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Apostila de Planejamento Urbano e Regional Final PDF
Apostila de Planejamento Urbano e Regional Final PDF
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UFPB/
Departamento de Geociências/
Curso de Geografia
[PLANEJAMENTO URBANO
E REGIONAL]
O material está dividido em cinco unidades. A primeira Unidade levanta o histórico do
urbanismo, com uma breve introdução, seguido do cenário do Urbanismo no período
Industrial e suas problemáticas. A segunda Unidade se pauta no Urbanismo brasileiro, onde
suas cidades e tendências são os eixos norteadores. Mostrando o seu passado e seu
presente. Na terceira Unidade, abordagem feita da cidade é na perspectiva da sociologia, por
meio do conceito de vizinhança. Já na quarta Unidade a abordagem se dá por meio do
Planejamento Urbano, seus objetivos, seus Instrumentos de Planejamento e a área de
atuação do Planejamento Urbano. No quinto bloco e último se trabalha a Unidade de
vizinhança, como uma nova forma de ordenar o espaço, uma unidade secundária, como se
Originou, se Introduziu e se Desenvolveu no Brasil.
SUMÁRIO
1. HISTÓRIA DO URBANISMO............................................................................................... 3
1.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 3
1.2 O URBANISMO DA ERA INDUSTRIAL............................................................................ 4
1.2.1 A Evolução Urbana nos Séculos XIX e XX ................................................................. 4
1.2.2 A Gênese do Urbanismo Moderno............................................................................... 4
1.2.3 A Corrente Progressista .............................................................................................. 5
1.2.4 As Dificuldades: O Urbanismo Contra a Cidade. ........................................................ 6
1.2.5 De Volta a Uma Concepção Mais Tradicional da Cidade .......................................... 7
1.3 UM PROBLEMA SEM SOLUÇÃO : O GIGANTISMO URBANO........................................ 8
1.4 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 10
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1. HISTÓRIA DO URBANISMO
1.1 INTRODUÇÃO
O termo “urbanismo“ passou a englobar uma grande parte do que diz respeito a cidade,
obras públicas, morfologia urbana, planos urbanos, práticas sociais e pensamento
urbano, legislação e direito relativo a cidade.
Antes da afirmação de um discurso teórico autônomo que pretende fundar sob seu único
domínio a realidade urbana, desenvolve-se no Ocidente uma longa fase preparatória. É
só de maneira progressiva que uma parte da humanidade se distancia de uma visão do
espaço urbano condicionada pela religião, pelo sagrado, por práticas e representações
sociais que por sua vez está em conformidade com uma determinada concepção de
mundo.
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1.2 O URBANISMO DA ERA INDUSTRIAL
A Revolução Industrial, que nasce na Inglaterra, lança toda uma população operária nas
cidades, que não estão preparadas para acolhê-las. Resulta uma proliferação de cortiços.
As famílias operárias amontoam-se em locais estreitos e sem conforto em Lille,
Liverpool e Manchester. Aos olhos dos contemporâneos, é toda a cidade que está
doente. Balsac classifica Paris de “cancro“. Médicos, filantropos, sociólogos,
economistas, romancistas, diante das epidemias e da delinqüência, vêem aí os frutos
envenenados dos cortiços, as infecções de uma cidade má, acusada de corromper a raça
humana, de destilar o vício e o crime.
Uma série de pensadores repudia a noção tradicional de cidade e elabora modelos que
permitem reencontrar uma ordem perturbada pelo maquinismo. É desta pesquisa que
nasce a principal corrente do urbanismo moderno, a corrente progressista.
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1.2.3 A Corrente Progressista
Desde 1901 o arquiteto Tony Garnier elabora um plano da cidade industrial, onde se
encontra quase tudo o que está na base do urbanismo atual. Os “arquitetos racionalistas“
constituem, a partir de 1928 um movimento internacional (CIAM - Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna). Em 1933 os arquitetos do CIAM elaboram um
manifesto doutrinal : “A Carta de Atenas“. Verdadeiro catecismo do urbanismo
progressista, este documento teve muitas idéias de Le Corbousier.
Há uma preocupação desvairada pela higiene, que se concretiza nas exigências de sol e
verde.
A Carta de Atenas exige construções altas, afastadas umas das outras, isoladas no verde
e na luz. Um outro teorema do urbanismo progressista é a abolição da rua, denunciada
como anacrônica, barulhenta, perigosa, contrária aos imperativos de luminosidade e
higiene. A Carta de Atenas exige que os imóveis sejam implantados longe dos fluxos de
circulação.
Edifícios públicos gigantescos que dominam imensos espaços vazios constituem uma
escultura urbana de inspiração cubista, à base de volumes geométricos simples. Em
Brasília os bairros habitacionais não diferem muito dos conjuntos habitacionais de
Singapura, Paris e Moscou.
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1.2.4 As Dificuldades: O Urbanismo Contra a Cidade.
Se a produtividade na construção não tivesse aumentado nos últimos cem anos, não se
pagaria aos operários como se paga atualmente. E, como o número de horas de trabalho
necessárias para um dado edifício teria permanecido bastante elevado, a construção
seria bem mais cara: viveríamos cinco em cada cômodo. Para subsistir nas sociedades
industriais, a atividade da construção exige uma produtividade o mais alta possível.
Esse imperativo proíbe praticamente em nossos dias o emprego de material tradicional,
desuniforme, lento para separar, trabalhar e colocar no devido lugar.
Tudo isso está unido de maneira indissociável, e ninguém pode fazer nada, não mais os
urbanistas e os arquitetos que o comum dos mortais. Não é o emprego do concreto que
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se deve censurar no urbanista progressista, mas o fato de ter erigido como dogma a
superioridade estética intrínseca do concreto.
A cidade volta a ser moda, a cidade verdadeira, com ruas de pedestres, lojas, oficinas.
