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Os meninos cantores do Ghetto de Varsóvia, Arquivo Yad Vashem, Israel

ECCO EDUCATIVO. Volume 30


Exposição “Os Desenhos das Crianças de Terezín”
XVI JORNADA INTERDISCIPLINAR SOBRE O ENSINO DA HISTÓRIA DO HOLOCAUSTO
Brasília, abril/maio de 2011

Material didático para educadores


Como Ensinar e Estudar o Holocausto no Século XXI

1
ÍNDICE

SOBRE AS JORNADAS INTERDISCIPLINARES....................................................................................................................................3

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................................................................................................3

NAZISMO E ANTISSEMITISMO
TEORIAS E PRÁTICAS DA EXCLUSÃO, Profª. Drª. Maria Luiza Tucci Carneiro ..............................................................................4
1. Da reflexão à ação..............................................................................................................................................................4
2. Temas transversais: nazismo, antissemitismo e Direitos Humanos...............................................................................5

AS CRIANÇAS DE TEREZIN
Arte e criatividade em tempos de intolerância, Profª. Silvia Rosa Nossek Lerner......................................................................7
A Infância no Campo...............................................................................................................................................................8
As atividades das crianças.....................................................................................................................................................9
a) Apresentação teatral.................................................................................................................................................9
b) Os desenhos...............................................................................................................................................................9
c) Poesias........................................................................................................................................................................10
d) As publicações...........................................................................................................................................................10
e) Música........................................................................................................................................................................11

LEITORES DE DRAMAS E MEMÓRIAS


RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA, Profª. Silvana Feitosa....................................................................................................................13
1. Justificativa..........................................................................................................................................................................13
2. Objetivos..............................................................................................................................................................................14
3. Metodologia.........................................................................................................................................................................14
4. Materiais utilizados para a realização da atividade em sala de aula.............................................................................16
5. Avaliação das atividades realizadas..................................................................................................................................16

Desafios do ensino da História do Holocausto (Shoah)


Da “Questão Judaica” à Solução Final, Prof. Dr. Marcelo Vieira Walsh................................................................................17
1. O papel do educador na construção da Memória do Holocausto (Shoah).....................................................................17
2. Educação em prol da promoção da Cultura de Paz, dos Direitos Humanos,
Coexistência e Diálogo............................................................................................................................................................18
3. Holocausto (Shoah): como foi possível acontecer?..........................................................................................................19
4. O Terceiro Reich e o Antissemitismo:................................................................................................................................20
5. A Segunda Guerra Mundial e a “Solução Final” na Conferência de Wannsee (1942)..................................................21

LEITURAS COMPLEMENTARES.............................................................................................................................................................24

AS LEIS DE NUREMBERG
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EXCLUSÃO DE MINORIAS, Prof. Tulio Chaves Novaes...................................................................24
1. PROPOSTA PEDAGÓGICA: Uma abordagem histórica sobre o processo de construção
dos direitos humanos na modernidade.................................................................................................................................24
2. Noções Teóricas Sobre Direitos Humanos Fundamentais . ............................................................................................25
3. As Leis de Nuremberg........................................................................................................................................................26
4. Premissas Discriminatórias de Nuremberg......................................................................................................................27
5. A Efetivação Obrigatória dos Direitos Humanos Fundamentais......................................................................................29
6. Ações Afirmativas e Oportunidades Sociais......................................................................................................................29
7. Considerações finais sobre o tema....................................................................................................................................30

SOLIDARIEDADE EM TEMPOS SOMBRIOS


“JUSTOS ENTRE AS NAÇÕES” e “SALVADORES DE JUDEUS” Profª. Drª. Helena Lewin................................................................30

EXERCÍCIOS.............................................................................................................................................................................................35

GLOSSÁRIO.............................................................................................................................................................................................43

FICHA TÉCNICA.......................................................................................................................................................................................44

2
SOBRE AS JORNADAS INTERDISCIPLINARES

Acreditamos que através da história, do teatro, da dança, da música, do cinema, das artes, da literatura e, inclusive, das ciências
exatas e biológicas, poderemos promover a CULTURA DE PAZ e contribuir para o desenvolvimento de uma consciência universal de
respeito aos povos ou nações, salvaguardando as suas identidades.
As Jornadas Interdisciplinares vêm sendo desenvolvidas desde 2002 pela B’nai B’rith do Brasil em parceria com o LEER/USP
– Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação , da Universidade de São Paulo, como segmento de um projeto
maior intitulado Educando para a Cidadania e a Democracia.
A B’nai B’rith – Filhos da Aliança, em hebraico, é uma entidade Judaica, presente em 54 paises e ativa no Brasil desde 1932.
É membro permanente da Organização das Nações Unidas, como ONG e atua em inúmeros serviços sociais, contra o racismo, o
antissemitismo e a discriminação, através de ações humanitárias e políticas, em favor do reconhecimento do valor da Declaração
Universal dos Direitos humanos.
O LEER tem sede no Departamento de História da FFLCH/USP sendo coordenado pela Profa. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro.
Vários projetos são ali desenvolvidos reunindo pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento e alunos bolsistas, que têm
participado e colaborado nos programas dedicados a promoção de valores democráticos e de cidadania. Sempre que possível, e
assim tem acontecido, procuramos desenvolver as Jornadas em parceria com as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação.
Através deste intensivo programa de Jornadas Interdisciplinares visamos à capacitação dos educadores procurando minimizar
as deficiências de formação e de material paradidático nas escolas que, nem sempre dispõem de condições para atualizar suas
propostas pedagógicas. A atual realidade brasileira exige a revisão e a implementação do respeito aos valores e direitos humanos em
prol da vida, da justiça social e da dignidade promovendo a CULTURA DE PAZ e da TOLERÂNCIA.
Compreendemos que através da produção de atividades pedagógicas - que têm como motivo tema–matriz, a Shoah (Holocausto),
além de outros genocídios e formas de intolerância no mundo contemporâneo – poderemos alertar as futuras gerações para os
perigos das políticas racistas empreendidas por um Estado totalitário e, até mesmo, por uma sociedade desinformada, em vias de
democratização.
Profª. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro e
Dr. Abraham Goldstein
Coordenação Geral

SOBRE AS I JORNADA DE BRASÍLIA

Prezados professores,

O material didático preparado para este XXX Encontro Técnico organizado pelo Espaço Cultural Contemporâneo - ECCO é todo em
torno do tema “Como Ensinar e Estudar o Holocausto no Século XXI”. O evento é fruto de uma parceria realizada com a USP, a UNB e a
Secretaria de Educação do GDF e constitui-se na XVI JORNADA INTERDISCIPLINAR SOBRE O ENSINO DA HISTÓRIA DO HOLOCAUSTO”.
Paralelamente ocorrem 2 (duas) exposições sobre o tema, quais sejam: (i) “Os Desenhos das Crianças de Terezín“, em co-
realização com as Embaixadas de Israel e da República Tcheca, composta de desenhos feitos por milhares de crianças com idades
entre 10 a 15 anos, que converteram-se em verdadeiro testemunho da experiência por elas vividas sob o rigor do cruel domínio nazista
e (ii) “Variações Grünewald“, obra contemporânea em vídeo-arte e fotografia, do artista belga Geert Vermeire, em memória a um dos
locais simbólicos do Holocausto, por meio de imagens e poesia.
O vasto conteúdo teórico aqui reunido contém textos de grandes especialistas e poderá contribuir para complementar formação
de educadores. A meta é reforçar a importância do ensino do tema do genocídio, fenômeno singular na história da Humanidade, para
promover valores fundamentais como convivência, diversidade cultural e direitos humanos, bem como para reforçar a cultural da paz
e da tolerância.
Esperamos que o material, cujo teor é diretamente relacionado aos Parâmetros Curriculares Nacinais - PCN’s, sirva de subsídio
para desenvolvimento de trabalhos em sala de aula, com exercícios interdisciplinares que incentivam aprendizagem por meio da arte,
bem como colaborem para implementação do Concurso de Redação sobre o tema que é lançado com mo evento.
Com este tipo de iniciativa, o ECCO reforça, ainda mais, o cumprimento de sua missão de formar público, educar com arte e gerar
inclusão social, para formar cidadãos mais conscientes, colaborando de forma concreta para formação de uma sociedade melhor e
mais justa.
Dra. Karla Osorio Netto
Coordenadora Regional
Curadoria do ECCO

1
O LEER tem sede no Departamento de História da FFLCH/USP sendo coordenado pela Profª. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro. Vários projetos são ali desenvolvidos reunindo
pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento e alunos bolsistas que têm participado e colaborado nos programas dedicados a promoção de valores democráticos e
de cidadania.

3
NAZISMO E ANTISSEMITISMO cultura da indiferença ou com o silêncio proposital da História.
TEORIAS E PRÁTICAS DA EXCLUSÃO E, com relação ao Holocausto, vivemos momentos críticos da
ideia de verdade histórica esfoliada por discursos negacionistas
Maria Luiza Tucci Carneiro2 sustentados por intelectuais e ativistas comprometidos com a
reedição da demagogia totalitária5. Muitos, aproveitam-se da
1. Da reflexão à ação vulnerabilidade sociocultural dos cidadãos -- que nem sempre
têm conhecimento do nosso passado histórico – para impôr
A julgar pelo número de pessoas que hoje negam versões maniqueístas, deturpadas por matrizes ideológicas
o Holocausto ou que usam erroneamente o conceito de comprometidas com avaliações simplistas. Enfim, as velhas
genocídio aplicando-o de forma deturpada à casos que não intolerâncias, como muito bem ressaltou Elie Wiesel, “ainda
condizem com a realidade histórica, podemos afirmar que o estão presentes, como se sabe: as xenofobias, o medo ao
antissemitismo e o negacionismo encontram-se na ordem do estrangeiro, o ódio ao que não é como nós, o ódio racial,
dia. Apesar dos movimentos sociais comprometidos com a luta religioso, cultural, a exclusão. O ódio tem muitos nomes, mas
contra a negação do Holocausto3 e o combate a intolerância, nunca muda”.6
multiplicam-se pelo mundo -- incluindo aqui o Brasil -- os Aqueles que endossam o revisionismo histórico que nega
grupos neonazistas, os sites de exaltação ao nazismo, os atos o Holocausto, assim como outros genocídios e massacres --
de xenofobia e intolerância religiosa, racial ou étnica. relembro aqui o genocídio armênio e o massacre de Ruanda
As cartas abertas aos leitores para comentários junto aos - além de estarem endossando os crimes cometidos pelo
grandes jornais brasileiros (impressos ou nos seus formatos Estado contra os cidadãos, estão também reforçando o ódio
virtuais) devem ser interpretadas como um termômetro e as práticas de aniquilamento de um povo ou grupo. Na
expressivo do grau de ignorância e da força dos mitos que qualidade de educadores e profissionais identificados como
continuam a instigar o ódio e a violência contra as minorias. “formadores de opinião” devemos ter em mente que certos
Valendo-se de uma linguagem reducionista, estes “leitores” valores são inegociáveis: negar o Holocausto é crime, assim
defendem os feitos de criminosos nazistas minimizando a como é crime admitir a apologia da crueldade e o ódio ao Outro.
barbárie cometida em nome de uma ideologia. Ignoram, sem Para combater a intolerância precisamos ampliar os círculos
escrúpulos, ao plano de extermínio arquitetado pelo Terceiro de responsabilidades, pois cabe ao público e o privado gerar
Reich que, entre 1933-1945, culminou com a morte de 6 políticas comprometidas com o respeito aos Direitos Humanos.
milhões de judeus e outros tantos milhares de ciganos e É com este objetivo – de incentivar o estabelecimento definitivo
dissidentes políticos. de sistemas educacionais que ensinem a não odiar – que
O racismo teórico pregado por Hitler em Mein Kampf, proponho o ensino da História e a preservação da memória do
infelizmente sobrevive movido por impulsos irracionais e/ Holocausto sob uma visão multidisciplinar. As universidades,
ou acobertado por interesses políticos. Não devemos ser assim como as escolas de ensino médio e fundamental, devem
coniventes com a ideia de que, pelo fato de vivermos em uma incentivar pesquisas e debates sobre este tema que extrapola
democracia, temos “o direito ao erro” ainda que cada um os estudos sobre a Segunda Guerra Mundial.
“tenha o direito de viver segundo suas convicções”, retomando A realidade tem demonstrado que para combater
aqui o pensamento de Paulo Ricceur sobre a intolerância.4 a intolerância precisamos ampliar os círculos de
Liberdade de expressão não deve ser confundida com a responsabilidades para além do Estado. Não podemos nos

2
Historiadora, Professora Doutora e Livre Docente do Departamento de História (FFLCH/USP), coordenadora do LEER- Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e
Discriminação, onde desenvolve o projeto Arqshoah- Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo. Autora dos livros: O Anti-semitismo na Era Vargas (3ed. Perspectiva);
O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Anti-semitismo no Brasil (Perspectiva); Holocausto, Crime contra a Humanidade (Ática), dentre outros.
3
Na primeira semana de agosto de 2010 foi firmado em Israel um compromisso de 87 países para lutar contra a negação do Holocausto e do antissemitismo no mundo.
Uniram-se duas grandes entidades: a “Força de tarefas Internacional para a Memória do Holocausto (ITF) e o Bureau de Instituições Democráticas e Direitos Humanos
(ODIHR), segmento executivo da Organização para a Segurança e Colaboração Mutua na Europa.” A ITF, que conta com 27 países membros, promove a memória do
Holocausto através da educação, investigação e monumentos recordatórios, enquanto que a ODIHR, da qual são membros 57 países, ocupa-se de programas educativos e
monitoração de manifestações de xenofobia e, em especial, de antissemitismo.
4
RICCEUR, Paul, “Etapa atual do pensamento sobre a intolerância”, em A Intolerância. Direção de Françoise Barret- Ducrocq. Foro Internacional sobre a Intolerância.
Unesco, 27 de março de 1997. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000, p. 21.
5
Importante a leitura de VIDAL- NAQUET, Pierre. Os Assassinos da Memória: ‘Um Eichmann de papel” e outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas, Papirus, 1988;
FERRO, Marc. Os Tabus da História. A face oculta dos acontecimentos que mudaram o mundo. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.
6
WISSEL, Elie, “Debate entre Elie Wisel, Yehudi Menuhin e Jorge Semprun, conduzida pelo jornalista Guilhaume Durant”, em A Intolerância, op. cit., p. 209.

Velhos judeus deportados, Museu Lasar Segall, SP. Coral de crianças em Terezín, Yad Vashem, Israel

4
esquecer que “há uma moral universal do gênero humano e Curriculares: “formar cidadãos capazes de atuar com
que essa moral deve ser ativamente defendida”7, independente competência e dignidade na sociedade atual; eleger, como
de qualquer religião, etnia ou grupo político. E esta moral -- que objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância
implica num conjunto de leis universais que são os direitos com as questões sociais que marcam cada momento histórico,
do homem – deve integrar o contrato democrático ou seja, cuja aprendizagem e assimilação são consideradas essenciais
o contrato dos cidadãos comprometidos com o respeito ao para que os alunos possam exercer seus direitos e deveres”.
Outro. Enfim, não podemos jamais perder a capacidade de nos Cabe ao professor criar situações que deixem os
indignarmos diante do ódio e dos sofrimentos que o homem alunos intrigados incentivando-os a fazer pesquisas,
inflige ao homem. Mas como passar da reflexão à ação ? indagar, valorizando o resgate da memória histórica e o
Ensinando, educando para a democracia e a cidadania, pois o debate de idéias. O desafio da escola está em reconhecer
tolerância assim como o racismo não nascem com o homem: a diversidade etnocultural procurando superar qualquer tipo
são uma conquista para o bem ou para o mal. de discriminação. Dependendo do conteúdo selecionado por
cada disciplina, o professor poderá orientar o aluno a fazer
2. Temas transversais: nazismo, entrevistas com sobreviventes do Holocausto, pesquisar
antissemitismo e Direitos Humanos documentos e fotografias, selecionar matérias de jornais
noticiando os fatos e, até mesmo, incentivá-lo a produzir
Os estudos sistemáticos sobre genocídio, nazismo e um texto ou uma exposição iconográfica, produtos a serem
antissemitismo nos oferecem amplas oportunidades para apresentados em um seminário.
refletirmos sobre o caráter inato da intolerância. Daí a história O essencial é que os educadores tenham consciência da
do Holocausto, enquanto genocídio singular na História da importância desses conteúdos garantindo-lhes um tratamento
Humanidade, ser um tema instigante para avaliarmos os apropriado. A escola e a sociedade devem ser vistas como
limites da barbárie. Se avaliado sob múltiplos aspectos, o espaços vivos onde a cidadania pode ser exercida e aprendida.
Holocausto pode alertar sobre as conseqüências catastróficas A própria realidade em que vivemos pode se prestar como
dos regimes totalitários e autoritários, assim como o perigo ponto de partida para a abertura do debate: as paisagens
das idéias racistas. urbanas (com grafites e pichações preconceituosas), os grupos
Tanto o debate sobre nazismo como o Holocausto passam, de jovens (punks, darks, heavy metals, rappers, funkeiros),
necessariamente, pela compreensão dos Direitos Humanos, as comunidades religiosas (judaica, católica, Testemunhas
possibilitando-nos refletir sobre a responsabilidade do Estado de Jeová, muçulmana e pequenas seitas), os grupos raciais
pela preservação da vida do cidadão. Através de uma análise distintos (negros, indígenas, brancos, amarelos), etc.
crítica das teorias e práticas da exclusão implementadas A elaboração de um projeto pedagógico multidisciplinar
pelo Terceiro Reich a partir de 1933 (e que culminaram com poderá envolver várias disciplinas de um programa escolar,
o extermínio de milhões de judeus e não judeus) podemos com ênfase nos temas transversais e suas possibilidades
desenvolver atitudes que favoreçam a convivência democrática de reflexões para um mundo mais tolerante. A seguir
e a construção da cidadania.8 apresentamos algumas possibilidades de cruzamentos
Com este intuito elaboramos os programas das jornadas temáticos que poderão integrar um projeto temático sobre
interdisciplinares sobre o ensino da história do Holocausto o Holocausto, enquanto crime contra a Humanidade9,
realizadas, nestes últimos anos, em São Paulo, Rio de Janeiro, envolvendo um conjunto de disciplinas:
Curitiba e Porto Alegre. Para este ano de 2010, por parte da História Contemporânea: que certamente colocará em
coordenação de São Paulo, optamos por trabalhar os temas discussão fatos sobre a República de Weimar, Primeira
da repressão e da resistência, referências importantes para a Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, o Nazismo e Segunda
reconstrução de um passado que nem todos querem lembrar. Guerra Mundial, direitos humanos, imigração, matrizes
Imagens de morte em massa, fome e degradação humana em ideológicas, compromissos e atitudes dos cidadãos, grupos
todos os níveis se prestam para avaliarmos as consequências e povos na construção e na reconstrução das sociedades,
do nazismo para humanidade. Por outro lado, os atos de o conceito de Estado Totalitário e Democrático, o papel dos
salvamento, as ações de solidariedade, a luta pela preservação líderes na História, o antissemitismo como um fenômeno
do judaísmo e da cultura judaíca, são exemplos expressivos de político, a Partilha da Palestina, a formação do Estado de Israel
resistência enquanto forma de luta para preservar a dignidade e os atuais conflitos no Oriente Médio.
humana. História Medieval e Moderna: a Inquisição Ibérica e a
Múltiplas são as possibilidades pedagógicas, através da perseguição aos cristãos-novos; símbolos e indumentária
história do nazismo e do Holocausto. Através do estudo dos usada para discriminar os judeus e cristãos-novos; os autos-
fatos e do debate sobre o uso dos conhecimentos científicos e de-fé enquanto formas de “purificação” da sociedade Ibérica;
do abuso de poder, o papel dos líderes e dos intelectuais nos legislação discriminatória contra os judeus na Espanha e
regimes totalitário e democrático, o professor poderá orientar Portugal, estratégias de exclusão dos judeus obrigados a
o jovem aluno a posicionar-se de forma crítica, responsável e residir em guetos; o mito ariano sacramentado através dos
construtiva em diferentes situações sociais. Aliás, este é um estatutos de pureza de sangue.
dos objetivos da escola, seguindo as propostas dos Parâmetros Língua Portuguesa: o poder de persuasão da palavra

7
Retomo aqui as conclusões de Philippe Douste-Blazy, no cap. 3 “A ação dos políticos”, em A Intolerância, p. 235.
8
Sobre este tema ver GILBERT, Martin. Holocausto. História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial. Tradução Samuel Feldberg e Nancy Rosenchan. São Paulo,
Hucitec, 2010; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Holocausto, Crime contra a Humanidade. São Paulo, Ática, 2007; BANKIER, David. El Holocausto. Jerusalém, Editorial Magnes;
Universidad Hebrea; Yad Vashem, 1986; SELIGMANN-SILVA, Márcio. 2005. O local da diferença. Ensaios sobre Memória, Arte, Literatura e Tradução, S.Paulo, Editora 34,
2005, pp. 63-80; SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). 2003. História, Memória, Literatura. O Testemunho na Era das Catástrofes, Campinas, Editora da UNICAMP, 2003.
9
Estas propostas foram por mim abordadas nos livros de minha autoria: Holocausto Crime contra a Humanidade. São Paulo, Ática, 2000; O Veneno da Serpente. Reflexões
sobre o Antissemitismo no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2003.

5
escrita e oral (discursos antissemitas); literatura sobre o de concentração de Terezin, composição plástica das cenas
Holocausto, os livros e discursos antissemitas, diários de (a linguagem cinematográfica), o emprego de signos (efeitos
memórias, crítica do discurso antissemita analisando os valores ideológicos). Nesta categoria se encaixam os documentários:
e personagens; o papel dos livros de infantis entre as crianças O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935) e os filmes
alemãs com suas histórias sobre os judeus e os arianos (ver Vitória da Fé (Sieg des Glaubens, 1933), Dia da Liberdade:
livros de Karl May, autor popular na Alemanha nazista); as Nosso Exército (Tag der Freiheit: Unsere Wehrmacht, 1935) e
leituras de Adolf Hitler (livros infantis, as várias edições dos Olympia (1938), produzidos pela cineasta Leni Riefenstahl.
Os Protocolos dos Sábios de Sião, obras antissemitas do Fotografia: a fotografia enquanto veículo de propagação
compositor Richard Wagner, de Arthur de Gobineau, e outros do ideário nazista; o III Reich fotografado por Heinrich
teóricos racistas do século XIX). Hoffmann (o fotógrafo oficial de Adolfo Hitler e membro da
Língua Estrangeira (alemão): estudo das expressões Comissão de Exploração da Arte Degenerada) ou as fotografias
totalitárias (Heil Hitler!) e antissemitas (judenrein = limpa de do “gueto” de Varsóvia enviadas pelo diplomara brasileiro Jorge
judeus). Latour para o Itamaraty, em 1936. Importante discutir o uso
Ciência Naturais/Biologia: ciência médica a serviço do que as fotografias podem ter se empregadas na construção da
nazismo, conceito de raça e minorias nacionais, o papel social imagem do grande salvador (no caso Hitler) ou para identificar
dos médicos e cientistas (os chamados “guerreiros biológicos”), o inimigo - objetivo, no caso os judeus classificados como
os programas de eutanásia, o conceito de “sujeira biológica” “raça inferior” pelo Estado nazista, conceito endossado pelo
e de “limpeza racial”; Albert Einstein contra o nazismo, a governo brasileiro conforme documentação diplomática sob a
moderna tecnologia a serviço da prática do extermínio. guarda do Arquivo Histórico do Itamaraty (consultar o site www.
Geografia Física, Urbana e Humana: conceito de espaço aqrshoah.com.br).
vital, militarismo e delimitação de fronteiras, cartografia da Artes Plásticas: o papel da arte enquanto instrumento
Europa antes da ascensão de Hitler, durante e no após-guerra, de protesto e de crítica social, o conceito de arte/raça pura e
índices populacionais, mapeamento dos guetos, campos de degenerada; os “artistas frustrados do III Reich, como Joseph
concentração e pontos de massacre, a imigração forçada Goebbels e Adolf Hitler; escultura e símbolos nazistas (águia,
dos judeus/apátridas que, a partir de 1933, alterou o mapa caveira), as caricaturas antissemitas. No caso dos artistas
populacional da Europa e de vários países das Américas, as judeus considerados pelo regime nazista como “produtores
trilhas do avanço nazista (para o Leste) e as rotas de fuga de arte degenerada” pode-se analisar o caso do pintor Lasar
dos refugiados judeus (Oeste), o conceito de países satélites Segall, radicado no Brasil, que teve várias de suas obras
na época da Segunda Guerra Mundial (Eslováquia, Hungria, confiscadas pelos nazistas. Uma visita ao Museu Lasar Segall,
Romênia, etc). em São Paulo, é uma oportunidade impar para o conhecimento
Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie da produção artística desse pintor que, entre 1937 e 1946,
nos campos de concentração/extermínio. A manipulação dos retratou a guerra, a morte nos campos de concentração, os
números e dos dados estatísticos pelas autoridades do III pogrons, os refugiados e os sobreviventes dos campos de
Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra concentração. Este conjunto de imagens pode ser também
os judeus, ciganos, comunistas, etc. consultado no livro Judeus e Judaísmo na Obra de Lasar
Geometria: o poder simbólico das formas (suástica, estrela Segall.10
de David, triângulo, cone, círculo) e das cores (identificação Arquitetura: analisar a projeção do ideário do Estado
das minorias: homossexuais, judeus, testemunhas de Jeová, alemão através da estética nazista, da arte e da arquitetura.
ciganos, etc). Em alguns casos é possível interpretar o nazismo enquanto
Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie “empreitada para embelezar o mundo” ou a arquitetura à
nos campos de concentração/extermínio. A manipulação dos serviço do totalitarismo, da exclusão e das minorias éticas
números e dos dados estatísticos pelas autoridades do III consideradas como ‘indesejadas”. Importante analisar o
Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra espaço e a construção dos campos de concentração, dos
os judeus, ciganos, comunistas, etc. guetos e as condições deterioração da vida humana marcadas
Estética: o nazismo como uma empreitada para pela proliferação da fome, das doenças, da desintegração do
“embelezar”o mundo, livrando-se de tudo que era considerado “eu” e da morte planejada pelo Estado nazista.
“impuro”, “imperfeito”, “repugnante”; os diferentes caminhos Música: o jazz segundo o nazismo (enquanto música
da estética; os padrões de beleza física adotados pelo III Reich degenerada), os músicos judeus do campo de Terezin e os
(o culto ao classicismo, o papel de Speer (o arquiteto oficial do pequenos violinistas do gueto de Varsóvia, a música de Richard
Reich) que projetou a “nova Berlim” segundo o estilo idealizado Wagner à serviço do Terceiro Reich.
pelo regime (o neoclassicismo monumental).
Os meios de comunicação e a propaganda política: o BIBLIOGRAFIA
poder da máquina de propaganda do III Reich na formação de
uma mentalidade racista; a mensagem dos posters políticos BANKIER, David (org.). El Holocausto. Jerusalém, Editorial
e antissemitas; os jornais antissemitas enquanto formadores Magnes; Universidad Hebrea; Yad Vashem, 1986.
de opinião; o papel do rádio na transmissão de valores, a CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Anti-semitismo na Era Vargas.
força dos gestos (saudações, gritos e aclamações) e símbolos 3ed. São Paulo, Perspectiv, 2001.
enquanto expressão da mística nazista. __________ O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Anti-
Cinema: o cinema enquanto veículo da ideologia nazista semitismo no Brasil (Perspectiva), 2003.
e registro da memória, a realidade forjada e filmada no campo __________ Holocausto, Crime contra a Humanidade. São Paulo,

10
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; LAFER, Celso. Judeus e Judaísmo na obra de Lasar Segall. São Paulo, Ateliê Editorial, 200

6
Ática, 2007
AS CRIANÇAS DE TEREZIN
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; LAFER, Celso. Judeus e Judaísmo
arte e criatividade em tempos de intolerância
na obra de Lasar Segall. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004.
CYTRYNOWICZ, Roney. Memória da Barbárie. A História do
Silvia Rosa Nossek Lerner11
Genocídio dos Judeus na Segunda guerra Mundial. São Paulo, Nova
Stella; Edusp, 1990.
Na cidade de Terezín, a 60 quilômetros da capital da en-
FERRO, Marc. Os Tabus da História. A Face Oculta dos
tão Tchecoslováquia, Praga, foi criado um gueto judaico em 10
Acontecimentos que Mudaram o Mundo. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.
outubro de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. O campo
GILBERT, Martin. Holocausto. História dos Judeus da Europa
de Theresienstadt, assim como os nazistas passaram a chamá-
na Segunda Guerra Mundial. Tradução Samuel Feldberg e Nancy
lo, era considerado o mais famoso ”campo cultural”. Para de-
Rosenchan. São Paulo, Hucitec, 2010.
zenas de milhares de prisioneiros tratava-se de um campo de
GOLDHAGEN, Daniel Johah. Os Carrascos Voluntários de Hitler. O
passagem para as câmaras de gás de Auschwitz. Para o regime
Povo Alemão e o Holocausto. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
nazista, era um “campo-modelo” para mostrar ao mundo as
MILGRAM, Avraham. Portugal, Salazar e os Judeus. Trad. Lúcia
condições dos guetos e campos de concentração sob domínio
Liba Mucznik. Lisboa, Gradiva, 2010
nazista, e convencê – lo de que esses campos nada mais eram
RICCEUR, Paul, “Etapa atual do pensamento sobre a
do que áreas de estabelecimento. Adolf Eichmann junto com
intolerância”, em A Intolerância. Direção de Françoise Barret- Ducrocq.
Joseph Goebbels escolheram Theresienstadt como local para o
Foro Internacional sobre a Intolerância. Unesco, 27 de março de 1997.
campo de trânsito dos judeus do Protetorado e como moradia
Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.
para os heróis (judeus) da Primeira Guerra pela Alemanha
SELIGMANN-SILVA, Márcio. 2005. O Local da Diferença. Ensaios
Em 1944, este campo foi usado para fazer um filme de
sobre Memória, Arte, Literatura e Tradução, S.Paulo, Editora 34, 2005.
propaganda chamado “O Führer dá uma cidade para os ju-
SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). 2003. História, Memória,
deus” e para provar à Cruz Vermelha que os judeus eram bem
Literatura. O Testemunho na Era das Catástrofes, Campinas, Editora
tratados, pois esta havia recebido denuncia com informações
da UNICAMP, 2003.
do que realmente acontecia nos campos de concentração.
VIDAL- NAQUET, Pierre. Os Assassinos da Memória: ‘Um Eichmann
Na expectativa da visita-inspeção da Cruz Vermelha e
de papel” e outros Ensaios sobre o Revisionismo. Campinas, Papirus,
preparando-se o cenário para o filme-propaganda, grandes
1988.
transformações foram introduzidas no campo, como: jardinei-
WISSEL, Elie, “Debate entre Elie Wisel, Yehudi Menuhin e
ras e balanços de crianças,um jardim de infância para funcio-
Jorge Semprun, conduzida pelo jornalista Guilhaume Durant”, em A
nar como escola, um coreto para música, calçadas lavadas,
Intolerância. Direção de Françoise Barret- Ducrocq. Foro Internacional
casas pintadas, os barracões Sudeten e Madgeburg foram
sobre a Intolerância. Unesco, 27 de março de 1997. Rio de Janeiro,
transformados em salões de concerto e um novo pavilhão foi
Bertrand Brasil, 2000.
construído. Muitos internos na qualidade de figurantes ganha-
ram roupa nova e foram instruídos sobre como se comportar e
os riscos de desobediência.
Após a visita da Cruz Vermelha, no relatório apresenta-
do pelos visitantes constava “que o pessoal de ensino parece
“extremamente qualificado” e o jardim da infância adequado
e moderno. A escola parece bem equipada, embora um cartaz
assinalasse que as crianças “estavam em férias”.” Ainda se ob-
servou que havia uma cozinha especializada preparando o ali-
mento dos pequeninos. O depoimento registrado do médico da
Cruz Vermelha, Dr. Maurice Rossel, confessava para a humani-
dade o engano em que incorrera: não observara nenhum ríctus
nos rostos, não encontrara no seu bolso sequer um bilhetinho
enfiado às pressas, os internos nada fizeram que despertasse
suspeita.
A verdade é que Theresienstadt, cidade artificial criada
para propaganda, foi um aparelho de extermínio, fosse ela ha-
bitada por artistas, sábios, rabinos, velhos soldados ou crian-
ças.
Foram criadas oficinas de produção artística, onde os
internos exerciam seu próprio metier, fazendo projetos, de-
senhos técnicos, gráficos para firmas alemãs. Alegravam com
pinturas os espaços superlotados dos dormitórios. Mas re-
presentavam o mundo que viam e escondiam suas melhores
Pôster ‘Dia do Boicote’, Yad Vashem, Israel obras nos grandes portfólios da biblioteca ou nos desvãos dos

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Iniciou em agosto/2009 o Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida - Campus Tijuca / RJ. Possui graduação em
Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1973), graduação em Licenciatura em Pedagogia pelo Instituto Isabel Centro de Ciências Humanas de Sociais (1979)
e graduação em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1976). Atualmente, é professora da Sociedade Israelita de Ensino e Cultura Colégio A Liessin e
professora do Colégio Talmud Torah Hertzlia, atuando principalmente nos seguintes temas: judeus - cultura, judeus - identidade, judaísmo, democracia e cidadania.

