos membros "normais" do grupo. Mas o termo
mento e ausente em outros. t antes o produto de um processo que
contém um segundo significado, cuja análise leva a um outro im-
envolve reações de outras pessoas ao comportamento. O mesmo
portante conjunto de problemas sociais: "outsiders': do ponto de
comportamento pode ser uma infração das regras num momento
vista da pessoa rotulada de desviante, podem ser aquelas que fazem
e não em outro; pede ser uma infração quando cometido por uma
as regras de cuja violação ela foi considerada culpada.
pessoa, mas não quando cor.1ctido por outra; algumas regras são
Regras sociais são criação de grupos sociais específicos. As
infringidas con, impunidade, outras não. Em suma, se um dado ato
sociedades modernas não constituem organizações simples em
é desviante ou não, depende em par tr da natureza do ato (isto é, se
que todos concordam quanto ao que são as regras e como elas
ele viola ou não alguma regra) e em parte do que outras pessoas
devem ser aplicadas em situações específicas. São, ao contrário,
fazem acerca dele.
altamente diferenciadas ao longo de linhas de classe social, linhas
Pode-se objetar que essa é uma simples crítica terminológi-
étnicas, linhas ocupacionais e linhas culturais. Esses grupos não
ca menor, que, afmal, podemos definir termos da maneira que
quisermos e que, se alguns querem fa lar do comportamento
de violação de regra como desviante :,e>m referência i'ls reações
dos outros, são livres para fazê-lo. Isso é sem dttvida verdade.
I precisam partilhar as mesmas regras e, de fato, freqüentemente
não o fazem. Os problemas que eles enfrentam ao lidar com seu
ambiente, a história e as tradições que carregam consigo, todos
conduzem à evolução de diferentes conjuntos de regras. À medi-
Talvez valesse a pena, contudo, referir-se a tai compunamento
da que as regras de vários grupos se entrechocam e contradizem,
( 0Jll() <'OttlflOT/OWCti(O tfe vio/oçfio tfc fl'Sf'll, 1.' TL':il'rV .\ 1' O termo
haverá desacordo quanto ao tipo oe comportamento apropriado
des t' Ínnte para aqueles rotulados como tal por algum srgmento
em qualquer situação dada.
(ht sociedade. Não insisto l?lll que esse uso seja seguido. Mas de-
veria ficar claro que, à medida que um cientista usar "desviante" Imigrantes italianos que continu:tram fabricando seu próprio
vinho para si e para os amigos durante a Lei Seca estavam agindo
para se referir a qualquer .:omportame nto de violação de regra,
e tomar como seu objeto de estudo apenas aqueles que foram adequadamente segundo os padrões dos imigrantes italianos, mas
rot11lados desviantes, será estorvado pelas disparidades entre as violavam a lei de seu novo país (como também o faziam, é claro,

I
duas categorias. muitos de seus velhos vizinhos norte-americanos). Pacientes que
28 Outsiders Outsiders 29
!'
r

I
consultam vários médicos, da perspectiva de seu próprio grupo, As~im, algumas pessoas consideram extremamente importante
talvez estejam fazendo o necessário para proteger sua saúde, asse- CJ_ue aqueles que praticam as artes terapêuticas atenham -se a cer-
gurando-st> de conseguir o que: lh es pJrece ser o melhor médico tas regras; é por .isso que o Estado licencia médicos, enfermeiros
possívd; da perspectiva do médico, porém, o que fazem é errado, e outros, e proíbe todos os não licenciados de se envolver em
porque viola a regra da confiança que o paciente deveria deposi- atividades terapêuticas.
tar em seu médico. O deli nqüente de classe baixa que luta para
defeuder seu ''território" faz apenas o que considera necrssário e
direito, mas professores, assistentes socia is e a polícia vêe m isso
de maneira diferente.
Embora se possa afirmar qu e muitas regras o u a maioria
delas wnta com a concordância geral de todos os membros dt!
I A medida que um grupo tenta impor suas regras a outros na
soci\!dade, somos apresentados a uma segunda questão: quem, de
fato, obriga outros a aceitar suas regras e quais são as causas de seu
sucf:sso? Esta é, claro, uma questão de poder político e econômico.
i'vlaís adiante iremos analisar o processo poUtico e econômico p elo
qual as regras são criadas e impostas. Aqui, é suficiente observar que as
uma sociedade, a pesquisa empíric<~ sobre uma determinada regm pessoas estão sempre, de fato, impondo suas regras a outras, aplican-
em geral reveb variação nas atitudes da~ p~ssoas. Regras forma is, do-as mais ou menos contra a vontade e sem o consentimento desses
impostas por alg:.un grupo especial mente constituído, podem outros. Em geral, por exemplo, regras são feitas pelos mais velhos
diferir daquelas de fato considerada:. apropriadas pela maioria para os jovens. Embora a juventude norte-amcricann exerça wna
das pessoas. L' Facções de um grupo podem discordar quanto ao forte influência cultural - os meios de comunicação de massa são
que chanwi de regras operantes ef-::tivas. ~1ais importante para o feitos sob medida para seus interesses, por exemplo-, muitos tipos
estudo do comportamento de húbto rotu lado como desviante, importantes de regras são criados para os jovens pelos adultos. Regras
as perspectivas das pessoas que se "·nvo!vem são prO\·avclmentc rchtivas ao comparecimento na escola c ao comportamento sexual

'
muito difere,ltcs das visôcs duqudas q ue: o condena m. Nesta última nJo são formuladas tendo-se em vista os problemas da adolescência.
situação, um<~ pessoa pode sentir qu e está sendo julgada segundo r De fato, adolescentes se vêem cercados por regras concernentes a
normas para cuja criação não contribuiu e que não aceita, normas esses assuntos feitas por pessoas mair. velhas e acomodadas. Vê-se
q ue lhe s~o impostas por o utsidcrs. como legítima essa atitude, porque os jovens ni1o são considerados
Em que medida e em que circunstâncias pessm.s tentam sensatos nem responsáveis o bastante para traçar regras adequadas
impo r suas regras a outros que não as aprovam? Vamos distin- para si mesmos.
guir dois casos. No primeiro, somente aqueles que são realmente Da mesma maneira, é verdadl', em muitos aspectos, que os ho-
membros do grupo têm algum interesse em fazer e impor certas mens fazem regras para as mulhere~ em nossa sociedade (embora
regras. Se um judeu ortodoxo desobedece às leis da k.lsllrut,"' nos Estados Unidos isso esteja mudando rapidamente). Os negros
somente outros judeus ortodoxos verão isso r.omo transg ressão. vêem-se sujeitos às regras feitas para eles por brancos. Os nascidos
Cristão ou judeus não-ortodoxos n;io considerarúo um desvio no exterior e aqueles etnicamente pecu liare~ de outra maneira
ncm ll'ria m nenhum interesse em intervir. No ~cg u1 1 do caso, inte- muitas vezes têm regras elaboradas para eles pela minoria anglo-
grantes de um grupo consideram importante para seu bem-estar saxã protestante. A classe média traça regras que a classe baixa deve
que Jlll'll1brOS de alguns OUtros WliPO\ ohcdc~·,un a Ct' rl :l S rq~ras . obedecer - nas escolas, nos tribunais e em outros lugares.
Diferenças na capacidade d:.: tàzer fegras l' aplicá-las a outras
·• Rq;r.JS aliment.1r::s judaic.1s. ( 1\ .'f.l pessoas são essencialmeme diferenciais de poder (seja legal ou ex-
30 Outsiders

tralegal). Aqueles grupos cuja posição social lhes dá armas e poder


são mais capazl's de impo r suas regras. Distinções de idade, sexo, 2
etnicidadr e classe estão todas relacionadas a diferenças em poder,
o que L'xplica diferenças no grau em que grupos assim distinguidos
Tipos de desvio:
podem fazer regras para outros. um modelo seqüendal
Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de
pessoas a tipos particulares de compo rtamento, pela rotulação
desse comportame!1to como desviante, devemos também ter em
mente que as regrar. criadas e mantidas por essa rotulação não são Nã0 eminha intenção aqui afirmar que somente atos considerados
universalmente a..:eitas. Ao contrário, constituem objeto de couflito ciesviantes por outros são "realmente" desviantes. Mas é preciso
e divergência, parte do processo político da sociedade. reconhecer que esta é uma dimensão importante, que deve ser
levada em conta em qualquer análise de comportamento desviante.
Combinando essa ~imensào com outra- se um ato adequa-se
o u não a uma regra particular-, podemos construir o seguinte
conjunto de categorias para a discriminação de diferentes tipos
de desvio.
Dois desses tipos demandam muito pouca explicação. Com-
p0rtamento apropriado é simplesmente aquele que obedece à
regra e que outros percebem como tal. No outro extremo, o tipo
desviante puro de comportamento é aquele que desobedece à regra
e é percebido como tal.*

Tipos de comportamento desviante

Comportamento apropriado ( OIIIIJOrtalllcnlo in frator

Percebido como desviante


Não percebido como desviante ~...:: ~:r.r-
~--w_~)C}~III,ff a
.. 1
~.. ,. .
. ·•
I~~

• Convém lembrar que essa classificação deve sempre ser u~.11h d.t j)t'rspcct iva de
um dado conjunto de regras; cl.tnào icv<~ em conta as compkx id;Kks, j;i discutidas,
que aparecem quando há mais dl' um co njunto de regr;t ~ dispo nível para ser
usado pelas :nesmas pessoas ao definir o mesmo ato. Além disso, a chtssificação
se refere a du is tipo~ de comportamento, c não a tipos de pcsso,t, .t ;~tos e não a
personalidades. O comportameuto de uma mesma pcss,>;t pt>dc obviamente ser
apropriado em algumas atividades e desvi.tnte em o utra~.

31
3 2 Out siders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 33

As duas outras possibilidades :.<lo de interess~ mais amplo. A 'liamente, eles são capazes de manter em segredo sua perversão
situação falsamen te acusado é aquela n que criminosos muitas vezt's ("Todas as encomendas enviadas num envelope simples").1
se referem como " bum mp': ~ A pessoa é vista pelos outros como se Observações semelhantes foram feitas por estudiosos da ho-
tivesse cometido uma ação imprópria, embora de fat(' não o tenha mossexualidade, relatando que muitos homossexuais são capazes
feito. Falsas acusações ocorrem mesmo em tribunais, onde a pes- de ocultar seu desvio de companheiros não desviantes. E muitos
soa é protegida por regras processua is e de prova. Prov~velmenl(! usuários de narcóticos, como veremos adiante, são capazes de
oco rrem cem muito maior freqüência em contexto s não legais, em ocultar sua adição dos não-usuários com que se assodam.
que salvaguard:ts processuais não estão disponíveis. Os quatro tipos teóricos de desvio, que criamos ao fazer uma
Um tipo de caso ainda m:1is interessante é encontrado no ou- classificação cruzada de tipos de comportamento e das reações que
tro extremo, o desvio secreto. Aqui, um ato impróprio é cometido, evocam, distinguem fenômenos que diferem em aspectos importan-
mas ninguém o verccbe ou reage a ele como uma violação d·1s tes, mas são usualmente considerados semelhan tes. Se ignorarmos
regras. Como no caso da falsa acL• sação, ninguém sabe realmente as diferenças) pqderemos cometer a falácia de tenta r explicar vários
em que medid~ o fenômeno cx;sre, lllds estou convencido de que tipos de coisas da mesma maneira e ignorar a possibilidade de que
a quantid<'de é bastante grande, mu ito mais do que pensamos. exijam variadas explicações. Um menino que inocentemente dá
Uma oreve observação me co nven ce de que isso é verdade. A umas voltas por perto de um grupo delinqüente pode ser preso
maioria das pessoas provavelmente vê o fetichismo (e o fetichi s- com eles, alguma noite, como suspeito. Ele aparecerá nas estatís-
mo sadomasoquista em particular) ..:omo unu perversão rara e ticas oficiais como delinqüente tauto quanto aqueles que estavam
exótica . Vários anos at,.ás, no entanto, tive ocasião de •-:xaminar realmente envolvidos em delitos. Os cientistas sociais que se empe-
o C<H.ilogo d.:! um vendedor d~· fotografias pornográficas desti- nham em desenvolver teorias par" explicar a delinqüência tentarão
nadas exclusiv<1mente a devotos dessa especialidade. O catálogo explicar sua presença nos registros oficiais da mesma maneira como
não continha nenhuma fo to de Ill'S, nenhuma fo to de qualquer se esforçam para exrplicar a presença dos outros.2 Mas os casos são
versão do ato sexual. Em contrapartida, continhà páginas e mais diferentes. A mesma explicação não servirá para ambos.
páginas de foto s de moças vestindo camisas-de-fcrça, usan:lo
ho tas com saltos de 15 ctntímetros de altur;:,, empunhando '::h i-
cotes, algemadas e espancando-se umas às o utras. CaJa página Modelos simultâneo e seqüenciJl de desvio
servia de amostra para nada menos que 120 fotos estocadas pdo
vendedor. Um cálculo rápido re~dou que o catôlngo anunci,tvil A discriminaçiio de tipos de desvio pode nos .1judar a w mpreendcr
para venda imediata algo entre I;; e 20 mil dife rentes fotogrn ~'1 ,J s . como o comportamento desvianteseorigi.na. Fará isso Jo nos permi-
O próprio cat:llogo er:J dispcndio:,,t melltc impres~o. c esse fato ao tir desenvolver um modelo scqtkncial do d~::w iu {I Ih: kva ~m conta
lado d o ntuncro de tows il venda, indicava que n w ndedor tinha a mudança ao longo do tempo. Antes de discutir o próprio modelo,
um negócio florescente e uma cl il'lllda bem grande. No entiln tO, porém, consideremo!-> as difcrl'll~as l.!ntrc o rnodelo Sl'qiicncial c o
não topamos com fetichistas sadomasoguista!> a toda hor,l . ( )l,_ simultâneo nJ desenvolvimento do componnmeJHo individual.
Antes de mais nada, obsavemos quL' quasr toda pesquisa
• t\cusaçàu ou punição in.iust,ISfeitas ~L' Ill base (' nl c v id ê n ( i,t ~ - algt>equiv.1kn tc sobre des\'ÍO lida com o tipo de questão que surge quando ele é
à polícia prenÓ«." ' .tlgut:m u ~U~ i lC i!O '' par,t .IV\' r ip t,\\ .i o. (!\:.R. !'. l encarado como patológico. L·ao é, a pesquisa tL'lHa descobrir a
3 4 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 35

"etiologia" da "doença". Buse<1 desvelar as causas do comporta- variável que permite a uma pessoa dar determinado passo pode
m ento indesejado. nãv operar porque ela ainda não atingiu o estágio no processo em
Essa investigação é tipicamentt: empreendida com as ferra - que é possível dá-lo. Suponhamos, por exemplo, que um dos passos
mentas da análise multivariada. As técni(as e ferramentas usadas na na formação de um padrão habitual de uso de drogas- dispo-
pesquisa social contêm invariavelmente um compromisso teórico e :;ição para experimentar a droga -seja real mente r( sultado de
metodológico, e este é o caso aqui. A análise multivariada pressupúe uma variável de personalidade o u de orientação pessoal, como a
(ainda que seus usuários possam de fato saber melhor sobre isso) que alienação de normas convencionais. A variável da alienação pes-
todos os fatores que operam para produzir o fenômeno sob estudo soal, contudo, só produzirá uso de drogas em pessoas que estão em
o fazem simultaneamente. Ela bus.:a tkswbrir que variável ou que condições de experimentá-las porque participam dt! grupos em que
combinação de Yariáveis poderá "predizer" melhor o comportamen- elas estão disponíveis; pessoas alienadas e pam as quais as drogas
to sob estudo. A.s1>im, uma pesquisa so~re a delinqüência juvenil pode não estão disponíveis não podem iniciar n expe rimentação e, por
tentar descobrir se é o quociente de inteligência, a área em que uma conseguinte, não podem se tornar usuárias, por mais alienadas que
criança vive, se ela vem ou não de um lar desfeito, ou uma combina- 5ejam.A alienação poderia, portanto, ser uma ca usa necessária do uso
ção desse~ fatores que explica o fato de ela ser delinqüente. de drogas, mas só é critério de prisão entre usuMios e não-usuários
Na verdade, porém, todas as caus:ts não operam ao mesmo num estágio particular do processo.
tempo, e vrecisamos de um modelo que leve em conta ll fato d~ Uma concepção ótil no desenvolvimento de moJclos seqüen-
que padrões de comportamento se desenvolvem numa seqüênda ciais de vários tipo de comportamento desvi.111te é a de carreira.3
ordenada. Ao explicar o uso de maconha por um indivíduo, como Originalmente desenvolvido em estudos de ocupações, o conceito
veremos adiante, devemos lidar com uma seqüência c!e passos, de se refere à seqüência de movimentos de uma posição para outra
mudanças no comportamellto e nas perspectivas do ind:víduo, a fim num sistema ocupacional, realizados por qualquer individuo
ck compreender o fenô meno. Cada pa:.so requer explka~ãu, e o quL· que trabalhe dentr~ desse sistema. Além disso, inclui .1 noção de
opera como causa em um passo da seqüência pode ter unportânci 1 ''contingência de carreira", aqudes fatores dos quais depende n
dt:~prezívcl em 0111ro. Prcr.i:.amos, por exemplo, de u :n tipo de ex- mobilidade de lJma posição para o qtra. Contingênt.ia:. Je carreira
plicação de como uma pessoa chega ü situação em que ü maconha incluem tanto fatos objetivos dl· estrutura social quanto mudanças
lhe é facilmente disponí\'el, c outro tipo de explicação sobre pt r nas perspectivas, motivações c desejos do indi víduo. Em geral ,
que, dada a d isponibilidade da droga, ela se inclina a experimentr- no estudo de ocupações, usamo!> o conceito pam d istin guir entre
la pela primeira vez. E precisamos ainda de outrr explicação: pt'r os que têm uma carreira "bem-suLedida" (quaisquer que sejam os
que, tendo-a expe rimentaclo,a pessoa continua a usá-la. De algum.1 -' termos em que o sucesso é defini do dentro da ocupação) c aqueles
maneira, cada explicação constitui umJ Glll~ •1ecessúria do com que não têm. Ele pode se r us.:d o também para discernir diversa~
portamento. Ou seja, ningucm pode :.e tornar usuário de maconhJ variedaáes de resultados de carreiras, ignorando a questão do
se não tiver dado cada passo. Es~a pessoa precisa ter tido acesso .\ "sucesso".
droga, e:.:rerimentado-a e coutim•ado seu uso. A explicaçã0 de cada O modelo pode ser facilmente transformado para o estudo de
passo é assi.n parte da cxplic;lção do comportamento r<.'sultantc·. carreiras desviantes. Ao modificá-lo dessa man t'i ra, não deveríamos
No entanto, as \aríáveis que explicam cada passo, tomadas restringir nosso interesse àqueles que seguem uma carreira que os
sep<l r<ldam..:ntc, não d ist inguL'Ill ~· n tI'\.' usu<irios e niio-usu:lrios. A leva a desvios cada vez maiores, ~queles que, em última análise,
3 6 Outsiders l Ti pos de desvio: um modelo seqüencial 37

a~s ume m uma identidade e um modo de viJa extremamente des-


viantes. De1·eríaroos considerar também os que têm un' contato
mais fugaz com o desvio, cujas carreiras os afasta dele rumo a
1 lientou o interessante caso dos tabus vocabulares intc..'rlinguais. 4
Palavras perfeitamente apropriadas numa língua podem ter um
sentidv "grosseiro" em outra. Assim, a pessoa que usa uma palavra
maneiras de vivP.r <.onvencionais. Assim, por exemplo , estudos de comum em sua própria língua descobre que chocou e horrorizou
delinqüentes que não se tornam criminosos ad ultos poderiam nos f~us ouvintes que vêm de uma cultura diferente.
ensinar mais que os d e d elinqüen tes que progridem no crime. Ao analisar casos de não-conformidade intencional, as pes-
Irei considerar a seguir as poss;bilidades inerentes à aborda- soas geralmente perguntam sobre a motivação: por que a pessoa
gem do desvio como c:trreira. Depois pa:,sarei a um est udo de um quer fazer a coisa desviante que faz? A pergunta pressupõe que a
tipo !>articular de desvio: n uso de m.wm ha. diferença básica entre os desviantes e os que se conformam resi-
de no caráter de sua motivação. Ft·ram propostas muitas teorias
para explicar por que alguns têm motivações desviantes e outros
Carreiras desviantes não. Teorias psicológicas encontram a causa de motivações e atos
d;!sviantes nas primeiras experiêm:ias do individuo, prod uzindo
O primeiro passo na m:•ioria das carrei r,ts desviantes é o come- necessidades inconscientes que devem ser satisfeitas para que ele
timento de um ato não aproprindn, um ato que in fringe algu m mantenha seu equilíbrio. Teorias sociOlógicas procuram fontes
conjun ttl particular de regras. Como explicar o primdro pa ~so? socialmente estruturadas de "tensão" na sociedade, posições sociais
As pessoas usualmente pensam em atos desviantcs como sujeitas a tais demandas conflitantes, de modo que o indivíduo
motivados. Acreditam que a pessoa que co mete um ato úesviante, busca uma maneira ilegítima de resolver os problemas que sua
mesmo pela primeira vez (e talvez especialmente pela primeira vez) , posição lhe apresenta. (A famosa teori:1 da anomia de Merton se
pratica-o de propósito. Seu propósito pode ser ou não inteiramente encaixa nessa categoria.)'
consciente, mas há uma força motivacional por trds dele. l.0go pas- Mas os pressupostos em qu ~· essas abordagens se fundam
saremos à consideração d e casus de n.hH:onl'ormid,tde itJtencional, podem ser inteiramente fa lsos. N:\o h;\ razão para S(' supor que
mas primeiro quero salicnt,tr que mui tos <ttos n,io apropri.tdos sJo somente aqueles que finalmente cometem um ato desviante têm
co metidos por pessoas qm· n,to t0n l in ll'n,·,H, .llguma de t'a;.0- lo; o impulso de fazê-lo. t. muito m.1is p•·ov3vd que a 111.1io ria das
esk s demandam claramen t ~· uma ~·xp li ca ço'tt' diferente. pessoas experimente impulsos dcsvinntes com freqi.kncia. Pelo
Atos Hão i ntencionai~ L1e de:; vio provavelmente s,tt' explicados m~nos em fantasia, as p~ssoas são 1~1uito mais deS\· ianll•s dQ que
de maneira relativamente simples. Eles implicam uma ignoráncia parecem. Em vez de perguntar pot que desviantcs 4u~ rem faze r
da existência de regra, ou do t.:to dL' que da é ap li~.· <iveltw:.se caso, coisas reprovadas, seria melhor q uc pergunt:b senws por que as
ou a essa pessoa particular. 1\.las é necessário explicar a falta de pessoas convencionais não se dt·ixam levar pelos impulsos d es-
conhecimento. Como pode alguém :.abl' r que seu ato é impróprio? viantes que têm.
Pessoas prorundamente envol\'ida.; numa subcultura part:cular Uma espécie de resposta para essa pergunta pode ser t!ncon-
'I (como uma subcultu r<t rdigio~a ou d nk.l ) pod ~· m sim plesmente trada no processo de compromisso pelo qual a pessoa "normal"
'· não ter consciência 0e que nem todos agem "daquda m.meira" .' torna-se progressivamente envolvida ~m instituições e compor-
c assim cometer uma impropriedade. Pmk , d~· J:ll<\ ha ver dn•as tamento convencion,tis. Ao falar em co mp romisso, refiro-me
estruturadas de ignorância dL regras partiwlares. Mary Haas sa- ao processo através do tp.tal vários tipos de intcrcsscs tornam-se
38 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 39

ligados de modo T:!Strito a certas linhas de comportamcn:o às quais zação: "Justifi~ções para o desvio que são vistas cu mo válidas pelo
são formalmente alh ei os.~ O que acont<:cc é qt!e o ind ivídL·o, em delinqüente, mas não pelo sistema legal ou pela sociedade em geral."
conseqüência rle ações que praticou no passado ou da operação Eles distinguem várias técnicas para neutralizar a força dos valores
de vá rias rotinas institucionais, descobre que deve aderir a c:ertas Je aceitação da ordem.
linhas de comportamer.to, porque muitas out ras atividades que
não aquela em que está çn\'olvido de forma direta serão adversa- Amedida que se pode definir o delinqüente como aquele que carece
mente afetadas se não o fizer. O jovem de classe média não deve de responsabilidade por suas ações desviantes, a reprovação dele
abandonar a escola porque seu futum profissional depende do mesmo ou de outros é claramente reduzida em eficácia como a in-
grau de instrução. A pessoa convencional não deve satisfazer seus fluência repressora. ... O delinqüe!1te se aproxima de uma concepção
·.,
interesse~ por narcóticos, por exemplo, porque está em jogo muito de si como uma "bola de bilhar", vê a si mesmo como irremediavel-
mais que o. busca de prazer imediato; talv(•z julgue que o emprego, mente impelido para novas situações.... Aprendendo use ver mais
a fmnília e a reputação na vizinhanp clt-pendem de que continue a como objeto de ação do que como agente, o delinqüente prepara o
evitar a tentação. caminho pata ó desvio em relação a0 sistema normativo dominante
De fato, o desenvolvimt' nto no rmal das pesso:>s em nossa so- sem a necessidade de um ataque frontal às próprias normas . ...
ciedade (P rrovave!mentc: em qttillquer sociedade) pode ser visto Uma segunda técnica importante de neutralização ceritra-se
como uma série de compromissos progressivamente cres..:cntes com no dano ou prejuízo envolvido no ato delinqüente . ... Para o delin-
no rm as e instituições convencionais. A pessoa "normal': quando qüente, ... a transgressão pode s1·r uma questáo de ter alguém sido
descobre em si um impulso desviante, é capaz de wntro!á- lo pen- ou não claramente prejudicado r or seu desvio, e isso é passível de
sando nas múltiplas conseqüências qliL' ceder a de lhe pmduziria. uma variedade ~e intcrprctaçtks .... O roubo de automóvel pode
Já apostou demais em contim!ar a ser normal pam se pe1 mitir ser ser visto como "empréstimo': e luta de gangucs como uma disputa
dominada por impulsos n;1o-convcncionais. privada, um duelo como disputa travada de comum acordo entre
Isso sugere que ao e'\':a minar casos de não-conformidade dois grupos, sem importánc!a, portanto, para a comunidade em
intencional, devemos perg~mtar como J pessoa con~egue e..:itar o geral. ...
impacto de compromissos convencionais. El.l pode f1zê-lo de duas Sua própria indignação moral ou a dos outros pudc ser neu-
maneiras. Antes de mais nada. no curso de seu d esenvolvimento, a tralizad<l por uma insistência l'll1 que o dano niio cst<í ~·rrado à lu:t
pessoa pode ter evitado d~ algum modo alianças embaraçosas com das circunstâncias. O dano, pot:e-se afirmar. não é realmente urn
a sociedade convencional. Assi m, é pos~ívd que csleju livre para se- dano; é antes uma forma de k~ítima retaliaç•in ou puniç,io . ... Atu-
guir seus impulsos. A pessoa que não tem uma rcputa<;ão <l zelar ou ques a horr ossexuais ou a pôsoas suspeitas de homos~~xualidade,
um r mpregu convencional a comcrvar pl•dc segu ir Sl' US impulsos. investidas contra integrantes de grupos minoritúrios que teriam
Não apostou nada em continuar a parecer ..:onvencionai. sido apanhados "fora de lugar'~ vandalismo como vi ng<~nça contrõl
A maioria das pessoas, n• rttudo, pcrmancc: sensível a okligm uma autoridade escolar ou professor injusto, roubos de um lojista
de conduta convencionais .: tem de lida r com suas sensibilidades trapaceiro- tudo pode ser, aos olhos do ddinqüentl.', danos infli ·
para se envolver num ato dcsvia nl~ pela primeira vez. Syk~:s e Matza gidos a um transgressor. ...
sugeriram que os delinqüeniL s realm\?nte sentem fortes impulsos Uma quarta técnica de neutralização pan:<;c envolwr uma con ·
para cumprir a lei, e iidam com ck·-; m cd iant~ técni~..":as tk neutr<J ii- denaçào dos condcnadores .... Sl!us condenadores, pode ele afirmar,
40 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 41

são hipócrita~, desviantes disfarçados, ou impelidos por despeito tãú surpreendentemente expressivos no Relatório Kinsey) que que-
pessoal. ... Cor nesse ataque aos outros, a transgressão de seu própr :o remos saber, mas sobre a pessoa que segue um padrão de atividade
comportamen~o é mais facilmente rtprimida ou ignorada ....
homossexual durante toda a sua vida adulta.
Controles internos t: externos podem ser neutralizados sacrifi- Um dos mecanismos que kvam da experimentação casual a
cando-se as exigências da sociedade mais ampla diante das impo- um padrão mais permanente de :1tividade desviantc é o desenvol-
sições dos grupos sociais menores J que o delinqüente pertence, vimento de motivos e interesses desviantes. Examinaremos esse
como ns "irmãos': a gangue, a turma de amigos .... O aspecto mais processo em detalhe mais adiante, quando considerarmos a carreira
importante é que o desvio e m rclaç·i o .l crrt;Js normas pode ocorrer do usuário de maconha. Aqui é suficiente dizer que muitos tipos
uào porque as normas st•jam rcj.:itadas, mas porque outras normas, de atividade desviante provêm de motivos socialmente aprendi-
consideradas mais prementes ou t·rwolvendo maior lealdade, ganham dos. Antes de se envolver na atividade em bases mais ou menos
precedência!
regulares, a pessoa não tem noção dos prazeres que dela podem
ser obtidos; toma conhecimento deles no curso da interação coro
En'l alguns casos, é pos::íve! que um ato n;'w aproprindo ~areça desviantes ma,is ~xperientes. Aprende a ter ('onsc iência de novos
necessá1;v vu couveniente para uma pe~soa em geral cumpriJora da tipos de experiência e a pensar neles como prazerosos. O que
lei. Empreendido na busca de interesses legítimos, o ato desviante certamente pode ter sido um impulso aleatório de experimentar
se torna, se não de todo apropriado, pelo menos não d~ todo im- algo novo torna-se um gosto estabelecido por algo já conhecido e
próprio. Encontramos um bom exemplo num romance que tmtíl experimentado. o~ vocabulário!> nos quais motivações desviantes
de um jovem médico ítalo-american o.~ O rapaz, recér n-saído d a são expressas revelam que seus usuários os adquirem na interação
escola de medicina, gostaria de ter uma dientcla que <l;'io :>e fun - com ou! ros dcsviantes. O indivídm · aprende, em suma, a participar
dasse em sua nacionalidade. Sendo it.d i<l llO, por~n 1, tem di 11culdadt• de uma subcultura organizada em torno d a atividadt: desviante
em ganhar aceitação de pr"<Jiissionais ianques de sua comunidade. particular.
Um dia é subitamente sulicitado por um dos maiores cirurgiões a As motivações desviantes têm um caráter social mesmo quan-
tratar de um caso par;l ele l' pensa qul' linaln1l'ntc snú admitido do a maior parte da atividade é realizada de unK. forma privada,
no sistema de recomendaçõt:s dos mdhores médicos da cidade. secreta e solitária. Nesses casos, vá rios m eios de comunicação
Quando o paciente chega a seu consultório, porém, constata que se podem assumir o luga r da interação face a face na introdução do
trata de um caso de aborto ilegal. Vendo. de maneira equivocada, a indivíduo à cdtura. As fotografias pornogr;ílicas que mencionei
recomendação como o prim::'iro pa!>~O numa relação reguJar com anteriormente eram descritas para possíveis comp rad ores em
o cirurgião, ele realiza a operc~ ção. Es~e ato, embora impróprio, é , ( linguagem estilizada. Palavras comuns eram usadas numa termino-
considerado necessário para a co nstnr ~·ão dt' !>U,l carreira . logia técnica destinada a despertar paladares t:specíficos. A palavra
Mas estamos menos interessados na pessoa que comt!te um ato "servidão", por exemplo, era empregada repetidas vezes para aludir
desviJnte apenas urna vez do qu<' naqul'l<l que 111antém um padrão a fotos de mulheres úlgemadas ou presas em camisas-de-força. Não
de desvio por .tm longo perí0do de tem po, Ü1z do desvil~ uma ma- se adquire gosto por"fotos de servidão" sem ter aprendido o que
neira de viver, organiza sua id'..' ntidack em torno de um padrão de são e como podem ser apreciadas.
comportamento desviantc. N.:io é sobr~ os que t'azem experiências Um dos passos m ais decisivos no processo de construção de
casuais com a homossex ualichd~ (l' q ~ 1c ap<ll'l'l'(•ram em nürn·:ros um padrão estável de comportamento·desviantc talvez seja a expe-
.,.
42 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 43

riência de ser apanhado e rotuludo publicamente de desviante. Se certo modo não preencheu os requisitos. De maneira semelhante,
alguém dá ou não esse passo, depende menos do que ele faz do que embora a cor da pele seja o traço principal para determinar quem
daquilo que outras pP.ssoas fazem, do fato de elas imporem ou não é negro e quem é branco, espera-se informalmente que os negros
a regra que ele vivlou. Vou considerar em detalhe, adiante, as cir- tenham certos traços de status, e não tenham outros; as pessoas
cunstâncias nas quais a imposição tem lugar, mas duas observações ficam surpresas e vêem como anomalia o fato de um negro ser
são necessárias. Antes de mais nada, ainda que ninguém descubra um médico ou professor universitário. As pessoas freqüentemente
a impropriedade ou imponha as regras contra ela, o indivíduo que possuem o traço de status principal, mas carecem de algumas das
cometeu a impropriedade pode agJr ele próprio como impositor. características auxiliares informalmenie esperadas; por exemplo,
Pode marcar a si mesmo como desviante em razão do que fez e al3uém pode ser médico, mas do sexo feminino ou negro.
punir-se de uma maneira ou de outra por seu comportamento. Hughes lida com esse fenômc.:no em relaçüo a status que são
Esse não{. sempre fiU necessa riamente o caso, mas pode acontecer, bem vistos, desejados ou desej,1veis (observando que se pode
Segundo, pode haver casos como aqueles descritos por ps1canalistas possuir as qualificações formais pnra ingressar num status, e ainda
em que o indivíduo realmente que1 ser apanhado e perpetra seu assim ter o pleno acesso negado pela falta dos traços auxiliares
ato desviante de tal maneira que quase certamente sct <Í. apropriados), mas o mesmo proces~;o ocorre no caso de status
Em qualquer dos casos, ser apanhado e mucado como des- desviantes. A posse de um traço desviao te pode ter um valor sim-
viante tem importantes conseC] üências para a participação ~ocia1 bólico generalizado, de modo que <s pessoas dão por certo que
mais ampla e a auto-imagem do indivíduo. A mais importante é seu portador possui outros traços indesejáveis presumivelmente
uma mudança drástica em sua identidade pública. Cometer o ato associados a ele.
impróprio e ser apanhado !h ~ confere um novo status. Ele revelou- Para ser rotulado de criminoso só é necess<hio cometer um
se um tipo de pessoa diferent~ do que supost<u ,1ente cr..t. f: rotulado único crime, isso é tudo a que o termo formalment ·~ :.c refere. No
de "bicha", "vicí~1do", "m;tluco" ou "do ido", • e tratado ~:~.>mo tal. entanto a palavra traz consigo mui l·lS conotaçóe~ que especificam
Ao analisar as conseqüências da adoção de uma iden tidade traços auxiliares característicos de qualquer pes:;oa que C<l n·egue o
desviante, vamos fazer uso dn distinç<io que Hughes estabelece ró,ulo. Presume-se que um home:n condenado por arrombamen-
entre traços de status princ.:ipai , e auxili;lres:' Hughes observa que to, e por isso rotulado de ~riminoso, seja algucm que ir<~ assaltar
a maioria dos s;atus tem um rr<!ço-c11av~ que serve para distinguir outras casas; a polícia, ao rewlher delinqüentes conhecidos para
entre os qu~..· 0s possuem ou não. A!>sim , o médico, não importa investigação após um crime, opera com base nessa premissa.
o qul' mais po:;~.l ~cr, é algu C:· n1 qul' tcltl um ccrti!icndo afirmando Além disso, considera-se provavel que ele comcta também outros
que preencheu cert•.)s requisitos e cst<1 li cenciado para praticar a tipos de crime, porque se revelou uma pessoa sem "respeito pela
medicina; esse 0 o tmço prinCJp;\1. Como Hughcs mostra, na so- lei". Assim, a detenção por um ato desviante expõe uma pessoa à
ciedade norte-americana presuuc-se também informalml'nte que probabilidade de vir a ser t>ncarada como desviante ou indesejável
um médico tenha vários traços auxiliares: a maioria d.1s pessoas em outros aspectos.
espera que ele seja da classe média alta, branco, do sexo masculi- Há outro elemento na análise de Hughes que podemos tomar
no e protesta nte. Se não for tls~i m, lt:lll- ,(· <I imprcssüo de que de emprestado com proveito: a distinção en.tre status principal e su-
bordinado. 10 Alguns status, em nossa sociedade ~.:orno em outras,
• N(J original,jilir/y, dope fri.:ncl, 11111 c lul!.tlic ( 1\" .'I'.) ~obrepõem-se a todos os outros e têm certa prioridade. Raça é um
Tipos de desvio: um modelo seqüencial 45
44 Outsiders
i~so não faz tanta diferença. O viciado em drogas se vê impelido
deles. O pertencimento à raça negra, tal como socialmente definida, para outros tipos de atividade ilegítima, como roubo e furto, por-
irá sobrepujar a maior parte das outras considerações na maioria que os empregadores respeitáveis se recusam a tê-lo por perto.
das outras situaçoes; o fato de alguem ser m édico, ou de classe Quando apanhado, o desviante é tratado de acordo com o
m édia ou do sexo feminino não o protegerá contra o fato de ser diagnóstico popular que descreve sua maneira de ser, e esse tra-
tratado em primeiro lugar como negro, e depois como qualquer tamento pode, ele mesmo, de maneira semelhante, produzir um
um desses aspectos. O status de de~v iante (dependendo do tipo de desvio crescente. O viciado, popularmente visto como um individuo
desvio) é esse tipo de status princip~l. Uma pessoa receb~ o 1.tatus sem força de vontade, que não consegue se privar dos prazeres in-
como resultado da viola~·ão de uma regra, t> a identificação prova-se decentes que lhe são fornecidos pelas drogas opiáceas, é tratado de
mais importante que a maior parte das outras. Ela será identificada forma repressiva. Proíbem-no de usar drogas. Como não consegue
primeiro como dewiante, antes que outras identificações sejam obter drogas legalmente, tem de obtê-las ilegalmente. isso impele o
feitas. Formula-se a pergunta: "Que tipo de pessoa infrir:giria uma mercado para a c~apdestinidade e c•npurra o preço das drogas para
regra tão importante?" E a resposta é dada: "Alguém qt1e é diftrente cima, muito além do legítimo preço de mercado corrente, para um
de nós, que não pode ou não quer agir como um ser humano moral, nível que poucos têm condições de pagar com um salário comum.
sendo portanto capaz de infringir outras regras importantes." A Portanto, o tratamento do desvio d,> drogado situa-o nu ma posição
identificação desviante torna-~c a dominante. em que será provavelmente nccessúrit •recorrera fraude c crime para
Tratar uma pessoa con:o se da fol>se e1n );cral, e 11.10 t.•m par- sustentar seu hábitoY O comportamento é uma conseqüência da
ticular, desviante produz uma profecia auto-realizadora . Ela põe reação pública ao desvio, não um efeito das qualidades inerentes
em movimento vários mec111ismos qul' con1.piram para m0ldar a
ao 11to desviante.
pessoa segundo a imagem 0,Ul' os outros tém dda. 11 Em primeiro Expressa de maneira mais geral, a quesüill ~ quc o l rata mento
lugar, <1pós ser identificada cnmo desvi:lnt<:, ela tende,, !>L' r impedida dos desviantes lhes nega os meios comuns de h:var adian te as ro-
de participar de grupos n•ais convencionai~, num isolamento que tinas da vida cotidiana acessívt>is :1 maioria da~ pessoa~. Em razão
talvez as conseqüências específicas da <ltividade ~lesviante nunca dessa negação, o desviante deve uccessariamente dese nvolver roti-
pudessem causar por si mes ma ~ caso não houvesse o conhecimento nas ilegítimas. A influência da reação pública pode ser direta -como
público e a reação a ele. Por e"Xemplo, ser homossexual pode não nos casos antes considerados- ou indireta - conseqüência do
afetar a capaçidade que uma pessoa tem de realizar servips de caráter integrado da sociedade em que o desviante vive.
c~c ritório, m<l~ s<·r conhecido c•>lllO homos:.t'Xl•al num t.'scritório As sociedades são integradas no sentido de que os arranjos so-
talvez torne impossível con tinuar trabalhando ali. De maneira ciais numa esfera de atividade se enredam com outros ,,rranjos em
st:mdhantc, ainda que os di:itt•:s tk droga~ O!>iúceas possam não outras esferas de maneiras particulares e dependem da existência
prejudicar a capacidade de tra balho de uma pessoa, ser co nhecida desses outros arranjos. Certo tipn de vida no trabalho pressupõe
~·omo viciada provavelmente a f:1 rú penkr o <:mprcgu. Nesse casr1, determinado tipo de vida familiar, como veremos quando consi-
o individuo encontra dificuldad e em se conformar a outras regras derarmos o caso do músico de casa noturna.
que nüo tem intenção ou desejo de infringir,~ se descobre forçosa - Muitas variedades de desvio criam diiiculdadcs ao não se
m ente desviante também nessas áreas. O homos~exual privado de coadunar com expe<..tativas em outras áreas da vida. A homossexua-
um emprego "respeitável" pela descoberta de seu desvio pode ser lidade é um bom exemplo. Os homossexuais têm dificuldades em
levado a a.sswnir ocupações não-convencionais, marginais, em que
46 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 47

qualquer área de .ttividadc social em que os interesses sexuais nor- lhantes. Em terceiro, os padrões de seu grupo de iguais, embora
mais e as tendêncJas para se casar são vistos como inquestionáveis. permita a prostituição homossexual, tolera-a apenas como u~a
Em organizações de trabalho estiÍvc i~. como grandes organizações atividade, proibindo os menores Je obter qualquer prazer espec1al
comerciais ou industriais, há com freqüe ncia momentos nos quais com ela ou de favorecer qualquer expressão de carinho por parte
o homem que quer obter sucesso dewria se casar; se IHio o fizer, do adulto com que eles têm relações. Infrações dessas regras, ou
tornará difícil para ele fazer as coisas nccessürias para ter sucesso outros desvios em relação à atividade heterossexual normal, são
na organização e frustrar,\ suas ambi<;ôes. t\ necessidade do casa- severamente punidas pelos companheiros do menino.
mento muitas vezes cria problemas bastante difíceis para o hvmem A prisão pode não levar ao desvio crescente se a situação na qual
normal, e põe o homossexual em situação quase impossível. De 0 individuo é detido pela primeira vez ocorrer num momento em
maneira semelhante, em alguns grupos de trabalho masculinos, em que ainda lhe é possível escolher l;!ntre linhas alternativas de aç~o.
que se exigem proezas heterossexuais para se conservar a estima no Confrontado pela primeira vez com as possíveis conseqüências
grupo, o homossexual en contra -~e em óbvias dificuldades. A não- finais e ddsti~as 'do que está fazendo, talvez decidn que não quer
correspondência à expectativa dos outros pode obrigar o indivíduo tomar o caminho desviante, e volte atrás. Se fizer a escolha certa,
a tentar maneiras dcsviantes de alcan~ar resultados automático~ será bem recebido na comunidade convencional; mas se der o passo
para a pessoa normal. errado, será rejeitado e iniciará um ciclo progressivo de desvio_
É evidente que nem todos aqueles .tpanhaJos em atu dt"sviantc Ray mostrou, no caso de viciados em drogas, como pode ser
e rotulados de desvian tes s'~ encaminham dl' modo inevitável para difícil reverter um ciclo desviante. 14 Ele salil'nta qm' os viciados
um desvio maior, como j·i foi sugerido em minh.1s observações freqüentemente tentam se cun11, e que a tn1ll iv;H~i.lo sub.iacent: a
an teriores. As profecia:. ne:n semprL' :.c .:onfirmam, os mecanis- essas tentativas é um esforço p.1ra mostrar a niiu drogados CUJ<tS
mos nem sempre funcionan'. Qul' bture::. tcntL·m .1 tornar maio; opiniões respeitam que não silO realmente l<io lllaus quanto se
tenro ou deter o m ovimento •umo .t U lll d ~win cres..:e nt c? Em qlH.' pensa. Quand J conseguem se livrar de seu h;íbito,tk•s~.:o brem, para
circunstâncias eles entram em jo~o ? sua consternação, que as pessoas continuam a tral<i-los como se
Urna sugestão sobre como a pessoa pode se imunizar ;;ontrn fossem drogados (com base, aparentemente, na premissa de que
a progressão Jo desvio encontra-se num recente estudo acerca de "uma vez drogado, sempre drog.ado").
delinqüentes juvenis que procuran• homossexuais. 13 Esses meninos Um passo final na carreira de um desviante é o ingresso num
agem como prostitutos homossexuais para homossexuais ad ultos grupo desviante organizado. Quando uma pessoa faz um movi-
confirmados. No entanto, eles própril>S nJo se tornam homosse- mento definido para entrar num grupo organizado - ou quando
xuais. Vários fatore5 contribuem parn a suspensão desse tipo de percebe e aceita o fato de que já o fez-, isso tem forte impacto
desvio sex ual. Em prim eiro iugar, os meninos est<io protegidos sobre sua concepção de si mesma. Certa vez uma viciada me contou
contra a ação da polícia pdo t:lto de s~· rem ntl'l10l'L'S. Se furem que o momento em que se sen tiu realmente viciada foi aquele no
detidos num ato homossexual, serno tratados como crianças ex- qual percebeu que não tinha mais nenhum amigo que não fosse
pi(Jradas, embora de fato seja m eks os cxploraJorcs; a lei torna o viciado em droga!i.
adulto culpado. Em segundo lugar, eles encaram os atos sexu:1is Membros de grupos desv.iantes organizados têm, claro, algo em
em que se envolvem simpksnll'nte wmo um meio de ganhar conum: o desvio. Ele lhes dá um sentimento de destino comum,
dinheiro mais seguro e rápido que o roubo ou atividades seme- de estar no mesmo barco. A partir desse sentimento de destino

''f ;{~ ~
-....-.;;::-~~
48 Outsiders Tipos de desvio: um modelo seqüencial 49

comum , da necessidade de enfrent<: r os mesm os problemas, de - en frenta para escapar da imposição da regra que está in fringindo
senvolve-s.; um a .::ultura desviao te: um conjunto de perspectivas e fo ram enfrentados antes por o ut• os. Solu ções fo ram encontradas.
entendime ntos sobre como é o nwndo c com o se deve lidar com Assim, o jovem ladrão encontra-se co m ladrões mais velhos, m ais
ele - e um .:o njunto de atividades ro ti ne iras baseadas nessas experientes, que lhe explicam como se livrar de m ercadoria rou-
persp ectivas. O pertencimento a um gru po desse tipo solid ifica a bada sem correr o r isco de ser apanhad o. Cada grupo desviante
identidade desviante. tem um grande repertório de conh<.cim ento sob re assuntos desse
O ingresso num grupo o rgani zado tem várias conseqüências tipo, e o novo recruta o aprende rapidamente.
para <~ cC! rrcira do desviantc. A nte~ de m ais nada, os grup0s des- Assim, o desviante que ing ressa num gr u po desv iante o rga-
viantes tendem, mais que ÍtllPvíduos desviantcs, <1 ra.:ionalizar sua nizado e institucionalizado tem m ais probabilidade q ue nunca
posiç;io. Num cxtn.·.no, dt·s th:scn vo: Vl'J11 Ul11a justiflcati v.t hi~ tórica, de co ntinuar nesse caminho. Ek aprendeu, po r um lado, como
evita r problem as; por outro, assimilo u uma funda m entação para
legal e psicológica muito complicada p.tra a CJtividade desviante. A
conw nid,1dc !10m ns~cxllal l- utn ho lll t":>.l' lllJ1Io. l tl·vist .t~ e livros pu· cnntinua r.
O u tro fato merece atenção. As fundamt·•Haçôcs dos grupos
hl ic,ldos por ho mossexuaÍ$ pan' homo:>St'Xtw is inducm artigos sob rt•
dcsviantes tende m a conter u m repúd io ge ral ;1s rl'gr;ts mo rais da
lwmmsexuais farno!.os 11<1 hi'it;)ria. Contl' m .t r t i~os sob rt a biologia e
convenção, às instituiçôes convencionais e a todo o mund o con -
a fisiologia do sexo, dest inados a most rar q ue a homossexualidad e
vencional. Examinarem os uma subcultura dcsvi<lntc ad iante, ao
~ uma resposta sexual "no rr~1a1': lncl uem a rt ign~ j uríd icos, rc;vi ndi -
considerar o caso d o músico de casa noturn;l.
c ando liberdades civis para os homossexuais. '.; To mado em conjunto,
esse m aterial fo rnece uma li!osofia operacional para c ho m ossexual,
explicando-lhe por que de é como é, que o utras pessoas também
foram assim, e por que está certo ser ass im.
A m aio r pilrte dos grupos desv ia ntcs tem uma fundam en -
tação autojustificadora (ou " ideo logia''), emb0r a raram ente tão
bem elab 0rad a qu anto a dos ho n~ossexu a i s. Ao mesm o t" mpo
q ue esses argt•mentos atuam, com o fo i most rudo anteri o rmente,
para neut ra lizar as atitudes convencionais q ue os desviantes ainda
podem encontrar em s i mes:n os em rd açiio a se u próprio com-
portamento, d l!sempenham também uma outra fu nção. fo rnecem
ao ind ivíduo razões que parec~:m sólid.ts para leva r adia nte a lin ha
de atividade q ue iniciou. Um a pessoa que aplaca suas próprias
d úvidas ad o ta ndo a racion aliz~.ção pas~a rá a apresentar u m ri pu de
desvio baseado em prin cípios e coe reme do q ue lhe scr i,1 possível
antes de ad o tá- la.
A segun da coisa que acontece qua ndo alg uém ingressa num
desses grup os é que aprende com o levar adia nte sua atividad e des-
viante co m um mínimo de contratempo. Todos os pro blc.mas que
l
i

l Tornando-se um
usuário de maconha

Um número desconhecido mas provavelmente muito grande de

I pessoas nos Estados Unidos usa mac.onha. Elas fàzem isso embora
fumar maconha sep ao mesmo tempo ilegal e reprovado.
O fenôme-no do uso da maconha recebeu muita atenção, em
t particular de psiquiatras e agentes da lei. A pt~qui~a fl!ita- como
freqüentemente ocorre com pesquisas sobre comportamentos con-
t siderados desviantes- diz re~ pcito sobretud o i\ q tu.:~tiio: por que

I t:1Zem isso? Tentativas de explica r o uso da maconha apóiam-se com


firmeza na premissa de que a pre~ença de qualquer tipo r articular
de comportamento n um indivíd uo pode ser mais bem explicada
como resultado de algum traço que o predi!ipüe ou motiva a se
envolver nesse comportJmeJH u. No caso do uso dt• maconha,
esse traço é de hábito identificado como psi.:ológico, como uma
necessidade de devanear e fugir de problema~ psicológicos que o
indivíduo não é capaz de enfrentar.'
Não me parece que essas teorias possam explicar ,tdequada-
mente o uso de maconl1a. Esse uso é um caso intcn:~sante para as
teorias do desvio, porque ilustra a maneira como motivos desviantes
realmente se desenvolwm no curso da experi~ ncia wm a atividade
desviante. Para reduzir uma argumentação complexa a poucas pa-
lavras: ao invés de os mutivos desviantes levarem a comportamento
desviante, ocorre o contrário; o comportamento desviante acaba por
produ:úr a motivação desviante. Impulsos e dl.!sejos vagos- neste
caso, provavelmente com maior freqüência, uma curiosidade acerca
do tipo de experiência que a droga induz - são transformados
em padrões definidos de ação por meio da interpretação social de
uma experiência fisica em si mesma ambígua. O uso de maconha é