Desde 1961, a socióloga americana Jane Jacobs, analisando os prejuízos do urbanismo e
da renovação urbana nos Estados Unidos, mostra que o abandono da rua acarreta o
desaparecimento das principais vantagens da vida urbana: segurança, contato, formação
das crianças, diversidade das relações. Ela acrescenta que a estrita aplicação do
princípio do zoneamento esvazia durante o dia os bairros habitacionais: reina então um
sentimento de tédio que reforça a padronização da arquitetura.
Quanto aos espaços verdes e terrenos circunvizinhos destinados a jogos nos conjuntos
habitacionais, eles favorecem a delinqüência de grupos adolescentes: lá eles encontram
um espaço mais favorável que a rua para seus delitos, pois eliminam a vigilância dos
adultos. J. Jacobs observa que nos bairros sem atração para o público, os parques não
fazem mais que acentuar “o tédio, a insegurança e o vazio“. Para ela, o essencial é
refazer as ruas, que ela deseja vivas, animadas, comerciais, locais de sociabilidade e de
segurança. Suas idéias inspiram parcialmente a reordenação do centro de grandes
cidades como Boston e Filadélfia.
A abolição da rua e sua substituição por grandes espaços vazios se traduzem por uma
certa desintegração mental dos habitantes, enquanto que uma forte estruturação do
tecido urbano é, ao contrário, acompanhada de uma forte estruturação psíquica dos
habitantes.
O modelo urbano progressista, com seus grandes conjuntos habitacionais e seus espaços
livres pode, portanto, revelar-se favorável ao desenvolvimento da imoralidade. Se os
bairros recentes respondem aos imperativos da higiene e da salubridade física, sua
arquitetura e seu espaço desestruturado podem ser fonte de angústia, escondendo uma
certa insalubridade psíquica.
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A idéia de refazer as ruas ganha terreno a cada dia. “A cidade readquiriu coragem e
passou a lutar. Fala-se novamente das ruas. Fala-se da vida citadina“. Mas isso supõe
tornar bastante flexível as regras do zoneamento, que dissociam a função da habitação
das demais funções urbanas. Senão, realizam-se somente ruas mortas de cidades-
dormitórios. E antes mesmo de dar vida às ruas a tarefa mais urgente consiste em
interromper a destruição das ruas existentes. Elas constituem um capital urbano que nos
coloca na incapacidade de substituir por qualquer coisa da mesma qualidade.
Poucos temas tem tanta repercussão em nossa época como o dos aspectos negativos da
megalópoles; caráter inviável da grande cidade, problemas de circulação e de
abastecimento, esgotamento nervoso dos habitantes, poluição, etc.
Todavia, no início do século, grandes cidades como Londres e Paris ocupam ainda um
espaço relativamente limitado. Os seis milhões de habitantes da aglomeração londrina
ocupam uma área num raio de 20 km ao redor do centro: os quatro milhões de
habitantes de Paris e de seus subúrbios concentram-se num círculo de 20 km de
diâmetro. Mas no período entre as duas guerras mundiais as duas capitais conhecem
uma explosão espacial sem precedentes: em Londres assiste-se à triplicação do espaço
urbanizado.
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particularmente desumana resulta do imenso crescimento demográfico do país onde a
ciência e as técnicas médicas do Ocidente foram introduzidas artificialmente, rompendo
o equilíbrio existente entre fecundidade e mortalidade “naturais”.
Menos ainda que as cidades européias do séc. XIX, as cidades do Terceiro Mundo não
conseguem acolher as massas humanas que para elas fluem. São rodeadas de imensos
subúrbios feitos de favelas. Em Lima, 1/3 da população vive em favelas. Mesmo
Brasília possui suas favelas.
Em algumas destas cidades gigantes não existe nem mesmo eliminação de esgoto e
coleta de lixo. Os detritos acumulam-se na periferia em verdadeiras colinas sobre as
quais vive um povo miserável de mendigos e das quais retiram sua subsistência. Trata-
se, portanto, no final das contas, de uma situação bastante pior que aquela das grandes
cidades ocidentais do séc. XIX. E os problemas se agravam ainda mais por alguns
países não poderem ou não desejarem interromper seu absurdo crescimento
demográfico.
1.4 CONCLUSÃO
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enriquecimento global da sociedade, que se traduz pelo fato de que cada um se beneficia
com um espaço mínimo cada vez mais significativo, de objetos materiais cada vez mais
numerosos e complexos e de uma quantidade crescente de prestações de serviços.
Desses novos problemas nasce o urbanismo moderno, que se pretende uma ciência, mas
que é na realidade alimentado de utopias com caráter totalitário mais ou menos
confesso. Em particular o urbanismo progressista, cuja influência é predominante,
decorre em grande medida de modelos utópicos como os de Fourier, veiculando uma
ideologia anti-urbana, que confunde a distinção tradicional entre espaço urbano e espaço
rural. De modo que o urbanismo progressista resulta paradoxalmente no que mesmo
Marx preconiza, em nome de uma ideologia anti-rural, a abolição da diferença entre
cidade e campo e uma urbanização generalizada deste último.
Os resultados obtidos pelo urbanismo moderno são de um valor discutível, mas de uma
amplitude arrasadora: isto se deve não a uma suposta qualidade enquanto ciência, mas
às possibilidades geradas pelos meios técnicos que a civilização industrial coloca à
disposição dos arquitetos, dos engenheiros e dos urbanistas. Graças a esses meios, o
urbanismo progressista prossegue ao menos no Ocidente, a alojar decentemente os
homens.
Mas ele não prova que as vias utilizadas são as únicas nem as melhores. Elas constituem
em todo o caso uma negação e mesmo assassinato da cidade. Quanto ao espaço rural,
ele é simplesmente abandonado no percurso natural de uma urbanização difusa, que em
uma geração o descaracteriza com construções de rara mediocridade. A salvação do que
resta ainda das paisagens e dos sítios constitui uma das tarefas prioritárias do urbanismo
atual e futuro.