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sótãos. O atelier de desenho era dirigido por um artista extraor- braçais e as crianças receberiam porções suplementares. Aos
dinário, Bedrich Fritta, gráfico e caricaturista em Praga, interno velhos eram dadas quantidades menores e assim rondavam as
em 1941. Seu nome verdadeiro era Fritz Taussig. Seu discípulo latas de lixo em busca de comida.
e amigo Leo Haas, que sobreviveu, nos deixou um retrato de As crianças, contudo, assistiam também às cenas de de-
Fritta e outro do seu filho Thomas, divulgando sua obra. portação dos próprios pais, viam mortos nas ruas, roubavam
Bedrich expressou sua cólera em duzentos desenhos que alimentos e carvão para se aquecer e presenciavam cenas que
enterrou no solo dentro de um cofre de ferro. As obras desse nenhum ser humano deveria presenciar, ainda mais uma crian-
artista causam consternação e dor porque narram a verdade ça. Os aspectos mais cruéis do gueto não lhes foram poupa-
que os nazistas escondiam: filas de deportados fustigados dos.
pelas chuvas, pelo frio, pela neve, crianças com olhos que As pinturas, desenhos e poemas são a melhor forma de
nos enviam mensagens aflitivas, músicos que tocam no Café- conhecer como as crianças se sentiam em Theresienstadt,
concerto com rostos sem expressão, como que aguardando onde expressavam seus sentimentos. Essas representações
a morte. nos contam sobre sua vida diária no gueto, sobre seus pen-
O vôo desses artistas se interrompeu em 1944 com a pri- samentos, medos, sonhos e esperanças, sobre os transportes
são de cinco membros do atelier. Interrogados em presença de que saiam do gueto, e sobre a partida de familiares e amigos.
Adolf Eichmann foram aprisionados na Pequena Fortaleza com Havia também jornais, histórias contadas, bem como sua par-
suas famílias. Acusação: fazer propaganda mentirosa (Greuel- ticipação em atividades culturais dos adultos.
propaganda) para prejudicar a imagem do gueto. Um deles Otto As crianças de Terezín eram crianças como o são em qual-
Ungar teve sua mão destruída para que não pudesse mais pin- quer lugar, mas por causa da fome, morte, doenças e trans-
tar, morrendo alguns meses depois. Os outros foram deporta- portes, elas cresceram mais rápido tornando-se pequenos
dos para Auschwitz onde Bedrich Fritta morreu. Leo Haas, que adultos. Por isso encontramos em seus desenhos, pinturas e
sobreviveu, adotou o filho de Bedrich, Thomas e anos depois, poemas, sentimentos profundos desproporcionais à sua idade.
testemunhou sobre a vida das crianças em Terezin. Para essas crianças, a administração judaica deu-lhes ativida-
des educacionais e esportivas, oferecendo-lhes um barracão
A Infância no Campo para viverem entre elas. Havia um barracão para crianças a
partir de 10 anos e havia o L318 para crianças até 10 anos,
Aproximadamente 15 mil crianças viveram em There- onde viviam cerca de 100 crianças.
sienstadt; algumas chegaram com suas famílias, outras sós. Em comparação com os barracões em que os adultos vi-
Aos poucos foram sendo tiradas das casernas superlotadas e viam, estreitos e super populosos, isto dava uma certa tran-
sendo alojadas em blocos de moradia, separadas conforme a quilidade para as crianças. Algumas dessas crianças vieram de
idade e o idioma que falavam. orfanatos judaicos de Praga, outras possuíam seus pais no
A administração judaica (Judenrat), que se encarregava gueto (mas não podiam viver junto com eles), e seus pais só
do policiamento, economia, abastecimento, saúde, trabalho, podiam vê-las algumas tardes na semana, previamente com-
lazer , pelos quarteirões e dormitórios, muito se preocupa- binado. Os instrutores faziam o máximo para transmitir tanto
va com o grande contingente infantil que ali chegava. Desde conhecimento quanto possível, ensinando-lhes também a viver
logo, esse grupo foi rodeado por mestres devotados. Muitos juntos, em comunidade e encorajando-os para atividades cul-
deles, militantes comunistas ou sionistas, acreditavam numa turais e esportivas.
sociedade fraternal a ser construída no futuro. Com o passar Pinturas e desenhos se tornaram bastante popular entre
dos meses, a administração judaica conseguiu autorização da as crianças de todas as idades e era permitido pelos nazistas.
Gestapo para oficializar a realização de atividades musicais du- Mas o material para desenhar não era abundante, por isso en-
rante as horas de folga. O alto comando liberou os trabalhos de contramos esse tipo de atividade feito em diferentes tipos de
recuperação de um velho piano, encontrado em um depósito e papel, colagens com papel usado e antigo, encontrados nas
aprovou a realização de concertos. Esses concertos serviram oficinas.
de matéria prima para ilustrar o fraudulento filme de propagan- Egon Redlich, responsável pela organização infantil de Te-
da do Gueto Paraíso. Os nazistas diziam: “Deixem que eles se rezín, tinha seu braço direito no alemão Freddy Hirsch, jovem
divirtam um pouco. Quando os campos de extermínio estiverem esportivo e muito ligado aos alunos. Freddy acompanhou as
concluídos, os judeus deixarão de existir.” crianças quando foram enviadas para Auchwitz- Birkenau, onde
Os SS requeriam o trabalho das crianças maiores de 14 no Bloco das Crianças continuou sua obra de educação com
anos na produção de guerra e só permitiam o ensino do traba- esforços heróicos. Este jovem imaginativo inventou histórias, jo-
lho manual. O ensino da história, ciências, línguas e literatura gos e canções para entretê-los e criou uma ilha de humanidade
era clandestino; dele se ocupavam pedagogos conceituados e de esperança dentro do sinistro espaço de Birkenau. Quando
da Europa. À noite, nos saraus, as crianças assistiam à leitura em 1944 os meninos foram conduzidos à câmara de gás, ele
de poesias e histórias, a corais, teatro de marionetes, e até se suicidou. Para o administrador Redlich, que participara da
a óperas escritas para elas, além das canções compostas no seleção dos que iriam partir para o leste, chegou a vez de partir
campo. As crianças recebiam visitas de filósofos, cientistas, também e foi no último comboio para Auschwitz, com sua espo-
escritores e do humorista tcheco Karel Polácek com quem sa Grete e o bebê de seis meses, de onde não voltaram mais.
conversavam. No outono de 1944 os trens para Auschwitz levaram a
Com o tempo percebeu-se que a ração alimentar média maioria das crianças do gueto.
diária era insuficiente. E decidiu-se que os trabalhadores

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AS ATIVIDADES DAS CRIANÇAS b) Os desenhos
No pavilhão das meninas L410 vivia a desenhista Friedl
a) Apresentação teatral Dicker-Brandeis. Ela ensinava as crianças a pintar e desenhar,
Hans Krasa escreveu a ópera infantil BRUNDIBÁR em incentivando a sua imaginação e criatividade para expressar
1938 e como prisioneiro de Terezín, procedeu a sua revisão suas dificuldades, saudades e esperanças e compartilhar suas
adaptando-a aos instrumentos existentes entre os músicos ansiedades, temores e expectativas de retorno ao lar e o en-
prisioneiros e iniciando em seguida os ensaios com as crian- contro com seus familiares. O que mais aparecia nas pinturas
ças. Brundibár era o nome do terrível tocador de realejo que eram funerais, crianças estudando sob a vigilância de solda-
monopolizava a rua, impedindo dois irmãos de nela poderem dos do gueto, prados verdes, pratos com muita comida, crian-
pedir algum dinheiro para ajudar a mãe doente. Lideradas por ças brincando, as festividades em casa e a família em torno
animais domésticos, todas as crianças da rua uniram-se aos da mesa e temas ligados a paisagens de ruas e cidades, de
dois irmãos, vencendo e expulsando Brundibár. seus familiares, de flores e animais, de brincadeiras infantis,
Quando as crianças estavam no palco apresentando-a, de imaginação e fantasia e de suas experiências de vida dentro
era o único momento permitido para remover a estrela ama- do campo de concentração. Curiosamente foi encontrado um
rela. Em Terezin, a ópera BRUNDIBÁR teve diferentes elencos, Mickey desenhado numa lasca de madeira.
sendo substituídos conforme as crianças eram enviadas para Na maioria das vezes, as crianças colocavam nome e ida-
Auschwitz – e foi apresentada 54 vezes. A 55ª récita teve de de nos seus trabalhos. Esse material, que sobreviveu, apesar
ser cancelada por falta de cantores. A ópera se encerra com da maioria das crianças não terem sobrevivido, serve como
as palavras: “Aquele que ama a justiça, que lhe permanece fiel testemunha silenciosa da riqueza interior de seus criadores
e não tem medo, é nosso amigo e pode vir brincar conosco.” em face de seu trágico destino.
Brundibar foi apresentada para a Cruz Vermelha Interna- Encontramos desenhos feitos pelas crianças do barra-
cional, no dia 23 de junho de 1944. Todos ficaram muito bem cão L318, mas a maioria foram feitos por meninas de 10 a 15
impressionados. anos de idade e, embora não tivessem material suficiente na-
Anna Flachová sobrevivente do “lar de meninas” L410 de quele ambiente subumano, as crianças pintaram sobre quase
Terezín adorava Brundibár, não só pela alegria de cantar, como qualquer superfície que tiveram por perto - com poucos gizes
pelo reencontro, ainda que por alguns momentos, com a infân- de cera e aquarelas, assim como materiais combinados para
cia roubada: “Sentíamos falta de ser ainda crianças”. formar textura. As crianças tiveram em Friedl Dicker-Brandeis
Ela, Stein Weissberger, era uma das crianças que can- (Frederieke Brandeis) uma mestra excepcional, conforme ates-
tava na apresentação de Brundibár e sobreviveu para contar tam os desenhos infantis que hoje pertencem ao Memorial de
que “quando nós cantávamos, nós esquecíamos a fome, nós Terezín.
esquecíamos onde estávamos...” Frederieke Brandeis, nascida em Viena, foi aluna da
Também nos seus pavilhões havia apresentação de te- Bauhaus, em Weimar, onde seguiu cursos com Paul Klee e ou-
atro, muitas vezes com um repertório escrito pelas próprias tros mestres. Renomada arquiteta de interiores em Berlim, Vie-
crianças, outras vezes escrito por adultos para as crianças na e Praga, acabou caindo nas mãos dos nazistas. Em Terezín
apresentarem. Eram apresentações bastante encorajadas pe- levou as crianças a estudar as cores e a luz e a fazer colagens
los adultos . Como exemplo dessas apresentações, citamos a sobre desenhos.
peça Esther (uma peça tcheca que tem relação com a Ester Das 15 mil crianças judias de Terezín, só cem sobrevive-
bíblica) e que foi adaptada para as crianças de Terezin dirigida ram. Esses desenhos, mesmo mais de sessenta anos depois de
por Hans Jochowitz (interno do campo). realizados, ainda mantêm o dramatismo da época e a tragédia
Nos primeiros tempos do gueto, havia apresentação de que os determinou.
marionetes, onde as crianças participavam, ora na confecção Os formulários da antiga guarnição da fortaleza, ali aban-
de suas roupas, ora na própria apresentação. Para essa apre- donados, foram utilizados pelas crianças, recortados e apa-
sentação sempre havia um grande público. recendo sob uma nova luz. Com meios tão pobres a arte se

Cartaz da opéra infantil Brundibár, Representação teatral num celeiro Bedrich Fritta,
Yad Vashem, Israel Thomas Fritta-Haas, Yad Vashem, Israel

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faz e o seu amor pela liberdade de criação se expressa num Há sete semanas eu vivo aqui.
texto de Brandeis chamado “Sobre a arte das crianças” onde Tristemente dentro desse gueto.
ela questiona: “Dirigir os lampejos de inspiração das crianças, Mas eu encontrei minha gente aqui.
suas súbitas iluminações é criminoso. Por que os adultos se As flores me chamam
apressam tanto em fazer com que as crianças se assemelhem E os galhos floridos das castanheiras no campo.
a eles? Somos a tal ponto felizes e satisfeitos com nós mes- Só que eu nunca mais vi outra borboleta.
mos?” Suas aulas serviam como um meio de reconstrução
psicológica dos pequenos prisioneiros. Os desenhos eram po- Aquela borboleta foi a última.
voados de imagens do lar perdido, da cidade amada para onde Borboletas não vivem aqui,
um dia queriam retornar. No gueto.
Devemos a Friedl Dikker-Brandeis o fato dos desenhos
terem sido preservados. Friedl reuniu em 2 malas mais de
5000 trabalhos feitos pelas crianças.Antes de ser deportada Alguns poemas denotam infantilidade, outros maturida-
para Auschwitz, em 1944, confiou a pessoas de sua confiança de, mas a maioria mostra a espera por dias melhores, como
onde as malas estavam escondidas. Atualmente, esse material o abaixo encontrado no diário de Raya Englander(14 anos) e
é de propriedade da Sinagoga Pinkas em Praga. morta em 1944 em Auchwitz:

c) Poesias Depois da tormenta vem o sol


“Para que serve o mundo, quando não existe direito? Para Depois do deserto vem a floresta
que existe o sol, quando não há dia”, trecho do poema de Ha- Depois da sexta vem o shabat
nus Hachenburg (1929-1944), escrito em 1943. Depois do inverno a primavera bate na nossa porta
Os poemas, tanto quanto os desenhos evidenciam a re- Não fique deprimido; não perca seu humor
cordação dos lares perdidos e da infância que lhes foi roubada, Segure-o que dias melhores virão.
assim como a amargura de terem sido arrancados de sua vida
normal. Os poemas foram encontrados nos sótãos, na Bibliote- d) As publicações
ca e nas revistas que eles publicaram dentro do próprio gueto,
acompanhados, muitas vezes, de desenhos. Em relação aos jornais produzidos em Theresienstadt, o
Dentre os poemas encontrados, temos A Borboleta es- mais conhecido era VEDEM(Avante!) órgão da “República Skid”,
crito por Pavel Friedmann (7.1.1922 – 29.9.1944) , em 6 de que chegou a 55 números. O jornal inteiro, incluindo desenhos,
abril de 1942 e que deu origem ao livro “I Have never seen a foi produto do trabalhos dos meninos do pavilhão L 417. Era
Butterfly around here” (Eu nunca vi uma borboleta aqui). Pavel semanal e foi produzido por um periodo de 2 anos, incluindo
faleceu em Auchwitz. desenhos e poemas das crianças, em diferentes seções. Uma
A BORBOLETA das seções chamava-se Passeando por Theresienstadt e com-
preendia descrição de diferentes lugares do gueto como pa-
A última, mais do que última , darias, casa central de banhos, a capela mortuária, etc. e as
Cheia de vida e brilho, cheia de encanto amarelo. pessoas que trabalhavam nesses lugares eram entrevistadas.
Talvez se as lágrimas do sol pudessem cantar Outra publicação preparada pelas crianças do Pavilhão L
E escorrer sobre a pedra branca... 414 e que durou pouco tempo chamava-se BONAKO. Os me-
ninos do Quarto 7 do Pavilhão L 417 publicaram o RIM, RIM,
E que, que amarelo! RIM (sinal de reunião da turma) que publicou 21 números e os
Foi carregada levemente para o alto meninos do pavilhão de crianças Q 690 publicaram um jornal
Foi-se embora, eu tenho certeza, porque desejava chamado Kamarád (“Amigos”) que chegou a 22 números e a
beijar o mundo pela última vez. publicação Noviny, que teve pequena tiragem.
Terezín concentrou em si a resistência à “banalidade do

Eva Riesova (25/07/1931 - sobrevivente) Edita Polachova (02/07/1925 - sobrevivente)


Paisagem Noturna, aquarela, Yad Vashem, Israel Vista de Terezín a noite, aquarela, Yad Vashem, Israel

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mal” apresentando-a em formas expressivas na música, na pin- Nicht alle leute durfen
tura, no teatro, na poesia a arte da denuncia. In diese Stadt hinein
Alguns professores se inspiravam em modelos de pedago- Es mussen Auser wahlte
gia soviética adaptados de comunidades de crianças abando- der “als ob” Rasse rein.
nadas durante a guerra. Em Leningrado havia um orfanato que
recolheu meninos abandonados de guerra: era a “Escola (Shko- Die leben dort ihr Leben
la) de educação social e individual Dostoievski”. Em 1943, com “Als ob” ein Leben war,
as iniciais desse orfanato, os adolescentes do Bloco L 417 pro- und freuen sich mit geruchten
clamaram em Terezin uma república de jovens que denominam “Als ob” die Wahrheit war.
República Skid. E elegeram como presidente, o jovem Walter
Roth. Roth, através do trabalho e disciplina relatou que havia Die menschen auf den strassen
a responsabilidade entre os “camaradas” de querer transfor- die laufen in galop
mar seu destino numa “realidade alegre e consciente”. Enfim, wenn man auch nichts zu tun hat
um “sentimento coletivo elevado” animava os jovens e seus tut man doch so “als ob”.
pedagogos.
Enquanto a República Skid afirmava seus princípios es- Es Gibt auch ein kaffeehaus
perançosos na revista Vedem (Avante!), uma nuvem sombria Gleich dem café l’ Europe
avançava sobre a Europa. Ao Conselho dos Judeus coube a Und bei Musikbegleitung
amarga tarefa de selecionar os que deviam partir nos com- Fühlt man sich dort “als ob”.
boios da morte. O Conselho tentou reter as crianças até o fim.
Essas revistas em geral manuscritas eram ilustradas por Und mancher ist mit manchem
lápis de cor e aquarela. Seus exemplares, únicos, passavam Auch manchmal ziemlich grob
à noite de mão em mão. Revelavam o que foi o quotidiano no Daheim war er kein Grosser,
campo, também se desenhava história em quadrinhos, se es- Hier macht er so “als ob”.
creviam aventuras em capítulos: viagens na estratosfera, explo-
rações polares, descobertas, piratas e far-west... Des Morgens und des Abends
Eles viam tudo, sabiam tudo e observavam com aquela trinkt man “als ob” Kafee
justiça insubornável das crianças. Até a administração judaica Am Samstag, ja, am Samstag
é criticada: “sem proteção não se pode obter coisa alguma no Da gibt´s “als ob” Haché.
gueto, ou mesmo permanecer vivo”.
No outono de 1944 os trens para Auschwitz levaram a Man stellt sich an um Suppe
maioria das crianças do gueto. A revista Kamarád ainda publica “Als ob” da etwas drin
seu último número onde os amiguinhos prometem se reencon- Und man geniesst die Dorsche
trar depois da guerra numa certa rua de Praga. Mas, das 8.764 “Als ob” Vitamin.
crianças e jovens, deportadas entre 1942 e 1944 para os cam-
pos do leste, somente cem crianças sobreviverão. Man legt sich auf dem Boden
Os jovens redatores de Kamarád nunca mais se verão “Als ob” es wär ein Bett
numa certa rua de Praga. Und denkt an seine Lieben
Nem a valorosa República Skid virá cumprir suas promes- “Als ob” man Nachricht hätt.
sas.
Man trägt das schewere Schicksal,
e) Música “Als ob” nicht so schwer,
No pavilhão L410 também se fazia música. Havia 2 pro- Und spricht von schöner Zukunft,
fessores de música que organizaram um coro. As meninas can- “Als ob” schon morgen wär.
tavam em tcheco, alemão e hebraico. O coro tinha um impor-
tante papel para manter as meninas unidas. Por ocasião das Como se
festas judaicas, as meninas visitavam os mais velhos e canta-
vam para eles. Os mais velhos apreciavam muito essa visita Eu conheço uma pequena cidade
pelos momentos de prazer que lhes proporcionavam. Uma cidade bem tip top
Leo Strauss produziu uma música chamada Als Ob (Como Eu não me lembro qual seu nome
se) e que foi apresentada, principalmente para as crianças, Eu chamo a cidade “como se”.
para que elas tenham consciência do mundo fictício em que
estavam vivendo, como podemos ler a seguir: Nem todas as pessoas devem
Nessa cidade morar
Als Ob Tem que ser eleito
Para “como se” ter raça pura.
Ich kennn ein kleines stadchen
ein Stadchen ganz tip top Vive-se lá sua vida
Ich nenn es nicht baim namen “Como se“ isso fosse vida
ich nennes die stadt “als ob”. E se alegram com notícias

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“Como se” isso fosse a verdade. entre sujeiras e imundícies e ver médicos sem ter o que fazer.
Nós nos acostumamos a ver isso o tempo todo, milhares
As pessoas nas ruas de almas infelizes vindo para cá e outras milhares de almas
Correm num galope infelizes que se vão e não voltarão.”
Mesmo quando não se tem nada a fazer
Finge-se “como se” tivesse. Exemplo de alguns poemas escritos em Terezin:

E tem também uma cafeteria PERGUNTAS, E UMA RESPOSTA.


Igual o Café l’ Europe
E no acompanhamento musical Que uso tem a arte humana e a ciência?
A gente se sente “como se”. Beleza das mulheres, fresca como maio?
Que uso um mundo que é mera ilusão?
E alguns estão com outros Que uso o sol, quando não há dia?
Que por vezes se sentem grandiosos
Em casa não era grandioso Para que serve D’s? Apenas para punir?
Aqui se comporta “como se”. Ou um nova humanidade para moldar?
Ou somos apenas bestas que sofrem
A manhã e a noite Para apodrecer sob a vontade da paixão?
Bebe-se “como se” fosse café
E aos sábados, sim aos sábados, Para que serve a vida, se a vida é tormento,
Lá tem “como se” fosse uma refeição. O mundo uma fortaleza contra a luz?
Saiba: todas as coisas são como são aqui
Colocamo-nos para a sopa, Que você seja um homem! E lute!
“Como se” lá tivesse algo
E se se delicia com algo HANUS HACHENBURG, 12 .7.1929 -10.7.1944
“Como se” fosse vitamina.
ME DESTRÓI A DOR, A DOR DE TEREZIN
A gente se deita no chão
“Como se” fosse uma cama Quinze camas. Quinze placas com nomes.
E pensa em seus amores, Quinze pessoas sem nenhuma linhagem.
“Como se” deles tivéssemos notícia. Quinze corpos torturados com medicamentos.
Camas manchadas com sangue de outros tempos.
E se carrega o pesado destino, Quinze corpos que aqui querem viver.
“Como se” não fosse tão pesado, Trinta olhos que procuram a tranquilidade.
E se fala de um bonito futuro, Cabeças raspadas, saídas do cárcere.
“Como se” o amanhã tivesse chegado. A santidade do sofrimento, que não me importa.
A beleza do ar, que dia após dia
Todas essas atividades cessaram quando começaram os cheira estranho e carbônico,
grandes transportes a partir do inverno de 1944. As crianças enfermeiras que trazem os termômetros,
nunca mais voltaram. Mães que procuram por um sorriso.
Porém, seus nomes ficaram para sempre gravados nos A comida é um luxo aqui.
desenhos, nos poemas, nas canções e nas estórias que elas A noite é muito longa e o dia curto.
deixaram em Terezín. Apesar de tudo, não quero ir embora e deixar
os quartos com luz e os olhos ardentes,
DEPOIMENTO DE PETR FISCHL enfermeiras que deixam para trás só uma sombra,
(9/setembro /1929 – Auschwitz-1944) para ajudar aos pequenos sofredores.
retirado do livro I Never Saw Another Butterfly, de Hana Queria ficar aqui, pequeno paciente,
Volavkova. aguardando a visita diária dos médicos,
e depois de muito, muito tempo, que eu fique bom.
“Nós ficamos na fila das 7 da manhã até meio dia e de Então eu gostaria de viver
novo às 7 da noite. e voltar para casa.
Ficamos numa longa fila com um prato na mão, no qual
ele colcocam um pouco de água morna com sal, talvez um pou- Autor desconhecido,
co de batata e um copo com o que seria café. encontrado no Pavilhão dos meninos L 410.
Nós dormimos sem cama, saudando cada uniforme que
passa, ora podemos caminhar na calçada, ora não caminhar EM TEREZIN
na calçada.
Nós nos acostumamos a bofetadas sem razão, tiros e Quando chega uma nova criança
execuções. Tudo parece estranho para ele
Nós nos acostumamos a ver pessoas morrer nos seus ex- Onde, no chão eu vou deitar?
crementos, de ver carroças cheios de corpos, de ver doentes

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Comer batas pretas? Não! Não eu! HUPPERT, Jehuda and DRORI, Hana - Theresienstadt
Eu terei que ficar? Aqui está sujo! GUTMAN, Israel – Holocausto Y Memoria
O chão, olhe, é empoeirado, eu tenho medo! KUSHNER, Tony - Brundibar
Eu tenho que dormir nele? LAQUEUR, Walter - The Holocaust Encyclopedia
Eu vou ficar todo sujo!
Aqui o som de gritos, choros, LEITORES DE DRAMAS E MEMÓRIAS
E oh! Tantas moscas. RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Todos sabemos que moscas trazem doenças
Oh! Algo me mordeu! Será que foi um besouro? Silvana Feitosa12
Aqui em Terezin, vida é inferno
E quando eu vou para casa, ainda não posso dizer. Los viejos amores que no están,
la ilusión de los que perdieron,
TEDDY, L 410, 1943 todas las promesas que se van,
y los que en cualquier guerra se cayeron
LAR Todo está guardado en la memoria,
sueño de la vida y de la historia
Eu contemplo e contemplo o largo mundo, Leon Gieco
O grande e distante mundo,
Eu contemplo e contemplo em direção sul-leste, 1. JUSTIFICATIVA
Eu contemplo e contemplo em direção a meu lar.
A proposta consiste na força tarefa de desenvolver uma
Eu vislumbro meu lar experiência em sala de aula que desperte o interesse dos edu-
Em direção a cidade onde nasci, cadores a respeito das memórias do Holocausto e o dilema de
Minha cidade, minha terra nativa, sua transmissão na sociedade global da atualidade. A propos-
Como seria feliz se eu retornasse para você. ta se faz a partir da leitura vinculada aos seguintes questiona-
mentos:
FRANTA BASS, 4.9.1930 – 28.10.1944 • Como e qual seria o papel do indivíduo no processo
de mudança social?
DEPENDE DE COMO SE VÊ • Como e em que condições ele “faz” a História?
I. • Qual o papel de cada indivíduo em busca de constru-
Terezin está cheia de beleza. ção da tolerância, do respeito e de convivência com o outro?
Perante seus olhos agora está claro Partindo de questionamentos dessa natureza fomos en-
E ao longo da rua a passos largos contrar na obra O Terror e a miséria no III Reich, de Bertolt
Muitos pés marchando eu ouço. Brecht, o homem na condição de escravo de um sistema no
qual se tornara praticamente difícil modificar a situação na qual
No Gueto de Terezin, vivia em conseqüência do sistema totalitário. Essa e outras te-
O caminho que me aparece, máticas estão contidas na concepção épica de Brecht: o ser
Um quarteirão kilometros de terra humano deve ser compreendido com base nos processos por
Me tira do mundo que é livre meio dos quais existe, isto é, deve ser concebido como con-
junto de relações sociais. Brecht chamava suas peças de
II. “experimentos”, fazendo uma analogia com as Ciências So-
Morte, depois de tudo, gritam todos, ciais, sendo portanto experimentos sociológicos. Sua estética
Você a acha em todo lugar. teatral com intuito didático tem a intenção de apresentar
E agarra qualquer um um palco científico capaz de mostrar ao público a socie-
Que coloque seu semblante para fora. dade e a necessidade de transformá-la; ao mesmo tempo,
de ativar o público, de nele suscitar a ação transformadora.
O largo e inteiro mundo está sob as regras A antropologia teatral, por meio da análise da representação
De uma determinada justiça, assim cênica, mostra o comportamento do indivíduo em sociedade,
Isto talvez ajude a adoçar fornecendo-lhe recursos para avaliação do seu vínculo com o
A dor e a tragédia do pobre homem. grupo, possibilitando-lhe ser protagonista de mudanças so-
ciais, culturais e individuais. Essa prática transcende o es-
MIROSLAV KOSEK, 30.3.1932 – 19.10.1944 paço destinado à ilustração do texto escrito, numa construção
cênica interativa entre atores e espectadores; torna-se um
BIBLIOGRAFIA espaço privilegiado para se trabalhar a autenticidade das
relações humanas.
VOLAVKOVA, Hana – I never saw another Butterfly Outra opção de leitura foi direcionada ao estudo da obra
RUBIN, Susan Goldman – Fireflies in the Dark: The Story of Friedl literária É Isto um Homem?, do escritor italiano Primo Levi.
Dicker-Brandeis

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Arte Educadora, professora do Centro de Ensino Médio Setor Oeste, especialista em Teatro-Educação, formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Morais, Brasília-DF.

