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O SILÊNCIO DA MÍSTICA SUFI

Entrevista com Vitória Peres de Oliveira A presença ou ausência das mulheres nas diversas
correntes religiosas também reflete as condições históricas e sociais relativas ao contexto no
qual essas mulheres vivem, explica a pesquisadora e professora da Universidade Federal de
Juiz de Fora Vitória Peres. Segundo ela, a mística sufi, associada a uma compreensão esotérica
do islã encontra uma participação maior feminina, principalmente na época inicial do islã,
quando havia mais espaço social para as mulheres. "Nesses primeiros tempos, pode-se
encontrar um grande número de santas e mestras, algumas que seguiam uma via mais
ascética, e outras que incorporaram também a via mística, afirma a professora. Vitoria Peres é
graduada em Letras pela Universidade Católica de Pernambuco, mestre em Antropologia
Social, pela Universidade Estadual de Campinas e doutora em Ciência IHU On-Line - Como se
sente a presença ou a ausência da mística feminina nas diversas correntes religiosas? Vitória
Peres- Como disse Moriz Winternitz39, estudioso alemão, "as mulheres têm sido sempre as
melhores amigas da religião, mas a religião normalmente não tem sido uma amiga das
mulheres". É importante não esquecer que a presença ou ausência das mulheres nas diversas
correntes religiosas também reflete as condições históricas e sociais relativas ao contexto no
qual essas mulheres viviam. Em relação, por exemplo, à mística sufi, associada a uma
compreensão esotérica do islã, pode-se encontrar uma participação maior feminina,
principalmente na época inicial do islã, quando havia mais espaço social para as mulheres.
Nestes primeiros tempos, pode-se encontrar um grande número de santas e mestras, algumas
que seguiam uma via mais ascética, e outras que incorporaram também a via mística. Uma das
maiores místicas sufis foi, com certeza, Rabi' a al-'Adawiyya, que é considerada como aquela
que trouxe o primeiro desenvolvimento ao misticismo islâmico, ao introduzir o amor
desinteressado nos ascéticos ensinamentos da época em que viveu (século VIII). Em princípio,
é possível dizer que o portão do caminho da mística sempre esteve aberto para as mulheres no
islã. Muitas atingiram graus elevados ou mesmo máximos de espiritualidade. Entretanto,
durante a sua história, o islã viveu em contextos históricos e sociais, onde uma interpretação
mais formalista da escritura sagrada dominou e, conseqüentemente, o espaço social da mulher
muçulmana ficou mais restrito e sua participação nas escolas místicas ficou menor

IHU On-Line - Como descreveria os aspectos mais característicos da mística muçulmana? O que
é o sufismo? Vitória Peres - Não é fácil definir o que seja o sufismo, pois ele é uma realidade
espiritual que engloba tanto as mais simples manifestações de piedade dentro do mundo
muçulmano como a mais alta realização espiritual. Pode-se dizer que historicamente, na forma
em que o conhecemos, o sufismo floresceu no mundo muçulmano principalmente entre os
séculos VIII e XIV como expressão da espiritualidade islâmica e caminho espiritual e continuou
a desenvolver se e expandir-se até hoje, mas nunca com o resplendor da sua época áurea.
Portanto, o sufismo, é um caminho esotérico e iniciático, ligado à tradição espiritual islâmica.
Como caminho esotérico, traduz o aspecto interior do islã e como caminho iniciático, leva o
discípulo guiado por um mestre a realizar estados de consciência interiores, que terminam na
extinção do seu próprio eu em Deus. O princípio fundamental do sufismo é o tawhid ou
unidade. Nas palavras do sheik Abu Sa'id: "O sufismo é uma palavra, mas quando chega a
perfeição só fica Deus. Isto quer dizer que, quando o sufismo alcança a perfeição, não há nada
mais que Deus e tudo o que está fora de Deus já não existe". Uma das características mais
marcantes do sufismo é entender que o caminho seguido pelo buscador não deve afastá-lo do
mundo, mas que é imerso neste mundo que ele deverá trilhá-lo. Por isso uma das máximas
sufis é "estar no mundo, sem ser do mundo". Faz parte de sua disciplina levar o buscador a se
autoconhecer e a realizar práticas internas, entre elas, a prática bastante conhecida dos zikrs,
ou seja, repetições interiores de nomes de Deus, como forma de tomar contato com sua
realidade interior mais profunda. IHU On-Line - Como se relacionam ou se opõem, nas diversas
místicas no Islã a paz e a guerra? Vitória Peres - Diria que, no caso concreto dos conflitos
religiosos vividos contemporaneamente, no mais das vezes, eles estão ligados a certas
interpretações da religião islâmica. Interpretações estas que, por exemplo, no caso do que
conhecemos como fundamentalismo ou islamismo (uso fortemente político do islã), estão,
muitas vezes, distantes de uma concepção ligada à tradição sufi e até mesmo de uma
concepção do que muitos entendem por islã.

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