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Por que planejamento estratégico? No mundo percebe-se que, atualmente, há cidades
que dão certo, e outras que não dão. Verifica-se que, entre outros, um dos fatores de
sucesso das que dão certo, é o envolvimento de todos os atores sociais na melhoria
contínua, implantada no processo de planejamento estratégico Municipal. No entanto,
antes de propor metodologia e soluções para a atual cidade brasileira, faz-se necessário
conhecer e entender sua história.
Esse avanço dos bandeirantes portugueses atinge o território espanhol definido pelo
Tratado de Tordesilhas, e gera o Tratado de Madrid, firmado na capital espanhola entre
Portugal e Espanha, em 1750. As negociações para o tratado basearam-se no chamado
Mapa das Cortes, privilegiando a utilização de rios e montanhas para demarcação dos
limites. O documento consagrou o princípio do direito privado romano de que quem
possui de fato, deve possuir de direito, delineando os contornos aproximados do Brasil
atual. Com as entradas e bandeiras, promovidas pelos bandeirantes, cidades no interior
do Brasil são criadas. O Brasil, na época, ocupava-se com a exploração do ouro e das
pedras preciosas.
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atacar Portugal. D. João VI, rei de Portugal, não tendo condições de enfrentar a
Espanha, pede a paz, prometendo fechar seus portos à parceira comercial, Inglaterra. No
entanto, se cumprisse a promessa, corria o risco de ver seus portos bloqueados pela
poderosa armada inglesa.
Em 1815 Napoleão Bonaparte é derrotado. Tal situação, entre outras, faz com que os
artistas neoclássicos franceses percam o principal pilar que os sustentava, financeira e
ideologicamente: Necessitaram então migrar para outras terras. Estando D. João VI, na
época, instalado com sua corte no Rio de Janeiro, promove o desenvolvimento
industrial e o ensino superior na cidade. Para tanto, necessita de artistas e intelectuais.
Assim, foi composta a Missão Francesa Brasileira. A missão, entre outros objetivos,
idealizaria e organizaria a criação de uma Academia de Belas Artes: neoclássica, como
era o estilo da época.
Por volta de 1850 em Paris, e agora com Napoleão III, o modelo urbanístico da cidade
foi revisto: a cidade necessitava de saneamento físico e político. Em 1853 assume a sua
prefeitura Haussmann,que re-define a cidade com amplas avenidas “que simplifiquem a
defesa, nos dias de revolta”.
O Rio de Janeiro, e depois outras cidades brasileiras, pela influencia estética criada com
a missão francesa, e apesar de não terem tido os problemas políticos de Paris, copiam a
nova forma da cidade, como modelo. Tal modelo perdura, sem grandes alterações, até a
construção de Brasília, em 1960. São cerca de 100 anos em que o imaginário urbano
burguês brasileiro sonhou com grandes avenidas e divisão de classes sociais, no modelo
parisiense de Haussmann.
Brasília foi criada com o objetivo estratégico de retirar a capital brasileira do litoral.
Construída de 1956 a 1960, é a representação viva no Brasil da Carta de Atenas, nos
modelos de separar as áreas de habitação, trabalho, ócio, e interligá-las por vias de
circulação.
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A concepção de então se baseava num modelo espacial de cidade ideal (a ser alcançado
através de índices de taxas de ocupação, coeficientes de aproveitamento, tamanho
mínimo de lotes), denominado de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI.
Nessa concepção, o PDDI era realizado de forma centralizada e tecnocrática.
Nesse processo houve cidades que deram certo, e outras não. No entanto, e apesar dos
planos, a separação do planejamento urbano da esfera da gestão provocou uma espécie
de discurso desconexo: de um lado os planos reiteravam os padrões, modelos e
diretrizes de uma cidade racionalmente produzida; de outro, o destino da cidade era
negociado com interesses econômicos, locais e corporativos. As cidades brasileiras
foram se caracterizando pelo contraste entre um espaço contido no interior de uma
moldura da legislação urbanística e outro, situado numa zona entre o legal e o ilegal. E
como está o panorama atual?
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à saúde, à educação, à moradia, aos bens de consumo e aos direitos de
participação na vida social e política da comunidade em que vivem
(IBGE, 2008)
Na outra ponta estão as cidades que lideram o ranking de riqueza por habitante no
Brasil. De acordo com dados divulgados pelo mesmo IBGE, em dezembro de 2008 e
relativos à 2006 entre os 10 municípios de maior Produto Interno Bruto – PIB per
capita do Brasil estão os com um número pequeno de habitantes e casas e, em geral,
apenas uma grande empresa.
Qual a solução? Mais uma vez, determinações legais. A partir de 1988, com a nova
Constituição Federal, houve a definição da obrigatoriedade do Plano Diretor Municipal
– PDM para cidades com população acima de 20.000 habitantes. Em 2001 a Lei Federal
do Estatuto da Cidade reafirma essa diretriz, estabelecendo o PDM como instrumento
básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (artigos 39 e 40). Inclui, na
obrigatoriedade, municípios situados em regiões metropolitanas ou aglomerações
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urbanas, em áreas de interesse turísticos, ou em áreas sob influências de
empreendimentos de grande impacto ambiental.
O novo enfoque brasileiro parte do entendimento de que a cidade possui vários agentes
atuantes que, a partir de um pacto comum, determinam por meio de ações coordenadas a
cidade que todos querem, o que, portanto, deve corresponder aos interesses da maioria.
Segundo Rolnik. “a grande diferença é olhar pro conjunto (...) a responsabilidade pela
implementação desse plano não é apenas do governo ou do poder público, ela é também
de todos os cidadãos que vão estabelecer entre si regras básicas de convivência naquele
lugar”. É, no Brasil, a visão da polis.