13
Sabe-se que, nos grupos humanos, o indivíduo desenvolve 3. METODOLOGIA
seus papéis de acordo com normas, regras e valores. Mas,
o que acontece com aquele que não se adapta? Em É Isto um As atividades foram desenvolvidas dentro do tempo regu-
Homem? podemos identificar as respostas para tais questio- lar das aulas, no turno de atuação dos alunos (vespertino) de
namentos. Alguns personagens não se ajustam a determinada acordo com o cronograma das aulas de Artes Cênicas. As tur-
norma e, por isso, são submetidos a um conjunto de sanções mas escolhidas foram as turmas do 2º ano do ensino médio:
simbólicas e físicas evidentes em cenas que se desenrolam em 2º G, H e I.
campos de concentração: a substituição do nome por números, A primeira etapa partiu da leitura da obra O Terror e Misé-
as insígnias triangulares na cor verde, as estrelas vermelhas e ria no III Reich, peça teatral contendo 24 cenas. Foram selecio-
amarelas para selecionar grupos étnicos, etc. Nos grupos so- nadas 9 cenas para a leitura, sendo necessária a cópia do texto
ciais em geral, como são aplicadas as sanções? Qual a relação para ser lido em sala. Comprei o livro numa livraria virtual, tirei
entre papéis, normas e sanções? Nessa relação, qual seria o 25 cópias das cenas e montei o texto em recortes facilitando
grau de autonomia do indivíduo? Por intermédio de que proces- o acesso a leitura em sala. Dentre as peças de Brecht esta me
sos ele se torna membro da sociedade? Enfim, como nos tor- chamou muito a atenção, por tratar do panorama da vida na
namos quem somos? O que é ser homem? O que é ser mulher? Alemanha nazista, e ter sido escrita entre 1935 e 1938, fazen-
O que é ser branco? O que é ser negro? do uso de recortes de jornal, notícias recebidas da resistência,
O indivíduo compartilha valores, sentimentos, símbolos, rádio ou qualquer forma que pudesse levar a informação além
idéias, representações sociais que tendem a influenciar suas das fronteiras do Reich. Nesta ocasião, Brecht vivia então na
ações, que colaboram para formação da identidade individual e Dinamarca. Em seu texto apresenta diversas situações do coti-
coletiva. Como o encontro com a diversidade artística, cultural, diano, história de famílias, estudantes, professores e policiais.
étnica, religiosa e com as diferenças de orientação sexual e de O Führer é um personagem de fundo, sempre citado, mas nun-
gênero interfere na constituição dessa identidade? ca aparecendo de fato. Através desta leitura procuramos iden-
Como podemos constatar isso? Através dos papéis sociais tificar e analisar os conceitos de liberdades individuais e inva-
representados por personagens das duas obras citadas acima são da esfera privada pelo Estado. A leitura nos favorece uma
podemos fazer as diversas leituras dos papéis sociais que re- imersão na situação dos jovens daquele tempo, o controle de
presentamos no meio em que vivemos. Daí, seremos capazes suas escolhas, posicionamentos frente a aceitação de regras
de responder de forma crítica e reflexiva aos inúmeros questio- impostas por um sistema totalitário e antissemita. Fazendo um
namentos aqui elencados. contraponto com o presente é possível avaliar a liberdade de
escolhas, comparando com os jovens de nossos dias cujo o pa-
2. OBJETIVOS pel procuramos enfatizar para a construção de uma sociedade
mais justa, solidária e igualitária.
• Realizar em sala de aula a leitura de fragmentos sele- Durante 2 meses de leitura os alunos se dividiram em pe-
cionados das obras O Terror e a Miséria no III Reich e É Isto um quenos grupos para elaborar um roteiro de apresentação da
Homem? Este exercício deverá ser realizado dentro de um pro- peça como parte da avaliação do processo de aprendizagem.
cesso de aprendizagem onde se busca a qualidade e a eficácia Paralelo a leitura da peça, os alunos foram convidados a ler o
do ensino no cumprimento de competências e habilidades do livro É Isto um Homem?, do escritor italiano Primo Levi. O livro
programa de avaliação seriada promovido pela universidade insere-se na vasta obra testemunhal escrita sobre a experiên-
federal (UNB) para que os alunos alcancem êxito em sua ava- cia dos campos de concentração e extermínio dos judeus e ou-
liação que ocorre de forma processual ao longo dos 3 anos do tras minorias pelos nazis. A obra de Levi é otimista dentro deste
ensino médio; universo literário, e tenta demonstrar que é possível acreditar
• Desenvolver o bom hábito da leitura dramática atra- e apostar no homem após Auschwitz. Primo Levi foi deportado
vés da obra O Terror e a miséria no III Reich do dramaturgo para o campo de concentração de Auschwitz com a idade de
alemão Bertolt Brecht; 24 anos.
• Desenvolver o senso crítico e reflexivo de ações trans- As tarefas relacionadas à leitura do livro são: tarefa 1
formadoras das relações sociais através de leitura da obra É - Registro de comentários com as impressões pessoais e opini-
Isto um Homem?, do escritor italiano Primo Levi; ões dos alunos na página de relacionamentos criada no Orkut
• Transformar a leitura em memória viva do Holocaus- para fins de diálogo pedagógico entre os alunos e professora.
to procurando avaliar as ideologias e controvérsias do Tercei- (endereço eletrônico: hypokrites.cemso@gmail.com). Tarefa
ro Reich utilizando o espaço cênico, as personagens, roupas, 2 - Roda de leitura selecionando capítulos do livro É Isto um
acessórios, cenários virtuais com referências imagéticas do Homem? E poemas para debate com a presença do professor
contexto histórico das ações; Marcelo Walsh – Pesquisador do LEI/USP: Linha de Pesquisa
• Informar e educar o aluno sobre questões de tolerân- “Holocausto e Antissemitismo”(2008), que enriqueceu o deba-
cia, coexistência e Direitos Humanos; te reflexivo em torno da questão do Holocausto. A abertura da
• Ensinar aos alunos os valores da democracia e dos roda de leitura foi com o poema do Primo Levi (...),seguida da
Direitos Humanos, e para encorajá-los a repudiar o racismo e a leitura de trechos e passagens do livro pelos alunos, conforme
promover a tolerância na sua respectiva sociedade; suas escolhas. Após a leitura abrimos o debate para esclare-
• Contribuir para a formação de senso crítico contando cimentos de fatos e do próprio momento da vivência do autor,
e recontando a história com o propósito de promover a avaliar detalhes expostos pelo professor Marcelo, sendo as dúvidas
o passado para compreender o presente aprendendo com as resolvidas no grupo respeitando o ponto de vista de cada um.
lições a partir do Holocausto. A etapa final se concretizou com a realização da leitura
dramática da peça Terror e Miséria no III Reich, utilizando-se

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dos recursos técnicos da metodologia didática do teatro de Bre- que interagem entre si contribui para que os alunos percebam
cht: uma leitura com cenários virtuais compostos de imagens, o passado não como um tempo longínquo onde a história regis-
signos, vídeos com trechos de filmes e textos/poemas relacio- tra fatos esquecidos e estagnados na lembrança morta, mas
nados ao tema das cenas que seriam projetados simultanea- que esta memória seja um bem imaterial dentro de cada um
mente ao tempo de duração da cena. As cenas foram apresen- de nós e que através dela sejamos instrumentos de mudança
tadas na seguinte ordem: Cena 1 – desfile do povo alemão, no mundo.
cena 2 – Exortação à mocidade hitleriana, cenas 3/4/5/6 – A primeira vez que apresentei em sala de aula um tema
Campo de concentração, cena 7 – Uma família no gueto, cena dessa natureza relacionado com a questão do antissemitismo
8 – Os revolucionários, cena 9 - A judia. A obra é recheada de foi quando desenvolvi, em 2002, o projeto Teatro e Protagonis-
poemas que foram lidos antes de cada cena. A pesquisa dos mo Juvenil com a montagem cênica da peça O Santo Inquérito,
cenários foi realizada pelos alunos mais familiarizados com as de Dias Gomes. Com o objetivo de auxiliar os educadores que
habilidades em recursos audiovisuais, utilizando tecnologia da pretendam aplicar esta sugestão em sala de aula apresento a
informação em programas como: Power Point e Movie Maker, minha proposta seguida de alguns relatos expressivos desta
além do site YouTube. experiência. O enredo enfoca a personagem Branca Dias, uma
Ainda em 2010 participei juntamente com dois alunos do judia do interior da Paraíba, condenada à fogueira por violar as
concurso Jorge Amado promovido pela Companhia das Letras e leis do clero, ao discordar veementemente do padre Bernardo a
os alunos ganharam o prêmio de 2º e 3º lugar respectivamen- respeito de suas convicções religiosas. Num dos determinados
te. O 2º lugar coube a aluna que montou o vídeo sobre a obra momentos em que Branca é interrogada pelo Tribunal do Santo
O Cavaleiro da Esperança denominando-o de UM CAVALEIRO, A ofício, o Visitador (personagem que representa o Clero) diz:
ESPERANÇA E UMA AMIGA - O vídeo são fragmentos da obra O Acho que nos iludimos com ela desde o princípio.
Cavaleiro da Esperança especificamente no momento em que Sua obstinação e sua arrogância provam que tem abso-
Jorge Amado conta a uma amiga imaginária a captura de Olga luta consciência de seus atos. Não se trata de uma pro-
Benário, por representantes dos Nazis no Brasil. Olga Benário é vinciana ingênua e desorientada; tem instrução, sabe ler
uma mulher judia, esposa, companheira, mãe de uma criança e suas leituras mostram que seu espírito está minado por
chamada Anita. Ela passa por horrores no campo de concen- idéias exóticas. Declara-se ainda inocente porque quer
tração para tentar sobreviver junto com sua filhinha. Lá, ela se impor-nos a sua heresia, como todos os de sua raça.
lembra de seu amado e da terra que a acolheu. Numa narra- Como todos os que pretendem enfraquecer a religião e
ção caseira mostra-se ao espectador através das entrelinhas a sociedade pela subversão e pela anarquia. Branca res-
do texto, imagens imaginárias de um tempo real e cruel vivido ponde: Mas senhores, eu não pretendi nada disso! Nunca
pela humanidade e que não poderá jamais apagar-se da nossa pensei senão em viver conforme a minha natureza e o
memória. meu entendimento, amando Deus à minha maneira; nun-
Em 2011 buscando mais uma vez tratar do estudo do ca quis destruir nada, nem fazer mal algum a ninguém.
holocausto em sala de aula com as turmas de 2º Ano, nasce A fogueira foi o destino de muitas mulheres. A instala-
o projeto O Dever da Memória com as seguintes estratégias ção de tribunais da Inquisição na Península Ibérica levou os
metodológicas: cristãos novos - descendentes dos judeus ibéricos – a serem
• A partir do estudo do Teatro Épico e de leitura e mon- perseguidos como “judaizantes”, isto é, praticantes secretos da
tagem das cenas O Batalhão do Pântano e A Judia, de Brecht. religião ancestral. Os inquisidores tinham profunda convicção
• Escolha da peça O Diário de Anne Frank, de Frances de que as mulheres eram os hereges mais perigosos, verdadei-
Goodrich para leitura e montagem de fragmentos. ras responsáveis pela transmissão do judaísmo. Com a presen-
• Criação de portfólio contendo atividades relaciona- ça do Tribunal do Santo Ofício no Brasil, vários cristãos-novos
das às questões discutidas em sala – leitura da peça e do filme foram insistentemente denunciados. (...) A primeira vítima do
O Diário de Anne Frank (seriado), reflexões a partir do livro O Brasil, condenada à fogueira pela Inquisição era uma mulher: a
Diário de Anne Frank. São as seguintes tarefas: Quem eu sou, cristã-nova Ana Rodrigues, octogenária acusada de liderar uma
Eu e meus amigos, eu e o mundo, eu e Anne Frank, O que é o família de judaizantes na Bahia, das mais denunciadas durante
Hanukah, Hanukah em tempos de Holocausto, O que será o a primeira visitação. Presa e enviada para Lisboa, morreu no
Amanhã? Cada tarefa acompanha um comentário e uma ilus- cárcere, mas seu processo continuou. Foi culpada mais de dez
tração. anos depois de sua morte. Seus ossos foram desenterrados e
• Instalação malas e memórias – nesta tarefa os alu- queimados, sinal de que a Inquisição não estava alheia ao que
nos transformam uma caixa de sapatos em uma mala onde se- acontecia na colônia portuguesa de além-mar. (A Torá na Terra
lecionam objetos e pertences pessoais que tragam memórias de Santa Cruz. p. 18-20).
de suas vidas. As caixas são cobertas conforme a criatividade Em 2009 com objetivo de provocar questionamentos
de cada um. acerca de algumas questões inquietantes, urgentes e precisas
• Conexão com outras disciplinas – Nas aulas de Filo- no espaço da escola como, por exemplo, porque vivemos em
sofia o estudo se deu a partir do capítulo 16 – A Memória da grupo? O que significa dizer que o homem é um ser social?
autora Marilena Chauí – Editora Ática. Nas aulas de História o Que papel desempenhamos no meio em que vivemos? Impor-
estudo partiu do capítulo 5 – A História dos Hebreus da antigui- tante ressaltar que precisamos perceber que, na coletividade
dade até a criação do Estado de Israel e perfazendo caminho humana, há desempenho de papéis e divisão de tarefas que
sobre o conflito Árabe/Israelense. por sua vez podem gerar desigualdades. Portanto, os indivídu-
• Do livro didático de História – autor Heródoto Barbei- os devem desenvolver papéis de acordo com normas, regras e
ro. valores que preservem a dignidade do ser humano em todas
O objetivo de resgatar a memória utilizando atividades as suas dimensões. Caso contrário, estará sendo partidário de

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situações de exclusão e intolerância. A escola deve, portanto, rio é a participação do Brasil na segunda guerra, a indústria na-
se apresentar como um espaço social que valorize os aspectos cional e a relação do papel social representado por Max Over-
aqui abordados de forma a incentivar o indivíduo a respeitar a seas, malandro/protagonista da trama na Ópera do Malandro
diversidade, além de compartilhar valores, ideias e represen- com o malandro político, artista, contrabandista brasileiro/
tações sociais que possivelmente influenciem em suas ações estrangeiro, o poder centralizado na mão de contraventores de
colaborando para a formação da identidade e da memória (in- toda espécie. Como pano de fundo tem a grande questão social
dividual e coletiva) no contexto de uma sociedade democrática. que não cala: a prostituição de adolescentes, a marginalização
Como se dá o encontro da diversidade cultural? As diferenças e discriminação de pessoas como prostitutas e homossexuais,
de orientação sexual? Como estes valores interferem na cons- tudo isso num bojo de conflitos de identidade incessantes e
trução das identidades e das memórias? pós-modernos bem próximos de nós, dentro das escolas, das
No contexto da sociedade brasileira algumas facetas da salas de aula. Numa outra análise foi sugerida a leitura do filme
desigualdade, do jogo político, dos papéis sociais represen- Ópera do Malandro, de Ruy Guerra na perspectiva de mostrar
tados, podem ser refletidas através da obra A Ópera do Ma- a importância do cinema na colaboração das descobertas de
landro, de Chico Buarque de Holanda, objeto de estudo desta novos caminhos de se pensar e olhar o mundo, da inserção da
aula. Qual a repercussão da obra de um artista na formação da linguagem audiovisual como ferramenta de estudo no contex-
identidade de um grupo? De que forma a obra contribuiu para to da linguagem cênica para pesquisa de construção de per-
a “construção” de uma versão para História do Brasil? Onde sonagens, indumentárias, cenários, etc. Através do filme e do
encontramos os personagens deste enredo social? Eles es- documentário os alunos tiveram uma visão maior e mais escla-
tão somente no imaginário do autor ou são parte da realidade recedora dos fatos para resolver situações de ordem técnica e
brasileira? É possível nos dias de hoje nos conectarmos com avançar na questão estética de suas criações.
o tempo da obra? Essas perguntas podem ser respondidas ä
medida que nos embrenhamos pelas entrelinhas do texto, reta- 5. Avaliação das atividades realizadas
lhando ou desconstruindo a história no tempo.
Nesta última etapa os alunos apresentaram um portfólio
4. Materiais utilizados para a das atividades relacionadas à montagem cênica da Ópera do
realização da atividade em sala de aula Malandro em recortes abordando todo o processo de constru-
ção da montagem que posteriormente seria avaliada na práti-
Os recursos materiais selecionados para a elaboração ca através de encenação pública para a escola. O critério de
das aulas constituem-se do seguinte material audiovisual: avaliação sistemática se dá através de uma ficha distribuída
• Audiovisuais: filme Escritores da Liberdade e Promes- com a platéia para que a mesma pontuasse o desempenho de
sas de um novo mundo; cada aluno/ator. Outra proposta de avaliação é o debate entre
• Peça teatral Terror e Miséria no III Reich, de Bertolt o grupo e alunos de outra escola vizinha à nossa através da
Brecht apresentação do espetáculo culminando com debate em torno
• É Isto um Homem?, de Primo Levi da obra, o autor, a escolha do texto, a experiência de cada um,
• Documentários da coleção HOLOCAUSTO uma vez que a obra está inserida como instrumento de avalia-
• Filme Ópera do Malandro, de Ruy Guerra, ção do Programa de Avaliação Seriada – PAS, onde a escola
• Documentários: 1) No tempo da Segunda Guerra, da investe sistematicamente em manter seu projeto pedagógico
série Panorama Histórico Brasileiro do Instituto Itaú Cultural; 2) em torno deste programa.
Anos 30: entre duas Guerras, entre duas Artes;
• Peça teatral e músicas da Ópera do Malandro, de Chi- FRAGMENTOS DE OBRAS
co Buarque.
As atividades realizadas em sala de aula foram feitas em “Aqui estou, então: no fundo do poço. Quando a necessi-
grupo partindo da leitura de partes do texto dramático Ópera dade aperta, aprende-se em breve a apagar da nossa mente
do Malandro, desencadeando um processo de estudo deta- o passado e o futuro. Quinze dias depois da chegada, já tenho
lhado da obra em seus aspectos estruturantes da linguagem a fome regulamentar, essa fome crônica que os homens livres
dramática: enredo, ação, personagem, tempo/espaço passan- desconhecem; que faz sonhar, à noite; que fica dentro de cada
do pela discussão da relação do contexto histórico e social da fragmento de nossos corpos. (...) Já apareceram, no peito de
ação com o contexto histórico do país no percurso da ação, e meus pés, as torpes chagas que nunca irão sarar. Empurro
por fim o autor e sua trajetória de vida. vagões, trabalho com a pá, desfaleço na chuva, tremo no ven-
Num outro encontro a proposta foi inserir a leitura do do- to; mesmo meu corpo já não é meu; meu ventre está inchado,
cumentário No tempo da Segunda Guerra fazendo uma cone- meus membros ressequidos, meu rosto túmido de manhã e
xão com o papel social representado pela personagem Duran chupado à noite; alguns de nós têm a pele amarelada, outros
da obra Ópera do Malandro que estabelece uma relação sim- cinzenta; quando não nos vemos durante três ou quatro dias,
bólica de poder entre o personagem e sua idolatria em torno da custamos a reconhecer-nos.” (Primo Levi, É Isto um Homem?)
figura personificada de Hitler. Aqui, os alunos puderam compre-
ender e analisar criticamente a intenção do autor de provocar “Os ataques aéreos estão se tornando cada vez piores.
no espectador/leitor reflexões substanciais em torno da cons- Os aviões passam sobre nossas cabeças, dia e noite. O ruído
trução de identidade, da exploração do homem pelo homem, é assustador. Pim diz que para nós deveria soar como música,
da discussão ética provocada pelos fatos ocorridos em função quanto maior for o número de aviões, mais próximo estará o
da violação dos direitos humanos durante a segunda guerra. fim da guerra.(...) Na opinião de Pim a guerra pode terminar de
Outro aspecto relevante de análise dentro do documentá- um momento para outro. Só de farra, perguntou noutro dia a

16
cada um de nós o que mais gostaríamos de fazer ao sair daqui. histórica de que aquilo que começa como algo finito em
(...) Mas, para mim quanta coisa gostaria de fazer - andar outra matéria de destruição e limitado no tempo pode rapida-
vez de bicicleta, rir até me doer a barriga, vestir roupa nova da mente evoluir para um monstro de extermínio em massa;
cabeça aos pés – encher a banheira de água até transbordar, que o mal tem gradações, mas também é um processo
meter-me dentro dela, ficar aí de molho até não poder mais... e pode mover-se suavemente, sem esforço, para um mal
voltar ao colégio com minhas amigas...” (fragmento da peça ainda maior.15
teatral”. O Diário de Anne Frank, de F. Goodrich e A. Hackett). Primeiramente, que seja recordada sempre a tragédia da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), provocada pelo ímpio e
Judite – (Ensaia o que vai dizer ao marido, que ocupa su- execrável sistema político-ideológico totalitário, que foi o Nazis-
postamente uma das cadeiras) - ...Há dez anos quando todos mo, acarretou a morte de mais de 11 milhões de pessoas em
achavam que ninguém diria que eu era de raça judaica tu di- campos de extermínios nazistas. Muito embora tivesse havido
zias logo: vê-se bem. E isso dava-me alegria. Era por encarar os duas salutares reações mundiais – a instituição dos tribunais
fatos como fatos. Mas agora porque havemos de virar tudo ao militares para julgar crimes de guerra, de maneira especial, o
contrário? Eu vou-me embora para não perderes o teu lugar de de Nuremberg, em 1945; e a aprovação, por unanimidade, da
cirurgião –chefe. (fragmento da peça teatral O Terror e Miséria Declaração Universal dos Direitos Humanos, na III Seção Ordi-
no Terceiro Reich, de Bertolt Brecht). nária da Assembléia Geral da ONU (contando apenas com a
abstenção de países socialistas), em 1948 – novas tragédias
DESAFIOS DO ENSINO DA HISTÓRIA humanas não deixaram de se repetir: a ditadura de Josef Stálin
DO HOLOCAUSTO (Shoah) (1928-1953), com os seus nefastos Gulags (campos de con-
Da “Questão Judaica” à Solução Final centração soviéticos) e KGB (Serviço de Inteligência soviético);
a tirania implacável de Mao Tse-Tung (1949-1976), à frente da
Marcelo Vieira Walsh13 República Popular da China, contra chineses opositores e tibe-
tanos; as ditaduras de esquerda e de direita do Terceiro Mundo,
1. O papel do educador na construção da que exterminaram milhões de opositores e civis inocentes; os
Memória do Holocausto (Shoah) regimes ditatoriais laicos e os fundamentalistas islâmicos do
Oriente Médio. Enfim, a segunda metade do século XX, deno-
Na noite do dia 20 de abril, recorda-se o Iom Hashoah, minado pelo historiador britânico Eric Hobsbawn como “Século
data em que se presta homenagem aos mártires, resistentes Sangrento”, lamentavelmente, demonstrou que a Humanidade
e sobreviventes judeus dos anos 1930 e 1940, que foram ani- ainda não aprendera a profunda lição histórica, política e filo-
quilados pelo império do terror nazista do Terceiro Reich (1939- sófica da tragédia humana e social da Segunda Guerra Mundial
1945). É a data da revolta do Gueto de Varsóvia, iniciada em (1939-1945)16.
1943, pelos Macabeus modernos; é o Dia da Recordação das Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política de sua épo-
Vítimas do Holocausto ou da Shoah. Esta data se complementa ca, intelectual judia alemã, constitui uma das maiores referên-
com o “Dia Internacional em Honra às Vítimas do Holocausto”, cias para os docentes do século XXI. Em 1961, ela foi designada
instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), através pela Revista New Yorker, para cobrir o julgamento do criminoso
da sua Assembléia Geral, e que se celebra anualmente no dia nazista Adolf Eichmann, capturado numa operação secreta do
de 27 de janeiro, data de libertação do campo de extermínio de Mossad (Serviço de Inteligência Israelense) na Argentina - dig-
Auschwitz-Birkenau, na Polônia, pelo exército vermelho. Ambas no de filme do agente britânico 007, de Ian Flemming - respon-
as efemérides contêm um profundo significado e lição para o sável direto pelo planejamento sistemático da “Questão Final”
século XXI e servem como referências pedagógicas para os pro- (eufemismo do plano de aniquilamento físico, cultural, social e
fessores14. espiritual do povo judeu). Foi dela a autoria da expressão “ba-
Afinal, qual o significado dessas datas para esse início do nalidade do mal”17. A pensadora, na sua privilegiada argúcia,
século XXI? O que elas têm a ensinar às novas gerações (crian- afirma, referindo-se ao carrasco-chefe nazista, “alguém habitu-
ças, adolescentes e jovens)? Elas estariam restritas às comu- ado a não pensar nas conseqüências dos seus atos” em nome
nidades judaicas pelo mundo? O que há de pedagógico nelas? do regime nazista do terror, medo e destruição18.
E qual deverá ser o papel do docente no tocante à Memória do O Longo Século XXI, que, na ótica historiográfica de Eric
Holocausto ou Memória da Shoah? A propósito, cabe refletir-se Hobsbawn, inicia-se com o desmoronamento do império sovi-
sobre as palavras de um dos mais notáveis historiadores britâ- ético e o fim da Guerra Fria, em 1991, apresenta um vigoroso
nicos e especialistas em Memória da Shoah, Martin Gilbert, ao espírito de renovar de esperanças, de inquietações e de expec-
abordar a “Noite de Cristal” (Kristallnacht), de 1938, no livro tativas. De fato, há o renovar de esperanças quanto à difusão
de mesmo nome, episódio fabricado pelo regime nazista na universais dos valores da Democracia, Direitos Humanos, Co-
Alemanha: existência, Justiça, Liberdade, Igualdade e Fraternidade para
A Kristallnacht ensinou, em retrospecto, uma lição países que experimentaram ou experimentam ainda regimes

13
Docente superior. Mestre em História das Relações Internacionais (1994-1997) (UNB), Especialista em Análise de Informações Estratégicas (1995) (SAE-PR), Especialista
em Prática de Contratos Internacionais (2001) (PUC-PR), Especialista no Ensino da História do Holocausto (Shoah) (Yad Vashem, Israel) (2010). Bacharel em Relações
Internacionais (1988-1992) (UNB). Atua no magistério superior, desde 1998, em cursos de graduação, tecnólogo, pós-graduação e preparatórios. É professor concursado
da Fundação Educacional do Distrito Federal, lecionando no Centro de Ensino Médio Ave Branca (CEMAB), em Taguatinga Sul (DF). Demonstra preferência pelos seguintes
assuntos: Holocausto (Shoah), Antissemitismo, História das Relações Internacionais, História da Política Exterior do Brasil, Política Internacional das Grandes Potências
(Estados Unidos, China, Japão). Atividades como pesquisador: Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, da Universidade de São Paulo (LEER-USP).
É membro da Associação Nacional dos Ex-Combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) (qualidade de descendente); Associação Nacional de Professores de História
(ANPUH-DF, Conselho Fiscal); Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR).
14
WALSH, Marcelo Vieira. “O Papel do Docente na Construção da Memória do Holocausto”. Disponível em: <http://www.bnai-brith.com.br/content/mail/press_especial.
asp?cod=152>. Acessado em 29/04/2011.
15
GILBERT, Martin. A Noite de Cristal – A Primeira Explosão de Ódio Nazista contra os Judeus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 282.
16
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

17
fechados. A forma fratricida como ocorreu o desmoronamen- nar a Memória da Shoah ou do Holocausto, nessa perspectiva,
to da antiga Iugoslávia (1990-1991), o Genocídio de Ruanda presta-se não apenas a recordar a tragédia histórica da Segun-
(1991) e os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001 da Guerra Mundial (1939-1945), mas também para cultivar
contra os Estados Unidos são exemplos de assustadores con- o mais profundo Humanismo – e com ele os valores e ideais
flitos internacionais, baseados num nacionalismo exacerbado, universais da democracia, Direitos Humanos, justiça, paz, coe-
embates inter-étnicos e fundamentalismos religiosos. E expec- xistência e fraternidade universal. O professor – tanto em sala
tativas de que novas conturbações possam abalar o sistema in- de aula como em atividades extraclasses –, utilizando-se dos
ternacional - como o caso do atual regime totalitário teocrático inúmeros recursos didáticos, na qualidade de líder e formador
do Irã, que patrocina a máquina de terror (Hezbollah e Hamas) de gerações, deverá ensinar às novas gerações o respeito, a re-
e apóia os grupos de intolerância (revisionistas europeus ou cordação, o não-esquecimento, a não-indiferença, a não-omis-
negacionistas do Holocausto, neo-nazistas, racistas como a or- são e a imortal lição da Memória da Shoah ou do Holocausto.
ganização norte-americana Klu Klux Klan), promove o seu pro- Manter acesa a chama da Memória da Shoah ou do Holocausto
grama nuclear para fins militares e estimula o discurso de into- é perpetuar a chama da Vida!
lerância e de ódio antissemita do seu presidente, Mahamoud
Ahmadinejad, negador sistemático da existência da Shoah e do 2. Educação em prol da promoção da Cultura de Paz, dos
legítimo direito de existência do Estado de Israel19. Direitos Humanos, Coexistência e Diálogo
A Memória da Shoah ou do Holocausto – das vítimas,
heróis e sobreviventes do Holocausto judeu e de outros povos Um dos principais pilares da Democracia e da Liberdade,
– torna-se um imperativo de toda a Humanidade. Deve ser lem- além da Paz Internacional, encontra-se enraizado na promoção
brado, primeiramente, que a História apresenta um profundo da cultura e da educação em prol da Paz, dos Direitos Huma-
conteúdo pedagógico, no sentido de se evitar que novas tra- nos, coexistência e diálogo entre os povos do mundo. A Memó-
gédias se repitam e de se ensinar a combater todos os tipos ria do Holocausto ou Memória da Shoah pode contribuir, pelas
de intolerância. A sociedade internacional – gerenciado pelos razões já expostas, para este importante processo. Abraham
Estados soberanos e organismos internacionais - tem o de- Goldstein, Co-Presidente Nacional da B´nai B´rith Brasil, na
ver não só de recordar a tragédia singular do aniquilamento de abertura da V Jornada Interdisciplinar para o Ensino da História
mais de seis milhões de judeus (ou mais de 60% da população do Holocausto, realizado em Curitiba, em 6 de junho de 2008,
judaica da época); mas, o de educar às novas gerações para defendeu a seguinte posição:
uma Cultura de Paz, coexistência e diálogo entre os todos os Todas estas iniciativas têm o principal objetivo de dis-
povos do mundo. O dever de também de estar vigilante às ma- ponibilizar ferramentas que permitem ao educador apro-
nifestações de intolerância – venham de indivíduos isolados, fundar o seu trabalho em sala de aula com informações
de gangues neo-nazistas, organizações racistas e antissemitas e referências a documentos e argumentos interpretativos
ou de governos intolerantes (como o do Irã e o do Sudão). E que lhe apóiam, em sua tarefa e responsabilidade de edu-
utilizando o Direito Internacional, combater e proporcionar uma car os filhos de nossa sociedade, de nossa nação.
resposta adequada e firme a toda e qualquer forma de intole- Entendemos que, quanto mais consciente dos valores
rância religiosa, antissemitismo, racismo, xenofobia20. da democracia, quanto mais preparada para o exercício
O papel do Estado deve ser o de zelar e garantir a pleni- da cidadania estiver nossa sociedade, mais compreensi-
tude dos Direitos Humanos, sua ampla vigência e constante va e atuante ela o será em busca de justiça social. Toman-
aprimoramento. Os Direitos Humanos são universais e – ao do para si e não delegando a ninguém a sua capacidade
contrário de ofuscar a diversidade cultural dos povos, ela, pelo de conduzir e progredir no convívio pluralista e integrador,
contrário, se harmoniza e enriquece o seu rico acervo. Comple- estaremos garantindo, para nossa sociedade, um Brasil
mentarmente, os organismos internacionais contribuir para o sem discriminação, tolerante e assentado no princípio da
amplo entendimento e consenso dos Estados soberanos quan- paz.22
to ao imperativo moral e à premência da observância dos Direi- Encontra-se praticamente superada, no moderno de en-
tos Humanos. sino, a antiga concepção do processo educacional centrado
Que se retorne, novamente, à pergunta essencial: qual no simples transmitir de conhecimentos, no quadro e giz, na
deve ser o papel do docente, face ao desafio universal da Me- distante relação entre professor e aluno, e na atuação passiva
mória da Shoah ou do Holocausto? Deve-se referir ao papel do deste no processo de ensino aprendizagem. No Brasil, segundo
educador, desde as tenras gerações do Ensino Fundamental a vigente Lei de Diretrizes e de Base da Educação (Lei 9394,
até o nível do Ensino Superior. Augusto Cury, psiquiatra e pe- promulgada em 20 de dezembro de 1996), assim define a Edu-
dagogo entusiasta da análise sobre o imprescindível papel do cação, numa visão atualizada, no caput do Artigo 1º:
professor na sociedade e da sua missão de formar as novas A educação abrange os processos formativos que se de-
gerações, enfatiza que o professor deve transmitir “sabedoria, senvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
sensibilidade, afetividade, serenidade, amor pela vida, capaci- trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos mo-
dade de falar ao coração, de influenciar pessoas”21. Ora, ensi- vimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

17
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Cia das Letras, 2001. BASCOMB, Neal. Caçando Eichmann – Como um Grupo de Sobreviventes do Holocausto
Capturou o Nazista mais Notório do Mundo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
18
ARENDT, Hannah. Op. Cit.
19
HOBSBAWN, Eric. Op. Cit.. FOXMAN, Abraham. Nunca mais? – A Ameaça do Novo Anti-Semitismo. São Paulo: Francis, 2005.
20
FOXMAN, Abraham. Op. Cit..
21
CURY, Augusto. Pais Brilhantes e Professores Fascinantes. 7ª ed.. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 72.
22
GOLDSTEIN, Abraham (Co-Presidente Nacional da B´nai B´rith Brasil). “Discurso de Abertura da V Jornada Interdisciplinar sobre o Ensino do Holocausto”. Realizada em
Curitiba, no dia 06 de junho de 2008.
23
BRASIL. SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES. “Lei de Diretrizes e de Base da Educação”(Lei 9394/96). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acessado em 27/04/2011.