51
52 Outsiders Tornando-se um usuário de maconha 53

.•.·':, ,
uma função da concepção que o indivíduo tem dela e dos usos a que nosso investigador retomavam calmamente sua atividClde anterior,
ela se presta, e essa concepção se d'é'senvolve à medida que aumenta como a discussão da vida em gcral ou um jogo de sinuca. Não havia
a experiência do indivíduo com a droga.: aparentemente qualquer sinal indicativo de fr ustração no fuman tt:
A pesquisa relatada neste capítulo e no seguiPte ciiz respeito à por não ter podido satisfazer seu desejo da droga. Consideramos este
carreira do usuário de maconha. Neste, examina n1 os o desenvolvi- ponto extremamente significativo; uma vez que é em tudo contrário
me ntu J.:; cxperiêJlcia físicu i mcd ia~a do indivíduo com a maconha. à experiência de usuários de outros narcóticos. A ocorrência de uma
No próximo, consideramos o modo como ele reage ao:: vários con- situação semelhante com um u~uário de morfina, cocaína ou heroína
troles sociais que se desenvolveram em to rno du emprego d,1 droga. resultaria numa atitude compulsiva da part e do viciado em drogas
O que tentamos compreender aqui é a seqüência de mudanças na para obter a droga. Se não conseguisse obtê-b , haveria as óbvias ma-
atitude e na experiência que leva ao 11$0 de m acn11ha por prazer. Essa nifestações físic.as e mentais de frustração. Isso pode Sl 'l' wnsidcrado
maneira de formular o problema requer uma pequena explicação. f, como uma presumível evidência de q ue não há verdadeira adição
maconha não produz adiç.io, pelo menos não no mesmo senúdo c:m no sentido ll)édico associada ao uso de m aconh a. 1
que o álcool e as drogas opiáceas. O usuário não experimeuta nenhu-
ma sindrome de abstinênr.ia e não exibe qualquer ânsia ine'(tirpávd Ao usar a expressão " uso por prazer", p retendo enfatizar o
pela droga. 3 O padrão ma ic; freqüente de uso poderia ser denominado caráter não compulsivo e casual do comportamento. (Pretendo
''r~creativo': Lança-se mão da droga ocasionalme nt.: pelo prazer qu e·
também dimina r de consideraç<io aqui aqudes poucos casos em
o usuário encontra nel:>, um tipo de comportamento relativamentl'
que a maconha é fumada unica mente por l>Cll valo r de prestígio,

t
casual em comparação com aquele associado ao uso de d rogas qu.: . r"
!
como um símbolo de certo tipo de pessoa,SL'In que absolutamente
gera m depe ndência. O rebtorio d o Co mitt· S(lb re J\:laco nha da Pre- .
' nenhum pra<.er derive de seu uso.)
feitura Ja Cidade de Nova York <:nfati za cs~c aspecto: .j A pesq uisa que estou pre~tes a rela tar não foi planejada de
modo a con stituir um teste decisivo das teo rias que rdacionam o
Uma p.:~~~>a pode l>Cl' ful'lantc w nlirmado pnr um paíndo pro ·
uso de maconha a algum traço psicológico do usu;írio. Ela most ra,
longado e l.\ bandonar a droga voluntMiamcnt~ sem cxp~rimentar
no en tanto, que explicaçõ(S psicológicas nàu são em si suficien tes
únsia ror ela o u ex ih ir ~int tlllH:-. de abstin~n.:ia. Podt·, ~m algum
para indicar a razão do uso de maconha c que talvez não sejam
momento posterior, rct.)rnar ao u ~o. Outros podem permJneü.·r
mesmo necessárias. Pesquisas que tentam provar essas teorias
usuários infreqücntes d11 cigarro, i'umando-o ap~ nas uma ou dua~
psicológicas depararam com duas grandes dificuldades, nu nca
veze~ por semana, ou apena~ quando o "contexto social" req ue r par-
ticipação. Oca~ionalmente um de nossos iiwesLigoJdores associou-s,• satisfatoriam ente resvlvidas, q ue a teoria aqui apresentada evita.
a um usuário de maconha. O inl'l'~ti gador rr;IZ!a :1 baila v assun to Em primeiro lugar, teorias baseadas na existê ncia de algum traço
d o fumo. Isso lev;wa invari,wclmente á sugestão de que obtiwssem psicológico de predifposição têm dificuldade de explicar aquele
alguns cigarros de maconha. ProcurJY<lm um lugar onde maconlwi- grupo de usuários que aparece em números bastante grandes em
ros costumavam ~e reunir~ c, se d e estivesse fech;~do, o fuman te e todos os estudos5 e que não exibe o traço ou os traços considerados
cat~sadores do comportamento. Em segundo, teorias psicológicas
encontram dificuldade de explicar a grande variabilidade do com-
• No original, tea-ptul. A expressão é ddi nid.1 no próprio relatório como um quarto portamento de um dado indivíduo com relação à droga ao longo
ou apartamento em que pess0as se reúnem para fumar maconha. (N.T.) do tempo. A mesma pessoa que, num. momento, é incapaz de usar a
tf
l
54 Outsiders Torn!!ndo-se um usuário de maconha 55

droga por prazer, num estúgio posterior st.:d cdpaz e Ci>tani de~ejosa aieatória, uma vez que ninguém co nhece a natureza do universo
de fazê-lo, e, m~is tarde ainda, se tornaní <.ic novo inc~paz de usá-la do qual ela deveria ser extraída.
dessa maneira. Tais mudant,~as, difkós dt: expli~ar a partir de uma Ao entrevistar usuários, foc nlizei na história da experiência
teoria b<J~e<'lda nas necessidades de "fuga" do usuário, são facilmente da pessoa com a maconha, procurando mud <mças importantes
compreensíveis como conseqüências de mudanças em sua concep- em sua atitude com relação a t>la c no seu uso efetivo, e as razões
ção da droga. De maneira semelhante, se pensarmos no usuá~·io de dessas mudanças. Quando foi possível e apropriado, usei o jargão
maconha como alguém que aprendeu ,1 vt·· hl como algo que pode do próprio usuário.
Ih ~.: dar praz~;:r, náu tcrcmo~ diliuddad\.· alguma cnlwmpn. -cntkr A teoria começa com a pessoa que chego u a puntu de se dis-
a I!Xisténcia de usuários psicolugicamcnk "norma is': por a experimentar maconha. (Discuto como ela chegou a isso no
Ao fazer o estudo, lan~ci mão do m~todo da induçao analítica . próximo capítulo.) Ela sabe que outros usam maconha para "ter
Tentei chegar a uma formulação geral da scqü~ncia de 111lldanças um barato': mas não sabe o que isso significa de maneira concreta.
na ali ! ude c experiência individual que ~t:JHf)rc ocorri,lln qu;lndu ll Está curiosa com celação à experiência, ignorante do qut· ela pod e
indivíduo tornava-se desej0so e capaz de usar m aconha por prazer, . .:(' ser e temerosa de que possa ser mais do que espera. Os passos de-
r nunca ocorria ou não er<' pcrmanenlL' IHL'ntc: mantida quando <1 lineados a seguir- se a pessoa passar por todos des c mantiver as
pessoa não estava dispos~a <l usar maconha por prazer. O método atitudes neles desenvolvidas- a deixarão desejosa e ap ta a usar a
requer que todos os casos colhidos na pesquisa comprovem a hipó- droga pot prazer quando a opo rtunidade se apresentar.
tese. Se for encontrado um caso que não a comprove, o pesquisado r
é obrigado a alterar a hipóce~ e pa1 a que corres po nd<1 ao caso que
provou que sua idéia original estava crrad••..c· Aprender a técnica
Par a dest.n':olver e testar minh,l hipóte!>c sobre a gê nese d o
uso de maconha por prazer, realizei 50 entrevistas com usuários O noviço em geral n ão fica no barato na primeira ve;. q ue fuma
da droga. Et1 ha via sido mL1sico profiss ional de C<lS<l noturna maconha, c V<1rias tentativas são necess<í rias pa ra ind lli·ir esse es-
durante alguns anos quand0 fiz o es tudo, e minhas primeiras tado. Uma explicação pan isso pude ser que a droga n3o é fumada
entrevistas foram cJm pesso:ls qlll: havia conhecido no meio ''da maneira apropriada'~ isto é, de um modo qul' ,1sscgun: dosagem
musical. Pedi-lhes que me pusessem em contato com outros suficiente para produzir sintomas reais de embriaguez. A maioria
usuário~; que estivessem dispostos a discutir sua~ experiêt1cia:·· dos usuários concorda que ela niio pode ser fumada wmo tabaco
comigo. Colegas que trabalhavam num estudo de usuários de para que a pessoa fique no barato.
drogas opiúceas colocaram à minha disposição algumas entre-
vistas que continharr., além de material sobre drogas opiáce<1s, Inalar muito ar, sabe, e, ... não sei como desnever isso, você não
material sufi ciente 50bre o uso de mJconha que fornecesse um fuma maconha como um cigarro, você aspira muito ar e faz descer
teste de minha hipótese.; Embora, por fim, metade da~ 50 entre- bem fundo, em seu sistema, e depois segura ele ali. Tem de segurar
vistas tivessem sido feitas corn músicos, a outra metade cobria o ar ali o máximo de tempo possível.
uma ampla variedade de pessoas, incluindo operários, mecânicos
t: profissionais liberais. A nmostra, evidentemente, não é de ma- Sem o uso de alguma técnica desse tipo, a droga nào produzirá
neira alguma "aleatória"; não seria possível obter uma amostra qualquer efeito, e o usuário será incapaz de entrar no barato: 8
Tornando-se um usuário de maconha 57
56 Outside:s

queria fazer tudo exatamente como elt:. O bsen•ei como segurava,


O problema com pes~o as assim Ique n;io ~ão c.tp<lL.es de entrar no
como fumava, e tudo. Depois, q u~mdo ele me p;1ssou o baseado,
barato I é apenas que niio estão fumando din:ito, ~ó isso. O u não
eu simplesm ente fumei tranqüilo, ::o mo se soubcs~c exatamente
..:f:ão scgt:rJndo tempo sulicit:"ntc, ou ~·stào inalan,lo ar demais, e
da coisa. Segurei como ele tinha segurado e dei uma puxada exa-
não a fumaça, ou o contrário, ou alguma coi~a de~se tipo. Muita
gente simplesmente não fuma maconha direito, ent..io é d aro que tamente como ele tinha feito.
nada vai acontecer.
Ninguém que entre vistei con~inu ou a ll,, ar ma~on h a por
Se nada acontece, é manifestamente impossível para o usuá.-io prazer sem aprender uma técnica que fornecesse uma dosagem
desenvo~ver uma concepção da droga como un~ objeto q ue pode se suficiente para que os efeitos da drog<.~ se manift:stasse m. Somente
consum tdo por prazer, c P') rtnnto n u ~o 11iio con tinuarú. (') primeiro quando isso era aprendido tornava-se possível a t•mcrg0ncia de
~a:.so na seq~ê.nci.a de cven tos qut: deve ocorrer para que a pesst>a
uma concepção da droga como um objeto que podia se r usado
se torne usuana e que l'lil prct.:is<l aprt'lltkr ,) \.'lllprcgar a técn;,·a por prazer. Sem tal.concepçi1o, o uso da maconh.1 a<l considerado
adequada de fumar, dt• modo que Sl' LI uso Ja drnga produza efeit.Js se m sentido e não prosscg,uia.
em termos dos quai~ :.ud conce pção sobre ela po~sa mudar.
_ Tal. m~d~n Ç<l é, como :;e ria de ,·~pe ru, res ult adn d,1 participa-
Ç10 do mdl\'Jduo em grupo~ nos q 11ai .~ a maconha é usada. Nd e~ Aprender a perceber os efeitos
o incUvíd uo aprc:n~e a ma :1eira adcqu.tda de fumar ,1 droga. Isso
Mesmo depois que aprende a téc nica adequada de fnrn;u·, o novo
pode ocorrer mcdwnt t' ensinamento direto.
usuário pode não ter um bara lo t' não formar uma wnccpçílo da
droga como algo que pode ser usado por prazer. Um comentário
Eu estava fumar. do como ~e ío~sc: um ciga rro comum. Elt•disse: "Nãtt,
feito por um usu5rio sugl'riu a n1í'.io dess<t di fiçu\dad c para ter um
n<io fa~·a assim." Falou: '"S11gu..-, \ab~·. inak c segure no\ pulmôes ak
VOCe ... por Ulll período de tempn."
barato e indicou o passo .seguintt' no caminho que leva alguém a
Pl·rguntei: "H.í algum linúc ck tempo p<lra ~cgurar? " se to rn ar usuário:
Ele d isse: "I'\ <i o, só <ltt' wcê sentir que q uer solt.tr, soltar." Entjo
Na verdade, vi um car,l que estava no maior bm·,lto e nüo ~abia disso.
eu fiz isso UI11;!S três ou quat ro\ e/,'S.
[Como assim, carJ?l
Bom, é muito estranho, eu reconheço, mas cu vi. O sujeito ficou
~uitos_ ~ovos usuários têm vergonha de admitir ignorân..:i.t
meu amigo, e afirmava que nunca tinha ficado no barato, um desses
e, fingmdo J" saber, devem aprender por meios mais indiretos de
observaçio e imitação: caras, e ele ficou completamente doidão. E contiJlUava insislindo que
não estava no barato. Assim, tive de ?rovar para ele que estava.
Ch~guci como se j;i tivesse dad o um tapa [fumaco maconha!
Que significa isso? Sugere que ter um bara ro consiste em dois
mu1tas vezes <J l1tes, sa 1)e. Não queria parecer principiante. Sabe,
como se não ~oube~se coisa nenhuma sobre isso- como fumar
l!lt:mentos: a presença de sintomas causados pelo uso da maconha
ou o que ia acontecer, uu o que. Fiquei só observando o cara com~
e o reconhecimento desses sintomas e sua vinculação, pelo usuário,
um falcão - não dl.'~grudci os u lbo~ ddc um segundo, porque com o uso da droga. Isto é, não basta que os efeitos estejam presen-
58 Outs1ders Tornando-se um usuário de maconha 59

tes; por si sós, eles não fornecem a:Itomat icamente- a experiê ncia de Um dos sintomas de estar no barato é sentir uma fome intensa.
estar :Y: h:1rat0 t\ n tes de ter essa e:-:periéncia, o usmírio precisa ser No caso seguinte, o noviço se d.í co n ta disso c l'ntra no barato pela
capaz de mostrá-los para si mesmo e associ.í-los conscientemente primeira vez:
ao fato de ter fumado maconha. l.Je o u tr a mancit'a, ouaisqdcr qtH:'
)t:jam os efei tos rea is produzidos, ell' considera C)U '~ <l droga não Eles só morriam de ri r de mim p0rquc eu o:stava comendo tanto.
teve efeito algum sobre ele."Ache i que ela nào tinha nenhum cfci\<1 Eu só mandava para dentro !devorava ] um monte d~.· comida, c
sobre mim ou que os outr0s estavam cxngerando o c:eito sobrl' eles ficavam só rindo de mim, sacou? De vez cm quando eu olhava
eles, entende? Achei que P' ovavdmcntc era psicolôgico, salw." Ess ..~ para eles, pensando por que: l'~ LaJ iam rindo, cntc:ndc, sem saber o
pessoas pensam que a wisa toda é uma ilusão e que o desejo de que eu estava fazendo. [Bom, mas eles não ac.1baram lhl.' contando
entrar num barato leva o usuá rio a se enga nar, ac:rl·ditando qul· por que estavam rindo?] Sim. sim, eu rcpcti.t: "Ei, (ar.t, o que esta
alguma coisa está acontecendo quando de fato não está. Elas nau acontecendo?" Você sabe, eu pl·rguntava: "O que cst;í .Kontccend0?",
continuam usando maconh:t, sentindo que a drog.t " nJo faz nadn" e de repc nlo: ~u me sen ti esquisito, sabe. "C1r.1, vtKé l'~ L ,i no maiur
para elas. barato, sabia? Você cstn rloid,1o." Eu respondi: " N:io C/ilo u mesmo?''
De modo típico, porém, o novi~·o tem f~ (dL·senvolvida a par~ir Como ~t' eu não soubesse o quo: escava aco nln:cndo.
de sua observação de usuários que d e fato têm barato) de que a
droga realmente p roduziní algu ma cxpcriéncia nova, c cont inua O aprendizado pode ocorrer de maneiras mais indiretas:
a cxperiêucia até que ela o faça . Seu malugro em ter um [;arato o
preocupa, e e provável que ele interrogue usu~ rios mais experientes Eu ouvi.1 pequenos comentários feitos por 11111 ra~ l'l'sso,ts. Alguém
ou provoque comentárius sob re issn. Nessas conversas, ele se d;í dizia: "tv·!inhas pernas ~st jo parecendo de bomtcha", c não posso
Lonl;t de ddalhes e:.pl·cíliws th: sua ex pcril:ncia que talvez n,to me lembrar de todo~ os COlllL'ltlúrios l)UC ~I'<! li I kitm po rq ue eslava
tivesse notado, ou que tal v.;;. tivesse, mas não identilicarJ como muito atento, ouvin do todas aquelas dicas sobre como cu devia
~ intom as do barato. me sentir.

N.io fiquei nn barato na (..>'·inh~ll'.l \'L'/ .... .-\dw ljlll' n.in ~cgurl'i .1co :~.~ O noviço, então, nnsioso po r ter essa sensação, a prl' nd e com
tempo suficiente. Prov.lVelmenle !:lllki ,~al>~. ~ gente l'ic.1 com um pou- os out ros usu•írios alguns referentes concn:tos do termo "ba-
co de medo. r\ a segunda vez. eu 1üo tive ccrtez:t, e ele l um companhl.'iro rato" e aplica essas noções à sua própria experiência . Os novos
de fumo l me d isso:, quando lhe perguntei sobre alguns dos sintomas, conceitos tornam possível para de localizar esses sintomas entre
e coisa e tal, como eu podia ficar sabendo, você sabe ... . Então ele me suas próprias sensações e indicar para si mesmo "algo diferente"
disse para sentar num tamborete. Eu sentei - acho que sentei nu111 em sua experiência que associa com o uso da droga. É somente
Iam borde de bar - , c de disse: "Deixe os p~s pendurados", e depois, quando pode fazer isso que entra no barato. No caso a seguir, o
quando desci, meus pés estav<tm muito frios, sabe. contraste entre duas experiências su cessivas de um usuário deixa
E com~ú·i a sent ir .1 m isa, sac.1. Aqueht foi a primeira vc7. Dcpoi~. clara a importância crucial da consc'iência dos sintomas para se
cerca de uma semana rrais tarde, mais ou menos por aí, eu realmente obter um barato e reenfatiza o importante papel da interação
~onsegui. Es:;a foi a primeira ve'l. que tive um grande ataque de riso, com outros usuários na aquisição dos .conceitos que tornam essa
sabe con:o é. E'1tão soube que realmente estava no barato. consciência possível:
60 Out~i de rs Tornando-se um usuá ri o de maconha 61

[Você ficou no barato a p rimeira va que fumo u?J Fiquei, com cen eza. rato. Ele examina atentamente sucessivas experiências, procurando
Se bem que, pen~anc.lo melhor, acho qt;e não. bto i:, daquda primeira novos efeitos, certificando-se de que os antigos continuam presen-
vez foi mais ou menos co mo um porre leve. fiq uei feli::, acho, você tes. A partir disso, desenvolve-se um conjunto eslável de categorias
sabe o que eu quero dizer. t-.·1a:. eu n:alnwntc não sab1,1que e~tnva num para a experimentação dos efei to~ do:: droga cuja presen(;a permite
barato, entende. Foi só dep0is da segunda vez que entre. num barato ao usuário ter um barato com facilidade.
que me dei conta de qw: f,quei no b,1rato na primeira •.:z. En tão cu Amedida que adquirem esse cc njunto de ca tegorias, os usuá-
~oube que alguma cni1>a diferente ~·stav<l <ll'o ntc~endo. rios se tornam connaisserm. Como especialista~ em vinhos finos,
!Como soube?] Como sou h ·? s,· •>que ,,,·ontt·n·u ..:unl ;go aquel.·. são capa;res de especificar onde uma pla nta parricular f{) i cu ltivada
noite acontec.::ssc com vt>lt\ voe.: i.1 , ,tbe r, .h:rt'dite. To.-a mos a pri- e em que época do an o foi colhida. Embora gl'ralnwntt: não seja
meira m úsica por ~lll·l~ ..: d ua:, hnr.1, --u ma nHh i,·a! lm,tginc, ..:.1ra ! possível saber se essas atri0uiçõe:- são co rretas,~ Vf?n lade que eles
Subimos no cstr<Jdo c tocamos ess.t única música, cn mt-ç,\m o~ <h distinguem entre lotes de maconl1a, não somen te st·g undo a po-
9h. l)uJndo ol ê\l bJI\H >~. ui hei lllt'll rd c•git>. <:r.tlll !Oh.J :'i . (J uasc dua~ t ~ ncia, ma11 t;unb~m corn rdaço'to ao~ d iferenk'1> tipm tk sintoma
horas numa música só. E 11.'io p.lrt'(L'll n;1d.1 dt· 111 .1i ~. produzidos.
QutrC' dizn , \ 'O(t' \.ll>l', da r.ll i~'O Ulll! a gent e. F como se vod· A capacidade de pcrcL"ber os efeitos da drogu dt:vc Sl'l' mantida
tÍ\'C~:;r muito mais tl'm po, um.! dlÍs.l .l~o; i m . Dl· qualquer lll<l neira . para que o uso continue; se for perdida, o uso d e maconha cesso.
tjll<IJ1do ·:u vi isso, cara, f(• i dt•J11;1J ~. l·.u s;tbi.l q tll.' de\ ia f('<llmentc Dois tipos de evidência sustentam essa afirm<lç.w. Primeiro, pes-
e~ ta r
no bara to se um a coisa dc~~a~ podi.1 <Konrcü~ r. f ntiio eles me soas que se tornam us u;í rio~ inwterados de :íkool, b-trbitúricos
cxplicar.1m que era bso -JU<.' el.1 f,t t i.J ..:om .1 ~cnt~, vo.:.:· tinha um <! ou drogas opiáceas não continuam a fumar maconha, em grande
pen;q Jçiio diferente J o tt ntpo e L!e tudu. Entao mr (il·i co nta ck l]llL' parte po rque perdem a capacidade de distingu ir cnrn: :;cus efeitos
era assim que a •:oisa fun<.ionava. l: nt;io eu saquei. 1\!.1 primeira wz. e os das outras drogas.YElas não sabem mais se a maconha lhes
provavelment<.:' cu me ~c n t; daquek kiw. mas n;io s,1bí.1 o que cst,l\',1 dá barato. Segundo, naq ueles poucos casos em qut• um indivíduo
<l(OJl\I.!Cl' IJdll. usa maconha em quanridades tais que est;1 sunpre nn barato, ele
tende a sentir que a droga não fa z efeito sobre ck , visto que falta o
1: somente quando se rorn<t c<J p,l l. de tc.>r um b<.1rato nesse elemento essencial de uma diferença perceptível entre :.entir-se no
sentido qu e o principiante contin ua a usar mdconha por pr~z.: r. barato e sentir-se normal. Ness.1situação, o uso tende a ser aban-
F. m todos os ca ~os nos quai s o uso prosst"gu iu, o usuário ha\'i<l donado por completo, mas de forma tempodria, de modo que o
adquirido o~ con ceitos necessários com que exprc!'SJr para si usuário possa novamente ser capaz de perceber a ditácnça.
mesmo o fato de que experimentava novas sensações causada.;
pd.t droga. Isto é, para que o uso continue, é nelessário não
apenas usa r a droga de modo que produza efe itos, mas também Aprender a gostar dos efeitos
aprender a perceber ess~s efe itos quando eles oco rrem. Dessa
man eira, a maconha adquire sentido para o usuá rio como um Mais um passo é necessário para que o usuário que já aprendeu a
objelo de que se pode la nçar m;\o po r prazer. ter um barato continue a usar maconha. Ele deve aprender a gostar
Com a ne,.cente expl'riência, o usu.í rio desenvo lve uma maior dos efeitos que acaba de aprender a experimentar. As sensações
pL"rcepção dos efeitos da droga; cont inu.t aprendend o a ter um ba- produzidas pela maconha não são automática ou necessariamente
62 Outsi r:ie., I
I.
Tornando-se um usuário de maconha 63

fu mava?] A.h, ficava, eu linha s~.,nsações mui to da ras. Mas não gos·
agradáveis. O gosto por tal expcriénci,, é $oc ialmentc ad·-1u1rido, de
tava delas. Quer dizer, eu tinha uma porção de reações, mas eram
gênero não uifcrentt: d o gosto adquirido por ostras (l ll ,lry martín i.
sobretudo reaç0es d~ medo. I Vt•cê ficava anwdront.td{>?] ficava. Eu
O usuário sente· se to nto, sedento; seu .:ouro c.1beludt' formiga; el:
não gostav:l daquilo. Não tinha a impressão de relaxar com aquilo.
avalia mal o tempo e as distúncias. F.ssas coisas sJ.o a~ rad~veis? He
vocc sabe. Se você não consegue relaxar CO IH uma cmsa, você não
n:to tem certeza. Para que continue,, usar nwc<• nha, deve '- oncl uir
consegue gostar dela, acho q ue não.
que são. De outra manL·ira, ter um barato, ainda que :.ejn um,\
experiencia bastante rc.1 1 , scd um ~1 c~ pe r il:n cia d ~-;agm (\,ívd q1:c
Em outros casos, as primeiras experiênci,ts ló ram também
ek preferiria evitJ r. claramente desagradáveis, mas a pessoa torntlll· St: usu~í ria de m a·
Os efeitos da drog<', <.1ua ndo !Krccbidos pd a primeira Vl' l.,
conha. Isso só aconteceu , no entanto, depois que uma experiênc i <~
pod em se r fisicamente d t:sag radilú: i ~ o u pelo men os <Hnb íguos:
posterior lhe permitiu redefir.i r as sensações cv m o agradáveis.
Comuci a sentir o d i.' i w e nJo , ,1bi.1 o que cst;~v~l ,1cuntecend\l.
[A primeira experiencia deste homem foi extremamen te desagra-
saCf\U? O que era aqu ilo? E tiq uci lllt!Jltl en it~<ldo . Andc: i pel.1 ~ala,
dável, envolvendo distorção de relações espaciais ~ snnoras, sede
fiquei andando pd.1 Sít la t ent am~• > nw livr.~r; de inio: in aquill• JllC
deixou ape.\,\S .~~~ nst aci o, :-,lhe. l u n.hl t'~.ta\·•t a..:u:-!UI1lildt• ..:um
,tquelc tipo de ~é' n ~açii o .
I violent.t c pánico produzido por essessintom.1s.! Depois da primeira
vez, cu diria que não fumei durant~ cerca dL· dez meses a um ano.
. .. Nilo era uma coi~a moral; l·ra porqut• ..:u tinha lictdo assustado
com um barato tão grande. E n<lo queria pas~ar por aquilo de novo,
Além di sso. a in tc rpn~tação ingê nua que o nov iço dá pa r.1
isto é, mi nha reação ~r.t: "Bom . se é isso qu~ eks cha m<llll de barato,
o que está aconteCt:ndo pud~ cc>nfun di-lo L' ;unedrontü-lo •. inda
não curto isso." ... PJ r isso nãu fumei duran te q uase um ano, po r
ma is, em particular se ele cJndu i. w mo muitos fazem , que está
causa disso ....
l1cando louco: Meus am igos começaram, c conseqü cn tcmen t~ cu comecei de
novo. Mas não tive mais, não tive aquela mesma reação inicial depois
Achei que estava louco, ~ab~:. Tud<' qut: a~ r~s~oa s me f<niam só me
qu..: comecei a fumar de novo.
al\'oroçava. ~ão com q;u ia manter uma conversa, minha cabe<, a di-
(Em interação com seus amigos, ele se to rnou capaz de en·
vagava, e cu fi cava pensando sem parar, ah, não sei, coisas estran1MS,
contrar prazer nos efeitos da droga e finalme nte tornou-se usuário
.:omo ouvir música diferente . ... Fico com a sensação de que n;io
regular.!
posso filiar com n i ngu~m. Vou vir.1r um completo mané.

Em nenhum caso o uso continua sem uma redefi nição dos


Lhdas essas primeiras c.xpcril-nci<ls tipicamente ''ssustadora:. c
efeitos como agradáveis. 1
d esagradáveis, o inicianle não dará continuidade ao uso, a menos
Essa redefinição ocorre tipicamente em interação com usuá-
que aprenda a redefi nir a s sensações como agradáveis:
nos mais experientes que, de diversasJnaneiras, ensinam o noviço
a encontrar prazer nessa experiência á princípio tão assustadora. 10
Ofereceram o bagulho para m im e cu experimentei. Vou lhe J ize1
PoJt:m tranqüilizá-lo quanto ao caráter temporário das sensações
uma coisa. Jamais gostei disso, de jeito nenhum. Isto é, não era uma
desagradáveis e minimizar sua gravidade, chamando atenção ao
cni>a de que eu pudesse gostar. I l.h>m, vm:ê ficava no barato quanJo
64 Outsiders Torrando-se um usuário de maconha 65

mesmo tempo para os aspectos m ais prazerosos. Um usuário estava lá comentou: "Ela está chatt:ada por estar num barato desses.
experiente descreve como lida com recém-chegados ~10 uso de Eu daria tudo para entrar num ba ratu igual. F<ti' anos que não tenho
macon ha: um desses."

Bom, 3s vezes eles entr.mt n um grande b.trato. A pessoa comum não Em suma, o que antes foi aml!drontador e dcsagrad<1vel torna-
cst;í prept~ rada para is'<', t' (! um pou,·o ttm~dmnt<Jdor par.• de~. i1~ se, depois que um gosto pela maconha é desenvolvido, prazeroso,
H"Lt'S. Isto é, eles já l:lGlr tlll de pon\·, t'tll r .u n num bar.11t1 m.tis liJrll' desejado c procu rado. O prazer e introduzido pda ddiniç;Jo favo-
qtu.• qualquer LOÍ!>a qut· l!lllMHilir.nn "'''''\ t' ll.Hl ~-""'"' "qur L'\l,l d vd da experiência que uma pess,l,l adquire dl' o u! r.1s. SL'Ill isso, o
acontecendo com eJ.:~. P~1 rqut' p L'Jh.tlll qut' 11 b.uatu \' :t i (lllttinu.tr uso não prosseguirá, porque a mac•mhn não SL' r,í, para o usuário,
aumentando, aumentando, tté que ck•, pt·rc.tm .t ube,:a ou ..:omct:t'lll ,t 11m objeto de que ele pode lançar mão por pr<t~er.
.1gir de m.mcira csquisit,l, .:,s,1s coi~·''· \ 'o-:0 tt'lll 111l'itl qu e Iranqliilizar Além de ser um passo neccs;;;:rio para que alguém se torne um
l'lcs, cxplkar que Jl<i<H.:~t.it 1 real n ,,• nte t ic.mdu maluco., n,·m n:ttia, que
vão hc.tr bem. Você tem de ..:onn·n.::.:r êl n kt ter medo. h car falando
I usuário, isso representa uma importante condiçào para a utilização
constante. É muito'~omum que os experientes tenham subitamente
wm eles, lranqüilizando, di:r,cmk que e, t,1 tudo bem. E contar su.1
própria históri.l, "·océ s~be: "A nu~sma cuisa ,Konteceu .:omigo. Voct':
vai passar a gostar disso depois de um tempo.'' Continuar t;tlando dcsst'
jeito; logo a t;ente consegt:e fazer t:k'> Jeixarem de ficar apavorados.
Além disso, eles vêem a geme faí'<'ndo isso, e nada de horrível está
' uma vivência desagradável ou assustadora, que não podem definir
como prazerosa, seja porque consumiram uma quantidade maior
de maconha do que a habitual, seja porque a maconha que usaram
-se revela de qualidade mais potente do que esperavam. O usuário
tem sensações que vão além de qualquer-concepção que tem do
acontecendo ..:om a gente, c is~o Ih ~, d;\ mai~ t"Ontlanç.l. que é ficar no b arato e vê-se numa situação mui to semelhante
ú do noviço, inquieto ': assust<1do. Pode pôr" culpa numa dose
O usu.-írio ma is experiente podl' também ensinar o novi\O a excessiva, ou simplesmente ser mais cuidadoso no ruturo. Mas
rcgul<l r a quantidade w m maior cuidado, de mudo a evitar qual- talvez faça disso uma ocasião para repensar sua atitude em relação
quer sinto ma severar.1c:nte desconfortável. conservando ao me:.ano à droga '! decidir qut: ela não pode mais lhe dar prazer. Quando
tempo os agradáveis. Fi nalmente, ensin a ao novo usuário que d e isso ocvrre, e não é seguido por uma redefinição da droga como
pode "passar a gostar d isso depois de um tempo'~ E 1sina-lhe " capaz de f1roduzir prazer, o uso cessará.
considerar agradáveis essa~ experiências ambíguas antes definidas A probabilidade de que tal redefinição ocorra depende do
como desagradáveis. O usuário mais antigo no incidente a seguir é grau da interação do indivíduo com outros usuários. Quando essa
uma pessoa cujos gostos mudaram dessa maneira, e seus comen- iut..:ração é intensa, o indivíduo é rapidamente demovido de seu
tários têm o efeito de ajudar os outros a fazer uma redefinição :.entimento contra o uso de maconha. No caso a seguir, por outro
semelhante: lado, a experiência foi muito perturbadora, e as conseqüências do
incidente reduziram a interação da pessoa com outros usuários
Uma nova usuá ria !l·ve sua prinwira experiência dos efeitos da a ql:ase zero. O uso foi interrompido por três anos e só recome-
maconha e ficou amed rontada c hist.erica. Ela ''teve a impressão de çou quando uma combinação de circunstâncias, principalmente
qut• l'~tava 1llci,1 d~ntrtl I! lllL'ÍO for.1da s.1la" c experimentou vários a retomada de relações com outros usuários, tornou possível urna
sintomas físicos al;umante!>. Um dos usuários mais experientes que redefinição da natureza da droga: ·
Tornando-se um usuário de maconha 67
66 Outsiders

se to rne c continue a ser um obj : to qu e cl.1 considere capaz de


Foi demais, eu tinha d;,do só um<~s quatro trag.tdas c não crms~:gt: i,t
produzir prazer.
nem tirar aquilo Ja hoca, tão grande era o meu barato, e tiqw•i
Em resumo, um indivíduo só scni capa! de fumar maconha
realmente maluco. No porão, saca, cu n~o consegui mais ficar lá. Meu
por prazer quando atravessa um processo de aprendizagem para
coração batia muito fmte, eu estuva ficando fora de mim; pensei que
concebê-la corno um objeto qu e pode se r usado dtssa maneira .
estava perdendo a cab~ça por completo. Então fu. C'llbora depres,;a
Ninguém se torna usuário sem l l) aprender a fumar a droga de
daquele porão, e um outro sujeito, um cara fora de si, me disse: "t\ãn,
uma maneira que produza efeitos 1eais; (2) aprender r~ reconhc·
não me deixe, cara. Fique uqui." E não consegui. cer os efeitos~~ associá-los ao uso da droga i aprender, em outras
Saí caminhando, cst,l\'.1 cinco .1baixo d<:' zero, cu pensei lJII L'
palavras, a ter um barato); e (3 ) aprender a ~ostar d;!s sensações
ia nwrre1 c abri ll :.obretudo; .::.tav.t :-uando, estava tra nspinm,h1.
que percebe. No curso de~se processo, o sujeito desenvo lve uma
MinLas entranhas estavam todas, ... e ,,,minhei uns doi· qu nrtc i-
rões c Je~:11aiei ntrás Je ulll .nbusto. N;io ;ci quanto tempo i'iquc1
deitado ali. Acordei c est<~va me sentindo pior, não posso descrever
t disposição ou mo tiva ~·,io para usar maconha qul' n;io estava e não
poderia estar pr'!sente quando wmeçou, pois envolve co ncepçôes
da droga que só seri(l possível formar a partir do tipo de L'xperiência
aquilo de jeito nenhum , ,·ntill fui para uma pist;J de bolidw, car.1,
e tentei agir normalmen te, fu i tentar jogar simiC.t, saca, tentei agir
normalmente, e não comeguia llcar deitado, não .:onscgui<l ticar
l real antes detalhado, e depende delas. Ao concluir esse processo,
ele está desejoso e é capaz de usa r maconha por prazer.
Ele aprendeu, em suma, a res ponder "Sim" à pergunta: " É
de pé, não conseguia ftcar sentado. Subi c me deitei onde alguns agradável?" A direção que seu uso da droga assume a partir disso
caras que marcam os pinos se deitam , e aquilo niio me ajudot., e depende de sua capaciJade de responder "Sim" a essa pergunta, e,
fui para o consultôrio de um m~dico. la entrar lá e d izer ao médico ademais, de sua capacidade de responder "Sim" a o utras perguntas
que me tirasse do meu tormento .... porque meu cor;tção batia tão que surgem à medida que toma ..:onsciência das implicações do fa to
forte, você sabe.... Então, dcpoi!>. todo fim de semana eu comL'Ç<lVJ de que a sociedade reprova a pdtica: "É conveniente?'"' É moral?"
<1 fictr maluco, vendo coisas .1li c ~ofrcndo o diaho, !'<lhe, todo t:po Depois oue a pessoa adquiriu a ca pacidade de obter prazer pelo uso
de coisas anormais.... Eu realmente .1handonei por um longo tem!' O da droga, esse uso continuará possível para ela. Considerações de
naquela época. moralidade e conveniência, ocasionadas por reações da sociedade,
[Ele foi a um médico que definiu se us sintom<lS como os de um podem interferir no uso e inib i-lo, mas este continua a ser uma
colapso causado por "nc.rvosismo" e '\ tnsicdade': Embora não esti- possibilidade em termos da concepção que a sociedade tem da
\·esse mais usando maconha, teve algumas recorrências dos sintomas droga. O ato só se torna impossível quando se perde a capacidade
que o lcvara111 a suspcit<~r que "eram só os seus nervos".} Então parei ce desfrutar a experiência de estar no barato, por uma mudança na
de me preocupar, sabe; foi mais ou menos uns 36 meses mais tarde 'oncepção do usuário sobre a droga, ocasionada por certos tipos
que cnmcL.ei d~ novo. Eu só dava uns tapinhas, sabd [Ele retomou de experiência que viveu com ela. ·
o ritmo de uso inicial na companhia do mesmo usuário-amigo com
quem estivera envolvido no incidente original.]

Uma pess0a, port anto, não pode começar a usar .naconha


por prazer, ou continuar seu uso por prazer, a menos que aprenda
a definir seus efeitos como agradáveis, a n1enos que a maconha
4
Uso de maconha e controle social

Aprender a gostar de maconha é uma condição necessária mas


não suficiente para que uma pessoa desenvolva um padrão estável
de uso da droga. Ela precisa lut;lr aíuda com as poderosas forças de
controle social que fazem o ato parecer in~:tl llVl'lliente, imoral ou
ambos.
Qu<t ndo um co m po rtam~nto dcsviantc ocorre nu ma socie-
dade - comportamento que zomba de suas normas e de seus
\'ato res búsicos - ,um elemento de sua emergê n c ia~ um colapso
dos contro les sociais que usualmente operam para manter a for-
ma valorizada de compo rtamento. Em soc iedades complexas, o
processo pode ser muito complicado, uma vez qu e os colapsos
do .:ontrole social são muitas vezes conseqüência do ingresso de
pessoas num grupo cuja cultura e controles sociais próprios ope-
ram em sentido contrário aos da sociedade mais ampla. Fatores
importantes na gênese do comportamento desviante, portanto,
podem ser procurados nesse processo pelo qual pessoas são
emancipadas dos controles da sociedade e tornam-se sensíveis
àqueles de um grupo restrito.
Os controles sociais afetam o compo rtamento individual,
em primeiro lugar, pelo uso do poder, a aplicação de sanções. O
comportamento valorizado é recompensado, e o comp\)rtamento
negativamente valorizado é punido. Como ~eria dificil manter o
controle caso a imposição se tornasse,sempre necessária, surgem
mecanismos mais sutis que desempenham a mesma função .
Entre eles está o controle d o comportamento, obtido influen-
ciando-se as concepções que as pessoas têm da atividade a ser
controlada e da possibilidade ou exeqüibilidade de se envolver
69
7O Ou tsiders Uso de maconha e controle social 71

nela. Essas concepçõl's surgetn em si t uações soc iais em qu t' el;~s relação com os controles sociais da sociedade mais ampla e com
são comun icad.ts por pessoas con~ider;\das respeitá veis e valida - aqueles da subcultura em que se verifl c,1 o uso de maco nll<l. O
das pela expe riência. Tais situaçôl's podem ser o rdenadas J ..· tal primeiro estágio é representado pelo i11icinnte, u pessoa que íuma
maneira que os indivíd11os pa:.~a m a concr•bcr a ativid ade Cl . mO maco nha pela primeira va; o segundo, pelo ll:illlírio ocasional, cu jo
dcsagradúvd, incllllVl'll ~l.' llll' ou inwr.1L n,io dL·wndo pot t:t · tt~1 consumo 1; espon~dico c dcp~:nde de fato re~ fortuit os; c o terceiro,
ser prntic:..1da. pelo usuário regular, para qut~m fumar se lorn•t um<l rotina siste-
E<;sa perspecti\'a n0s cntwida .1 analisar a gém:sl' do compo;- mática, em geral diária.
lamctlt<l dcsviantc em termos ck l.'Vcntm que lornnm u~ snn ~·úc:. Considerem os primeiro o processn pdo qual vá rios tipos
ineficazes, e de experiências que alll.'ram as concepções, de mol·O de controle social tornam-se p rogressivamente menos eficazes à
que o wrnpo rtarnento .;e torna uma possibilidade concebivel para medida que o usuário passa de um estágio a outro, ou, alternati-
a pessoa. Neste capítu ltl a naliso L'~St' processo no caso do usn de vamente, o modo como os controles impedem esse movimen to,
maconha. Minha questão bác;ic~, ~:qua l é a seqüência de ~ventos e pcrmanecen.do efica7.es. O s principais tipos de controle a serem
experiências pela qual uma pessoa se torna capaz de levar adiante considerado's são: (a) controle pela limitação do fornecimento
o uso d e maconha , aplsar dos dabor01dos control~s s0ciais que da droga e d o acesso a ela; (b) controle pela necessidade de evitar
funcionam para evita r tal compurt<1tne nro? que não-usuários descubram que a pessoa é us uária; (c) contro le
Muitas forças poderosas operam p<lrJ controlar o uso de pela definição do ato como imoral. A anulação da eficácia desses
maconha nos Estados Unidos. O ato é ilegal e passível de ru11ições coutroles, nos r.íveis e nas combinações a serem descritos, pode
severas. Sua ilegalidade torna o acesso à droga difícil, erguendo ser considerada uma condição essencial para o uso constan te e
obstáculos imediatos diante de qua lquer um que tieseje u s<~ - la. O aumentado de m aconha.
uso efetivo pode ser perigoso, pois prisão e encarceramento são
sempre conseqüências possíveis. Além disso, caso <• família, os aPli-
gos ou o patrão de um usuário dc:;cubram que ele utiliza maconha, Fornecimento
eles podem lhe atribuir as características acessórias que de habito
estão supostamente associadas ao uso de drogas. Acreditando qne O uso da maconha é limitado, em primeiro lugar, por leis que tor-
o fumante é irresponsável e incapaz de controlar o próprio com- nam a posse ou a venda da droga passíveis de severas punições. lsso
portament0, que talvez até esteja louco, podem puni-lo com vários restringe sua distribuição a fontes ilic;itas não facilmente acessíveis à
tipos de sanções informais, mas extremamente eficazes, como o ?essoa comum. Para começar a fumar maconha, uma pessoa deve
ostracismo ou a retirada de afeto. Finalmente, desenvolveu-se um participar de algum grupo por intermédio do qual essas fontes de
con;unto de idéias tradicionais definindo a pr:ltica como urna fornecimento se tornem acessíveis para ela, em geral um grupo or-
violação de imperativos mo rais, como um ato que leva à perda ganizado em torno de valores e atividades opostos aos da sociedade
do autoo:ontrole, à paralisia da vo ntade e, por fim, à escravidão à convencional mais ampla.
droga. E55as idéias, q ue são triviais, constituem forças eficazes ua Nesses círculos não-convencionais, em que a maconha já é
prevenção do uso de maconha. usada, aparentemente trata-se apenas de uma questão de tempo
A carreira do usuá rio C:e maconha pode ser dividida em três · até que surja a situação na qual ~ dada ao recém-chegado uma
estágios, cada :JUal representando uma mudança distinta en1 sua chance de fumá-la:
7 2 Outsiders Uso de 111aconha e controle social 7 3
1

É como eu digo, a única hora em que realmente entro ne3sa ~

l
Eu estava com aqueles caras que conh~cia da escola, e um tinha um
pouco, e eles foram puxar fumo e acharam que eu puxava tambl!m, quando estou trabalhando com jazzistas que fuma m, então tam-
nã.o me perguntaram, cu não qu is ficar chupando o dedo, então não bém fumo. Ê como cu digo, fazia talvez uns seis meses que não
Jisse nada c fui ak os fundos ,h·ss~ luga r com dt•s. Eles t'stavam puxava fumo. Nào puxei fumo esse tempo todo. Depois, desde
enrolando uns baseados.