O Brasil é descoberto por Portugal em 1500. Com ação urbana incipiente, inicia sua
urbanização somente em meados de 1850, copiando modelos franceses e
desconsiderando a cultura local. As cidades brasileiras, desde então, existem de
maneiras paralelas, pois há a cidade legal e a real. Entre a cidade legal e a real, há
distinções.
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Muito se tem discutido atualmente no Brasil sobre os Planos Diretores Municipais. Com
a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, esse instrumento voltou a despertar
atenção da sociedade, depois de anos de descrédito. Se for superado o entrave da
sensação, nas pessoas, de que o proposto não é duradouro, mas direcionado para
objetivos limitados, com duração definida, é possível que os atuais PDMs, concebidos
na metodologia do planejamento estratégico, consigam êxito.
Em 1923, Clarence Perry, inspirado em Ebenezer Howard, pela primeira vez mostra o
conceito de unidade de vizinhança. Para ele, os equipamentos urbanos deveriam estar
próximos às habitações e estas não deveriam ser interrompidas por vias de trânsito de
passagem, mas apenas tangenciadas, preservando a vida comunitária e dando segurança
às crianças. Estas poderiam ir à escola sozinhas, já que os caminhos eram seguros e a
distância era ideal para não cansá-las. Por isso, a escola primária era o equipamento
básico de uma unidade de vizinhança.
Enquanto Perry desenvolvia seus estudos, Henry Wright e Clarence Stein aplicaram
conceitos parecidos nos conjuntos habitacionais próximos a Nova Yorque. Stein define
a unidade de vizinhança como uma área residencial delimitada (mas não cortada) por
vias de trânsito de passagem e que seriam projetadas para uma população que
necessitasse de uma escola elementar. Queen Carpenter confirma a função da unidade
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de vizinhança em recriar os laços de contatos primários, onde "os residentes se
conhecem pessoalmente e têm o hábito de se visitar" e onde "os membros se encontram
em terreno conhecido [...] para desenvolver actividades sociais primárias e contatos
sociais espontâneos ou organizados".
Esse conceito pode ser dividido em duas correntes. A primeira, anglo-saxônica, baseia-
se nas cidades jardins e em baixas densidades demográficas. É o caso do Plano da
Grande Londres (a partir de 1944), de Patrick Abercombie, e das novas cidades inglesas
(da primeira e segunda gerações). A segunda corrente foi influenciada pelo racionalismo
europeu e por Le Corbusier. Nela são explorados os edifícios habitacionais. São os
casos das superquadras de Brasília e da Unité d‟ Habitacion.
3.2 Críticas
Apesar disso, uma das funções da unidade de vizinhança foi alcançada: dar proteção à
criança.. Suas diretrizes de distribuição de equipamentos e serviços na área urbana
também estão presentes hoje, como medidas de planejamento compatíveis com o
desenho urbano.
A Unidade de Vizinhança é uma idéia simples, que contrasta com a dos bairros
existentes nas cidades tradicionais. Essas unidades deveriam possibilitar através de um
número estabelecido de habitantes, de equipamentos e serviços lá introduzidos, as
relações sociais da comunidade.
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O americano Clarence Perry estudou nos anos 20 as relações entre os habitantes das
comunidades e os equipamentos existentes nelas. A partir destes estudos identificou
que, os principais equipamentos deveriam estar próximos às habitações, e que a
circulação de veículos não deveria cortar os acessos aos serviços nem perturbar a vida
da comunidade. Para ele, a vida social desenvolvia-se a partir da utilização dos serviços
comuns, da sua estruturação e organização que atendem a determinada comunidade.
Clarence Stein defendia que a unidade de vizinhança além de área residencial, deveria
atender à população que necessitasse de uma escola elementar. Deveria também ser
delimitada por vias suficientemente largas, permitindo que o trânsito passasse pela
unidade sem atravessá-la. Deveria existir também uma área com pequenos parques e
locais para recreação.
Desde Cerdà em seu projeto para o Plano de Barcelona, observa-se a tentativa de, a
partir da unidade de vizinhança, estabelecer relação entre os grupos. Para os teóricos o
conceito de unidade de vizinhança interessava mais no sentido de entender os aspectos
sociais (dimensões, quantitativos, etc) do que o traçado e a forma urbana decorrentes
deles. Estas teorias influenciaram a organização de áreas habitacionais a partir dos anos
vinte, especialmente a partir do pós-guerra que exigiu um maior debate sobre a
reconstrução das cidades e, a melhor forma de suprir o déficit habitacional. Os
urbanistas de todos os países experimentaram os conceitos de unidade de vizinhança e
utilizaram-no de forma indiscriminada.
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A segunda corrente incluiu as idéias do racionalismo europeu, apresentando-se na forma
das unidades habitacionais de Le Corbusier e das Superquadras de Brasília, onde foi
utilizada a possibilidade de construção de edifícios em altura.
Nos anos 70, estas críticas levaram ao abandono das idéias de Unidade de Vizinhança,
porém alguns métodos decorrentes destas idéias permaneceram e são adotados em
planejamento de cidades até hoje, como as relações equipamentos-população.
4. PLANEJAMENTO URBANO
Historicamente a apropriação do espaço físico foi marcada por lutas e guerras. Desde a
Idade Antiga, quando as disputas por terras ocorriam entre tribos rivais até os dias
atuais, onde presenciamos o conflito entre fazendeiros e sem-terras, o desafio de manter
ou conquistar um pedaço de chão permanece. Se as estatísticas se confirmarem, em
menos de 30 anos o Planeta Terra terá 10 bilhões de habitantes (atualmente possui 6
bilhões), dos quais cerca de 90% viverão nas cidades.
A busca por melhores condições financeiras nas últimas décadas, principalmente nas
grandes cidades, desencadeou um processo de urbanização acelerado nas cidades
brasileiras, as quais não se encontravam preparadas para comportar tal demanda. As
conseqüências dessa ocupação desordenada do espaço físico são o reflexo da falta de
planejamento, e constituem-se em problemas de ordem social, econômica e físico-
administrativas.