18
manifestações culturais.23 foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto
O papel da educação, portanto, não está voltada tão so- persistirem no que têm de fundamental as condições que
mente à colocação de profissionais competentes no mercado geram esta regressão. E isto que apavora. Apesar da não-
de trabalho, mas envolve a formação do cidadão ético, cons- visibilidade atual dos infortúnios, a pressão social conti-
ciente das suas responsabilidades individuais e sociais. No nua se impondo. Ela impele as pessoas em direção ao
Brasil, a inclusão da temática da Memória da Shoah ou do que é indescritível e que, nos termos da história mundial,
Holocausto na grade curricular ou no conteúdo programático culminaria em Auschwitz.25
do Ensino Fundamental, Médio e Superior, poderá contribuir O Yad Vashem26 (literalmente, em Hebraico, “Monumento
para o aprofundamento da consciência histórica em prol dos aos Nomes”) ou Museu do Holocausto, converteu-se numa das
Direitos Humanos; a construção de uma sociedade não apenas principais referências internacionais de pesquisa e no estudo
pluralista e tolerante, mas do pleno convívio pacífico, harmonio- do Holocausto, sendo hoje o mais importante centro judaico
so entre diferentes indivíduos, não importando a sua condição e mundial da Memória da Shoah27. O Yad Vashem, que rece-
religiosa, social, cultural, étnica, econômica, sexual ou outra; o be grupos de educadores, estudantes e visitantes do mundo
diálogo deve estar plenamente incorporado como instrumento inteiro, desempenha uma função importante na promoção
de aperfeiçoamento das instituições democráticas. Como afir- da tanto da Educação como da Cultura em prol da Paz, dos
ma Maria Luiza Tucci Carneiro, no seu livro Holocausto – Crime Direitos Humanos, da Coexistência e do Diálogo, ensinando
contra a Humanidade: que estes valores são o fundamento do convívio pacífico e har-
[O livro] pretende mostrar que aquele processo de monioso entre os povos. A diversidade cultural – de religiões,
extermínio de um povo passa pela compreensão dos di- costumes, línguas, instituições, valores –, presente no mundo,
reitos humanos, levando-nos a refletir sobre a responsa- constitui um legado riquíssimo para a construção de pontes de
bilidade do Estado na preservação da vida do cidadão. entendimento, compreensão e comunicação entre os povos. A
Através de uma análise crítica das teorias racistas imple- Memória da Shoah ou do Holocausto não é, de fato, apenas
mentadas pelo III Reich podem-se desenvolver atitudes direcionada para o povo judeu, mas também para a toda a Hu-
que favoreçam a convivência democrática e a construção manidade. Deve-se ensinar às novas gerações, na perspectiva
da cidadania. Neste sentido, o estudo da história da Shoá do Yad Vashem, por meio da educação, que novos preconcei-
desempenha um importante papel de conscientização, tos, discriminações, exclusões, violências, genocídio não se re-
pois alerta a humanidade a não incorrer mais nos erros pitam. Educar que o convívio pacífico e interativo entre pessoas
do passado. Não devemos nos esquecer.24 de distintas condições constitui o fundamento da Democracia e
Theodor Adorno (1903-1969), destacado filósofo e soci- dos Direitos Humanos. A Humanidade não pode ficar indiferen-
ólogo alemão do século XX, expoente da Escola de Frankfurt, te e nem ser omissa face às novas correntes de intolerâncias.
entendia que deveria se desenvolver uma pedagogia univer-
sal em torno da tragédia humana e social incomensurável do 3. Holocausto (Shoah): como foi possível acontecer?
Holocausto. Não ser indiferente, nem omisso e, muito menos,
compactuar com a intolerância, o preconceito, a discriminação. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) constituiu a
Esta é a atitude social e individual imperativa para que a Bar- maior tragédia da História da Humanidade, por sua extensão
bárie não retorne e nem se imponham ditadores sobre a Hu- geográfica, intensidade dos conflitos, drásticas transformações
manidade. Refletindo sobre Auschwitz, o mais ativo campo de sociais e conseqüências humanas. Este conflito culminou com
extermínio nazista, o pensador alemão argumenta: o extermínio de mais de seis milhões de judeus e cinco milhões
A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de não-judeus, através de uma sistemática política implemen-
de todas para a educação. De tal modo ela precede quais- tada pelo Terceiro Reich (1933-1945).
quer outras que creio não ser possível nem necessário Golda Meir (1898-1978) - uma das principais líderes do
justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu Sionismo28, chegou a comentar no momento da Independência
tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso de Israel, em 14 de maio de 1948, num misto de tristeza e ale-
em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca gria: “Pensei em meus filhos lutando e seus colegas morrendo
consciência existente em relação a essa exigência e as nessa hora. E pensei nos seis milhões de judeus que morre-
questões que ela levanta provam que a monstruosidade ram, todos aqueles que deveriam estar aqui, todos aqueles que
não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da não verão Israel”29.
possibilidade de que se repita no que depender do estado David Ben-Gurion (1886-1973), Primeiro-Ministro israe-
de consciência e de inconsciência das pessoas. Qualquer lense (1948-1952), ao proferir a Declaração de Independência
debate acerca de metas educacionais carece de significa- de Israel recordou a incomensurável tragédia humana que se
do e importância frente a essa meta: que Auschwitz não abateu sobre o povo judeu nos 1930 e 194030:
se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a A catástrofe que recentemente caiu sobre o povo ju-
educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à bar- deu - o massacre de milhões de judeus na Europa - foi ou-
bárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz tra demonstração clara da urgência de resolver o proble-

24
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Holocausto: Crime contra a Humanidade. São Paulo: Ática, 2005, p.5.
25
ADORNO, Theodor. “Educação após Auschwitz”. Disponível em: < www.scribd.com/.../Theodor-Adorno-EducaCAo-ApOs-Auschwitz>. Acessado em 23/04/2011. ADORNO,
Theodor W.. Educação e Emancipação. 5ª Ed.. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2010. ALMEIDA, Felipe Quintão. Bauman e Adorno: Sobre a Posição do Holocausto em Duas
Leituras da Modernidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.
26
O Yad Vashem foi criado em 1957, pela Lei da Recordação, proposta pelo Prof. Ben Zion Dinur, e aprovada pelo Knesset (Parlamento israelense), e construído no Monte
da Recordação (Har Hazikarón), em Jerusalém, Israel]
27
ISRAEL. YAD VASHEM. DEPARTAMENTO DE EDUCACIÓN Y DESARROLLO, ESCUELA INTERNACIONAL PARA EL ESTUDIO DEL HOLOCAUSTO. Para que lo sepan
las Generaciones Venideras: La Recordación Del Holocausto em Yad Vashem. Jerusalén: Yad Vashem, 2008. ABRAHAM, Ben. …E o Mundo Silenciou. São Paulo: WG
Comunicações e Produções, 1972.

19
ma da falta de um lar através do reestabelecimento em do Holocausto (em hebraico, Shoah) e da construção de uma
Eretz-Israel do Estado Judeu, que abriria bem os portões Cultura de Paz atrelada à valorização dos Direitos Humanos, da
da terra natal para todo judeu e conferiria ao povo judeu o coexistência e do diálogo entre os povos de todas as nações?
status de membro privilegiado na comunidade de nações. • Qual o papel da educação e dos educadores frente as
Sobreviventes do holocausto nazista na Europa, assim questões colocadas?31
como os judeus do resto do mundo, continuaram a migrar para De fato, há inúmeras reflexões suscitadas – ou ainda a
Eretz-Israel, apesar das dificuldades, restrições e perigos e nun- serem suscitadas – a respeito da Segunda Guerra Mundial
ca deixaram de assegurar o seu direito a uma vida de dignidade, (1939-1945) e, mais especificamente, sobre o Holocausto.
liberdade e trabalho honesto em seu lar nacional. Uma das inúmeras abordagens possíveis sobre este tema é à
Na Segunda Guerra Mundial, a comunidade judaica deste luz da História das Relações Internacionais que analisa a evo-
país contribuiu por completo com as nações que amam a paz e lução da vida internacional no tempo histórico, sob a perspec-
a liberdade contra as forças da tirania nazista e, com o sangue tiva da multi, inter e transdisciplinaridade, envolvendo diversas
de seus soldados e seus esforços de guerra, ganhou o direito de áreas do conhecimento: Sociologia, Ciência Política, História,
ser reconhecida entre os povos que fundaram as Nações Unidas. Relações Internacionais, Antropologia Cultural, Direito Interna-
Diante do reconhecimento de que o Holocausto, enquanto cional, Economia, Filosofia, Psicologia Social, Estatística Aplica-
genocídio singular, foi um crime contra a Humanidade, pergun- da ao campo das Ciências Humanas, etc.
tamos: A historiografia das Relações Internacionais permite de-
• Historicamente, como foi possível a deliberação, o linear um quadro abrangente da Segunda Guerra Mundial
planejamento e a implementação de um plano de extermínio (1939-1945) e, em especial, sobre o Holocausto. Sob a pers-
sistemático de milhões de pessoas (judeus, católicos, evan- pectiva do pensamento de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste
gélicos, ciganos, negros, homossexuais, maçons, opositores Duroselle, podemos refletir e discutir a História das Relações
políticos, muitos dos quais eram crianças, mulheres, idosos e Internacionais como resultante da dialética entre as ”forças
doentes)? profundas” e o papel dos “homens de Estado”, assim como do
• Como puderam ser implementados centenas de cam- próprio Estado. No caso das “forças profundas” constituem um
pos de extermínio que, concebidos para tal fim, garantiram a conjunto de fatores ou causas que desencadeiam o processo
execução da última etapa do plano que ficou conhecida como histórico: geográficos, demográficos, econômicos, financeiros,
“Solução Final”, em plena Segunda Guerra Mundial (1939- comerciais, nacionais, culturais, midiáticos, ideológicos, etc..
1945)? São elementos que moldam as relações internacionais. Do ou-
• O extermínio de milhões de seres humanos resultou tro lado, aparece a figura do “homem de Estado” – democrático
de uma decisão momentânea ou de um longo e contínuo pro- ou ditatorial, moderno ou tradicional – com sua personalidade,
cesso que antecedeu à própria eclosão da Segunda Grande caráter, visão estratégica, desígnios, ideologia e processo de-
Guerra (1939-1945)? cisório32.
• Qual o papel desempenhado pela Conferência de
Wannsee (1942) na história do Holocausto? Em que contexto 4. O Terceiro Reich e o Antissemitismo:
deve-se entender a “Solução Final da Questão Judaica” (Endlö-
sung der Judenfrage)? Antes de qualquer abordagem sobre o antissemitsmo,
• O estudo da história do Holocausto limitar-se-ia ao re- deve-se refletir acerca do significado de “ser judeu33”, uma
gistro histórico e da justa homenagem às vítimas e sobreviven- questão identitária, a qual divide teólogos (rabinos), filósofos,
tes ou transcenderia ao tempo histórico abarcando também o sociólogos, antropólogos e historiadores, dentre outros. Para o
presente e o futuro? Rabino Benjamin Blech, o Judaísmo não é somente uma reli-
• Como entender o inexplicável? Como foi possível, des- gião. É, além disso, um modo especial de viver e encarar a vida.
de a ascensão de Hitler ao poder em 1933, negar o direito dos Para Bernado Sorj, constituiria uma identidade inerentemente
judeus e não-judeus à vida, à dignidade humana, à liberdade, à plural e, sendo diversas coisas simultaneamente, não se en-
propriedade, enfim, ao próprio existir? quadrando em sistemas classificatórios rígidos e unívocos. O
• Qual a importância do resgate da memória histórica judeu seria, portanto, caracterizado como adepto de uma reli-

28
Sionismo constitui movimento político e filosófico - cuja moderna corrente foi fundada por Theodor Herzl, com o lançamento do livro O Estado Judeu (Der Judenstaat)
(1895) – que preconiza o direito à autodeterminação do Povo Judeu e à existência de um Estado judeu independente e soberano no território, no qual historicamente
existiu o antigo Reino de Israel (Eretz Israel). A idéia de retorno ao seu espaço nacional encontra-se expresso na vida religiosa, social e política do Povo judeu que sofreu
a Diáspora (Dispersão geográfica) Romana, no ano de 70 d.C/E.C., quando os romanos destruíram a cidade, as forças resistentes e o templo sagrado de Jerusalém, sob
comando do general Tito, dispersando parte considerável dos judeus. Mesmo assim, sempre houve uma presença ininterrupta de judeus na Terra Santa. BURNS, Edward
McNall; LERNER, Robert E. & MEACHAM, Standish. História da Civilização Ocidental – Do Homem das Cavernas às Naves Espaciais. 2º Volume. Rio de Janeiro: Globo, 1986.
JOHNSON, Paul. História dos Judeus. 2ª Ed.. São Paulo: Imago, 1995.
29
Criação do Estado de Israel. Produtores Bill Locke e Chris Kelly. Produtores Executivos: Richard Bradley, Adam Kemp e Neil McDonald. BBC Worldwide. 1 DVD. 2003.
30
ISRAEL. Declaração de Independência (Governo de Israel; Tel Aviv, 5 Iyar 5708, 14.5.1948). Disponível em: < http://www.visaojudaica.com.br/Abril2006/artigos/2.html>.
Acessado em 25/04/2011.
31
Os termos Holocausto e Shoah são empregados normalmente para representar a mesma idéia: a do genocídio cometido pelos nazistas contra judeus e não-judeus em
campos da morte durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, atualmente, a palavra Holocausto é a mais usada. A sua origem etimológica no Grego holokausto, aparece
nos texto sagrados do Judaísmo (Torah) e no do Cristianismo (Antigo Testamento) com o significado “queimado em sacrifício de Deus”. Tendo em vista que o significado
original da palavra Holocausto é “oferta sacrificial” em honra de D´us/Deus, existem objeções ao seu emprego. A morte dos judeus não foi uma oferta. Por isso, em Israel
e em círculos judaicos fora de Israel, as pessoas optam por utilizar a palavra hebraica “Shoah”, a qual significa: “aniquilação”, “grave tragédia”, etc. Kátia Lerner destaca:
“Um campo de disputa se formou entre historiadores de diferentes correntes – e, importante assinalar, origens étnicas – quanto à inclusão ou não de outros grupos além
dos judeus enquanto vítimas [do Holocausto]. Entre os autores que criticavam o alargamento desta definição estavam Stephen Katz e Yehuda Bauer, sob a alegação de
que isto enfraqueceria a singularidade da tragédia judaica. Estas perspectivas se chocam com as demandas de representantes destes grupos e acadêmicos como Donald
Kenrick, Gratton Puxon e Ian Hancock, no caso da perseguição aos ciganos. Richard Lukas, dos poloneses; Gunter Grau, dos homossexuais, entre outros”. LERNER, Kátia.
Holocausto, Memória e Identidade Social: A Experiência da Fundação Shoah. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. 2004, p.9.
32
RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São Paulo: DIFEL, 1967.

20
gião, assim como membro de grupo étnico e portador de uma européias40.
identidade coletiva34. Assim, o discurso antissemita encontrou um campo pro-
Considerada a mais antiga forma de ódio social e indivi- pício para proliferar identificando o judeu como “elemento de-
dual, no entendimento de Raquel Stivelman, o antissemitismo generado, revolucionário e cosmopolita” contrário ao “espírito
tem suas origens remotas, desde o estabelecimento do povo nacional alemão”. Desta época, deve-se mencionar a influência
judeu na Terra Prometida, na narrativa das Sagradas Escrituras do intelectual britânico Houstin Stewart Chamberlain41 (1855-
(no Livro da Torah/ no Antigo Testamento), liderado pelo Pa- 1927), com sua obra Os Fundamentos do Século XX que exer-
triarca Abraão, no Séc. XVIII a.C.35. Desde a Antigüidade, pode- ceu grade influência sobre a elite do império alemão, assim
mos identificar diversas e contextuais manifestações antisse- como sobre a posterior elite intelectual nazista, incluindo Adolf
mitas, desde o confronto entre o monoteísmo dos judeus e os Hitler (1889-1945), chanceler do Terceiro Reich; Alfred Rosen-
politeísmos dos povos vizinhos; passando pela ideia do deícidio berg (1893-1946), um dos principais teóricos do nazismo; Ru-
- suposta culpa coletiva de morte de Jesus atribuída indiscrimi- dolf Hess (1894-1987), secretário particular e homem de con-
nada e continuamente contra os judeus -, dos primórdios do fiança de Hitler; Paul Joseph Goebbels (1897-1945), Ministro
Cristianismo ao fim da Idade Média, com as conversões força- da Propaganda; Heinrich Himmler (1900-1945), Comandante
das de judeus e a Inquisição. Segundo Tucci Carneiro temos Supremo da SS (Reichsführer-SS) e elemento chave processo
que estar atentos a essas definições que distinguem o antisse- de execução do Holocausto; Hermann Göring (1893-1946), Ma-
mitimo tradicional, de fundamento religioso, do antisemitismo rechal do Reich, Comandante da Luftwaffe e segundo homem
moderno, de funadamentação científica, ou pseudo-científica.36 importante da hierarquia nazista do Terceiro Reich; Reinhard
Na Era moderna, sobretudo a partir da Revolução Fran- Tristan Eugen Heydrich (1904-1942), supervisor do processo
cesa (1789), os judeus foram estigmatizados como “cosmopo- de extermínio contra os judeus42.
litas”, não identificados com a cultura igualitária nacional. Mas, O antissemitismo transformou-se em instrumento de po-
a partir da segunda metade do século XIX, proliferou a ideia der do Terceiro Reich (1933-1945), consolidado com a vitória
da “inferioridade racial” dos judeus e o mito político “conspi- eleitoral de Adolf Hitler, pelo Partido Nacional-Socialista dos
ração judaico-maçônica”37 contra o mundo, alimentando esta Trabalhadores Alemães, o NSDAP, que o elegeu chanceler e
nova expressão de antissemitismo que seria assimilada pelos fundindo com as funções de Presidente após a morte do Mare-
nazistas a partir da criação do Partido Nacional-Socialista dos chal Paul Von Hindenburg (1847-1934)43. A partir de então, se
Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Ar- instaurou um Estado totalitário de direita, fundado, em parte,
beiterpartei (NSDAP). Existem diversas motivações, portanto, no nacionalismo exacerbado, militarismo expansionista territo-
para o antissemitismo multifacetado: religioso, social, cultural, rial e misto de conservadorismo tradicional. O discurso nazista
“racial” (étnico), econômico, político-ideológico. As narrativas fortaleceu-se com base na ideia de revolução social e instau-
encontram-se impregnadas de estereótipos como, por exem- ração de uma Nova Ordem Internacional fundamentada no
plo, do “judeu errante”, “judeu avarento”, “judeu capitalista”, mito do arianismo, ou seja, da “superioridade da raça e sangue
“judeu revolucionário” e/ou “judeu degenerado”38. dos arianos”, dos quais os alemães e demais povos de cultura
Para compreendermos a persistência do antissemitismo e alemã, assim como os emigrantes e as futuras gerações ger-
a execução da “Solução Final” devemos avaliá-los no contexto mânicas seriam os representantes diretos da Nação e do Povo
histórico do Terceiro Reich39 (1933-1945), cuja plataforma po- alemães44.
lítica resultou do fortalecimento dos grupos da extrema-direita A teoria da raça ariana, endossada como elemento prin-
na Alemanha desde o final do século XIX. Tanto o crescimento cipal da ideologia nazista, preconizava a idéia de que, num
do nacional-socialismo assim como dos sentimentos de pan- tempo mítico – baseado em crenças das tradições nórdicas
germanismo e antissemitismo devem ser compreendidos no pagãs -, teria existido um continente [imaginário] denominado
conturbado contexto social, econômico e político da Europa no Thule, no hemisfério Norte, no qual habitavam homens-deuses,
período do Entre-Guerras (1919-1939). Do período da Unifica- “arianos”, “raça pura”. Com o passar do tempo, teriam se in-
ção Alemã (1871-1918), com Otto Von Bismarck (1815-1898), tegrado às “raças inferiores” ou “bestiais”, e declinado, per-
até a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), surgiu dendo seus poderes originais45. A missão mística do nazismo,
uma agressiva ideologia nacionalista, militarista e conservado- defendida por Adolf Hitler – ideário presente na sua obra Minha
ra, no contexto de intensa Revolução Industrial e (re) ordena- Luta (Mein Kampf), de 1925 - e por toda elite nazista, seria a
mento da Alemanha no concerto entre as grandes potências de redimir a “raça ariana”, com o processo de “purificação e

33
Edward Burns situa a origem do Povo hebreu/judeu em tempos históricos remotos: “A origem dos hebreus ainda constitui um problema confuso. Certamente, eles não
possuíam quaisquer características físicas capazes de distingui-los nitidamente dos povos vizinhos, e sua língua pertencia à família semítica do Oriente Próximo. A maioria
dos historiadores admite que o berço primitivo dos hebreus tenha sido o deserto da Arábia. A primeira vez que os fundadores da nação de Israel aparecem na história
é, contudo, no noroeste da Mesopotâmia. Já em 1800 a.C., aparentemente, um grupo de hebreus sob a chefia de Abraão se estabelecera ali”(BURNS, Edward McNall;
LERNER, Robert E. & MEACHAM, Standish. História da Civilização Ocidental – Do Homem das Cavernas às Naves Espaciais. 1º Volume. Rio de Janeiro: Globo, 1986). Por
sua vez, assim como Edward Burns, o historiador Paul Johnson destaca as inestimáveis contribuições dos judeus em legar ao mundo o monoteísmo ético, com sua filosofia
da teocracia democrática e sua noção de igualdade perante a lei; a produção dos Textos Sagrados, e, com o tempo, suas ramificações, o Cristianismo e o Islamismo. Mas
também na criação do mundo moderno: na origem das idéias seculares; na evolução do capitalismo e sua contraparte ideológica, o socialismo; no desenvolvimento das
ciências e das artes; e no impulsionamento da cultura contemporânea (JOHNSON, Paul., Op.cit..).
34
BLECH, Benjamin (Rabino). O Mais Completo Guia sobre Judaísmo. São Paulo: Sefer, 2004. SORJ, Bernardo. Judaísmo para Todos. São Paulo: Civilização Brasileira, 2010.
35
Muitos povos combateram os judeus e invadiram seu território ao longo dos séculos: babilônios (586-538 a.C); persas e helênicos (538-142 a.C.); romano (63 a.C.-313
a.C.); bizantino (313-636); árabe (639-1099); cruzado (1099-1291); mameluco (1291-1516); otomano (1517-1917). Sem contar o Mandato Britânico sobre a Palestina
(1918-1948). Um dos principais fatores que explicam as invasões estrangeiras é a posição estratégica da Eretz Israel, no Oriente Próximo, praticamente na ligação entre os
três continentes: África, Ásia e Europa. JOHNSON, Paul. Op.cit.. BLECH, Benjamin (Rabino), Op. Cit.
36
Sobre estes conceitos ver CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia, 3ed., São Paulo, Perspectiva, 2004.
37
Falsa idéia encontrada, sobretudo, na obra apócrifa dos Protocolos dos Sábios de Sião, produzida pela polícia secreta do Tzar Nicolau II, em 1897.
38
BLECH, Benjamin (Rabino), Op. Cit.; MESSADIÉ, Gerard. História Geral do Anti-Semitismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. STIVELMAN, Raquel. O Ódio entre os
Homens – Anti-Semitismo: o mais Longo dos Ódios. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
39
O Primeiro Reich ocorreu com o Sacro Império Romano-Germânico (962-1806) e o Segundo Reich, com o Império Germânico (1871-1918).

21
destruição” dos elementos “não-arianos” seja da Alemanha ou e eliminar os “indesejados sociais” ou “raças inferiores” (doen-
do exterior. Adolf Hitler seria uma espécie de “messias ariano”. tes mentais, deficientes, ciganos, homossexuais, judeus, etc.).
Não apenas o Judaísmo foi eleito como inimigo principal do Es- A invasão da Polônia, em 1º de setembro de 1939 e o ataque
tado nazista, mas também o Cristianismo, devido à sua origem militar desferido contra a União Soviética, em 12 de junho de
teológica semítica e oposição ao paganismo. A essência des- 1941, com a Operação Barbarossa, marcam o início do proces-
ta forma de pensar se faz centrada no conceito de arianismo so de extermínio sistemático contra o povo judeu e outras “ca-
que tem sua origem nos tempos pagãos dos povos germânicos tegorias sociais indesejáveis”50.
anteriores à sua conversão cristã. O nazismo acreditava que Até o mês de dezembro de 1941, esquadrões da mor-
judeus e cristãos eram “incapazes” de uma verdadeira espiri- te (Einsatzgruppen), da Polícia de Segurança, pertencente à
tualidade [Sic]. Schutzstaffel (SS), a tropa de elite de Adolf Hitler, caminhando
Portanto, devemos considerar uma somatório de ele- atrás das tropas do Exército alemão (Wehrmacht), sob as or-
mentos para conseguir entender como foi possível um Estado dens de Heinrich Himmler, empreenderam massacres indiscri-
planejar o extermínio de um povo e de outras tantas minorias minados contra inúmeras comunidades judaicas do Leste Eu-
éticas e políticas. Como Jacques Sémelin argumenta, “o pro- ropeu, que chegaram a mais de 300 mil judeus, assassinados
cesso de massacres e genocídios – sobretudo, contra judeus, ao ar livre, por fuzilamento, e atingindo a cifra total de mais
ciganos, católicos, evangélicos, cristãos ortodoxos, eslavos, ho- de 1,3 milhões de judeus até o final da Guerra. Inicialmente,
mossexuais, etc. - em larga escala, tornou-se inevitável com o só visavam homens adultos, para depois também incluírem
estabelecimento do regime totalitário nazista”46. mulheres e crianças. Além dos judeus, os ciganos e agentes
políticos soviéticos também foram outros alvos51. Em 12 de de-
5. A Segunda Guerra Mundial e a “Solução Final” na Con- zembro do mesmo ano, um dia após anunciar a declaração de
ferência de Wannsee (1942) guerra nazista contra os Estados Unidos, Adolf Hitler tem uma
reunião de alta-cúpula do partido nazista na Chancelaria do
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) constituiu, se- Reich, em Berlim. Nesta reunião foram discutidos o estado da
gundo o historiador John Keegan, um conflito militar efetiva- guerra (com base em extenso relatório) e a questão dos judeus.
mente global, envolvendo a maioria das nações do mundo – O ministro da Propaganda, Joseph Goebbels (1897-1945) pro-
incluindo todas as Grandes Potências –, dos cinco continentes, nuncia as seguintes palavras, com autorização do próprio dita-
organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados dor Adolf Hitler:
(Estados Unidos, Reino Unido, França, União Soviética e outros Com relação à Questão Judaica, o Führer [líder] está
aliados) e o Eixo (Alemanha nazista, Itália fascista, Japão impe- determinado a realizar uma limpeza completa. Ele profe-
rialista e aliados menores). Desde então, representou o conflito tizou que, caso os judeus viessem a causar outra guerra
mais abrangente do ponto de vista geográfico, da escala de pro- mundial, iriam ter de enfrentar a própria aniquilação. Não
dução de armamentos, tecnologia militar avançada, com mais eram ameaças vãs. A guerra mundial é uma realidade.
de 100 milhões de militares mobilizados47. De fato, tratava-se A conseqüência necessária deve ser a aniquilação dos
de uma “guerra total”, na qual os principais envolvidos utiliza- judeus. Essa questão deve ser encarada sem sentimen-
ram toda sua capacidade econômica, financeira, industrial, tec- talismo. Não devemos nutrir simpatias pelos judeus, mas
nológica, propagandística, de inteligência e científica a serviço somente simpatia por nosso povo alemão.52
dos esforços de guerra, extinguindo a antiga distinção entre Então, neste estágio da Segunda Guerra Mundial (1939-
recursos civis e militares na guerra48. Caracterizado por signi- 1945), o extermínio de todos os judeus da Europa ocupada
ficativos ataques contra civis, incluindo o Holocausto e o uso pela Alemanha nazista, na “forma industrial de larga escala”
pioneiro de armas nucleares, contra as cidades de Hiroshima e – a “Solução Final e da Questão Judaica (Endlösung der Ju-
Nagasaki, no Japão em 1945. A conclusão é de que se tornou denfrage)”, foi defendido pelo ditador Adolf Hitler e toda a eli-
o embate militar mais trágico, brutal e violento da História da te do comando nazista. Cumpre lembrar que Adolf Hitler, na
Humanidade, totalizando mais de setenta milhões de mortos49. sua obra Mein Kampf (Minha Luta), de 1925, imprimira uma
Neste contexto, a Alemanha nazista preparou-se para roupagem ainda mais agressiva, sistemática e implacável ao
uma ampla ofensiva militar em direção do Leste Europeu, como antissemitismo europeu, no geral, e ao alemão, em especial.
parte da sua estratégia para se tornar a superpotência militar, O antissemitismo não estava mais vinculado apenas à ques-
econômica e tecnológica mundial. Esta estratégia baseava-se tão religiosa (na ideia do “deicídio”), mas era reforçado por
na doutrina geopolítica do Espaço Vital (Lebensraum), a qual argumentos pseudo-científicos. Portanto, o regime nazista, em
defendia que seria necessário expandir o espaço territorial do 1941, contando com o sucesso inicial da Operação Barbaros-
povo alemão, usar mão de obra escrava (eslavos e não-eslavos) sa, contra a União Soviética – após ter ocupado a Polônia, país

40
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HOBSBAWN, Eric. Tempos Interessantes – Uma vida no
Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste. Op.Cit.. SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). História das Relações
Internacionais Contemporâneas –da Sociedade Internacional do Século XIX à Era da Globalização. 2ª Ed.. Revista e Atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007. A História do
Terceiro Reich. USA Filmes. 1 DVD. S.d..
41
Casado com Eva Wagner, filha do compositor alemão antissemita Richard Wagner (1813-1883).
42
DAVIES, Norman. Europa na Guerra (1939-1945). Rio de Janeiro: Record, 2009.
43
KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
44
ROLAND, Paul. As Forças Negras desencadeadas pelo Terceiro Reich. São Paulo: Madras, 2009. .A História do Terceiro Reich. USA Filmes. 1 DVD. S.d..
45
Idem
46
SÉMELIN, Jacques. Purificar e Destruir: Usos Políticos dos Massacres e dos Genocídios. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. ALLEGRITTI, Pablo. O Clã de Hitler. São Paulo: Planeta
do Brasil, 2006.
47
SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). Op. Cit.. SOMMERVILLE, Donald. The Complete Illustrated History of World War Two: An Authoritative Account of the Deadliest Conflict
in Human History with Analysis of Decisive Encounters and Landmark Engagements. New York: Lorenz Books, 2008. KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
48
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SOMMERVILLE, Donald, Op. Cit.

