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Friedman e o Fed: será que liquidez é a

solução?

economia

William L. Anderson

segunda-feira, 14 jul 2008

Recentemente ouvi uma entrevista de rádio em que um eminente economista estava


defendendo as medidas tomadas pelo presidente do Federal Reserve (o Banco Central
americano), Ben Bernanke, para estimular os mercados em Wall Street.Bernanke, disse
enfaticamente o economista, passou anos estudando os "equívocos" do Fed durante a
Grande Depressão e não iria repetir os "erros" que os diretores do Fed cometeram
de 1930 a1933.
Os "erros" aos quais se referia o economista foram delineados pelo falecido Milton
Friedman em dois livros: Uma História Monetária dos Estados Unidos (escrito com Anna
Schwartz), de 1963, e seu famoso Liberdade de Escolher (com Rose Friedman),
publicado em 1979. De acordo com Friedman e seus co-autores, o colapso econômico
que ocorreu nos EUA de 1930 a1933 se deu porque o Federal Reserve System não agiu
corretamente em face dos pânicos e colapsos bancários, levando a uma maciça
contração da quantidade de dinheiro em circulação, o que ao final levou à calamidade.

Friedman construiu seus argumentos como forma de contrabalançar a explicação


comum para a Grande Depressão - a de que ela era o resultado de "contradições
internas" do capitalismo. A explicação típica, popularizada por John Kenneth Galbraith
e pelos tagarelas keynesianos que proliferaram nas universidades norte-americanas,
era a de que o sistema capitalista tendia ao "subconsumo" - ou à sua gêmea maligna, a
"superprodução".

(Galbraith dizia que o subconsumo ocorreu porque a "diferença" de renda entre os ricos
e os pobres havia crescido durante os anos 1920 - outro resultado "natural" do
capitalismo -, enquanto John Maynard Keynes e seus seguidores diziam que os gastos
com investimentos privados eram voláteis por causa do "animal spirits" dos
investidores. Por algum motivo intrínseco, esse sistema entrava em uma espiral
descendente e auto-multiplicadora sempre que os investidores privados não se
mostravam dispostos a jogar mais dinheiro na economia).
Aqueles que diziam que a Grande Depressão foi causada pelas "falhas" do livre mercado
estavam todos muito felizes e ansiosos para mostrar suas próprias "soluções", o que
incluía tentativas de se cartelizar toda a economia norte-americana ou de forçar os
salários para cima, via aumento da legislação do salário-mínimo ou através do apoio ao
crescimento dos sindicatos. Alguns, como Galbraith, foram ainda mais longe e
advogaram um socialismo absoluto e um completo planejamento econômico central. O
sistema de livre mercado, eles argumentavam, é muito inerentemente instável para ser
deixado aos seus próprios caprichos. (Esse é o mesmo argumento que Paul Krugman faz
de seu poleiro, duas vezes por semana, na página de opiniões do The New York Times.)

Assim, Friedman estava procurando não só explicar por que ele acreditava que a Grande
Depressão ocorreu, como também estava tentando defender o sistema de livre mercado,
ou ao menos tentando defender grande parte do sistema de livre mercado. Mas ele
argumentava que havia uma parte do sistema que estava destinada ao fracasso, e essa
parte era o sistema monetário.

Por si só esse ponto é bastante interessante, dado que Friedman estava disposto a
aceitar um sistema monetário gerido pelo governo - dinheiro "socialista" - mesmo ele
tendendo a condenar outras coisas que fossem socialistas. Entretanto, ele também
estava disposto a admitir que o sistema bancário de reservas fracionárias (o qual ele
endossava entusiasmadamente) estava sujeito a todas as instabilidades que se espera
de um sistema monetário no qual múltiplas reivindicações são feitas contra uma única
fonte.

Entretanto, não é minha intenção concentrar na inconsistência de Friedman. Em vez


disso, vou me concentrar mais especificamente em sua alegação de que a Grande
Depressão poderia ter sido evitada caso o Fed tivesse fornecido "liquidez" suficiente ao
sistema. Isso é mais do que um mero exercício esotérico, pois parece que Bernanke
andou roubando uma página - ou, talvez, um número de páginas - do roteiro de
Friedman.