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iniciativa privada, visando criar melhor condição de ambiente urbano e promover o
desenvolvimento da cidade, constitui o processo de planejamento urbano.
Pode-se caracterizar o espaço urbano como uma arena onde se defrontam interesses
diferenciados em luta:
É função do Planejamento Urbano gerir o espaço físico, através da análise das relações
socioeconômicas, propondo uma política de desenvolvimento para a cidade que
contemple os interesses da comunidade local e regulamente as atividades dos diversos
setores que compõem a estrutura urbana.
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O planejamento público tem uma dimensão técnica e uma dimensão política.
O planejamento governamental não deve constituir uma atividade esporádica, que venha
a ocorrer apenas em determinado período de uma gestão. O processo de planejamento se
inicia com o levantamento, por iniciativa do governo, dos problemas e situações que
afetam a população. Prossegue com a análise das informações sobre esses problemas, a
definição de objetivos a alcançar, a programação das ações adequadas, o
acompanhamento da execução dessas ações, a tomada de medidas corretivas e o esforço
para melhorar constantemente o próprio sistema de planejamento, tudo isso visando à
melhoria crescente das condições de vida da população, (OLIVEIRA, 1989).
Planejamento pode ser definido como processo de decisão que objetiva causar uma
combinação ótima de atividades em uma área específica e pelo qual a utilização dos
instrumentos de política seja coordenada, considerados os objetivos do sistema e as
limitações impostas pelos recursos disponíveis (HILHORST, 1975).
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A distribuição e ocupação inadequadas do espaço físico territorial não é assunto de
análise e discussão apenas das grandes cidades, onde a expansão urbana parece ter
atingido o nível máximo.
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quantidade crescente de lixo saturando as condições de coleta, tratamento e disposição
final de resíduos sólidos, (HARDT, 1994).
A fim de que as diversas atividades e setores que formam a estrutura da cidade possam
coexistir harmonicamente, o Poder Público Municipal utiliza-se de certos instrumentos
legais. Esses instrumentos têm a função de regulamentar, através de planos e leis, as
propostas e ações que caracterizam a dinâmica da cidade: como por exemplo a
instalação de uma nova indústria, a elaboração de um programa social como a criação
de um plano habitacional, etc.
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4.2.1 Plano Diretor
A Constituição Federal, em seu art. 182 dispõe sobre a legislação básica da política de
4.2.1.1 Objetivos
Segundo RABI, as propostas do Plano Diretor devem conformar uma visão de conjunto
e integrada de todos os aspectos do desenvolvimento municipal. O Plano Diretor deve
indicar estratégias para explorar o potencial de desenvolvimento do Município,
fortalecer as tendências desejáveis e reverter as situações ou tendências não favoráveis.
Deve ordenar a ocupação no território sem, contudo, coibir as atividades econômicas.
Indicar os caminhos para direcionar o desenvolvimento para o bem-estar da população,
facilitando a provisão eqüitativa de serviços públicos, sem esgotamento dos recursos
ambientais, facilitando o acesso ao solo urbano a todos os habitantes.
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4.2.1.2 Área de Atuação
Se por um lado a Lei de Zoneamento e Uso do Solo coíbe práticas especulativas que
prejudicam a qualidade de vida e comprometem, de forma irreversível, o meio
ambiente, por outro, quando não se consegue compreender a vocação econômica da
cidade corre-se o risco de implantar um conjunto de normas rígidas que prejudicará a
dinâmica do desenvolvimento urbano. A análise e interpretação dos dados
característicos da cidade e região é o fator determinante para uma proposta de
zoneamento que contemple a vocação da cidade.
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Caberá à equipe técnica da Prefeitura interpretar as condições de cada área, as
expectativas da população e definir as normas que irão reger cada zona e que estarão
contidas na Lei de Zoneamento e Uso do Solo, (RABI, 1999).
4.2.2.1 Definição
Lei de Zoneamento e Uso do Solo é a lei que define os parâmetros para a ocupação do
solo urbano nas diversas áreas que compõem o zoneamento da cidade.
4.2.2.2 Objetivos
Como perímetro urbano entende-se a linha que contorna as áreas urbanas e de expansão
urbana.Esta linha (perímetro) é definida por lei.
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A Lei 6766/79, alterada em alguns aspectos pela Lei 9785/99, dispõe sobre o
parcelamento do solo urbano, nas duas formas em que o mesmo pode ocorrer:
loteamento e desmembramento, bem como sobre os requisitos urbanísticos básicos à
aprovação dos projetos de parcelamento do solo.
Vias de circulação;
“a abarcar o território como um todo, suas regiões, as áreas rurais, a rede urbana
como um conjunto e cada cidade, do ponto de vista particular. Essa ampliação de
escalões de planejamento, levou os autores da Carta a se preocuparem com o
planejamento de países, continentes e, num último e final escalão, até mesmo da
própria terra”.
O planejamento urbano tem, segundo vários autores, um campo de atuação que pode ser
bastante amplo no que diz respeito ao aspecto físico, não se limitando apenas à área
urbana das cidades.
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4.4 CONCLUSÃO
Planejar uma cidade significa muito mais do que simplesmente atender à legislação
urbanística. Propor diretrizes para o desenvolvimento da cidade requer estudos sólidos
sobre as características que ela apresenta, implica em conhecer suas tendências, sua
“vocação”.
5.1 INTRODUÇÃO
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quotidianas de consumo de bens e serviços urbanos. Os equipamentos de consumo
coletivo teriam assim sua área de atendimento coincidindo com os limites da área
residencial.