22
de maior contingente populacional judaico, dominado a França 1ª) A divulgação propagandística (1925-1933) e a insti-
e enfraquecido o Reino Unido - consolidou a ideia da elimina- tucionalização (1933-1945) do mito ariano fortalecido com o
ção do judeu, interpretado como “inimigo da raça ariana”, da livro Mein Kampf (1925), de Adolf Hitler; o combate rígido à
vida européia (e, muito provavelmente, do contexto mundial, se “conspiração judaico-maçônica universal” e ao judeu “degene-
a Alemanha tivesse vencido a Guerra)53. rado racial”;
Em 20 de janeiro de 1942, reuniram-se, num palacete 2ª) Leis de Nuremberg (Nürnberger Gesetze) (1935),
em Wannsee, às margens do lago que leva este nome, nos compostas por três textos fundamentais adotados pelo Rei-
subúrbios de Berlim, funcionários civis graduados e oficiais da chstag sob iniciativa de Adolf Hitler: a Lei da Bandeira do Reich
SS e do Partido Nazista, com amplo consentimento e aprova- (Reichsflaggengesetz); a Lei da Cidadania do Reich (Reichsbür-
ção do ditador Adolf Hitler e de Heinrich Himmler. Nesta reu- gergesetz); e a Lei da Proteção do Sangue e Honra Alemães
nião, tiveram participação ativa Reinhard Heydrich, homem de (Gesetz zum Schutze des deutschen Blutes und der deutschen
confiança e provável sucessor do segundo, e Adolf Eichmann Ehre): normatização do processo de arianização da socieda-
(1906-1962), SS-Obersturmbannführer (Secretaria Central da de e Estado alemães e da crescente exclusão da vida social,
Segurança (Gestapo)54. O objetivo primordial da Conferência, econômica e cultural do judeu da vida coletiva na Alemanha
com a participação de oficiais nazistas, era de tornar factível a nazista;
idéia de extermínio físico dos judeus defendida por Adolf Hitler, 3º) Noite de Cristais (Kristallnacht) (10 de novembro de
Joseph Goebbels, Heinrich Himmler e Hermann Göring e outros 1938), com a devida premeditação e planejamento do Estado
membros da cúpula nazista55. nazista: destruição e saque de mais de mil sinagogas e deze-
Nesta reunião, Reinhard Heydrich, orientado por Herman nas de milhares de lojas e lares judaicos, detenção de mais
Göring, e como “Plenipotenciário para a Preparação da Solução de 30.000 judeus para campos de concentração e quase 100
Final da Questão Judaica Européia”, designado por Adolf Hilter judeus assassinados – início do processo de eliminação física
e por Heinrich Himmler, para que se alcançasse um “esboço de dos judeus;
projeto” dos elementos essenciais – organizacional, factual e 4ª) Processo de Guetorização: criação dos guetos, sobre-
material – em relação à “Solução Final”. Esta questão deve ser tudo, na Polônia e na União Soviética, superando a quantidade
analisada, não apenas à luz dos assassinatos isolados ou em de mil: isolamento e segregação dos judeus em relação às so-
massas praticados contra os judeus, desde a Kristallnacht (ou ciedades européias que os envolviam59;
“Noite de Cristais”, em 1938)56 até os extermínios promovidos 5º) A atuação dos esquadrões de extermínio (Einsatzgru-
pelos Einsatzgruppen, mas também da própria ideologia nazis- ppen) no Leste europeu, a partir da Operação Barbarossa (12
ta, com certeza, a qual apresentava, em seu cerne, a mais vio- de junho de 1941): o início do processo de assassinato em lar-
lenta, agressiva, radial e sistemática versão do antissemitismo ga escala de comunidades judaicas;
europeu em toda sua história. 6º) Institucionalização dos Campos de Extermínio (Ver-
A Conferência de Wannsee (1942) constitui um ponto- nichtungslager): a tentativa de exterminar todos os judeus da
chave, embora tenebroso à razão humana e ao próprio pensa- Europa, da África do Norte (e, certamente, caso houvesse vi-
mento humanista, no paulatino, progressivo e tenaz processo tória da Alemanha nazista, as demais regiões do mundo)60: a
de extermínio dos judeus do continente europeu e também do “industrialização em larga escala” do extermínio dos judeus
Norte da África (ponto este, muitas vezes, negligenciado pelos (sobretudo, estes) e de todos os “inimigos da raça ariana”61.
historiadores)57. O nazismo, tenha-se como ponto de partida, Reinhard Heydrich, homem de confiança de Adolf Hitler
não inventou o antissemitismo alemão ou europeu, este já e Heinrich Himmler, e imbuído do mais extremado fanatismo
existia, antes mesmo do advento do Cristianismo, há dois milê- pela ideologia nazista - um dos mentores da Conferência de
nios58. Porém, tanto a ideologia como o regime totalitário, de di- Wannsee (1942)- defendia a “Solução Final”, ou seja, a depor-
reita, na Alemanha nazista, levaram às últimas conseqüências tação em massa das comunidades judaicas remanescentes e
o ódio coletivo e institucionalizado aos judeus: a sua efetiva amplo processo de extermínio de mais de 11 milhões de judeus
eliminação física, identitária, social, cultural, religiosa, histórica em toda a Europa, incluindo os territórios ocupados (Polônia,
e econômica. República da Tchecoslováquia, União Soviética, França), de paí-
Há distintas formas de se abordar o processo de extermí- ses aliados (como a Hungria), de países ainda não invadidos (o
nio do povo judeu pelo Estado nazista. Pode-se propor a seguin- Reino Unido) e países neutros (Portugal, Espanha e Suíça, por
te seqüência: exemplo) e de países africanos (Marrocos, Argélia, e Tunísia).

49
SOMMERVILLE, Donald, Op. Cit. Dentre as principais causas da eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) encontram-se: os defeitos do Tratado de Versalhes
(1919); o enfraquecimento institucional e político da Liga das Nações (1919-1939); a intensa polarização ideológica – totalitarismos de direita (Alemanha, Itália e Japão)
versus Democracias Liberais (Estados Unidos, Reino Unido e França, principalmente) e Totalitarismo de esquerda (representado pela União Soviética); a corrida armamentista
e o expansionismo militarista agressivo - Alemanha anexando a Áustria, em 1938, e ocupando militarmente a Tchecoslováquia, no mesmo ano; Itália em conflito contra a
Líbia e a Etiópia; Japão contra a China e outros países do Extremo Oriente; nacionalismos exacerbados; a Guerra Civil Espanhola (1936-1939); o Acordo de Munique (1938)
BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E. & MEACHAM, Standish, Op. Cit. 2º Volume.Companhia das Letras, 1995.
50
DAVIES, Norman., Op. Cit.. BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E. & MEACHAM, Standish., Op. Cit., 2º Volume
51
KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. KERSHAW, Ian. Dez Decisões que Mudaram o Mundo (1940-1941). São Paulo: Cia das Letras, 2008.
52
GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010, p.293.
53
Idem. Ibidem.
54
GILBERT, Martin, Op. Cit..; ROSEMAN, Mark. Os Nazistas e a Solução Final – A Conspiração de Wannsee: do Assassinato em Massa ao Genocídio. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003. Dela também participaram os seguintes nazistas: Gauleiter Dr. Alfred Meyer (Ministério do Reich para os territórios ocupados no Oeste); Reichsamtleiter Dr.
Georg Leibbrandt (Ministro do Reich para os territórios ocupados no Leste); Dr. Wilhelm Stuckart (Ministro do Reich para o Interior); Dr. Erich Neumann (Chefe da secretaria
do plano dos 4 anos); Dr. Roland Freisler (Ministro do Reich da Justiça); Dr. Josef Buhler (Governo do Governo Geral); Dr. Martin Luther (Ministério do Exterior); SS-Oberführer
Gerhard Klopfer (Chancelaria do Partido); Ministerialdirektor Friedrich Wilhelm Kritzinger (Chancelaria do Reich); SS-Gruppenführer Otto Hofmann (Race and Settlement
Main Office); SS-Gruppenführer Heinrich Muller; SS-Oberführer Dr. Karl Eberhard Schongarth (Comandante da SD); SS-Sturmbannführer Dr. Rudolf Lange (Comandante da
SD para a Letônia).
55
Idem. Ibidem.

23
Adolf Eichmann tornou-se - por sua fidelidade a Reinhard REFERÊNCIAS
Heydrich, desde os tempos em que havia servido no Campo
de Concentração de Dachau - o implacável antissemita, faná- ABRAHAM, Ben. …E o Mundo Silenciou. São Paulo: WG Comuni-
tico nazista e obsessivo “arquiteto” da Solução Final. Em 30 cações e Produções, 1972.
de janeiro de 1942, dez dias após a realização da Conferência ADORNO, Theodor W.. Educação e Emancipação. 5ª Ed.. Rio de
de Wannsee (1942), em comunicação interceptada pelo Ser- Janeiro: Paz & Terra, 2010.
viço de Inteligência aliado, Adolf Hitler assim expressava suas ADORNO, Theodor. “Educação após Auschwitz”. Disponível em:
expectativas em relação ao rumo da Segunda Guerra Mundial <www.scribd.com/.../Theodor-Adorno-EducaCAo-ApOs-Auschwitz>.
(1939-1945) e à Questão Judaica, em discurso proferido na Acessado em 23/04/2011.
Chancelaria, depois de manifestar a “confiança da vitória” da ALLEGRITTI, Pablo. O Clã de Hitler. São Paulo: Planeta do Brasil,
Alemanha62: 2006.
(...) a guerra não terminará como imaginado pelos ALMEIDA, Felipe Quintão. Bauman e Adorno: Sobre a Posição do
judeus, com a eliminação dos arianos; o resultado des- Holocausto em Duas Leituras da Modernidade. Dissertação de Mestra-
ta guerra será a completa aniquilação dos judeus. Agora, do. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal
pela primeira vez, eles não sangrarão outros povos até a de Santa Catarina, 2007.
morte, mas, pela primeira vez, a velha lei judaica de ‘olho ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a
por olho e dente por dente’, será aplicada. E – os judeus Banalidade do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
de todo o mundo podem até ter consciência de que – BASCOMB, Neal. Caçando Eichmann – Como um Grupo de So-
quanto mais se estendem as batalhas desta guerra, mais breviventes do Holocausto Capturou o Nazista mais Notório do Mundo.
o antissemitismo se difundirá. Ele se alimentará em cada Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
campo de prisioneiros e em cada família que descobrir a BLECH, Benjamin (Rabino). O Mais Completo Guia sobre Judaís-
razão dos sacrifícios que são obrigados a fazer. E chegará mo. São Paulo: Sefer, 2004.
a hora em que o mais vil inimigo universal de todos os BRASIL. SENADO FEDERAL. SUBSECRETARIA DE INFORMAÇÕES.
tempos será derrotado, pelo menos por mil anos. “Lei de Diretrizes e de Base da Educação” (Lei 9394/96). Disponível
A SS constituiu a peça-chave do processo de extermínio do em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acessado em
povo judeu e de outros “inimigos da raça ariana”, promovidos 27/04/2011.
pelo Terceiro Reich (1933-1945), seja com os esquadrões da BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E. & MEACHAM, Stan-
morte (Einsatzgruppen), seja com a “industrialização em larga dish. História da Civilização Ocidental – Do Homem das Cavernas às
escala” da máquina da morte nos campos de extermínio nazis- Naves Espaciais. 2º Volume. Rio de Janeiro: Globo, 1986.
tas (Vernichtungslager) - Auschwitz-Birkenau; Bełżec; Chełmno; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Holocausto: Crime contra a Huma-
Majdanek; Sobibór e Treblinka. Além disso, encontrava-se na nidade. São Paulo: Ática, 2005.
centralidade do processo de arianização do Estado, das For- ___. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia, 3ed., São
ças Armadas, da sociedade e da cultura alemães. Concorrente Paulo, Perspectiva, 2004
ao poder das Forças Armadas tradicionais, de modo especial, CURY, Augusto. Pais Brilhantes e Professores Fascinantes. 7ª ed..
ao Exército alemão (Wermacht), sendo a tropa de elite de con- Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
fiança de Adolf Hitler, a SS desponta paulatinamente com uma DAVIES, Norman. Europa na Guerra (1939-1945). Rio de Janeiro:
importância estratégica crescente durante a Segunda Guerra Record, 2009.
Mundial (1939-1945)63. Mas não apenas isso: a SS estaria vo- EVANS, Richard. A Chegada do Terceiro Reich. São Paulo: Plane-
cacionada, na cosmovisão da ideologia nazista, a se transfor- ta, 2010.
mar tanto na nova aristocracia como na classe de “sacerdotes” FOXMAN, Abraham. Nunca mais? – A Ameaça do Novo Anti-Semi-
dos mistérios antigos teutônicos (anteriores à cristianização da tismo. São Paulo: Francis, 2005.
Alemanha)64. A Conferência de Wannsee (1942) veio a confir- GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na
mar o papel principal desempenhado pela SS no fortalecimen- Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010.
to do Terceiro Reich (1939-1945). ___. A Noite de Cristal: A Primeira Explosão do Ódio Nazista con-
tra os Judeus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
GOLDSTEIN, Abraham (Co-Presidente Nacional da B´nai B´rith
Brasil). “Discurso de Abertura da V Jornada Interdisciplinar sobre o

56
GILBERT, Martin, O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010. GILBERT, Martin. A Noite de Cristal: A Primeira
Explosão do Ódio Nazista contra os Judeus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
57
GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010. GILBERT, Martin.
58
MESSADIÉ, Gerard. Op. Cit.. STIVELMAN, Raquel. Op. Cit..
59
As autoridades nazistas de ocupação estabeleceram o primeiro gueto na Polônia em Piotrków Trybunalski, no mês de outubro de 1939
60
GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010. GILBERT, Martin. A Noite de Cristal: A Primeira
Explosão do Ódio Nazista contra os Judeus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
61
KERSHAW, Ian. Dez Decisões que Mudaram o Mundo (1940-1941). São Paulo: Cia das Letras, 2008. GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na
Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010. GILBERT, Martin. A Noite de Cristal: A Primeira Explosão do Ódio Nazista contra os Judeus. Rio de Janeiro: Ediouro,
2006.
62
GILBERT, Martin. O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: HUCITEC, 2010, p.297.
63
EVANS, Richard. A Chegada do Terceiro Reich. São Paulo: Planeta, 2010; RHODES, Richard. Mestres da Morte – A Invenção do Holocausto pela SS Nazista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003.
64
A História do Terceiro Reich. USA Filmes. 1 DVD. S.d.. ROLAND, Paul. Op. Cit..

24
Ensino do Holocausto”. Realizada em Curitiba, no dia 06 de junho de FILMOGRAFIA
2008.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914- A História do Terceiro Reich. USA Filmes. 1 DVD. S.d..
1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Criação do Estado de Israel. Produtores Bill Locke e Chris
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RHODES, Richard. Mestres da Morte – A Invenção do Holocausto 1. PROPOSTA PEDAGÓGICA: uma abordagem histórica
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de Wannsee: do Assassinato em Massa ao Genocídio. Rio de Janeiro: que regulamentam e organizam a vida social em determinado
Jorge Zahar, 2003. tempo e espaço, apresentou-se durante o século XX como
SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). História das Relações Inter- um dos instrumentos mais eficazes de sujeição e controle
nacionais Contemporâneas – da Sociedade Internacional do Século das pessoas através da força ou autoridade de determinado
XIX à Era da Globalização. 2º Ed.. Revista e Atualizada. São Paulo: Sa- governo.
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SÉMELIN, Jacques. Purificar e Destruir: Usos Políticos dos Massa- referência funcionou como etapa estratégica pedagógica ao
cres e dos Genocídios. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. projeto progressivo de dominação global, conduzido pelo poder
SOMMERVILLE, Donald. The Complete Illustrated History of World totalitário. Todos os atos opressivos, realizados pelo Estado
War Two: An Authoritative Account of the Deadliest Conflict in Human nazista no início da perseguição aos judeus, por exemplo, foram
History with Analysis of Decisive Encounters and Landmark Engage- praticados dentro da mais rigorosa aferição legal, proveniente
ments. New York: Lorenz Books, 2008. de um conjunto de leis concebidas de maneira perfeitamente
SORJ, Bernardo. Judaísmo para Todos. São Paulo: Civilização Bra- válida em sua aparência, mas de forma completamente
sileira, 2010. deplorável em seu conteúdo.
STIVELMAN, Raquel. O Ódio entre os Homens – Anti-Semitismo: o Assim, sob certo viés analítico, o direito, entendido como
mais Longo dos Ódios. Rio de Janeiro: Imago, 2006. sinônimo de lei, não é algo comprometido com a noção de bem
WALSH, Marcelo Vieira. “O Papel do Docente na Construção ou mal – que são vetores morais contingentes à determinada
da Memória do Holocausto”. Disponível em: < http://www.bnai-brith. conjuntura sócio-cultural. Apesar de admitir diversas
com.br/content/mail/press_especial.asp?cod=152>. Acessado em abordagens metodológicas, este ramo do conhecimento
29/04/2011. humano em si não se confunde com ciência, filosofia, ou arte
tampouco; representa, no entanto, mecanismo instrumental

65
Tulio Chaves Novaes é bacharel em direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em direitos fundamentais e relações sociais pela UFPA; doutorando em
direitos humanos pela Universidade de São Paulo (USP) e membro do LEER/USP desde 2009. Atualmente exerce a profissão de Promotor de Justiça e professor de Direito
Constitucional e Administrativo na Universidade Luterana do Brasil em Santarém (PA).

25
indispensável à sistematização, organização e controle do de desumanização perpetrado pelo Estado nazista, que
poder. Sem o direito o poder é como um pesado vagão de trem, culminou com o genocídio praticado nos campos de extermínio.
descendo uma ladeira íngreme, sem freio, nem trilho, nem Além de reconhecer o papel da cidadania na construção
maquinista definido! dos direitos humanos fundamentais e na prevenção
Este papel estruturante referenciado não diminui a aos influxos autoritários do poder político, procuraremos
importância pragmática do universo jurídico na reprodução dos demonstrar, com a presente exposição, que, sem a memória
valores sociais vigentes. Muito pelo contrário. Na Alemanha dos fatos opressivos e sem consciência crítica para identificar e
nazista a desumanização do povo judeu não representou combater manifestações pragmáticas da intolerância moderna,
fenômeno vinculado somente a causas sociológicas ou a história da discriminação e do preconceito, como o castigo
culturais. A complexa etiologia do holocausto inclui o incentivo de Prometeu, tende a reproduzir em escala seus efeitos na
pedagógico, dado pela oficialização da discriminação através atualidade.
da promulgação de legislação nacional francamente racista e
restritiva, no rol de suas causas essenciais. 2. Noções Teóricas Sobre Direitos
A partir do momento em que a violência tornou-se Humanos Fundamentais66
juridicamente institucionalizada, o menosprezo pelo direito à
diferença, culminando com a bestialização de seres humanos, Existem diversas explicações que procuram conceituar
transformou-se em algo trivial. Assim, as “Leis de Nuremberg” teoricamente o que seriam os Direitos Humanos Fundamentais.
de 1935 representaram o passo fundamental ao reforço do Pela objetividade semântica e didática, bem como pela
discurso ideológico totalitário, praticado pelo governo nazista profundidade de conteúdo, apresentamos a definição fornecida
em nome da lei, da justiça e da desvirtuada razão de Estado. pelo professor André de Carvalho Ramos, da Universidade de
Não fortuitamente, destes três últimos elementos listados, São Paulo, o qual entende os direitos humanos da seguinte
a razão de Estado define possibilidade de ingerência da maneira:
política no sistema jurídico, propiciando seu condicionamento ...conjunto mínimo de direitos necessário para
ideológico. E foi justamente através da via ideológica que o assegurar uma vida do ser humano baseada na liberdade,
poder que oprime introduziu no direito posto suas regras de igualdade e na dignidade67.
dominação, criando verdadeiras aberrações jurídicas do ponto Na definição encontramos alguns elementos estruturais
de vista ético e moral, como as referidas “Leis de Nuremberg”. que denotam a raiz pragmática destes tipos especiais de
Opressão institucionalizada e racismo, desta feita, caminham normas, pois as mesmas são apresentadas como um conjunto
quase sempre de mãos dadas. de direitos, evidenciados pela sua necessidade de gozo ou
Os mecanismos de ideologização do direito, propostos efetivação. Mas, de fato, que tipos de direitos seriam estes?
pela Lei da Cidadania do Reich e pelas Leis para a Proteção Qual a sua ontologia? Para responder a estas perguntas
do Sangue e Honra Alemã, promulgadas pelo Estado alemão acrescentaríamos à idéia conceitual inicial o referencial
em 24 de setembro de 1935, como veremos nos tópicos histórico que lhes condiciona e define o conteúdo.
seguintes, foram os mais diversos possíveis. Conforme o nível Entendidos desta maneira, os direitos humanos, no seu
de institucionalização dos vetores e necessidade de controle conjunto, correspondem à conquista moderna da sociedade
das massas, tais elementos variaram da oficialização dos humana, resultante da superação de momentos históricos de
mitos sociais ao apelo ostensivo ao nacionalismo unificador do opressão e do reconhecimento dos povos da necessidade de
discurso do triunfo sobre o inimigo objetivo. proteção de certos valores fundamentais à vida com dignidade.
Ocorre que, apesar do grande malefício provocado ao povo Não são direitos unilateralmente prescritos por uma
judeu, o resgate histórico da memória da legislação nazista mente privilegiada, ou por algum outro tipo de fonte inspiradora
dos anos 30, em parte, proporcionou a cristalização moderna politicamente conveniente, como ocorria na Idade Média com o
daquilo que costumeiramente chamamos direito internacional chamado direito natural, ditado pela cúpula da Igreja Católica
dos direitos humanos; ou seja, o conjunto sistemático de normas Romana. Ao contrário disto, hodiernamente, tais direitos
positivas e princípios jurídicos, supranacionais, encabeçadas encontram-se vinculados em base socialmente verificável,
pela Declaração Universal de 1948, que visam proteger certos determinada pelo consenso internacional e aprendizado
valores históricos universais, tidos como pertencentes a todas histórico proveniente do reconhecimento de graves erros do
as pessoas. passado.
Partindo deste ponto específico, portanto, explicitaremos Tendo a condição humana como única exigência,
algumas convicções generalizadas sobre a natureza de estes direitos especiais fornecem base concreta para a
tais direitos para, em seguida, entender como a retirada da caracterização do valor dignidade humana68, o qual, na sua
cidadania dos judeus representou etapa essencial ao processo

67
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional; Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.19.
68
Segundo SARLET, dignidade é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” – SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais;
Porto Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001, p.60 apud RAMOS, André de Carvalho; op. cit, p.20.
70
Para aprofundamento da temática vide: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura das Teses “Sobre o Conceito de História”; São Paulo: Boitempo,
2005.
71
Mas o problema primordial não se resumia apenas na ausência de estrutura orgânica e funcional eficiente para implementar tais direitos – fato que vincula-se muito mais
às controvérsias humanísticas de hoje em dia. A principal característica deste momento inicial, que representava verdadeiro óbice a qualquer iniciativa de sistematização
de leis, estava na ausência de uma base normativa internacional capaz de aglutinar objetivamente estes direitos em espécie.
72
Para melhorar o entendimento sobre o tema vide PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A Declaração Universal dos Direitos Humanos; série Rupturas; São
Paulo: Editora Lazuli, 2006.
73
Ibidem.

26
essência, firma impossibilidade de se estabelecer qualquer Tal documento jurídico coroava normativamente uma
tipo barganha com certos bens humanos tidos por inalienáveis. série de direitos fundamentais e inalienáveis, tidos como
São espécies destes bens a liberdade, a privacidade, a pertencentes a todos os seres humanos, independentemente
nacionalidade, a propriedade, o trabalho remunerado de forma do que poderiam definir os Estados nacionais. Na prática o
justa, a educação, a saúde, a alimentação, a família, a proteção diploma internacional referido sintetizou diversos direitos
por tribunais oficiais neutros, a integridade física e mental, a históricos, ditos de primeira e segunda geração.
segurança pessoal etc. Bem como outros direitos que venham Os direitos de primeira geração, qualificados como
à lume através do processo de desenvolvimento dialético liberdades públicas essenciais, foram provenientes da
histórico. declaração francesa de 1789 e representaram os valores
O significado moral desta injunção reside no entendimento relacionados à liberdade individual do cidadão frente ao
de que o ser humano não pode ser comparado, nem tratado Estado. Sua base subjetiva estabelecia um campo de garantias
como coisa fungível ou descartável. Esta característica individuais imune à ingerência estatal, a não ser para reforçá-las
ensejaria noção de preço. Já a idéia de dignidade suscitaria e protegê-las. Por isso tais direitos foram também qualificados
propriedade bem diferente, qualificada pela doutrina kantiana como liberdades negativas; ou seja, lugar onde, via de regra,
como inegociável. não seria admissível qualquer intromissão estatal.
Próximo ao conceito de história, fornecido por Walter Em espécie, classicamente, estas liberdades são
Benjamim69 antes de seu suicídio, ocorrido em circunstâncias as seguintes: liberdade pessoal, igualdade, proibição de
suspeitas em setembro de 1940, sob a pressão da invasão discriminações, o direito à vida, à segurança, proibição de
nazista à França e diante da instauração da ditadura de prisões arbitrárias, presunção de inocência, o direito ao
Vichy, percebe-se, que a base ético-material desta noção julgamento pelo juiz natural, a liberdade de ir e vir, o direito
teórica permanece ligada à negação de todos os momentos de propriedade, a liberdade de pensamento e de crença, a
históricos em que seres humanos foram tratados como objetos liberdade de opinião, de reunião, de associação, o direito ao
inanimados, passíveis de submissão ou destruição por parte asilo, à nacionalidade, a liberdade de casar e os chamados
de outras pessoas ou estruturas políticas totalitárias. direitos políticos18.
Assim, ao sacralizar tais valores, a ordem jurídica Concomitantemente vieram os direitos de segunda
internacional – simbolicamente através da negação dos geração, ou direitos sociais, que, por sua vez, foram concebidos
campos de concentração, dos pogrons, das pilhagens e a partir das conquistas trabalhistas do século XIX e XX, como
carnificinas organizadas, dos genocídios e etnocídios etc. –, as que resultaram na Constituição Mexicana de 1919, ou
acaba por entender e determinar a existência de alguns bens brasileira de 1934.
que não se sujeitam a nenhum tipo de preterição ou pechincha, A exploração e a ausência de regulamentação da jornada
nem mesmo diante do dogma da soberania estatal, hoje em dia de trabalho, em primeiro momento, provocaram lutas proletárias
não mais entendida como sinônimo de poder absoluto. intensas que evidenciaram a necessidade de se resguardar
O processo de construção do sistema jurídico internacional direitos relacionados à esfera social das relações humanas.
de direitos humanos fundamentais, tomando por base a A vida do homem em sociedade, diferentemente do homem
Declaração Universal de 1948, de forma fundamental, pode em suas relações interindividuais, sugeria a necessidade de
ser dividido em dois momentos estruturalmente distintos: intervenção do Estado para o desenvolvimento de políticas
1) Antes deste marco, tínhamos o que se pode chamar públicas que dariam azo à diminuição de desigualdades e
de fase pré-jurídica, onde a força normativa de certos direitos ao estabelecimento de melhores oportunidades de vida e
tidos como inalienáveis ainda se sujeitava sobremaneira ao subsistência. Por tal característica estes direitos são vistos
empirismo resultante do direito natural e às vicissitudes sócio- como liberdades positivas, onde, ao contrário dos direitos
culturais de cada país soberano no exercício de sua boa vontade. individuais, a regra passa pelo gerenciamento e controle por
Neste primeiro momento, diante da fragmentação da ordem parte do Estado.
política internacional – proveniente, mormente, das disputas Estas disposições normativas, em resumo, correspondem
bélicas e econômicas que motivaram a Primeira Grande Guerra à seguridade social, ao direito ao trabalho, à associação
e da inexistência de estrutura supranacional consensual, sindical, ao repouso, aos lazeres, à saúde, à educação, à vida
necessária à imposição de certos deveres e obrigações cultural73.
jurídicas aos entes estatais –, na prática administrativa diária Esta base normativa internacional, representada pela
cada Estado ditava a solução mais conveniente no campo da Declaração Universal de 1948 e seus documentos primordiais,
preservação de valores essenciais70. soa como verdadeira Constituição Mundial que, em reação
2) O segundo momento só viria com o fim da Segunda em cadeia, resultou em diversos outros documentos jurídicos
Guerra Mundial. Assim, em 10 de dezembro de 1948, ano da internacionais74. Diferentes em abrangência e importância
fundação oficial do Estado de Israel em meio à dor proveniente temática, este conjunto de leis suscitou a subsistência de
das seqüelas incuráveis do pós-guerra e diante das imagens verdadeiro sistema mundial de disposições defensivas dos
das atrocidades praticadas pelos nazistas nos campos de direitos humanos fundamentais.
extermínio, a Assembléia Geral das Nações Unidas, fundada Com a proeminência de tal sistema jurídico específico
na legitimidade proveniente de concordância internacional, a idéia westffaliana de soberania política, baseada na
promulgou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.71 possibilidade irrestrita dos Estados gerenciarem a vida e os

74
Citamos, pela sua importância, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ambos
ratificados pelo Brasil apenas em 1992). Igualmente mencionamos a Convenção americana sobre Direitos Humanos (conhecida com Pacto de São José da Costa Rica), que
foi aderida pelo Brasil também em 1992.
75
Rol apresentado por RAMOS, André de Carvalho; op. cit, parte 2, pp. 163-255.