A última medida do Fed - permitir que cambaleantes instituições financeiras usem


títulos hipotecários quase que sem valor como garantia para empréstimos de $200
bilhões feitos pelo próprio Fed - é apenas mais um exemplo da promessa de Bernanke
de "fornecer liquidez" a todo o momento, como se a crise real nesse caso fosse
meramente uma falta de dinheiro circulando no sistema financeiro da nação. O
problema aqui é que a tese original de Friedman estava errada, e a idéia pela qual
Bernanke ficou famoso - metaforicamente, jogar dinheiro de um helicóptero para
estimular a economia - é tão insensata quanto a tese de Friedman.

O livro de Murray Rothbard, America's Great Depression, foi publicado ironicamente


também em 1963, mas conta uma história bem diferente daquela de Friedman. O livro
de Rothbard mostra que o colapso econômico de 1930 a 1933 aconteceu não porque o
Fed simplesmente falhou em fornecer "liquidez" ao sistema, mas, sim, porque o governo
interveio em um declínio econômico e foi capaz de transformar uma recessão em uma
completa calamidade.

Por exemplo, Friedman observa (acuradamente) que ocorreram mais de 4.000 falências
bancárias durante esse período e ele quer que de algum modo acreditemos que se o Fed
tivesse emprestado dinheiro suficiente (através de sua máquina de impressão de
cédulas) para um número suficiente de bancos, não teríamos visto tantas falências
bancárias. Entretanto, ele não menciona algo que é muito importante: a aprovação da lei
tarifária Smoot-Hawley, em 1930.

Essa infame tarifa, aprovada e assinada pelo presidente Herbert Hoover, não obstante
os apelos de mais de 1.000 economistas que assinaram uma carta incitando-o a vetar o
projeto de lei, não apenas tornou quase impossível importar bens de capital e de
consumo do exterior, como também destruiu o mercado de exportações para os
agricultores norte-americanos. Desse modo, um projeto de lei aprovado com o intuito
de aumentar os preços de produção do país acabou por levar a uma redução dos preços
dos produtos agrícolas.

A queda dos preços agrícolas também significava que os ativos dos bancos rurais - que
mantinham a maior parte dos seus ativos em empréstimos para safras e equipamentos
agrícolas, bem como em hipotecas para esse setor - também despencaram em valor.
Para piorar as coisas, muitos estados proibiram sucursais bancárias, o que significava
que quando os ativos de um banco rural perdiam valor e os bancos se tornavam
insolventes, era impossível ter um Plano B. (Durante esse período, nenhum banco no
Canadá quebrou, não obstante o país tenha passado pelas mesmas pressões
econômicas. O Canadá permitia sucursais bancárias).

Qualquer que fosse o tamanho da intervenção do Fed, ele jamais poderia salvar esses
bancos, que foram tão vítimas da Smoot-Hawley quanto as empresas que dependiam de
bens importados. Mas essa não foi a única razão por que os bancos entraram em colapso,
segundo Rothbard. Durante a década de 1920, o Federal Reserve System - e
principalmente o Fed de Nova York - comprou agressivamente títulos do governo (a
conhecida operação de mercado aberto - open market) e aumentou a quantidade de
dinheiro ao expandir as reservas bancárias, as quais acabaram se transformando em
empréstimos.

A resultante expansão monetária mostrou suas conseqüências primeiramente no boom


imobiliário da Flórida, e mais tarde na bolha da bolsa de valores. (Nos anos 1990 e 2000,
a ordem foi inversa: primeiro tivemos a bolha da bolsa de valores, e depois o boom
imobiliário). Um excesso de maus investimentos significa que correções maciças devem
ser feitas, que é o que aconteceu em fins de 1929 e em 1930. Da mesma maneira, os
maus investimentos que estimularam a bolsa de valores, que fez uma aterrissagem
forçada (Hard Landing) em 2001, foram simplesmente redirecionados, desta vez para o
mercado imobiliário.