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Assim, na primeira parte, exploramos as origens e o desenvolvimento das idéias de
Unidade de Vizinhança no exterior. Aí mencionamos algumas das aplicações iniciais
mais significativas. Na segunda parte, tratamos da sua introdução no Brasil,
mencionando experiências de profissionais estrangeiros e nacionais, que fazem a
divulgação das idéias entre nós. Na terceira parte abordamos a aplicação das idéias feita
por Lúcio Costa em Brasília, cidade-manifesto que coloca em prática concepções que
vinham a muito sendo gestadas, idéias essas entre as quais destacamos a de Unidade de
Vizinhança.
2. Limites. A unidade de vizinhança deve ser limitada por todos os lados por
ruas suficientemente largas para facilitar o tráfego, ao invés de ser penetrada
pelo tráfego de passagem.
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Plano de uma UV esboçado por Perry. Fonte: Perry (1929:36).
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A preocupação de Perry com o planejamento escolar tem origem na sua experiência
profissional com a implantação de escolas. Em grande parte é daí que ele considera que
todas as habitações deveriam estar dentro de convenientes limites de acesso da escola
elementar. O que ele faz é propor a inversão dos processos usuais. Ou seja, ao invés da
área residencial e sua população produzirem a definição e dimensionamento da escola,
ele sugere que a área residencial deva ser dimensionada de modo a garantir habitação
para aquela população para a qual a escola era comumente requerida Além de atribuir à
escola o papel de elemento dimensionador da área residencial, Perry sugere sua
construção como centro comunitário, reforçando seu papel aglutinador da comunidade.
A preocupação de Perry com a vida coletiva local tem como base sua militância e
liderança no movimento comunitário na cidade industrial de Rochester, cujos principais
objetivos eram a aquisição física e concretização de centros sociais, tendo como
perspectiva, o desenvolvimento de cooperação e integração cívica a nível local. Neste
contexto, ele teria se interessado pela teoria social e pelas investigações sociológicas,
aproximando-se de Robert Park, Burgess e J. Ward, cujas idéias tomariam corpo sob a
denominação de Escola de Chicago de Ecologia Humana, que se notabiliza pelos
estudos das mudanças nas relações sociais nas cidades americanas e sobre a dinâmica
das populações no espaço urbano. Junto com Ward, ele luta para fazer da escola um
centro social, propondo que seu edifício assumisse também, as funções de centro social,
biblioteca e galeria de arte.
A matriz dessas concepções tem sido atribuída à Teoria Geral de Robert Spencer (1820-
1903), o "Organicismo" (conhecido também como Evolucionismo), que influenciado
pela Teoria da Evolução procura explicar a sociedade através de uma visão metafórica
das ciências naturais. Por esse prisma, a sociedade, e por conseguinte a cidade, passa a
ser vista como um organismo. Com esta transposição, a cidade convulsionada pela
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Revolução Industrial passa a ser encarada como padecendo de uma patologia cujas
razões estariam na forma urbana e no comportamento social.
A ciência urbana ao se constituir no início do século 20, desde logo está ligada a uma
prática, que segundo Topalov (1991:30-31) se apóia na crença de que a cidade é um
fator de progresso e que existem meios científicos e técnicos para controlá-la; na crença
que a cidade é um organismo, ou um sistema onde o bom funcionamento do conjunto
depende do bom funcionamento das partes e viceversa, e que a planificação é o primeiro
remédio. Resulta daí, que a ciência da cidade, inicialmente, apoia-se diretamente no
método experimental concebido sobre o modelo da medicina.
Ainda que Clarence Arthur Perry advogue uma organização urbana baseada em
unidades sócioespaciais separadas e auto-suficientes, ao contrário de Howard, seu foco
de interesse se limita às áreas residenciais, relegando atenção ao conjunto da cidade
formado pelas UV‟s. Mas efetivamente a idéia de UV provém da idéia de cidade-
jardim, ou da mesma linhagem de concepções.
33
Figura: Forest Hills Plano de Forest Hills, perspectiva. Fonte; Newton (1971:370)
34
Com Radburn, as concepções de UV ganham repercussão. Inicialmente, nos Estados
Unidos sendo usadas nos planos de uma série de cidades ou expansões urbanas que
passaram a ser conhecidas como as cidades greeenbelt. Embora até o final da Segunda
Guerra Mundial as idéias tenham ficado restritas aos Estados Unidos, com os trabalhos
de reconstrução do pós-guerra na Europa as idéias de UV ganham grande divulgação,
especialmente na Grã-Bretanha, onde as idéias alcançam grande repercussão, pelas
afinidades com as idéias de cidade-jardim, antes bastante disseminadas.
Figura Radburn Vista aérea de trecho de Radburn em 1930. Fonte; Newton (1971:370)
35
concepções de cidade, junto com a emergência de uma nova compreensão da vida
social. Nesse ambiente, as experiências de UV causaram grande impressão, mas
suscitaram também muitas críticas. Sociólogos levantaram a suspeita acerca da sua
validade, enquanto os planejadores reagiam contra a rigidez imposta aos planos.
36
Legenda: Plano de Chandigarh. Fonte: Le Corbusier (1953:146).
Pode-se supor que o processo de introdução das idéias de UV no Brasil, pelos menos
inicialmente, se encaixa na segunda maneira de transposição sugerida por Lamparelli
(op. Cit.). Entretanto, no âmbito do presente trabalho não se pretende a confirmação
dessa hipótese, já que para tal seria preciso uma pesquisa mais aprofundada. Nesse
sentido, o que fazemos aqui são especulações sobre os processos de transposição das
idéias de UV para o Brasil.
Em São Paulo, por exemplo, segundo Regina Meyer (1991:70), Prestes Maia reivindica
para si a introdução da idéia de UV, como recurso projetual apresentado desde 1929. Do
mesmo modo, o professor Anhaia Mello, opositor de Prestes Maia nos debates sobre os
problemas urbanos de São Paulo, afinado com as concepções do "urbanismo orgânico"
defende também as idéias de UV, tendo tomado conhecimento das concepções de Perry
37
já no ano da publicação do plano de Nova York (1929), onde está a monografia de
Perry.