27
direitos das pessoas sujeitas ao seu poder, cedeu espaço A vigência da noção da soberania estatal como poder
a outro modelo protetivo, baseado na possibilidade de absoluto, bem como a inexistência orgânica e funcional
interferência internacional em qualquer lugar para a garantia de sistema jurídico internacional apto a fazer valer suas
destes direitos inalienáveis. prescrições normativas, determinaram exemplos históricos
Desta forma, hoje em dia, pelo menos em tese, não contundentes de abusos, cometidos em nome da lei contra
há nem mesmo a necessidade de assinatura de tratados direitos fundamentais.
internacionais para obrigar determinado Estado a respeitar os As chamadas “Leis de Nuremberg”, compostas pelo
limites salutares à sobrevivência das pessoas. conjunto integrado de duas outras legislações – as Leis para
As características primordiais dos direitos humanos a Proteção do Sangue e Honra Alemã e a Lei da Cidadania
fundamentais, por seu turno, podem ser listadas didaticamente do Reich – representam um destes malsinados modelos.
através dos seguintes pontos objetivos75: Consistiram de per si em conjunto de normas jurídicas, ligadas
Superioridade normativa: no plano interno ou no a valores culturais segregacionistas e racistas, outorgadas
internacional as regras e princípios de direitos humanos em 15 de setembro de 1935 na cidade de Nuremberg pelo
sempre ocupam lugar de destaque, revelando superioridade Parlamento Alemão (o chamado Raichstag), que, na ocasião,
na hierarquia das normas. estava composto por integrantes do partido nazista.
Universalidade: os direitos humanos fundamentais Esta legislação discriminatória prenunciou a perseguição
extrapolam a órbita da nacionalidade, ou limites de tempo e sistemática ao povo judeu, criando um sistema racial de
espaço. Adéquam-se a todas as pessoas, em qualquer momento reconhecimento de cidadania, baseado, sobretudo, em critérios
da história, independentemente da idéia de soberania nacional relacionados à pureza de sangue. Desta forma, quem não se
ou idiossincrasias culturais. enquadrasse biologicamente dentro dos padrões étnicos e
Indivisibilidade: pois nenhum dos direitos humanos pode culturais, definidos pela ordem jurídica como oficiais, estaria
ser separado do seu contexto conjuntural, merecendo igual completamente alijado da proteção estatal, sujeitando-se a
proteção. qualquer tipo de anátema.
Interdependência: não se podem desgarrar tais A regulamentação informada estruturava-se em duas
direitos, que se integram e interagem em uma mesma direções: uma se relacionava aos aspectos formais da
base intercomplementar; ou seja, não se pode agredir um concessão e do reconhecimento da cidadania alemã; a
determinado direito humano fundamental sem agredir os outra, objetivando diretamente à marginalização dos judeus,
outros. compunha a delimitação e identificação dos sujeitos destes
Indisponibilidade: em regra, ninguém pode renunciar aos direitos.
direitos humanos fundamentais. Dentro da primeira definição, modelando as regras
Caráter erga homnes: estes direitos foram criados para da chamada “Lei da Cidadania do Reich”, relegou-se
englobar não só as pessoas do mundo inteiro, mas também discricionariamente ao Estado o poder para a concessão da
todos os Estados nacionais, independentemente de assinaturas cidadania alemã como condição ao exercício de certos direitos
de tratados ou outros documentos internacionais. fundamentais e proteção estatal. Os artigos desta lei afirmavam
Exigibilidade: os direitos humanos fundamentais são o seguinte:
eminentemente vinculados a uma necessidade ética; ou seja, Artigo 1º: I) Um sujeito do Estado é uma pessoa
a implementação prática de seus preceitos é crescente e que pertence à união protetora do Reich alemão e que
obrigatória. tem obrigações particulares com o Reich. II)- O status de
Abertura: o valor que vivifica seu conteúdo não é imutável; sujeito é adquirido conforme providências do Reich e lei
ou seja, tais direitos são suscetíveis à evolução histórica e ao do Estado de Cidadania.
aprimoramento cultural. Artigo 2º: I) Um cidadão do Reich é aquele sujeito
Aplicabilidade imediata: tais direitos não dependem de que é alemão ou que é de sangue alemão e que provar, por
outras leis ou quaisquer outros desdobramentos normativos sua conduta, que deseja servir fielmente ao povo alemão
para se efetivarem, podendo ser invocados de imediato nos e ao Reich. II) O Direito de cidadania é conseguido pela
Tribunais por parte dos interessados. concessão dos documentos de cidadania do Reich. III)-
Dimensão objetiva: além de representarem direitos de Somente o cidadão do Reich desfruta de Direitos políticos
pessoas, os direitos humanos fundamentais também denotam completos de acordo com as determinações das leis.
aspecto institucional, representado por deveres e garantias Artigo 3º: O Ministro do Interior do Reich e o substituto
que devem ser obedecidos por todos. do Führer emitirão os decretos legais e administrativos
Proibição de retrocesso: como patrimônio da humanidade, necessários para executar e completar esta lei.
os direitos humanos fundamentais só podem ser ampliados Complementando os objetivos discriminatórios da
ou aperfeiçoados, vedando-se aos Estados a possibilidade legislação apresentada, também em 15 de setembro de 1935,
de diminuição ou aviltamento direto ou indireto do nível de o governo nazista promulgou a chamada “Lei para a Proteção
proteção já alcançado. do Sangue e Honra Alemã”, que privava os judeus de quase
Eficácia horizontal: além de validade nas relações entre todos os direitos civis individuais e políticos. Com a iniciativa,
particulares e o poder público, os mesmos direitos também cindiu-se a sociedade alemã, para rebaixar oficialmente os
valem e devem ser respeitados nas relações entre os próprios judeus à qualidade de cidadãos de terceira categoria. Esta lei
particulares. foi estabelecida nestes termos:
Artigo 1º: I) São proibidos os casamentos entre
3. As Leis de Nuremberg judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os
casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos

28
e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido contraídos possa usufruir os benefícios e gozar isonomicamente as
no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei. II) Só o oportunidades resultantes da vida em sociedade com justiça
procurador pode propor a declaração de nulidade. e equidade. Seguindo a lógica moral dos valores humanísticos
Artigo2º: As relações extra-matrimoniais entre fundamentais, tal condição existencial pode ser simplesmente
judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são compreendida como capacidade de exercício de direitos e
proibidas. garantias essenciais à vida com dignidade.
Artigo 3º: Os judeus são proibidos de terem como Sem a possibilidade de realização das faculdades
criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou disponíveis e indisponíveis que compõem institucionalmente
aparentados com menos de 45 anos... a figura do cidadão não há nem mesmo como assegurar a
Artigo 4º: I) Os judeus ficam proibidos de içar a noção jurídica de pessoa. Este termo, por seu turno, relaciona-
bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do se à possibilidade de se titularizar direitos e de se vincular a
Reich. II)- Mas são autorizados a engalanarem-se com as obrigações em determinado cenário legislativo. Em regra,
cores judaicas. O exercício dessa autorização é protegido somente uma pessoa física ou jurídica pode assumir estas
pelo Estado. qualidades; coisas e animais, por exemplo, são apenas objetos
Artigo 5º: I) Quem infringir o artigo 1º será de direitos, nunca sujeitos.
condenado a trabalhos forçados. II) Quem infringir os Desta maneira, a noção dogmática de homem para o
artigos 3º e 4º será condenado à prisão que poderá ir até direito positivo, revela-se como a somatória dos atributos
um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas. físicos e morais que determinada ordem jurídica define como
Artigo 6º: O Ministro do Interior do Reich, com pertinente em momento específico. Para entender melhor a
o assentimento do representante do Führer e do assertiva, imagine retirar todo o patrimônio jurídico, físico e
Ministro da Justiça, publicará as disposições jurídicas e moral, arregimentado por alguém durante sua existência – tal
administrativas necessárias à aplicação desta lei. como o nome, a honra subjetiva, os predicados pessoais de
As premissas que fundamentaram esta legislação estado, os direitos civis, políticos, individuais e sociais, os bens
extravagante ligavam-se, sobretudo, à necessidade de materiais etc; nesta situação, o que resta? Biologicamente
oficialização dos valores antissemitas no seio da sociedade vemos um membro da espécie humana; mas, na prática, para
alemã. A introdução de tais elementos anímicos no direito o mundo cívico, não temos nada além de um objeto76.
posto, por sua vez, consistiu em etapa secundária dentro do Aliás, espalhados amiúde em diversos momentos
programa de totalização do poder, que não poderia ocorrer históricos significativos, percebemos diversos exemplos em
abruptamente de uma hora para outra. que membros da espécie foram alijados da condição humana
Assim, da maneira como se deu a manipulação das simplesmente por um capricho conceitual da legislação. Assim
consciências individuais, o imaginário social, impregnado de ocorreu com as vítimas diretas do escravismo no Brasil, durante
referências simbólicas desqualificantes da comunidade judaica quase duas centenas de anos, com os negros americanos que
e de outras minorias étnicas, já estava preparado para receber vivenciaram as leis de “Jim Crow”, no início do século XX, ou
tal legislação. Estes grupamentos humanos subordinados com os judeus que sofreram a perseguição nazista, oficializada
foram tendenciosamente identificados como inimigos do bem com as “Leis de Nuremberg”.
comum e como estorvo ao desenvolvimento sócio-econômico. O fato histórico pode até mudar, mas o processo de
Parte do projeto de recrudescimento do poder político desumanização permanece semelhante. Perceba que a retirada
nazista, desta maneira, passava de forma imprescindível oficial das faculdades que compõem a idéia de cidadania,
pela necessidade de formação de mentalidade nacionalista, em regra através de leis discriminatórias, parece sempre
baseada no discurso da idéia de pureza de raça, e, o que representar o passo antecedente à transformação de seres
era antes considerado como simples conveniência social, humanos em coisas descartáveis, com a retirada completa de
transformou-se em obrigação e meta política com a introdução todos os direitos e garantias fundamentais.
de tais preceitos no sistema jurídico. Neste aspecto, a opinião amplifica-se em importância na
medida em que se verifica que a desumanização derradeira,
4. Premissas Discriminatórias de Nuremberg sofrida pelos judeus que se encontravam sujeitos ao sistema
de dominação nazista, fez parte de processo paulatino de
O estudo e o reconhecimento pedagógico da importância transformação da consciência coletiva, do qual todos nós ainda
da educação para os direitos humanos através do aprendizado hoje estamos sujeitos.
histórico viabilizam a compreensão da cidadania como requisito O início deu-se com o apelo simbólico a estigmas sociais
imprescindível para se viver com dignidade. Neste sentido, personificadores do inimigo objetivo, passou pela perda gradual
reconhecemos que o processo de desumanização sofrido pelo de cidadania e alcançou o paroxismo, com a transformação
povo judeu, necessário ao projeto nazista de extermínio total, daqueles seres humanos em coisas completamente
desenvolveu-se aos poucos a partir da decomposição gradual substituíveis, aptas ao descarte através da chamada solução
de aspectos centrais ao direito de cidadania daquelas pessoas. final.
A cidadania pode ser entendida como a possibilidade Primo Levi, um dos poucos judeus que sobreviveram a
de realização do conjunto de prerrogativas legais individuais, Auschwitz, relata com precisão este processo de degradação
políticas e sociais necessárias para que determinada pessoa sofrido por todas as vítimas do holocausto, ao descrever o

76
O que os direitos humanos procuram fazer é vincular parte significativa do potencial transformativo da ordem jurídica a serviço do próprio homem, libertando sua definição
das vicissitudes e conveniências de alguma legislação politicamente variante no tempo e no espaço. Com a noção de dignidade da pessoa humana, transmuta-se a idéia de
homem do “ter” para o “ser”; ou seja, sob a ótica dos direitos humanos, basta ser homem para ter direitos fundamentais indisponíveis assegurados.

29
mecanismo sistemático de desumanização que as pessoas legislação, podemos perceber como se processava o sistema de
submetidas aos campos de concentração sofreram no apogeu relações sociais articulado de forma a afastar os cristãos-novos
da administração nazista. Para tanto, de forma contundente, o do grupo de status. No início do século XVI, antes mesmo das leis
grande ativista menciona o seguinte: discriminatórias se institucionalizarem em Portugal através da
Condição humana mais miserável não existe, não legislação geral, os cristãos-novos já eram proibidos de ocupar
dá para imaginar. Nada mais é nosso: tiraram-nos as cargos eclesiásticos, de ter acesso às confrarias, às Ordens
roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos Militares e aos cargos de governos administrativos e militares. Ao
escutarão – e, se nos escutarem, não nos compreenderão. impor regras para a seleção de seus membros, essas instituições
Roubarão também o nosso nome, e, se quisermos mantê- definiam onde e como deveriam se processar as práticas sociais.
lo, deveremos encontrar dentro de nós a força para tanto, Dessa forma, as atitudes sociais contra o cristão-novo assumiram
para que, além do nome, sobre alguma coisa de nós, do as características de um racismo institucional, passando a limitar
que éramos... Mas que cada um reflita sobre o significado as escolhas, os direitos, a mobilidade e o acesso de grupos de
que se encerra mesmo em nossos pequenos hábitos de cristãos-novos a certas posições. Posições estas consideradas
todos os dias, em todos esses objetos nossos, que até o dignas apenas daqueles que não tinham “mancha” da raça da
mendigo mais humilde possui: um lenço, uma velha carta, gente da Nação79.
a fotografia de um ser amado. Essas coisas fazem parte de Identificada com o primeiro grupo – o dos preferidos –
nós, são algo como os órgãos de nosso corpo... Imagine- de um lado, temos uma massa de pessoas que reproduzem
se, agora, um homem privado não apenas dos seres o discurso dominante e que auferem as vantagens do poder.
queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo, Percebidos como inimigo objetivo, do outro lado temos os
enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser indivíduos e grupos minoritários marginalizados e renegados,
vazio, reduzido a puro sofrimento e carência, esquecido sujeitos à discriminação social e à perseguição pelos
de dignidade e discernimento... transformado em algo tão mecanismos de Estado.
miserável, que facilmente se decidirá sobre sua vida e sua Este verdadeiro arquétipo da discriminação e dominação
morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana... política institucionalizada pode também admitir variações
Meu nome é 174.517; fomos batizados, levaremos até a quantitativas que servem utilitariamente para disfarçar
morte essa marca tatuada no braço esquerdo...77 qualquer vestígio de perplexidade capaz de dimanar crítica
A demonstração desta característica em vários outros ao sistema de opressivo, o qual faz questão de esconder sua
momentos históricos da humanidade indica a discriminação de verdadeira fisionomia.
minorias como característica arquetípica constante no projeto Em alguns outros exemplos históricos, como o modelo
multigeracional do poder totalitário, que se disfarça na forma, deturpado de cidadania exposto nas chamadas leis de “Jim
mas permanece o mesmo no conteúdo. Crow”, percebemos que o viés discriminatório da legislação
A professora Maria Luiza Tucci Carneiro, analisando as foi camuflado por concessões, ou favores, emprestados pela
características do processo de dominação do Brasil colônia estrutura de dominação aos desonrados que, mesmo diante
pela coroa portuguesa, suscita a discriminação do cristão disto, permaneceram aquém da fronteira dos escolhidos.
novo, e sua conseqüente exclusão dos setores participativos Este conjunto difuso de leis específicas, que vigorou
da sociedade, como vetor importantíssimo na formação de por quase cem anos a partir de 1876, formou verdadeiro
espécie de cultura da desconfiança, onde somente os bem sistema jurídico discriminatório em face de minorias étnicas
nascidos teriam o merecimento suficiente para gerenciar os existentes nos Estados Unidos, como a dos afro-descendentes
interesses da nação78. americanos e asiáticos. Oficializou-se com tal modelo jurídico
A autorização velada para a eliminação do diferente, do espécie de regime de apartheid naquele país da América do
inimigo objetivo, permanecia como espécie de etapa necessária Norte, diferenciando e segregando entre as hipotéticas raças
à solidificação da consciência nacional e ao desenvolvimento os direitos de utilização do espaço e dos serviços públicos
social inclusive no Brasil colonial. A legislação da ocasião, que, sob certa ótica salutar, deveriam estar disponíveis a todo
exposta dentre outras pérolas através dos chamados “estatutos cidadão80.
de pureza de sangue”, demonstrou elementos jurígenos Apesar desta maquiagem perturbadora, utilizada
discriminatórios quase idênticos aos do projeto nazista. para disfarçar o espanto de suas incongruências morais,
Mais uma vez percebemos a necessidade do o mecanismo excludente de desumanização do outro
estabelecimento de estrutura jurídica conveniente e de um permanece intocável na origem do problema, portando-se,
sistema de leis compatível para se efetivar qualquer projeto fundamentalmente, como etapa progressiva sintomática de
totalitário de dominação e controle. determinado processo de dominação política autoritária.
Neste aspecto, retratando com precisão o processo
normativo de oficialização da exclusão e do racismo como 5. A Efetivação Obrigatória dos
peças integrantes de empreendimento mais amplo de Direitos Humanos Fundamentais
controle absoluto social, é significativa a seguinte constatação
apresentada, de forma percuciente, pela mencionada Diante de sua dimensão ética, vocacionada à preservação
Professora: de certos valores humanos supremos e indisponíveis na
Através do estudo das narrativas discursivas impressas na sociedade mundial, a própria implementação destes respectivos

77
LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998; p.25.
78
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: Os Cristãos-Novos e o Mito da Pureza de Sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005; pp. 58-68.
79
Ibidem, pp. 67-68.
80
A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da segregação escolar resultante destes dispositivos discriminatórios somente em 1954, no caso Brown versus Board
of Education. A revogação completa de todas as outras demais disposições normativas segregacionista somente ocorreu mais tarde, com o Civil Rights Act, de 1964.

30
direitos também se porta como direito humano fundamental. A Executivo, Legislativo e Judiciário, como as três esferas
efetividade destes direitos é, desta forma, obrigatória. de competência tradicionalmente representativas do poder
Todavia, o que é efetividade? Tal potencialidade político no modelo constitucional brasileiro, por exemplo, devem
admitiria apenas uma dimensão pragmática, relacionada à contribuir igualmente dentro de suas funções para a efetivação
concretização destes direitos? Ou poderíamos entender a destes direitos em todas as suas dimensões, contribuindo para
efetividade como parte de mudança estrutural na forma de a formação de cultura de inclusão e igualdade82.
interpretação da norma jurídica por parte dos administradores
e aplicadores da lei? Acreditamos que a resposta à questão 6. Ações Afirmativas e Oportunidades Sociais
acaba por admitir as duas possibilidades tratadas nestes
mesmos questionamentos. John Rawls, procurando entender o processo de
No primeiro aspecto suscitado, ressaltamos que o formação das crescentes desigualdades sociais, evidenciadas
processo de caminhada da humanidade, apesar dos tropeços sintomaticamente pelo capitalismo tardio, desenvolveu sua
renitentes e cheios de opróbrio, tende à conformação prática teoria da justiça baseando-se em dois princípios estruturais
de nova geração de direitos, ligados de várias formas à cultura nodais; quais sejam:
da paz e do respeito ao outro. Primeiro princípio. Toda pessoa tem um direito igual a um
Neste sentido, sem a efetivação propriamente dita dos sistema plenamente adequado de liberdades fundamentais
direitos humanos fundamentais, não teríamos condições iguais que seja compatível com um sistema similar de
mínimas de conquistar este novo momento histórico. Torna-se, liberdades para todos.
assim, importantíssima a seguinte lição do Veccio de Turim, Segundo princípio. As desigualdades sociais e econômicas
que desde 1951 ensinava o seguinte: devem satisfazer duas condições. A primeira é que devem estar
Direitos do homem, democracia e paz são três vinculadas a cargos e posições abertos a todos e em condições
momentos necessários do mesmo movimento histórico: de igualdade equitativa de oportunidades; e a segunda é que
sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, devem redundar no maior benefício possível para os membros
não há democracia; sem democracia, não existem as menos privilegiados da sociedade.83
condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. A idéia das ações afirmativas, como instrumento de
Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos concretização de justiça equitativa, encontra-se descrita
cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes no final do segundo princípio e surge como instrumento
são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá político, ligado à necessidade de concretização da igualdade
paz estável, uma paz que não tenha a guerra como material em Estado comprometido com a implementação de
alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais valores democráticos. Ações afirmativas, em linha geral, são
apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.81 discriminações positivas, efetuadas pelas três esferas de
Ocorre que efetividade também indica necessidade poder, necessárias à efetivação de direitos fundamentais.
de estabelecimento de nova forma menos dogmática de Apesar de todas as pessoas serem formalmente iguais
interpretação de preceitos jurídicos relacionados aos direitos diante da lei, o que ocorre na prática é que as profundas
humanos, ligada mais à preservação do conteúdo valorativo desigualdades econômicas e sociais, bem como a concentração
dos direitos fundamentais que à esterilidade estética de formas de riquezas, originam ostensivas diferenças de oportunidades,
inanimadas. determinando antecipadamente tendência ao fracasso de uns
Este segundo aspecto tratado é de suma importância, e o sucesso de outros. As ações afirmativas – como o regime
pois a introdução da idéia de preservação de valores parece de cotas para negros, as estabelecidas pelo Estatuto do Idoso
romper o paradigma técnico que enxerga na lei positivada e como as gerenciadas pela Lei 9504/9684, por exemplo –,
em algum texto normativo o único limite ao direito e à justiça. servem justamente para balancear este desnível social de
Aliás, esta maneira vetusta de interpretar a norma jurídica foi cidadania, cujas causas podem ser históricas, culturais ou
amplamente utilizada pelos arquitetos do sistema nazista, que políticas.
alicerçaram todo o seu projeto de extermínio em estrutura As “Leis de Nuremberg”, da maneira como foram
legislativa kelseniana, perfeitamente válida do ponto de vista introduzidas na sociedade alemã pelo governo nazista,
formal. demonstraram com precisão como a perda progressiva
O reconhecimento dos direitos fundamentais introduziu a da cidadania, através da retirada das oportunidades de
necessidade de compatibilidade de conteúdo para a validação determinado grupo discriminado de pessoas, por vicissitudes
de determinadas disposições normativas. Assim, na prática inerentes ao poder totalitário, é capaz de impossibilitar qualquer
judiciária, não basta apenas perfeição formal, mas também tentativa de concretização do ideal da dignidade humana que
compatibilidade material de conteúdo, que não pode ferir a nos referimos acima.
estrutura valorativa preexistente. Sem o cumprimento desta Amartya Sen, neste sentido, informa que o desenvolvimento
condição de fundo torna-se inválida tanto a regra produzida, humano poderia ser visto como processo contínuo de expansão
quanto a decisão judicial ou medida administrativa praticada das liberdades substantivas reais que as pessoas deveriam
pelo Estado. desfrutar através do exercício de oportunidades sociais85. O

81
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; pp.01-02.
82
Poderíamos citar vários casos onde, em detrimento do dever de efetivação dos direitos humanos fundamentais, percebemos francamente manifestações mais ou menos
veladas de autoritarismo estatal no Brasil. Citamos alguns tristes exemplos: 1- no Judiciário: decisão do STF que determinou a constitucionalidade da Lei de Anistia; 2- no
Legislativo: retirada do regime de cotas do Estatuto da Igualdade Racial e modificação da proposta inicial relacionada à Lei da Ficha Limpa; 3- no Executivo: Acordo assinado
entre o Brasil e o Vaticano estabelecendo a volta do ensino religioso nas escolas públicas e a demolição de monumentos estéticos da opressão.
83
RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000; pp. 344-345.
84
Tal legislação garante 30% no mínimo de presença feminina nas candidaturas dos partidos políticos.
85
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade; São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003; pp. 18-19

31
exercício de tais liberdades substantivas é mediado por valores, Lazuli, 2006.
que, por sua vez, são gerenciados por discussões públicas e RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora
interações sociais contínuas. O processo é cíclico e contínuo, Ática, 2000.
retroalimentando-se de maneira a fechar a cadeia de eventos. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Assim, o desenvolvimento humano pode e deve ser visto Fundamentais; Porto Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001.
de maneira integrada, através da expansão das liberdades SCHOENBERNER, Gerhard. A Estrela Amarela: A Perseguição aos
substantivas interligadas – como a liberdade de participação Judeus na Europa 1933-1945; Rio de Janeiro: Imago; 1994.
política, de receber educação básica, assistência médica e SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo:
outras correlacionadas. Editora Cia. das Letras, 2003.
Estes direitos fundamentais, ao contrário do que ocorreu
nos regimes de exceção que apresentamos nesta exposição, SOLIDARIEDADE EM TEMPOS SOMBRIOS
devem ser estimulados e aprimorados substancialmente “JUSTOS ENTRE AS NAÇÕES” e
pelos gestores da coisa pública, pois, como fatores essenciais
“SALVADORES DE JUDEUS”
ao desenvolvimento da sociedade, estão dependentemente
interligados, fomentando-se a si mesmos como os galhos e
Helena Lewin86
folhas de uma mesma árvore.
O fato é que, mediante oportunidades sociais adequadas,
O sistema político nazista estabeleceu-se ancorado em
os indivíduos aprimoram sua capacidade de autodeterminação,
uma economia bélica tendo como foco o domínio mundial - a
podendo comandar o próprio futuro e o dos seus semelhantes
Alemanha dos 1000 anos - uma nova era a ser instituída pela
através do exercício da solidariedade. Bens materiais e
pretendida raça superior ariana. O governante convertido em
valorativos bons, via de regra, se social e politicamente
Führer, o condutor das massas e não um representante destas,
cultivados, ensejarão valores melhores ainda, aprimorando em
verdadeira reação em cadeia a prática social existente. e exibindo poder inquestionável, colocava-se ditatorialmente
Da mesma maneira, só que em sentido contrário, acima do bem e do mal. Se, por um lado, Hitler jamais ocultou
aprimorando e expandindo a miséria como resultado material, seu desprezo pelas massas visto considerá-las destituídas
o estímulo às privações originarão outras privações maiores de heroísmo e inteligência, por outro lado, sua dominação
ainda, sempre em movimento cíclico, contínuo e crescente. carismática dependia da devoção irracional e do fanatismo das
mesmas. Daí a importância de organizá-las, de despojá-las de
7. Considerações finais sobre o tema sentido crítico que porventura pudessem exibir, ou seja, aliená-
las completamente.
A presente reflexão histórica serviu para entendermos A estimulação ao preconceito antissemita criou um
melhor como a necessidade de efetivação da cidadania e de inimigo visível, o judeu, fácil de ser alcançado e sobre o qual
aprimoramento dos direitos humanos fundamentais portam- repousava a atribuição de inimigo da pátria, na medida que
se como requisitos primordiais à valorização do homem aglutinava, contraditoriamente, os dois grandes sistemas
como sujeito de direitos, contribuindo para a prevenção de políticos vigentes: ora rotulado de capitalista explorador das
novas possibilidades de opressão a grupos populacionais finanças internacionais, ora de comunista responsável pela
desfavorecidos. instabilidade mundial devido ao chamamento ideológico à luta
de classes.
BIBLIOGRAFIA Raul Hilberg, em seu livro “The Destruction of the
European Jews”, afirma que na história européia houve três
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo; São Paulo: modalidades de política anti-judaica: conversão,expulsão
Companhia das Letras, 1989. e eliminação. A destruição processada pelos nazistas não
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro:Elsevier; emergiu de um vácuo sócio-político, representou a culminação
2004. de uma tendência historicamente progressiva. Segundo esse
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e autor, o discurso dos missionários afirmava: “vocês não têm o
Brasil Colônia: Os Cristãos-Novos e o Mito da Pureza de Sangue. São direito de viver entre nós como judeus” correspondendo à etapa
Paulo: Perspectiva, 2005. da conversão. Por sua vez, os seculares atestavam “vocês não
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos têm o direito de viver entre nós”, nesse caso, o instrumento
Fundamentais; 10ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2008. utilizado foi a expulsão. Por fim, os nazistas decretaram “vocês
LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998. não tem o direito de viver”, ou seja, a eliminação.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura Correlacionando estas diferentes fases à legislação na
das Teses “Sobre o Conceito de História”; São Paulo: Boitempo, 2005.
Alemanha de Hitler, verifica-se um processo de discriminação
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos
crescente. Seu início já ocorre em 1933 cuja escalada
na Ordem Internacional; Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
observa-se a partir das Leis de Nurenberg de 1935, ampliadas
PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A Declaração
sucessivamente nos anos posteriores , deixando largos espaços
Universal dos Direitos Humanos; série Rupturas; São Paulo: Editora
não escritos para ações rotuladas de “espontâneas” praticadas

86
Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP, Coordenadora do Programa de Estudos Judaicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ,
professora Titular da Universidade Federal Fluminense – UFF, diretora do Departamento de Sociologia e Política da PUC/RJ, possui diversos livros e artigos publicados em
revistas científicas nacionais e internacionais. Também é presidente do Conselho Deliberativo da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), vice-presidente da
Direção Executiva – (FIERJ), membro do Conselho consultivo – (FIERJ) e membro do Diretório de várias Escolas Judaicas do Rio de Janeiro.