Em outros grupos a maco nha não t'stü imediatamente pre-


sen te, mas a participação no grupo pro picia relações com outro~
I
i
que comecei a tocar aqui, faz três semanas, tenho fumado toda
sexta-feira e todo sábado. É assim que a coisa fu nciona comigo.
IObservado durante um período de semanas, este home m
mostrou-se completamente depe ndente dL· out ro~ mem bros da
em que ela está disponível: orquestra em que trabalhava ou de músicos que aparecia m no bar
para obter qualquer IHac.:onkL I
Mas o problema t:ra que a gente n:in ~.lb Í <I onde descolar algum.
Nenhum de nus sabia onde coml'~uir ou comu d..:~cob rir ond<: Se um usuário ocasional co meça a se mover em direção a um
cons~guir. Bom, havi;J aquela g.trota hi .... Ela tinha umas amigas modo de consurho mais regular e sistemático, isso só será possível
negras e tinha puxado fumo antes wm elas. 1alwz uma ou dtus se ele encontrar uma fonte de fornecimento mais est;ível que os
>etcs. Ma:; sabia um pouco mais sobre i:.so que qualquer um de nós. encontros fo rtuitos com outros usuários, e isso significa estabe-
Ela conseguiu descola r um pouco, por meio dessas amigas negra>, lecer conexões com pessoas que se dedicam a traficar narcóticos.
e uma noite trouxe alguns baseados. Embora compras em grandes quantidades sejam necessárias para o
uso regular, elas geralmente não são feitas com essa intenção; mas,
Nos dois casos, tal participação fornece as co ndições em que uma vez feitas, tornam de fato esse uso possível, coisa que não era
a maconha se torna disponível para um primeiro uso. Ela propicia antes. Essas compras tendem a ser feitas quando o usuário se torna
também as condições para o estágio seguinte de uso ocasional, em mais sensível aos controles do grupo que usa drogas:
que o indivíduo fuma maconha de maneira esporádica e irregular.
Quando uma pessoa chego u, por experiências anteriores, a um Eu estava andando com todo aquele bando de gente que puxava
ponto em que é capaz de fumar maconha por prazer, o uso, de fumo naquela época. E eles estavam sempre me abastecendo, você
início, tende a su uma função da disponibilidade. A pessoa usa a sabe, até que aquilo ficou embaraçoso. Eu estava realmente constran-
d roga q ua. ndo está com o utras que têm um fornecimento; quando gido por nunca ter nenhum, por não poder rclri.buir ... Então andei
esse não é o caso, o uso cessa. Ela tende, portanto, a flutuar em perguntando onde podia conseguir, e comprei pela primeira vez.
termos das cond tções de disponibilidade ~:riadas por sua interação
com outros w:uários. Um músico nesse estágio disse: Além disso, comprar de um traficante é mais econômico, visto
que não há intermediários, e o comprador de quantidades maiores
Eu puxo fumo s•Jbretudo quando trabalho tocando. E não tenho obtém, como no mundo usual dos negócios, um preço menor.
tocado quase nada ultimamcnt.: . ... Veja, estou casado há 12 anos No entanto, para fazer essas compras, o usuário precisa ter um
agora, e realr.1ente não toquei muito desde então. Tive de arranjar um "contato" - conhecer alguém que se dedica ao tráfico de drogas.
serviço diurno, você sabe, e nüo rud~ tocar muito. Não tive muitos Os traficantes operam ilicitamcn te, e para fazer negócios com eles a
trampos, então realmente não ruxcí muito fumo. pessoa precisa saber onde os en .::ontrar e se identificar para eles de
74 Outsiders
t Uso de maconha ~ controle social 7 5

tal mouo que não h~si t~m ~Jll f.tzcr vcn d.l. bso é b.tstank· ditú:il Para aqueles que c~: tabekccm conexõcS,l>llso reg ular é mui ta:.
no caso de pessoas guc cst5o apenas casualmente envolvidas c:om vezes interro mpido pela prisão ou dcsaparclirm:nto do homem de
grupos que usam drogas.l->·1as, à med idn q ue a pessoa se to.:na mais quem compram sua provisão. Nessas circunst5ncias, o uso regular
identifiCada com esses gru pos, e é vista com'> mab digna de con - só pode prosseguir se o usuário for capaz de (' tKon lrar uma nova
fiança, o conhecinv:n to r.cc:essário e as apresentações a traficantes
tornam- se disp o nlveis para da. Ao ser definido co mo integra ntl' t fonte de fornecimento. Este rapaz teve de abandona r o uso por
algum tempo quando:
de um gr upo, um indivídu u é também classificado como alguém
que pode ser seguramente considerado capaz de comprar dr élgu:-. Bom, o Tom foi para a cadeia, eles o prenderam. Depo is o Cramer.
sem pô r os outros em perigo. Como foi mesmo que aconteceu? ... Ah, ~i rn, eu meio que devia
Mesmo quand0 a o po~tu nidadt: se torna acessível para ek:-, algum dinbeiro para ele, ~: não o vi durante um bom tempo;
muitos não se aproveitam.. O peri3o de prisão inerente a tal ato os quando tentei vê-lo ele tinh<1 se m udado, e não consegui desco-
impede de tentar: Jrir para opde o 5ujcito ti nha ido. Então i s~o, fo i esse contato ....
!Então vo~ê realmente não sabia onde conseguir?] Não. {Então
Se ela fusst' livremente distribuíd;t, .te ho que cu provavdn1t:nte a tt ria parou?] Parei.
à miio o tempo todo. Mas ... IVo(~ quer dizer. se não tosse contra .t
lei?] É. [Bem, então isso significa que você não quer ~e envolver... J A instabilidade das fontes de fo rnecimento é um importante
Bem, eu não quero ficar envolvido demais, você sabe. Não quero controle sobre o uso regular e reflete de maneira indireta o empre-
chegar perto demais drcs pessoas que traficam, que estão muito me- go de sanções legais pela comunidade na prisão dos que traficam
tidas nisso. Nunca tive nenhuma dificuldade ern conseguir algu m ·drogas. A imposição da lei controla o consumo, não dissuadindo
bagulhlJ. Eu só, .. . alguém sempre tem um pouco e J gente pode os usuários diretamente, mas tornando precárias as fontes da droga
consegui!· quando quer. Por que, exatamente por que eu nunca entrei e dificultando o acesso a elas.
nesses contatos mais ou menos di retos, o~ traficantes, acho que você Cada estágio de uso, da iniciação à rotina, tem po rtanto seu
explicaria isso com base no fato de que nunca senti necessidade de modo típico de fornecimento, o qual deve estar presente para que
garimpar, de correr atrás. (.;SSe nivel ocorra. Assim, os mecanismos que operam para limitar a
disponibilidade da droga restringem também seu uso. No entanto,
Esses temores entram em açüo somente enquanto a tentiltiv<.t u participação em grupos em que a macon ha é consumida cria as
não é feita, porque, depois que ela foi reali zada com sccess0, o condições nas quais os controles que limitam o acesso a ela deixam
indivíduo é cap::tz de usar a experiência para reavaliar o perigo de operar. Essa participação também envolve maior sensibilidade
envolvido; a noção Je perigo não impede mais a compra. Em vez com relação aos controles do grupo usuário, de modo que h á
disso, o ato é abordado com uma cautela realista que reconhece forças pressionando em direçiio à utilização das novas fontes de
a possibilidade de prisão sem exagerá -la. O comprador se sent.: fornecimento. Conseqüentemente, pode-se dizer que m udanças na
seguro, contanto que observe prc-.:auções elementares, de senso participação no grupo e no pertencimento a ele levam a mudanças
comum. Embo ra muitos dos eutrevistados tivessem comprado, no nível de uso, ao afetar o acesso do indivíduo à maconha nas
ap~nas pou':oS relataram quak;uer dificuldade de tipo legal, que condições presentes, em que a drog~ só estü disponível por inter-
eles atribuíram à falta das devidas precauções. médio de distribuidores ilegais.
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j
76 Outsiders ! Uso de maconha e controle social 7 7

t
Sigilo t pré-requisito necessário para o consumo octsional, <:m que a droga
t é fumada quando outros usu:trios convidam alguém a se juntar a
O uso da maconha é limir,tdo tambC·m it medid n que indivíduo-;
a consideram inconve niente ou acreditam que irão julgá-la como i eles. Embora permita esse est;ígio de uso, tal pe rspectiva não dá
margem para o consumo regular, porque os mundos de usuário c
tal. Essa inconveniência, real ou prl'Sumida, provém do fato ou da não-usuário, embora separados num grau que permite a persistên-
crença de que, se n::io-usuârio:, de:;cob riremque alguém usa a til oga. cia do padrão de uso ocasional, não são completamcnlc segregados.
sanções de um tipo impu rt<l'lle serão aplicac!Js. A concepção que os Os pontos de contato entre esses dois universos parecem perigosos
us uários têm dessas sa nções c vaga, ._, <,rque poucos deles parecem ter para o usuário <Jcasional, que deve, portanto, restringir o consumo
passado por alguma experiência d.:sse tipo ou ter conhecido alguém àquelas ocasiões que tornam improvável esse encontro.
que as viveu; em sua m aioria, os usuários de maconha são desviantes O uso regular, por outro lado, implica um consumo sistemáti-
secretos. Embora eles não saibam o que esperar especificamente ;~m co e rotineiro da droga que não leva em conta essas possibilidades
matéri<~ de punição, as linhas gerais são claras: temem o repúdio e planeja os p eríodos para seu consumo. É um modo que se baseia
por parte de pessoas de cujo respeito e aceitaç.'io necessitam, tanto em outro tipo de atitude em relação ao risco de ser descoberto por
prática quanto emocionalmente. bto é, supõem que :.uas relações não-usuários, que se baseia na convicção de que a maconha pode
com não-usuários ser-ão perturbadas e rompidas caso estes venham ser fumada debaixo do nariz de não-usuários; o u, alternativamente,
a descobrir, e limitam e controlam seu comportamento à medid,t na adoção de um padrão de participação social que reduz quase
que essas rebções com outsiders são importantes para ele. a zero os contatos com não-usuários. Sem esse ajuste na atitude,
Esst: tipo de controle perde a força n<t interação com outros na interação ou em ambos, o consumidor é obrigado a perma-
usuários e no de:,envolvimento da experiência com a droga, à necer no estágio do uso ocasio nal. Esses ajus tes podem ter lugar
proporção que o usuário percebe que, mesmo que lhe apliquem em termos de duas categorias de riscos envolvidos: primeiro, que
sanções, em casu de d escoberta pelos não- usuários, isso n ão precisa não-usuários descubram algu ém em posse de maconha; segundo,
necessariamente ocorrer. Em cada nível de uso, há um avanço nessa que alguém seja incapaz de esconder os efeitos da droga quando
compreensão que torna pussível o próximo estágio. e.>tá na companhia d e não-usuários.
Para o inkiante, essas consideraçôes sào fundamentai:, e preci- As dificuldades do aspirante a usuário regular, no primeiro
sam ser superadas para que o uso seja empreendido. Seus medos são caso, são ilustradas pelos comentários de um rapaz que fracassou
contestados pela visão de outros- usuários mais experientes- que na tentativa de fazer uso regular enquanto morava com os pais:
aparentemente julgam haver pouco ou nenhum perigo e parecem
St' envolver na atividade impunemente. Se alguém "experimentG. Eu não gostava de ter maco nha pela casa, sab~? [Por quê?] Bom,
uma vez': pode aplacar seus temores com observações desse tipo. A pensava que talvez minha mãe pudesse achá-la, o u algo assim.
interação com outros consumidores proporciona, assim, ao iniciante (Que acha que ela diria?] Ah, bem, você sabe .... Bom, eles nunca
racionalizações para fazer a primeira tentativa. mencionam isso, sabe, nada sobre viciados em drogas ou qualquer
Se persiste em fumar maconha, o noviço perceberá que pode coisa desse tipo, mas seria r~almente um a coisa ruim no meu caso,
consumi -la tantas vezes quantas quiser, desde que seja cuidadoso e eu sei, por causa da grande família de que venho. E minhas irmãs e
se assegure de que nito haverá nào-usu;\rios presentes, nem haver<\ irmãos, eles iriam me arra~a r. (E você não quer que isso aconteça?I
risco de intromissão por parte ddes. Esse tipo de perspectiva é um Não, acho que não.
.,
}'
l Uso de maconha e controle social 79
78 Ou tsiders l

Nesses casos, prever as conseqLi0ncias Ja descoberta do se-


I Se uma pessoa fuma maconha de maneira regu lar e rotineira,
gredo impede a pe.:ísoa de manter a provisão mínima para o uso é quase inevitável - uma vez que, numa sociedade urbana, esses
regular. O o nsumo contint!a irr·~gular, uma vez que depende de papéis não podem ser mantidos completamente separados- que
encontros com outros usuários e não pode ocorrer ;.empre que o um dia se veja drogada na companhia de não-usuários de quem
usucírio deseja. deseja esconder sua prática. Dada a variedade de sintomas que
~.. '

A menos que descubra um ml-todn para superar essa difl-


~ ,.
a droga pode produzir, é natural que o usuário tema que possa
Cllldade, a pessoa só pode avanç-.~r para o uso regular quando revelar, pelo comportamento, que está drogado, que possa ser in-
a relação que impede o consum o é romp ida . As pessoas não capaz de controlar os sintomas e, assim, revelar seu segredo. Esses
co~tumam deixar seus lares e suas titmílias para fumar maconh n fenêmenos, como a dificuldade em se concentrar e levar adiante
n:gul"rmcnte. Mas se o fazem, não impon<~ por que raz.'lo, o t·so uma conversa normal, geram na pessoa o temor de que todos sai-
regular, até então vetado, torna-se uma possibilid,H.le. Usuári')S ba.n exatamente por que ela está se comportando dessa maneira,
regulares confirmados muitas vezes consideram seriamente o efeito de que o comportamento seja interpretado de form a automática
do estabelecimento de novas relações sociais com não-usuários como um sinal de consumo de droga.
sobre seu uso da droga: Os que avançam para o uso regular conseguem evitar esse dile-
ma. Pode acontecer, como foi observado anteriormente, que eles pas-
Eu não me casaria com ,llguém que brigasse comigo se eu fizesse isso sem a participar quase completamente do grupo subcultural em que
[fumasse maconha), sabe. Isto é, não me casaria com uma mulher a prática tem lugar, de modo a estabelecer uma quantidade mínima
que fosse tão desconfiada a ponto d~ pensar que eu faria alguma de contato com não-usuários com cuja opinião se importam. Como
coisa . ... lsln é, você sabe, tipo fazer mal a mim mesmo ou tentar esse isolamento da sociedade convencional raramente é completo, o
fazer mal a dguém. usuário precisa aprender outro método de evitar o di!e!J1a, método
que é o mais importante para aqueles cuja pa;ticipaçéio nunca é tão
Se tais ligações são estabelecidas, o uso tende a retornar ao completamente segregada. Ele consiste em aprender a controlar os
estágio ocasional: efeitos da droga quando está na companhia de n5o-usuários, de
modo que estes possam ser enganados, e o segredo mantido, mesmo
[Este homem havia usado maconha bem intensamente, mas sua mu- que a pessoa continue em interação com eles. Se alguém não conse-
lher era contra.) Claro, foi em grande parte por causa da minha mulher gue aprender isso, existem alguns grupos de situações em que não
que parei. Houw algumas ocas;,-1es em qut tive vontade ... nào fiquei ousa ficar drogado e no qual o uso regular não é possível.
realmente fi~surado, mas ia gostar de fumar um pouco. [Ele não pôde
continuar u.;ando a droga exceto •rregularmente, naquelas ocasiões Sabe, cara, vou lhe cont;u uma coisa que realmente me arrasa, ~
em que estava longe d::t prescnç1 L do ~ontrole da mulht r.l realmente terrfvel. Alguma vez voe~ entrou no barato e depois teve
de encarar sua famUia? Eu rcalr.1ente tenho pavor disso. Como ter tle
Se a pessoa ingressa quase totalmente no gr~po de usuários, falar com meu pai, minha mãe ou irmãos, cara, é realmente demais.
o problema deixa Jc existir sob muitm aspectos, c é possível que o Eu realmente não consigo. Tenho a imprcssiio de que estão me
consumo regular ocorra, exceto quando se faz uma nova conexão manjando [observando] e sabem que estou doidão.!: uma sensação
com o :nundo mais convencional. horrível. Odeio isso.
80 Outsiders Uso de maconha e controle social 81
..
·~·