Na primeira modalidade de transposição proposta por Lamparelli (op. Cit.) temos o caso
da primeira aplicação das idéias de UV que se tem notícia entre nós; a construção da
Cidade dos Motores em 1947, projeto do arquiteto espanhol Jose Luís Sert, situada no
município de Duque de Caxias, RJ, na verdade uma expansão urbana que só
parcialmente foi implantada, mas previa uma fábrica de tratores e uma área residencial
para trabalhadores organizada em quatro UV‟s e equipada com escolas, comércio e um
estádio esportivo.
Depois de Sert, brasileiros fizeram diversas experiências com as idéias de UV. Tal é o
caso do Conjunto do Pedregulho de 1950 e a Unidade Residencial da Gávea de 1952,
ambas do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, na cidade do Rio de Janeiro. Entretanto o
limite dessas duas aplicações, cada uma composta de duas ou três edificações, não
chegam propriamente a configurar uma UV, poderiam ser melhor entendidas como
"amostras" das idéia, que funcionaram como elemento de divulgação.Num certo
sentido, essas experiências se aproximam da unitè d‟habitation de Le Corbusier em
Marseille, que procura resolver no corpo do próprio edifício as demandas dos
moradores por equipamentos de consumo quotidiano.
38
serviços situado num território cujo diâmetro se situa em torno de 1.500 metros e com
uma população de aproximadamente 1 mil habitantes. Na parte propositiva Pe. Lebret
estabelece os seguintes escalões organizacionais para a cidade:
"1º - o loteamento:
5º - a unidade municipal;
"avistamo-nos então com o Padre Joseph Lebret e de seus lábios ouvimos o que nossos
urbanistas repetem todos os dias e esta folha tem procurado difundir com lealdade: é
necessário mudar o sistema de urbanização, imprimindo à cidade uma estrutura
orgânica, isto é, criando distritos residenciais e unidades de vizinhança" (apud IBAM,
1956:31).
Mas curiosamente, não foram as concepções de cidade e de UV posposta por Lebret que
foram adotadas, na mesma época, para a construção de Brasília. A opção escolhida foi
pragmática, tal como as soluções apresentadas por Sert e Reidy. Referindo-se ao
assunto, Regina Meyer diz:
39
5.5 A CONCEPÇÃO DE UV DE BRASÍLIA: PRECEDENTES E AFINIDADES
Pode-se dizer que a idéia de organizar a nova capital do Brasil em UV‟s é anterior ao
plano de LúcioCosta, já que em 1955, portanto, dois anos antes do concurso, urbanistas
pela Comissão deLocalização da Nova Capital usam as concepções de UV no projeto da
cidade que se chama então deVera Cruz. Na memória deste projeto, seus autores assim
se referem: "Os espaços residenciais (...) servidos por uma rede de circulação ao
abrigo do tráfego intensivo, reservando-se espaços livres para escola, jardins,
recreação e pequeno comércio (unités de voisinage)." (apud Silva, 1985:307).
De fato, é mais correto considerar que as concepções de Brasília são fruto de uma e
outra corrente de idéias, mesmo porque as origens desses debates se situam em outros
contextos, onde a distinção e definição dessas concepções se faziam mais nítidas.
Chegando até nós pelo consenso que se estabelece no plano internacional, nos
congressos do CIAM (Congrèss Internationaux d‟Architecture Modern) essas
concepções chegaram filtradas e reinterpretadas. James Hoston, mesmo considerando o
plano de Brasília filiado aos ideais do CIAM, aponta para uma possível influência do
construtivismo soviético e do funcionalismo pós-stalinista, devido a uma certa afinidade
de objetivos de transformação social entre os soviéticos, os arquitetos do CIAM e os
arquitetos brasileiros que encabeçam a renovação modernista. (1993:44/5). Do mesmo
modo não se pode negar certa identidade de princípios entre as casas comunais
soviéticas, solução semelhante a unidade de habitação prescrita por Le Corbusier e
pelos manifestos do CIAM, com as idéias experimentadas em Brasília.
40
mais explicados no relatório. Esta ênfase é compreensível, pelo menos em parte, devido
ao papel estruturador do sistema viário composto de dois eixos principais que se
cruzam; o Eixo Monumental que aglutina as atividades institucionais e o Eixo
Rodoviário, ao longo do qual está disposto o setor habitacional que, ao ser cortado pelo
Eixo Monumental, divide a cidade em duas partes, a Asa Sul e a Asa Norte.
O setor habitacional, tanto em sua parte norte quanto sul, margeando o Eixo Rodoviário,
é composto por uma seqüência de grandes quadras, denominadas por Lúcio Costa de
"superquadras". Ele assim as descreve:
Mais tarde, durante os anos 70, Lúcio Costa manifestaria uma certa reserva de usar a
expressão "unidade de vizinhança", rendendo-se assim a pruridos que se generalizavam
entre os planejadores urbanos da época, numa situação semelhante a que nos referimos
no contexto europeu. Assim, num seminário sobre a problemática urbana da cidade, em
1974, ele defende sua concepção de cidade dizendo que "A área de vizinhança é o
elemento fundamental na proposição de Brasília" (Senado Federal, 1974:81).
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equipamentos de consumo coletivo, sendo a área residencial pensada em termos de
auto-suficiência, meio utilizado para se conseguir condições ambientais que
permitissem restituir "o chão, na justa medida, ao pedestre". (idem, art. 23).
42
Ainda que as condições de auto-suficiência na UV do Plano Piloto apresentem
peculiaridades pela introdução da superquadra e pelo tratamento dado à distribuição dos
equipamentos na UV, essas peculiaridades são interpretadas, por alguns autores, como
Gorovitz (1991) por exemplo, como tentativas de renuncia ao caráter local que é própria
da concepção, como busca de estabelecer um intercâmbio capaz de transcender as
relações de vizinhança. Segundo o citado autor, essas peculiaridades seriam
proporcionadas em parte, pela articulação dos equipamentos face ao sistema viário,
articulação que daria de três modos distintos:
"a) junto às vias locais: escolas primárias, jardins de infância e bancas de jornal.