32
pelas brigadas dos SA como a que ocorreu na Noite de Cristais. que possui a mais importante documentação do mundo sobre
Assim, o aparelho de estado nazista utilizava dois mecanismos o Holocausto, número que reúne 50 milhões de páginas
de repressão: o oficioso cujas ações eram acionadas para de testemunhos, contendo 80 mil livros e 4500 revistas
intervir com violência em movimentos de rua sobre aqueles especializadas nesta temática, publicando livros e realizando
marcados para morrer, e o formal, expresso inicialmente pela seminários, cursos e pesquisa.
legislação vigente que se auto-legitimava como um estado Desde 1960, vem funcionando uma comissão para a
de direito embora calcado sobre um arcabouço autoritário, designação dos Justos. Quando um nome é proposto para
caminhando para uma planejada política de estado de receber o reconhecimento oficial do Yad Vashem, essa
destruição massiva dos judeus através de seu encarceramento comissão analisa detalhadamente as provas e suas motivações
em campos de trabalho e de aniquilamento. acompanhadas do relato dos sobreviventes envolvidos que
Até o início de 1941, os judeus, principalmente os devem prestar testemunho sobre a veracidade dos argumentos
alemães, não acreditavam que um país de alta cultura declarados. O título “Justo entre as Nações” designa uma
civilizatória como a Alemanha pudesse representar um perigo pessoa de elevada moral, que oferece empatia, compaixão
para com sua população judaica ou ser portador de atitudes de e ajuda a judeus em tempos de grandes dificuldades e
violência programada. Julgavam tratar-se do clássico fenômeno perseguições, decorrente da sua atuação excepcional,
do antissemitismo tão presente na historiografia do cotidiano implicando em perigos relativos à segurança de sua liberdade
das comunidades européias, interpretando como uma onda física, ética e profissional além de riscos de vida para aquele
que vem e que vai embora. Essa atitude de conformidade que se dispõe a salvar os judeus.
das populações judaicas decorrente de leituras ingênuas O tema relacionado ao “risco” e ao “perigo de vida,conforme
da realidade social foi responsável pelo volumoso aporte acima mencionado, poderia resultar em impedimento à outorga
demográfico na deportação para os campos de extermínio do título na medida que aqueles que gozavam imunidade
apesar dos movimentos de resistência que ocorreram. diplomática não estavam necessariamente ameaçados de
Neste contexto, faz-se necessário assinalar o desempenho riscos de vida. Porém, considerando que os maiores salvadores
de determinados consulados sediados na Europa, no processo de judeus em termos numéricos foram os cônsules sediados
de salvação de milhares de judeus concedendo-lhes visto de na Europa, seria impossível excluí-los da lista tendo em vista
entrada em seus países apesar das proibições, arriscando que foram punidos por seus governos por desobedecer às
suas vidas e carreiras. A esses cônsules e a todos aqueles proibições emitidas no que se refere à concessão de vistos
que salvaram judeus da matança nazista, o respeito e às minorias semitas, perdendo seus postos de trabalho, foram
admiração por seu silencioso trabalho de resgate de vidas humilhados e discriminados, suas comendas foram retiradas,
sendo merecedores do título de heróis da 2ª Guerra Mundial. passando por drásticas necessidades financeiras, morrendo,
O presente texto, portanto, trata de recuperar historicamente muitos deles, em grande miséria. Mais adiante os nomes dos
o papel desses protagonistas nos tempos sombrios do principais cônsules brindados com o título de “Justos entre as
Holocausto – o maior assassinato em massa perpetrado contra Nações” serão brevemente apresentados.
6 milhões de judeus pela política antissemita nazista – livrando A publicação SHOÁ, nas pags. 310/11, afirma que em
os judeus da perseguição e do extermínio iminente ao lhes certos casos, a salvação veio de grupos como as unidades
conceder oportunidades reais para fugirem daquela Europa clandestinas de resistência existentes na Holanda, Noruega,
conflagrada ou para esconde-los em lugar seguro, denotando Bélgica e França que encontravam esconderijos para judeus.
em meio à barbárie reinante seus sentimentos de humanidade, Um dos casos mais impressionante foi o da pequena aldeia
de solidariedade e de compaixão além de sua postura político- holandesa de Nieuwlande cujos habitantes, entre 1942 e 1943
ideológica democrática. resolveram de forma conjunta que cada família ocultaria a uma
Em Israel foi criada, em 1953, uma instituição família ou indivíduo judeu. Todos os 117 habitantes desta
especificamente dedicada à lembrança e estudo do Holocausto, pequena comunidade foram honrados como “Justos entre
o Yad Vashem. O Parlamento israelense baseando-se na Lei de as Nações”. Outro salvamento coletivo teve lugar na aldeia
Recordação dos Mártires e Heróis definiu entre os objetivos francesa de Le Chambon-sur-Lignon, cujo pastor, André Trocmé,
do Yad Vashem a permanente celebração religiosa e histórica organizou seus fiéis para prover esconderijo e assistência aos
em memória das vítimas do terrível massacre nazista além de judeus que fugiam dos nazistas. Na Dinamarca, cidadãos
manifestar os agradecimentos a todos aqueles, não-judeus que comuns transportaram 7200 dos 8000 judeus do país em
arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto, lanchas pesqueiras até a Suécia em uma arriscada operação.
os “Justos entre as Nações” conforme o título de homenagem Todos esses foram reconhecidos pelo Yad Vashem.
a eles conferida. O nome Yad Vashem foi inspirado no livro de Em muitos casos, cidadãos comuns elegeram salvar
Isaias 56:5: judeus assumindo conscientemente todas as consequências
“dar-lhes-ei na minha casa, de risco de vida que uma ação dessas implicava, ocultando
e nas minhas muralhas a dentro, um ou mais judeus em suas próprias casas. Este salvador
um lugar e um nome ainda melhor geralmente construía um “bunker” para esconder o judeu
do que o que dão os filhos que ali permanecia durante semanas, meses ou anos,
e as filhas: Dar-lhes-ei um nome eterno, sendo alimentado em tempo de grande escassez de comida,
que não perecerá jamais” compartindo seu pão. O número de judeus salvos por não-
O Yad Vashem é também conhecido como o Museu do judeus durante o Holocausto é impreciso. Alguns dos judeus
Holocausto de Jerusalém que abriga arquivos , uma biblioteca morreram depois da guerra ou mesmo durante a mesma, não

33
tendo sido possível obter testemunhas ou saber o nome desses embaixadas brasileiras instaladas na Europa, determinava
salvadores. Muito deles preferiram manter-se anônimos a proibição de atender solicitações de vistos a semitas
mesmo depois da guerra afirmando que seu comportamento para entrar no Brasil. Os vistos emitidos por Souza Dantas
era ditado por princípios imperiosos de consciência frente o salvaram comprovadamente 478 pessoas, porém calcula-se
trágico silêncio da maioria dos europeus que não reagiam à que seu número deve ter alcançado a casa dos 1000, que
brutalidade vigente contra os judeus e, que, portanto não se por medida de segurança não foram computados por conta
julgavam merecedores de prêmio ou reconhecimento algum. de sua natureza secreta. Quando, em 1942, os alemães
Esses anônimos “Salvadores de Judeus”, no silêncio de romperam o armistício e invadiram a parte ainda não ocupada
seus atos, demonstraram enorme bravura, elevada consciência da França, todos os diplomatas sediados na França passaram
moral e um incomensurável respeito à vida de seu semelhante. a despachar em Vichy que foi tomada pelos nazistas. O governo
Certamente, centenas deles não constam nos registros do Yad brasileiro havia rompido com a Alemanha e a ela declarado
Vashem que, por falta de provas e de testemunhos orais, não guerra e a embaixada brasileira em Vichy não ficou livre da
puderam ser nomeados institucionalmente como “Justos entre violência nazista. Foi invadida e o Embaixador Souza Dantas
as Nações”. Porém, nas cerimônias dedicadas à Lembrança juntamente com seus auxiliares foram presos, confinados
das vítimas da 2ª Guerra Mundial, celebradas em todas as em Bad Godesberg, na Alemanha, por 14 meses. Libertado,
comunidades judaicas de todo mundo, de forma religiosa ou ele volta ao Brasil onde havia sido planejada uma recepção
secular,uma prece especial é dedicada a esses Salvadores, festiva que foi abortada por ordem de Getúlio Vargas. Somente
reconhecidos como heróis do povo judeu aos quais várias no dia 21 de dezembro de 1944, seu nome é inscrito no Livro
gerações lhe devem suas vidas. de Mérito Nacional, reconhecimento formal de seu elevado
Segundo os dados contidos na Enciclopédia del desempenho nos serviços prestados à Pátria. Enquanto
Holocausto, até final do ano de 2003 haviam sido registrados durou o Estado Novo, Souza Dantas foi mantido no ostracismo
como “Justos entre as Nações”, 20.200 nomes de homens e da vida pública. Morreu pobre e abandonado em Paris, em
mulheres, sendo que muitos deles foram convidados a plantar 1954. A recuperação histórica do diplomata Souza Dantas,
árvores em sua homenagem visando comemorar suas ações figura que sequer aparece nos livros didáticos brasileiros, foi
humanitárias. O simbolismo da plantação de árvores e seu analisada no livro ”Anti-semitismo na Era Vargas” de autoria de
conseqüente Bosque de Recordação estão intimamente Maria Luiza Tucci Carneiro e, posteriormente, tornou-se tema
associado ao significado de Vida que a árvore representa, da dissertação de mestrado de Fabio Koifman “Quixote nas
principalmente em uma terra árida, como é Israel, em que Trevas”. Essas publicações foram responsáveis por trazer ao
cada árvore plantada constitui uma esperança no futuro e uma conhecimento público esse personagem, que tanto benefício
mensagem exemplar de paz. aportou àqueles para os quais ele foi diretamente responsável
Na impossibilidade de nominar cada um dos “Justos entre pelo seu salvamento, denotando heroísmo e grandeza de
as Nações” em decorrência do difícil acesso aos arquivos do caráter.
Yad Vashem, embora estejam disponibilizados, alguns nomes Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, a partir de 1934,
foram selecionados visando apresentar, de forma breve, sua trabalhou no consulado brasileiro em Hamburgo, Alemanha,
“biografia de guerra”. Para tal, elegeu-se uma pequena amostra como chefe do serviço de vistos. Perplexa e indignada com
de diplomáticos que atuaram significativamente no cenário as terríveis perseguições e matança de judeus promovidos
europeu, contemplando sua distribuição geográfica por país pelo nazismo, Aracy ciente das proibições do Ministério das
de origem desses diplomatas. Assim, serão apresentados na Relações Exteriores do Brasil que determinava a não concessão
trajetória de quatro cônsules envolvidos no resgate de judeus, de vistos aos apátridas, leia-se judeus, resolveu desobedecê-
oriundos do Brasil, Portugal e Suécia, deixando claro que estes las. Passou, discretamente, a facilitar a emissão de vistos
não esgotam o elenco de nomes a quem se deve o respeito e a dezenas de pessoas que buscavam ajuda no consulado
os agradecimentos pelo desempenho heróico de salvar vidas brasileiro de Hamburgo. Em 1938, o diplomata brasileiro João
tanto de judeus como de não-judeus e que, segundo os dados Guimarães Rosa foi nomeado Cônsul-adjunto em Hamburgo
do Yad Vashem, o número atual de diplomatas condecorados que afirmou, posteriormente, ter ciência da desobediência
alcança o número de vinte. de Aracy e ter lhe dado pleno apoio. Casaram-se em 1940.
Do Brasil, há duas figuras marcantes, um homem e uma Viveram em Hamburgo até quando regressaram ao Brasil, em
mulher, esta é a única diplomata do sexo feminino de todo o 1942, quando as relações diplomáticas entre a Alemanha e o
grupo de diplomatas homenageados pelo Yad Vashem. Luis Brasil foram rompidas. Consta do Concise Encyclopedia of the
Martins de Souza Dantas e Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, Holocaust que Aracy de Carvalho Guimarães Rosa começou
são os seus nomes. Grande foi a contribuição destes dois a ajudar os judeus depois do terrível “pogrom” na noite de 9
personagens no cenário da 2ª Guerra Mundial no que se refere de novembro de 1938 que ficou conhecida como Kristallnacht
a salvação de foragidos judeus, entre outros refugiados. – Noite dos Cristais - que se estendeu por várias cidades
Luis Martins Souza Dantas, embaixador brasileiro em da Alemanha e Áustria. Multidões de nazistas enfurecidos
Paris de 1922 a 1942. Reconhecido pelo Museu do Holocausto atacaram sinagogas e queimaram objetos do ritual litúrgico
em Jerusalém (Yad Vashem) como “Justo entre as Nações” judaico. Invadiram residências de judeus e violentaram
por ter emitido centenas de vistos durante os difíceis anos mulheres e crianças. Depredaram estabelecimentos
do domínio nazista na Europa, sem alarde, silenciosamente. comerciais e saquearam-nas. Mataram 90 pessoas com
Rebelou-se contra as determinações do governo de Getúlio requinte de crueldade. Este acontecimento marca o início da
Vargas que através de circulares secretas, enviadas às repressão sistemática contra os judeus que objetivava, através

34
da chamada “Solução Final”, o extermínio total dos judeus março de 1944. Em apenas dois meses, os alemães já haviam
da Europa. Aracy revoltada não se intimidou e passou daí deportado 435.000 judeus para os campos de extermínio.
em diante a acelerar a emissão de vistos para os fugitivos Da população nativa judaica sobraram apenas 200.000,
judeus, ignorando as determinações do Itamaraty. Para tanto, ou seja, 2/3 dos judeus húngaros haviam sido deportados,
contou com a cumplicidade de um funcionário da polícia de nomenclatura usada para encobrir o uso da palavra
Hamburgo que emitia passaportes para os judeus retirando objetivamente concreta de extermínio. Em outubro do mesmo
do documento o “J” vermelho que os identificava como judeus, ano, as deportações foram reativadas em ritmo acelerado.
viabilizando a emissão de vistos nesses passaportes. Aracy Observando a tragicidade do destino de grandes contingentes
não emitia apenas os vistos. Ela protegia esses refugiados populacionais marcados para morrer, a Embaixada da Suécia
dando-lhes cobertura diplomática, abrigando judeus em sua propôs emitir passaportes aos judeus húngaros que tivessem
própria casa ou de pessoas de sua confiança e garantindo sua alguma vinculação com cidadãos suecos, nomeando para
saída da Alemanha. Entrevista realizada com seu filho, Eduardo assumir a chefia desta perigosa missão humanitária, mas
de Carvalho Tess, ele afirma que, sua mãe, arriscou sua vida, sobretudo política de resgate dos judeus húngaros, a Raoul
muitas vezes, ao transportar judeus no porta-malas de seu Wallenberg. Esta decisão do Ministro das Relações Exteriores
carro apesar da vigilância da Gestapo. Oitenta judeus foram da Suécia converteu-se em um decisivo sinal para iniciar a
salvos por esta corajosa mulher aos quais se deve acrescentar operação de salvamento. Este foi o álibi! Paralelamente, a
muitos outros não-judeus perseguidos pelo nazismo. Recebeu situação dos judeus remanescentes tornou-se ainda mais
o título de honra “Justo entre as Nações” do Yad Vashem e era perigosa tendo em vista a subida ao poder do partido Cruz de
carinhosamente chamada de “o Anjo de Hamburgo” por todos Flechas, declaradamente antissemita e aliado dos nazistas.
aqueles a quem havia salvo. Frente a essa conjuntura, Wallenberg resolveu intensificar seus
Aristides de Sousa Mendes, consul português em esforços: durante os três meses seguintes emitiu milhares de
Bordéus, contrariando as ordens expressas de Salazar, assinou passaportes denominados de “passaporte de proteção”(The
milhares de vistos para fugitivos judeus, salvando-os da morte Wallenberg‘s Passaport). Quando Adolf Eichman ordenou a
certa se fossem enviados para os campos de concentração. Até “Marcha da Morte” dos judeus de Budapest até a fronteira
ser afastado do cargo pelo ditador português, Souza Mendes austríaca, Raoul Wallenberg perseguiu as colunas de judeus
ignorou as circulares governamentais passando a desrespeitá- em marcha para a morte retirando aqueles que portavam
las, assinando vistos a quantos lhe solicitassem. Os milhares os “passaportes de proteção” anteriormente expedidos e os
de vistos eram assinados de dia e de noite, todos os dias conduziu de volta à capital. Os dados registrados nos arquivos
até a exaustão física. Souza Mendes, vivendo em plena cena de vários institutos de pesquisa histórica sobre a missão
da guerra pode certificar-se das conseqüências terríveis que Wallenberg durante a 2ª Guerra Mundial, relatam que sua ação
pudessem advir do avanço das tropas alemães no continente foi mais ampla: além de resgatar os judeus que compunham
europeu. Portugal, como país neutro, transformara-se em a a Marcha da Morte, também foram alvo de sua atividade de
única porta de saída para o deslocamento destes refugiados salvamento os judeus já embarcados em trens que se dirigiam
tentando alcançar outros destinos fora da Europa. Percebeu à Auschwitz ou a campos de trabalho forçado que possuíam
que a rapidez na emissão dos vistos era crucial na medida que, “passaporte de proteção”. Concomitantemente, Wallenberg
cada vez mais, o espaço fora do domínio alemão na Europa se teve apoio de diplomáticos de outros países, entre os quais
estreitava. Até quando Portugal poderia se manter neutro? Esta se sobressaiu Angel Sank Briz da Espanha. Estes ofereceram-
era uma pergunta recorrente! E justificava sua pressa como lhe apoio e ajuda, o que muito facilitou o estabelecimento
um mandamento a ser cumprido! Quando inquirido sobre o de albergues e seus esquemas de vigilância.Esse sistema
porquê de seu comportamento, ele declarou no seu processo de abrigamento foi considerado como um espaço territorial
de defesa a que foi submetido por ter descumprido as ordens neutro que teria que ser admitido por força das convenções
governamentais, que as razões que o levaram a optar por tal internacionais. Esses albergues e espaços protegidos ficaram
atitude se vinculavam “à situação aflitiva de toda aquela gente conhecidos como o “Gueto Internacional” em cujas janelas
que o comoveu profundamente”. Aristides de Souza Mendes foi tremulavam bandeiras brancas como sinal de interdição de
considerado culpado no inquérito disciplinar tendo como pena entrada aos alemães e seus aliados. Grupos de voluntários
a sua reforma compulsória com uma pensão reduzida que se encarregaram da provisão de alimentos e atendimento
lhe impossibilitava sustentar sua família sendo socorrido por médico formando uma subterrânea rede de solidariedade que
seu irmão e pela comunidade judaica de Lisboa. Em 1954, ele ajudou a salvar os judeus aí abrigados. Em janeiro de 1945,
morre na mais extrema miséria. Em sua lápide foi inscrita uma o exército soviético invade a Hungria liberando-a do domínio
passagem da Torá (Bíblia judaica) “Quem salva uma vida, salva nazista. Wallenberg tentou negociar o destino dos judeus
o mundo” como reconhecimento de seus méritos, embora sem internados no “Gueto Internacional” e no “Gueto Principal
nenhuma repercussão na imprensa portuguesa. Desde 1967, da cidade de Budapest” argumentando que os primeiros
Aristides de Sousa Mendes é o único português portador do tinham proteção do governo sueco enquanto portadores dos
título “Justo entre as Nações”, concedido pelo Yad Vashem de “passaporte de proteção” e os demais como refugiados de
Jerusalém. guerra ou/e apátridas dado o confisco de seus documentos
Raoul Wallenberg, diplomata da Embaixada da Suécia pelos nazistas. Os soviéticos suspeitavam ser Wallenberg e os
sediada na Hungria foi responsável pelo salvamento de demais diplomatas suecos em Budapest, agentes ou espiões
milhares de Judeus em arriscadas operações de proteção alemães convocando-os a prestar esclarecimentos sobre sua
contra o exército alemão nazista que ocupou este país em conduta, sem respeitar suas imunidades diplomáticas. Um

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grande mistério se abateu sobre o destino de Raoul Wallenberg Irena anos depois. “Perguntavam-me se eu lhes prometia
que misteriosamente desapareceu sem deixar rastros, aos que os filhos sobreviveriam. Que eu podia prometer, quando
33 anos. Durante anos, os soviéticos alegavam desconhecer sequer sabia se conseguiria sair do gueto?”. Seu trabalho de
seu paradeiro. Prisioneiros de guerra alemães que retornaram salvamento não terminava com o resgate físico das crianças.
das prisões soviéticas afirmaram ter visto Wallenberg e que o Sua preocupação era com o registro das crianças, o futuro
conheceram na prisão. A partir destes testemunhos, o governo resgate de sua identidade passada. Assim, ia registrando os
sueco exigiu informações do governo soviético que, somente nomes das crianças e das famílias e dos conventos nas quais
após a morte de Stalin, confessou que ele havia sido preso ficaram abrigadas anotando tudo em papéis que ia juntando
e falecido na prisão em 1947. Não obstante, sua família não e guardando em potes de vidro e os enterrando. Foi presa
acreditou nessas explicações baseando-se em informações e torturada pela Gestapo, em outubro de 1943. Quebraram-
de prisioneiros soviéticos ao afirmarem que ele ainda estaria lhe os ossos dos pés e das pernas, mas Irena nada revelou.
vivo, após a data declarada pelo governo soviético. Ainda hoje Condenada à morte, foi salva a caminho da execução por um
permanece o dramático mistério! Wallenberg tem sido alvo de soldado alemão subornado pela resistência polonesa. Depois
inúmeras manifestações de solidariedade e de admiração por da guerra, ela mesma desenterrou os frascos com os nomes
seu corajoso papel no salvamento de milhares de vítimas da das crianças, das famílias e dos conventos. Começou a busca
2ª Guerra Mundial. Como homenagem e como tributo a sua dos pais biológicos mas a maioria havia morrido nos campos
memória, seu nome está em ruas e praças de inúmeros países, de concentração... Seu nome foi acolhido pela comissão do
tendo os Estados Unidos lhe outorgado a distinção de Cidadão Yad Vashem de Jerusalém que a homenageou com o título de
Honorário. Raoul Wallenberg é um dos maiores heróis daqueles “Justo entre as Nações”. Sua modéstia era impressionante,
tempos sombrios. Sua coragem e sua consciência democrática tendo declarado que “podia ter feito mais!” Foi um exemplo
são modelo para todas as gerações e o Yad Vashem lhe de dignidade e de amor ao próximo. Foi uma valorosa mulher!
outorgou merecidamente o título de “Justo entre as Nações”. Uma ampla pesquisa está sendo realizada na USP, no
Fora da órbita diplomática, cabe uma importante menção departamento de História, dentro do projeto Arqshoá. Este
ao nome de Irena Sendler que a partir de 1940 correu elevados visa identificar os inúmeros brasileiros “salvadores de judeus”
riscos para levar víveres, medicamentos e roupas aos habitantes que se dedicaram com afinco a buscar caminhos de salvação
do Gueto de Varsóvia. Este foi criado pelos nazistas e congregava para minorar o terrível sofrimento dos judeus durante a 2a.
no seu interior mais de 450 mil pessoas amontoadas em 4 Guerra Mundial. Segundo dados preliminares, seu número
kilometros quadrados. Nascida em 1910, Irena estudou na é significativo. A eles que sigilosamente desenvolveram
Universidade de Varsóvia, a maior da Polônia, tornado-se importantes ações que se converteram em muitas vidas
enfermeira diplomada do Departamento de Assistência Social resgatadas, as homenagens devidas.
desta cidade. Ainda antes da 2ª Guerra Mundial, já exercia sua
profissão atendendo os bairros pobres de Varsóvia onde viviam REFERÊNCIAS
muitas famílias judias. À época da invasão alemã na Polônia e a
instalação do Gueto de Varsóvia, Irena Sendler usava a Estrela Arendt, Hannah – Las Orígenes del Totalitarismo – Madrid:
de David, quando ia visitar o Gueto para ajudar seus habitantes. Alianza,1999
Assim o fazia para não chamar atenção dos soldados alemães, Bankier, David (org) – El Holocausto: Perpetradores -Vítimas
comportando-se da mesma maneira que uma anônima judia. -Testigos. Jerusalem:Magnes ,1986
Sua atenção preferencial, ela dedicava às crianças trazendo Carneiro, M.Luiza Tucci – Anti-semitismo na Era Vargas. SP:
alimentos e remédios às desnutridas e doentes, ajudando as Brasiliense, 1988
mães com conselhos e apoio. Até 1943, Irena e sua equipe ---------------------- Holocausto – Crime contra a Humanidade. SP: Ed.
de colaboradores fizeram sair do gueto de Varsóvia milhares Ática, 1aed, 8a impressão,2009
de crianças judias que colocavam em casa de famílias Davidovitch, Lucy S. – The War Against The Jews – NY: Bantam
polonesas e em conventos católicos. Ao todo foram salvas Books, 1988
cerca de 2500 crianças, resgatas pela mão de Irena Sendler. Hilbert, Raul – The Destuction of European Jews – NY: Holmes &
Era extremamente perigosa a operação estabelecida por Irena Méier Publ. 1985
para salvar este enorme contingente de crianças. Tanto ela e Koifman, Fábio – Quixote nas Trevas – o embaixador SOUZA
sua equipe assim como as crianças retiradas do gueto corriam DANTAS e os refugiados do nazismo – RJ: Record, 2000
risco de vida. Como fazia? Dava-lhes um calmante e escondia- Marrus, Michel R. – A Assustadora História do Holocausto – RJ:
as dentro de malas, em sacos de batata e até de caixões que Ediouro, 2003
depois eram transportados pelos bombeiros ou em caminhões Rozett, R.& Samuel Spector (org) – Encyclopedia of the Holocaust-
de lixo. Irena Sendler, foi muitas vezes entrevistada antes de Jerusalem, 2000
morrer, principalmente pelas crianças que havia salvo, essas Shoá – Enciclopedia del Holocausto –Jerusalem: E.D.Z Nativ
já na condição de adultos quando descobriram sua história Ediciones, 2004
e identidade, prestado-lhe homenagens, agradecimentos e
testemunhando suas heróicas ações. Afirmou em um de seus
depoimentos que “quando propunha às famílias salvar-lhes
os filhos, as reações eram trágicas. As mães não concebiam
a idéia de se separar deles, preferindo morrer juntos”. As que
tomaram essa decisão demonstraram a maior coragem, afirmou

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impor a sua verdade criando um “mundo fictício” que compete
EXERCÍCIOS com o mundo real. Funciona como se fosse uma sociedade se-
creta mantida por uma Policia que é o principal braço repressor
(Questões a serem formuladas para o aluno do Estado. No Estado totalitário pode ser observada uma du-
com sugestões de respostas) pla autoridade: do Partido e do Estado que convivem e atuam
Profª. Drª. Maria Luiza Tucci Carneiro em nome da Ordem. A hierarquia é rígida obedecendo o grau
de militância dos seus membros. O chefe (no caso, o Führer)
Seguem aqui algumas sugestões de perguntas/respos- é apresentado como infalível, sagrado, um agente de forças
tas” ao professor que poderá ampliá-las discutindo junto aos superiores. No seu entorno sobrevive uma “elite paramilitar”
seus alunos filmes, apresentando imagens através de equipa- composta de homens poderosos com qualidades demagógicas
mentos de multimídia ou analisando textos de época em clas- e burocráticas-organizacionais.
se. Antes dos alunos responderem o questionário, o professor O Estado Totalitário opõe-se ao Estado Democrático cujos
poderá traçar comentários sugerindo novos conhecimentos e fundamentos podem ser identificados na atual Constituição
reflexões possíveis. As respostas poderão ser ampliadas tendo Brasileira: cidadania, dignidade da pessoa humana, liberdade
como base as informações e análises aqui sugeridas: de expressão, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
pluralismo político. O Estado Republicano tem por objetivos:
1. Você considera importante o ensino do tema do Holo- construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a po-
causto em sala de aula? Justifique. breza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e
Esta questão poderá ser respondida a partir de um de- regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de ori-
bate em classe durante o qual os alunos devem ser incentiva- gem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-
dos a dar sua opinião pessoal. O diálogo pode ser antecedido ção. (Sobre este conceito, o professor pode consultar a clássica
pela apresentação do filme “A Outra História Americana” que obra de Hannah Arendt “O Sistema Totalitário”; de Alcir Lenharo
explora a história de um jovem neonazista nos EUA de hoje e “Nazismo, o triunfo da vontade”, citados na bibliografia. Para
proporciona a reflexão sobre o emprego da violência entre um enriquecer esta questão, o professor pode debater com os
grupo de skinhead. Será importante o aluno comentar acerca alunos a situação vivenciada pelos negros no Brasil e nos Esta-
dos seguintes itens: a conseqüência catastróficas dos regimes dos Unidos, países governados por uma democracia). Solicitar
totalitários e das teorias racistas, a importância de estudarmos aos alunos que pesquisem o texto original da atual Constituição
o passado para evitarmos que crimes como o Holocausto se- Brasileira.
jam praticados contra a Humanidade, que avaliando os atos
de barbárie praticados pelos nazistas teremos condições de 3. O que você entende por “relativismo perverso”?
refletir sobre o papel do Estado que deve preservar a vida do Os adeptos do “relativismo perverso”costumam eximir a
cidadão, reconhecer o perigo da proliferação das práticas racis- responsabilidade do regimes totalitários da responsabilidade
tas e totalitárias, e desenvolver uma atitude de solidariedade dos crimes contra a Humanidade. É com esta intenção que os
e capacidade de conviver com as diferenças étnicas, culturais grupos de extrema-direita (como os neonazistas e os revisio-
e políticas. nistas) procuram banalizar o sofrimento dos povos calcados
em falsas comparações estatísticas e históricas apresentando
2. Defina o conceito de Estado Totalitário em oposição ao grandes dramas humanos (como o Holocausto) como “mero
conceito de Estado Democrático, tendo por base os termos da detalhe” ou “um mal menor”. Através da propagação de livros,
atual Constituição do seu país. panfletos, fábulas, histórias em quadrinhos e revistas especia-
Totalitarismo pode ser entendido como um sistema de lizadas procuram impedir que outros cidadãos tomem consci-
governo característico do século XX. Tanto o Nazismo na Ale- ência da verdade. Muitas vezes, por motivos políticos, países
manha, como o Stalinismo na ex-União Soviética, são exem- em conflitos no Oriente Médio e grupos partidários da extrema-
plos-padrão para os estudos sobre totalitarismo, apesar das direita na França e Alemanha, tentam minimizar a catástrofe do
diferenças ideológicas que os distinguem. O III Reich pode ser Holocausto distorcendo os fatos.
considerado como a expressão máxima de um Estado totalitá-
rio. Nos países de regime totalitário, as massas são cooptadas 4. Como você situa o Brasil no debate sobre o Holocaus-
por meio da propaganda e pelo terror. Neste particular, os dis- to? É possível afirmar que “vivemos um eterno relativismo per-
cursos de Hitler e dos seus generais são verdadeiros “modelos verso”, em que o autoritarismo, o racismo e o anti-semitismo
de propaganda”. O povo acaba por viver uma verdadeira “guer- são encarados com grande benevolência?
ra psicológica”, sofrendo ameaças. Filmes contemporâneos O tema do Holocausto é raramente debatido e estudado
de ficção sobre o nazismo têm conseguido ilustrar o fascínio nas escolas estaduais e particulares, com exceção dos centros
que o movimento nacional-socialista exerceu sobre os alemães de ensino gerenciados pela comunidade judaica que procura
valendo-se da idéia de espetáculo. Dentre estes filmes cabe manter viva parte desta memória. Podemos afirmar que, so-
lembrar “O Tambor”, de Volker Schlondorff e “Cabaret”, dirigido mente nesta última década, é que tais temas - Holocausto, Na-
por Bob Fosse. zismo e Racismo - mereceram espaço especial junto aos livros
Neste caso, o Estado detém o poder absoluto, empregan- didáticos. Autores e professores (não-judeus) sempre se esqui-
do a violência para assustar o povo, proibindo toda e qualquer varam deste debate e, muitas vezes, por falta de orientação.
crítica ao regime. Ao poder externo corresponde a ordem jurí- Parte da população brasileira só tomou ciência dos fatos quan-
dica interna do Estado forte, o Estado policial. Vale-se de uma do filmes -- como “A Lista de Schindler”, de Steven Spilberg e “A
pseudo-ciência, de falsas estatísticas e de teorias racistas para Doce Vida”, de Roberto Begnini, foram premiados com o Oscar

37
em 1994 e 1998. Raras são as pesquisas realizadas por histo- serpentes viscosas, pois um dos objetivos dos antissemitas é
riadores brasileiros que tratam da nossa realidade racial e do de identificá-los com seres inumanos, animais perigosos, repe-
passado racista do Brasil. Vale lembrar que, desde o final do lentes. Tais imagens se prestavam para justificar a prática da
século XIX, o governo e intelectuais brasileiros discriminavam eutanásia e do extermínio.
os japoneses, os negros e os mulatos como “raças inferiores”. Os arianos, por sua vez, assumem o perfil de cidadãos
Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) vigoraram “iluminados” envolvidos por signos nazistas. São jovens ingê-
circulares secretas proibindo a entrada dos judeus e ciganos nuos, saudáveis, dignos de respeito e confiança. Os homens
refugiados do nazismo. Obras anti-semitas, panfletos e propa- igualam-se aos heróis, expressando altivez, coragem e bravura.
ganda racista circulam pela Internet (ainda que proibido por As figuras das mulheres arianas (consideradas como as guar-
lei) propondo a morte de judeus, negros e homossexuais. No diãs da raça ariana) são perfeitas, louras de olhos azuis, físico
Rio Grande do Sul, a Editora Revisão, de propriedade de S.E. proporcional. Confinada ao lar é apresentada como a fiel com-
Castan chegou a publicar várias obras que tratam o Holocausto panheira do homem, limitada à condição de “reprodutora de
como a maior mentira do século. Uma destas obras Holocaus- novos arianos”. Esteticamente irradiam beleza, saúde, alegria
to: judeu ou alemão ? esteve entre os livros de não-ficção mais e felicidade. Podemos lembrar aqui, algumas cenas do filme O
vendidos em novembro de 1987. (O professor pode ampliar Triunfo da Vontade e Olympia, de Leni Riefenstal, onde a comu-
suas leituras acerca deste tema lendo algumas obras básicas nhão entre o povo (ariano) e o Führer são divinos.
como: “Os Assassinos da Memória”, de Pierre Vidal-Naquet; “O
racismo na História do Brasil: Mito e Realidade”; “O Anti-semi- 6. Podemos afirmar que havia uma tipologia para os
tismo na Era Vargas”, ambos desta autora) campos ? Você vê diferença entre campos de concentração e
5. Quais seriam as principais diferenças entre as ima- campos de extermínio?
gens veiculadas sobre os judeus e os arianos na Alemanha É impossível estudarmos o Holocausto enquanto fenôme-
nazista ? no político, se não avaliarmos o papel da propaganda, a Polícia
Observação: antes do aluno responder esta questão, o enquanto agente do terror , os guetos e os campos como “es-
professor deve orientá-lo na observação dos cartazes e pos- paços da exclusão e da morte premeditada”. Nada disto era
tais antissemitas que documentam este livro sobre Holocausto. fortuito. Grande parte dos conhecimentos que temos do fun-
Avaliar os personagens, cores e símbolos adotados pelo serviço cionamento deste aparato foram extraídos dos processos do
de propaganda do Reich, dirigido por Goebbels. julgamento de Nuremberg, do processo de Eichmann (julgado
Os posters, os álbuns de figurinhas, as fotografias im- em Israel em 1961) e de pesquisas acadêmicas que, nestas
pressas e os cartões –postais nazistas devem ser avaliados últimas décadas, vasculharam os arquivos secretos do extinto
como representações visuais capazes de condensar uma sín- Reich. A ideologia eliminacionista do Reich e as necessidades
tese das principais idéias defendidas pelo regime. Valendo-se econômicas decorrentes de uma situação de guerra, exigiram
de elementos retirados da realidade, estes artefatos visuais se a diversificação dos campos de prisioneiros: campos de traba-
prestavam para influenciar a opinião pública colaborando para lhos forçados, , campos de concentração e campos de exter-
a sustentação de uma “estética nazista”. Através das imagens mínio. Além destes existiam outros campos com especificida-
reproduzidas por sofisticadas técnicas, podemos identificar des próprias: campos de trânsito, campos para prisioneiros de
aqueles que foram “eleitos”pelo regime nazista para represen- guerra, campos para prisioneiros civis, campos para poloneses,
tar o belo, o puro, a perfeição (o ariano) em contraposição com campos penais. Em 28 de fevereiro de 1933, a lei para a prote-
o feio, o perigoso, o degenerado (o judeu, o cigano). Nestes ma- ção do povo e do Estado, possibilitou a abertura dos primeiros
teriais de propaganda, os judeus são representados através campos de concentração que tinham como principal objetivo
de “traços negativos” que expressam a ideia de malignidade ‘eliminar os inimigos internos do regime, fossem “reais ou ima-
que lhes era atribuída pelo regime. Algumas expressões fisio- ginários”.
nômicas se repetem com o objetivo de produzir no “leitor” um A instalação dos “campos da morte” inauguraram uma
sentimento de aversão e ódio. Nestas imagens os judeus têm nova fase da metódica eliminação dos judeus na Europa, acom-
o nariz adunco, olhos de ave de rapina, são gordos e barrigu- panhada pelo avanço das tropas alemãs em direção ao Leste
dos representando a figura do capitalista, explorador, ávido europeu. A instalação destes campos acompanha as diferentes
de lucros. Sua imagem vem sempre ligada ao dinheiro, ao lu- fases de perseguição aos “inimigos do regime” (judeus, comu-
cro fácil, lembrando a figura de Judas que segura as moedas nistas, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, doen-
que recebeu pela traição de Cristo. Em outras situações, sua tes mentais e físicos). Assim temos:
figura é animalizada tomando a forma de vampiros, vermes e

Judeus Escoltados pela SA, 1933, Yad Vashem, Israel.