A ma io ria dos u.smírio ... tem essas ::.ensaçõcs e paso;a <lO consu- noite anterior. 2iquei muito doido. Com maconha ~ bebida tam -
m o regular - q'Jando passa - some n te se o correr uma expe riê ncia bém . Fiqu ei tão alto que ainda estava baratinado quando fui para o
da seguinte ordem, mudando su;1 cc ncc pçiio das possibilidades de trabalho no dia seg.•in te. E eu tinha um saviço mu ito importan te
d ctecçào: a fazer. Devia ser p raticamente perfei to - negócio de precisão. O
chefe andara até m e instruindo· po r vários dias, expli.:ando como
!Então você fazia isso muit o, de iní,lo?] Não, não demais. Com o eu fazê-lo e tudo o mais.
disse, ti nha um pouco d (' medú. ~la:,, tinalmente, foi por volta de [Ele foi para o t rabalho maconhado e, ;Hé ond e podia se lembrar,
19 48 que realm ente com ecei a fumar para valer. [Do que você tin:1a devia ter fei to o serviço, embora não tivesse nenhu ma lembrança
medo?] Bom, cu tinha medo de ficar drogado e não ser capaz J e clara disso, já que continuava inteiramente d rogado.}
me desempenhar, e ntt·nJ e, qu<'r d i?l.' r, tinh a medo de rt'laxar e ver o Por volta de 15h45, final mente caí em mim e pensei: "Meu Deus!
q ue iria acontecer. E\pccialmcn tc no tralx1 lho. Eu n:io podia co nfiar
O que estou fazendo?" En tão tratei de parar e fui para casa. Quase
em mim quando entrava no bara to. Tinha medo de ticar doid.ão
não dormi a noite toda, preocupado, pensando se tinha fer rado
dl.'mais e perder compl ·~ tamente a cnnsciência, ou fazer bobagem. ...
tudo naquele serviço ou não. Apareci n ~ manhã seguinte, o chef<~
Não yueria ficar p crturllado ckm ai::..
verificou tudo, e eu tinha feito o maldito serviço com perfeição. En-
[Como superou isso?] Bom.~ão essas coisas, ca ra. Uma noite eu
tão, depois disso, realmente deixei de me p reocupar. Já fui trabalh ar
puxei um fun10 e de repente me ~cnti realmen te ótimo, relaxado, voce
completamente do idão algumas manhãs. Não tive absolutamente
sabe, fiqud real;nente num a boa. Desde então fui capaz de fumar
problema algum.
tanto quanto queria sem ter nenhum problema com isso. :iempre
consigo controlar.
O problema não é igualmente importante p ara todos os usuá-
rios. Alguns deles estão protegidos por sua participação social;
Na experiê ncia típica, o u suá rio se vê numa posição em que
eles estão completamente integrados ao grupo desviante. Todos
d eve fazer, quando drogado , algo que te m cc:rteza d e não poder
realizar nessa condição. Para sua surpresa, descobre que con..;egue se os s~us companheiros sabem que usam maconha e ninguém se
desempenhar bem e ainda escond er d os outros o fato de estar sob importa, ao passo que seus contatos conven d o nais são raros e sen1
influência da droga. Uma o u mais o corrê ncias desse tipo pe rmitem importância. Além disso, algumas pessoas en con tram soluções
ao u su ário concluir que po de co ntinua r sendo um desviante secre- idiossincráticas que lhes permilem agir quando dro gadas sem que
to, que sua cautela fo i excessiva e baseada numa premissa falsa. Se ninguém perceba.
ele deseja usar a droga regularmer.te, não será mais dissuadido por
esse m edo, pois rode usar tal experi ência para justificar a crença Eles [os rapazes da vizinhança] nunca sabem se estou ou não droga-
de c;ue os não-usuários nunca precisam saber. do. Em geral estou, mas eles não sabem. Sem pre tive fama, durante
todo o ensino médio, de ser meio pateta, sa be, então não importa
(Sugeri que IT'Uitos usuários acl:am difícil realizar seu trabalho com o que eu faça, ninguém presta muita atenção. Posso ficar drogado
eficiência quando drogados. O cntrl!vistado, um mcd nico, respon- impunemente quase em quai<JUer lugar.
deu co m a história de como supero u essa barreira.]
~~~o nãn me in comudu tan~o. Ti w uma expcricncia uma vez Em suma, as pessoas limita rn seu .u so de m aconha e m propor-
que provou isso para mim . Eu ti nh.1 id o a um a ft>sla do barulho na ção ao grau de medo que sen tem, real ou não, d e que não-usuários
82 Outsiders Uso de maconha e controle social 83

importantes para eles descubram qt:~ wnsomcm drogas c reajam ck i uma visão alternativa da pr:\1 ica. De outro modo, ir;í, como o faria
maneira punitiva. Esse tipo de controle perde <1 fo rça quando o usu.í- a maior parte dos membros da sociedade, condenar a si mesma
rio descobre que seus med us são cx..:cs~ivos c irrc<~is. quand0 p:1s:;.1 f como um outsider desviantc.
a conceber a prática como algo que pode ser mantido cn1 segredo J O iniciante partilhou em algum momento a visão convencio-
corn relativa facilidade. Cada est<Í)Ú<> de uso só pode ocorrer depois nal. No curso de S'Ja participação num segmento não-co nvencional
que a pessoa reviu sua concepçiio d os perigos envoh·idos nele. da sociedade, contudo, é suscetível de adquirir uma visão mais
"emancipada" dos padrões morais implícitos na caracterização
habitual do usuário de drogas, pelo menos a ponto de não rejeitar
Moralidade sumariamente atividades porque são condenadas por convenção.
Talvez a observação de outros consumidores o leve a aplicar sua
Noções co nvencionais de moral idade são outro meio pelo qual o rejeição dos padrões convencionais ao raso específico do uso de
uso de maconha é controlado. Os imperativos morais bá~icos que maconha. Essa interação, portanto, tende a fornecer as condições
operam aqui são os que exigem que o indivíduo seja responsável que permitem ao noviço escapar da influência das normas- pelo
por seu próprio bem -estar, e capaz de controlar seu comportamen- menos o bastante para que ele arrisque uma primeira experiência
to racionalmente. O estereótipo do viciado em drogas retrata uma com a droga.
pessoa que vio;a esses imperativos. L' ma recente descrição do usuá- No curso de uma maior experiência com grupos que usam a
rio de maconha ilustra os principais traços desse estereótipo: droga, o noviço adquire uma série de racionalizações e justificativas
com as quais pode responder a objeções quanto ao uso ocasional,
Nos primeiros estágios de intoxic.H,:ào u força de vontade é destruí- caso decida envolver-se nele. Se ele mesmo suscitar as objeções da
da, e inibi·;ões e restrições são liberada:;; as barreiras morais são moralidade convencional, encontrará respostas prontas disponíveis
derrubaJas, o que resulta muitas vezes em devassidão e St:Xualiaade. no folclore dos grupos que fumam maconha.
Onde a instabilid<~de mental é iner~ntc, o comportamento é em ger;tl Uma das racionalizações mais comuns é que as pessoas con-
violento. Um cgoista gozará de delírios de grandeza, o indivíduo vencionais entregam-se a práticas muito mais nocivas, e que um
tímido sofrera de ansiedade, E o agressivo muitas vezes desejará re- vício comparativamente pequeno como fumar maconha não pode
correr a atvs de violência e crim<!. Tendências latentes são liberadas, ser errado quando coisas como o uso de álcool são tão aceitas:
e embora o sujeito po:;sa saber l) que está acontecendo, tornou-~e
impotente para evitá-las. O usn const<~nte produz incapacidade para {Então você não curte álcool?] Não, não curto nem um pouco. [Por
o trabalho e desorit•ntação du vontade.' que não? I Não sei. Realment'! não curto. Bom, veja, o negócio é o
seguinte. Antes que eu chegasse à idade em que os garotos começam
Temos de acrescentar a isso, dar\l, a idéia de que o usuário se a beber, já estava puxando fumo e via as v;tntagcns Jisso, sabe, isto é,
torna um escravo da droga, de 11ue se rende voluntariamente a um não havia nenhum enjôo e era muito mais barato. Essa foi uma das
hábitn para o qual não há saída. A pessoa que leva esse c:.tereótipo primeiras coisas que aprenJi, cara. Para <Jlll' você quer beber? Beber
a sério confronta-se com um obstáculo ao uso da droga. Ela não é bobeira, sabe. É tão mais barato puxar um fumo e a gente não tem
começará, mantení ou aum(·nt.H<Í seu uso de mawnh<; a menos enjôo, não é sujo e to ma menus tempo. E d.t rcalml'tt\c passou a ser
que possa neutralizar sua sensibilidade ao estere0ttpo, aceitando a coisa. sabe. Então eu puxó fumo antes d~ beber, saca ...
_....,.._._____ ___,_
.,.-..,.
_ ...,.
, ~...- ---._,,. . . .__
...... ~~· - - ·~ ---- - - ~- -

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Uso de maconha e controle social 85
81. Outsiders
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IQuequer dií'.cr w m •·e~~a toi um.1 da~ primeiras wi;,ls l~lll'
aprendeu"! J Bom, quero dizer. .: .:o mo cu dig(l, eu estava começandll
I
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O indivídu o que aceita essas idéias pode ado tar um m odo
de utilização ocasioml porque reorganizo u suas n oções morais de
a trabalhar como músico quand(l comecei a puxar fumo, e e~tavJ maneira a permiti-lo, sobretudo ao adquirir <1 concepção de que os
t;Hnbt' m em \lllh li çôt•s de bcbn m1 traballHl, sabe. E aqucks c.t r01:-. valor.!S morais convencionais sobre drogas não se :1plicam a esta
me mostraram qul: aa btlhagt·m beba. Ele~ tambl:m n<io bebiam. dwga que de consome, e que, de todo modo, o ust> que faz d ela
não se torno u excessivo.
Racionalizações ad icionais permitem ao usu;üio sugerir par:1 Se a utilização p rogride até o ponto de se tornar regular e sis-
si mesmo que os efeitos da droga, ao invés de nocivos, são de fato tem ática, podem ressurgir questões morais para o usuário, pois ele
benéficos: passa agora a parecer, para si mesmo e para os outros, o "viciado em
drogas" da mitologia popular. Ele precisa se convencer de n ovo -
Já fumri alsuns qut' ti z.cram e ti me sentir ... mui lO revigorado, e me d;í para que o .uso regular possa continuar- de que não cruzou
também um ótimo apetite. Deixa a gente com muita fome. I~o pro- essa linha. O problema e a possível solução são apresentados na
vavelmente é bom para algumas pessoas que estão magras demais. d-!claração de um usuário regular:

Finalmente, o usuário, nesse estágio, não está usando a droga o Sei que não está se tornand o u m hábito, m:ts eu fiquei um pouco
tempo ~o do. Seu uso é planejado; considera-o apropriado em certas preocupado em saber se seria tacil parar, então tentei. Estava fumando
ocJsiões, não em outras. A própria l'Xistê n6a desse planejamentu o tempo todo, então simplesmente parei por uma semana inteira para
lhe permite as~egurar a s i m esmo que controla a droga, e ela tvr- ver o que iria acontecer. Não aconteceu nada. Ent:I1o fiquei sabendo
na-se um símbolo da inocuidade da prática. Ele não se considera que estava tudo legal. Desde t.>n tão tenho usado tanto quanto quero.
um escravo da droga p0rque ~~capaz de se ater ao seu plano - e Claro, não gostaria de ser um escravo dis.so ou nada desse gênero,
se atém -,seja qual fo r a quantidade. q ue se proponh;1 consumir. mas não acho que isso aconk·ceria, a menos que eu fosse neurótiC<l
O fato de haver ocasiões em que, a princípio, ele não usa a droga, ou coisa parecida, e não acho que seja, não a tal ponto.
pode lhe servir como uma prova LJara si m esmo de sua liberdade
com relação a ela. A racionalização anterior, de que a droga tem efeitos benéficos,
permanece inalterada e pode até sofrer um co nsiderável desenvol-
Gosto de puxar fum o e puxo prin..:ipalmente quando esto u relaxan- vimento. Mas a questão suscitada na última citação prova-se m ais
do, fazendo alguma coisn de que gosto , como ouvir música cl:i~ica perturbadora. Em vista do consumo ;tumentado c regu lar da droga.
realmente boa, o"J talvez ver um lih:1e ou algo assi•n, ou ouvir um o usuário não tem certeza de ser realmente capaz de controlá-lo, de
p rograma de rádio. Alguma .:oisa que eu gostt' de fazer, não parti- que não se tornou talvez escravo de um hábito vicioso. Testes são
..::p.l:1do em ... como .... jogo golfe durante o verão, sabe, e uns caras feitos - o uso é abandonado c é1S conseqüências aguardadas - ,
com quem eu jogo puxaram fumo enquanto estav,ml jogando, .:u e, quando nada de adverso ocorre, o usuário é capaz de concluir
não pude entender isso porque, você sabe, qua·Jdt> a gente está que não há o que temer.
participando de uma coisa, q uer que a cabeça l'Sil.ja .~aquilo e nad:: O problema, contudo, é difícil para alguns dos usuários mais
mais, e se você estiver, ... pon1uc .:u .11.:ho, t·u :;ei qu·~ da fat. a gcnll! sofisticados, que extraem suas normas morais menos do pensa-
relaxar e ... não acho qt:e você possa f.IZer isso tambem. mento convencional que da "teorh" psiquiátrica popular. O uso os
Uso de mac.onha e controle social 87
86 Outsiders

que são alcoólatras crônicas ou viciadas em narcóticos, ou fumantes


preocupa, não em termos convencionai~. mas peh) que podl' indicar muito habituais, tenho visto, acompanhando essa condição, alguns
acerca de sua saúde mental. Aceitando o pen!.amento corrente sobre deso.iustes em sua~ personalidades também.
as célusas do uso de drog~s. eles raciocinam que ninguém iria us:1r
drogas em grandes quantidades a menos que houvesse "algo" de Catas concepções de cunho moral sobre a na tu reza do
"errado" com ele, a menos que ho uve~se algum desajuste J'curótico consumo da droga e os usuários influenciam, assim, o fuma nte
que tornasse as drogas necesst\rias. ~uma r maconha torna-se um de maconha. Se ele for incapaz de invalidar ou ignorar essas con-
símbolo de fraquez<1 psíquica e, em última análise, de fraqueza cepções, o uso n ão ocorrerá de maneira alguma; e o grau de uso
moral. Isso predispõe a pessoa contra a conti nuação do uso regular pa:·ece estar relacionado com o grau em que as concepções deixam
e causa um retorno ao consumo ocasional, a menos que uma nova de ter influência, substituídas por racionalizações e justifica6vas
justificação seia descohcrt;L correntes entre usuários.
Em suma, uma pessoa se sentirá livre para usar maconha à
l~o m, l'U pr rgunto ~1.! o mdhor é n.io tomar coisa nenhuma. Isso
1111.! medida que pa~se a considerar as concepções convencionais sobre
é o que dizem. Se bem que já ouvi psiquiat ras d izerem: "Puxe todo ela como as idéias mal fundame ntadas de ou tsiders e as substitua
o fumo que quiser, mas não toque em herolna." pela visão "inside" que adquiriu por meio de su<' experiência com
lib m, parece sensato.) É, mas quantas pessoas conseguem isso? a droga na companhia de outros usuários.
Niio há muitas .. .. Acho que 75% ou talvez umn porcentagem ainda
maior das pes~oas que puxam fumo têm um padrão de compor ta-
mento que as levaria a ptLxar cada vez mais fumo e a se distanciar cada
vez mais das coisas. Acho que eu mesmo tenho esse padrão. Mas acho
que tenho consciêucia disso. então .Kho que posso combatê-lo.

A noção de que ter consciência de um problema é resolvê-lo


cvnstitui urna auto.i ustificativa na circunstância anterior. Quando
não é possível encontrar explicaçóes, o consumo continua em bases
ocasionai:., e o usuário explica suas razões em termos da concepção
que tem da teoria !)Siquiátrica:

Bom, acredito q ue as pessoas que se entregam ao consumo de


narc~~~cos, ;.ílcc.ol e bebiJa, qualquer estimulante desse tipo, nesse
nível, provavelmente estão procurando a fugn de um :stado mais
sáio que o do usuário mais ou n1:::nos ocasional. N ~l\) ,1dw que eu
esteja fugindo de nada. Acho que, apesar disso, percdlC' que ainda
tenho r. mito o que me ajustar .... Ent.'io, náo pqsso diza que tenha
nenhuma doença neuró tica o u inetlciêJKi<' séria a.:om que estt>ja
tentando lidar. f\.·1as no caso de certos conho.>c idos m eus, ressoa~

r-
5
A cultura de um grupo desviante:
o músico de casa noturna

Embora o comportamento desviante seja com freqüência pros-


cito por lei - rotulado de criminoso se praticado por adultos,
úU de delinqüente, se praticado por joven s - , aqui este não é

necessariameflte o caso. Os músicos de casa noturna, cuja cultura


investigamos neste e no próximo capítulo, são um exemplo perti-
ucnte. Embora suas atividades estejam formalmente dentro da lei,
sua cultura e o modo de vida são suficientemente extravagantes
e não-convencionais para que eles sejam rotulados de outsiders
pelos membros mais convencionais da comunidade.
Muitos grupos desviantes, entre os quais os músicos de casa
noturna, são estáveis e duradouros. Como todos os grupos estáveis,
desenvolvem um modo de vida característico. Para compreender
o comportamento de alguém que é membro de um grupo desse
tipo é necessário entender tal modo de vida.
Robert Redfield expressou a concepção de cultura do antro-
pólogo da seguinte maneira:

Ao falar de "cultura", temos em mente os entendimentos convencio-


nais, manifestos em ato e artefa to que caracterizam as sociedades.
Os "entendimentos" são os sign i Iicados atribuídos a a tos e objetos. Os
significados são convencionais, e portanto culturais, i'\ medida que
se tornaram típicos para os membros des~a ~~Kiedadt: em razão da
intercomu nicação entre si. Uma cultura é, por co nseguinte, uma
abstração: ê o conjunto de ti pus ao qual lt'mlem a ~l' conformar
os significados que os diferentes '11embros da ~o.::ic:: dad e atribuem
a um mesmo ato ou objeto. Os sign i fica d o~ s~to t:xp ressos em
ações e nas produções de ações, a partir dos quai~ os in ferimos;

39
A cultu ra de um grupo desviante: o músico de casa noturna 91
90 Outsider>

p od emos assim identificar t<llnbém n "cultura" co mo a me:lida


vida sexual é adequada, mas os outros n ão pensam isso. O ladrão
que o comportamento convencio n.1l dos membros da sociedade julga que é apropriado para ele roubar, mas n inguém mais acha
isso. Quando pessoas que se envolvem em atividades desvian tes
é o mesmo para todos. '
têm oportunidade de interagir, é provável que d esenvolvam uma
Hughes obsen·ou <jUe a concepção antropológica da cultura cultura constituída em torno dos problemas d ecorrentes d as di-
parece ser mais adequada para a sociedade homogênea, a socie- ferenças entre sua definição do que fazem e a definição adotada
dadt> primitiva com a qual o antropólogo trabalha . Mas o term o, por outros m embros da sociedade. Elas desenvolvem perspectivas
no sentido de uma organização de entendimentos comuns aceito!> sobre si mesmas e suas atividades desviantes e sobre suas relações
por um grupo, t igualmente ap licável aos grupos menores qu e com outros membros da sociedad e. (Alguns atos desviantes, claro,
compõem ur,1a sociedade moderna complexa, grupos étnicos, são cometidos isoladamente, e as pessoa~ que os cometem não
religiosos, regionais, ocupacionais. É possível mostrar que cada têm oportunidade de desenvolver uma cultura. Exen~p!os disso
um desses grupos tem certos tipos de entendimento comuns e, ~ão o pirotna níaco comp ulsivo ou o cleptoman íaco.~) Como
o~eram de n tro da cultura da sociedade mais ampla, porém
portanto, uma cultura.
diferentemente dela, essas culturas são m uitas vezes chamadas
de subculturas.
Sempre que um grupo de pessoas tem parcialmente uma vida
com um com um pequeno grau de isolamento em relação a outras O músico de casa noturna, a cuja cultura o u subcultura este
pessoas, uma mesma posiç5o na sociedade, problemas comuns e capítulo é dedicado, pode ser definido simp lesmente como alguém
talvez alguns inimigos comuns, ali se constitui uma cultura. Porie que toca música popular por dinheiro. Exerce uma ocupação
ser a cultura fantástica dos infel izes que, tendo se tornado viciado~ do setor de serviços e a cultura de que p articipa tem seu caráter
em heroíua, partilham um prazer proibido, uma tragédia e uma determinado pelos problemas comuns desse tipo de ocupação de
batalha contra o mundo conv~J,cional. Pode ser a cultura de um par serviço. Esses trabalhos distinguem-se em geral pelo fato de, neles,
de crianças que, enfrentando os mt:smos pais podero~os e arbitrários, o trabalhador entrar em contato mais o u menos di rdo e pessoal
cri'ilm uma linguagem e un·. conjunto de costumes prr)prios que com o consumidor final do produto de seu trabalho, o cliente para
persiste mesmo qu ando elas :.t: t1Hnam grandes e poderosas co m o quem executa o serviço. Conscqiientementc, o cliente é capaz de
os pais. Pode ser a cultura de um grupo de estudantes qlle, desejosos dirigir o u tentar dirigir o trabalhador em sua ta refa e de aplicar
Lle se to rna r m édicos, vêt:m-se diante dos mesmos t'adáveres, testes, sanções de vários tipos, variando desde a pressão informal até a
pacientes complicados, profcssort:·s c orientadores.' recusa do serviço, que passa a ser solicitado a out ras das muitas
pessoas que o executam.
Muitos suge riram qu e culturd :>urge essencial,nen te em res- Ocupações de ser viço reúnem uma pessoa cuja atividade em
posta a um problema enfren tado e m comum por um grup o ti~ tempo integral está centrada nesãe ofício - e cujo eu está pro-
pessoas, à m edida que elas são capazes de interagir e <;e comun:car fundamente envolvido nele - e outra cuja relação com o serviço
en tre si de maneira eficaz:1 Pessoas que se e':lvoh·em em ativida- prestado é muito mais casual. 'I:tlvez seja inevitável q ue as duas
des consideradas desviantes enfrentam tipicamentt. o problema tenham visões amplamente diferen tes a respeito de como o serviço
deve ser realizado. De modo típico,· membros de O(upações 110
de qtH: sua concepçiln a respeito do que faz.t: m ni\o ~ part ill·. ada
por outros m embros ela sociedade. O h omossexual acha que SUJ setor de ser viços consideram o cliente inc.tpaz de julgar 0 valo r
92 Ou tsiders A cultura de um grupo desviante: o múS'ico de casa noturna 93
' i ·:

própr.io do serviço c se ressentem amargamente das tentativas que A pesquisa


ele faz para exercer controle sobre o tr<tbalho. Em conseqüência,
surgem conflitos e hostilidades, os métodos de defesa contra ~• Colhi o material deste estudo po r meio de observação participante,
interferência externa tornam-se uma preocupação dos membro~ interagindo com músicos na variedade de situações que compõem
do grupo, e uma subcultura se desenvolve em torno desse conjunto suas vidas de trabalho e lazer. Na época em que fiz a pesquisa, eu
era pianista profissional há alguns ano~ e atuava em circuJos mu-
de problemas.
sicais de Chicago. Isso foi em 1948 e 1949, período em que músi-
Os músicos acham que a única 1mísica que vale a pena toc<~r
cos aproveitavam os benefícios previstos pelo G.l. Uill.* Assim, o
é o que chamam de "jazz", termo que pode ser parcialmente de-
fato de eu freqüentar a universidade não me diferençava no meio
finido como aquela música produzida sem referência às deman-
musical. Trabalhei com muitas bandas de diftrentes tipos durante
das de outsiders. No entanto, eles tém de suportar .1 incessante
esse período e fiz amplas anotações sobre os eventos que ocorriam
inkrferência r.o que tocam por parte de patrões c do público. n enquanto estava com outros músicos. A mai oria das pessoas que eu
problema mai:; árduo na carreira do músico médio, como iremos observava não sabia que eu estava fazendo um estudo sobre músicos.
ver, é a nece:;sidade de esco1her entre sucesso convencional e seus Raramente eu realizava alguma entrevista formal, concentrando-me
padrões artísticos. P:ua alcançar sucesso, ele sente necessidade de antes em ouvir e registrar as conversas habituais que ocorriam entre
se "tornar comercial", isto é, tocar de acordo com os desejos dos os músicos. A maior parte de minhas observações foi realizada no
não-músicos para quem trabalh.1; ao f<lZê-lo, sacrifica o respeito de.' trabalho e até no palco, enquanto tocávamo~. Conversas úteis para
outros músicc.-s e, assim, na maioria dos casos, seu auto-respeit'J. meus objetivos ocorriam muitas vezes nos costumeiros "mercados
Se continuar tiel a seus padrões, estará em geral condenado ao de emprego': nos escritórios d,) sindicato ll)cal, o nde músicos à
fracasso na sociedade mais ampla. Os músicos se classificam de procura de trabalho e lideres de banda à procura de ho mens para
acorde com o grau em que cedun aos outsiders; o contimmm varia contratar se reuniam nas tardes de segunda- feira e s<ibado.
desde o músico de "jazz", num extremo, até o ltlúsico "comercial': O mundo do músico de casa noturna ~ extremamente dife-
no outro. renciado. Alguns tocam sobrdud:l em bares c cafés, t.:m bairros
Focalizarei adiante os seguintes pontos: ( I) as concepções distantes ou na área central. Alguns tocam com bandas maiores, em
salões de dança e boates. Outros, em vez de trabalha r regLJiarmente
que os músicos têm de ~·i mc.:smns c Jos não-músicos com quem
num lugar, atuam com bandas que tocam em bailes privados e
trabalham e os conflitos que lhes parecem inere1~tes a essa re-
festas em hotéis e clubes campestres. O utros homens <linda tocam
lação; (2) o consenso básico su bjacL·nte às rL·a~,"ôes de m llsico ~
com bandas famosas, nacionalmentt> conhecidas, ou trabalham em
comerciais e de jazz diante desse contlito; e (3) os ~e ntimentos d t>
estúdios de rádio e televisão. Os c;ue trabalham em cada tipo de
isolamento que os músicos experimentam em rdaç<io à sociedade
contexto têm problemas e atitudes característicos c.lcsse contexto.
mais ampla, e o modo como se segregam do público e da comu- Eu tocava principalmente em bare~ e cabarés, c ocasionalmente com
nidade. Os problemas que surgem da diferellça entre a marH.in1 vários tipos de banda que faziam apresentações avulsas. Mas tinha
como os músicos definem seu trabaLho e aquelas como ;tS pessoJs bastante contato com membros dos autros grupos- por meio de
para quem trabalham os concebem pnde1.1 ser ronsiderados um
protótipo dos problen'as que os desvi<mtes enfrentam ao lidar
~ G.J. Bill of Rights, ou The SaviccnKn's Readj ustiih:nt Ali, ki sa ncionada em
com outsiders que têm uma visão diferente de :; uas atividad es jLinho de 1944 que garantia aos militan~~ veteraitos um<l ampla ~auw de benefício>,
desviantes. ~ inclusive dinheiro para o pagamento de estudos univcrsitúrios. (N.T.)
9<i Outsiders A cultura de um grupo desviante: o músi co de casa noturna 95

encontros em serviços ocasionais e no prédio do sindicato- para instrução; o outsider jamais poderá, portanto, tornar-se membro
poder colher evidências d~ suas atitudes e atividades. do grupo. Um trombonista disse: "Não se pode ensinar um sujeito
Quando completava a pesquisa, trabalhei como músico em dois a ter batida. Ou ele tem ou não tem. Se não tem, você não pode
outros lugares: uma pequena cidade universitária (Champaign-Ur- Ihe ensinar isso."
bana, Illinois) e uma cidade grande, embora não tão grande quanto O músico acha que em nenhuma circunstância se deveria
Chicago (Kans;.s C:ty, Missouri). Há disparidades na organização da permitir que um outsider lhe dissesse o que tocar ou como tocar.
profissão de músico associadas às diferenças de tamanho das cidades. De iato, o elemento mais for te 110 código dos colegas é a proi-
Em Chicago, é muito mais fácil para um músico especializar-se. Ele bição de criticar ou tentar pressionar de quúlquer m a neira um
pode ser músiw de salão de dança, ou trabalhar somente em caba- outro músico na situação real de tocar "no trabalho". Se não é
rés e boates (como eu fazia). Nas cidades meuores, nenhu"n desses permitido nem a um colega influenciar o trabalho, é impensável
tipos de trabalho existe em quantidade suficiente, e, além riisso, há que se permita que um outsider o faça .
menos músicos em proporção à população. Um músico, portanto, Essa atitude é generalizada num sentimento de que os músicos
pode ser chamado p.ua tGcar em qualquer um dos vários contextos são diferentes de outros tipos de gente e melhores que eles, não
que descrevi, seja porque tem pouca escolha quanto aonde tocar, seja devendo assim estar sujeitos ao controle de outsiders em qual-
porq ue o líder de bandn que procura alguém para trabalhar com ek quer esfera da vida, em particular em suas atividades artísticas. O
tem pouca opção entre os músicos disponíveis. Embora eu não tenha sentimento de ser alguém diferente que leva uma vida diferente é
mantido registros formais de m;r,has experiências nesses outros arraigado, como indicam os seeuintes comentários:
;~ ~
contextos, n~nhum deles forncct;:u dados que exigissem mudanças \ . ..
"
nas conclusões a que cheguei com base nos materiais de Chicago. Estou lhe dizendo, os músicos são diferentes das ou tras pessoas.
Falam de maneira diferente, ugem de maneira d iferente, parecem
diferentes. Simplesmente não são como as outras pessoas, só isso....
Músico e "quadrado" Sabe, é difícil deixar a profissão de músico porque a gen te se sente
tão diferente dos outros.
O sistema de crenças sobre o c:ue são os músic0s c o que são os Os músicos vivem uma vida exótica, Cllmo numa selva ou
públicos é resumido em uma palavra t:'mpregacta relo5 primeiros coisa parecida. Quando começam, são g~rutos comuns de cidades
para se referir aos outsiders- "quadrado" [squa:-e]. E~a é utilizada pequenas- mas, depois que t:ntram nessa vida, mudam. É como
como substantivo e adjetivo, denotando tanto um tipo de pessoa uma selva, com a diferença que a selva d eles é um ô nibus quente,
quanto uma qual idade de comportamento e objetos. Refere-se '10 apinhado. Você vive esse t ipo c'e vida du rante um tempo e fica
tipo de pessoa que é o oposto do que todo músico é, ou deveria ser: completamente dife ren te.
e uma maneira de pensa:·, se ntir e se comportar (com sua cxpressiü> É ó timo ser músico, numa vou me arn:pcndcr. C,Hnpreendo
em objetos materiais) O!'osta àquilo que os músi-::os apreciam. coisas que os quadrados nunca comprecnd t' r;lo.
O músico é concebido como um artista que possui um miste-
rioso dom artístico que o distingue de todos os demais. Possuind o Um extremo dessa concepçà•) é a crença de que somente mú ·
esse dom, ele deveria estar livre de controle por parte de outsiders sicos são sensíveis e não-convencionais o bastante para conseguir
que não o detêm. O dom ('algo que 11<io pode ser adquirido pel.t Jar verdadeira satisfação sexual a uma mulher.
96 Outsiders 1 A cultura de um gru po desviante: o músico de casa noturna 97
f
Fortemente imbuídos de sua diferença, os músicos acreditam Merda, não acredito em nenhuma discriminação desse tipo. As pes-
também não ter qualquer obrigação de imitar o comportamento soas são pessoas, não importa que sejam latinas, judias, irlandesas,
convencional dos quadrados. Da idéia de que ninguém pode di- polacas ou o quê. Só os tremendos quadrados se importam com a
zer a um músil.:o como tocar decorre logicamente a noção de que religião delas. Isso não significa porra nenhuma para mim. Cada
ninguém pode d1·Ler a um músico como fazer coisa alguma. Assim, um tem direito a acreditar no que bem entende. É isso que eu acho.
o comportament0 que zomba de normas sociais convencionais é Claro, eu mesmo nunca vou à igreja, mas não critico quem vai. Tudo
muito admirado. Histórias revelam essa admiração por atividades bem se você gosta desse tipo de coisa.
bastante individuais, espontâneas, alegremente irresponsáveis;
muitos dos mais bmosos j(lzzmw sào renomados como "pe:-sona-
lidades", e suas proezas são amplamente recontadas. Por extmplu,
um conhecido jazzman ficou famoso por ter saltado no cavalo de um
l O mesmo músico classificava de errado o comportamento
.<;exual de um amigo, embora defendesse o direito que o indivíduo
tem de decidir o que é certo e e;·rado para si mesmo.
policial que estava parado em frente à boate em que trabalhava e ir
cavalgando. O músi:o comum gosta de contar histórias de coisas Eddie trepa demais por aí; ele vai .::.cabar se matando ou sendo morto
não-convencionêlis que fez: por alguma garota. E depois ele tem uma ótima mulher também. Não
deveria tratá-la dessejeito. Mas foda-se, isso é problema dele. Se é assim
Tocamos no baile e depoi~ que o trabalho terminou fizemos as malas que ele quer viver, se é feliz desse jeito, então é nssim que tem de ser.
para entra; no velho ônibus e voltar a Detroit. A uma pequena dis-
tànóa da cidade, o ônibus simplem1cnte se recusou~ funcionar. Ha- "I .·,

. ~ -. ,;_~... Músicos tolerarão comportamento extraordinário num colega


via ga~olina, mas de simplcsmcnll" niw <•ndava. Uns caras desceram e 111úsico sem fazer tentativa alguma de puni-lo o u coibi-lo. No in-
ficaram por ali resmungando. De repente alguém disse: '"V<U1JOS tacar cid~nte a seguir, o comportamento descontrolado de um baterista
fogo nde!" Então alguém tirou um pouco de gasolina dos té!nques levou a banda a perder um trabalho; no entanto, por mais furiosos
e borrifou em volta, encostou um fósforo e... xispe! Simplesmente que estivessem, emprestaram-lhe dinheiro e se abstiveram de puni-
virou fi.1maça. Çue experiência! O ónihm queimando e ;1s caras em In de alguma maneira. Se alguém (' repreendcs.,c, teria sido uma
volt<J gritando e batendo jJJlmas. Foi realmente um esp~táculo. quebra dos costumes.

Isso é mais que idiossincrasia; é um valor ocupaci0nal básico, JERRY: Quando chegamos lá, a primeira coisa que aconteceu foi
como indicado pela seguinte observação de um jove m músico: que a bateria dele não apareceu. O propriet ;irio reve de sair e
"Sabe, os maiores heróis no meio musical são os grandes excên- procurar uma bateria em todr. parte para ele, e nisso amassou
tricos. Quanto mais maluc11 um cara se mostra, maior el e~. e mais um pára-lama. Vi no ato que náo est;ívamos u1 mcc;ando bem. E
todos gostam dele." Jack! Cara, o patrão é um latino velho, você sabe, não estava para
Assim como r.ão desejam ser obrigados a vi,•cr em termos conversa fiada, ele dirige uma C<lSa ,ie jogo; não a.:cil<l dc~a fo ro de
de convenções sociais, os músicos não tentam impingir essas ninguém. Então ele disse a Jack: "O que você vai fazer sem bateria?"
(Oiwcnções aos outros. Por t'Xl'mplo, um n11.'!sico tkclarou que Jack rl'spon deu: "foica frio, papito, vai d;tr tudo L("J"ll>, v1, L·(· vai ver."
a discriminaçã0 étnica é errada, já que todo mundo tem direito a Pensei <tUe o vdho fosse perder a~ csrribe"iras. Que ma neira de falar
agir como qt•iser e ::~ cred it:~r no qne qui-;l"r: com o patrão. Cnra, ele olhou em volta c•.)m logo no~ olhos. Eu
' !
98 Outsiders A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna 99

sabia que não iríamos ficar depois dessa. Ele me perguntou: "Esse mês consegue se virar. O cara toca um refrão no piano, ou coisa
baterista é bom da cabeça?" Eu respondi: "Não sei, nunca o vi an- parecida, depois os saxes ou outros instru mentos repetem aquilo em
tes." E acabamos contando para ele que vínhamos tocando juntos uníssono. É muito fácil. Mas as pessoas não se importam. Contanto
havia seis meses. Então isso ajudou também. Claro, quando Jack que consigam ouvir o baterista está t udo bem. Elas o uvem a bateria,
começou a tocar, foi o fim. Tão alto! E não tocou uma batida de assim sabem pôr o pé direito diante do esquerdo e o pé esquerdo
jeito algum. Só usava o bumbo para as batidas mais fortes. Que tipo diante do direito. E se conseguirem aprender a assoviar a melod ia,
~.
de percussão era aquela? Quanto ao mais, era urna boa turminha . ficam felizes. Que mais poderiam querer?
... Era um hom trabalho. Poderíamos ter ficado lá para sempre ....
Bom, depois que tocamos umas duas seq üências, o patrão nos disse A seguinte conversa ilustra a mesma atitude:
que estávamos fora.
BECKER: Que aconteceu depois que vocês foram despedidos? JOE: Se você saísse do estt ado e andasst' en tre as mesas, alguém
IERRY: O patráo deu 20 paus para cada um e disse para voltarino., diria:,"Rapaz, gosto mu ito da sua banda." Só porque você tocava
para casa. Como gastamos 17 dólares para o transporte de ida e suavemente e o saxofonista também tocava violino, ou coisa que o
volta, faturamos três pelo traba:.ho. Claro, vimos muitas árvores. valha, os quadrados gostavam ...
Três paus, merda, não faturamos nem isso. Emprestamos uns sete orcK: Foi como quando eu trabalhei no M. Club. Todos os caras que
ou oito para o Jack. tinham sido meus colegas no ensino médio costuma vam ir e curtir
a banda .... Foi uma das piores bandas em que já trabalhei, mas eles
Desse modo, o músico vê a :,i e acs seus colegas como pessoas achavall1 uma maravilha.
com um dom especial que as torna diferentes de não-músicos e JOE : Ah, é, eles são uma caml:>ada de quadrados, d e todo modo.
que não estão sujeitas a seu controle, seja no desempenho musical,
seja no comportamento sccial comum. Considera-se que a "quadradice" penetra todos os aspectos do
O quadrado, por outro lado, não poss ui esse d0111 especial comportamento do quadrado, assim como seu oposto, o "avanyo"
nem qualquer compreensão da 1núsica ou do modo de vida dos é evidente em tudo que o mllsico faz. O quadrado parece fazer
que o possuem. O quadrado é visto como uma pessmt ignorante c tudo errado, é risível e ridíc ulo. O músko se di verte muito se
intolerante, que d eve ser tt::nida, utnil vez que produ / as pressõ ,'-; sentando c observando os qu~td rados. Todos têm hi stórias para
que forçam o músico a tocar tk mant:ira niio artística. A ddic uld<•Lk contar sobre a~ tolices risíveis de ..1uadrados. Um h umem chegou
do músico reside no fatc de que o quadrado está em co ndições rle a ponto de sugerir que os musicas devia m trocar d t· lu ga r co m a:-
impor sua vontade: se 11iiO gostar du tipo de mús ica tocado, n.tu pessoas que estavam sentadas ao bulcão dt' café o nd e trabalhava;
pagará para ouvi-la uma segunda vez. afirmava que elas eram mais engraçadas e divertidas do que ele
Sem compreender nada ck música, o quacrado J avalia Sl'- jamais comeguiria ser. Todos os itens do vcstu<hio, fa la e compor-
gundo padrões estranhos aos músicos c não respeitados por eles. tamento que diferem daqueles do m ús ico são co nsiderados novas
Um saxofonista comercial co m en tou sarcasticamente: evidências da insensibilidade e ignorância inerentes do quadrado.
Como os músicos têm uma cultura herm ~; tica, essas evidências
Não f.-.z~ :1 m~nor diferença o yue tocamos, o modo co mo tocamos são muitas e servem <lpenas para for talece r sua convicção de que
É \;1o simples que qu;;tlquer um que tt':lha tocado por nnis de un~ músicos e quadrados são dois tipos diferentt'S de pessoa.
A cultura de um gru po desviante: o músico de casa noturna 101
1GO Outsiders

expressam esse consenso básico. Dois temas conflitantes constituem


.lv1as também teme-se o quadrado, uma vez que é visto como
a base da concordância: (I ) o desejo de auto-expressão de acordo
a fonte m áxi ma da pressão comercial. É a ignorância do quadradv
com as crenças do grupo de músicos e (2) o reconhecimento de que
que obriga o músico a tocar o qu e considera música ruim a fim
pressões externas podem força~ o músico a se privar de satisfazer esse
de ter sucess0.
desejo. O jazzman tende a enfatizar o primeiro, o músico comercial
o segundo; mas ambos reconhecem e sentem a fo rça de cada uma
sECKER: Como você se sente em relação 1s pessoas para quem te ca,
dessas influências. Comum às atitudes de ambos o.> tipos de músico
o público?
é um intenso desprezo e desapreço pelo público quadrado, po r cuja
DAVE: Ele ~ são um saco.
culpa os músicos devem "se tornar comercia is" para ter sucesso.
sECKER: Por que diz isso?
nAVE.: P,om, porque, ~c yoc~ està numa banda comercial, eles gostam,
O músico comercial, .:mbora considere o público quadrado,
opta por sacrificar o auto-respeito e o respeito de o utros músicos
e assim voe~· tem de tocar mais coisas melosas. Se você está tr.. ba-
(as reêompensas do comportamento ar tístico) pelas recompensas
lhand o numa b.1nda boa , d t:!> n:w bost.1m, e isso é um saco. Se vt>cê
mais substandais do trabalho estável, a rendil m aior e o pn•stígio
est<Í. trabalhando numa band.1 boa e eles gostam , é um saco tam bém.
desfrutado pelo homem q ue se torna comercial. Um músico co-
A gt'n te os detesta ele qualqua maneira, porque s.1be que eles não
mercial comentou:
conhecem nada. Eles são si mplesmente um grande saco.

Eles tem um ótimo tipo d..: ~;ente aqu i, ta mbC:·m. É claro que são
A última anrmJ ção revél qut· aqueles (I_LIC tenta m evitar ser
quadrados. Não estou tt>ntando negar isso. Sem dúvida são um
quadrados ainda são conside,·ados como tal, porque ainda lhes falta
bando de q uadrados fod idos, mas, porra, quem paga as contas? Eles
a ~_u!l .pr~cmão ap ropr iada, que só um músico pode ter-· "el.:s
pagam, então você tem dl.' toca r o que eles querem.lsto é, que merda,
não conhecem nad <t''. Assim . o fã ck jazz não é mais res peirario
você não pode ganha r .1' ida se não tor.1r para os quad rados. Quan-
que os outros quadrad os. Sua apreciação d o jan não está basl'ada
tas porras de pessoas você pensa qut• n•io sãll quadrados? De 100
numa compreensão e ele age exatamente come o f. o utros qu <Hlra-
pessoas, você teri a so rt<: se 15% não fo., ~~ m quadr.tdos.Isto é, talvez
dos. Pedirá músicas e ten tará intlucndar a execucão do m ús:co,
os profissionais liberais - médicos, ad vogado~ . esse pessml l - ,
exatam ente com o outrus quadr<tdos.
eles podem não ser qu.tdr.tdos, mas ,1 pessoa média não passa de
O músico se vê assim como um artista cnativo que «.!t:veria
um maldito quad rado. Claro, o pessoal du cincnw não é assim. Mas,
estar livre de controle externo, um a pessoa melhor que aqueles
fora o pessoal do cinemu e o~ profissionais, ~<io todos uns gr•mdes
outsiders que chama de q uadrados - que não compreendem sua
quadrados. 6 Não sabem nac1.a.
música nem ~eu modo d e vida, po r cuja caus~, no entanto, eit' deve
Vou lhe contar. Js~o t' uma coisa qul' ·'l'fl'lllli tln:. lrês ;mm <~I r.'í s.
tocar de maneir<l cont ;·;íri.l a seu~ ide<lÍ~ de prvllss<io.
Se você quiser faturar algum, tem de agradar .ms quadrad<>S. !:lã o eles
q ui.! pt~gam as contas,: vot:ê tem de to''" pa ra clt•., . Um bom ll l úsico
não ..:onsegue arranjar emprego. Voe(· tem de tocar um monte de
Reações ao conflito merda. Mas, que dia bo, vamos t•ncar.lr. Qul'Hl viver bem. Quero
Músicos de jazze comerciais concord.1m fundamentalmente e r.1 .;ua ganhar algum dinheiro; quero ter um c;J rro, saca. Por quanto tempo
Jtitudc em relação .\o público, emborn varil'm na maneira comv a gente consegue se opor a isso? ...
·102 Outsiders
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna 103

Não me entenda mal. Se vocé consegue ganhar dinheiro Boom: Meu Deus, por que você não pode ser bem-sucedido tocando
tocando jazz, ótimo. Mas qua ntos caras conseguem i~so? ... Se jazz? ... Isto é, você poderia rcr um grupinho ótimo e ainda tocar
vo-:ê puder to.:ar jazz, ótimo, como .:u disse. Mas se você está na arranjos, mas bons, saca.
porca ria Jc Ulll emprego ruim , n<io ll'lll I.'Ulllo evitar, tem de ser CHARLill: Você nunca conseguida arranja r emprcgú para uma
ru mcn:"ial. Q uer dizer, os qu.1d rado, l'St .io p.1gando o seu s.tlário, banda assim.
então o mdhor é você se .tcost umar com isso, é a eles que vo.:ê llDDill: Bem, você poderia ter uma putinha scxy para ficar de pé na
tem de agradar. fre nte, cantar e rebolar o traseiro para os caretas f quadrados].Assim
conseguiria emprego. E ainda poderia tocar muito bem quando ela
O bserve que este músico admite que é mais "respeitável" ser não estivesse cantando.
independente dos quadrados e mani fes ta desprezo pelo público, CHARLIE: Bem, não era assim ,1ue era a banda de Q? Você gostava
cuja "quadrad ice" é resp onsável po1 toda a situação. daquilo? Gostava do jeito que ela cantava?
E.>ses homens expressam o problema principalmente em EDDIE:'Não, cara, mas a gente tocava jazz, sabe.
termos econômicos. CHARLJE: Você gostava do tipo de jazz que tocavam? Era meio co-

Quero dizer, merda, S(: você está tocando para um bando de ~uadra­
dos, está tocando para um bando de quadrados. Que porra vo.:ê vai
1 mercial, não era?
EDDIE: Era, mas poderia ter sido ótimo.
CH.Ail.LIE: É, mas se tivesse sido ótimo vocês não teriam continuado
faze1 ~ 'v'ucê n~o pode empurrar is~o pela goela deles ab ixo. Bom, trabalhando. Acho que vou ser sempre infeliz. É assim que as coisas
acho que você pode fazer eles cn,:,\nlircm isso. mas, J fin al. d es esteio são. O sujeito vai sempre estar mal consigo ntl'Smu.... Nunca haverá
lhe pagando. nenhum tipo de emprego realmente bom para um músico.

O jazzmarl sente a necessidade dt' ~a ti s faZt! L


a audi0n..:ia com Além da pressão par a agradar ao público q ue em;ma do desejo
ig ual intensidade, embora sustentando que não se Jeve ceder a ela. q ue o mús ico tem de maximiz;tr sa li rio e renda, h<í pressões mais
Os jazzmen, como outro~ , <lpreciam empregos e~táve is e bons, e imediatas. Muitas vezes é difícil sustentar uma ati tude indepen-
sabem que precisam satisfazer o público para consegui-los, com o dente. Por exemplo:
a seguinte conversa entre duis jovens jc1zznw: ilustra:
Trabalhei num casamento itali.11w no Southw~:st Side ontem à noite,
CHAJt LJE: Não há nenhum emprego em qlh.' \'ucé posS<l tocar jau. com Johnny Pom.i. Tocamos meia hora, fazendo os arranjos especiais
Você tem de tocar rumbas, cançõc~ populart·s e tudo o mais. Voce que ~lcs usam, que são muitc pouco comerciais. Entiio um vdho ita-
não consegue nada tocando jazz. Car.t, n;io quero brigar a minha liano (o so&ro do noivo, como descobrimos mais tarde) começou a
vida inteiril.
EDDIE: Bem, você quer se divertir, ncio quer~ Você não seria feli z l gritar: "Toquem umas polcas, toquem ur.1 pouco de múska italiana.
Ah, voces não prestam, vocês são ruins." Johnny sempre tenta evitar o
toca ndo coisas comerciais. Voe(· sahl· disso.
Cll ARUE: Acho yue n<io h;: llleio Je um sujeito :.t!r feliz. Porque sem
'f inevit;ívd nesses casamentos, adiando a cxccu ~·.1o de mll~ica popular
enquanto pode. Eu perguntei: "Cara, por que niio tocamos um pouco
dúvida é um saco t úGif mú~.ica co nl ~r..: i .ll, mas é um horror nunc 1 dessas coisas agora e acabamos m m issó?"Tom r~·spomku: "Acho que
f,l'l,er nada c tocar jau.

'
r
;
se começarmos a fazer isso, vamos ter de fazer ,, noite in teira." Johnny
t>
t
104 Outsiders A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna 105

disse: "Ouçam, Howard, o noivo, é um sujeito realmente excelente. Ele Essa declaração é um tanto extrema; a maioria dos músicos,
nos disse para tocar o que quiséssemos e não dar nenhuma atenção porém, é suficientemente sensível para querer evitar o desagrado
ao que as pess.::las dizem, por isso não se preocupem." ativo do público. "É por isso que gosto de trabalhar com Tommy'; diz
O velho cvntinuou gritando e logo o noivo chegou e dis-.ç: "Ot.- o músico. "Pelo menos, quando você sai do palco, todo mundo no
çam, companheiros. Sei que vocês não querem tocar nada dessas lugar não está odiando você. É um saco trabalhar nessas condições,
merdas, e não quero que loquem, mas é meu sogro, entendem. Só não em que todo mundo no lugar simplesmente detesta a banda toda."
quero deixar minha mulher sem graça por causa dele, por isso toquem
um pouco de mú~icn hltina para .11anter o velho sossegado, certo?"
Johnny correu os olhos soon: nó~ l ' ~~·1 um g<:sto de rcsignaçiio.
Ele disse: "Certo, vamos tocar<,· Lker Barrei Polka'." Tom disse:
I Isolamento e auto-segregação
"Que merda! Lí v;.~ mos nós." l(,<:alllos i~$o e depois tocamos uma
Os músicos são hostis a seus públicos, temerosos de ter de sacrificar
dança italiana, a "Tarantella".
seus padrões artísticos aos quadrados. Eles exibem certos padrões
de comportamento e crença que podem ser considerados ajustes
As vezes o empregador faz umJ pressão que leva <'.té umjazz-
a essa situação. Esses padrões de isolamento e auto-segregação são
man intransigente a ceder, velo m\.'nos enquanto clura o trabalho.
expressos na situação real de execução musical e na participação
no intercurso social da comunidade mais ampla. A principal fun-
Eu estava fazendo uma apresentaçáo -solo por uma 110ite no Y, n<l
ção desse comportamento é proteger o músico da interferência
rua X. Que saco! Na segunda parte de "Su nny Side' , tot;ud o refrão e,
do público quadrado e, por extensão, da sociedade convencional.
depois, um pouco de jau. De repente o p~trào se clebruçou sobre o
Sua principal conseqüência é intensificar o status do músico como
lado do balcão e gritou: "Viro mico de circo se alr.uém neste lugar sou-
ber que música você está tocando!'' E todo mundo no lugc~r escutou.
um outsider, por meio da operação de um ciclo de desvio cres-
Que quadradào! O que eu podia fazer? :--lào disse nada, só continue; cente que, por sua vez, aumenta as possibilidades de dificuldadrs
tocando. Claro que foi um saco.
adicionais.
Em regra, o músico está cspacialmt:nll' isolado do público.
Um tanto incoerentemente, o músico quer sentir que está Trabalha sobre uma plataforma, q•Je fornece uma barreira física ~
alcnn~ando o públit.o, c t!Ue esll: uhkm algum p,a, L·r com seu impede a inlcr<lÇâO direta. Esse isvlamcnto l' hem -vi ndo, porque o
trabalho, e isso também o leva a ceder a demandas do público. público, composto de quadrados, é sentido como potencialmente
Um homem falou: perigoso. O músico teme qt!c <l contato dirdo com o público só
possa l.:var a interferência na execução musical. É mais seguro,
Gosto mais de tocar qu.mdo h<í algu(·m p.Ha ou,·ir. ,\ gl'ntc tem a portanto, estar isolado e nada ter a ver com ele. Umn vez em que
impn.ssão de que não há muito Sl ntido en1 tocar se não há oi nguém esse isolamento não foi proporcionado, um músico comentou:
para no5 :->uvir. Isto é, afinal, müsic-1 é p<~ra isso- par<l as pessoas
ouvirem e terem pr;:zcr. E por isso que não me import,> muito em Uma outra coisa sobre casamcmos, cara. Vocc fiLa ali mesmo no chão,
'

t
tocJr música melosa. Se •~ lguém go~ t <l disso, ent ão de <:erto modo ·~ ,t' bem no meio das pessoas. Você não pode escapar ddas. É diferente
isso me dii prazer. Acho qu~ so u meio diletante. Mas sosto de deixar .
. se você toca num baile ou num bar.' Num salão de dança você fica
as pessoas feli zes dess<t ma11eira. em cima de um pah1. o nde des não podem lhe abnçar. A mesma
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108 Outsiders A cultura de um grupo desvíante: o músico de casa noturna 109

convencio nal. Eram Jescritos po liticarnentc da seguinte maneira: que todos os meus amigos do bairro eram verdadeiros quadrados
"Eles detestam esta forma de governo de qualquer maneira e a e estúpidos . ...
consideram realmente ruim." Eram infatigavelmente críticos das Você sabe, é engraçado. Quando você se senta naquele estrado
empresas e dos trabalhadores, desiludidos da estrutura econômica ali, sente-se diferente dos outros. Eu até consigo entender como
e cínicos com relação ao processo político e aos partidos políticos os gentios se sentem em reh.ção aos judeus. Você vê essas pessoas
contemporâ!leos. Religião e casamento eram completamente se aproximarem, e elas parC'cem judias, ou têm um pouquinho de
rejeitados, assim como as cultur;J.S amt:ricanas popular e séria, e sotaque, ou algo assim, e elas pedem wna rumba ou uma porcaria
sua leitura restringia-se exclusivamente nos escritores e filósofos dessas, e eu realmente per.so: "Que quadrados irritantes, esses ju-
avant-garde mais herméticos. Em arte e música si:1t(bica. interes- deus'~ exatamente como SL' cu ml!smo fosse goy. É isso que quero
savam-se somente pelos desenvolvimentos mais herméticos. Em dizer quando falo que a gente aprende demais sendo músico. Isto é,
todo caso, apre:.savam-sc a indicar que seus interesses não eram os você vê muitas coisas e adquiri! uma perspectiva tão ampla da vida
<
da sociedade convencional, e que portanto se dife:-ençt~vam dela. É que a pessoa comum simplesmente não tem.
razoável supor que a principal função desses interesses fosse tornar
essa diferen<.iação inequivocamente clara. Em outra ocasião, o mesmo homem observou:
Embora encontrnsscm seu desenvolvin:ento mais extremP
entre os ''X Avcnue Boys", o isolamento c a aulc-segregncão era111 Sabe, desde que sai para trabalhar reahm·ntc fiqm·i dt· tal jeito que
manifestados também por músicos menos desviantcs. O smtimen- posso conversar com algun:-. d.t qudcs Glr<IS no bairro.
to dr estar isolado do rl·stante d;l socíedack era com fn:q üênr.:i.1 !Quer dizer que tinh<l dil1culdadc em !alar uJm dcs antes?!
muito forte; a seguinte conversa, que teve lu~ar eatrc dois .íovcl's Hum, t'll si111pleMIWIII\' ticav.1 por ,tl t ~· 11,1•> ~.d> i,l o que dih'l'.
ja:::.zmer~, ilustra c~uas reaçCJ·~s ao sentimento de is,)(am ento. Ainda tl.'nho dificuldadc p.tra Ct>nversar com aqut·ks caras. Tudo
que cks dizem p.~rcct.' bohu t' dcsintcrt·s~.llllt'.
Sabe, cara, detl· ~: to a~ pessoas. N<io sup1>rto estnr no meio(:<'
lõl>Dl E:
quadrado~. Eles 1111.' irrit'llll tantd quL' simplesmente nüo con~ igt' O processo de a<rto-segn.:gaç5o é evidt.•nll• em ccrt.1s expressões
suportá-los. simbólicas, em particular no uso de uma gíria profissional que
U i ARLI E: Voce não devia ,;c r as:;im , .:~1ra. N:10 deixe que eles o irritem. identifica rapidamente o homem que a pode usar adequadamente
Apenas ria deles. É o que cu ,-aço. Si mph:sme nte ri.1 de tudo l}lll' como alguém que não é quadrado, e reconhecer com igual rapi-
fazem. É a (,nica maneir.1de .:omcguir supurtar i~so. dez, como outsider, a pessoa que a emprt·ga i1tco rretamente ou
não a utiliza. Algumas palavras se desen\'Oiveram para designar
Um jovem músico judeu, que ~c identificava claramente com problemas profissionais e atitudes peculi.lrt·s de mú!>icos, e típico
a comunidade judaica. senria contudo seu i!>olamento profissional delas é "quadrado': Essas expressões permitem que os músicos
com intensidade suficiente par.~ raze r -~~ seguínk~ Jcdaraçõ :s. diswtam problemas e atividades para os quais a linguagem comum
não fornece uma taminologia adequada. Há, contudo, muitas
Sabe, um pot.co de conheciml'llll' é uma ..:oisa perigosa. Foi o que palavras que são meros substitutos para expressões comuns, sem
me aconteceu quando comec·~i a tocar. Eu realmente tinha a im- acrescentar nenhum novo sig11ificado. Por exemplo, estes são sinô-
pressão de que sabia demais. De certo modo, eu sabia, ou sentia, nimos de dinheiro: loot,gold,geetze bread Empregos são chamados
110 Outsiders

de gigs. Há inúmeros sinônimos para mnconha, os mais comuns


sendo gage, pot, charge, tea e shit.
6
A função des&e compcrtament') é indicada por um jovem Carre;ras num grupo ocupacional
músico que es·ava deixando a ati' idade: desviante: o músico de casa noturna
Mas estou satisf~ito por estar deix~l ndo a profis~ão. Estou enjoado de
ficar no meio de nHhicos. I lá ta nto ritua l ~ cerimô.1ia .;em ~entido.
.Eles têm d~ falar uma lin sua espeti,,l, 'e vestir de m;~ncira dift.rente,
usa1 um tipo Jiferente de óculos. r. tudo isso não significa p0 rcaria Jádiscuti-em particular ao considerar o desenvolvimento do uso
algumn, a não ser: "Nós somo~ diferentes." de maconha- a carreira dcsviante (isto é, o desenvolvimento de
um padrão de comportamento desviante). Gostaria de examinar
i.t agora os. tipos de carreira que desenvolve, entre músicos de casa
noturna, um grupo de "outsidcrs" que se considera "diferente", e
é assim considerado pelos outros. Mas em vez de me concentrar
na gênese de modos desviantes de comportamento, vou perguntar
quais são as conseqüências, para a carreira ocupacional de uma
pessoa, p roduzidas pelo fato de o grupo ocupacional em que ela
faz essa carreira ser um grupo desviante.
Ao usar o conceito de carreira para estudar o dest in o ào indivi-
duo dentro de organizações ocupacionais, Hughes defini u-a como:

Objetiva i: u~nte, ... uma série de s tatus e funçflt'~ dar.~rn~1 1t e definidos,


... seqüências típicas de posi~·iHl, realiza·;ão, n·sponsahi lidnde e até de
aven tu ra .... Subjetivamente, uma cnrreira é uma pcrspelliva móvel em
que uma pessoa vê sua vida como um todo,. interpreta o significado
de seus vários atributos, ações e as coisas que lhe nwn k ccm.1

A discussão dos estágios da carreira m édica desenvolvida por


Hall concentra-se mais ~specificamente na carreira como uma série
de ajustamentos à "rede de instituições, organizações for mais e
relações informais" em que a profissã o é praticada.~
Os perfis de carreiras carackrísticos de uma ocupação ganham
sua forma a partir dos problemas peculiares a ela. Estes, por sua vez,
são uma função da posição da ocupação vis-à-vi)· outros grupos
na scciedade. Os principais p roblemas dos músicos, como vimos,