(internas à quadra)
c) junto às vias principais (Eixo Leste e Oeste): cinemas, galerias comerciais e praças
de esporte..." (Gorovitz, 1991: 48).
Mas essa possível opção por uma UV "mais extrovertida" é limitada, só podendo ser
considerada para o caso dos equipamentos situados junto às vias principais e
secundárias. Ainda que se possa aceitar a idéia da UV do Plano Piloto como uma
estrutura mais aberta ao conjunto da cidade, pela relação dos equipamentos situados no
interior das superquadras, a intenção que se observa é a de atribuir à UV um caráter
mais local, ainda que o uso e apropriação da população no cotidiano, tenha revertido
esse caráter local estabelecido no plano.
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residencial determina a existência e o dimensionamento das escolas que passam a estar
referidas, em parte, às superquadras. A introdução da superquadra, como uma
subunidade da UV, segundo Gorovitz (op cit.), foi a forma encontrada para liberar a UV
dos limites que a concepção de Perry preconizava como ideal para o tamanho da
população (5 mil habitantes) e preservar as condições de acessibilidade às escolas.
Do mesmo modo, fica também difícil aceitar a idéia de um deliberado abandono das
preocupações com a coesão social no Plano de Brasília em troca de um possível caráter
mais urbano proporcionado pela fragmentação das superquadras. Talvez fosse mais
adequado considerar o significado que a questão da coesão social suscita entre nós
brasileiros.
Como quase tudo que diz respeito a Brasília, a pretendida coesão social gera intensa
polêmica. Para os críticos a configuração da cidade produz a segregação social. Para os
defensores da concepção de Brasília, os anseios sociais não teriam se realizado pelo fato
da proposta original do plano não ter sido respeitada, principalmente naqueles aspectos
44
da coexistência dos vários segmentos sociais – o que é explicado em termos de oposição
das autoridades da época.
Como já foi dito, o sentido prático das idéias de UV representou um grande apelo para
os profissionais e autoridades preocupadas com o equacionamento da questão
habitação/equipamentos de consumo coletivo, o que fez como que as idéias de UV
fossem difundidas e aplicadas em diferentes contextos. No Brasil, com a experiência de
Brasília, as UVs. Ganham certa força entre nós. Na década de 60 e 70 inúmeros projetos
de construção de cidades lançaram mão das idéias, especialmente nas regiões Centro-
Oeste e Norte, durante o processo de expansão das fronteiras econômicas.
Nesse mesmo período, nos países desenvolvidos, a idéia de UV, como todas as demais
concepções urbanas marcadas como sendo modernistas, passam a ser cada vez mais
intensamente questionadas. Superado o paradigma modernista, para a maior parte dos
arquitetos e urbanistas, as idéias de UV parecem coisa do passado.
Como se sabe esse não é o caso brasileiro, onde o continuado crescimento das cidades,
seja ele decorrente dos processos migratórios seja pela própria expansão da população,
faz crescer as demandas sociais, colocando com premência a necessidade se continuar
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pensando a oferta de equipamentos de consumo coletivo nas cidades. Lamentavelmente,
tem dominado entre nós um certo alheamento, que inclusive se manifesta na preferência
por temas que se colocam hegemonicamente nos centros irradiadores do saber
arquitetônico e urbanístico.
Notas:
[2] Perry adota como padrão para cada UV 5 mil habitantes, número esse que
costumava ser adotado para indicar a necessidade de uma escola no contexto americano.
[5] Sobre a experiência de Forest Hills Gardens, ver Harold Lewis (1957:7), que vê ai
um reforçado senso de comunidade, e as contundentes críticas que Richard Senett
(1988:385) faz a esses mesmos predicados, acusando que a celebração da comunidade
contra os males do capitalismo se coaduna confortavelmente com o sistema.
[6] Nas cidades americanas o bloco (block) eqüivale ao quarteirão. No Brasil, e mais
especificamente em Brasília, a expressão foi traduzida como superquadra ou conjunto,
quando se trata de casas ou edifícios de pequena altura.
[8] Para Graham Ashorth (1973:12), “todo o plano representa em larga escala a
aplicação do princípio de unidade de vizinhança, princípio este que é regularizado por
Le Corbusier em sua predileção por ângulos retos e monumentalidade.”
[9] Há uma cópia do referido plano, datado e assinado por Anhaia Mello, que foi doada
à biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
[10] Os urbanistas de Vera Cruz são, segundo Ernesto Silva (op. Cit.) Raul Pena Firme,
Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis.
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[12] A referência a cidade inglesa de Harlow deve-se ao fato de Lúcio Costa responder
à critica do escritor Antônio Callado, que na época, tece críticas a Brasília e enaltece a
solução urbanística adotada em Harlow, cujas habitações que constituem as UV‟s foram
desenhadas a partir de preocupações com os aspectos de identidade sócio-cultural.
ARANTES, Otília. (19993) O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo,
Edusp / Nobel.
C.E.U.A. (1962) Lúcio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre. Centro dos Estudantes
Universitários de Arquitetura UFRGS.
HOLSTON, James. (1993) A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia.
São Paulo, Cia das Letras.
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LAMPARELI, Celso. (1994) O Pe. Lebret: continuidades, rupturas e sobreposições.
Conferência proferida no 3º Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. São
Paulo, mimeo.
MEYER, Regina (1991) Metrópole e urbanismo: São Paulo anos 50. Tese de
doutoramento FAUUSP, São Paulo.
STEIN, Clarence. (1956). Toward new towns for America. Nova York, Reinhold Publ.
Co.
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