(Há uns dois anos, quando estava apelando de uma sobrevalorização ocorrida no
imposto de propriedade para a minha antiga casa em Cumberland, Maryland, eu disse à
comissão que o corrente boom imobiliário estava fadado a sofrer um golpe e entrar em
colapso. Parecia que eu estava contando a melhor piada do mundo, a julgar pelas
gargalhadas que meus comentários receberam. As pessoas nos mercados - que
supostamente são mais aptas a entender o sistema financeiro do que alguns políticos
picaretas que determinam impostos locais - estavam aparentemente cochilando
durante a mudança, também).

Eis aí o problema que Bernanke terá de encarar, e que não pode ser resolvido
simplesmente utilizando-se um helicóptero maior: o Fed e o governo americano
estimularam enormes e maus investimentos sobre a economia. O mercado imobiliário
não era nada consistente com os fundamentos do mercado, e não há como essas
políticas desatinadas - que consistem em estimular esse mercado para níveis além do
normal - serem abrandadas com a simples impressão de dólares.

A questão central é que o Fed perseguiu uma política de inflação, com grande parte
desse novo dinheiro impresso indo para os mercados hipotecários; e não há como evitar
as correções dolorosas e terríveis que normalmente se seguem às loucuras fiscais.
(Agora nós finalmente estamos vendo aumentos maciços nos preços das commodities,
que ocorrem simplesmente porque não há para onde esse novo dinheiro ir que não seja
diretamente para essas commodities e para os bens de consumo).

Qualquer um que creia que o Fed possa fazer de conta que títulos hipotecários
altamente danificados valham mais do que papel higiênico e, assim, literalmente erigir
sobre eles um portfolio de $200 bilhões em empréstimos, não entende nada de finanças.
Só porque Ben Bernanke declara que alguma coisa é "valiosa", isso não confere valor a
essa coisa.

A questão não é a falta de liquidez. É o fato de que bilhões - na verdade, trilhões - de


dólares foram erroneamente investidos em mercados onde os valores crescentes não
eram sustentáveis. Injetar dólares - que está se tornando uma moeda cada vez mais
débil - nessa mistura não vai resolver nada; apenas garantirá que o inevitável dia do
ajuste de contas seja ainda mais desagradável do que poderia ter sido de outra forma.

No início dos anos 1930, Hoover gabou-se de que a intervenção do governo impediu que
a crise financeira se tornasse ainda pior. Ele estava iludido, para colocar de maneira
branda. Na realidade, o "New Deal" de Hoover levou ao "New Deal" de Roosevelt, que
levou a uma década de desemprego de dois dígitos - algo sem precedentes na história
dos EUA.

Esperemos que Bernanke não faça por merecer o manto de Hoover. Entretanto,
enquanto ele estiver tentando seguir a tese de Friedman, ele corre o risco destruir não
apenas sua própria reputação, mas também toda a economia americana.

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autor

William L. Anderson
é um scholar adjunto do Mises Institute, e leciona economia na Frostburg State University.
Como os keynesianos sequestraram o helicóptero de
Milton Friedman

Milton Friedman, além de um


grande debatedor, era um sujeito extremamente sagaz. Eu o conheci. Eu gostava
dele. Mas ele não diferia em nada de outras pessoas perspicazes. Quando ele se
apegava a uma ideia conceitualmente errada, ele se tornava perigoso.

Meu professor de apologética no seminário foi Cornelius Van Til. A apologética é a


defesa filosófica da fé cristã. Van Til era tão perspicaz quanto Friedman. Ele
possuía um grande conjunto de metáforas em seu arsenal retórico. A minha
favorita era a metáfora da serra circular. Ele dizia o seguinte: “Você pode ter a
mais afiada das serras circulares; mas se você a utilizar em um ângulo errado, ela
jamais fará um corte certeiro.”