giram em torno da manutenção de sua liberdade diante do controle

111 ·
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna 113
112 Outsiders

sobre seu comportamentc artístiw. O conLrole é exercido pelos industrial ou dos funcionári os de colarinho -branco, ele não iden-
outsiders par.l quem o músico trabalha, que usualmente julgam seu tifica sua carreira com um empregador; espera mudnr de emprego
desempenho e reagem a ele com base em padrões muito diferentes. com freqüência. Um ranqueamento informalmente reconhecido
A relação antagôuica entre músicos e outsiders molda a cultura do desses empregos -levando em.conta a renda envolvida, as h o ras
músico e rroduz também as principais contingência;; e os pontos !• de trabalho e o grau percebido de reconhecimento da realização
de crise em sua carreira. pela comunidade - constitui;;. escala pel a qual um músico avalia
i:
Estudos de ocupações mais convencionais com0 a medicina •. seu sucesso segundo o tipo de emprego que de hábito tem .
mostraram que o sucesso ocup<ecional (tal como definido por No nível mais baixo dessa escala está o homem que toca
membros da ocupação) depende de se en..:ontrar um<~ pusiçâo para esporadicamente em pequenos bailes , recepçôes de casamento
si naquele grupo ou naquele:. grupos que controlam as recompensa~ e atividades semelhantes, e t•: m sorte qua ndo re(ebc pela tabela
dentro da ocupação, e que as açôcs c os gestos de wkgas dcsem· do sindicato. No nível seguinte estão aqueles homens que têm
pcn ham um grande papel '1il decis~1o do resultado ch CJ~reira l~l· empregos estáveis em "espelu~ Kas" - ba res e boates de chtsse
qualquer indivíduo.3 0s músicos não sào exceção a essa proposição, inferior, pequenos cabarés etc. - onde a remun eração é baixa
c começarei considerando !>Uas dctiniçücs de sucesso (Kllp.tcional l' e o reconhecimento da comunidade é ainda mais baixo. O nível
o modo como o descnvol·: imenw de (arrciras musicais depende d,1 seguinte é compreendido por aqueles ho me ns q ue têm empregos
integração bem-s·J cedida na or~anizaçi'io da profis~ão de músico. estáveis em bandas lo.:ais de salões de ba ik de bairro e pequcrus
Mas a história da ca:·rcira do músico não se resume a isso. () boates e salões de coquetel "re::peitáveis" em á reas melhores da ci-
problema da liberdade em face do controle externo cria certas contin- dade. Esses lugares pagam mais que as espeluncas, c quem trabalha
gências de carr~ira adicionais que acrescentam algumas complicações neles pode esperar ser recon hecido como bem -~uccd ido em sua
à estrutura da ocu paçao; ci) nsiderarci esses aspectos em seguida. comunidade. AproxitnadamL'nte equivalentes a estl's são aqueles
Por fim, a família do mt'•sico (tanto aquela em que ele nasceu que trabalham nas chamadas "orquestras famosas de classe B", a
quan to a que ele cria ao se casar) tem um importante efeito sobn· segunda classe das orquestr<IS de dança nacional mente conh e-
sua carreira.4 Pais e e$posas são tipica mçntc não-músicos e, como cidas. O n ível seguinte consiste em ho m<:ns qu e trabalham em
outsiders, muitas vezes n5o comprl'cndem a naturan da ligação bandas " famosas de classe A'' e em orquestras locais que tocam nas
do músico com seu trabalho. As incompreensões e divergências melhores boates, ho1éis, grandes conven~ocs etc Os salários são
que surgem freqüentemente altera'11 a direção da cn rreira de um bons, os ho rários são leves, e os homens esperam ser reconhecidos
músico e, em alguns casos, prov~Kam seu encerramento. como bem -sucedidos dentro e fora da profissão. As posições mais
altas nessa escala são ocupadas por homens que pertencem ao staff
de estações de rádio, televisão e teatros. Os salários são altos, os
horários folgados, e os empregos são reconhecidos como o epítome
"Panelinhas"* e sucesso
da realização no mundo da música local e como ativ idades de alto
O músico concebe o sucesso como um movimento através de uma nível de respeitabilidade por parte dos outsiders.
hicrarqui<l de empregos disponíveis. Ao contrário do trabalhador Uma rede de "panelinhas" informais, interligadas, distribui os
empregos disponíveis num dado mo.mento. Para obter trabalho em
• No original, dique>. (N.T.) qualquer nível, ou para avançar até os empregos num novo nível,
--..,.,,..
~

114 Ot1tsiders
Carreiras num grupo ocupacional desvia nte: o músico de casa noturna 115

a posição que uma pessoa ocupa 11a rede é de grande importância. para gozar da segurança de emprego estável, é preciso ter muitos
As "pandinhas" são unidas por laços ele obrigação, os membros "contatos":
apadrin ham-se u ns aos outros na obtenção de empregos, seja
contratando-se uns aos outros q uando têm poder para tanto, Você tem de fazer contatos d~s3e tipo pela cidade inteira, até que se
seja recomendando-se uns aos ou~ros para aqueles que fazem as crie uma situação na qtwl quando qualqul'r pessoa q uiser alguém
contratações para uma orquestra. A n:cumendação é de grande ela o chame. En Uu você nunc.1 fica rá s~m lrabalho.
importância, pois é assi m que índivíc.;uos disponíveis tornam -se
conhecidos pelos que contratam; a pessoa desconhecida não será Convém obsavar certa s~m elhança co m " o rgan ização info r-
contratada, e o pertencimento a essas ''pnnelas" assegura a un' mal da prática médica. Os músicos cooperam entre si recomendan-
músico que ele tem muitos amigos qu e o recomend.Jrão para as do-se uns aos outros para em pn:gos de ma n ~ ira muito parecida
pessoas certas. com a que membros da "fraternidade interna" médica coopera m
Assim, o pertcncimenro às "pan~las" proporcion<l .:mprego entre ~i encaminhando pacientes uns ao~ o utros.·' O s dois com-
estável ao indivíduo. Um homem explicou: plexos institucionais diferem, contudo, pelo ti11o de q ue a prática
médica (a não ser nas maion:!> cidades) tendl' a gir<lr ~ m torno de
Veja, funciona assim. t-.1inh.l nün d i r~i t ,l
.tqui,l-:iu ..:inn) m(lsi..:os. alguns grandes hospitais que uma ou poucas dessas fraternidades
Minh.1 mão c.~qucnl.l, ~;i o m.ti" dnt<~. i\r.or;111111dc~t l'~ r. 1 pazc~ alJUi
podem wntrolar. Na música, o rl ú mero de lucu:. po:.!:iivd é muito
consegue um emprego. Ele cs-:olh~ o~ homms p.m1 dt• a p~na~· entre maior, com UJJla proliferação pro porcionalml;'nte maior da organi-
os suj ('itos deste gru pl). Sunprc '1111: 11111 ddcs con:.eguc u m emprego, zação; por co nseguinte, cada ind ivíduo tem ml'lhorcs condições de
natu··almentt.: contra ta e~se ~ujc !to. Voe,· vê. portan tu, ~·o m11 a coi ~a
estabelecer os contatos certos ptlra si, e, po rtanto, há uma redução
funcio n.•. Eles nurict contratam n i n1!u~·m qu.: nào t'$tt:ja IH pand.t. do poder de qualquer "panelinha" partícu la r.
Se wn deles trJball:a, t~tdos t r,thalh.lm.
Além de um grau de garantia de trabalho para seu s in tegrantes,
as "panelinh as'' fornecem ainda rotas pelas qun is uma pessoa pode
() mll ~ico estabelece c cilllcnta t 'SS<.lS rdaçõcs comeguindo cm-
se deslocar ao longo dos níveis de empregos. Em várias ''panelas"
prê!gos para outros homens ~ obriga ndo-os a retribuir o favor. o bservadas, os participantes provinham de mais de um nível da
hierarquia; assim, homens de posição inferior podiam se associar
Havia uns suj('ilos nesta banda para q u.:m eu tinh;t .:onscguid0 bons
a homens de um nível mais alto. Quando um emprego se torna
em pregos, e eles continuavam a ocup~· lus desde entiio. Como um
d isponível num plano mais alto da escala, um homem do nível
daqueles trornbonistas. Eu o coloqu,·i 1111111.1 bo<"l h<lnd <l. Um dos
inferio r pode ser apadrinhado por alguém dl· categoria mais alta,
trompetistas também. ... Você sabe wmo is~o fun( iona. L;m Uder lljc
que o r.:comenda, ou contrata, e se responsabiliza pela qualidade
pede um homt:m. Se ele gostar do ~ujc ito que vo..:.ê lhe arra nja, toJa
de se• 1 desempenho. Um músico que pertencia ao stafT de uma
ve~ que precisar de um, \'ai lhe pedir. l>cs~e mudo você consegu ~
rádio descreveu o processo nesses termos:
empregar todos os seus <llni~os.

A o utra maneira de ser um sucesso é ter uma po rção de amigos.


A segurança vem do número c da q ualidade das relações
Você deve tocar bem, mas precisa ter amigos em diferentes bandas,
assim estabelecidas. Para ter um n carreira, é p reciso trabalhar;
e quando alguém sai de uma banda, eles se esforçam para encaixar
11j .
'
116 Outsiders
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna 11'7

voce. Uma peS-soa leva muito ten1po para se firmar dessa maneira.
Em suma, a obtenção desse..; empregos melhores requer da
Eu levei uns dez a nus para conscgu ir o emprego que :enho agora.
pessoa tanto competência quanto constituição de relações infor-
mais de obrigação mútua com homens que podem indicá-los para
Se::- homem assim apadrinhado tiver um bom deseil'penhn,
eles. Sem o mínimo necessário de competência, a pessoa não pode
poderá estabelecer outras relações informais no novo nível, e nele
ter um bom desempenho no novo nível, mas essa competênciJ
conseguir mais empregos. O bom J es•'mpenho no trabalho é ne-
só resultará no tipo apropriado de trabalho caso se te nha feito os
cessário para que ele se estabeleça pkn;lmente no nov<• nível, e os
contatos apropri<1dos. Para os padrinhos, L'Omo indica a citaç:10
padrit1hos exibem grande ansiedadl' com reb\üo ao d·.·s.~mpenho
anterior, o sistema opera no sentido de levar homens disponívei:-; it
de seus protegidos. O apaJrinhallll'nlll múltiplo ,!escrito Pesse in ·
atenção daqueles que têm emprL'g 'S a preencher, e de lhes fornecer
cidente, em minhas anotações de campo, ilustra que essa ant>iedadt· l
recrutas de quem se pode esperar um desempenho adequado.
tem origem nas obrigaçocs com relaçilo a colegas: I A carreira bem-sucedida pode ser vista como uma série desses

Um amigo meu me pergtmtou se eu i na trabalhar aquda noite. Quan


do lhe disse que não, d~ m ~ levou ak um outro sujeito que, por stw
1 passos, tada qual uma seqüência de apadri nhamento, desempenho
satisfatório e estabelecimento de relações a cada novo nível.
Observei uma semelhança entre a carreir<1 do mCbico e carr~iros
vr:.L, me levou até um velho com fort~ sot.K)ue italiano. Es~e homem
na medicina e na indústria, revelada no fato de que o funcionamento
me perguntou: "Entiío, vocl' toca piano?"' Respondi: "'J~·xo.""Mas tma
bem-sucedid(1 e a mobilidade profissional süo funçücs da relaçãt>
bem?" Eu disse: ''Sim." Ele: fJ.Iou: "'Jbca bem? Lê bastante bem?" Eu
do indivíduo com uma rede de organiz<'ções informa is composta
respondi: "Razoüvelrncnt~ De qu~ !>~tra ta?" Ele disse: ''Ê um dub~
por seus colegas. Passarei agora à variação ne:;sa forma social típica
a<.1ui no Loop. Edas 21h <is 4h30, pa~,\ L')$2,50 ,\ hora. 'li:m ccrtela
criada pela forte ênfase dos mth iws na manutt·n ~·iio de ~ualiberda(,k
Jc que é cap.:rt?" He~pond:: "Ccn~ttlll'll\L' ! " Fl.: tonHJ meu ombro c
para toc<Ir sem a interferênch de não-músico.-;, visros co mo pessoas
d isse: "Certo.~~ qu: eu tc11ho de lhe f.ti'l'r e~ tas p<.'rgunt.l~. bt<) é, eu niio
que não dispõem da compreen.s;io e da <lprecia,·;lo do~ 111 is teriosos
sei, não ~L'Í como você tocJ, r,·almenk tenho dl' !J<:rgunt,li, <:ntcndd"
dons artísticos. Como é difícil (S.<' não impossívd ) alcan çar a liber-
Respondi: "Claro." Ek faluu: "Vocl' sabe, prt·ciso ter c..:Tteza, é um
dade desejada, a maioria .:los homens considera IH:.'C<.•ssá rio sacrificar
lu~m no centro. 13om, aqui est<i. Ligu~.· p.lr<l este númew c diga-L·tt:~
os padrões de sua profi~são em algunl'grau, de modo a satisfazer as
que Mantuno mandou você ligar... ,\ l.tn tuno. Emmda, preciso ter
demandas de públicos e daqueles que controlam as oport unidades
cerreza de que v? i se sair be.n, do co n1 drio l'Stou frito. V;i, ligue p.ua
de emprego. Isso cria uma outra dimensão de prestígio profissional,
t'les agora. Lembre-se, !vlantuno lhe disse para você ligar."
baseada no grau em que uma pessoa se recusa a modificar seu de-
E](' me deu o número. Liguei c consegui o emprego. Quando s<'Í
sempenho em deferência a demandas externas ·- de um extremo,
da cabine, meu amigo, que tinha originado a transação, se aprox;- de "tocar o que voeê sente,, ao outro, de "tocar o que as pessoas
mou e falou: "Tudo certo? Conseguiu o emprego?" Respondi: "Sim,
querem ouvir': O jazzman toca o que sente, enquanto o músico
muitíssimo obrigado." Ele disse: "Tudo bem. Ouça, faça um bom
1r.tb,\lho. Isto é, se for música conH:rcial. toque músic, , comercial.
4
comercial atende ao gosto do público; melhor síntese do ponto de
vista comercial é uma declaração atribuída a um músico comercial
Que diabo! Quer dizer, .•e você não fizer isso, eu é que estarei com
d~ 'l1uito sucesso: "Faço qualquer coisa por um dólar."
o traseiro na retJ, voe.: sabe. E n~o ~ nt:m só o meu, é o Jo Tony e o
Como salientei anteriormente, os músicos sentem que há
daquele outro cara. São 4uatro trastiros diferentes."
um conflito inerente a essa situação, e que não se pode agradar ao
I
118 Outsiders Carreiras num grupo oct.;pacional desviante: o músico de casa noturna 119

público e manter ao mesmo te1rpo a própria integridade <lrtística. Assim, as "panelas" cujo 3Cesso uma pessoa deve conquistar
A seg11inte citaç1o, tomada de uma entrevista com um músico do para alcançar sucesso e segurança são compostas por homens
staff de uma estação de rádio, ilustra o tipo de pre~são que gera indiscutivelmente comerciais em sua orientação. As maiores re-
esses conflitos nos empregos de nivcl mais alto; compensas da profissão são controladas por pessoas que abriram
mão de alguns dos padrões profissionais mais b<ísicos, e é preciso
O importante no ~stúdio é niio w meter nenhum erro, cntemk? fazer sacrifício semelhante para ter alguma chance de chegar às
Eles não se importam se você toca uma co isa bem ou 1~üo, cont;Hlt ll posições desejáveis:
que toque todas as nota s c não erre. E claro, você ;e importa ~·: a
coisa não soa bem, nus d:s nàu cstii1> i ntetT~sados nis.;o . ... Niil> ~t: Veja, se você toca músic.1 co merci<i l dcs~c tipü, consegue entrai
importam em co mo dlCt' ~o.t qu,111do pa~-..1 pm aqude PJiuofu .IL', nessas " panelinhas" que t t' tll tot!os os bon~ cmpn:gos, c pode real-
estão interessados só no lado cumL't'Ci~ll. Isto~. voce pode ter algl'm mente se dar bem. Toquó em alguns dus melhores em pregos d<t
orgulho pe~~L>alnís~o. ma~ L·k~ tl.l<> ~v impn rtatr . ... !'~ iss<1 qm· V\ 1u:· cidade- o Q. Club c luga res assim-, r l; isso qul' tem de f;tzer.
tem de fazer. Dê a ele aquilo de que j;i sabe que ele gosta. "roque desse jeito c J-ique at.ügo desses caras, depois você nunec\
lerá de se preocupar. Po1k ll'r ct:rtcza de la 1ur.1r aq lll'la gra na toda
O emprt'go cot11 maior prestigio é. portanto, aquele em qu : semana e é isso q ue importa.
o músico tem de sacrificar sua imkpen déncia artística c o cons~·­
qüente prestígio em termo:; prt'ftssionais. Um musico comercial As "panelinhas" compost,ls por jazzmf'll não of<: recem nada a
de muito ~ ucesso professou respl'ito pela independência artística seus integrantes além do prestígio de manter a integridade artística;
ao mesmo tempo q•.le cntatizava s~;·u deito ncg~1 tivo sobre o de- as "panelas" comerciais fornecem !;eguran\·a, mobilidade, renda e
senvolvimento da carreira: prestígio social.
Esse co ntlito é um grande problema para o mtbico, e o desen-
Eu ~e i, você provavelmt:t~lc gosta tk tOC<lr iazz. Claro que entendo. Eu volvimento de sua carreira depende de sua rt?ação a de. Embora eu
. o
costumava me interessat por j;·.u. mas ckscobri que não compe,1S<IV<1. não tenha colhido nenhum dado sobre esst' ponto, parece razoável
As pessoas n~o gostavan1 de jazz. r:.las gostam de rumba s. Afinal, i.çto supor que a maioria dos homens entra na música com um grande
é um negócio, não~ m esm o? S.: ,,,>.:é cs t<í nele para ga nhar a vida, respeito pelo jazz e a L:.berdade artística. Num certo ponto do desen-
não pode jogar jan em cima das pc~~oas o tempo todo, elas nüo volvi~11ento da carreira (que va ria de um indivíduo para outro), 0
vão aceitar. Então você telll de t<JC<lr o que das qul'rcm, são elas que conflito torna-se aparente, e o músico se dá conta de que é impossí-
pagam as contas. Isto é, não me entenda m:!l. Se um sujeito con:-.,•gue vel alcançar o tipo de sucesso que d<;seja e manter a independência
ga nhar a vida toca ndo jazz, ótimo. Mas eu gostaria de conhccn () de :;eu desempenho musical. QuanC:io a incompatibilidade dessas
sujeito que consegue fazer isso. Se você quiser chegar a algum lugar, metas t~rna-se óbvia, algum tipo de ~colha deve ser feito, ainda que
tem de ser comercial. por omtssão, determinando assim d futuro curso da carreira.
Uma resposta para o dilema é e~itá-lo, abandonando a profis-
Os jazzmen, por outro lado, se queixam da baixa po:lição do o; são. Incapaz de encontrar uma solução satist:ttória para o problema,
empregos disponíveis para eles em termos de renda e outras coisas o indivíduo interrompe sua carreira. A justificativa desse passo é
além do prestígit.> artístico. revelada na seguinte declaração de alguérn que o deu:
120 Outsiders Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna 121

É melhor pegar um emprego com o qual você sabe que ficarú de -


aprender a pensar em si m~·s mo de uma nova maneira, a se ve r
primido, no qual você espera Jic.1 r <Hrasado, qu~ 1er dm emprego como um tipo diferente de pessoa:
na mú ~i ca, que poderia ser exce kntc, mas mio t:. Por exemplo, vo e(·
entra no comércio, mas não sabe nada sol1re isso. EI .tfio imagi11J
Acho que esse negócio comercial realmente me J.>cgo u. Você sabe,
que vai ser uma amolaç<lo e es pera por isso. Mas a fllúsira pode ser
mesmo quando tenho u m rr, halho em que se cspt.:ra q ue a g<.:n te
tão lega l que, quamk n ão é, torn <Hc umil gr;mdc decepçao. Entã('.
toq ue jazz, em que a gen tl' pode se so ltar c tocar qu ;1lquer coisa, L'LI
é melhor ter algum o•.1tro tipo de t'mprcgo, que núo deixe vo.:l' penso em ser comercial, em to car o q ue as JlL'Ssoas ali querem ouvi r.
arrasado d~:ssa mam· ira . Eu costumava ir para um trab:~lho com a ideia Je toca r o m el ho r
que p udesse, só isso, só tocn da melhor manl.'ira possí~cl. E agora
Vimos a gama das r.:srostas para es~e dilema por parte daque- vou para u m traba lho e pensd automaticdmentc: "O que essas pes-
les que permanecem lia rrofissão. () jCIZZ /11(111 ignora as demandas
soas vão querer ouvi r? Scr.i que elas querem ouv ir o estilo Ken ton,
do público para se ater aos padrôcs artísticos, enquanto o mú~icd
ou algo h po Dizzy Gillespit' [orquestras de jazzj, ou algo tipo Guy
comercial faz o oposto, ~ur,bos sent ind o a pressão das duas forç<~ ....
Lom ba rdo [orqucstr<J comercial], Oll o qul'?" N;iu consigo deixar
Meu interesse aqui é discutir :1 rdaç<io dessas respostas com as
de pen sa r isso com meus bo tões. Eles rea lmen te meter<~m isso em
perspecttvas da carreira. mim , acho que m e do m inaram.
O homem guc opta pur ignor<lr pn:ssõ6 comerciais vê-se L'lc-
tivamente impedido de Ler acesso a e m pregos ele maior prestígio e
Mudança mais drás tica da auto-im agl'l11 rdacionada a esse
renda, e de ingressar naquet1s "panelas" que lhe proporcionaria m dilema de car reira está presente na seguinte d~clnraçào:
segurança e a oportunidaot' de de5frutar essa mobilidade. Poucas
pessoas estão dis p ostas a (!dotar uma po::,içiio tilo extrema Ou süo Vou lhe dizer, concluí q ue a única coisa a fazer é realmen te virar
capazes disso; a maioria transige e m algum grau. O padrão d e comercia l - tocar o que a~ pessoas quere m ouvir. 1\cho que h:í
movimento envolvido nes::,J trami g·:·ncia é um fcnômen0 comum um bom lug<~r para o cara que dá a eles exatame.nle o que querem.
de carreira, muito conhecido entre os músicos e considerado pra- A melodia, só i~so. Nen hu ma improvisação, n ada de técnica- só
ticamente inevitável:
a p ura melodia. Vou lhe dizer, po~ que eu não dever ia tocar desse
jeito? Afinal, vamos parar de nos enganar. Nu maioria, não somos
Es tive com K.E. Eu Jissc: "Voe~ não pode m e conseguir algu ns
realmen te músicos, somos apenas instrumentistas. Isto é, penso
contratos para tocar?" Ele respondeu , imitando um dos "velhos":6
em m im mesmo como uma espécie de tr~halhador comum, sabe.
"N:w, meu filho, qu.1ndo Yncé criar juízo e virar com :rcial, vou po- Não faz sentido tentar me enganar. A maioria desses car as é só ins-
der lhe ajudar, mas nàr) agoril." Com a voz. normal, co ntinuou: "Por
trumentista, eles não são músicos de verdade, de m aneira alguma,
qw.: voct- não se modemiza? 1\·1eu Deus, acho que estou liC:erandu,. deveriam parar de tentar se enganar achando que são.
tenden cia rumo ao con1ercialismo. Eu certamente escolhi isso com
muita intensidade, não fo i?" Uma tomada de decisão como esta e a passagem por uma
mudança como esta de auto-imagem abrem caminho para um
Nesse poPto decisivo de sua carreira, o indivíduo julga ne- movimento rumo aos níveis mais altos da h ie rarquia de empregos
cessário fazer uma mudança radical em sua auto-imagem; tem de e criam as condições nas quais o sucesso completo é possível, se a
12 2 Outsiders Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa notu rna 123

pessoa for capaz de tirar proveito da oporttmidade L'::tabelecendu mente confro ntado com trabalhos para os quais se tem apenas
e mantendo os contatos apropriados. as habilidades mínimas,
Um modo de ajustar-se às realidades do trabalho sem sacrificar . Em resumo, a ênfase que os músicos düo em estar livres da
o auto-respeito é adotar a vrientação do artesão. O músico que faz mterferência inevitável em seu trabalho cria uma nova dimensão
isso não está mais preocuyado com o tipo de música que toca. O qt,e do prestígio profissional que de tal maneira mtra em conflito com
o interessa é uniG.r11ente ~e a toca corretamente, se possui as habilidJ- o prestígio do emprego anteriormente, uma vez discutido que n5o
des necessárias para fazer o trabalho como deve ser feito. Encontra se pode ocupar ao mesmo tempo uma posiçtio elevada nos dois. A~
seu orgulho e auto-respeito na capacidade de "tirar de letra" qualquer maiores recompensas estão nas mãos daqueles que ab rira m mão de
tipo de música, em ter sempre um desempenho adequado. sua independencia artística e pedem sacrifíci(l semel h,mte daqueles
As habilidades necessjrias para manter essa orientação variam que ~e~rutam para essas posições mais altas. Isso cria um dilema para
co.rn o tipo de lugar em que o músico toca. O homem que trabalh <t o mustco, e sua resposta determina o curso Cutu ro de sua carreira.
em bares com grupos pequenos se orgulhará de conhecer centenas A rocusa a se sujeitar significa que toda esperança de conseguir
(ou até milhares) de músicas e ser capaz de tocá-las em qualquer empregos de prestígio e renda elevados deve ser abandonada,
tom. O homem que trabalha numa grandi.' banda se orgulhará de enquanto ceder às pressões comerciais lhe abre o caminho do su-
sua sonoridade e do virtuo$Ísm c técnico. O homem que trabalha cesso. (Estudos de outras ocupações deve riam dedicar atenção a
numa boate ou num estúd!o de rádio se gaba de sua capacidade de esses aspectos das contingências de carreira que também se Hgam
ler à primeira vista qualquer ti~o de músi ca com fidelidade l : pre- aos problemas colocadus pelas relações de trabalho com clientes
cisão. Como esse tipo de orientaçã<' tende a produzir exatamente o ou fregueses.)
que o empregador quer e num niw! superior de qualidade, levará
provavelmente ao sucesso ocupacional.
f mais fácil manter a orientação do artesào nos princirais Pais r. esposas
centros musicais do país: Chicago, Nova York, Los Angeles. Ness<ts
cidade~, o volume de trabalho disponível é grande o bast<tntc Observei que os músicos estendem seu d esejo de liberdade de
para permitir uma especialização, e um músico pode se dedio r interferência externa em seu trabalryo a um sentimento generali-
resolutamente a aperfeiçoar um único tipo de competência téc- zado de que não deveriam ser tolhi4os pelas convenções comuns
nica. Encontram-se músicos de assombroso virtuosismo nesses da sociedade. O ethos da profissão fomenta uma ad miração pelo
centros. Em cidad es menores, em contraposição, não há traball1 ') comportamento espontâneo e individualista e um desdém pelas
suficiente de tipo algum para que o músico se especialize, e eles regras da sociedade em geral. É de esperar que os membros de
1
são chamados a fazer um pouco de tudo. Embora as habilidades nma ocupação com esse ethos tenham problemas de conflito
necessárias se superponham - a sonoridade, por exemplo, é quando entrarem em contato mais ~róximo com essa sociedade.
sempre impGrtante ~, cada qual tem áreas em que é apena~ Um ponto de contato está no trabalho, em que o público é a fonte
minimamente competente. Um tro mpetista pode tocar excelen- dt: problemas. O efeito dessa área de problemas sobre a carreira
te jazz e se sair bem em pequenos grupos, mas ler mal e ter um foi descrito anteriormente. I
desempenho bem pior quando trabalha com uma grande banda. Outra área de contato entre pro~ssão e sociedade é a familia.
É difícil man!er o o rgulho como artesão quando se é ~ontinua- O pertencimento a famílias viil cula o músico a pessoas quadradas,
124 Outsider>
.,,
... Carreiras num grupo ocu pacional desviante: o músico de casa noturna 125

outsiders que se a têm its convenções sodais cuja autoridade o m ü- Sabe, todo mundo achou horrível qu.mdo d \?cidi ser músico ....
sico não reconhece. Essas relações encerram germe~ de cotlf"lito Lem bro que me formei na escola secundária numa guinta- !c:ir~
gue podem se manifestar co m co nseqüências Jes<1strosas par.1 <l e dei xei a cidade na segu nda-feira par,t pegar um trabalho. Mew;
carreira e/ou <1 relação ~~.miliar. E:-.ta seç:"io explicará em dct.dhe pais ficaram discutindo t'omigo e todo,, th n.cm pan:ntes tarn bt;m.
,,~· ....
a naturez;l desses COnnitoS C Seu efeito sobre a GHI'CÍra. " Eles me fizeram passar um mau bocado .... Teve: um tio meu que
A família do indivÍtiuo tem grande influ(·ncia sobre sua escolha fo i drástico, Jizmd o qu\' .tquda niio l' r•• Ulll;t vida no rm,tl, quL' eu
de ocupação pelo seu poder de p<ltrocinar e ajudar o neófito ·1a nunca poderia me casar, l' toda aq uela convers.1.
carreira <llle escolheu. Hall, c111 sua discuss<io dos estágios inici ú-;
da carreira médica, obser\'a q L!C: O conflito tem dois etcitos típicos sobre a carrei ra. Primeiro,
o possível músico pode, em face dn press<io da fam íl ia, desistir da
Na maiona dns Gl~os , a famíli.1 •.'ll ll~ .Hlligos dt·scmp.:nhanun u n• música como profiss:"io. Um aju ~te co mo esse é bastante com um
imp(\rtantc papel im.1ginando ( l patil d;1 CMrt•ir.l t' rd'O!\<llldo os no estágio inici,ll da carreira. Po r outro lado , o jovem mú~ i co
esfo rços do recr uta. ProporcinnM.nn .:~se rdOI\'<> t'ncoraj.llhlo, pod~ igno rar os de~ejos d a sua famíli a (' continuar sua carreira,
<~judando a estabclet:er as mtiz l<l~ upropriadas, pr(lpici;mdo a pri- r: caso em que muitas vezes é privado do apoio fa mil iar mais cedo
v,lc idade nece5sá ri:t , de,;estimulando t) comport~m1enro anômah>e ' ' do que em outras circunst5ncias, e d eve começar a "batalhar por
dC'finindo a~ reco mpe!l~as do dJ<hl -din.' conta pró pria", a0rindo seu caminho sem o patrocínio nem a
ajuda fi nanceira que de o utro m9do poderiam estar disponíveis .
.{
Os pais do músico em geral não ajudam o desenvolvimento Na música, portanto, a carn.•ira começa usualmente- se é que
de sua carreira dt~ssa maneira. Ao contrário, como um homem começa- sem a ajuda e o incentivo da família típicos de carreiras
observou: "Meu Deus, a maioria dos caras tem uma briga terrível em muitas outras ocupações.
com os pais quando decide entrar na profissão t.:e músico." A Depois que se casa e estobelece a própria família, o músico
razi'io é ciMa: seja qual for a classe de que ele provenha, é ób\ io entra numa relação em que as convenções da sociedade lhe são
para a família do possível músico que ele está ingressando numa apresentadas de maneira imediata e poderosa. Sua mulher, em geral
profiss<io que estimula ~eu rompi111cnto com os padrôe's conwn- não-música, espera que ek, como marido, seja um companheiro
cionais de comportamt'nto do seu meio social. Famílias de clas!>e e provedor. Em algumas ocupações não h á nenhum conflito entre
baixa par .!Cem ficar ex trema mente ar1itas com a irregularidade do as demandas do trabalho e da família. Em outras, há conflito, mas
emprego no meio musical, embora haja evidências de que algumas existem soluções socialmente sancionadas aceitas por ambos os
estimularam ess~ tipo de carreira, vendo-a como uma possível rot.1 cônjuges, como, por exemplo, na.prática médica. Em ocupações
d e mobilidade. Na família de classe média, a escolha da música em desviantes, como a profissão de rnúsico, as expectativas profissio-
casas noturna~ como ocupação é vista como um movimento rum0 nais não se coadunam em absolutq com as expectativas leigas, com
à vida boêmia, envolvendo uma possível perda de prestígio tanto r.onseqüentes dificuldades para o fUÚsico.
para o indivíduo como para a família, sendo por isso vigorosamente Os músicos acham que os imperativos de seu tr,1balho devem
combatida Considerável pressão é feita sobre a pessoa para que ter precedência sobre os de suas far)lílias, e agem em conformidade
I
desista de sua escolha: com isso:
126 Outsiders Ca rreiras num grupo oc•Jpacional desviante: o músico de casa noturna 127

Cara, minha mulher é uma garota excelente, mas não há jeito ele se agarrar a ele?" Johm1y, o saxofonista, disse: "Sabe por quê? Porque
ficarmos juntos, n:10 enquanto cu estiver tr;JI,alh;mdo como m ú- a m ulher dele o obriga a se agarrar ao emprego." Gene falou: " EI.e
sico. Nenhum jeito, nenhum jeito mesmo. Logo que nos casa. nos, não devia deixar que ela mandasse nele desse jeito. Pelo amor de
era ótimo. Eu estava trabalhando na cidade, ganhando uma boa Deus, minha patroa não me diz o que faze.:' r. Ele nJo deveria tolerar

grana, todo mundo estava feliz. :vias quando esse trabalho acab:na, essa Ir erda."
fiquei sem nada. Então recehi uma oiert~ para viajar. Bem, que diabo, Eles começaram a fazer alguma coi~a em n:laçào ao caso. An-
cu precisava do dinheiro, a,~eitt'i. S<llly disse: "N:.io, quero voce n,\ daram convidando )ay para ir à pista de corridas com eles nos dias
cida:le, tollligo." Ela preferi<! qu..: vu fosse trab.llh.tr numa fábr ic,t! de semana, e ele andou faltando ao tra b.d ho para ir. Depois de uma
Bom, foi uma grande merda. Entào fui embora com a banda. Que dessas ocasiões, Gene d isse: "Cara!A mullll'f dele ficou enlouquecida!
dial'o, gosto demais ..la prr.fiss;io. N;1o Vllll abrir m:w dda pnr Sally Ela não quer que ele dê uma mancada c paca esse emprego, e sabe
ou por (jualquer outr<:~ mulhn. que estamos metidos nisso. Acha que somos más int1uências. Bom,
.acho que somos il1esmo, do ponto de vista dela."
É provável que o cas<Jmento .se torne uma luta permanente em [Algumas semanas depois Marlowe deixou seu emprego diurno
torno dessa questão; o (~e.sfecho da luta determina a interntp\·ão e voltou à mú~ ica . J
ou a continuidade da carreira musical do m;-trido, como ilustra o
seguinte incidente retirado de minhas anotações de campo: Para outros músicos que sentem mais forternente suas res-
ponsabilidades familiares a situação não é tão sih·1ples. A insegu-
Os rapazes do Z. Club estão tentando convencer )ay Marlowe a voltar rança econômica da profissão de músico torna difícil ser um bom
a trabalhar lá t:m ho rário integral. Elt> t>stá dividi nd c a semana com provedor e pode obrigar o indivíduo a abandonar a profissão, um
alguém agora. Conseguiu um emprego diurno no mesmo escritcírio dos padrões típicos de resposta a essa situação:
em que a mulher dele trabalha, fazendo contabilid.1de ou algum pe-
queno serviço de e~critório. Os rapazes estão tentando convenn•-lo Não, não tenho trabalhado muito. Acho que vou pegt~r um maldito
a deixar isso. Ao que parece, a mulher dele é totalmente contra. emprego diurno. Você sabe, quando você é Ct~sado é um pouco di-
),!)'foi músico a vida inteira, pelo que sei; provavelmente é a ferente. Antes era diferente. Eu trabalhava, não trabalhava, dava no
primeira vez que tem um emprego diurno. Gene, o baterista do Z. mesmo. Se precisava de dinheiro, pedia cinco emprestados a minha
Club, me disse: "É bobagem dele ter wn emprego diurno. QuantL> mãe. Agora aquelas con tas simplesmente n ão esperam. Quando
pode ganhar ali? Provavelmenre não fatura mais de 30, 35 por você é casado, tem de estar sempre trabalhando, ou não dá conta
semana. Ele fatura isso em três noites aqui. É daro, a mulher dele do recado.
flUeria ~ue
deixasse a profissão. Ela não gostava ria idéia de toda~
essas madrugadas, e as garotas que fazem ponto nos bares, esse tipo Mesmo que a carreira não seja interrompida dessa maneira,
de coisa. Mas, afinal, quando um cara pode fazer alguma cvisa e as demandas do casamento exercem uma pressão muito forte que
ganhar mais dinheiro, por que haveria de pegar um emprego trist~ impele o músico a se tornar comercial:
e trabalhar por uma ninharia? Não faz sentido. Além disso, por que
vai se deprimir assim? Ele preferiria estar tocando, e é uma amolaçii.u Se você quiser continuar trabalhando, tem de suportar um pouco de
para ele ter a porcaria de~e emprego diurno, então, por que deveria merda de vez em quando.... Eu não me importo. Tenho uma mulher
128 Outsiders

e quero continuar trabalhando. Se Jl!:\um quadrado se :~proxima c


me pr-:le para tocar" Hecr Barrd Pulka': t'U apcn ;1:; sorrio <: to.-o a 7
música . As regras e sua imposição
O casamento pode, assim, acelerar a obtenção de suo::,s,,
ao forçar uma <lecisão que propo rciona, embora não garanta, a
oportunidade de ingre~·so naqudas ''panelinhas" comercialmcnc
orientadas que são mai~ ca pnZL'~ de manter seus i ntcgr;ltlte~ em
trabalho permanente. Consideramos algumas características gerais dos desvia ntes e os
A família, portanto, t:om o uma instituição que exige Jo mú- processos pelos quais eles sáo rotulados de out sidcrs e passam a
~ico que ele ~e comporte convencionalmen te, cria-lhe problemas se ver como tal. Examinamos as cultura:; e os padrões típicos de
de pressõe:., lealdades e ·1uto-im<1gens co nflitantes. Sua respvsta a carr~ira de dois grupos de outsiders: usuârios de maconha e mú-
esses problemas tem um efeito decisivo sobre a duração e a direção sicos de casa noturna. Agora é hora de considerar a outra metade
de sua carreim. da equação: as pessoas quê fazem e impõem as leis às quais os
outsiders não se conformam. 1

A questão aqui é simplesmente: quando as regras são feitas


e impostas? Já observei que a existência de uma regra não asse-
gura automaticamente que ela será imposta. Há muitas variações
na imposição de regras. Não podemos explicá-la invocando
algum grupo abstrato sempre vi~ilante; não é possível dizer que
a "sociedade" é prejudicada a cada infração e age para restaurar
o equilíbrio. Poderíamos postul* , num extremo, um grupo em
que este seria o caso, em que todas as regras fossem absoluta e
automaticamente impostas. Mas imaginar esse caso extremo serve
apenas para deixar mais claro o f~to de que os grupos sociais n<1o
são usualmente assim. O mais típico é que as regras sejam impos-
tas somente quando algo provoca sua imposição. A imposição,
portanto, requer explicação.
A explicação repousa sobre:; várias premissas. Primeiro, a
imposição de uma regra t um entpreendimcnto. Alguém- um
empreendedor - deve tomar a jiniciativa de punir o culpado.
Segundo, a imposição ocorre qua 1do aqueles t[Uc querem a regra
imposta levam a infração à atenção do público; uma infração não
pode ser ignorada depois que é tdrnada pública. Em outras pala-
vras, a imposição ocorre quando alguém delata. Terceiro, pessoas

129
130 Outsiders

I As regras e sua imposição '13 í

deduram, tornando a impo~içào necessúria, quando vêem alguma


van:agem nisso. O intere.>se p~?ssoal as estimula <l tt-.nla r a iniciei tiva.
Finalm~'nte, o tipo de i nterc~se pessoal que leva à imposiç<lo va r·i<J
com a complexid ade da sitt1<1Çào em que a imposiçüo tem lu gar.
I e em parte o direito i1 dL·sconfiança quç os honlL'ns têm diantt: dos
dementos in certo~ da vida metropolitana exigem nossa reserva. Em
conseqüência dessa reserva, muitas vezes não conhecemos nem de
vista aqueles que for am nossos vizinhos por anos. E é essa reserva
Vamos considerar vcirhs casos, ob~>c rvand.o o modo como intcresst que, aos oi I": os dos que rnorilm em cidades pequenas, nos faz pa recer
pessoal, iniciativa e publicidade interagem com a complexidade da frios e sem coração. De tato, se não me engano, o aspecto interior
situação para produzir tanto imposição quanto a não-imposição dessa reserva e_xterior não é somente indiferença, mas, com mais
de regras. freqüência do que percebemos, Ul11<1 ligeira aversão, um mú tuo
Lemhrcmo!i o exer~1plo de ;vtalinowski, do ilhéu de Trobriand estranhamente e repulsa que se transformarão em raiva e horror no
que cometera incesto clânico. Tcdos sabiam o que ele estava rl zen- momento de um contato mais íntimo, seja qua l for sua causa . ...
do, mas ninguém fez coi!>a alguma a respeito. Então o ex-aman te da Essa reserva, com sua implicaçâü de aversão oculta, aparece por
moça, que pretendera se casar com ela e IJOr conseguinte se :>en tira sua vez corno a forma ou o disfarce de um fenômeno mental mais
pesso<1lmentc prejudicado ..:om a L'scolha de outro homem, tomou ' geral da metrópole: ela a.ssegura ao indivíduo um tipo e um grau
o assunto em suas próprias mãos e acusou Kima'i publicamente oe de liberdade pessoal que não têm analogia em outras condições. 1
incesto. Ao fazer isso, alterou a situação, de modo que Kima'í não
teve esc.:olha senão se suicidar. Aqui, numa socieúade de estrut•ua Vários anos atrás, uma revista n acional publicou uma série
relativamente simplts, não há conflito em relação à regra; tooos de fotografias ilustrand o <1 reserva urbana. Um homem jazia
concordam que o incesto clânico ê errado. Um interesse pe::.soal inconsciente numa movimentada rua de cidade. Inúmeras fotos
evoca a iniciativa de alguém, ele pode assegurar a imposição tor- mostravam pedestres que ignoravam sua existência ou a percebiam
nando a infração pública. e em seguida desviavam os olhos para tratar da própria vida.
Também não há conflito semelhante em relação à imposiçJo A reserva, embora tipicamente encontrada em cidades, não
de regras nas situações menos organizadas da vida urbana anón;- é característica de toda vida urbana. Muitas áreas urbanas~ al-
ma. Mas a conseqüência é diferente, pois a essência do acordo entre guns bairros miseráveis e zonas ~tnicamente homogêneas- têm
as pessoas é que elas não vão inte rferir- ou chamar a atenção pura algo do caráter de uma cidadd pequena; seus habitantes vêem
-nas mais flagrantes violações da lei. O morador da cidade trata tudo que ocorre na vizinhanç.a ,como se fossem da sua conta. O
de sua própria vida e nada faz com relação a infrações de regras, a citadino exibe sua reserva mais acentuadamente ern áreas públicas -
menos que sua vida seja afetada. Simmel rotulou a atitude urbana anônimas- os Times Squares e State Streets -,onde pode sentir
típica de "reserv?": que nada do que acontece é responsabilidade sua e que há agen-
tes da lei presentes, com a obrigação de lidar com qualquer co isa
Se reações itltcrnas fossem rc~ pu:;tas aos nossos contJtos exkrn os extraordinária. O acordo de igt~orar infrações de regras repousa
contínuos com inúmeras pçssoas, em número tão grande q•.1anto em parte no conhecimento de que a imposição pode ser deixada
na cidade pequena, onde se conhece quase todo mundo que se t:n- a cargo desses profissionais. ,
contra e onde se tem uma reiaç;io positiva com quase todo mundo, Em situações estruturadas :mais complexns, há maior pos-
ficaríamos completamente ,ttomizados internamente e entraríamos sibilidade de interpretações di~ergentes da situação e possíveis
num estado psíquico inimaginávd. Em parte esse fato psicológico conflitos com relação à imposição de regras. Quand o uma organi-
.
r
. '·
~-~

-1 ·
13 2 Outsiders
As reg ras e sua imposição 133
I

zação contém dois grupos que competem pelo poder- como na


f
~ Um executivo industrial apnsen tado mandou comtruir um aviário
indústria, em que admini~trado res c empregad os disputam pelo l com ll unjdades un oficinas da fábrica e encarregou o pessoal de seu
controle da situação de trahalh o - - , t\ conflito pode ser crnnicn.
No entanto, precisamente por ser um traço persistente da orga-
nização, talvez o contlit u J1Unca se wrnc declarado. Em VLL di ·;~o.
l serviço de instalá-lo em sua casa. Carpintl'iros d" fübrica reparavam
t: recondicionavam o viveiro todas as primaveras.

os dois grupos, enrcd,tdos numa silua,·~il) que aprisiona a ambos, Acréscimos às ccnstruções de um iate cl ube local, cujos mui tos
vêem vantagrm em permitir que: o outro wmeta c.:e rtas infraçôc-;
e náo as denunciam.
Mclvillc Dalton estudou a infraç~o sistem;ítica de regras por
I membros trabalhavam na~ Jiíbricas pilhad<~s, eram feitas por traba ..
lliadores de empresas durante o horário de trabalho com materiais
das fábricas.
empregad os d e organizações industriais, lojas de dep.trtamento~ e
estabelecimentos de trabalho similares. Ele relata que os empreg;.- Chefes de departamentos de vestuário em lojas de departamentos
dos com freqüência se apossam de serv iços e materiais pertencentes marcavam mercadorias que desejavam para seu w;o pessoal como
à organização para seu pessoal, observand o que isso seria em ger;,} "estragadas" e rebaixavam os preços de maneira condizente. Vendiam
considerado furto. A gerência ten ta deter esse desvio de recursos, também itens de liquidação adma do preço para acumular um fundo
mas poucas vezes tern sucesso. Em gl'ral, porém, não l<•va o assunto em dinheiro contra o qual a apropriação de itens para uso pessoal
à atenção pública. Entre os exemplos de ap ropriação indébita de pudesse ser debitada.2
recursos da companhia, Dalton cita os seguintes:
Dalton diz que chamar todas essas ações de furto (; não com-
Um contramestre montou urn a ofi<.:ina mecânica em sua Glsa, preender o que interessa. De fato, insiste ele, a gerência, mesmo
eq·Jipando-a com maquinaria cara retirada da oficina em que condenando oficialmente o fur to dentro da organização, estava em
trabalhava. O saque incluiu uma furadcir;t fixa, um torn o limador, conluio com ele; não se trata de um sistema de furto em absoluto,
um torno mecânico, cortadorcs c brocas, equipamento de banc<tda mas de um sistema d e recompensas. As pessoas que se apropriam
e uma máquina polidora. de serviços e materiais pertencentes à organização na realidade são
recompensadas não oficialmente por contribuições extraordinárias
O capataz da oficina de carpintaria de uma grande fiibrica, artesfto que fazem para o funcionamento da organização, contribuições
de origem européia, passava a maior parte do dia de trabalho fab n - para as quais não existe um sistema legítimo de recompensas. O
cando objetos domésticos - berços, jnnelas duplas para o invernv, capataz que equipou sua oficina mecânica doméstica com máqui-
mesds e itens similares feitos pC'r ~nco menda- para executivos mais nas da fábrica estava de fato sendo recompensado por ter abando-
graduados. Em troca, recebia de presente vinhos e alimentos. nado o catolicismo e se tornado ma~rom a fim de demonstrar sua
aptidão para um posto de supervisão. Permitia-se ao técnico de
Um operário de oficina e~crevia todas as suas cartas no trabalho, raios X furtar comida do hospital porque a administração sabia
usando materiais e selos da companhia. que não estava lhe pagando um sa!.ário suficiente para exigir sua
lealdade e o trabalho árduo.3 As regras não são impostas porque dois
1 1
_ :~
1écnic0 de raios X num hol>pital fu rtava presuntos e comida enla- grupos que competem pelo poder -·gerênc ia e trabalhadores-
tada e sentia-se no direito de· fa:tl--lo porque sc•J s:~ l.1rio era baixo. encontram vantagens mútuas c:m ignorar as infra,:ôcs.
13 4 Outsiders As regra s e sua imposição 135

Donald Roy dcsc re\·~ u transgressões de regras semelhantes riável importante, e aqueles cujo interesse exige que as regr as não
numa o ficina mecânica, mostraJtdo mais uma vez que um grupo sejam impostas ten tam impedir a notificação de infrações.
não vai delatar o o ut ro se ambos !orem parceiros num sistema ca- Um exemplo Jdequado pode ser encontrado no papel d o
rac terizado por um equilíbrio de poder e interesse. Os operadores promotor público. Uma de suas obrigaç<1es é supervisio nar júris
de máquina que Roy estudou eram pagos por peça, e a infrJcâo de de instrução. Estes são convocados para ouvir evidências e decidir
regras ocorria quando tentavam "se dar bem" - ganhar muito se devem ser proferidas acusaçõe~ contra indivíduos que suposta-
mais do que seu pagamento búsico por hora em .:letermimdas mente violaram a lei. Embora em geral se restrinjam a casos que
tarefas. Com freC]üêncin st' pod iam const:guir isso trabalhando ~s o promotor lhes apresenta, os júris de instrução têm o poder de
pressas e fazendo o serviço de uma maneira proibida pelas regras dJ realizar investigações por conta própria e proferir acusações que
co mpa nhia (ignornndo precauçõc!. de segurança ou usando ferr.l- não foram sugeridas pelo pro motor. Consciente de sua missão de
mcntas e tecnicas não permitidas nas especificações da tarefa). 4 Rc..v proteger o interesse público, um juri de instrução pode achar que
descreveu m "cartel da oficin:1", que colaborava com 0s operadore~ o promotor lhe oculta coisas.
de máquina na transgrc~são de rotinas formalmente estabelecidas ~. na verdade, o promotor pode estar oc ultando alguma coisa.
da oficina. ' In spetores, encarregados do depósito de ferramentas, Ele pode ter participado de acordos feitos entre políticos, polícia
estoquistas e controladores de hun1rio, todos participavam, aju- e criminosos para permitir o vício, a depravação, o jl'go e outras
dilndo os mecânicos a ~e dar bem. formas de crime; mesmo que não esteja diretamente envolvido,
Por exemplo, operadores de máquinas não d :viam manter talvez tenha obrigações politicas tom aqueles que estão compro-
nelas as ferram entas que não fossem usadas para o serviço que metidos. É difícil encontrar uma conciliação viável entre os inte-
estava m fazendo. Roy mostra como, quando essa nova regra foi resse.s do crime, de políticos corruptos e os de um júri de instrução
promulgada, os ajudantes do depósito de ferramentJs de início a dete~minado a fazer seu trabalho- mais difícil que encontrar
obedeciam. Mas co11stataram que ela provocava a reunião cons- acordos satisfatórios entre dois grupos d e poder que operam
tante de um ban-:io em volta da janela da sala de ferr.amentas, na mesma fábrica.
um grupo de homens queixo!>os que tornavam difícil o dia de O promotor corrupto, confrontado com esse dilema, tenta
trabalho do aj udan te. Por consegu intt·, pouco depois que a regra tirar partido da ignorância do procedimento legal por parte do
foi an unciad a, os aj udantes começaram a infringi-la, deixando os júri. Ocasionalmente, porém, ouvimos falar de um júri de instrução
homens manterem as ferramentas em sua máq uina o u entrar e s:~ir "fora de controle" que venceu a resistência do promotor e começou
do depósito como bem en tendiam. Ao permitir que os mecânicos a investigar os assuntos de que este desejava mantê-lo afastado.
infringissem a regra, os ajuda11 tes do depósito de ferramentas Dando mostras de iniciativa e gerando publicidade embaraçosa,
facilitavam sua pró!)ria situação; nü•) eram rPais in comodados o júri fora de controle expõe infrações até então ocultadas do co-
pelas qu~ixas de operado res aborrecidos. nhecimento público e provoca muitas vezes uma ampla campanha
O problema da imposição d~ regras torna-se mais complicado contra todo tipo de corrupção. A existência de júris de instrução
quando a situação contém vá rios grupos rivais. A ;,comodaçfio e fora de controle nos lembra que a função do promotor corrupto
a conciliação são mais difíceis, porque há mais intrresses em jogo, é precisamente impedir que des ocorram.
e é mais provável que o conflito seja declarado ir.solúveJ. Nessa!> A iniciativa, gerada por inte~esse pessoal, armada com publ i-
cin:unsttmcias, o acesso a canais d e publicid1de toma ·se uma VJ- cidade e condicionada pelo caráter da organização, é portanto a
13 E Outsiders
As regras e sua imposição 13 '1

variável-chave na imposição da regra. A iniciiltiva opera da maneira


processo ocorre também no desenvolvimento e imposição de regras
mais imediata numa situação em que há acordo fundamenta l
menos formalm~.!nte constituídas.
com relação às regras a serem impostas. Uma pessoa con: um
Regras específicas encontram suas origens naquelas declara-
interesse a ser atendido divulga uma infração e previdências são
ções vagas e generalizadas de preferência que os cientistas sociais
tomadas; se nenhuma pessoa com iniciativa aparecer, nenhutna
muitas vezes chamam de valores. Estudiosos propuseram muitas
providência é tomada. Quando dois grupos competem pelo poder
definições diferentes de valor, mas não precisamos entrar nessa
na mesma organização, a imposição só ocorrerá quando falharem
controvérsia. A definição proposta por Talcott Parsons servirá tão
os sistemas de conciliaç5n que caracterizam sua relação; de outro
bem quanto qualquer outra: "Um elemento de um sistema simbóli-
modo, o interesse de todos será mais bem atendido permüindo-
co partilhado que serve como um critério ou padrão para a seleção
se que as infra(;ões continuem. .Em situações que COiltêm muitos
entre alternativas de orientação intrinsecamente abertas numa
grupos de interesse rivais, o resultado é variável, dependendo d o
situação pode ser chamado de valor." 6 A igualdade, por exemplo, é
poder relativo do~ grupos envolvidos e de seu acesso aos canais Je
um valor norte-americano. Sempre que possível, prefe rimos tratar
publicidade. Veremos a ação de todos esses fatores numa situação
as pessoas com igualdade, sem referência às diferenças entre elas.
complexa quando examinarmos a história da Lei de Tributação
A liberdade do indivíduo é também um valor norte-americano.
da Maonha.
Preferimos permitir que as pessoas façam o que desejam, a menos
que haja fortes razões em contrário.
Os valores, contudo, são guias insatisfatórios para a ação. Os
Estágios de imposição
padrões! de seleção que corporificam são gerais, dizendo-nos qual
de várias linhas alternativas de ação seria preferível, quando todas
Antes de tratar dessa história, no entanto, irei considerJr o pro-
as outras coisas são iguais. MJs todas as outras coisas raramente
blema da irnposiç~o de regras de uma outra perspectiva. Vimo.;
são iguais nas situações concret.lS da vida cotidiana. Temos dificul-
como o procesf.o pelo qual regras s;io impostas varia em diferentes
dade em relacionar as genera!idades de uma declaração de valor
tipos de estrutura social. Vamos acrescentar agora a dimensão d o
com os detalhes complexos e específicos de situações cotidianas.
tempo e considerar brevemente os v;írios estágios pelos quais pa!;sa
Não podemos relacionar de maneira fácil e clara a vaga noção de
a imposição de uma rt>gra- sua história natural.
igualdade com a realidade, de modo que é difícil saber que linha
A hi:>tória natural difere da história por dizer respeito ao que
específica de ação o valor recoml.!ndaría numa dada situação.
é genérico a uma classe de fenômenos, não ao qm: é único em cada
Outra dificuldade no uso de valores como guia para a ação
caso. Ela busca descobrir o que (típico de uma dassc de c.. ventos,
reside no fato de que, por serem eles tão vagos c gerais, podemos
nüo o '}'lt' os fa~ diferir- a regularidade, em vez da icioss!.ncrasia.
manter valores conflitantes sem ter consciência do conflito. Fica-
Assim, estarei interessado aqui naquelas características do proces-
mos cientes de sua inadequaçjo como base para a ação quando,
so pelo qual regras são feitas e impo~tas que são gené1 icas a esse
num momento de crise, percebemos que não podemos decidir qual
processo e constituem seus sinais distintivos.
dos cursos confli~antes de ação recomendados para nós deveríamos
Ao considerar os estágios no dcsenvolvihlento d e uma regra
adotar. Assim, para to mar um exemplo específico, esp osamos o
e de sua imposição, vou usar um modelo legal. Isso não significa
valor da igualdade, e isso nos lt·va a proibir a segregação racial.
que o que tenho a dizt•r :il' aplica son11.:nt<: ;, l<:gislaç~1o. O mesmo
Mas esposamos também o valor da liberdade individual, que nos
138 Outsiders As regras e sua imposição 139

impede de interferir nas ações de pcsso;1S que praticam a segrq.,ação muito diferentes também podem te r sid o deduzidas do mesmo
em suas vidas privadas. Quando mn negro que possui um ba rco valor. Além disso, regras não serão deduzidas de va lores, a menos
a vela anuncia, como aconteceu recentemente, que nenhum iate que situações problemáticas nos incitem a fazê -lo. Podemos des-
clube na área de Nova York o admitiria como sócio, descobrimos cobrir que certas regras que nos parecem decorrer de modo lógico
que nossos valores não podem nos ajudar a decidir o que deve str de um valor amplamente aceito não foram sequer cogitadas pelas
feito acerca disso. (O conflito surge também entre regras específi- pessoas que sustentam esse valor, seja porque não surgiram situa-
cas, como quando uma lei estadual proíbe a integração racial n as ções e problemas que exigissem a regra, seja porque tais pessoas
escolas públicas e a lei federal a exige. Mas, nesse caso, existem não se dão conta da existência de utn problema. Mais uma vez,
procedimentCIS judiciais para resolver o confl ito.) uma regra específica, qua ndo deduzida do valor geral, poderia
Como valo1es só podem fornecer um guia geral para a ação, conflitar com outras regras deduzidas de outros valores. O conflito,
c não são útfis na decisão quanto a cursos de ação em situações quer seja conscientemente conhecido, quer apenas implicitamente
concretas, as pessoas desenvolvem regras especificas mais estrei ta- reconhecido, pode inibir a criação de uma regra particular. Regras
mente ligadas às realidades da vidn cotidiana. Os valores fornecerr. não decorrem automaticamente de valores.
as premissas maiores das quais se deduzem regras específicas. C~mo uma regra pode satisfazer a um interesse mas conflitar
As pessods convertem valores em regras específicas em situa- com outros interesses do grupo que a formula, em geral se toma
ções problemáticas. Elas percebem alguma área de sua existencia cuidado, ao elaborar uma regra, para assegurar que ela realizará so-
como problemática ou difícil, exigindo ação. 7 Após considerar os mente o que deve, e nada rnais. Regras específicas são circunscritas
vários valores a que subscrevem, elas escolhem um ou mais como com restrições e exceções, d;:! modo que não interfiram em valores
pertinentes a sua:; dificuldades l tkduzem deles uma regra especilic.t. que consideremos importantes. As "leis de obsce nidade" são um
A regra, formulada para ser COl'rente com o valor, enuncia wm exemplo. O objetivo geral de.::sas leis é que matérias moralmente
relativa prcci:.iio quais a\·õcs silo !provadas e quais silo proibidas, repugnantes não deveriam s~.: r transmitidas puhlkamcnte. Mas isso
as situações a que a rcg1a é aplicível e as sanções <Jssociadas à sua conflita com um outro valor importante, o da livre expressão. Além
infração. disso, contlita com interesses comerciais l' de c<Jrrcira de autores,
O tipo ideal de uma regra e::specí(ica ~uma lei cuidadosamente dramaturgos, editores, livreiros e produtores teatrais. Vários ajustes
formulada, bem apoiada na interpretação jurídica. Tal regra não e restrições foram feitos, de tal modo que a lei, tal como agora se
é ambígua. Ao contrário, seus dispositivos são precisos; a pessoa encontra, carece do amplo alcance desejado pelos que acreditam