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Etapas da
Categoria e identificação Dados complementares
Perseguição
1ª etapa: Campos de concentração: Dachau (criado em 1933, prestou-se como Categoria dos presos: judeus, comunistas
1933-1938 matriz para os demais campos), Quednau, Königswusterhausen, e seus simpatizantes, social-democratas,
Bornim, Hammerstein, Oranienburg, Ravesnsbrück (campo feminino) anarquistas, ciganos, homossexuais.
e Mauthausen, Columbia Haus (Berlim). Número de presos entre 1933-1939: cerca
de 165 mil a 170 mil Supervisão: Dachau e
Columbia Haus estavam sob a supervisão
da AS que tinha Himmler como seu
comandante. Os demais campos foram
assumidos pela SS.

2ª etapa: Campos de trabalho: já existiam na 1ª fase, mas a tendência se -Grupos de prisioneiros distintos: os
1939-1941 acentou após 1942, na 2ª etapa da guerra que exigia a abertura de Aussenkommando (levados para trabalhar
estradas, fabricação de material bélico, alimentos e roupas para os fora dos campos cuidando da abertura
soldados. Entre 1940-1941, nas proximidades da fronteira soviética, e preservação de estradas, trincheiras
foram criados campos de trabalho forçado para judeus. O mesmo e aeroportos) e os Firmenlanger
acontecendo nos campos para prisioneiros civis e campos de trânsito. (trabalhavam nos campos de empresas
Campos de concentração: passaram por uma reformulação em encarregadas de produzir material bélico).
decorrência da política anti-semita e da situação de guerra. Deveriam Oswald Pohl, diretor da WVHA, foi
fazer uso da infra-estrutura e da mão-de- obra dos territórios ocupados. encarregado de administrar os prisioneiros
Outros campos: Theresienstadt, Berlim, Vilna, Kovno, Letônia, dos campos de concentração. Assassinatos
Transilvânia e Frankfurt, etc. esporádicos e, posteriormente, de
Campos para poloneses: criados durante o confronto com a Polônia extermínio, começaram a ser praticados.
em setembro de 1938. Ali eram alojados cidadãos poloneses e A Polônia, invadida pelos alemães em 1º
prisioneiros de guerra que seriam deportados para a Alemanha. de setembro de 1939, transformou-se no
Deveriam construir fortificações para garantir uma infra-estrutura para laboratório da “Solução final”.
a invasão alemã na ex-União Soviética. Em 1944, cerca de 13 campos de trânsito
Campos de trânsito na Europa ocidental e meridional para onde foram construídos em Varsóvia, sendo
foram transladados milhares de judeus: Drancy (França), Westerbork Pruszkow o principal deles.
(Holanda) e Breendonck (Bélgica), Fossoli e Bolzono (norte da Itália). Um mês após a invasão da Polônia,
Guetos: Bairros fechados e reservados especilamente para os judeus. Heydrich ordenou que os judeus fossem
Após a invasão da Polônia pelos alemães, uma grande número de reagrupados nos grandes centros
guetos foram alí construídos em: Pietskow (1939), Lodz (1940), ferroviários e ali concentrados nos
Varsóvia (1940). Em abril de 1943 ocorreu a rebelião do gueto de guetos. Os Eizatzgruppen cuidaram dessa
Varsóvia. Outras rebeliões foram registradas nos guetos de Minsk, operação.
Kovno e Zetl
3ª fase: Campos de extermínio: às categorias identificadas nas fases -Os judeus eram exterminados,inicialmente,
1941-1945 anteriores somaram-se os campos de extermínio: Chelmno (1942: em caminhões a gás, morrendo por
iniciou o extermínio dos judeus de parte da Polônia anexada pelo asfixiamento. Posteriormente, passaram
Reich); Belzec (para onde foram transportados os judeus de Lublin e a ser empregadas câmaras de gás que
Lvov), Treblinka II(para onde foram os judeus do gueto de Varsóvia). tinham aparência de banheiro coletivo.
Auschwitz-Birkenau (principal local de extermínio). Outros campos: Outros morriam de fome, doenças e
Lublin-Majdanek, Sobibor. Após 1941 foram construídos na Estônia desespero.
para onde levados os judeus dos campos de Theresienstadt, Berlim,
Vilna, Kovno, Letônia, Transilvânia e Frankfurt. Há registros de revoltas
nos campos de extermínio de Kruszyna, Kyrchów, Minsk-Mazowiwcki,
Sobibor, Treblinka e Auschwitz.

Observação: o professor deverá orientar os alunos a observarem um mapa que identificando os locais de massacre
(direção a leste) e os campos de extermínio. Algumas cenas do filme A Lista de Schindler podem ser avaliadas prestando-
se para os alunos observarem como os judeus eram empregados nas indústrias que serviam ao Estado e aos industriais
nazistas. Discutir com os alunos o item “O aparato institucionalizado do terror: etapas da perseguição”. Sugerir-lhes a
montagem de um quadro seguindo o exemplo acima.

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7. Que papel tiveram os membros da SS na execução da fazendo valer a “vontade autoritária”, a vontade do Führer.
“Solução Final” nos campos de extermínio? Segundo a terminologia nazista, estes homens (inferiores) for-
A questão da “Solução Final” não deve ser atribuída, es- mavam uma categoria biológica e cultural de sub-homens (os
pecificamente, a um grupo de homens. Aliás, a “culpabilidade” Untermenschen), resultantes de uma degeneração (um des-
é um dos temas mais debatido nestes últimos anos, discussão vio). Estes mesmos critérios (de raça pura/superior e impura/
que ganhou forças após o lançamento do livro Os Carrascos inferior) foi aplicada à arte.Da mesma forma como se proibiam
Voluntários de Hitler, de Daniel Goldhagen (ver bibliografia cita- casamentos entre judeus e arianos, também se proibia o jazz e
da). Muitos daqueles que foram julgados no Tribunal de Nurem- a pintura moderna. Críticos de arte, contrários à arte impressio-
berg, acusados de crimes contra a Humanidade, alegavam que nista, chegaram a clamar por uma “depuração da arte” .
estavam apenas “cumprindo ordens”, que “serviam à Pátria O tratamento de “patológica” dado à arte moderna não
alemã”. Explicações convencionais procuram mostrar que os foi uma invenção do nazismo. Em 1913, um jornal alemão já
alemães (enquanto coletividade nacional) adotaram posições havia classificado as obras de Kandinsky como “um sólido
neutras ou condenatória em relação ao genocídio. Explicavam emaranhado de linhas” e o próprio artista como um “pintor
que cabia aos membros da hierarquia nazista as “ordens”para insano”, irresponsável pelos seus atos. Em 1914, o tema foi
a matança. A tese defendida por Goldhagen é de que o Holo- discutido no Reichstag e o parlamento aprovou uma resolução
causto foi compartilhado pela maioria do povo alemão que não contra a “degeneração”da arte. O debate não era exclusivo da
se limitou apenas a assistir o espetáculo do horror. Dezenas Alemanha: aconteceu em outros países que julgavam os artis-
de outros cidadãos, homens comuns, foram mobilizados pelo tas “degenerados” como produtos do liberalismo. Essas ideias
regime aderindo ao programa de extermínio. foram se tornando mais extremadas à medida que o movimen-
Assim, podemos definir o Holocausto como o produto de to nazista ganhava forças. Em 1928, Paul Schultze-Naumberg
uma mente maquiavélica e calculista que, subsidiada pelo apa- publicou o livro Arte e Raça, em que fotografias de pessoas do-
relho burocrático do Estado, espalhou o ódio contra judeus, co- entes e deformadas, obtidas de textos médicos, eram coloca-
munistas, ciganos e outras minorias. Importante papel tiveram das lado a lado com pinturas e esculturas modernas.
os médicos e cientistas conhecidos como os “anjos da morte”. Com a ascensão dos nacionais-socialistas ao poder, a arte
O extermínio de seis milhões de judeus foi decidido e executado entrou em voga. Alfred Rosenberg, o ex-teórico da arte, tornou-
por Hitler e seus homens (além de homens comuns do povo) se cabeça intelectual do partido, assumindo o cargo de “zela-
entre 1939-1944. Os comandantes da polícia política (os Ei- dor de todo o treinamento e educação intelectual e espiritual
satzgruppen) colocaram em execução as ordens recebidas de do partido e das associações coordenadas”” . Artistas “dege-
Heydrich. A SS, controlada por Himmler e seu auxiliar Heydrich, nerados” perderam os seus cargos; galerias foram fechadas,
foi realmente o maior braço de repressão do regime. Estes es- obras confiscadas e museus reformulados. Muitos preferiram
tavam divididos em dois grupos distintos: Wafen SS (que atu- deixar a Alemanha pois sequer podiam comprar tintas e pin-
avam como divisões militares de guerra) e os Einsatztruppen céis. Deu-se início a um programa de “purificação da arte” que
(comandos especiais responsáveis pela execução da política corria paralelo ao “programa de purificação da raça”. As obras
de extermínio na Rússia ocupada e pela segurança dos campos de Matisse, Van Gogh, Cézanne, Munch e Picasso estavam en-
de concentração). Até novembro de 1941, esses comandos ha- tre as obras “expurgadas”. Coleções valiosas de obras con-
viam assassinado cerca de meio milhão de judeus. fiscadas iam sendo empilhadas no Holfburg e no Kunsthisto-
risches Museum. Pilhagem e destruição marcou esta investida
8. Dois conceitos foram amplamente explorados pelo nazista contra objetos e pessoas. POVO, ARTE e ESTADO cons-
nazistas: o de raça degenerada e arte degenerada. Qual a re- tituíram um trinômio inseparável no ideário nazista. Persistia o
lação deles com o programa de arianização idealizado pelo sentimento de que a multidão e a cultura alemãs deveriam for-
Reich? mar um todo único, perfeito, sem desvios. A Alemanha queria
Um dos principais slogans anti-semitas do III Reich era ser uma bloco coeso, sem degenerações de qualquer espécie
o de construir uma Alemanha “limpa de judeus”. Não apenas (ideológicas, raciais, de gênere e culturais). Caso o professor
de judeus, mas “limpa” de tudo que pudesse comprometer o queira ter maiores informações sobre este texto deverá consul-
projeto de arianização da Alemanha cujo povo deveria ser for- tar a obra “Europa Saqueada”. O destino dos tesouros artísti-
mado por elementos representativos de uma raça pura, perfei- cos europeus no Terceiro Reich e na Segunda Guerra Mundial,
ta, bela. Aqueles que apresentassem desvios (leia-se aqui “de- de Lynn H. Nicholas. São Paulo: Companhia das letras, 1996).
feitos” morais, raciais e ideológicos) deveriam ser eliminados, Slides das pinturas de Picasso, Matisse, Van Gogh e outros,
ideia pregada por intelectuais desde o século XIX. Hitler, neste poderão ser mostrados para os alunos abrindo o debate para
caso, foi o elemento detonador de uma mentalidade antissemi- esta questão.
ta pré-existente.
Entre os indesejáveis (inimigos do regime) estavam: os 9. Qual a relação que pode ser feita entre a Shoah e a
judeus, os homossexuais, ciganos, comunistas, as Testemu- criação do Estado de Israel ?
nhas de Jeová, os deficientes físicos e mentais. Para avaliar, No final do século XIX, Theodor Herzl fundou na Europa um
selecionar e exterminar os cidadãos indesejáveis foram criados movimento nacionalista judaico que tinha por objetivo o resta-
institutos de pesquisa e uma polícia especial, além do cidadão belecimento de um Lar Judaico na Palestina. Este se tornou
comum que foi cooptado pelo regime. Verdades sobre as raças vitorioso em 1948 com a criação do Estado de Israel. A idéia de
puras e as raças inferiores” foram “construídas” com o apoio Herzl era de que, a partir do momento em que os judeus tives-
de cientistas, médicos, educadores e filósofos. A partir de um sem um lar próprio, o antissemitismo deixaria de existir. Conse-
projeto de arianização, o III Reich “estetizou” a vida alemã, guiu seguidores por toda a Europa e países da América. Com a

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ascensão de Hitler ao poder em 1933 e com o incremento da Os neonazistas -- considerados como grupo de violência
política anti-semita pelo Reich, os judeus alemães perseguidos - defendem, como os nazistas a supremacia da raça ariana.
pelo nazismo – e adeptos da idéia de terem um lar em terras Adotam o nazismo e a Ku Klux Klan como modelos, expressan-
da Palestina – começaram a procurar refúgio na Terra de Israel do seu ódio contra negros, judeus, mendigos e homossexuais.
(Eretz Israel). Persistia nesta época a Política do Livro Branco Têm seguidores em várias partes do mundo, inclusive no Brasil,
que limitava a entrada de judeus na Palestina. O Livro Branco onde fazem ecoar as clássicas saudações nazistas: Heil Hitler!
marcou o início da luta final pela formação de um Lar Nacional e Sieg Heil! Hitler é considerado o seu líder espiritual enquanto
Judaico na Palestina e devem ser vistos como símbolo das res- que seus atos são valorizados como expressão de heroísmo.
trições impostas pelos ingleses à emigração judaica durante a Têm profanado cemitérios judaicos, incendiado ambientes e
Segunda Guerra. Até então, um regime de mandato era estrei- pessoas consideradas como “indesejáveis”. Alimentam seus
tamente fundamentado na cooperação entre as autoridades seguidores distribuindo um farto material de propaganda racis-
britânicas e o movimento sionista. A grande fuga dos judeus ta e política que circula através da Internet, catálogos e fanzi-
perseguidos pelos nazistas precipitou o fim desta política sus- nes (revistas produzidas manualmente). O comportamento e as
tentada pelos ingleses. Em 1939, Londres decidiu encerrar o idéias do neonazistas americanos poderão ser avaliadas atra-
mandato e preparar o país para a independência, tendo por vés de um debate acerca do filme A Outra História Americana.
base os índices demográficos do momento: 2/3 de árabes e
1/3 de judeus. Prevendo um período transitório de 5 anos, o 11. Você já assistiu a algum filme sobre o Holocausto?
governo britânico limitou a imigração judaica e a aquisição de Qual? Comente a respeito.
terras na Palestina, de forma a não alterar essa proporção. Caberá ao professor, em conjunto com seus alunos e di-
O grupo sionista mais radical liderado por Davi Bem Gu- reção da escola, selecionar alguns dos filmes para serem de-
rion, decidiu por infringir as diretrizes dos Livros Brancos incen- batidos em classe. Seria interessante que, antes da exibição,
tivando a imigração ilegal em massa para Eretz Israel. Organis- arrolados algumas elementos à serem observados como por
mos e comitês judaicos internacionais tentavam apoiar aqueles exemplo:
que estavam interessados em emigrar para a Palestina. Entre - Se a moral nazista e o discurso antissemita se fazem
o final da guerra e a criação do Estado de Israel (1948) uma presentes nos diálogos;
imensa corrente emigratória Ilegal) se intensificou levando re- - Reconstituição dos cenários da época (1933-1950): resi-
fugiados judeus até a “terra prometida”. A agência clandestina dências dos nazistas e dos judeus, indumentária dos diferentes
Mossad Aliya Beit conseguiu fazer chegarem à Palestina cerca grupos (SS, AS, chefes nazistas, judeus, ciganos).
de 70.000 pessoas que se somaram a outros 13.000, levados - País ou cidade onde se desenvolve o filme procurando
por outros meios. Vários navios eram aprisionados com sobre- observar os diferentes espaços de segregação (guetos, cam-
viventes dos campos de concentração à bordo, como aconte- pos de concentração, prisões militares, etc.), espaços de traba-
ceu com o navio Êxodus em 1947. lho (fábricas, oficinas, campos de trabalho), espaços de lazer
A partilha da Palestina foi, finalmente, proposta por um (praças públicas, cinemas, balneários) e espaços de educação
projeto encaminhado em 1º de setembro de 1947 pela Comis- (colégios)
são de Inquérito das Nações Unidas (UNSCOP). Meses mais tar- - No caso de documentários observar o uso de luz e som-
de, em 29 de novembro de 1948, nasceria o Estado de Israel, bra, a sacralização do Führer, cenas de exaltação à Alemanha,
confirmado pela maioria de dois terços na Assembléia Geral hinos, a figura do cidadão “ariano” e do cidadão “judeu”, uso
das Nações Unidas. de símbolos (suástica, águia, estrela-de-davi, etc).

10. Você certamente já ouviu falar dos neonazistas. Qual


a similaridade das idéias defendidas por esses grupos com os
princípios sustentados pelos nazistas nos anos 1930 e 1940
na Alemanha ?
No dia 31 de janeiro de 2000, o jornal Folha de S. Pau-
lo noticiou que “cerca de 600 jovens neonazistas desfilaram
pela primeira fez, desde a Segunda Guerra Mundial, através
do Portão de Brandembrugo (Arco do século XVIII e o maior
símbolo da nação alemã) em Berlim, num protesto contra um
monumento em homenagem aos judeus mortos no Holocausto
(futuro Memorial do Holocausto). Udo Voigt, presidente da ala
neonazista do Partido Nacional Democrático, disse que esse
projeto é “uma mancha indesejável na capital do Reich”. Vale
ressaltar que diversos desfiles organizados pelo Partido nazista
entre 1933-1945, foram conduzidos através deste portão que
ficou fechado quase 50 anos. Só foi reaberto após a queda do
Muro de Berlim e o processo de reunificação do país. Durante o
ato de protesto, os neonazistas portavam bandeiras imperiais
alemãs e vestiam roupas pretas compondo uma “estética na-
zista”. As cabeças raspadas compõem o seu visual, além de
portarem suásticas tatuadas no corpo.

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Momentos antes da Câmara de Gás, Yad Vashem, Israel Deportação de judeus para os campos. Museu Lasar Segall, SP

Buchenwald, fornos crematórios, Yad Vashem, Israel Desembarque de judeus para campo de concentração
Yad Vashem, Israel

Ruth Reinová (19/02/1931 - 22/10/1944) Anna Flachová (26/11/1931 - sobrevivente)


Feira, giz de cera, Yad Vashem, Israel Depois de uma tempestade no mar, aquarela, Yad Vashem, Israel

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GLOSSÁRIO

Adolph Hitler: (1889-1945) Líder político alemão nascido Primeira Guerra Mundial: Com início do século XX, o avanço
em (Braunnau-Austria). Instituiu na Alemanha o regime do capitalismo provocou uma disputa por novas áreas e
ditatorial nazista, liderando a 2.ª Guerra Mundial (1939- mercados. A disputa pela hegemonia do continente causou
1945) promovendo o extermínio de cerca de 6 milhões de grande guerra chamada Primeira Guerra Mundial, entre a
judeus. Tríplice Entente (liderada pelo Império Britânico, França,
Império Russo (até 1917) e Estados Unidos (a partir de
Arianismo: teoria nazista que afirmava a superioridade do
1917) que derrotou a Tríplice Aliança (liderada pelo Império
povo ariano como suposta raça pura.
Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano),
Antissemitismo: Preconceito ou hostilidade contra judeus culminando no colapso de quatro impérios e mudando de
baseada em ódio contra seu histórico étnico, cultural ou forma radical o mapa geo-político da Europa e do Médio
religioso. Oriente.
Direitos Humanos: São direitos e liberdades básicos de República de Weimar: Instaurada na Alemanha após a
todos os seres humanos. Normalmente o conceito de Primeira Guerra Mundial, teve como sistema de governo
direitos humanos engloba a liberdade de pensamento e de o modelo parlamentarista democrático. O Presidente da
expressão, além da igualdade perante a lei. República nomeava chanceler que seria responsável pelo
poder Executivo. O poder Legislativo era constituído por
Dissidentes Políticos: Dissidência é o ato de discordar de parlamento (Reichstag).
uma política oficial, poder instituído (ou constituído) ou
decisão coletiva. Os indivíduos e grupos que optam pela Regimes totalitários: Sistema político em que o Estado,
dissidência são denominados dissidentes políticos, muito normalmente sob o controle de uma pessoa, político,
frequente em regimes autoritários e totalitários. facção ou classe, não reconhece limites à sua autoridade
e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida
Exposição Iconográfica: O termo “Iconografia” provém pública e privada. Os regimes ou movimentos totalitários
do grego - “eikon” significa imagem e “graphia” significa mantêm o poder político através de propaganda abrangente
escrita, logo “escrita da imagem”. Exposição iconográfica divulgada por meios de comunicação controlados pelo
representa a exibição em forma de linguagem que agrega Estado com partido único, que muitas vezes é marcado por
imagens na representação de determinado tema. culto de personalidade, com controle sobre a economia, a
Genocídio: Assassinato deliberado de pessoas motivado regulação e restrição da expressão, a vigilância em massa e
por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e (por o disseminado o uso do terrorismo de Estado.
vezes) políticas. Regimes autoritários: Forma de governo caracterizada
Genocídio Armênio: Foi promovido pela cúpula do partido pela ênfase na autoridade do Estado em uma república ou
governista Ittihad também conhecido como partido união. É sistema político controlado por legisladores não
dos Jovens Turcos (1915-1917), causando matança e eleitos que usualmente permitem algum grau de liberdade
deportação forçada de mais de um milhão de pessoas de individual. Pode ser definido como comportamento em que
origem armênia. instituição ou pessoa se excede no exercício da autoridade
que lhe foi investida; caracterizado pelo uso do abuso de
Grupos Neonazistas: Associado ao resgate do nazismo tem poder e da autoridade confundindo-se com o despotismo.
suas origens assentadas na intolerância e em preceitos
racistas, primando sempre pela “raça pura ariana”. Os Shoah: Corresponde à palavra holocausto em hebraico,
seguidores da doutrina promovem discriminação contra significando cremação dos corpos. A partir do século XIX
minorias e grupos específicos, como homossexuais e outros passou a designar grandes massacres e após a Segunda
não-heterossexuais ou não-cisgêneros, negros, ameríndios, Guerra Mundial foi utilizado especificamente para referir-
judeus e comunistas (bem como outras correntes político- se ao extermínio de milhões de pessoas que compunham
ideológicas correlatas à esquerda política), grupos politicamente indesejados pelo regime nazista.

Imigação: Movimento de entrada, com ânimo permanente Segunda Guerra Mundial: Conflito militar global (1939-
ou temporário e com a intenção de trabalho e/ou residência, 1945), envolvendo todas as grandes potências –
de pessoas ou populações, de um país para outro. organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados
(Império Britânico, França, União Soviética e Estados
Judaísmo: Nome dado à religião do povo judeu, a mais Unidos) e o Eixo(Alemanha, Itália e Japão). Foi a guerra
antiga das três principais religiões monoteístas (as outras mais abrangente da história, com mais de 100 milhões de
duas são o cristianismo e o islamismo). militares mobilizados.
Massacre de Ruanda: Em Ruanda, na África, há dois grupos Tratado de Versalhes: Tratado de paz assinado pelas
étnicos: a maioria hutu e o grupo minoritário de tutsis. Em potências europeias em 1919, encerrando oficialmente a
1994, o presidente hutu Habyarimana foi morto. A guarda Primeira Guerra Mundial. Após seis meses de negociações
presidencial, parte do exército e muitos esquadrões da em Paris, o tratado foi assinado como continuação do
morte perseguiram, exterminando deliberadamente, quase armistício de Novembro de 1918, em Compiègne, que tinha
um milhão de tutsis. posto fim aos confrontos. Seu principal ponto determinava
Mein Kampf (Minha Luta): Título do livro de dois volumes que a Alemanha aceitasse todas as responsabilidades por
de autoria de Adolf Hitler, sobre suas idéias anti-semitas, causar a guerra e que, sob os termos dos artigos 231-247,
racialistas, nacionalistas e socialistas, adotadas pelo fizesse reparações a um certo número de nações da Tríplice
partido nazista. Tornou-se guia ideológico e de ação que até Entente.
hoje influencia neonazistas e é chamado de “Bíblia Nazista”. Terceiro Reich: Nome do período do governo estabelecidou
Nazifascismo: Termo que designa em conjunto, o fascismo na Alemanha (1933-1945) liderada por Adolf Hitler e o
italiano, doutrina totalitária desenvolvida por Benito Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores
Mussolini (1919) e o nazismo alemão, em muitos aspectos (NSDAP).
emulando a primeira, que, embora nascido em 1920, é Xenofobia: Medo irracional, aversão ou a profunda antipatia
amplamente utilizado na Alemanha Nazi. em relação aos estrangeiros. Pode manifestar-se de várias
Nazismo: Conhecido oficialmente na Alemanha como formas, incluindo o medo de perda de identidade, agressão
nacional-socialismo, é a ideologia praticada pelo Partido e desenho de eliminar a sua presença para assegurar uma
Nazista da Alemanha, formulada por Adolf Hitler, e adotada suposta pureza.
pelo governo (1933 a 1945).

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FICHA TÉCNICA
Comissão Organizadora da Jornada - Brasília Programa ECCO Educativo
Abraham Goldstein (B’nai B’rith do Brasil) Concepção de Conteúdo do Educativo
Karla Osorio Netto (ECCO) Maria Luiza Tucci Carneiro
Maria Luiza Tucci Carneiro (LEER/USP)
Autores Colaboradores
Espaço Cultural Contemporâneo - ECCO Helena Lewin
Direção e Coodernação Geral Marcelo Vieira Walsh
Diva Maria Osorio Camargo Silvana Feitosa
Silvia Rosa Nossek Lerner
Curadoria Túlio Chaves Novaes
Karla Osorio Netto
Consultoria
Coordenação Ana Beatriz Goldstein
Ivan Aires
Diretora da CAL – DEX/UnB
Produção Ana Queiroz
Giselle Queiroz
Ricardo Caldeira Coordenadora Pedagógica da CAL – DEX/UnB
Ariane Abrunhosa
Equipe de Agendamento e Suporte
Elizete Campos Supervisão
Melissa Resende Ana Cristina Caracol

Equipe de Apoio e Manutenção Mediadores


Abgail Sousa Meneses Daniel Muniz, Janaina Botelho Jeremias Barros,
Edson Santos Jessica Paiva, Lunare G. Pereira e Luiz H. Oliveira.

Equipe de Montagem Agradecimentos


Eduardo dos Santos Abraham Goldstein, Adilson Cesár de Araújo,
Francisco Bento da Silva Carmem Gramacho, Claudio Lottenberg, Sr. Fábio
Rubens de Oliveira Balestro, Flávia Santos, Gicia Falcão, Embaixador
Teodoro Silva Giora Becher, Embaixador Ivan Jancárek, Jaime
Spitzcovsky (CONIB), Joe Valle, José Geraldo de
Vicente Pires Sousa Jr., Kanda Nehgme, Leo Vinovezky, Mônica
Vinovezky, Marcelo Vieira Walsh, Natanry Osorio,
Administração Patrícia Lima Pederiva, Rachel Becher, Regina
Cláudia Alves Vinhaes Gracindo, Renata Machado Roberta
Domingos Lacerda Júnior Zrycki e Wilder Santos.
Vilany Batista

Impressão em Braile na ABDV


www.abdv.gov.br

Realização Co-Realização

Embaixada da
República Tcheca

Patrocínio Apoio Parceria Educativa Produção

Secretaria de
Estado de Educação

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