No campo da teoria monetária, Milton Friedman era uma serra circular posicionada
em um ângulo torto. Jamais cortava corretamente.

Friedman descrevia a distribuição da moeda fiduciária em termos de uma


metáfora: um helicóptero cheio de papel-moeda saía jogando dinheiro para a
população logo abaixo. Ele utilizou essa metáfora em um capítulo intitulado “O
Mistério do Dinheiro”. Trata-se do capítulo 2 de seu livro de 1994, Money
Mischief. Seu objetivo neste capítulo era mostrar que dinheiro gratuito jogado dos
céus, de maneira contínua, aumentaria os preços. Ele introduziu a metáfora
na página 29.

O que a metáfora não mostra é exatamente aquilo que a teoria monetária da


Escola Austríaca enfatiza: este dinheiro recém-criado é introduzido em pontos
específicos da economia. Ele não entra uniformemente em todos os setores da
economia. O Banco Central cria dinheiro do nada e utiliza este dinheiro para
comprar títulos em posse do sistema bancário. Os bancos, por conseguinte,
utilizam este dinheiro para conceder empréstimos. É assim que o dinheiro entra
em circulação.

Um dos primeiros clientes a receber este dinheiro é o governo federal, que está
sempre incorrendo em déficits — e, logo, está sempre pedindo empréstimos. O
governo federal recebe este dinheiro antes de todo mundo e o gasta. Aquelas
pessoas e empresas que consequentemente recebem este dinheiro são
privilegiadas, pois podem gastá-lo antes de todas as outras pessoas, quando os
preços ainda não subiram. Ao gastar esse dinheiro, os preços começam a
subir. Mas, como é possível notar, os preços não sobem uniformemente. E, caso
a produção da economia esteja aumentando, os preços podem até nem mesmo
subir. Mas o que está sempresubindo são os gastos do governo. Este fato —
e não os efeitos da criação de dinheiro sobre o nível geral de preços — deve ser o
cerne de qualquer análise correta sobre o Banco Central e seu poder de criar
dinheiro do nada. Tal fato é discutido unicamente pelos economistas seguidores
da Escola Austríaca.

Friedman nunca admitiu que este processo de gastos sequenciais fosse


relevante. Ele, assim como seu mentor intelectual Irving Fisher, conscientemente
rejeitou a abordagem analítica austríaca. Qual é essa abordagem? A mesma do
roteiro do filme Todos os Homens do Presidente: “Siga o dinheiro”.

Irving Fisher publicou seu livro sobre teoria monetária em 1911. Ludwig von Mises
o refutou com seu livro de 1912, The Theory of Money and Credit. Fisher nunca
respondeu explicitamente a Mises. Mas seus respectivos discípulos travaram
várias batalhas. Murray Rothbard repetidas vezes criticou Friedman em relação a
este mesmo ponto. Friedman jamais respondeu explicitamente a Rothbard.

Friedman sempre disse preferir a precificação feita pelo livre mercado. Mas
sempre houve esta reluzente exceção: a precificação do dinheiro. Sua metáfora
do helicóptero se tornou uma poderosa ferramenta retórica para persuadir outras
pessoas em relação aos seus argumentos contra a precificação da moeda feita
pelo livre mercado. Ele passou toda a sua carreira tentando solapar a ideia de um
livre mercado no âmbito monetário (moedas de ouro) e de um sistema de preços
baseado nele. Ele se tornou uma figura pública com seu livro de
1961, Capitalismo e Liberdade. O capítulo 3 é todo sobre dinheiro. Ele já começa
o capítulo com uma rejeição do padrão-ouro puro, baseado no uso de moedas de
ouro.

Os keynesianos pilotam o helicóptero

Desde o início, os keynesianos adoraram a metáfora friedmaniana do helicóptero


cheio de dinheiro de papel. Por quê? Porque esta metáfora retratava o Banco
Central como uma ofertante de bens gratuitos. Os keynesianos compreenderam
aquilo que os economistas austríacos já sabiam: havendo um Banco Central
sempre pronto para comprar títulos dos bancos, o governo federal torna-se capaz
de vender seus títulos para o sistema bancário a juros menores do conseguiria
sem um Banco Central. Isso permite ao governo gastar mais dinheiro do que o
total que arrecada por meio de impostos e de empréstimos junto ao setor privado.