sabe com muita precisüo o qu\.· pode e o que não pode faze r e o profundamente que a obscen idade é algo pernicioso.
que acontecerá se fizer a coisa etrada. (Esse e o tipo ideal. Em sua Regras específicas podem ser corporificadas em leis. Podem
maioria, as reg,·as não são tiio precisas c seguras; L'mbora sejam também ser simplesmente ..:onsuetud in <irias num grupo parti·
muito menos ambíguas que os valores, elas também podem no~ cular, defendidas apenas por s<1nções in forma is. As regras legais,
causar dificuldades quando temos de decidir qu.mto aos curso·: naturalmente, têm maior probabilidade de ser precisas e claras;
de ação.) regras in formais e consuetudinárias são ma is p rt>vavelmente vagas
)usl<l mente porq uc os valure~ <il) ;tmhígl ~m c- t,n<~i:-., podcn11 )~ c passíw is de v;\rias inlL'!'PI\'la~·ôes em grandl's .lrt'<l S.
interpretá-los de várias maneira ~ c deduzir deles muitos tipos uc Mas a história natural de uma regr;l não te rmina com a de-
regras. Uma regra pode ser L"ocrentc L'tlllllllll d.1do valm. mas rq.,J.t:-. du~·áo de uma regra específica dl.' um valor gt·r;tl. Es ta última ll:m
1 4O Outsiders As regras e sua imposição 141

ainda de ser aplicada em casos particulares a pessoas particula;·es. ela em algum valor geral. Da mesma maneira, um ato espontâneo
D e\'e receber s ua corporificação final em atos particulares de de imposição pode ser legitimado pela criação de uma regra a que
imposição. ele pode se relacionar. Nesses casos, a relação formal de geral para
Vimos em capítulo ante rior que atos de imposição não de- específico é preservada, ainda que a seqüência temporal tenha
correm automatica mente d<l infração de uma regra. A imposiçât' sido alterada.
é seletiva, e diferencialmente sd eti\':1 entre tipos de pessoa, em Se muitas regras ganha m sua forma movendo-se por uma
diferentes momentos c em diferen tes situações. seqüência, de um valor geral para um atll específico de imposição,
Podemos questionar se todas <1S regras seguem a seqüência o movimento através da seqüência não é automático ou inevitável.
do valor geral até o ato particular de imposição, passando por Para explicar os passos dessa seqüência, devemos nos L'Oncentrar no
uma regra específica. Valores podem conter um potencial não empreendedor, que providencia para que o movimento ocorra. Se os
utilizado - regras ainda não deduzidas que, nas circunstâncias valores gerais são transformados na base para qu-e deles se deduzam
apropriadas, se desenvolvem em regras específicas con1pleta~. De regras específicas, cumpre procurar a pessoa que se encarregou de
maneira semelhante, muitas regras específicas jamais são impos- asseguiar a dedução das regras. E se regras específicas são aplicadas
tas. Por outro lado, haverá alguma regra que não tenha base em a pessoas específicas em circunstâncias específicas, devemos pro-
algum valor gemi? Ou atos de imposição que não encontrem su a curar ver quem se encarreg0 u de assegurar a aplicação e imposição
justificação em íllguma regra jJarticular? Muitas regras, claro, i..áo das regras. Estaremos interessados, portanto, no empreendedor,
inteiramentl' técnicas, e podenws dizer qt1e têm não base em 1.1m nas circunstâncias em que ele aparece e como ;~plica seus instintos
valor geral, mas num esforço pa ra estabelecer a paz entre outras empreendedores.
regras anteriores. As regras específicas que governam transações
co m títulos são provavelmente desse tipo. Elas parecem m enos
um esforço para implement<~r um valor ge ral que um esforço Um caso ilustrativo: a lei de Tributação da Maconha
para regularizar o funcionamento Je uma instituição complexa.
De maneira sem elhante, po demos enco ntrar atos de imposiçãc Supõe-se em geral que a prática de fum ar m aconha foi importa-
bascàd os em regras inventadas no mo mento unicar.1ente par<' da do México para os Estados Unidos, por meio dos estados do
justificar o ato. Algumas das atividades informais e extralegais de Sudoeste, Arizona, Novo México e Texas, todos com consideráveis
polidais recaem nessa catego ria. populações de língua espa nhola. Começou-se a notar o uso de
Se reconhecemos esses casos com o desvios do modelo Ja maconha na década de 1920, mas, conw se tratava de um fenô-
história natura l, o modelo se aplica a quantas das coisas em q11e m eno novo e aparentemente 1estrito a imigrantes mexicanos, n ão
poderíamos estar interessados? Essa é uma questão de fato, .t ser se expressou muita preocupação com d e. (O composto médico
solucionada por p esquisa sobre V<irios tip os Je regra em difero: ntes preparado com a planta da maconha já era conhecido havia algum
situações. No mínimo, sabem os qu e muitas regra1. seguem essa tempo, mas não era freqüentemente prescrito por médicos norte-
seqüência. Além dis~·>, quando ,\ scqüênóa n ~10 é scc;uida u rigi- americanos.) Em 1930, npcnas 16 estados havia m aprovado leis
n almente, muitas vezes é obedecida retroativamente. Isto é, un,a proibindo o uso da maconha.
.I
rcgrJ poJe ser formuladJ simpksmL·ntc par,, s•: rvir ao intt:~L·sse Em 1937, contudo, o l.0ngresso dos Est<1dos Unidos aprovou a I
especial de alguém c mais tarde se encontrar uma justificativa para Lei de Tributação da Macocha, destinad;l a reprimir o uso da dro- <j '
142 Outsiders As regras e sua imposição 143

ga. Segundo a teo ria esboçada, deveríamos encontru, na história condenamos sua ação como busca de "pr azer ilícito", expressão que
dessa lei, a história de um empree ndedor cuja iniciativa e rea li- tem sentido real para nós.
zação superaram a apatia e a indiferença públicas e culminaram O terceiro valor que fornecia base para as tentativas de repressão
na aprovação da legislação federal. Antes de passar à histó ria da era o humanitarismo. Refo rmadores acreditavam que as pessoas
própri<~ lei , ta 1vez devamos examina r o modo como temas seme- escravizadas pelo uso de álcool e ópio se beneficiar iam de leis que
lhantes ha\'iar.1 sido tratados na legislação norte-americana, para tornassem impossível para elas ceder à sua fraqueza. As famílias dos
co rnpreender o contexto em que a ten tativa de reprimir o uso da bêbado s e viciados em drogas se beneficiariam igualmente.
maconha teve lugar. Esses valores forneciam a b ase para regras específicas. A 18"
O uso de .ílcool c ó pio nos Estados Unidos tinha UJ~la longa Emenda e o Volstead Act proibiram a importação de bebidas
história, pontuada por tentativas d e repressão. x Três v;dores for- alcoólicas para os Estados Unidos e sua fabricação dentro d o p aís.
neciam legitimidade pa ra as tenta ti va!; de evitar o uso de tóxicos e O Harrison Act proibiu na prática o uso de drogas opiáceas para ;j,
l
narcóticos. Um valor legitimador, componente do que foi chamado todos os fins, exceto os medicinais. . J
de ética pro testalite, a fi r ma que o indi víduo deveria exercer con:- Ad formular essas leis, to mou-se cuidado p<.Ha não interferir i~
I~
pleta respons~bilidade pelo que faz e pelo que lhe acontece; nun.-a no que era considerado come legítimo interesse de outros grupos
deveri a fazer nada que pud esse c~1 usar pe rda de autocontrole. O na sociedade. O Harriso n Act, po r exemplo, foi redigido de forma
!t
, 'I
álcool e as drogas opiáceas, em graus e de maneiras variadas, leva m a permitir que as equipes 111édicas continu assem a u sar morfi na i
1,
as pessoas~ perder o controle wbre si mesmas; seu uso, portanto, e outros derivados do ópio para alív io da dor c o u tros o bjetivos I

é um mal. Uma pessoa embriag:~da co m álcool muitas ve~es perde médicos que lhes parecessem apropriados. Além disso, a lei foi
o controle sobre sua atividade fLica; os centros do julgamento no c uidadosamente formulada pmH evitar co nfl itos co m o disposi-
cérebro são também afetad os. Usuários de drogas o piáceas têm tivo constitucional que reserva direitos de p olícia para os vár ios
maior probabilidade de J1car cntor-pl'cidos e, assim , menor chanc..: estados. De acordo com essa res trição, a lei foi apresentada como
de co meter atos tem erârios . ./l.'las se to rnam dependentes da droga uma medida de taxação, trib utando fornecedores nã o licenciados
p nra evitar sintúmas dl' ;lbst in.:n<.:i ,r, c nesse -;c ntido r erdcm l) dd.i rogas opiáceas wm um Í!nposlo exo rbitante, <1\l mesm o tempo
controle so bre suas ações; como é d ifícil conseguir a droga, têm q ue permitia aos fornecedores licen ciados (sobre tudo médicos,
d e subord;nar outros interesses à s ua o bt enção. dentis Las, veterinários e fa rrnacêuticos) pa~ar Ulll<l tn xa nomi na l.
Outro valor norte-americano legitimava as tentativas d e r~ ­ Embora justificado constitucionalmente como uma medid a fis-
primir o uso de ák ool c drogas op i;ícças: a clcsapro·.-açào de aç<''L'S cal , o Harrison Act era de t'aL1 uma med ida polici<ll , e foi assi m
empreendidas no único intuito d e alca nça r estado~ de êxta~ L'. inter p retada por aqueles a quem se co nfi ou 6Ua imposição. Uma
Talvez em razão de no.s~:;l f(Jrte t:nfase cultur;llno pr,tgmati~rnu L' conseqüência da aprovação da k i fo i a c r i ,,~,·,\ o , em l tJ30, da AgL·ncia
no utilitarismo, os norte .. ;1mcricano:. ~entem-~l' em g(·r~ll importu- Federal d e Narcóticos no Cl mbi to do D q)artam cnto do Teso u ro.
nados e ambivalcr:tcs C<•m rclaçiio a qualquer til o de experit'IK Í,l Os mesmos valores que levara m à p ro ibi" Jn d o uso de úlcoo l
de êxta se. Não condenamos a expe riência, porém , apenas quantl o e drogas opiáceas foram aplicados ao caso da mac o nha, e pa rece
ela é o subprodut o o u a reco mpen sa de açõe:e. qu e co nsidera mo ~ lógico que isso tenha sid o feito. No en tan to, o pn uco que me foi
apropriadas t'm si mesma.", com o rrabalho árduo ou fervor reli- ., contado -- por pessoas que conhece ram bem o pe ríodo, sob re o
gioso. Son:entc qu a ndo ~~~ pe~.'>o as pe rsL"g uem o 0x t ;t.~L' pehJ b; la ~~· uso d a maconha no fim da décad;l de Jl.)20 e inki n d a déc.1da de
144 Outsiders As regras e sua imposição 145

1930 - me leva a crer que havia uma imposição relativamente ao uso de maconha e fornecer fatos e nú meros pa ra relatos jorna-
frouxa das leis locais existentes. EssJ, afinal, foi a época d:1 Lei Sec:l, lísticos do problema. Esses são dois importantes modos de ação
e a polícia tinha assuntos mais prementes a tratar. Aparentemente, disponíveis para todos os empreendedores que buscam a adoção
nem as autoridades públicas nem os agentes da lei consideravam de regras: podem arregimentar o apoio de outras organizações
o uso de m~conha um problema sério. Quando o notavam de interessadas e desenvolver, com o uso da imprensa e de outros
alguma maneira, provavelmente o punham de lado como se nüo meios de comunicação, uma atitude pública favor:ível em relação
justificasse maiores tentativas de imposição. O fato de o preço da à regra proposta. Se os esforços têm êxito, o público fica a par
maconha s<!r muito mais baixo antes da aprovação de legislação de um problema preciso, e as organizações apropriadas agem de
federal é um indíci':l de como as leis eram debilmente impostas. comum acordo para produzir a regra desejada.
Isso sugere que hav i:~ pouco perigo em vendê-la e que a imposiçiio A Agência Federal de Narcóticos cooperou ativamente com
das kis não era seriam ente empreendida. a Conferência Nacional de Delegados sobre Leis Estaduais Uni-
Até o Dt:partamento do Tesouro, em seu relatório de 19.' I , formes no desenvolvimento de leis unili..;adas sobre narcóticos,
minimizou a 1mportflllcia do probkma: enfatizando, entre outras questões, a necessidade de controlar o
uso de maconha. 10 Em 1932, a Conferência aprovou um projeto
Grand e intcresst: público f(J i su~ciud o por artigos de jornal que de lei. A agência comentou:
apcrecem de tempo em temro sobre os males do abuso da maco-
nh a, ou cânham0-indiano, e mais atenção fo i w ncentrada em casos As prese ntes limitações constitucionais parecem exigir m edidas
específicos relatados sob re o ahuso da droga d:-l que terir. ocorr ido de controle di rigidas contra o tráfico inlrrestadual de cânh::uno-
de o utra forma. Essa publicidade ten de a exagerar a ex tensão do indiano, a serem adotadas pelos vários governos es taduais, e não
m al e torna provável a suposição dé qu e há uma difusão alarmante pelo governo federal, e a orientação tem ~ id o exortar <lS autoridades
do consumo indevido da droga, quando o aumen to real desse uso estaduais em geral a fornen·r a leóislação ne..:cssária, com atividade de
talvez não tenha sido excessivamenk gra nde.'' imposição de apoio, para pcoibir o tráfico, exceto pa ra fins médicos
legltimos. A lei estadual dt: narcóticos unifo rm ~ proposta, ... com
A Agência de Narcóticos do Dcpartament0 do Tesouro gerou texto opcional aplicando-sl' (, restrição do trMi..:o de cânhamo-in-
a m aior parte da iniciativa que p roduziu a Lei de Tributação da diano, foi recomendada como uma lei adcquada l>·' ra a consecuç~io
Maconha. Embora seja difícil saber quais eram os nwtivos dos dos objetivos dcsejados.11
funcion<1rios da a gência, precisamos supo r apenas que eles pLr-
ceberam uma área de tnn sgressão que pertenci" propriame nt,~ i1 Em seu relatório de 1936, :\agência est irnulou seu:; p<~ r<:ei ros
sua jurisdição c tomaram mcJitbs para inseri-la .d i. O interes-,c nesse esforço cooperativo a se empenharem mais e sugeriu que a
pessoal que satisfi zeram ao pressio nar no sentido de formuhH intervenção federal talvez fosse n~cessá r ia :
uma legislação referente à ,naconh<l ern comum a muitos funcio -
nários: o de desempen har a conten to a tarefa que lhes havia sido Na ausência de legislação federal ;Jdicion<ll, <1 Agência de Narcóticos
atribuída e em ad quirir os mel hores instrumentos para levá-la ,1 não pode, portamo, mover nenhuma guerr,t pró pri,t contra o tráfico.
cabo. Os esforços da agência ass umiram duas fo rm;l s: cooperar ... A droga tornou-se objeto de amplo e n csccntc abuso em muitos
no desenvolvimento de legtslaçáu estadual que dissesse respeito estados, e a Agência de Narcó ticos vem tentando por isso convencer
14 6 Outsiders
As regras e sua imposição 147

os vários estados da urgente nccessídadt' de vigorosa imposição de


leis locais referentes à cannubis Imaconha]. 12
indexado no Readers Guide atingiu um recorde. Num período
de dois anos apareceram 17 artigos, rnuíto mais que em qualquer
período similar antes ou depois.
A segunda frente de ataque d.1 Agênda ao problema da ma·
conha consistiu num esforço a fim de despertar o público vara o
perigo, promovendo uma "campanha educacional descrevendo a Artigos sobre maconha indexJdos em
droga, sua identificaçiio e dei tos nocivos': 13 Esperando aparente- The Reoder's Guide to Periodicol Uteroture
mente que o interesse público pudesse estimular os estados e JS I '
, Período ' ' · Número de artigos
cidades a fazer maiores esforços, a agência disse;
--8;,
.:.., -if~f:C~<,~
. ';,D
.;l', !i&:~~tta
Na ausen6a de legislação fe,Jcral sobr~ o assunto, os estados e as {~~;~{i~
, .~~!:.-~&- :;~
:·;;;~-~,~
.,• . :,;l;:.~.r--",!t.·iJ.I

cidades deveriam i:lssurnir k·gítimamente a r~sponsabilidade de -""~-(35·. 't


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~ - .a.;.lj\; ~
prover medidas vigorosas p<lra a ~xlinção dess;~ erva daninha letal,
~ ~w· •1.?-:;;t;;:->..:,· ·.. ),'.:;;-~
sendo, portanto, de el>perar que todos os cidadãos com espírito ~a.l1 ~~· ;~~·~~Íl::~ti~
publico abracem com detl'nninaçao o mov im~ nro ru:ome11dado rr~~
~~ .•·SJI;1!7if~'3g
_'r... ·V.;k!.~.. ·~
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'Zi~;~~.'· ,··<~:S
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pelo Departa m en to rio Tl'souro n o Sl'ntido de rt·darnar a imposiç,1o
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::-~ ___;_____;_ :~.:..;•. ,·. - ~- . . ~........ ....._~~-':ll. ......l.. - --~
A agência não se restringiu ;\ t'XOrtação em relatórios depar-
tamentais. Seus métodos para perseguir a legislação desejada sii.o ~"&ttfm1l!·n .m lftl ,J:;J:~;:' ~·~:~
descritos numa passagem que trata da campanha por leis estadu:~is ;;;;.;;~.q;:cJi!~??:49 .i lij ~}il;i; ' '. , .6 t;,
~ílliJP!I"V,~ .;. . . . ~$1fk~:t~......
.:. .
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~-~
uniformes sobre narcótiC(JS:
;l1!!B5rt :~Ji?. ::li
A pedido de várias organizações <J LI L' lid :un com t?ssc ;...ssunto l\-is
estaduais uniformes]. flm.ll1l pr('par;ldns na Agência Fcd~ral de NJr- Dos 17 artigos, dez n:c1mhcciam L'xplici L<HHL'n te a ajud<t
cótiros artigos para pub icaçJo por essa.~ organi; ações em revist,JS c
1 da agência fornecendo fatos e números, ou d avam evidêmi as
jornais. Um intt-resse público intdigente e f;J\'Oravelmcnte disposw.
implíci tas de ter recebido aj uda ao usar t:1Los ~· núnwros que ha -
viam aparecido anteriormentl.', em publ k,1çôes da agê ncia ou em
útil para a aclministraçào da~ l.:.•is snbr~ narcóti cos, fo i dl'Spert.tl:u
e mantidoY depo;m entos perantt' o Congresso sobre a Le i d e Tributação d a
Maconha. ( (:onsidera remos adiante as audienci;ls sob re o projeto
de lei promovidas pelo Congn:sso.)
Qua11do a campanha pela Jegislaçüo federal contra a maco-
Uma clara indicação da influênc ia da agência no preparo de
nha se aproximava de um dt·sfecho hem-sucedido, os estÓnjos d.1
ilrtigos jornalísticos pude sn L'IH:ontrada 11 01 rl'wrr(·llc ia de ccrtm;
agência para Wtilllllkar av pt.ibliw ~ua wnvicção Ja urgência do
histórias de atrocidades telatadas pela p rimeira vez pela agência.
problema deram f.-tJtos abuncinnk.~. O número de artigos :;obrl.'
Por exemplo, num étrtigo publicado na .-lmeri('(/11 Magazine, o
maconha ptlblicados l.' lll rl'Vtsta~ i)opul.trcs indicado pelo númew
próprio delegado de narcóticos relato u o segu inte incidente;
148 Outsiders
As regras e sua imposição 149

Uma família inteira foi assassinada por um jovem vi·-iJdo [em ma-
cional do projeto de lei-ta! como o Harrison Act, foi formulado
conha] na .rlórida. Quando policiai s chegaram à casa, encontraran~
como uma medida fiscal-, ele os tranqüilizou sobre possíveis
o rapaz cambaleando em m eio a um matadouro humano. Ele havia efeitos sobre negócios legítimos:
assassinado com um machado o pai, a mãe, dois irmãos e uma irmã.
Parecia atordoado.... Não tinha lembrança alguma de ter cometido
O p rojeto é formulado de maneira tal, contudo, a não interfer ir
o crime múltiplo. Os policiai~• o conheciam usualm ente como um
materialmente em nenhum uso indus lrial, m éd ico ou científico
jovem sensato, IJastante calmo; agora estava deploravelmente loucL.
que a planta possa ter. Como a fibra de cânham o e artigos ma-
Eles procu.-aram ~ razão. O rap.1z disse que adquirira o hábito de
nufaturados com ela [b arbante e cordam e leve] ~ão obtidos dos
fumar algo que seus jovens amigos chamavam de "mugg/es': um
inofensivos talos maduros da planta, todos esses produtos toru m
nome intàntíl para maconha. 1'
completamente eliminados do texto do projeto, definindo-se o
termo "maconha" no projeto de modo a excluir de seus dispositivos
Cin-:o dos 17 artigos publiudos durante o período repetiram
o talo maduro e seus compost0s ou fabricantes. Há também al-
essa história, mostrando assim a influência da agência.
gúns n egócios com sementes de m aconha para fins de plantação
Os artigos destinados a de~pertar o público para os perigos
e uso na fabricação de ólt:o, o qual é finalmente empregado pela
da maconha identificavam o uso da droga como uma violação do
indústria de tintas e vernizes. Como as sementes, diferentemente
,.~1",... r1" ... ,t,..,rr.M~-:-!-::::: d:1 p:-o!bi<;:'i n da busc:~ d~ ":,razeres ilícl- 1
~. L . ~... ,,..r.,rn rnn tP.n" .., ~f'O
uu ''"" ···---· -· ~-·--~··- •• ... g:~ ,
,. ··
a mcsm.t · ·
LompI'era na·-o
.... · .,
o:xce~,-.w
tos", legitimando assim a campanha contra a maconha <:as olhos pode se r aplicada nesse caso. IK
do público. Esses, claro, eram os mesmos valores a que se havia
apelado durante a campanha por legislação proibindo o uso dl'
Ele assegurou, além disso, que os médims rara mente usavam
álcool e drogas opiáccas para fins ilícitos.
a droga, de modo que a proibição não acarretaria nenhum con-
A Agência Federal de Narcót i co~ fornecct., portanto, a ma:o r
tratempo para eles ou para a indústria fa rma cêut ica.
parte do e1npreendimento que produziu a consciência pública elo
Os membros do comitê estavam prontos para fazer o que
problema<.: coorden o u ~~ :1ç:io por parte de t)Ulras o rg.miLaÇÕl's de
fosse necessário, e de fato perguntaram ao dcleg.tdo de narcóticos
imposição. Armados com os resultados de se u empreenditneihO,
por que essa legislação era pmposta somente naqut'l c momen to.
representantes do Departamento do Tesouro for.11n ao Congres .•u Ele explicou:
com o projeto da Lei de Tributação da Maconha e pediram Sl!<l
aprovação. As audiénci<lS dt.., Comitê sobre Hccursos da Cámara do~
Dez anos atrás só ouvíamos fa lar dela l ll> Sudo~:>tl'. foi somente
Deputados, que analisou o projeto por cinco dias durante abril e
nos últim os anos qt~e ela se tornou u ma :Hneaça naci onal. ... Temos
maio de 1937, forn eceu um c:1su claro da opera~~o de empreendi-
recomendado legislação estadual un ilo rm l· nos v;írios estados, e foi
mento e do modo como ela devia atend~r a outros inter:sses.
somente no último mê~ que a última assembléia k g islativa estadual
O con.sultor-geral assistente do Departamento do Tesouro adotou a legislação. 1"
apresentou o pro.i eto aos congressistas com estas palavras: "Os
principais jornais dos Estados UnidL)s rcumhect:ram a gravidade
O delegado relatou que muitos. crimt·s eram cometidos sob
desse problen.a e muitos d~les defe nderam legislação federal para
a influência da maconha e deu exemplos, indui1u,Jo o caso do
controlar o tráfi ct> de maco:1ha."'· 1\p1h ('Xplicar aba~<: con·;titll·
assassina to em massa na FlóriJa. Saliento u que us baixos preços
150 Out:>íders As regras e sua imposição 151

da droga naquel~ momento tornav,tm-na duplamente perigosa, Enfrentando séria oposição, o governou abra ndou sua infle-
porque estava dtsponível para qualquer pessoa que tivesse dez xível insistência no dispositivo sobre sementes, observa ndo que a
centavos de sobra. esterilização das sementes poderia torná-las inofensivas. "Parece-
Fabricantes de óleo de semente de cânhamo expressaram nos que o 6nus da prova cabe ao governo, ali, g uando poderíamos
certas objeções à linguagem do projeto, que foi rapidamente prejudicar uma indústria legítima." 22
alterada para atender às suas especiliCJçõcs. Uma objeção mais Eliminadas essas d ific uldades, o projeto transito u facilmen-
séria, porem, ve io da indústria Je alimento para aves, que na épo- te. Os fumantes de maconha, impotentes, desorganizados e sem
ca usava cerca de 1,81 milhão de quilos de semente de cânhamo motivos publicamente legítimos para ataque, não l'nviaram re·
por ano. Seu representante pediu desculpas ao Co11gresso por presentante às audiências e seu ponto de vis ta não teve registro
aparecer no último minuto, dedar,llldu que de e seus Lolet;as não
nos anais. Sem oposição, o projeto foi aprovado tanlo na Câmara
haviam percebido até pouco antes que il planta da maconha a que
dos Deputados quanto no Senado, no m ês de _julho seguinte. A
o projeto se referia era a mesma de que eles obtinham um impor-
iniciativa da agência produzira uma nova regra, cuja imposição
tante ingrediente de se u produto. Testemunhas governamentais
subseqüente aj udaria a criar uma 1ova classe d e outsiders - o.s
haviam insistido para que a proibição atingisse não só as folha~
usuários de maconha.
e flores, mas também os grãos, porque co ntinham uma pequena
Dei um exemplo extenso tomado do camp o da legislação fe-
quantidade do princípio <ttivo da droga e podiam ser usados par~
deral. Os parâmetros básicos d este caso, porém, seriam igualmente
fumar. Os fabricantes de alimento para aves sustentaram que<.
aplicáveis não só à legislaç:io em geral, mas ao d e~e:1Vo l v imento d e
inclusão da semente sob os dispositivos d o projc lo prejudicaria
regras de um tipo mais informal. ( )nde quer qut> rt•gras Sl'jam cria-
seus negócios.
das e aplicadas, deveríamos estar alentos quanlo :1 po.'i~ fvd presença
Para justificar o pedido de i scn~·~io , os rcpre~c nt<tntes dos
fabricantes s•11ient•H<Jm o efeito benl'li..:o da semente de cánhamo de um indivíduo ou grupo emprl'cndedor. Su <ts atividades podem
sobre pomhds: se r propriamen te chamadas de elllpreendimento l/lOm !, pois o que
empreendem é a criação de um novo fragmento da con~tituição
1Ela i é u.:1 ingn:dienlt.: nen·.~ súrio do <Jiiml'nto p<~r<l pombos porque
moral da sociedade, seu código de ce rto e erra do.
contém uma substânci<J oleosa que é um va lioso ingrediente da co- Onde quer que regras sejam criadas e aplicadas, deve ríam os
mida de pombos,(' n:lo O.:t>nseguinw~ t'JKontrar nt:nhuma semente .,.· esperar encontrar pessoas que tentam arregi mentar o <lpoio de
capaz de tomar seu lugar. ">e substituirmos o cânhamo por alguma grupos assemelhados e usam os meios de co municação disponíveis
coisa, ela tende <1 mudar o car<íll'l' dtlS l1lhotes de pombos nascidos para desenvolver um clitna de o~)inião favodvd. Onde eles não
20 desenvolvem esse apoio, podemos esperar o fra casso do l'mpreen-
em catiw iro.
dimento.23
O co ng ressista Ro bert L. Doughton, ela Carolina do Nor.t~. E, onde que r que regras sejam criadas e aplicad<Js, esperamos
in~bgou: ''·Essa semente lt' m sobrl' os pombos o mesmo ef~l~O. ; que os processos de imposição tomem fo rma dl' acordo com a com-
que a droga exerce so bre seres humanos?" O representante. dos-.. plexidade da o rganização, repousa ndo sobre a base de acordos
fabricantes disse: "Nunca notei isso. El,1 tende a restaurar as··nerups;:, compí'rtilhados em grupos mais simples· e result.mdo de manobras
e m elhorar as aves.":' e barganhas políticas nas estruturas complexas.
8
Empreendedores morais

As regras são produto da iniá1liva de algué111 c pudcn1os p~:nsar ll<IS


pessoas que exibem essa inic iativa como r:tnprcr:11dcdores morais.
Duas espécies relacionadas - criadores dl' re~ras c impositorv1.
de regras - ocuparão t1 nossa atenção.

Criadores de regras

O protótipo do criador de reg ras, mas não ,1 única variedade, com o


veremos, é o reformador cruzado. Ele está interessado no conteúdo
das regras. As existentes não o satisfazem porque hú algum mal que
o perturba profundamente. Ele julga que nada pode estar certo no
mundo até que se façam regras para corrigi-lo. Opera com uma
ética absoluta; o que vê é to tal e verdadeiramen te mal sem nenhuma
qua1ificação. Qualquer meio l; válido para extirp<í -lo. O cruzado é
fervoroso e probo, muitas vezes hipócrita .
.b apropriado pensar em reformadores como cruzados porque
eles acreditam tipicam ente que sua missão é sagrada. O defensor
da Lei Seca proporciona um excelente exemplo, assim como a
pessoa que quer eliminar o vício e a delinqüência sexual, ou aquel.a
que quer extirpar o jogo.
Esses exemplos sugerem que o cruzado moral é um intro-
metido, interessado em impor sua própria moral aos outros. M as
esta é uma visão unilateral. Muitos cruzados morais têm fortes
motivações humanitárias. O cruzado não t'Stá interessado apenas
em levar outras pessoas a fazerem o que julga certo. Ele acredita
que se fizerem o que é certo será bom para elas. Ou pode pensar
153
154 Outsiders Empreendedores mo rais 155

que sua reforma evitará certos tipos de exploração de uma pe-;so·.1 abaixo deles a alcançar um melhor status. Outra questão é saber se
por outra. Os Jefcnsore~ da Lei Seca não pewavam que estavam '.
os que estão abaixo deles gostam sempre dos 111eios propostos para
simplesmente impondü sua moral aos o utros, mas q u~.: criavamlon- sua sal vaçao. Mas esse fato-- que as cruzadas mora is são em geral
diçõcs para melhorar o modo de viver das Pf'Sso as impedida~ r l' lo dominadas por aqueles sit u.1dos nos n íwis superiores da estru tura ,,
<íkool de gozar de uma vida r~·a lmcntl' ho<l. Os ;\bolicionistns n :io social - ~ignífica que eh:s <lcrescentam ao podn que extraem da
estavam simplesmente tenta11do impedir os donos de esc ravos legitim idade de sua posição moral o poder que extraem de sua
de fa3er a coisa errada; bL·sca\·arn ajudar os escravos a obter um.t posição superior na sociedade.
vida melhor. Em razão da importância do motiYO humanitário, Naturalmente, muitas cruzadas nwrais obt êm apoio de pes-
os cruzados morai s (apesar da devoção relativamente obcecada .1 soas cujos motivos são menos puros q ue os dos cruzados. Assim,
sua caus::1 particular) muitas vezes emprestam seu apoio a outras alguns industri::tlistas apo iavam a Lei Seca por pensarem que el<J
cruzadas humanitárias. JcJseph Gusfidd salientou: lhes forneceria uma força de trabalho m;l is ma nejâ vel. 3 De maneira
semelhante, corre por vezes o rumor de qu e os i.ntl'resses do jogo
O movimento norte-amencaml d:~ temperança durantt' o séndo em Nevada apóiam a oposição à legaJiza~ào do jogo na Califórnia,
XIX fni parte de um csfo rçl' g.:r,d em prol da nloriza~·ãn do ~a porque isso afetaria gravemente seu negócio, que depende, numa
humano por meio de uma melhnrin d;l moralidade e d~1s condi~-ôes medida substancial, da população do sul da Califórnia. 4
econô micas. A mistura de 1digioso, igualitário e humanit;írio foi O cruzado moral , no entanto, está mais p reocupado com
uma faceta importante do reformismo moral de muito~ JJlO Vi- fin s do que com meios. Quando se trata de red igir regras espe-
mentos. Os adeptos da t~·mpcrança formavam uma ampla p.trcda cíficas (tipicamente na forma de legislação a ser proposta a uma
de movimentos como o snb<~tarianismo, a aboliçãn, os direítu~ da Assembléia estadual ou ao Congresso Federal), ele com freqüência
mulher, o agrarianismo e tentati\'us humanitárias de melhor<~r o recorre ao conselho de especialistas. Advogados e juristas muitas
destino dos pobres .... vezes desempenham esse papeL Agências governamentais em cuja
Em seus objetivos secundários, a União Cristã de Mulheres jurisdição o problema recai podem também ter o conhecimento
pela temperança (wcn:, na ~igl<~ em inglês) revelava um gran<ic necessário, como a Agência Federal de Narcóticos, no caso do
intere ~se pela melhoria do bem-estar das classes baixas. Era ativa problema da maconha.
nas campanhas em prol da reforma penal, pela redução da jornada À m edida que a ideologia psiquiátrica se torna cada vez mais
de trabalho e saUrios mais altos para os trabalhadores, pela abolição aceitável, contudo, aparece um novo especialista - o psiquiatra.
do trabalho infantil e por muitas outras atividades humanitárias e Sutherland, em sua discussão sobre a história natural das leis a
igualitárias. Nos anos 1880 a wcTu trabalhou pela introdução de respeito do psicopata sexual, chamou atenção para a influência do
l~is para a protcçüo de moças trabalhadoras contra J I!Xploração por psiquiatra. 5 Ele sugere o seguinte como condições necessárias para
homens. ' que se adote a lei do psicopata sexual, estipulando que uma pessoa
"diagnosticada como psicopata sexual pode ser confinada por um
Como diz Gusfield/ "o reformismo mo ral desse tipo sugere período indefinido num hospital estadual para insanos":6
um modo de aprmcimação de uma classe dominante com relação
aos menos favoravelmente situados na estrutura econômica e so- Primeiro, essas leis são usualmente promulgadas depo is que um esta-
cial'~ Cruzados morais querem, de modo típico, ajudar os que estão do de medo foi despertado na comunidade por alguns crimes sexuais
156 Outsiders Emprl!endedores morais 157

grave:-; cometidos em r.1pt,1,, St to. t•s,,il1. ls~o é ilustr,tdo L'lll Indiana, seguinte da Asscmbléi<1 Legi ~lativa
cstadu.d. Em t-.·1innesota, todos
onde uma lei foi aprov.td,l .1pú:-. 1n·~ llt t qual ro at :tqm·~ wx uai~ t'tll os lllclllbros Ju W111itt! do govcrnador,t·xü·to til li , n .tlll p~iquialra~.
lndian;ipolis, co111 ·1~sa~si natns l'lll dni1.. Chefes de famíli.\ compra- Em Wisconsin, a Milwaukce Neuropsychialric Socicty participou da
ram armas e cães de guarda, e t' t:1>toq uc dc c,tdeado~ c correntes na~ pressão sobre a Milwaukcc Crime Comm ission pl'iu promulgaç:ao
lojas de ferragens da cidad~ foi LOmpletamente esgotado .... de uma lei. Em Incliana, o cnmitê do procurador-geral recebeu da
Um segundo elcmen t,l no pro·~·?~~o de desenvokimento de lei~ American Psychiatric Asso(iation cópias dl· toda~ .1s leis sobre o
sobre o psico pata sexual e a ;n;vkbde agitada da comunidade em psicopata sexual promulgadas em outros estados.~
conexão com o medo. A atenção da ...omunidade est,í ..::on..::enw!da em
crimes sex uai ~, a~ pc%o;~s vêem pcnlc\o na~ mais variadas sJtuaçõc., A influência de psiquiatras em outras esferas do direito cri-
('sentem a necessidade c a possiJilidadc de control.í-la:..... minal aumentou uos últimos anos.
A terceira fase 110 desenvolvimento dessas leis rdJt ivas ao psi- De qualquer form a, o importante neste exemplo não é que os
cop:ltJ .~exual foi a dcsignaç.io de um com itê. Este reúne as muitas psiCluiatras estejam se tornando cada vez mais influentes, mas que
recomendações conflitantes de pe~soas t: grupos dt> pç~soas, tent<l o cruzado moral, em algum momento do desenvolvimento de sua
determinar ufato s'~ estuda procedimentos l'lll OUtros t'St:ldOS t' faz cruzada, requer muitas vezes os serviços de um profissional capaz
recomendações, que gt:ralmente incluem projetos de ki. Embor:1 o de formular as regras apropriadas de forma adequada. O próprio
temor gl..'ral de hàbito se ;eduza em aiL;u ns dias, o comitê tt>m o dever cruzado muitas vezes não está preocupado com esses detalhes. Para
.,_r!
formal de perseverar em st·us esforços até que se tomem medldas ele basta assegurar o ponto principal; e deixa sua implementação
positivas. O terror que não resuh<t num comitê tem muito menor .,>ara outros.
probabilidade de rc~ultar numa lei. Ao deixar a redação da regra específica nas m ;ios de outros,
o auzado abre a porta para muitas influências imprevistas. Pois
No caso da~ le1s sobre o psicopata sexual, em geral não há o~ çue redigem legislação para os cruzados têm seus próprios in-
nenhuma agênci<l governamental encarregada de lidar com des- teresses, que podem afetar a lei que preparam. É proúvel que as
vios sexuais de maneira especializada. Por isso, quand0 surge a leis sobre o psicopata sexual redigidas por psiquiatras contenham
necessidade de ccnselho especializado na formulação da legislação, IT'Uitos traços nunca pretendidos pelos cidadãos qu~ encabeçaram
as pessoas muita~ vezes se voltam para o grupo profissional mais as campanhas para "fazer alguma coisa com relação aos crimes
estreitamente ;·.ssociado a esses problemas: sexuais': traços que refletem, contudo, os interesses profissionais
da psiquiatria organizada.
Em algu ns estados, quando o dcst:m·olvimento de lei sobre o psico-
pata sexual está no estágio do comitê, os psiquiatras desempenharam
um importante papel. Os psiquiatras, mais que quaisquer outros, Odestino das cruzadas morais
foram o grupo de intcre~c por tr;ís das lds. Um comitê de psiquia-
tras e neurologistas em Chica~o :edigiu o projeto que se tornou a Uma cruzada pode alcançar notável sucesso, como aconteceu ao
lei subrt· a psicopatia sexual tlc lllinois; l> projeto foi patrocin;~do movimento pela Lei Seca com a aprovação da 184 Emenda. Pode
pela Ordem dos Advogados de Chicago e pelo procurador e~tadual fracassar completamente, como ocorreu na campanha para elimi-
de Cook County, c foi vromulgadn (Otn vouúl oposi\·üo na sessiio nar o uso do tabaco ou o movimento antivivís~>t:cçào. Pode alcançar
158 Outsiders Empreendedores morais 159

grande sucesso, mas apena~ pnra v•.T seus ganhos gradualmente restritivo de A Fundação Nacional, os fuJK ionários rapidamen te
reduzidos por mudanças na mora:idadc pllblica e crcscelltes n:s- descobriram novos problemas de saúde aos quais a organização
tri~·ôes impostas a ele pur in lcr prL'ta~·fw~ judiciais; esse foi o ca~u podia dedicar ene::gias c recursos.
da cruzada contra a literatura pornogrM1ca. A cruzada malsucedida, seja. aquela que descobre que sua
Uma conseqüênci.1 importante de uma cruzada bem-suLe- missão não atrai mais adeptos, seja a que alcança sua meta somen-
d ida, clnro, é o estabelecimento de uma nova regra ou conjunlo te para perdê-la de novo, pode seguir dois cursos. Por um lado,
de regras, em geral concomitante à criação do mecanismo apro- pode simplesmente desistir de sua missão original e concentrar-se
priado de imposição. Irei considerar t'ssa conseqüênciJ em algum na preservação do que resta da organização construída. Esse, de
mo mento adiante. Outro resultado do sucesso de uma cruzada, acordo com um estudo, foi o destino do Movimento Townsend.ç
porém, merece atenção. Por outro, o movimento malogrado pode aderir rigidamente a
Quando um indivíduu obtém sucesso na empreitada de pro- •1rna missão cada vez menos popular, como fez o movimento pela
mover o estabele-:imento de uma nova regra- ao encontrar, p·or Lei Seca. Gusfield descreveu atuais integrantes da WCTU como
assim dizer, stu Grr.al-, ele rerde uma ocupação. A cruzada que "moralizadoras derrotadas". 10 À medida que a opinião dominante
absorveu tanto rie seu tempo, energia e paixão está encerrada. É dos Estados Unidos volta-se cada vez mais contra a temperança,
provável que, ao iniciar sua cruzada, fosse um amador, alguém que essas fnulheres não abrandaram sua atitude em relação à bebida.
se envolveu nela pdo seu interesse na 4uestão, pelo conteúdo da Ao contrário, tornaram-se ressentidas com as pesso.ts antes "res
regra que queria ver estabe!ecida. Kenneth Burke observou certa peitáveis" que deixaram de apoiar o movimento pró-temperança.
vez que a u~....:p~;~ •) ~~ ~!'!: !:0!T~cm !1ode se tornar sua preocu- A classe social de que os membros da wcTu provêm mudou da
pação. A equação funciona também ao contrário. A prcoc.upaçao ..:!~:;:;;: média alta para a classe média baixa. Atualmente, a wcTu
de um homem pode se tornar sua ocupação. O que começou como passou a atacar a classe média, de que antes obtinha apoio, vendo
um interesse amador po;- uma questão moral pode se tornar um esse grupo como um foco de aceitação do consumo moderado de
trabalho de tempo integral; de f.1to, ~ara muitos reformadores, álcool. As seguintes citações de entrevistas feitas por G usfield com
torna-se exatamente isso. O sucesso da cruzada, portanto, deixa o líderes da wcTu dão uma idéia da "moralizado ra derrotada":
cruzado sem unu vocação. Esse hom,_•m, (:Onfuso, pode generalizar
seu interesse e descobrir al~o novo para encarar com alarme, um Assim que esta união foi organizada, tinham os muitas das senhoras
novo mal ace.:-ca do qual algo deve ser feito. Torna-se um desco- mais influentes da cidade. Mas agora elas passaram a achar que
bridor profissional de erros a serem corrigidos, de situações que nós, senhoras contrárias a se tomar um coquetel, somos um pouco
demandam novas regras. esquisitas. Temos a mulher de um empresário e a mulher de um
Quando a cruzada produziu uma grande organização dedi- ministro, mas as mulheres do ndvogado e do médico nos evitam.
cada à sua causa, funcion;) rio:; da vrganização têm maior tJrOba- Não querem ser consideradas esquisitas.
bilidade que o cruzado individual de procurar novas causas para Tememos a moderaçã0 mais que qualquer outra coisa. Beber
esposar. Esse processo oco rreu de marwir.1 dram;ltka no (ampo dos tornou-se em tal gruu uma p.trte de tudo - ,tté Clll nossa vida ll<t
problemas de saúde, quando a Fundaçao Nacional para a Paralisia igreja e em nossas faculdades.
Infantil pôs fim à sua própria missã0 ao descobrir uma vacina que A moderação se insinua nos boletins ofici;tis da igrej<t. Eles aguar-
elirnina\'a a poliomielite epidêmica. Adotando o nome menos dam em suas geladeiras. ... O pJstor aqui acha que a igrejil foi muito
160 Outsiders Empreendedores morais 161

lo nge. que eles cst;\o fa7-l'ndo dem.1is par.1 ajudar .1 ..:. usa da tem;'e- são aplicadas a pessoas particulares, precisamos compreender os
nln~-a. Ele tem rnedo de pisar em cJlos de pessoas intluentes. 11 motivos e interesses da polícia, os impositon:s das regras.
Embora alguns policiais tenham sem dúvida uma espécie de
Apenas algun s cruzados, portanto, alcançam sucesso em interesse missionário em reprimir o mal, é provavelmente muito
ma missào e criam, ao gerar urna nova regra, um novo grupc mais típico que o policial disponha de certa visão neutra e objetiva
de outside~s. Entre os bem- sucedidos, alguns descobrem que de seu trabalho. Ele está menos preocupado com o conteúdo de
têm um gosto por cruzadas e procuram novos problemas para qualquer regra particular que com o fato de que é seu trabalho
atacar. O utros cruzados tracassam em sua tentativa e sustentam impor a regra. Quando as regras são alteradas, ele pune o que
a organização que criaram, aba ndo nando sua missão caracte- antes era comportamento aceitável, assim como deixa de punir o
ríst ica e concentrando-se no proble ma da própria manutenção comportamento que foi legitimado por uma mudança nas regras.
organi:t.acional, o u se tornam eles m esmos outsiders, continuando O impositor, portanto, pode não estar interessado no conteúdo da
a esposar e pregar uma doutrina que soa c<'da vez mais esquisit<~ 1egra como tal, mas somente no fato de que a existência da regra
com o passar do tempo. lhe fornece um emprego, uma profissão e uma mison d'être.
Como a imposição de certas regras fornece uma justificativa
para seu modo devida, o impositor tem d ois interesses que condi-
Impositores de regras cionam sua atividade de imposição: primeiro, ele deve justificar a
existência de sua posição; segundo, deve ganhar o respeito daqueles
As conseqüências mais óbvias de .tma cruzada bem-sucedida é .1 com quem lida.
criação de um novo conju nto de cegms. Com isto, descobrimos Esses interesses não são peculiares de impositores de regras .
muitas vezes que é ge rado um novo conjunto de agências d e Membros de todas as ocupações sentem necessidade de justifica r
imposicão c de funcionários. Por vezes, claro, agências existentt•s seu trabalho e ganhar o respeito de outros. Os músicos, como
assumem a administração da nova regra, mas na maior parte das vimos, gostariam de fazer isso, mas têm dificuldade em encontrar
vezes se produz um novo conjun to cic impositores de regras. A maneiras de convencer os clientes de seu valor. Zeladores malo-
imposição da Lei Harrison pressagio u a criação da Agência Federal gram em ganhar o respeito dos moradores de um prédio, mas
de Nan:óticos, assim como a aprovação da 1 8~ Emenda levou à for- desenvolvem uma ideo logia que enfatiza sua responsabilidad e
mação de agências policiais encarregadas de aplicar a Lei Seca. quase profissional de manter em sigilo o conhecimento íntimo
Com o estabelecimento de ,,rganizações de imposilores de dos moradores que adquirem no curso de seu trabalho. 12 Médicos,
regras, a cruzada torna-se institucionalizada. O que começou como advogados e outros profissionais GUe são mais bem -sucedidos em
uma Glmpanha para convencer o mu ndo d<~ neccssichde mo ral ganhar o respeito de clientes de!~envolvem mecanismos elaborados
de uma regra torna-se finalmente uma o rga niza•~ão dedicada à st•<t para manter uma relação pro pri; mente respeitosa.
impo$ição. Assim como :novimellll>S político~ radicais se trans- Ao justificar a existência de sua posição, l) impositor de regms
formam em partidos po:íticos organizados, e seitas ~vangélica" enfrenta um duplo problema. Por um lado, deve demonstrar par~
vigorosas se tornam dc JH•minações rl·ligiosas modl'radas, o res ul - os outros que o problema ainda existe; as regras que supostamente
tado final da cruzada moral é uma força policial. D<:!ss~ modo, para deve impor têm algum ~entido, porque as infraçõ~s ocorrem. P(lr
C0'1 tp rl'{~ndcr como as rcg··.1s que a i.un uma nova das:,c de o utsidcr-. outro lado, deve mostrar que suas tentati va~ de imposição são
162 Outsiders Empreendedores morais 163

'.
eficazes e valem a pena, que o mal com que ele supostamente deve parte da atividade de imposição é dedicadJ não à imposição efetiva
lidar está sendo de tàto enfrentado adequadamente. Portanto, de regras, mas à imposição de respeito às pessoas com quem o
organizaçücs de imposição, em particular quando c~tJo em busca impositor Lida. Isso significa que uma pessoa pode ser rotulada de
de recursos, oscilam em geral entre dois tipos de afirmação. Pri- desviante não porque realmente infringiu uma regra, mas porque
meiro, dizem que, em decorrência de seus esforços, o problema mostrou desrespeito pelo impositor da regra.
a que se dedicam se aproxima de uma solução. Mas, ao mesmo O estudo de policiais numa pequena cidade industrial reali-
tempo, dizem que o problema está talvez mais grave que nunca ndo por Westley, fornece um bom exemplo desse fenômeno. Em
(embora não j>Or culpa de.las próprias) e requer um esforço rc- sua entrevista, ele perguntou ao policial: "Quando acha que um
nov<Jdo e intensificado para mantê-lo sob controle. Encarregados policial tem razão para bater num sujeito?" Constatou que "pelo
da imposição podem ser mais veementes que qualquer p~:>soa em menos 37o/o dos homens acreditavam que era legítimo usar vio-
sua insistência ele que o problema com que devem lidar continua lência para impor respeito'~ 13 Ele faz algumas citações reveladoras
presente, de fato m:lis qne nur.ca. Ao fazer essas afirmações, esses nas suas entrevistas:
encarregados da imposição fornecem boa razão para que a posição
que ocupam continue a existir. Bom, há casos. Por exemplo, quando você detém um sujeito para
Podemos também notar c;u~ encarregados e agências de um interrogatório de rotina, digamos um '\:spert i nbo ",e ele começa
imposição tend~m a formar uma visão pessimista da natureza a responder e a lhe dizer que você não vale nada e esse tipo de coisa.
hu:nana . Se não acreditam realmente no pecado original, pelo • Você sabe que pode prender urr. homem sob acusação de perturba-
menos gostam de enfatizar as dificuldades que têm para levar as ção da ordem, mas essa acusação quase nunca se sustenta. Então o
pessoas a cumprir regras: as em acterísticas da natureza human<l que você faz num caso desses é provocar o cara até que ele lance um
que levarn as pessoas para o mal. Süo céticos em rdaç:io a tentativas comentário que lhe permita csb0feteá-lo justificadamente. Depois,
de reformar os infratore~. se ele reagir, você pode dizer qne resistiu fi prisão.
i~ \'ÍSào cétka e pessimista do impositor d•! regr<'.S é r·~forçada,
claro, por sua experiência diária. Ele vê, à medida que realiza seu 13om, um prisioneiro llll'recc apanhar quando clwgn ao ponto
trabalho, a evidência de que o problf'ma continua ~re:;ente. Vê as de ten tar ficar por cima.
pessoas que repetem continuamente as transgre3sêJes identifican-
do-se claramente a seus olhos como outsiders. Nãn ~. contudo, Você tem de ser rude quando a lingu;1gcm de um homem fica
um vôo excessivamente grande da imaginação :.upor que uma das muito ruim, quando ele est;í tl:ntando te (;l;;er dl' bobo diante de
razões subjacentes para o pessimismo do impositor com relaçáo todo mundo. Acho que a maioria dos polici.lis tenta tratar bem as
à natureza humana e as possibilidades de reforma é o fato de que, pessoas, mas em geral você km de ser bastante rude. I~ a única ma -
fosse a natureza humana perfeita, e pudessem as pessoas ser refor- neira de pôr um sujeito no seu lugar, de fa1.~ - lo mostrar um pouco
madas de modo permanente, seu trabalho deixaria de existir. de respeito. 14
D;1 mesma maneir<~, um impo:.itor de regras provavdmen•e
acreditarei ser necessário que as pessoas com quem lidn o respei - O que Westley descreve é o uso de um meio ilcgnl para impor
tem. Se não o fizerem, scr{l muito difícil realizar seu trabalho; seu respeito ao~ outros. Claramt!!\ll:, quando tt lll impmi lor de regra~
sentimento de segurança r,o trah;llho saá perdido. Port<Jnto, boa tem a opção de impor uma regra ou não, a difere nça no que faz
164 Outsiders
Empreendedores morais 165

pode ser c.tusada pela atitude do infrator em relação a ele. Se o algum caso exceto o de um ladrão profissional, assim como estes
infrato1 for respeitoso, o impositor pode suavizar a situação. Se raramente procuram alguém exceto ele. Esse sistema centralizado e
for desrespeitoso, as sanções poderão lhe ser aplícadas. Westby
monopolista de livrar ladrões profissionais é encontrado em prati-
mostrou que esse diferencial tende a operar no caso de infratores ' das pequenas. 16
camente todas as cidades grandes e em mu1tas
de regras dt: trânsito, quando a liberdade de ação do policial é qt.Jase
máxima. JMas prova'~elmente opera em outras áreas també•n.
1
São principalmente os ladrões profissionais que sabem sobre
Em gnal, o impositor de regras tem grande poder de pon-
o interm ediário e suas operações; a conseqüência desse critério
deração em muitas áreas, ainda que apenas porque seus rec ursos
de selecionar pessoas a quem aplicar as regn1s é gue os amadores
ntio si.io suficientes para fazer fac(.' uo volwnc de transgrt·ssõe!:
tendem a ser apanhados, condenados e rotulados como desviantes
com que deveria lidar. ls~o significa que não pode atacar tudo
com muito maior freqüência que os profissionais. Com o observa
ao mesmo tempo, e nessa medida tem de contemporizar C(1 111 o
"'' o ladrão profissional:
mal. Não pode fazer todo o ,:;erviço e sabe disso. Age com calma,
na suposiç<lo de que o s probk-.nas co m que lida estarão presentes
Pelo modo como o caso c tratado no tribunal, dá para saber se há um
por muito tempo. Estabelece prio ridades, lidando com uma coisa
intermediário envolvido. Quando o guarda não tem muita certe('.a
de cada vez, enfrentando os problemas mais urgentes de imediato
e deixando outros para mais tarde . Sua a titude em relação a seu de que apanhou o homem certo, ou o testemunho do guarda e do
trabalho, em suma, é profissional. Falta- lhe o fervor moral ingênuo queixoso não coincidem, o u o promotor não endurece com o réu, ou
característico do criador da tl!gra. • o juiz é arrogante em su•t decisão, você pode sempre ter certeza de que
Se o impositor não va i at~Kar todos os casos de que tem c~) ­ alguém fez o trabalho. Js~;o não acontece em muitos casos de furto,
nh Pr.:imenro .to m esmo tempo. de precisa ter uma base. para deck:ir porque há um caso de prcfissional p;tra 2 5 ou 30 de amadores que
quando impor a regra, que pessoas cometendo qtwis atos devem ~ ':r não sabem nad<l sobre o intermediário. Esses amado res levam a pior
rot tlladns como desvian tes. U111 critér io para selu:ivnar pessoas c o todas as vezes. Os guardas espinafra111 o ladrüu, ninguém con traria
" intermediário"~ entre a políci<ll' os cr imino.;us. Algumas pcss·)as seLt testemunho, o juiz faz um discurso e tudo~ !icam com o mérito
têm influência polític<t o u know-how suficiente para serem Gwazes de deter uma onda de ct imcs. Quando o profts~ional ouve o caso
de evitar tentativas de imposição, se não no momC'nto da detenção, que precede imediatamente o seu, ek pensa:" Ele deveria ter pego
pelo menos num est{lgio posterio r do processo. Muitas vezes c'ssa 90 anos. São os malditos amadores qu l' G lllS<ll n toda essa vigihlncia
funç!io é profissionalizada; alguém exerce a tarefa em tempo Jn te- nas lojas." Ou então pensa: "Não é uma vergonha para esse guarda
graJ, estando disponível para qualquer um que queira contra:ü-lo. prender esse garoto por um par de llll'ias, quando daqui a a l gun.~
Um ladrão profissior.al descreveu esses intermed iários assim: minutos vai concordar com uma pequena mult;1para mim por furtar
um casaco de pele?" Ma~ ~e os guardas 1úo pn:ndcs~em os amadores
Em toda cidade gr;tnde h<í um intmnt·diúrio habitual para lad rôes para reforçar seu~ registros de conden;tç<lo, niio poderiarn encaixar
profissionais. Ele nào ll'm age nll's, núo se ofen.'c.:e t' raramente a~eÍtJ neles o relaxamento com os profissionais. 1 ~

Como não têm interesse no conteúdo de regras partic ulares


' No téginal,.fixcr, intc rmcdiririo ertre" polk ia L' ns crimino~os, ltJbituaiJ!lc'llk prop ria mente ditas, os imposito res de regras muitas vezes desen -
us;~ ndo m .' todo~ cscmos ou ileg;lÍs, n•.:di.wtç r~'l111l!Kr,lç.1o. \ N.E.'I:)
volvem sua própria avaliação privada da importúncia dos vários
166 Out~icJers Empreendedores morais 167

tipos de regras e infrações. Esse conjunto de prioridades pode ~atisfatório, ou que os ganhos antes obtidos fo ra m pouco a pouco
diferir consideravelmente daquelas e!>posadas pelo público geral. reduzidos e perderam-se.
Por exemplo, usuários de drogas acreditam, de modo típico (e
alguns policiai> me confirmaram isso pessoalmente) qut a polícia
não considera o uso de maconha um problema tão ir.1portante Desvio e empreendimento: um resumo
ou uma prática tão perigosa quanto o uso de drogas opiáceas. A
polícia baseia essa conclusão no fato de que, em sua experiência, Desvio- no sentido em que venho usando o termo, de erro pu-
usuários de drogas opiáceas cometem outros crimes (como furt'J blicamente rotulado- é sempre o resultado de empreendimento.
ou prostituição) no intuito de obter drogas, ao passo que usuários Antes que qualquer ato possa ser visto como desviante, e antes que
de mac0nha n:lo fazem isso. os membros de qualquer classe de pessoas possam ser rotulados
oi.
'' e tratados como outsiders pc.'r cometer o ato, alguém precisa ter
Os impositores, portanto, respondendo às pressões de sua
própria situação de tr;Jbalho, aplicam a~ regras c criam outsidcrs tk feito a regra que define o ato como desviantc. Regras não são feitas
uma maneira seletiva. Se uma pt'ssoa que comete um ato riesviante automaticamente. Ainda que uma prática possa ser prejudicial num
será de fato rotulada d e desviantc d~pcnde de muitas coisas alheias sentido objetivo para o grupo em que ocorre, o dano precisa ser
a seu comportamento efetivo: depende de o agente da lei sentir descober to e mostrado. Cabe que as pessoas sejam levadas a sentir
que dessa vez deve dar aiguma demonstração de que est~ fazendo que algo deve ser feito acerca dela. Para que uma regra seja criada,
seu trabalho a fim de justificar sua posição; de o infrator mostrar alguém deve chamar a atenção do público para esse assunto, dar
a devida deferência ao impositor; de o " intcrfnedi~1r ío" entrar em o impulso necessário para que as coisas seja m realizadas e dirigi r
ação ou não; e de o tipo êe ato cometido estar incluíJo na lista de as energias suscitadas na direção certa. O desviu é produto de
prioridades do impositor. empreendimento no sentido mais amplo; sem o em preendimento
O impositor profissional carece de fervor, e uma abordagem necessár io para que as regras sejam feitas, o desvio que consiste na
rotineira no trato com o mal pode pô-lo em dificuldade com o infração da regra não poderia e dstir.
criador da regra. Este, como dissemos, está preucupado com o con- O desvio é também produto de empreendimento no mais
teúdo das regras. El e as ve como os meios pelos quais <J mal pode estreito e particular sentido. Depois que passou a ex istir, uma reg ra
ser reprimido. Não compreende a abordagem de longo alcance que deve ser aplicada a pessoas p<Hticulares antes que a dasse abstrata
o impositor tem dos mesmos problemas e não co nsegue entender dos outsiders criada peia regra se veja povoada. Infrato res devem ser
por que todo o mal que se manifesta não pode ser rep rimido ao descobertos, identificados, prc!;os e condenados (o u notados como
mesmo tempo. "diferentes" c estigm;~tizados por sua nno -conformidade, como no
Quando a pessoa interessada no conteúdo d e uma regr,l caso Je gru,os desviantes legais como os músicos de casa noturna).
compreende ou tem sua atenção despertada para o fato de qul' Essa tarefa em geral é atribuição dos imposilores profissionais, os
os imposito rcs estão lidando seletivamente com o mal qve o preo- quais, ao impor regras já existentes, c riam Jcsviantcs particula res
cupa, sua S:lnta ira pode dc~pt'rtar. O profissio nal é ct'nsurado por que a sociedade vê como outsiders.
ver o mal de maneira leviana demais, por não cumprir seu deve r. :f. um fato interessante que a m aior parte da pesquisa e Ja
O empreendedor moral, a cujo pedido :1 regra foi feita, surge !r
·;.
.r especulação científica sobre o desvio diga respei to às pessoas que
novamente p<na dizer que o resultado da última cruzada não foi 1:J ;\ infringem regras, não àquelas que as criam c impõem. Se quisermos
- l' i
168 Outsíders

alcançar uma compreensão plena do comportamento desviantc,


precisamos levar em conta esses dois focos possíveis de ínvestiga.,:ao. 9
Cumpre ver o desvio, e os outsiders que personificam a concepção O estudo do desvio:
abstrata, como uma conseqüência de um processo de interação entre
pessoas, algumas das quais, a serviço de seus próprios interesses, fa- problemas e simpatias
zem e impõem regras que ::tpanham outras- que, a serviço de seus
próprios interesses, cometeram atos rotulados de desviantes.

A dificuldade mais persistente no estudo científico do compor-


tamento desviante é a falta de dados sólidos, a escassez de fatos e
informações em que basear nossas teorias. É um truísmo dizer que
uma teoria que não esteja estrdtamente vinculada a uma abundân-
cia de fatos sobre o assunto que se propõe a explicar provavelmente
não será muito útil. Uma inspeção na bibliografia científica sobre
o comportamento desviante mostrará, no entanto, que ela analisa
uma grande proporção de teoria com relat,.ilo ao:. fatos. Um crítico
de estudos sohre delinqüência juvenil mostrou que a melhor fonte
disponível de fatos sobre gangues de jovens ainda é 'J'he Gang, de
Frederick Thrasher, publicado pela priml'ira ve-L l'm 1927. 1
Isso não quer dizer que não haja estudo:. d~: cumportamento
desviantc. Há, mas eles são, em geral e com poucas exceções no-
táveis, inadequados para o trabalho de teorização que devemos
realizar, e isso de duas maneiras. Primeiro, não há simplesmente
estudos suficientes para nos fornecer fa tos sobre as existências de
desviantes tal como eles as vivem. Embora haja um grande número
de estudos sobre delinqüência juvenil, é mais prov;ivd que se ba-
seiem em registros de tribunais que em observação direta. Muitos
estudos correlacionam (l incidência de delinqüência com fatores
como tipo de bairro, tipo de vida familiar ou de personalidade.
Muito poucos nos dizem em detalhe o que um delinqüente juve-
nil faz em sua rotina diária de atividade e n que ele pensa sobre si
mesmo, a sociedade e suas atividades. Qu,ll\du leoriz<~mos sobre
delinqüência juvenil, somos portanto obrigados a inferir o modo
de vida do jovem delinqüente de estudos fragmentários e de relatos
jornalísticos," em lugar de basear nossas teo rias em conhecimento
170 Outsiders
O estudo do desvio: proble;nas e simpatias 171

adequado dos fenômenos que tentamos explicar. É como se buscás-


são membros mais ou menos confirmados de subcuJturas ho-
semos, como os antropó;ogos outrorn tinham de fc·1Ze r, construir
mossexuais. Um estudo rece11te revela um importante grupo de
uma descrição dos ritos de iniciação de uma tribo africana distante
participantes de relações homossexuais que nem são homosse-
a partir dos relatos dispersos e incompletos de alguns missionários.
xuais confirmados. Reiss mostrou que, para muitos delinqüentes
(Temos menos razão do que tinh.un os antropólogos para nos
juvenis, a prostituição masculina é uma maneira relativamente
,·al~rmos de descrições amadoras tragm..:nt<irias. Seus objetos de
segura de ganhar dinheiro. Elt!s não se consideram homossexuais
e:;tt.:do estavnm a milhares de qt.ilórn t>t ros de dist<lncia, ~m selvas
e, quando atingem uma idade l'ffi que podem participar de tipos
inacessíveis; os nossos estão mai~ perto de casa.)
de delinqüência mais agressivos e lucrativos, abandonam a prática.~
Estudos de comportamento dewiante são inad equados
Quantas outras variedades de compurtamenlo homossexual aguar-
para a teorização de uma segunda maneira, mais simples. Não
dam descoberta e descrição? E que efeito exerceria sua descoberta
existem em número sufi=.ien te. 'v!uitos tipos de desvio jamais
e descrição sobre nossas teorias?
foram Lit:JJtili~~mente descritos, ou os estudos são tão pouco
Não temos, portanto, estudos suficientes do comportamento
numerosos que constituem um mero começo. Por exemplo,
desviante. Não dispomos de estudos de tipos suficientes deste com-
quantas descrições sociológicas exi::.tem do modo de vida de
pol1amento. Acima de tudo, não contamos com muitos trabalhos
homossexuais de vários tipos? Conheço apenas algumas, e estas
em que o pesqui,;ador tenha w nseguido estabelece r um contato
apenas deixam claro que há uma vasta variedade d..: culturas c
estreito com aqueles a quem estuda, de modo a se inteirar do cará1cr
tipos sociais a serem descritos ..I Pa ra tomar um caso ainda mai ~
complexo e múltiplo da atividad·: desviante.
extremo, uma área de des V" io da maior importâ.1cia para teóricos
• Algumas das razões para essa deficiência são tecnicas. Não é
da sociologia praticamcnie não foi e!.tud.1da. Trata-se daquela dl
fácil estudar desviantes. Como são considnaJos llLJt~;iders pelos
d esvio de conduta prolissional. É bem sabido, por t>xemplo, que .
o'


demais membros da sociedad~-, e como eles próprios tendem ~
os comitês éticos das assrKiaçõcs profis,ionais dl' advogadn:. c
considerar os Jcmais intcgra11ks da socil·d.1dl' outsich:rs, o l'S-
méJicos têm muito trabalhu. No enta nto, apesar da abundância
tudioso que deseja descobrir os fatos acerca do desvio tem uma
de descrições sociológicas do comportamento e da c ultura pro-
substa~cial barreira a transpor antes que lhe seja pl:rmitido ver
fissionais, praticamentt' não temos e~t udos do com portamento
o que precis,•. Como será provavelmente punida se vier à luz, a
antiético de profissionais.
atividade dcsviante tende a Sl"r mantida oculta, ll<io exibida o u
Quais são as conseqüên ci;ls dt>ssa insuficiencia dt> dadns para
alardeada para outsiders. O estudioso do desvio precisa convencer
os estudos do desvio? Um efeito, como indiquei, é a construção
aqueles a quem estuda de q ue não haverá perigo para eles, de que
de teorias t~1lhas o u inadequadas. i\ssim como precisamos de
não sofrerão em conseqüência do que lhe revdan:m. ()pesquisador,
descrições anatômicas precisas de anim ais antes de começar a
portanto, deve interagir intensa e continuaml'nte com os desviantes
teorizar sobre fu ncionamento fisiológico c bioquímica, e a fazer
experimentos com eles, tambcm precisamos de descri\-õcs precisas
~i\ que quer estudar, de modo que estes possnm conhecê-lo bem o
suficienk para avaliar de algum modo se as ntividades dde afetarão
e detalhadas d a anatomia so<. ial <111tes de saber exatamente sobre
que fenômenos deveríamos constnú teorias. Para recorre:· ao

~
adversamente as suas.
Aqueles que cometem atos desviantcs ~l' protegl·m de várias

1
exemplo do homos~exualismo, nossJs teorias são provavelmente ~·
maneiras contra outsiders intrometidos. O desvio dentro de ins-
muito inadequadas caso acreditemus que todos o;; homossexuais '

• o
tituições convencionais organizadas é muitas vezes protegido por
17 2 Outsiders O estudo do desvio: problemas e simpatias 173

uma espécie de acober tamento. Assim, membros das profissões drogas e criminosos precisam maquinar outros meios para man-
liberais em gerd não fa lam sobre casos de prática a ntiética em tê- las escondidas. De modo típico, fazem grandes esforços para
público. Associações profissionais liciam com esses assuntos priva- conduzir suas atividades em segredo, e as atividades públicas em
damente, punindo culpados a seu próprio modo, sem publicidade. que se envolvem têm lugar em áreas relativamente controladas. Por
Assim, médicos viciados em narcóticos recebem punições relativa- exemplo, pode haver um bar que sirva de ponto de reunião para
men te levrs quando o caso chega ao conhecimento de autoridades ladrões. Embora muitos dos lad rões da cidade possam estar dis-
encarregadas de impor a lei.5 Um médico que é pego furtando dos poníveis num só lugar para um pesquisador que queira estudá-los,
estoques d~ n arcóticos de um hospital é em ger<~l simplesmente se calarão quando ele entra no recinto, recusando-se a estabelecer
instado a deixar o estabeledmento; nüo é entregue à polícia. Para qualquer relação com ele o u fingindo ignorância das coisas em
fazer pesquisa em grandes organizações industria is, educacion ais que está i-nteressado.
e d e outros tipos, e preciso o bter a permissão dos que as dirigem. Esses tipos de sigilo criam dois problemas para a pesquisa. Por
Se puderem, os administrad ores da organização limitam a área um lado, o pesquisador tem o prohlema de encontrar as pessoas
de investigação de maneira que ocul te o desvio que não querem em que está interessado. Como encontrar um médico viciado em
divulgar. MelviUe Dalton, ao Jcscrcver sua própria abordagem ao drogas? Como localizar homossexuais d e vários tipos? Se quisés-
estudo da indústria, diz: semos estudar a divisão de honorarios entre cirurgiões e clínicos
gerais, como procederíamos para encontrar as pessoas que par-
Em nenhum caso fiz um contato oficial com a cúpul;~ admitústrativa ticipam desses arranjos e ter acesso a elas? Uma vez encontradas,
de qualquer das firmas !lara obter aprovação ou apoio para a pes- há o problema de convencê-las de que podem discutir conosco o
quisa . Várias vezes vi ot•tros pesquisauorcs fazcrcn t i:;so e observei p roble ma d o desvio em segurança.
que os administradores ele nível mais alto montavam o cenário e O utros problemas se apresentam para o estudioso do desvio.
li mitavam ;l ÍnvesligaÇ~O ,l a•t:a:.e~;p<:Ôfi.:,t.~ - Íúl ,I da adm inistração A fim d e obter um relato preciso c completo do que o.~ desviantes
propriamente dita-, conw se o prohlcmJ existisse num vâcuo. Os fazem, de qua is são seus padrões de associação, c assim por d iante,
resultados em <1lguns ca~o~ eram t•nt.io vi:.tos Clllllu ·'c:xpcrimentos o estudioso d eve passar pelo menos algum tempo observando-os
c.:ontruhdos'; que em forma Iin<1l parl:'cian, um material impressio- em seu hábitat, enquanto desem penham suas atividades comuns.
nan te. 1\.1;,-. t'S :.orrÍ!>tl~ m ;di~ío.\ n~ dr Utll pc~s·>al comedido que se Mas isso significa que deve, por algum tempo, adotar horários
divertia em man ipular os pesquisadores, as avaliações ti:.>i tas sobre es- inusitados e penetrar no que sfio para ele áreas d esconhecidas e
tes c suas descobertas, c as nre;ts frcqikntementc triviais para us quais possivelmente perigosas da sociedade. Pod~ ll.'r de passar a noite
funcionários alertas e temerosos guiavam a investigação - tudo acordado e dormir durante o dia, porque assim tàzem as pessoas
suscitava questõc~ acerca de quem controbva os experimentos.~ que estuda, e isso pode ser difícil em razão de seus com promissos
com a famUia e o trabalho. Além do mais, o processo de conquis-
Membros de grupos desvtan tes qué não têm o apoio dissimu- tar a co nfiança daquel es que estudamos pode co nsumir muito
lado de profissões organizadas ou c'>tabelecímentos usam outros tempo, de modo que talvez seja preciso dedicar meses a tentativas
m étodos para esconder o que estão fazendo da visão externa. Como relativr.mente infrutíferas de aproximação. Isso quer dizer que essa
suas atividades o co rrem sem o benefício de portas institucional· variedade de pesquisa demanda mais tempo que tipos correlatos
mente trancadas ou po rtões vigiados, homossexuais, vi::íados em de estudo em instituições respeitáveis.
17 4 Outsiders
,
·.
.

·,
.
.
O estudo do desvio: problemas e simpatias 175

c
Estes são problemas técnicos, e c possível encontrar meios de
superá-los. É mais difícil lidar com os problemas morais envolvidos
no estudo do desvio.
l
.

:
'
Quando estudamos os processos envolvidos no desvio, portan-
to, devemos adotar o ponto de vista de pelo menos um dos grupos
envolvidos, seja o daqueles que são tratados como desviantes, seja
Isso é> parte do problema geral do ponto de vista que deve- o daqueles que rotulam os outros como tais.
ríamos assumir em relação ao nosso objeto de estudo, de como É possível, claro, ver a situação de ambos os lados. Mas isso
deveríamos avaliar coisas convencionalmente consideradas más, não pode ser feito simultaneamente. Não podemos construir uma
de onde depositamos nossas simp1tias. Esses problemas surgem, descrição de uma situação ou processo que de alguma maneira
claro, na análise de r:Jualquer fenóme11o social. Podem ser agravados unifique as percepções e interpretações dos dois grupos envolvidos
quando estudamos o desvio porque as pdticas e as p.:ssoas que num processo de desvio. Não podemos descrever uma "realidade
pesquisamos são convencionalmente condenadas.' superior" que dê sentido a ambos os conjuntos de concepções. É
Ao descrever a organização soci<tl e o processo social- em possível descrever as perspectivas de um grupn e ver como elas se
particular, ao descrever as organizaçôl'S c os processos relativos enredam ou deixam de se enredar com as do outro grupo: as pers-
aos desvios-, que ponto de \· ista dev~rnos adot:1r? Conto há em pectivas de infratores de regras à medida que coincidem e conflitam
geral várias categorias de participantes em qualquer organizaç:io ou com as perspectivas daqueles que as impõem, e vice-versa. Mas não
processo social, devemos optar entre ndotar o ponto de vista de um podemos compreender a situaçilo ou processo sem dar peso pleno
(lU oulro desses grupos ou o de um observador exkrnu. Herbert às diferenças entre as perspectivas dos dois grupos envolvidos.
Blumer afirmou que as pe~soas :tgem fazendo inte•·pretações da É da natureza do fenômeno do desvio qul' a dillculdade que
~it uaçüo em que se encontram e depois aju~l.mdo s..:u comporta- qualquer pessoa encontra par<l c~tudar os doi~ ],,Jus do processo
mento de maneira a lidar com a situação. Portanto, prossegue ele, e captar precisamente as perspectivas de amb;~s as classes de par-
devemos adotar o ponto de vista da pessoa ou do gl"upo (a "unidade ticipantes, infratores e impositon:s de regras. N:to qu~ isso seja
atuante") em cujo comportantcnto cst.1 mos interessados e: impossível, ma1. a necessidade de ganhar acesso a situações e à
confiança dos envolvidos num penado razuávd de tt'lnpo significa
Aprec)l(!rr o processo de in t crpP:ta~·.i o pd<' qual eles t.:Onb. roem que provavelmente vamos estudar o quadro a partir de um lado
s uas ações . ... P<tra apn:cndct <• pro.:<·-~so. u csll1dioso dcw assumi r ou de outro. Seja qual for <l classe de participanlcs qul' e~colh emos
o papel da unid<tde Jl uan~e .:ujo wmr•H.l<lmcnto IO'Sl<l investigando. estudar, e cujo ponto de visra escolhemos portanto adotar, seremos
Conw a i ,w:~rprctaçã,) c:.ta sl'ndo (l·ita p~.· l ;l unidade at uante em provavelmente ac usados de "tendcnciosidadc': Sed dito que não
termos de objttl)S dcsignad, \c ava liados, ~ ign i~irados adquiridos e estamos fazendo justiça .to ponto de vista do grupo oposto. Ao
dl!t.:isü':~ tomadas, o pn)t.:t·~~n dc\l! \1.·r l"lll.a radu do pu nto de vis"il apresentar as racionalizaçõ::s c justificativas que um grupo oferece
dda .... lentar apreender o proce~so interpro?t.ltivo permanecendo para fazer as coisas como faz, daremos a impressão de aceitar essas
di~tante como um prctcnstJ obso.>rv.tdor "obktivo': l! rct.:usJr-se a racionalizações e justificativas e de acusar os o utros participantes
<~-'su m ir o papel d a unidade atu::Hl1 t• , ~ arriscar-se no pior tipo de t da transação com as palavras de seus oponentes. Se estudamos
subjetivismo- o ob~t·rvador objetivu pru\';wdm~.·mc preencher.t:' viciados em drogas, eles certamente nos dirão, c seremos obriga-
o prot.:csso de interpretação com sua s próprias conjecturas, em vet.' dos a relatar, que ac~editam que os outsiders que os julgam estão
dl:' apreende r o processo tal como oco r r~.· n ;l experiência da u"''""~"", errado.; e são inspirados por motivos vis; Se chamarmos a ntenção
atU<I ntc que o empreg~.· para aqueles aspectos d as experiências do drogado que parecem,
176 Outsiders o estudo do desvio: problemas e sim patias 177

aos olhos dele, confirmar suas cren ças, daremos a impressão de o características do desvio juvenil - delinqüência, política ra-
estar desculpando. Por o utro lado, se vemos o fenômeno do vício dical c boêmia- são de fato extensões ocultas de perspectiva s
do ponto de vista dos agentes da ki, eles no~ dirão- e seremos adotadas de forma m en os extrema por membros co nvencionais
obrigados a relatar - que Jcreditam qu e us viciadcs são tip<'S da sociedade. Assim, a del inqüência é uma ve rsão despojada da
cr;rn;nosm, têm personalidades pe rturb~1d'ls, n;io têm moral nem cultura adolescente; a política radical é uma ve rsão extrema do
são dignos de confiança. Seremos capazes de mostrar os aspectos vago liberalismo contido no pendor no rte-a mericano para ''fazer
Jas experiências do agente qw: ju:.tificarn es:.a concepção. Ao o bem"; e a boêmia podl' :;cr simplesmente umn versão ext rema
t"l1Zê-lo, parecerá que estamos concordando w m essa perspecti va. da vida frívola das fraternid:1des universitárias, por um lado, c
Em ambos os casos, seremos acusados de apresPnt<\r uma \ isjo do tema do intelectual sério na v ida universit<í ria, por outro.~
unilateral e distorcida. Considerações estratégi cas, portanto, não nos d izem que ponto
Mas este não é rr:almente o Cé.l so. O que estamos <•presentan- de vista deveríamos descrever.
do não é uma visão distorcid,t da ''realidade", mas a~1ueJa que se Mas considerações ligadas ::t índole o u à mo r:~l do pesqtlisador
apresenta às pessoas que estudamos, a realid.Hie que elas cria m tampouco nos dão uma resposta. Podemos, contudo, estar cientes

por meio de suas interpretações de st.a experiência e em te rmos de alguns dos perigos envolvidos. O principal reside no fato de '
da qual agem. Se não co '1st·guirmos apresentar essa realidade não que o desvio tem fortes w nexões com sentimentos de rebeldia
teremos alcançado ph na compr~cnsüo sociológica do fenôlll ~ no juven il. Não é um a~su ntn sobre o qu al as pc~soas pen sem com
que buscamos explicar. tmnqi.iilidade. Elas sentem que o desvio é intt:iramente er rado
Que p0nto d~ visrn dcvcmn~ .lprC\t'lltilr? 1-Lí du:1s considc :·a- e deve s<:r abolido, ou, an contrário, q u~· é nl~n :1 ser estimu lado
çoes aqui, uma estrat~gica t' outra ligada ú ínJI)k o u ."1 rnoral do • - um corretivo impo rta nte para a confor111 idaJe p rodu zida pda
pesquisador. A considcraç:.ln e:-.tratégica é que o po uto de vi:;t,• sociedade moderna. As p~rsonagens do drama sociológico do des-
da sociedadt' co nvciKÍ t'nalent rd açao a-> dt'sv io é em gera l bem vio, mais ai nda qu e as de outros p roct·~sus sociológicos, pan.:c~m
conhecido. Por~anto, elevemos est udar as concepções daqut'l~s ser heroínas ou vilãs. Expomos a depravação de desviantcs o u
que participam de atividade~ dc~v iantes, porque dc~sa mal1l·ira expomos a depravação daqueles qu e lhes impoem as regras.
elucidamos a pane ma i~ obscur,1 do quadro. Esta, contudo, é uma Devemos nos precawr contra essas posições. É uma situação
resposta simplt:s demais. Suspeiro que, na verdade, co nh .:cemos muito parecida com a das palavras obscenas. Algu ns pensam que
muito pouco sobre os pon tos de vista de qualquer das d uas partes elas nunca deveria m ser usadas. Outras gostam de escrevê-las
envolvidas no fe nó m enc do de.;vio. Embora seja verd:•de que não n as calçadás. Em ambos os casos, essas palavras são vistas como
sabemos muito sobre como o!> próprios desvianres vêem suas algo especial, dotadas de um mana ,. particular. Mas certamente é
situações, também é verdade que nào estamos inteiramente a melhor vê-las simplesmente como palavras que chocam algumas
par, porque não os estudamos o s ufi ciente, de outros por.'os de pessoas e deliciam outras. Passa-se o mesmo com o comporta·
vista envolvidos. Não temos conhecimento de quais são rodos menta desviante. Não devemos vê-lo como algo especial, depra·
os interesses dos impositores de regras. Tampouco sabemos vado ou, de alguma maneira mágica, melhor que outros tipos de
em que medida membros comuns da sociedade convencional
realmente partilham, em algum grau, as perspectivas de grupos • Força ou qualidade de origem mágica ou sobrcnaturalljuCpovos do Pacifico Sul .
dcsviantcs. David M;n za sugeriu recentemente que as fonl'aS acreditavam manisfcstar sua t:"Odcia em determinadas situações. (N.R.T. )
17 8 Out.>iders

comportamento. Cumpre vê-le simplesmente como um tipo


de comportamento que alguns reprovam e outros valorizam,
estudando ~s processos iJelos quais cada uma das perspectivas,
10
ou amlMs, e cunstruída e conservada. Talvez a melhor garantia
A teoria da rotulação reconsiderada*
contra qualquer cios dois extretw>s seja o contato est~eito com as
pessoas que estudamos.

Os fen ômenos desviantes proporcionam h,í muito kmpo um dos


temas centrais do pensamento sociológico. Nosso interesse teórico
pela natureza da ordl·m soci;ll combina-se cnm o in teresse prático
por ações consideradas prejudiciais aos indivíduo~ c ú sociedade,
i. .• dirigindo nossa atençã:J para a ampla arena dos compo rtamentos
que, segundo o caso, são cham<ldos de crime, vício,inconformismo,
aberração, excentricidac!e ou loucura. Quer concebamos isso como
um fracasso da socialização c do sistema de sançoes ou simpk:;-
niente como transgre~:sào c mau comport<lmcnto, queremos saber
por que pessoas agem de maneiras desap rovadas.
Nos últimos anos, uma abordagem naturalís ti(a desses fenô-
níenos1 passou a se co ncentrar numa intera)ÜO ent re aqueles que
são acusados de estar crwolvidos na transgrcssúo l ' tls que fazem essa
acusação. V á rias pe!>soas 1 contribuíram p<~ r a o dl'~L'nvolvimcn to
do que foi chamado de maneira infeliz de "teo ria d<l rotulação".
Desde as fo rmulaçõe~; in ici<lis, muitos criticnram, <ltnpliaram e
questionaram esses ~s forços; o utros contribuLram com importantes
resultados de pesquisas.
Gostaria de reconsid erar esses dese nvolvimentos e ver em
que pé estamos.3 Que foi realizado? Que críticas foram feitas? Que
mudanças devemos ~àzer em nossas concepções? Três tópicos em
especial merecem discussão: a concepção do desvio como ação
coletiva; a desmistificação do desvio; e os di lemas morais da teoria

*Este artigo foi apresentado pela pri meira vez na rcuniào da 13ritish Sociological
Association, Londres, em abril de 1971. Vários amigos fizeram comentários útds
sobre um rascunho anterior. Quero agradecer especialmente a Eliot Freidson,
Blanche Geer, lrving Louis Horowitz e )ohn I. Kitsuse.

179
180 Outsiders A teoria da rotu lação reconsiderada 181

do <k~vill. Em cada caso, pretendo que minhas consicleraçóes sexual faz resulta do fato de alguém tê-lo ( hamado de homosse-
se apliquem à pesquisa e à an~lise o;ociológica de n,aneira geral, xual. No entanto, uma da~ contribuições mais importantes dessa
reafirmando a fé de que o campo do desvio não é nada especi;1l , abordagem foi centrar a aten ção no m odu COillü a rotulação põe
apenas mai:; um tipo de atividade humana a ser estudado e com - o ator em cÍicunstâncias que t0rnarn mais difícil para ele levar
preendido. adiante as rotinas no rmais d<l vida cotidia na, inci l<mdo-o a ações
Eu poderia com eça r n~solvendo de form<• sun' <Íria algurr.as "anormais" (como quando um registro de passagem pela prisão
questões em aparência C:ifíceis, de uma mnneica que deixará clar<> torna mais difícil ganhar a vida numa ocupação convencional,
minha insatisfação com a expressão "teoria da rotulaç:1o': Nunc 1 predispondo assim o sujeito a ingressar numa atividade ilegal). O
pensei que as formulaç<',es originais feitas por mim mesmo e pu r grau em que a rotulação tem esse efeito é, co ntudo, uma questão
outros merecessem ser cham;ldas de \l'ori;1s, pelo llll'nos n5o tcori .1~ empírica, a ser resolvida pela pesquisa em casos específicos e nii o
do tipo inteiramente sistcm;ttizado- o que elas vêm sendo critic.t- por fiat teórico.5
dns agora por não ser. Muitos autores qucixnram-sc de qll<: n teont Finalmente, a teoria , quando concentra a atet11,:üo nas açôcs
da rotulação não forne~·e uma explicação etiológica do desvto, 1 ineg5vcis daqueles oficialmente encarreg;1Jos de ddinir desv io,
nem diz como as pessoas que coml' lem atos desviantes passam a não faz uma caracterização empírica dos res ultados de instituições
fazê-lo - e especialmente por que e/a$ o titzem, enquanto outras sociais particulares. Sugerir que defmir alguém como desviante
à sua volt;1 não. Por vezes os críticos sugerem qu.e uma teoria foi pode, em certas circunstâncias, dispô-lo a uma linha particular de
proposta, mas csta'ía errada. Assim, alguns lJensanlm que a teoria a~ão não é o mesmo que di1.er que hospitais psiq uiâtricos sempre
tentava explicar o desvio pelas reações que outros manifestavam tornam as pessoas loucas, ou que prisões sempre transformam
com relação a ele. Depois que alguém L' ra rotulado de desvia nk, pessoas em criminosos contumazes.
segundo essa paráfrase, começava ;t t~1zer coisas desviantes, mas A ro tulação alcançou sua impo rtância teórica de uma manci ra
não antes. Pode-se refutar f~lCih~lclltl:' e~sa teo ria pela reterên~· ia <1 inteiramente difercnle. Classes de atos, l' exem pi os particulares
fatos d a experiência cotidialla. deles, podem ou não ser considerados desviantes por qualquer
Os proponente,:; originais da po~i~:úo, contudo, ni'to Jprescn ~ das várias audiências pertinentes que os vêem. A diferença na de-
tararn soluções para a questi:io cf·tolúgie<L Tinham objeti vos mai~ finição, no rótulo aplicado an ato, influe ncia o que cada um, tanto
modestos. Queriam ampliar a área abarcnda pelo estudo dos fenô- públicos quanto atores, faz subseqüentemente. Como observou
menos desviantes, incluindo nela atividades de o utros, :.1lém do ator Albert Cohen,6 a teoria criou um espaço de propriedades de quatro
pretensamente desviante. Supunham, é claro, que no fazê-lo, c à células mediante a combinação de duas variáveis dicotômicas, o
medida que novas fontes de variação fossem incluídas nos cálculo:;, cometimento·ou o não-cometimento de um dado ato e a definição
todas as questões que os estudiosos do desvio convencionalmente desse ato como desviante ou não. Não se trata de um a teoria sobre
consideravam ganhariam um aspecto diferente. uma das quatro células resultantes, mas sobre todas quatro e suas
Além disso, o ato de rotular, tal como praticado por empreen- inter-relações•.Em qual dessas células efetivamente localizamos o
dedores morais, embora importante, não pode ser concebido como desvio propriamente dito é menos importante (apenas uma ques-
a única explicação para o que pretensos desviantes realmente fazem. tão de definição, embora, como tqdas essas questões, não-trivial)
Seria toJice propor que assaltantes atacam simplesmente porque que compreender o que perdemos ao considerar apenas qualquer
alguém os rotulou de assaltantes, ou que tudo que um homos- uma das células sem ver sua conexão com as outras.
-
...
'I '

182 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 183

Minha própria fonnulaçiio original criou alguma confusão <h:> O desvio como ação coletiva
referir-se a uma dessas variáveis como comrortamento "obed iente"
(em contraposição a '' infrato r da rcgr,1"). A di ~· tinçüo su :~er ia a Os sociólogos concordam que o que l'.Studam é n sociedade, mas
existência a nteri or d•: um<~ ckkrminaçõo dç que a infr 1\ào da o consenso só persiste .se não examin.t rmos c om muita atenção a
regra ocorrera, em[)ora, claro, fo:-.se _justamente o que a k'o ria se natureza da sociedade. Prel!ro pensar o que estudamos em termos
pro punha a questi• mar. Pen.so que é melhor dcscn.?·:er a di1 .1cnsào de ação coletivn. As pessoas agem , como principalmente Mead e
como conH:lim<:ntu e nüo-cometiml'nlO de t:m d;1du a tu. Em geral, l3lumer'' deixaram claro,junws. Elas l'a:t.en1 o qu e fazem com um
é claro, estudamos .1quelcs atos que vutros p:-ovavelmente definem olho no que outras fizeram, estão fazendo e podem fazer no futuro.
como desviantes; i ~so maximiZ<l nossas chances de ver o complexo Uma pessoa tenta adeqtw r sua própria Li nha de ação às ações de
drama de acusaçJo ~· dcfiniçàtl qul' l.'st;\ no centro de nosso campo outras, assim como cada uma delas ajusta suas próprias a<,:óes em
de estudo. Assim, podemos ~.·s tar interessados em saber s.: um ;, desenvolvimento ao que vê out ros f;lze ndo e es pera que façam.
pessoa fuma maconha ou se L'Jlvnlve em atos homossl'xu.l;s em O resultado de todo esse ajustamento e aco modação pode ser
banheiros públiws, l'•ll p;trtc porque L'Sses altlS tC:· m proba bi!tdade cham.ado de ação coletiva, especialm ente se ti vermos em menk
de ~er dennido1> como dc:.•vi.tn k :. q uando d es cob~rtos. N<l:. <'S que o termo cobre mais que apenas u m acordo coletivo cons-
examinamos também, d.uo, ( ll lll O lcnômenos intc:ressan tó sob ciente para, digamm', ~ntrar em greve, esl<.:nck ndo-se tam bém a
outros aspt:ctos. A:.si m, ao e.st uda r 11 uso de maconha, pod~· mos participar de uma aula na escola, fa:t.e r uma refeição juntos, ou
focal1:t<.H o modo conhl as p~:~.,n.t~ .1p n:ndem, por int<.:rm0di o '.:.1 atravessar a rua - cada uma dessas coisas visla como algo feito
interação social, a ini :;>rpreta r s11 a próp ria experiência fí:-.i ca.7 Au por u ma grande quan tidade de pessoas juntas.
estuda r enco ntros ho mussL·xu.li:> em banheiros público1>. podemos Não pretendo, ao us.~r termos como "ajust.uuenlo" e ''acomo-
examinar como as pes,oas coordenam su.ts atividades por meio dação", sugerir uma visão excessivamente pacífica da vida social, ou
de comunicação tácita. 8 Podemos também perguntar CO lllO <1 alta qualquer necessidade de que as pessoas s ucumb<~m a coações sociais.
probabilidade de que o ato seja definido como desviante afeta o Quero dizer apenas que em geral as pt:ssoas levam em conta o que
aprendizado da ntividade e sua continuação. E útil ter um tenr.o está acontecendo à sua volta e o que provavelmente irá acontecer,
que indique que outros irão provavelmente definir tais atividade~ depois que elas decidirem o que farão. O ajustamento pode consistir
como desviantcs sem fúer di~so um juízo ckntífico sobre se o ato em decidir que, como a polícia vai olhar aqui, vo u pôr a bomba 11li,
é de fato desviante. Sugiro que chamemos tais <llos de"pokncial- bem como em resolver que, como a polícia vai vigiar, acho que não
mcnte desviantes". vou mais fazer bomba nenhuma nem pensar mais nisso.
A teori<l da rotulação, portanto, nem é uma teoria, com toda~ Não. pretendi tampo uco, na discussão anterior, sugerir que
as realizações e obrit,açõcs que o título implica, nem está tão t•xclu- a vida social consiste apenas em encontros face a face entre
sivamente centrada no ato Ja rotulação como alguns pensara'11. É indivíduos. As pessoas podem se envolver em interação intensa e
antes llma mant:ira de consitkrar um domínio geral da atividade persistente ainda que nunca tenham se encontrado face a face: a
humanl; urra perspectiva cujo valor aparecerá, se aparecer, na interação de colecionadores de selos tem lugar em grande parte
maior comp.·ccnsão de coi~as antes obscuras. (Movido por .neu pelo correio. Além disso, o dar e tomn r da interação, a acomodação
desagrado pelo rótulo convencional dado à teoriJ, vou me referir a e o ajustamento mútuo de linhas de atividade ocorrem iguaJmente
ela, daqui em diante, como uma teoria interacionista do d esvio.) entre grupos e organizações. O processo político que envolve o
184 Outsiders A teo ria da rotulação reconsiderada 185

drama do desvio tem esse cará ter. Organizações econômicas, ,Jsso- descobrimos também que <l atividade coletiva em curso consiste
ciações profissionais, s indicatos,l übist;.~s, t'mprecndeciores morais e em mais do que atos nos quais se alegou a má ação de alguém.
JegisJadores, todos intel agem para CSt<Jbclecer <JS COilCiÇÕCS em que É um drama complexo, em que fazer acuS<IÇÕt·s de transgressão
aqueles que representam o Estado ao impor as leis, por exemplo, é um traço central. De fato, Erikson e Douglas, 1J entre outros,
interagcm com aquc+~s •JIIt' prc~u mivdmcniL' as violaram. idcntificarOJm o estudo do desvio com 0 essend almente aq uele da
Se podemos ver quaiquer tipo de atividade humana como ,:o le- construção de reafirmaçào de sigJtif'l(ados lllo r.ti~ na vida ~ucial
tiva, também podemos fazê-lo com o desvio. O que redunda d i->so? cotidiana. Alguns de seus principais aton:s não se envolvem eles
Um resultcdo é a visão geral que quero chamar de ·'i nter:lcio n i~ ta". prélprios na má ação, aparecendo ante~ como im positores Ja lei
Em sua forma mais simples, a teoria in siste que consideremos todas ou da moralidade, como pessoas que se queixa m de que outros
as pt'ssoas envolvidas en1 qu,J!qu er episódio de pretenso desviu. atores estão agindo mal, que as prende111, ,lprt·s.:n lam-nas perante
Quanch1 o fazemos, descobrimos que essas atividades exigem '· autoridades legais ou lhes administram f.' Uniçoes. Se observarmos I '

cooperação ,tbert<J ou tacita ck mu itas pc:s:.oas para ocorrer dl' t.d


maneira. Quando trab;1lhad0res tramam para restringir a produ·
ção industrial, eles n f~í'em co:n a ,1.iud,1 de inspetores, homens da
l por período suficiente .: com atenção suficiente, descobrimos que
fazem isso às vezes, mas não o tempo todo; ..:om algumas pessoas,
mas não com outt as; em alguns lugares, mas não em outros.
manutenção c o homc1'1 no <kpúsito de ferramcntas. 10 Quando Essas discrepáncias lançam dúv ida sobre nuçôes simpl~s co m
membros de uma 11rma industri,Jl furtam, ch:s n tiJZ<:'Il l com a relação a quando alguma coisa é, afinal , ermda. Vemos que os pró - i,
cooperação ativa de outros aci•na e abaixo deles na hierarqui a l'
prios atores muitas vezes discordam quanto ao que é desviante, ;> r ,

da empresa." Essas observações, por si sós, lançam d:"tvida sobre e com freqüência duvidam do caráter dcsviant~ de um ato. Os
teorias que procuram ns orig.:ns de atos desvinntes na psicologia tribunais divergem; a polícia tem restrições mesmo quando a lei . .;. \

individual, pois teríamos de postular um encontro miraculoso { clara; aqueles envolvidos na atividade proscrita discordam das
de formas individuais de patologia para explicar as formas com- definições oficiais. Além disso, constatamos que alguns atos que,
plicadas de atividade coletiva que observamos. Como é difíci: por padrões comumente reconhecidos, deveriam claramente ser
cooperar com pessoas cu.io equipamento para testar a realidade é definidos como desviantes não o são por ninguém. Vemos que
inadequado, aquelas que sofrem de dificuldades picológicas n.io impositores da lei e da moralidade muitas vez~:s contemporizam,
. "
se ajustam bem a con~pirações criminosas. permitindo que alguns atos passem despercebidos ou livres de
Quando encaramos o desvio como ação coletiva, vemos punição porque seria mu ito dificil averiguá-los; porque possuem
imediata:nente que as pessoas agem atentas às reações de outnlS recursos limitados e não poderiam perseguir tod o o mundo; por-
envolvidos nessa ação. Elas levam em conta o modo como seus que o infrator tem poder suficiente para se proteger contra suas
companheiros avaliarão o que fazem, e como essa avaliação afetará incursões; porque foram pagos para fazer vista grossa.
seu prestígio e sua posição: os delinqüentes estudados por Short Se um sociólogo procura categorias nítidas de crime e desvio,
e Strodtbecl< 12 fizeram algumas das coisas que os puseram em e espera ser capaz de dizer claramente quando alguém cometeu um
dificuldades porque queriam manter as posições de estima que desses atos, de modo a procurar seus correlatos, todas essas anoma-
possuiam em suas quadrilhas. lias lhe parecem importunas. Talvez tenha a esperança de eliminá-las
Quand'>consideramos todas as pessoas e organizações envol- por meio de técnicas aperfeiçoadas de coleta c análise de dados. A
vidas nun1 episódio de comportamento potencialmente desviantc, longa história das tentativas de criar esses instrumentos deve nos.
186 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 187

dizer que a esperança não se ju!.tiftcJ: essa área du esfo rço huma no a sobreposição e a interação que o..:orre ~ntrc eles, mas não pres-
não sustentará uma crença na inevitabilirlade do progresso. supondo sua ocorrência. Assim, pode~se estudar a gênese do uso
O proble m :~. não é técnico. É teórico. Podemos construi r defi- de drogas, como Lindesmith e eu 1 ~ fizemos, e liáar com questões
nições viáveis, seja de ações particulares que as pessoas ;>oderiam etiológicas, nunca supondo, no entanto, que o que as pessoas estu-
cometer, seja de categorias particul<m.:s de desvio tal como r') mw~do dadas fazem tem qu<.~lquer conexão necessúria com uma qualidade
(em especial, mas 11jo apena-,, as auto ridades) as defi ne. J\-fas não gene1 alizada dt' desvio. Ou se pode, l'omo muitos estudos rece ntes
podl·mos l~lzcs a~ -.iua!> ~o in ..:idirc m complr: tamr:ntc, por,1ue d as fi zeram, estudar o Jr.1111a da ;·etú ric t e da a\ÚO moral em que
r.iío coincidem empiriclmL'n k. Elas pertencen·. a dois ~. Hcnns imputações de desvio são feitas, arcit<lS, rejeitJdas e discutidas."
disti.:tos, embora r:m p;.rtc ... u!H~.·posto.... de açao ..:okliva. l.JJ'1 O princ.:ipal efeito da tl'oria intera(i<>nista lt>i focalizar a ate nção
consiste nas pcs,.,;l;ls que coopcum para produzir o ato em ~ues Uio. nesse drama como um objeto de est udo, é especialmen te focalizar
O uutro, nas pessou~· que.: coopt>ram no drama da mor<didade pelo alguns participantes relativame nte nüo estudados dele - aqueles
qual a " transgressã, )" é descoberta c tratada, quer esse processo :;cja suficientemen ~e poderosos para impor SU<lS imputações de desvio:
fo rmnl e lr:gal, quer :ntt iramente informal. polícia, tribunais, médicos, autoridades eswlares e pais.
Grande parte àa acalor<1da discussão sobre teorias interaciu- Pretendi, em minhas próprias formulações originais, enfatizar
nistas vem d e um equívoco t: m que se usa a palavra "d.:svio" pa;a a independéncia lógica e ntre atos e os juíz.os que pessoas fazem
d\~signar dois processos distintos que têm lugar nesses dois sistemc..s.14 deles. Essa fo ~mulaçào, no entanto, continha ambigüidades que
Por outro lado, alguns analistas querem que "desvio" designe atos beiravam a contradição, especialmente no tocante à n oção de"des~
que, para q'..lalqucr membro "sensato" da sociedade, 0u por t.:ma vi o secreto': 18 O exame dessas ambigüidades e de algwnas possíveis
defi nição consensual (como violação de um.1 regra ale.~adat nente soluções para elas nos mostra que o desenvolvimento frutífero da
existente, raridade estatística o u patologia psiculógica), sã~1 errados. teoria reside provavelmente numa análise mais detalhada do que
Eles querem se concentrar no :;istl'tna de ação em que esses atos o..:or~ fizemos até agora a respeito do desvio como ação coletiva.
rem. Os mesmos analistas também pretendem aplicar a palavr-. às Se começamos dizendo que um ato é desviante quando é
pessoas d etida.'> e tratadas como se tivessem cometido esse ;'I tO. Nesse assim definido, que sentido pode ter chamar um ato de um caso
caso, querem se concentrar no sistema de ação em que tais juízos de desvio secreto? Como ninguém o definiu como desviante, ele
occrrem. Esse equívoco com relação ao termo não causa ne11huma não pode, por definição, ser desviante; mas "secreto" indica que
imprecisão quando, e somente quando, aqueles que cometem v ato nós sabemos que ele é desviante, mesmo que ninguém m ais o saiba.
e aqueles detidos forem os mesmos. Sabemos que não são. PNtanto, Lorber 19 resolveu parcialmente esse paradoxo sugerindo que, numa
se tomamos como nossa unidade de estudo aqueles que cometeram importante classe· de casos, o próprio ator definiu sua ação como
o ato (admitindo q ue podemos identificá-los), incluímos necessaria~ desviante, ainda que tenha conseguido impedir que outros tenham
mente Jlguns que não foram detidos e rotulados; se tomamos como conheciménto dela, acreditando ser ela rea lmente desviante ou
nossa unidade aqudes que foram d.:tidos e rotulados, incluím0s reconhecendo que outros acreditariam nisso.
neccssa-:-iamente alguns que nunca cometeram 0 ato mas for:1m Mas e se o autor não fizesse essa definição? E se, o que é ainda
tratados como se o tivessem tc ito. 1 ~ mais significativo, não houvesse atos que os cientistas reconheces-
Nenhuma das alternativas agrada. O que os teóricos interacio~ sem como passiveis de ser assim dellnidos? (Tenho em mente aqui
nist.1s fizeram foi I ralar os dob ... islemas como distintos, obst•rvand<' delitos como bruxaria; não podemos imaginar o caso de uma bruxa
188 Outsiders A t eoria da rotulação reconsiderada 189

secreta, já que "sabemos" que ningut'm pode realmente cvpular em t 1 e desviante em t2, sem que isso i1npl iquc que foi ambas as
com o Diabo, ou comocardem ó ni os.!~) Em nenhum dos dois casos coisas si multaneamente. Fazendo uso de nosso resultado anterior,
podemof contar com J au toddinição para resolver 0 par<1rloxo. vemos que um ato poderia não ser secrt.•ta mente desviante em t,
Mas é possível estender a idéia de Lorber vendo que ela im plica porque nenhum procedimento então em uso produziria evidên-
um procedimento que:, Sl! .i~)li cado pelas pessoas apropriadas, as cias de um ato que juízes competentes CD nsiderariam desviante. E
leva ria a fazer tal j uízo, dados os" fa tus" do cnso pa rticular. Pesso.h poderia ser secretamente desviante em t ~· porque, como se criou
q ue acreditam em bruxaria t~m meios de decidir quando um .1to uma nova regra nesse ínterim, <~.gora existe um procedimento que
de bruxaria fo i praticado. Podemo~ conhecer o suf-icien te sobre ar. permite essa df'terminaçâo.
circunstâncias para saber que , se essas pessoas usarem tais método~. A última formulação nos lembra o importante papel que o
o qm: descobrirem as kvarâ a co ncluir que oco rreu bruxa ria. No poder desempenh:' em teorias interacionistas do desvio.22 Em que
caso de delitos menos im;1g ; nâ rw~, ~poss ível saber, por t'Xem plo, circunstâncias fazemos c impomos regras ex post facto? Penso
.,
que uma pessoa tem em seu bolso m<1 teriais que, caso a polícia a que a investigação empíric,, mostrará que isso ocorre quando um
revistasse, a torna ria sujei ta a utnJ acusação de posse de drogas. participante numa relação é desproporcioualmente poderoso, de
Em outras palavras, de!."Ío ~ccreto consiste em ser vulner.í.vel modo que pode fazer sua vontade prevalecer acima das objeções
aos procedimentos comumente usados para a descoberta de um de outros, mas deseja manter wna aparéncia de justiça e racionali-
tipo particular de desvio, em esta r numa posição em que su.í fácil dade. Isso ocorre, caracteristicamente, na relação entre pais e filhos,
f.1zer a definição persistir. O que torna isso coletivo é o caráter e em arranjos similarmente paternalistas, como funcionários de
coletiva mente aceito dos procedimentos de descoberta e prvva. ~ obras sociais e beneficiários, ou professor e aluno.
Mesmo com esse adendo, contudo, as dificuldades persi:;tt'm. Ao se considerar o desvio uma forma de atividade coletiva, a
Numa o utra importa nte classe de casos - a construção de re~ras ser investigada, em todas as suas face tas, como qualquer outra
ex post fncto- não pode haver nenhum desvio secreto porq.re a atividade coletiva, vemos que o objeto de n osso estudo não é um
regra só passou a cxi:. tir depo is que se alegou que o ato em qut·s- ato isolado cuja origem devemos descobrir. Em vez disso, o ato
t<'io foi cometido.z 1 Processos de detecção de casos podem trazer à que alegadamente ocorreu, quando ocorreu, tem lugar numa rede
tona os f<~tos c1ue alguém usa depois para provar o cometimen~o complexa de atos envolvendo outros, e assume parte dessa com- -
de um ato clesviantc, mas a pessoa não poderia ter sido desviante, plexidade por causa da maneira como diferentes pessoas e grupos
secretamen~e ou não, porque a regra não existia. No entanto é o definem, A lição se aplica a nossos estudos de todas as outras
perfeitam ente possível que ela seja definida como desviante, talvez áreas da vida social. Aprender isso não nos livrará por completo
quando o que possa ter feito vem a público e alguém decide que, do erro, contudo, pois nossas próprias teorias e nossos métodos
se não havia nenhuma regra contra isso, deveria haver. Ncssf' caso, apresentam persistentes fÓntes de dificuldades.
a pessoa f:eria secretamente desviante antes?
O paradoxo se resolve quando reconhecemos que, como todas
as outras formas de atividade coletiva, os atos e as definições n.:> A desmistificação do de5vio
drama do desvio têm lugar <lO lo ngo do tempo, e diferem de um
momento ;:>ara outro. Definições de comportamento ocorr<.'m Os sociólogos criaram dificuldades para si mesmos com seu hábito·
scqüt:ncialrüente, eu rn ato poJ ...· ser definido como não dcsvianLe praticamente indefectível de tornar evcn tos e experiências comuns
190 Outsiders
A teo ria da rot ulação reconsiderada 191

misteriosos. Lembro-me- u-ma de minhas primeiras experiên cias


cavaleiros. Freqüentemente, porém, transformamos at ividade coleti-
na pós-graduação- de Erncst Burgess alertando nossa turm.~ de
va- pessoas fazendo coisa!' juntas- em substantivos <lbstratos com
noviços para o perigo de se deixar seduzir pelo senso comum. Ao
os qu ais a li.:;ação com pessoas fazendo coisas junl<l S é tênue.Assim,
mesmo !empo, Everl'lt i Iugh•_':-; nos rt·conH:ndava prL'.~Iar rigu n •.<;a
de modo típico, perdemos o interesse pelas coisas ma is comuns que
atenção ao que podíamo:. wr c ouvir com nossos pró>Jrios olh os
as pessoas realmente fazem. lg noramos o que vemos porque nao é
e ouvid('S. Alguns de nós pensatiios que haveria uma c~>ntradiç<lo
abstrato, e perseguim os as "lú n;:as'' e as "(L)ndi(;ôes" inv isívei~ que
entre os dois impe:-ativos , ma~· r<='primi nws nossa inquietaçi'to p<tr.l
aprendemos a pensar que são tudo q ue inta cssa •'t sociologia.
preservar a sanidade.
Sociólogos uoviços com freqüência têm m uita dificuldade
Arnl>as as injunções têm um substancial cerne de verdade.
em fazer pesquisa dr campo porque não reconhect:m a sociologia,
O senso comum, em um de seu~ sentidos, pode nos enganar. Esse
tal como a leram, na atividade humana que vêem por toda parte.
senw comum é a sabecioria tradicional da tribo, a mistura das
Passam oito horas 0bservando uma fâbríca o u u m a escola, e re-
"coisas que todo mundc sabe': que as çrianças aprendn11 à me-
tornam com duas páginas de anotações e a explicação de que "não
dida que crescem, os estereótipos da vida cotidiana. Ele inclui
aconteceu nada de importante". Querem dizer que não observaram
generalizações da ciencia social sobre a natureza dos fen ô menos
nenhum caso de anomia, estratificação, burocracia ou qualquer
sociais, correlações entre categorias sociais (por exemplo, r:n tre
outro d os demais tópicos sociológicos convencionais. Não vêem
raça e crime, ou classe e intdigência) c a etiologia de conoiçües
que inventamos esses termos para lidar de forma conveniente com
sociais problemáticas, como pobreza e guerra. As gercralizações de
vários casos de pessoas fazendo coisas juntas que concluímos serem
senso comum assemelham-se às da ciência social em sua estrutura
suficientemente semelhantes de maneiras específicas para que os
formal; diferem amplamente em sua imunidade a observaçõfs
tratemos como iguais para fins de análise. Desdenhando o senso
contraditórias. As gentralizações da ciência social, em princípio e I ' do
• comum, os noviços ignoram o qqe acontece à sua volta. De1Xan
muitas vezes de fato, mudam quando novas observações mostram
de registrar os detalhes da vida cptidiana em suas an o tações, não
que são incorretas. As generalizações de senso comum, não. Essl
os podem usar para estudar abs~rações como anomia, ou outr as
tipo de senso comum, em particular porque seus erros não são
que eles pró prios poderiam construir. Um importa nte problema
aleatórios, favorece as instituições estabelecidas.
metodológico é sistematizar o pn;>cedimento pelo qual avançamos
Outro s:gnificaJo de senso comum sugere que o homem
de uma apreciação de detalhes etnográficos para conceitos úteis na
comum, com a cabeça não estorvada por teorias extravagantes
.:onsideração de problemns com q ue chegamos à nossa pesquisa
e noções professorais abstratas, pode ao menos ve :· v que está al1
ou de que nos demos con ta desd;e então.
bem debaixo do seu nariz. Filosofias tão diversns qua!lto o pra6-
Inversamente, as pessoas que os sociólogos estudam muitas
matismo e o zen-budismo cultuam o respeito pela capaciclade
vezes têm .d.ificuldade em reconhecer a si mesmas e às suas ativi-
que o homem comum tem, como Sancho Pança, de ver que um
dades nos relatos sociológicos estritos sobre ebs. Deveríamos nos
moinho de vento é realmente um moinho de vento. Pensar que se . .t'' .
preocupar com isso mais do-que o fazemos. Não dc verlamos esperar
trata de um cavaleiro montado em seu cavalo é, seja como você" l·
considere, um erro real. que leigos fizessem nossas análises para nós. Mas tampouco devería-
mos ignorar aquelas questões que os leigos habitualmente levam ,-1
'.
i
Os soció!ogos muitas vezes ignoram as injunções dessa ver~iiü
do senso comum. Não podemos transformar moinhos de vento em
o
em conta quando descreve mos modo como desempenham suas l
a
atividades ou fazemos suposições esse n:spt!Íto. Muitas teorias d o
192 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 193

desvio postulam, implícita ou explicitamente, que um conjur1to a teorizar sobre elas, a obediência à recomendação produz uma
particular de atitudes é subjacente ao co metimento de algum nto cn~ teoria complexa que leva em conta as ações e reações de todos os
potencial transgressor, mesmo que n teori.1 se baseie em dados (C0'11ú envolvidos em episódios de de:;vio. Ela deixa para a determinação
registros oficids) que nada podem revdnr sobre isso. Considet ~ n<; empírica (em vez do estabelecimento por suposição) ques tões
descrições do estado de espí rito do ator encontradas nas tcoriz;·- como a reaJ ocorrência o u não dos atos alegad os e a precisão ou
çõcs sobre anomia, de l')urkbeim a Cloward e Ohlin, passJnJn por não dos relatórios oficiais, e em que gr~ILI. Em conseqüência (e esta
i'vlerto n. Se as pes~oas e~ niCiad as n<io podem se rcconhe, .:r n es~as é uma fonte de grande dificuldade para es tilos mais antigos de
descrições scm5erem in<>truíd,ls, de veríamos pre-;tar aten~úo . pesquisa sobre o desvio), s urge uma gr.mde dúvida com relação à
Não são sotm:nt,.: as de:.niçôe:> de seus pró prios L'S!ados utilidade das vár;as séries estatísticas e Jos regislros oficiais que os
mentJis que os atores não cvnsrguem reconhecer. Muitas vezes pesquisadores se acostumaram a usar. Não reenumerarei as princi-
não conseguem reconhecer os atos em que supos tam~nte s~ pais críticas aos registros oficiais, as defesas que fo ram feitas deles
envolveram, porque o sociólo go não os observou com \.:IJidado, i e os novos usos sugeridos para eles, mas observarei simplesmente
ou não prestou atenção alguma ;~ seus detalhes quando c1 fez. A
omissão tem sérios resultados. Torna impossível para nós inserir ! qu~ um exame mais atento de pe$soas agindo juntas nos mostrou que
registros também são produzidos por pessoas que agem juntas, e

~j
as reais contingências da ação em nossas teorias, fazê-las levar em devem ser compreendidos nesse contexto. 23
conta os constrangimentos e as oportunidades de fato presentes. A ligação entre uma teoria interacionista do desvio e a confiança
~ I
Podemos nos ver teo,·izando sob re atividades que nunca occrrem na intensa observação de campo como importante método de coleta
da maneira como as imaginamos. de dados dificilmente pode ser acidental. Por outro lado, penso que
Se olh.: rmos com atenç;io par<l o que observamos, vercnws .. não é uma ligação necessária. A teoria interacionista se desenvolve
·muito prov••vdmente as questões para as quais a teoria interacioni~ta a partir de uma disposição de espírito que leva o lugar-comum a
chama a alcn~ão. Vr remos que pessoas que se envolvem em ;.,tos
convencionalmente considerados desviantes não são motivadas púr
forças misteriosas, incognoscívei1>. Elas fazem o que fazem mais ou
menos pelas mesmas razões que justificam as atividades mais comuns.
Veremos qt•c regras sociais, longe de serem fixas e ÍI71Utáveis, são
sério e não se contentará com forças invisíveis c: misteriosas como
mecanismos explanatórios. Essa disposição de esj)írito floresce
indubitavelmente quando alguém se defronta de modo contínuo
com os detalhes das coisas que se propõe a explicar com toda sua
complexidade. ~ mais fácil construir infrato res míticos, e atribuir-
.'lI
.ti

continuamt.nte reconstruídas em cada situação, para que se aj ustern lhes aquelas qualidades que mais se harmonizam com nossas ex-
à conveniênLia, à vontade e à posição de poder de vários participan- plicações hipotéticas, se tivermos apenas fragmentos de fatos como l '
J.
tes. Veremos que atividades consideradas desviantes exigem muitas os que poderíamos encontrar num arquivo oficial ou nas respostas ·•·
' i''
vezes redes el~.boradas de cooperação que dificilmente poderiam a um questionário. Como .Galtung sugeriu em o utra conexão, 24 r
ser sustentadas por pessoas que sofressem de dificuldades mentais constructos núticos não podem se defender <.:antra o ataque dos [,.
incapacitantes. A teoria interaóonista pode ser uma conseqüência fatos produzidos pelo conhecimento íntimo.
quase inevitável de subnetermos nossas teorias do desvio à correção Algumas pessoas notaram que uma enfase excessiva na obser-
da observação atcnt::l das coisas de que elas pretendem tratar.
À medida que tanto o senso comum quanto a ciência nos re-
vação de primeira mão pode le~ar a nos limit<mnos, de maneil'a
não intencional, àqueles grupos e lugares a que podemos ter
[.
' .!
~

co mendam olhar atcntament ~ par:1as coisas antes de começarmos acesso facilmente, deixando assim de estudar as pessoas e grupos
194 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 195

I.
poderoso~.> que podem se deft:nder contr:1 nossa1. incursões. Dessa ao inimigo, quer esse inimigo fossem aqueles que perturba m a
maneira, a preferenc;a por uma técn ica observacional poderia tra- estabilidade da ordem existente, quer fosse o establishment. Elas
balhar contra a recomendaçüo teórica de estudar todos os partici- foram acusadas de esposa r abertamente no rmas não-convencio-
pantes do drama do de!,. vio e anular algumas das vantagens de uma nais, de se recusar a apoiar posições co ntrá rias ao establish ment
abordagem i nteracionistn. Podemos nos proteger contra e$<;e pl'rigo e a crítica maluco-beleza de parecer apo iar causas contrárias ao
variando nossos métodos ou sendo mais engenhosos em nosso uso establishment - ao mesmo tempo que s utilmente favo rece o
de técnicas observacion'lis. Mills.~" entre outros, demonstra.:. varie- status quo.
dade de métodos que podem EO:r usados p•Ha estudar os poderosos,
em especial o estudo daqueles documentos que se tornam públicos
A-; teorias interacionistas co mo subversivas. Muitos críticos (não
por inadvertência, em virtude do mecanismo interno de agências
necessariamente conservadores~ embora alguns sejam) acreditam
governamentais, ou porque 01. poderosos por vezes lutam e1·tn: si e
que as teorias interacionistas db desvio ataca m aberta ou d issi-
por isso nos fornecem dados. De maneira semelhante, podemo:; fazer
muladamente a moralidade convencional, recusando-se de modo
uso de técnicas de entrada discreta e acesso acidental para culher
deliberado a aceitar sua definição do que é ou não desviante, e
dados observacionais diretos. 26 (Problemas relevantes de acesso e
questionando as suposições com base nas quais as organizações ,,,,.
J
amostragem são discutidos em vJrios artigos em HabensteinT )
convencionais que lidam com desvios operam. Lemert, por
Os sociólogos têm sido em geral relutantes em fazer o exJme
exemplo, diz:
atento do que se encontra debai..xo de seus narizes, e que recomendei
aqui. Essa relutância contaminou especialmente os estudos do desvi0. À primeira vista, a sociologia do desvio parece propor uma ma-
Sua superúção produziu o mesmo ganho em estudos d0 desvio que neira relativamente neutra ou cientificõl de estudar certos tipos de
movimentos similares produziram em estudos da indústria, da edu- problemas sociais. No entanto, sua disposição, o tom e a ~scolha
cação e de comunidades. Aumentou também a complexidade morrJ de temas de pesquisa revelam uma po~t n ra critica forte e determi-
de nossas teorias e pesquisas, e passo agora a esse.; problemas. nada em relação à ideologia, aos valores e mét(•dos de agência:; de
controle social dominadas pelo Estado. Em afirmações extremas,
o desvio é descrito como pouco mais que o resultado de uma tomada
Problemas morais de decisão arbitrária, fortuita' ou tendenciosa, a ~er compreendido
como um processo sociopsicológico pelo qual grupos procuram -
Problemas morais su rgem em toda pesquisa sociológica, P1JS
criar condições para perpetuar valores estabelecidos e modos de
são suscitados de maneira especialmente provocativa por k úrias
comportamento, ou aumentar o poder de grupos especiais. Uma
interacionistas do desvio. Crí ticas morais vieram do centro e da
impressão deixada é que as agências de controle social são descritas
direita política; da esquerda política e dos "malucos-beleza''.*
e analisadas de modo a expor seus malogros no CJ Ue tentam fa:z.er e a
Teorias interacion istas foram acusadas de dar ajuda e conforto
violação incidental de ''direit?S inalien~ívcis" e da "liberdade''. Vista
---·----- - desse modo, a sociologia Jo desvio é mais crítica social que ciência.
• No original,_from /eft ficld. Trata-·;.: Jt· uma metáfora tirada do jugo de beisebol,
Oferece pouco para facil itar e promowr aquele~ tipos de decisões e
sem referência ao campo político. A mdi10r tradução foi discutida com o .mtor,
optando-se por utilizar a expressão cons<~grada no Brastl po.- uma música de controles efetivamente nece.~s:\rios para a manutenção da qualidade
Raul Seixas. (N .R.T.) única de nossa sociedmk - a liberdude de escolha.28
196 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 197

Esses crbcos pensnm que a dcterminaçào ética de tratar pon- de nós usávamos o termo de modo frouxo para cobrir os três casos
tos de vista OtlCiais e (Onvencit)nais como coi!>as a serem estudadcts, em que o de~vio poderi<l estar envolvido: Cl)l11ctimento dt: um ato
em ve'L. de aceitá- los como f.:: tos ou verdades <.>videntes, é um ataqtte potencialmente desviao te sem reação definidora de d esvio; reação
daninho à ordem soc iaU~ definidora de d~.:svio sem cometimento; e sua coexistência. Essa
Cons ideremos de novo a crítica de que a "teoria da ro tulação" frouxidão merece crítica, mas o importante é que nenhuma dessas
confunde irremediavdmente o que se propunha a esr.lareccr com três coisas é ela mesma toda a história do desvio. Esta reside na
sua explicação. Se ela trata o desvio apenas como uma questão interação das três partes envolvidas.
de definição por parte daqueles que reagem a ele, mas postula ao Para retornar à questão mais ampla, o verdadeiro ataque à
mesmo tempo um "algo desviante a que eles reagem': ent;'io o desviv
deve existir de algum modo antes da reação. Alguns críticvs nã0 se
concentram nas reais dificuldades lógicas que co11siderei anterior-
,,
., "
...
~

'i
j
~~
ordem social é insistir em que todos os participantes são objetos
apropriados de estudo. A definição anterior d o campo do desvio
cvmo o estudo das pessoas que supostamente violaram regras
mente, mas insi stem antes que deve haver alguma qualidade de ato respeitava essa ordem, isentando de estudo os criadores e os im-
que p ode ser considerado desviante, independentemente da re1çãu positores de regras. Se alguém é isento de estudo, isso significa que
de quem quer que seja. Eles em geral encoutram essa qualidade na suas pretensões, teorias e afirmações de fato não estão sujeitas a .•
violaç<lo, pelo ato, de uma regra aceita.·mConsideram p erver:.os os escrutínio critico.32
teóricos que não admitem que éllguns atos são rea/mentedesviartes, A relutância interacionista em aceitar teorias convencionais
pelo menos no sentido da violação de uma regra. levou a uma atitude crítica em relação a assertivas de autoridade
Mas teóricos interacionistas, nada especialmente perver!>OS, e moralidade convencional e a uma hostilidade com relação às
enfatizaram a independência de ato e reação, criando um espa- ~ análises interacionistas por parte de seus porta-vozes e defensores.
ço de propriedades de quatro células mediante a combinação Assim, representantes d a polícia afirmam que a maioria dos po-
do cometimento ou n ão-cometimento de um ato em potencial liciais é honesta, exceto pelas .poucas maçãs podres presentes em
desviante com uma r-:ação definidora de desvio ou sua auscncia. qualquer barril. Investigações sociológicas mostrando que a má
O que par~ce ter incomodado os críticos nesse processo é que o conduta da polícia resulta de· imperativos estraturais que fazem
termo "desvio" foi depois co m mais freqüência apli<.ado ao par de parte da organização do trabalho da corporação provocam "defe-
células caracterizado por atos definidos como desvhntes, quer o:; sas" da polícia contra cientistas sociais. De maneira semelhante,
atos alegados tivessem ocorrido ou não. A escolha provavelmer,te a afirmação de que a doença mental é uma questão de definição
rellete a relutância dos analistas ~ m parecer aprovar a classifiLação sociaP3 provoca a resposta de que as pessoas internadas n os hos-
depreciativa de atos em potencial desviantes. A relutância origina- pitais psiquiátricos estão r~almente doentes;3'1 essa resposta passa
se dl..' seu r.:conhccimento do (aráter intrinsecamente situacional ao largo da questão do caráter social da de fi nição, mas diz respeito
das regras, que existem apen:1s no consenso para sempre renovado à questão moral implícita, a~· sugerir que os psiquiatras, a.final,
de uma situação após outra, e não co mo incorporações específicas ·sabem o que estão fazendo.
persistentes de um valor bá:>ico. JJ
Seja como for, tivessem os intuacionistas chamado tipicamen- As teorias interacionistas como favoráveis ao establishment.
te de desviante o cometim ento de atos em potencial desviantc!s, Pelas razões que acabam de ser; sugeridas, as teorias interacionistas
fo~se qual fosse a reacão a eles, teria havido menos qu~ixas. Muitos parecem (e são) bastante "de esquerda'~ Intencionalmente ou não,
198 Outsiúers A teoria da rotulação reconside rada 199

são corrosivas dos modos cnnvcncionais de pensamento e das inst i- contra as quais eles protestam não desempt:! nham nenhum papel
tuiçôes estabelecidas. Apesar disso, . 1 esquerda criticou essas teoria~. no desenvolvimento de seus atos de dissidência. Podemos fazer
e de uma maneira que espel!la objeções feitas de um ponto de vista trabalhos que ajudarão as autoridades a lidar com arruaceiros,
mais centrista.):> Assim como aqueles que aprovam as insti ~uiçnes como seria o caso se descobríssemos correlatos elo radicalism o
existentes não gostam do modo cumo as teorias interacionistas que autoridades escolares, empregadores e a polícia usassem para
põem seus pressupostos e sua legitimidaue em questão, aqueles eliminar nrruace iros potenciais.
que consideram as instituições existentes corrompidas se queixam As questões morais tornam-se mais prementes à medida que
de que as teorias não dizem isso. Todos eles se queixam de urna passamos da noção técnica de liberdade de valor para a escolha
postura moral ambígua, situando o problema num~·. lamentável de problemas, as maneiras de for~ulá-los e os usos que podem
ideologia " isenta de valores" que pretende a neutralidade quand o ser feitos dos resultados. Algumas dessas dificuldades decorrem
de fato esposa uma ideologia " radical" ou "meramente liberal", do fracasso da sociologia em levar a si mesma a sério, em seguir a
conforme o caso ..)(, injunção que quase toda versão de possa teoria básica contém, mas
O problema, claro, decorre de algum equívoco quanto à que é talvez mais clara na teoria interacionista: estudar todos os
noção de ser isento de valor. Penso que todos os cientistas sociais participantes de uma situação e suas relações.J7 Seguir essa injunção
concordam que, dados uma pergunta e um método para chegar nos leva automaticamente à corrupção da polícia onde ela existe e
a uma resposta, qualquer cientista, sejam quais forem !'eus va- :em alguma coisa a ver com o que t;stamos estudando. Seguindo-a,
lores, políticos ou outros, deveria chegar basicamente à mesma n\'io estudaríamos o protesto polítiyo como se ele envolvesse apenas
resposta, aquela dada pelo mundo dos fatos jnelutáveis que está os que protestam. Uma sociologia isenta de valores que seguisse
"lá fora", não import:t o que pensemos sobre ele. À medida que rigorosamente seus próprios preceitos
I
não incomodaria a esquerda
um sociólogo de esquerda se propõe a basear a ação política en·, dessa maneira. 1

achados de pe;;quisa, seus pró prios o u de outros, ele deveria se A questão do uso dos resulta;dos, contudo, não pode ser re-
esforçar para tanto e esperar que isso seja factível. De outro modo, solvida tão facilmente. Tampouco o problema que atormentou
suas ações podem fracassar ~m razão daquilo que seus valores o muitas associações profissionais:1 se os sociólogos profissionais
impediram de ver. têm algum direito a uma opinião especial -em virtude de serem
Essa formula ção simples não pode ser contestada. Mas todo-; sociólogos- sobre questões mor~is e políticas. Constatamos que
os cientistas sociais deixam de atingir essa meta em algum grm.. , eles poderiam, onde isso se justifica, reivindicar conhecimento .
e o erro pode resultar, de uma maneira ou de outra, dos valores especializado com relação às conseqüênci<ls de diferentes polit ic:1s.
do cientista. Podemos contar mal os cidadãos negros no censo E verificamos que poderiam estar especialmente preocupados em
I .
po rque não pensamos que v:1le a peno o trabalho ext ra que pode saber de quem são os interesses a que estão ser vindo. Parece-nos
ser necessário para procurá-los, dado seu estilo de vida. Podemos mais difícil, porém, comprovar a afirmação de que os sociólogos,
deixar de investigar <1 corrupção nn polícia porque julgamos im- em virtude de sua ciência, têm algum conhecimento especial, ou
provável que ela exjsta- ou porque seria inconveniente chamar direito à nossa atenção, com relação a questões morais. Por quê?
atençi\,... para t>ln, caso exista. Podemos sugerir que somos capa:t.cs Porque a ciência, dizemos, é isenta de valores. Passamos então a
de compreender protestos politicos mediante o exa1.1e das perso- fazer distinções tênues, impossíveis de se manter na prática, entre
nalidades dos que protestam, sugerindo assim que as imtituições o sociólogo como cientista e o sociólogo como ciJa<lio. Pois todos
200 Outsiders
A teoria da rotulação reconsiderada 201
1

l
nós concordamos que o sociólogo cidad;w não só pode adotar preocupados em maximizar a liberdade humana passarão então
posições morais, como não deve e iitar fazê-lo. a se concentrar na questão do dano relativo causado pela grati-
Não jJOdemos manter essaf distinções na prática porque, ; ficação do prazer em .::ontraposição à sua rt:pressão. Poderíamos
como EdeP~ demonstrou de maneira tão vigorosa, averiguar fatos, estud1r a operação de sistemas de imposição, o desenvolvimento
construir teorias científicas e chegar <l juízos éticos são coisas que de grupos de interesse entre os burocratas e empresários que os
não podem ser tão nitidamente sepa radas. 3'1 Embora nao possamos oper am, as fo rças que os desviam de suas finalidades deliberadas
deduzir logicamente o que deve ser feito a partir de premissas so- e a irrelevância destas para as situações e conseqüências do uso -
bre (1 que é, .iuízos éticos responsávejs depe ndem em ua nde parte tudo isso por meio da busca do valor da liberdade. Estaríamos
de nossa avaliação do modo como o mundo e seus componentes preparados para descobrir que as premissas em que nossas inves-
cslüo com truídos, co mo ,·uncionam c do que são capazes. Essas ; ' ~igações se baseiam são incorretas (que, por exemplo, os sistemas
avaliações se apóiam em bom trabalho científico. Elas influenciam de imposição o peram de fato de maneira eficiente e honesta para
nossas decisties l:ticas, fazendo-nos ver toda a complexidade moral lidar com sérias dificuldades para o~ indivíduos e a comunidadt:),
do que estudamos; a forma particular como nossos compromis~os e conduziríamos nossa pesquisa de maneira a tornar possível uma
éticos gerais são curporificados numa dada situação; como nos- descoberta como esta.
sos comproms!;os éticos contingentes com valo res como justiça, ' ·.
!
Sociólogos que partem d e outras posições éticas poderiam
saúde, misericórdia ou razão se entrecruzam, convergem e entram investigar as pressões dos pares, a ,m ídia e outras fontes de in-
em conflito.
fluê.ncia pessoal que levam ao uso de drogas e, assim, ao colapso
Nosso trabalho trata continuamente de questões éticas; é c:a ordem social por intermédio do m ecanismo de libertação de
moldado c didgido, de forma permanente, por nossas prt:OCU}>a- coações sociais. Poderiam examinar a maneira sutil como essas
ções éticas. Não queremos que nossos valores atrapalhem nossa pressões forçam as pessoas a usar drogas e limitam a liberdade da
apreciação da validade de nossas proposições sobre a vida social, ~maneira geral temida pelas teo rias psicológicas anteriores, ainda
mas não podemos .!vitar que influenciem nossa escolha de objetos que o mecanismo envolvido seja outro. ' lhmbém eles estariam
e hipóteses, ou a utilização de nos~os resultados. Essa influência preparados para descobrir que suas premissas e hipóteses são
tampouc0 devc;·ia nos iucomodar.1\u mesmo tempo, é impossível inválidas. Sociólogos que deixassem po r completo de investigar a
evitar que nossos juízos éticos sejam infJuenciados pelo crescente questão expressariam com issq sua c rença de que é moralmente
con hecimen~o com o qual nos confro nta nosso trabalho científico. apropriado ignorá-Ja.
Ciência e ética se interpenetram . As teorias interacionistas (10 desvio sao censuradas quando

I
To memos o uso da maconha. Nosso julgamento deve mudar os críticos consideram esse quadro cotnpiL'xo das relações entre
qua ndo st:bstituímos sua interpretação como entrega desenfreada a pesquisa cien tífica e juíw mor.ll su til dcmai~ c insuficientemente
um prazer perverso pela visão de que é uma implacável compulsão direto. Assim como os críticos cen tdsta~ se queixam da relutância
psíqu ica para tranq üilizar conflitos interiores, como propõem as perversa da teoria in teracionist,\ t't11 n:conh ~:~o:er que estupro, ro u-
t
teorias e os dados psiquiátricos. N, 1sso julgamento m u<!a ncwamen- II! bo e assassinato são r('(l/mclltc desvi<l n!l:s, 11' críticos de esquerda
te q uando a vemos com o uma recrca~;1o relativament..: inofensiv<J, afirmam que ela se recus.1 a reconhe4.-et ,, up re~sJo de classe, a
cujas piore!> conseqliéncias, socia is~· individuais, P<'rt.'Cl' ill provir J o discriminação racial e o imp~.·ri.ll i:.rtlo co rnu lt'tdme11te desviantes;
modo como não-usuários reagem aos usuários. 4 u Aqueles de né's ou a pobreza e a injust iça realmt'lllt' w m o pr t•hlcrn.IS sociais- seja
202 Outsiders A teoria da rotulação reconsiderada 203

co mo t;)r que as pessoas os detin<Jm. :1 Ambos os lados querem ver Nossas disposições e nossos juízos éticos, embora desempe-
~ uas concepçôes éticas prévias incorporadas ao trabalho científico nhem a justo título um papel em nosso trabalho científico, dever iam
'
,: ,
ter uma atribui<rão diferente em cada uma das várias atividades que
na forma de asserções factuais não inspecionadas, baseadas no !"";

uso implícito de juízos éticos sobre os quais há u :11 elevado gra u ~onstituem o trabalho de um sociólogo. Quando testamos nossas
de consenso. hipóteses e proposições contra a evidência empírica, tentamos mi-
Assim, se eu d isser que o estupro é realmente dt>sviante, ou qne nimizar sua influência, temendo que nosso raciocínio guiado por
o imperialismo é realmente um problema social, estou sugerindo nossos desejos dê tom a nossas conclusões. Quando escolhemos
que esses fenômenos tê:n certas características empíricas que, to tios problemas para pesquisa, contudo, levamos em conta (juntamente
nós concordaríamos, os tornam repreensíveis. Poderíamos, com com questões práticas, como o acesso ao objeto de estudo, e pre-
ocupações teóricas, como a probabilidade de chegar a conclusões
nossos e.>tud•)S, ser capazes de estabelecer exatamente isso; m:-s .
. ~­
\

muito freqüentP.mente nos pedem que o aceitemos por defini~ão. gerais significativas) a relação de nossos resultados potenciais
Defini r algo <.:o mo dewianle ou conto um problema svciaHorna com problemas éticos que nos interessam. Queremos descobrir se
a demonstracào empírica desnccess;íria e nos protege da descob<.•rta nossos juízos iniciais são corretos, que possibilidades de ação estão
de que nossa concepção prévia é incorreta (quando o mundo não abertas para nós e para outros atores na situação, que proveito po-
é como o irr.aginamos). Quando protegemos nossos juizos éticos deria ser tirado do conhecimento que esperamos reunir. Quando
de testes emríricos, encerrando-os em definições, cometemos o decidimos que ações empreender com base em nossos resultados,
erro que ~:ha;no de sentimentalismo. H e quando decidimos a quem dar conselhos, nossos compromissos
Os cientistas muitas vezes querem fazer com que uma com- éticos dominam claramente nossas escolhas- mesmo que ainda
binação complexa de teori<4S sociológicas, evidências científica~ queiramos ser precisos em nossa avaliação das conseqüências de
e juízos ético!i pareça não passar de uma simples questão de defi- qualquer dessas ações. Finalmente, por vezes partimos das ações
nição. Cientistas que assumiram sérios compromissos de valor (não que queremos empreender e das pessoas que queremos ajudar, e
importa de C!UC variedade política ou moral) parecem em espet..ial com base nisso escolhemos problemas c métodos.
propensos a querer isso. Por que as pessoas querem disfarçar sua
moral corno ciência ? Muito provavelmente compreendem ou in- As critkas "maluco-beleza". Alguns l ríticos afirmaram que as
tuem a vantagem retórica contemp01ânea de não ter de admitir que teorias interacionistas do desvio, embora pareçam contrárias ao
se faz "apenas um juízo moral'' e alegar que se trata de um achado establishment, de fato o apóiam, ao atacar funcionários de nível
científico. Todos os participantes de qualquer controvérsia social inferior de instituições opressivas, deixando ilesos os superiores
e moral importante ir~o tentar ganhar essa va.ltagem e .tpresentar hierárquicos responsáveis pela opressão e, de fato, ajudando-os,
sua pu~içã,J moral como tão axiomática que pode :>er incorporada ao dedurar subordinados indisciplinados.'L1
sem problemrt aos pressupostos d~ssa teoria, pesquisa e dogma No estado atual de 11os:>o conhecimento, só podemos lidar com
político. Sugiro à esquerda, com a qual partilho simpatias, que essas questões especulativamentc. Não se apresentou qualquer evi-
deveríamos atacar a injustiça e a opressão diret<J t' abe rtamen•.e, dência em apoio a essa crítica, rem poderíamos encontrar facilmente
mais que alegar que o juízo de que essas coisas si:o más pode de evidências para refutá-la. Ela diz respeito il orientação ética geral das
algum modo S';!r deduziJo de princípios sodolót_;ico!: básicvs ou teorias interacionistas, bem ccmo a questões factuais das conseqüên-
justificado somente por achados empíricos. cias da pesquisa e Ja teorização, e pode !>l' l' contestada nesse terreno.
204 Outsiders
A teoria da rotu lação reconsiderada 205

As teorias interacionistas do desvio, como as teori:~s inte-


tricos, guardas de prisão, psiquiatras e assemelhados, e menos seus
racionistas em geral, prestam ate nção à forma como os ;Jtores
superiores ou os superio res de seus superiores. ( Há exceções: o
~ociais se definem uns aos outros e a seus ambiente;. Prestam par-
ticular atenção a diferenciais no poder de definir; no modo co:no estudo da administração carcerária feito por Messínger, pesquisa
'·' · '
um grupo conquista e usa o poder de definir a maneira como ou- ; entre gerentes industriais de Dalton; a aplicação feita por Skolnick
tros grupos serão considerados, compreendidos c tratados. Eli!és, da teoria do desvio à polftica de protesto nos Estados Unidos. 45)
.~ '
classes dominnntes, patrões, ndultos, homens, brancos- gmpos rle Mas, além de não ser exclusivo n.!m inevitável, o foco em au-
status superior em gera l - mant(·m seu poder tanto controlando toridades de nível inferior tem o efeito real de lan çar dúvida sobre
o modo como as pessoas definem o mundo, seus componentes e autoridades de nível mais alto responsáveis pelas ações de seus su-
suas possibilidades, e também peJo uso de formas mais primit ivas bordinados. Elas podem ordenar essas ações explicitamente, de fo r-
de controle. Podem usar meios mais primitivos para estabelecer ma velada- de modo que possa negar tê-lo feito, se necessário-,
hegemonia. Mas o controle baseado na manipulação de definições ou simplesmente permitir que aconteçam por inco mpetência ou
e rótu]os funciona mais suavemente e custa meJVJ~, e os grupo~ descuido. Se as ações são repreensíveis, as auto ridades superiores,
de status superior o preferem. O <llaque à hierarq ui•l começa Cldl1 de uma maneira ou de outra, têm parte da culpa. Mesmo que ne-
uma ofensiv~ a definições, rótulos c concepções convencionais de
nhum general tenha jamais sido levado a julgame nto pelo massacre
quem é qu~m e o que é o quê.
em My Lai, aqueles acontecimentos abalaram a confiança que as
A história nos impeliu cada vcL mais na direção de modos dis-
pessoas podiam ter na correção moral da ação militar no Vietnã
farçados de controle baseados no monitoramento das definições~
e de seus responsáveis de nível mais alto. De maneira semelhante,
rótulos aplicados às pessoas. E>..crc~mos controle acusando pessoas
quando compreendemos como os psiquiatras de escola operam
de atos desv:antes de vários tipos. Nos Estados Unidos, indic i<l·
mos dissidentes políticos por uso ilegal de drogas. Quase todos os c~mo agentes das autoridades escolares, e niio de seus packntes, 46
Estados modernos fazem uso Gc diagnósticos, estabelecimentos e perdemos parte da fé que temos nas instituições da psiqu·iatria
pessoal psiquiátricos para conl1nar tipos politicamente perturba- convencional. A rapidez com qu e porta-vozes o ficiais, nos n í-
dores tfío variados qunnto Ezra Pound ou Z.A. lvtedvedev. H Quando veis mais altos, se movem para se opor a amílises de corrupção,
estudamos como os cmpreendedore~ morais conseguem t~1zer com incompetência ou injus ti~a, m::smo quand o mvolvem os níveis
que regras sejam criadas e como impositores nplicam e~sas regras mais baixos, deveria nos deixar ver, pelo lllt'nos tão claramente
em C<ISOS partirulares, estamos estudando como os grupos de status quanto eles, o grau em que essas aná lises atacam as instituições -
superio r de tod o tipo mantêm suas posições. Em c utras palavras, tanto quanto seus agentes, e os superiores tanto quanto seus su-
est udamos algumas das l~ll·ma~ de npn:ssao cus llll'Jos pdos qu,ti! bordinados . Esse tipo de J1L'\quisa tem t>~Jwcial (ontu ndência moral
elas obtêm o status de normal, "cotidiana" e legít·ima. quando nos permite inspecion.u a prát ica de uma instituição à luz
A maior parte das pcsquis,ls no modo in tc.:r.tcionista C<'n -
de seus próprios objetivos expressos e das dcscriçücs que gostam de
centrou-se nos participantes imediatos de dramas localizados Je
fazer a respeito de sua ação. Em razão disso, nosso trabalho tem
dt.!svio: os que se cnvu!vem em viirias ftll'llli.is de crime e vk;o, e
invariavelmente uma lcnd0ncia crít ica quando produz <~lgo que
aqueles impositores co111 que se encontram em suas rothas diárias.
pode ser in terpretado como uma avalia~,·ão das operações de uma
·n:ndemus mais a ~/il ud 1r poli L· ia Í!i.,llc ndct1ll'~ Lk IHl~pít.tis j.l!>itp tl,t-
socinLtde ou tlc tfUa lq ucr de suas pt~ rks.
--- - - - ""'

20 6 Outsiders
A teoria da rot ulação reconsiderada 207

Conclusão
em vez de confiar em relatos oficiais cer tificados que deveriam
ser suficientes para qualquer bom cidadão. Adotam uma postura
A abordagem inkracionista do d esvio ser viu para elu cid.1r os
relativística d iante das acusações e defin ições de desvio levanta das
fen ômenos que f01 am convencio nalmente estudados sob ~ ·; sa r u-
por pessoas respeitáveis e autoridades constituídas, tratando-as
brica, mas tambén; para com plica r a visão m oral que temos ,leles.
como a matéria-prima de análise da ciê ncia social, e não como
:\ aborda3em interac ion<tista in icia essa dupla tarefa de elucidação
afirmações de verdades morais inq uestionáveis.
e romplicaç1o pondo os sol"iúlogos a par d e q uc devem incluir um
As análises interacionistas d os fenômenos desviantes tornam-
conj unto mais amplo de pessoas e eventos em seus estudos dos
se radica is num último sentido, ao serem tratadas como radicais
fen ômenos desviantes, sensibilizn ndo-os para a im portâ ncia d e por au toridades convencionais. Q uando au tor idades - políticas
um conjunto mais am plo de fatos. Estudam os todos os par tici- e o utras - exercem p oder em p ar te por meio de ocu ltam ento e
pantes de~sses dram as morais, tanto acusadores quanto i\Cusados, mistificação, uma ciência que torna as coisas m ais claras a taca
não oferecendo uma isen ção convencional de nos~as indagações inevitavelmente as bases d esse poder. As au to ridades cujas insti-
profi ssiorlais a ningu ém, por ma is respeitáveis ou altame nte sit ua- tuições e jurisdições tornam-se o objeto de análises interacionistas
dos q ue st:jam. Examinamos cuidadosamente as atividades rea is a tacam essas análises por sua "tendenciosidade", a não -aceitação
em questão, ten tando com preender as contingências da ação ~'ara da sabedoria e dos val0res trad icion ais, seu efeito destrutivo sobre
todos os cnv~l vidos. Não acei tamos a invocação de nenh uma ~orça a ordem p ública.47
misteriosa em a ção no drama do desv io , respeitando aquela versão Essas con seqüências da análise interacionista complicam nos-
do senso c:omum que concen tra nossa atenção no que podemos ver sa posição m oral como cientistas pelo próprio fato de elucidar o
claramentt:, bem como naqueles eventos e interesses que demar,- que está se p assando em arenas m orais como tribunais, hosp itais,
dam mais sutileza n a coleta dos dados e n a an:ílise teór ica. escolas e prisões. Elas tornam im possível ig no rar as im p licações
Num segun do nível, <' abo rd agem inte racionista m ost ra aos o
m orais de nosso trabalho. Mesm o que q ueiramos fazer isso, essas
sociólogos q ue um elemento importante em todos os asp ectos d' > ~ autoridades que se sentem sob ataque destroem a ilusão de uma
\
~
drama do desvio é a imposição de definições - d e situações, atos e ciência neutra ao insistir <iue somos responsáveis por essas impli-
pessoas - por aq ud es poderosos o basta nte ou legi timados o bas- cações - como, claro, de fato somos.
;
tante p ara tanto. Um a plena ...:ompreen são exige o estudo completo ~
Essa discussão de desenvolvimentos recentes na teor ia do des-
daquelas defi nições e dos pr1KCS~>os pelos quais elas se desenvohem , vio constitui o início de uma consido;: rnção da signjficação mo ral da
adquirem legitimidade e são cor.sideradas óbvias. sociologia contempo rânea. Podemos ti1zer maio res progressos com
1
Esses d ois n iveis de análise d:io à abo rdage m interaci u 1· ista,
. relação a esse intricado problema por meio de exam es similares

i
I

nas atuais circunstâ ncias, um caráter radical. Ao fazer de err.preen- ~


.
em o utros campos da sociedad e, como o estudo de instituições
dedores m o rais (bem co m o daq ueles :t qu~m eles pro cura m ,.<
educacionais, serviços de saúde, as fo rças armad as, a indústria e
controlar) objetos de estudo, essas análises viola m a hierarquia 1'
~-
o com ércio- de fa to, em todas as outras áreas em que o estudo
de credibilidade d<~ sociedade. Elas questionam o •n on opúlio da 1 1 sociológico esclarece as atividades de: pessoas e instituições, influen-
verdade e "toda a histó ria" s ustentada pelos que ocupam p.)si..,:ões ~l ciando, assim, as av~ liações mor.1is que razemos delns.
.1
dc pocIer e autonu:1dc:. '
Sugerem qut• pn:~.::s<llllOS dcscob;·ir po r .; 'f.•
n ós mesm os a ve rdade sobre fe nõm enos suposta mente desvi a nte~ , ?' ',1
,. fti
'··.,

~
Notas

Prefácio, (p.9-14)

L E.M. Lemert, Social path ology: A Systematic Approach to the Theory


of Sociopathic Beluwior; F. Tanncnbaum, Crime and t/11: Comtmmity.
2. W.I. Thomas e D.S. T homas, The Child in Ameriw: Behavior Pro-
blems cmd Programs, p.572.
3. T. Kuhn, The Structure ofScient~fic Revulutions.
4. Ve r a interessante discussão em S. Cole, ''The Growth of Scientific
Knowledge'~
5. E. Goffman, Asy/ums.
6. G. Velho, "Accusations, ramily Mo bili t y un<.l Dev ian t Behavior";
"Stigmatization and Devia ncc in Copacabana':

1. Outsiders, (p.l5-30)

1. D.R. Cressey, ''Criminological Resea r.:h :.~nd the Definition of


Crimes' ~
2. Ver a discussão in C. Wnght Mills, "Th~ Profes~io rml Ideology of
Social Pathologists':
3. T. S1.asz, T.llc Mytlr of Mcnta/11/,u·ss, p.4·1 · \ wr tam hón E. Goffman,
"The Medicai Modcl and MentJ! Hospitaliza tion", in Asylu ms, p.32 1-86.
4. R.K. Merton, "Social Probll-ms and Socio logical Theory"; e 1'. Par-
sons, The Social Systnn, p.24'i-325.
S. H. Brotz identifica do mesm-~> modo ,·o mo polít ica a questi.\o de
quais fenô menos são "funcionais" ou "d i s l unc io tta i~··. " Fu nctionali sm
and Dynamic Analysis".
6 . As mais importantes entre as prim eiras fnrmu laçõ..:s dessa con-
cepção podem ser enco ntradas <!m E Tannenhaum, Crime nnd the Com-
munily; e E.M. Lemert, Social t>athvlogy. Urn artigo n:ccntc expressando
pos:ção n11 1ito parecida com a minha é o de J. Ki tsuse, "~ocietal Reactio u
to Deviant Behaviour".

209
21 O Outsiders
Notas 211

7. B. Malinowski, Cr11t1t: and Custom in Sov11gt: Socicty, p.77-80. Rrprodu-


~idoc:oJ,l" pnmi1.~ao de J h11nanith::; Press e Routlcdgc & Kegan Paul, Ltd. Intoxicant"; S. Charen c: L. Perclmun, "Per~o nality Studies of Marihuana
8. F. f. Davis. "Crime News in Colorado Newspapt:r.s': Addicts".
9. A.K. Coh~n e J.F. Short /r., "Juvenile Delinquency'; in R. Mertvn e 2. Esse ponto de vista teórico origina-se da discussão que G.H. Mead
R.A. Nisbet (orgs.), Conremporary Social Problems, p.87. faz da noção de "objetos': Mind, Self and Suciety, p.227-80.
lO. H. Garlinkel, ''Research Notes on Inter- and Intra-Racial Homi- 3. Cf. R. Adams, "Marihuana", Bulletin of the New York Academy of
cides': Medicine, p.705-30. .
li. E.H. Sutherland, "\Vhitc Collar Criminality': 4. New York City Mayor's Committee on Marihuana, Thc Manhuana
12. V. Clark. Utrmarried Mothers, p.3-5. Problem in the City ofNew York, p.l2-3. . .
13. A.~. Rose e A.E. Prell, "Does the Punishment Fit the Crime?': 5. Cf. L. Kolb, "Marih uana"; W. Bromberg, "Marihuana: A Psyduatnc
Study': . . ..
2. Tipos de desvio: um modelo seqüencial, (p.3I-49)
6. O método é descrito em A. R. LindesnHth, Opwte Add1Ct10n, cap.l.
Houve considerável discus.;;lo sobre esse método na literatura. Ver, em
particular, R.H. Turner, "The Quest for Uniwrs~Jls in Sociological Re-
I. Ver também a discussão de J.J. Kilpatrick, Thc Snwt Peddlers, p. t -77.
search", e a bibliografia citada ali.
2. Beneficiei-me enormemen•e da leitura de um artigo inédito de John
Kitsuse sobre o uso de estatísticas o tki<:~is na pesquisa sobre o desvio. 7. Quero agradecer a Solomon Kobr in e a l lamld Finestonc~ por me
3. Ver E.C. Hugh~s, Menmul Jht'ir ~V<nk, p.56-67, 102-15 e 157-68; terem disponibilizado essas entrevistas. .
O. Hali, "~'he Stages o f the Me<iical Career"; H.S. Beckcr e A. L Strauss, 8. Um farmacologista obsr.rva que esse ritw1l é de fato uma lo.rma
''Careers, Personality and Adult Socialization': extremamente eficiente de introduzir a droga na corrente sanguínea. Ver
4. M.R. Ha.:ts, "Intcrlingual Word Taboos': R.P. Walton, Marihtumn: America's New l Jmg Prolllem, p.48.
5. R.K. Merton, Social Theory and S'ocial Stmnure, p.Ul-94. 9. "Fumantes declararam 1epetidamente que o consumo de uísque
6. Lidei mais extens<~mente com este conceito em ''Notes on ..he Concep• enquanto se fuma anula a potência da droga. Ele~ acham mui to difí~il
ofCommitment': Ver taml:Jém E. Gntfma n,Encounters: 11m SttJdies inthc So · ficar no 'barato' enquanto tomam uísqm:. e por 1sso os fumantes nao
âology of fttteraction, p.88-IJ O; e G.P. Stone, Clothim; m~t! Socin/ Refatio r:;. . bebem enquanto usam a 'erva'." (New York City [\..-(ayo r's Committee o.n
1
7. G.M. Sykcs e D. Mntza, "'led1niqucs of Neutralization': Marihuana, op.cit., p.l3. )
8. Guido D'Agostino, fJlh·es on rht: Apple Tree. Sou grato a Everett C. 10. Charen e Pcrelman, up.cit., p.679.
Hughes p0r ter chamado minha atrnç.'io pan1 esse romance.
9. E. C. Hughes, "Dilemmas and Contradictions o f Status': 4. Uso de maconha e controle social, (p.69-87 )
10. Ibid.
11. Ver M. Ray, "Thc Cyde of J\bst incnce and Relapsc among Hewin 1. H.J. Anslinger e W.F. To,npkins, 'file hajj ic /11 JVurcotics, p.2 1-2.
Addicts':
12. Ver Drug Adclioi('lr: Crime orl >1sr·a~c?.
13. A.]. Reiss Jr., ''The Social h:tegration of Queers <lnd Peers·: 5. A cultura de um grupo desviante:
14. Ray, op.cit. o músico de casa noturna, (p.89-110)
JS. One e 'J'!Je Mmtadzil.e ae1'Ú'W sao revistas desse tipo.
l. R. Redfield, Tire Folk C:u!turc o/Yu!'!l/c/11. p. U 2.
' '' 2. E.C. 1-!ughes, Stttclofl \ Cw'turc: 11/lrll'c.,-;fiCcl ives: Lectures 0 11 Medica!
3. Os primeiros passos de um usuário de maconha, (p.51-67) ';::.:. c,llti Ce.'leral Ed11mt iotz, (.J.2H-9.
1. Ver l·orno exemplo~ J"~sa abonbgl'll1: E. J'.-la rC(ll'itz e H./. MC)'l'r~. 3. Ver A. K. Cohen, lJcliiUJIII!.I It Hoys; ItA. Cloward e L. r:. Ohlin,
''The Marihuana Addict in .h e ,\ rnw"; t! .S. Gaskill, "t\-lar .huana, , Ddinquency and Oprortzc nity; H.S. Bech ·r, B. Gt:tT, E.C. Hughcs e A. L.
111
Strauss, Boys in Wl•itc.
212 Outsiders

Notas 213

4. D.R. Cres:;ey, "Role Theory, Differential Association, and Compu!-


sive Crimes'', p.444-67. 7. Para uma abordagem dos problemas sociais do po nto de vista da
5. Para ou~ros estudos do músico de jazz, ver: C.L. Lastrucci, "The história natural, ver R. C. Fuller e R. R. Meyers, "Some Aspects o f a Theory
Profcssional D<mce Musician"; W.B. Cameron, "Sociological Notes on the of Social Problems':
Jam Session"; A.P. Merriam e R.W. M<1ck, "Thc Jazz Community': 8. Ver J, Krout, 'fite Origins of Prohibition; C. l crr y e M. PeUens, The
6. A maioria dos músicos não admitiria essas exceçõl's. Opium Problem; Drug Addiction: Crime or Disease?.
9. U.S. Treasury Department, Traffic in Opium and Other Dangerous
Drugs for the Year ended December 31, 1931 , p.5l.
6. Carreiras n~m grupo ocupacional desviante: lO. lbid., p.l6-7.
o músico de casa noturna, (p.lll-28) 11. Bureau ofNarcotics, U.S. Treasury Department, Traffic in Opium
and Other Dangerous Druss fur the Year ended December 31, 1932, p. l3.
l. E. C. Hughes, "fnstitutionat Office and the Person'; p.409-IO. 12. Ibid., Bureau of Narcotics, U.S. Treasu ry Department, Traffic
2. O. Hali, "Th,· Stages of a Medicai Career': p.327. in Opium and Other DangerotiS Drugs for the Ycar mded December 31,
3. Ver E. C. Hughcs, French Canada in Transitíon, p.52-3; M. Dalton, 1936, p.59.
"Informal Factors in Carcer Achiev.:ment': para discussões da influência 13 . Idem.
dos grupos de colegas sobre c<~rreiras em organizações industriais; e Hali, 14.lbid., p.30.
op.cit., para uma análise similar da influência de colegas na profissão 15. Ibid., p.61.
médica. O conceito de "fraternidaJe interna" de Hall refere-se ao grupo 16. H.J. Anslinger e C.R. Cooper, "Marihuana: Assassin of Youth'~
que é assim capaz de exercer a maim influência. p. l50.
4. Ver a discussão em H.S. Bec;ccr, "The lmplications of Research · 17. Taxation ofMarihumw, p. 7.
on Occupational Carecrs for a l\1odd uf Household Decision-Making", 18. rbid., p.s.
p.239-54; H.S. Becker e A.L. StrJu%, "Careers, Personality, ~nd Adult 19. lbid., p.20.
SociaP??ti•)Jl': 20. fbid., p.73-4.
5. Hall, op.cit., p.3.'32. 21. Idem.
6. "Velhos" l"old gr1ys'' J é o termo gcr~dmente usado p~lu~ mais jovens 22. Ibid., p.85.
para se referir às "panelinhas" que control<lln os emprego> mais desejü- 23. Gouldner descreveu um caso pertinmte na indústria, em qu e a
wis.
tentati va qut: um novo geren tl' ~à d<.> lançar m;1o dt• t'l'gras que não hav iam
7. Hall, op.cit., p.32S. Ver t<Jmbém lf.S. Becker, "The lm~1lications of sido impostas por um longo t\·mpo (e assim, de !ittn, criar novas regras )
Rcsearch on OccupatíonaJ C:lreers" op.cit.; ).W. C.trper e H.S. Bt•ck<·r. teve como conseqüência imediat< uma greve intempestiva não autorizada
"Adjustments to Contlicting ExpectatiOth in the IJ~vdopmmt o f Iden. pelo sindicatú; ele não havia angariado apoio nem tbcnvolvido um di ma
tification with an Occupati,m'~ de opinião favorável pela manipulação de outros grupos na fábrica. Ver
A.W. Gouldner, Wildcat Srrikc.
7. As regras e SUi'l imposiç~o, (p.129-51)
8. Empreendedores morais, (p.153-68)
1. K.H. Wolff: The Sodo/pgy of Georg Sirnme/, p.4 15-6.
2. M. Dalton, Men \Yho MMwge, p.llJ9-205. I. J.R. Gusfield, "Suei ~ I ';t ructurc and Mural lkfo rm ': p.223.
3. Ibid., p.l94-215. :!. Ibid .
4. D. Roy, ''Quota Rt•stridion and Coldht iding in a ~la(hinc Shop': 3. Ver R.G. McCarthy, Drilrki11g nrui Intw;ication, p.395-6.
5. D. P.oy, "Efticiency and 'The Fi:•": 4.1ssu é sugeritlo em ÜSC<t r Lewis, Sagcl!mslr Cminos, p.233-4.
6. T. Parsons, The Social System, p.12. S. E.H. Sutherland, "Tht· Diffusion of Sexual Psychopath La,vs '~
p.I42-8.
------------------------ --- -------
214 Outsiclers Notas 215

6. Ibid., p.l42. necessário, que irá "obstruir a justiça" ou ser "cú mplice" antes ou de-
7. lbid. , p.l43 ·5. pois do fato, no pleno sentido legal desses termos. Não terá condições
8. Jbid., p.145-6. rle discernir alguns aspectos vitais do comportamento cr iminalmente
9. Sheldon, Messinger, "OrganizationJI Transformation", p.3-10. desviante e da estrutura de subculturas infratoras a menos que tome
10. Gunsfield, op. cit. , p.227 -8. essa decisão moral, faça os d esviantes acreditarem nele e os convença
11. lbid., p.227, 229-30. ademais de sua capacidade de agir em conformidade com sua decisão.
12. Ver R. Gole, "Janitors Versus Tenants". Este último aspecto talvez possa ser negligenciado com delinqüent es
13. \V. A. W~stlcy, "Violence and the Police", p.39. juvenis, porque eles sabem que uin profissional que os estuda está quase
14. Ibid. sempre livre de pressões da polícia no sentido de dar in fo nnações; mas
15. William A. Westley. "The Police: A Sociological Study of Law, criminosos adultos não têm essa certeza, e por isso se p reocupam com
Custom and Morality". as intenções do invest igador e ;:om sua simples capacidade de contin uar
16. E.H. Sutherlaud (org.), 'J'hc hl~ks~-ional T/Jief, p.87-8. inaba lável sob interrogatório policial.
17. Ibid., p.9l-2. "Raramente cientistas sociais satisfizeram essas exigências. É po r
isso que, nos Estados Unidos, embora apenas seis entre cada 100 cr i-
mes importantes conhecidos pela policia res ultem em condena\:ões à
9. Oestudo do desvio: problemas t! simpatias, {p.169-78)
prisão, uma parte tão grande de nosso p rete nso conhecimento socio-
lógico sobre a criminalidade se baseia ap enas em pessoas presas. O
1. David J. Bordua, ''Delinquent Subculturcs", The Awzals of r!te Ame-
rican Academy ofPolitical mui Social Science, n.338, nov 1961, p.ll9-36. sociólogo - não podendo o u não querendo ser el e mesmo definido
por criminosos de u ma maneir:1 (]Ue lhe permitiria observá-los en -
2. Dois livros recente:;, muito conhecido~ e influent-::s, s·.Jbre delinqü-
ência juvenil são baseados nesse tipo de dados fragmentários. Ver A.K. quanto trabalham e se divertem rotineiramente - coleta seus dados
de desviantes que estão presos ou envolvidos de alguma outra forma
Cohen. VelinqrwJt Boys; e R. A. Clow<1rd c L. E. Olhin, Dclinquency and
Opporttmity. com a lei, uma amostra distorcida em que ;Jmadores c incompetentes
estão super-representados , em que os sujeitos são vistos num contexto
3. E. Hooker, "A Preliminary Analy·sis o f ( ;roup Behavior uf Homose-
artificial e não são sistematicamente estudados tal como atuam em geral
xuals"; M. Leznoff e W.A. Wes~ley, "The H..>•nosexual Com1rounity"; H.L.
Ross, "The 'Hr.;stler' in Chicago"; A.J. Reiss )r. , "The So~..iallntegration o f em seus contextos naturais. Assim, o sociólogo m uitas vezes conhece
Peers and Quecrs". menos que o jo~nalista sobre a:; subculturas desv i01 n tes verdadeiram ente
4. Reiss, op.cit. contemporâ neas- em part ic ular aquelas comvostas por criminosos
S. C. Winick, "Physicüm ~arr.:olic Addi ch", p.l77. profissio nais adulto s."
6. M. Dalton, Mt:n H'!w 1'.1mwge, p.275. 8. H. Blumer, "Society as Symbol ic lnterau ion", p. l oH.
9. D. Matza, "Subterranean Traditio ns o f Youth'', p.l l6-8.
7. Nt•d Polsky sugt•rt•, numa Cllllllllli(,t<\:lu privada, <Jllt' lllll dos pro
blemas morais gira em torno do envolvimento do cie ntista em atividad··
ilegal. Embora eu não tenh<l tr.otadn de~k pnnto, concordo plenamenk 10. A teoria da rotulação reconsiderada, (p. 179-207)
co m seus pensamento:. so bre ,.> assunto, que rt·prod uzo aqui com Sll<'
permissão: 1. D. Matza, Becoming Dtn1 irwt.
"Se alguém quer detivarn~..nte estuda r desvian1es in fra tores da ki 2. F. Ta n nenbaum , Crime aud Commullily; E. Lcmcrt, Social PathoJ'ogy;
enquanto se envolvem em desvio em seu wntcxto natural , isto e, fora }. Kits use, "Social Reaction lo Deviant Beh avwur"; K. Erikson, Wayward
da prisão, deve tomar a deó.,ão moral de infringir de próprio 0:1 ki . 1'\ão Puritnm; H.$. Becker, ÜIJtsidcrs, entre outros.
precisa se~ um 'observador parti~ipar.te' e cometer os atos dcsviantcs sob 3. Cf. E. Schur, "Readions to Deviance".
estudo, mas rem de testemunhar tais a t<l~ ou receber conlidéncias sobrt· 4. J. G ibbs, "Conceptions of Deviant lk h;lvio r"; 1>. Bordua, "Hecent
ek s c não dcnunci;i-los. Assim, o invC'~tig<ldor tem de tkc idir, qtundo Tr.ends"; R. L. Akers, " Pro~)lems in the Socio logy o!" I kviance':
' . •. '

21 ó Outsiders
Notas 217

5. Ver H.S. Becker, Outsiders, p.44-5; E.M. Lemert, op.cit., p.71 -6;
M. Ray "The Cycl-: of Abstinence and Relapse among Heroin Addicts''; 29. D. Bordua, "Recen t Trends':
E.M. Lemert, Hwnan Dcviunce, Social Problcms, wrd Social Com rol. 30. Por exemplo, J. Gibbs, "Concep tions of Deviant Behavior";
6. A. Cohen, "The Sociology o f the Deviant Act"; Devian.:e and Contro/; R. Alvarez, "Informal Reactions to Dcviance in Simulated Work
"Deviant Behavior': Organizations':
7. H.S. Becker, op.cit. 31 . Ver o conceito de "ordem negociada': A.L. S~rauss et al., Psychiatric
8. L Humpltreys, 1earoom Trade. ldeologists and Institutions.
9. G.H. Mead, Mind, Se!f and Society; H. Blumer, "Thc Mct!JOdological 32. H.S. Becker, ''Whose Side Are We On?".
Position of Symuolic lnteracionism': 33. Por exemplo, T.J. Scheff, Being Mentally JJI.
lO. D. Roy, "Efficiency and the 'Fix": o
34. W. Gove, "Societal Reaction as an Explanation o f Mental Illness";
I;; ··
li . M. Dalton. Men Wlro i\l!arragc. ~
"Who Is Hospitalized".
12. ].F. Short e F.L Srodtbeck, Group Process and Gang Delinquenc)'. 35. Richard Berk sugeriu-me que a dificuldade crônica em decidir
13. K.T. Erikson, op.cit.; ].D. D(.>uglas, "Deviance and Respectab i- quem é de esquerda ou "radical" leva a uma situação em que as críticas que
lity". esto u discutindo, embora possam vir de pessoas que se identificam assim
14. Um bom exemplo é R. Alvarcz, "Jnformal Reactionli to Deviance e são assim identificadas por outros, não brotam, contudo, de uma análise
in Simulate~ Work Organizations: A Laboratory Experiment': marxista da sociedade, que talvez tenha mais direito ao rótulo. Ele sugere
15. ]. Kitsus e e A.V. Cicourel, "A Nore on thc Uses of Offici,tf -~
ainda que essa linha de críticas poderia se concentrar no grau em que é
Sratistics ·: possível estabelecer uma continuidade en tre a análise de agrupamentos
16. A. R. Lindesmith, Addiction und Opiates. de classe da sociedade como um todo, ca racterísti.ca dessa tradição, e o
17. Por exemplo,]. Gusfield, S;mbolic Crusade. estudo mais intensivo de unidades menores, característico das teorias
18. fack Katz ~ John L Kitsuse ajudaram-me enormemente a reexa- interacionistas do desvio. Pl'n~o que a con tinuidade existe, embora não
minar o problema do deS\'ÍO secreto. esteja em condições de prov,tr isto analiticamente.
19. r. Lorber, "L>eviancc and PerforllhlllC('': 36. M. Mankoff, "Power in Advanced Capitalist Society"; A. Liazos,
20. H. Selby, Not Every Mnn Js 1-lllmbl.:. ''The Poverty of the Sociology o f Deviancl' ··.
21.]. Katz, "Deviance, Charisma and Rult•-Dcfined lkl.;l\'Íor': 37. H. Rlumer, "Threats from Agency- Determined Research':
22. !.L. Horowitz e M. Liebowitz. "Social Ueviance ::1nd Politiol 38. A. Edel, Etlriml fud~l//l'flt.
.Marginality': 39. Irving Louis Horowitz desper tou meu conhecimento tardio d o
trabalho de Abraham Edd.
23. Ver J. Kitsuse e A. Cicourel, "A Note on the Uses o! Offici;1l
Statístics"; E. Bittner e H. Garfinkel, '"Good' Organization<ll R.:asons for 40. Ver J, Kaplan, Mari!ruana: The Nnv Prolúllit iorr; E. Goode, Tlze
Marihuana Smokers.
'Bad' Clinic Records"; A. Cico urel, Tht.' Social Orga11ization uf Ju vmi/,·
fustice; A. Biderman e A.].l{eiss ]r., "On Exploring the Oark Figure"; }. t ). 41. Ver M. Mankoff, "On Alienation, Structurai.S train and Deviancc·:
Douglas, Thc Socit,J ML'a11Í11gs ofSuicitlc. A seguinte declaração corpo rifica esses temas:"Mas não é igualrneutc um
24. J. Galtung, "Los factorcs socioculturaJcs y el desarrollo de la so- fato social, ainda que poucos de nós atri bu.tmos muit;t :1tenção a de, que
ciologia en America Latina': a economia corporativa mata e mutilõJ mais, é m;lis violenta que qual-
25. C. Wright Mills, The Pmver Elite. quer vio lência cometida pelos pobres (objl'los u~u<ti:; dos estudos so bre
26. H.S. Becker e R.lvl~ck, "Cnobtru~ive Entry and Acc idental Ao.:rc:-.> viülência )? Por que mciocín io e necessidadl.' é a 'violl·ncia' dos po bres
to Fio.·ld Datt': nos guetos mais digna de nossa atenção q ue os ca mpos de treinamento
27 . .R.W. Habenstein (o rg.), Patlnvay.··to IJ!Itn. militar que entorpecera recrutas para os horrorl'S de matar o 'inimigo'
28. E.M. I emert, Humcm Dc:•iriiiCt', Socirll Problcms, wrrJ Soâol O•lltrol, ('seres humanos orient.tis', como aprendemos dura nte o julgamento de
p.24. Catley)? Mas como csst:.s atos não são rotulados de 'Jcsviante11', como
são ocultos, institucionais e normais, suas qualidades de 'desviantc.s' são
' ~··

·''
218 Outsiders ,fê.
{
negligenciadas, e eles não se tornam parte da província da sociologia do
desvio. Apesar de suas melhores intenções liberais, esse'i sociólogos pare- ..l

cem pe rpetuar as próprias noções que pensam desmas~..arar, e outras (las ~t


quais não têm consciên..:ia." (A. Liazos, "The Povertry of the Sociology
o f Deviance", p.l I O-I )
'..Y:

~1~ Referências bibliográficas


_'%
42. Feio menos um comentador (A.W. GouJdner, ''Ti1e So..:iologist ;_....
f~
Partisan") interpretou erroneamente minha crítica do sentimentalismo t
como um medo da emoção. A definição dada no texto de "Whose Side
Are Wc On?" (H.S. lkc.:kcr, p.24.)) deixa hem claro o que cu realmente (;uis
~-
dizer: "Somos sentimentais, em e~ptci al quando nossa razão é que prefe- •
~--,
ADAMs , Rogers. "Mar ih uana': Bulletin (}I tire Ne\•V York Academy ofMedi··
riríamos nã0 saber o que está ac011tecendo, caso saber fosseviolar a l :.~uma t
"''·
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simp,llia de cuja cxistrncia talvez poss;u110~ nem Ler wnhecimento."
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Agradedmentos ..
lndice remJss1vo
..

Quatro capítulos deste livro for" m publicados em forma ligeira-


Adams, Roger, 52n Conferênc la Nacional de Delegados
mente diferente em outros lugares. O Capítulo 3, no American Agência Federal de Narcóticos, 143· sobre Leis Estaduais L'nilormes, 145
]ournal of Sociology, v.LIX (nov 1953); o Capítulo 5 ap<lreceu no 51, 160 Coopcr, Courtn.:y Rr ley, 148n
mesmo periódico, v. LVII (set 1951 .' .Ambos s:io tq.Jl"oduzidos aqui alimento para aves. indústria de, Cresscr. D,mald !L, 17n, 9ln,
com a permissão do /oumal e da University of Chicago Press. O 149-50, I Sln criadores d~ reg ra~, 153 -8
American Har Association, 45n . 142n cruz<tdas mor;1is, ISJ -60
Capítulo 4 foi publicado em Hwnan Organization, n.l2 (primavera American Medicai Association, 45n, cultura, B<J-9 1
1953), e é reproduzido neste livro com a penniss.'i-:l da Society for 142n
Appl.ied Anthropology. O Capítulo 6 fo i publicado em Sxial Pro- Anslinger, H. ]., 82n, 148 n D':\gostin u, Cuido, ·IUil
blems, n.3 (j ull955), e é republicado com a parniss•io ,fu Socict}' apreensão, experiência de, por Ualton, f\·1dvilk 112n, t32-4, 133n,
for the Study o f Social Problems. desviantcs, 41- 6 172. 172n
auto-scgrcgaçâo, I04-1 O Davis, F. )allll'S, 25 n
O materi:1J do:; r.apítulos 3 e4 t()i originalmente prep<lradq como ddinqüên.:i.1 juv<.'nil •.\2 -5 , 38-40,
tese de mestrado em sociologia na Universidade de Chicago. sob a necker, How;trd, 35n, 3tln, <JOn, 112n, 46 -7, 1(>'1 70, 17·1. 17-ln
orientação de Everett C. Hughes, W. Lloyd Warner e Harvey L. Smith. t24n Dcparta!lll'lllo dn "li:s,,uro dos
Blumer, Hcrhcrt, 174, 174n Est.1dos l :nid o~ ( i\!(.'nci;~ de
Dan C. Lortie comentou o ,·ascunho inicial de um d<'s textos. llordua, David ).• 169n Nam\ti"'' l. I·LI -51. i(l()
Fiz a pesquisa em que os capítulos 5 e() se baseiam enquanto Bromberg, \Valter. 53 n d~svi;tnlt.:
era membro do Chi..:ago Nétn.:otic~ .'iun'L'}', num pro1ct;.> empreen- l3rotz, I lowMd, 20u f.d~.l l ll~ Ili<' .1~ il'",j"· .l i ·2
dido pela Chjcago Area Projccts Inc.. com a ajuda de uma sub- llurke, Ke;:nncth . I 58 >ent.: t.l, 51 - .~
venção do National Institute of .~·tema! Health. H awld Finestone,
Eliot Freidson, Erving Goffman, Solomon Kobrin, Henry McKay,
1
f. · CaJtõer(1u, William llruce, <.J ~ n
desvio
wnluio ur~.t n iz;~ciona lno, 131 -'i

l
Carper, ).tmes \\'., 124n dd 1ni;;•.1 <'> êi<'lll ificas de, 16-2 1
Anselm Strauss e o falecido !\.. Rich<1rd Wohl fizeram uma leitura carreiras, 35-6, 111-2 dclin ido p11r 1\'a,·úcs de outros,
critica das versões iniciais d~sscs textos. Champnign-Urbana, lllinois, 9<! 20-7

Sou profundamente grato a I3lanchc Get•r, que leu e discutiu várias


versões de todo o manuscri to cr)n1igo. tvku pL'nsamcnto sobre qucs-
ll Charen, Sol, 5 J n
Ch icago, llli nois, 93
Cloward, Richard A., 90n, 169n,
Cohen, Albcrt K., 25n, 90n. 169n
n~o- i nl<'n.: ion a i s , .i6-7
problcm.t:, llll'todol!igicos no
estudo do , 171 -4
;J problemas morai' no estudo do,
Cólorado, crime no, 25
tôes de desvio, assim como sobce todos os assuntos sociológicos, .t Comitê sobre Maconha do Frefeito c.b
17'1-/-:
tipos tk , J l- 2
deve muito a meu amigo e prof(>ssor f-\crctt C Hughcs. f
j, Cidade de NovJ York, 52-'1. 60·1
Dorothy Seelinger, Kathryn James e Lois Stoops datilografa-
ram as várias versões do manu~crito com p;Kiência c cuidado. i Comitê sobre Recursos da Cimara
dos Deputados, 148-51
empreendedor nwr;1 l, 14 1-2, IS3-6!l

comprom isso, 37-(} Finc~ tonc, il.• rnld, 5·1n, 221!


228

229.
2 3O Outsiders
Índice remissivo 231

heidson, Eliot, 228 Krout, John, 142n narcóticos Simrnel, Georg, l31n
Fuller, Richard C., 138n
Fundação Nacional c0utra a Paralisia adictos, 44-6, 48-9, 175-6 Smith, Harvey L., 228
Lastrucci, Carlo L, 92n neutralização de valores
Infantil, 158-9 status, traços de, 42-4
Lemert, E. M., 9, 9n, 22n convencionais, 38-40
furto na indústria e no comérçÍo, Stone, Gregory P., 38n
Lewis, Oscar, 155n Nisbert, Robert A., 25n Stoops, Lois, 228
t3J -4
Leznoff, Maurice, 170n Strauss, Anselm, 35n, 90n, 112n, 2.28
Líndesmith, Alfred ]., 54n ocupações de serviço, 91-2 Sutherland, Edwin H., 25n, 155n,
Garfinkcl, HaroJd, 25n Lortie, Dan C., 228 Ohlin , Lloyd E., 90n, 169n 165n
Gaskil!, Herbert, 52n
One,48n Sykes, Gresham, 38, 40n
Geer, Blanche, 90n, 228
rná conduta profissional, 39-41, 170-3 Szasz, Th o m as, 20n
Goffinan, Erving, 13, 13n, 20n, 38n, 22K maconha Parsons, Talcott, 20n, 137n
Gold, Ray, 161n
apreciação dos efeitos, 61-7, 6 1n Pellens, Mildred, 142n tabus vocabulares interliguais, 37
Gouldner,Alvin W., 15!n
percepção dos efeitos, 56-62 Perelman , Luis, Sln, 63n Tann cnbaum, Fran k, 9, 9n, 22n
Guslield, Joseph R., 153-5, 154n,
fornecimento de, 71-ó polícia, 160, 163-6 Terry, Charles, 142n
!59-60, 159n
Lei de Taxação, I 41·5 I pornografia, 32-3, 138-9 Thomas, W.I., 12
técnica de fumar, 54-7 Prell, Arthur E., 28n Thrasher, Frederick, 169
Haas, Mary R., 36. 37n
McCarthy, Raymond G., 155n promotoria pública, 134-6 Tompkins, William, 82n
Hall, Oswald, 35n, 111, 111-2n, Mack, Raymond "-/., 'l2n psicopata sexual, leis sobre, 155-7 Townsend, Movimento, 159
115n, 124, 124n McKay, Henry. 278 psiquia tras, 155-8 tradições ocultas, 177
homossex~.oalidade, 40-1,44-8, 170-2 iYlalinowski, Bronisl<~w, 24n, 130n Turner, Ralph H. , 54n
Hookcr, Evelyn, 170n Marcovitz, Eli, 51 n "quadrados'~ 94-5,98-10 L, 123-ll
Hughcs, Everett C., 35n, 40n, 42-4, Mattachine 1\eview 48n uso d,· macoha,34-6, 51-87, SSn, 61n
42n,90n, 111, llln,228 raça, pun ição de crimes por, 25-6
Matza, David, 38-40, 40n, 176, I 77n c interaç<io com não-usuários,
Mead, George Herbert, 32n Ray, Marsh, 44n, 47n 75-82
ideologias desviantes, 47-9 !v!crriam, Alan P., 92n Redficld, Robert, 89, 90n níveis de, 70 - I
ilegitimidade, 25-6 regras e moraliJJ ck. 81 -7
Merton, Robert K.. 20n, 25n, 37, .17n
impositores de regras, 160- 7 Messingcr, Sheldon, 159n diferenciadas por grupo soci;d, e ideologia p~i q uiátrica, 85- 7
poJcr discricionário de~. 165-6 .\1cycrs, Henry }., 5 1n 27-30
relações com criadores d·~ regras, 1\fcyers, RR., 1J8n como produto de Velho, (.jiJlx·no, 14
165-7 empreendimento, 129 -3 1, l.t0- valon·s, 137-40
!\1'ills, C. Wright, L',Jn
indução analftica, 54 modelos seqüenciais. 3.'\-6 1, 166-8 Vinct:nt , Cl;~r k, 26n
inter mediário entre policia c
motivação, 36-7,40-2, 5 1-2, 67 como produto de processo
criminosos (fixer), 164-6 lll l iSi(OS, 89-1 28, 92n, 101n
político, 29-30, l j8-5 1 Walto n, R. P., 55 n
isolamwro, 104-10 c~rreiras,lll-2H específicas, 137-40 WamL'f, W. Llu)•d, 221l
estágios de imposição, 136-4 1 Westlt:y, \Vil! iam A. , 163, 163-4n,
panelinhas, 114 -ll
James, Kathryn, 228 va riedades de, 15-6 170n
comerciais, 9 l- 3, 101-2, 118-22
júri de instrução, 134 -6 Reiss, Albert I.. Jr., 46n, 170- 1n Winilk, Charb, 172n
cont1ito f<lmiliar, 124-8
Reit~l. Hans, 9 Wohl , R Ridtard, 228
idl'ología, 94-1 U1
Kansas City, Mi.~souri, 94 .ÍJU,9 1-3,106-9, 118-9
reserva urbana, 130-2 Wollf. Kurt 11. , 131 n
Khun, Thomas, 12 Rose, Arnold M., 28n
linguagem, I 09- I O
Kilpatrick, James Ja ckson, 33n Ross, H. Laurence, 170n Uniii o Cristã de Mulheres pela
rl·ações a confl ito profissional, Roy, Donald, 134n
Kitsuse, John, 22n, 33n
100-5, 120-3
Tc111pcrança, 153-5, 159-60
Kobrin, Solomon, 54n, 228
apadrinhamento, 114-8 Seelinger, Dorothy, 228
Kolb, Lturenct>, 53 o
sucesso, definições de, 1i2-4 Short, James F., Jr., 25n

,: ,. ,1 ,:

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