Eis aqui uma lei básica da economia: tudo o mais constante, quando o preço de
um bem diminui, uma maior quantia é demandada. Dinheiro fiduciário emitido
por um Banco Central permite ao governo adquirir mais poder e influência sobre
toda a economia. Dinheiro fiduciário criado pelo Banco Central é um grande
subsídio ao governo federal.

Keynesianos acreditam que o governo pode e deve aumentar seus gastos — isto
é, sua aquisição de bens e serviços. Friedman sempre disse que o governo não
deveria poder fazer isso com muito frequência — e que, quando o fizesse, que
fosse de maneira eficiente (por exemplo, por meio da emissão de vouchers para a
educação). Mas Friedman ignorou o óbvio: o poder de criar dinheiro fiduciário
reduz os custos do endividamento do governo. O governo poderá se endividar a
juros cada vez menores. Isso significa que o Banco Central fornece poder e
influência para o governo a um custo muito baixo. O governo irá sempre
demandar mais dinheiro a juros cada vez mais artificialmente baixos, pois isso
amplia o âmbito e o alcance das operações do governo.

Este foi o cerne do erro analítico de Friedman, que durou toda a sua vida. E esse
erro caiu como uma luva para os keynesianos. Eles hoje sabem perfeitamente
qual é o maior benefício de existir um Banco Central: a instituição fornece dinheiro
extra e quase gratuito para o governo incrementar seus gastos.

Friedman tentou reduzir a ênfase dada a esse aspecto do arranjo. Ele passou a
promover a ideia de uma inflação monetária constante, com a oferta monetária
crescendo a uma taxa anual fixa, em torno de 3 a 5% ao ano. Segundo ele, essa
seria uma forma de manter o “motor” da economia funcionando suavemente. Para
Friedman, o lubrificante necessário para a economia — metáfora minha, e não
dele — era o dinheiro. Ele realmente acreditava que o dinheiro poderia ser
ofertado pelo Banco Central a custo zero.

Ele adquiriu sua reputação por meio de um livro escrito a quatro mãos, A Monetary
History of the United States (1963). Nele, Friedman e Anna Schwartz culpam o
Federal Reserve pela Grande Depressão. Por quê? Porque o Banco Central
americano não inflacionou o bastante para socorrer 9.000 bancos e com isso
interromper a contração do M1. Os bancos quebraram e o M1 entrou em
deflação. Para os keynesianos, essa teoria foi um maná ideológico caído dos
céus. Essa foi a ideologia anticapitalista gratuitamente jogada por Friedman de um
helicóptero: culpar um banco central por não ter produzido uma inflação de preços
adequada e por não ter inflacionado a moeda o necessário para permitir um
aumento dos gastos do governo.

Friedman, portanto, acreditava em um almoço grátis nesta área da


economia. Essa sua teoria deu o tom a todas as suas análises econômicas. Foi
ela também que lhe garantiu o Prêmio Nobel.

E ele estava completamente equivocado.

Superando a deflação de preços

Os 9.000 bancos quebraram porque o seguro federal sobre depósitos (Federal


Deposit Insurance Corporation, de 1934) ainda não havia sido criado. Os
correntistas tiraram seu dinheiro dos bancos e não o redepositaram. Isso levou à
falência de milhares de bancos, o que criou uma deflação monetária. O processo
de reservas fracionárias foi implodido.

Durante este período, o Fed inflacionou a base monetária com o intuito de impedir
este fenômeno, ao contrário dos relatos de Friedman e Schwartz. O que
aconteceu é que, de 1931 a 1933, os correntistas americanos frustraram os planos
do Fed. Um gráfico produzido pela sucursal do Fed de St. Louis deveria para
sempre silenciar aqueles economistas que creem que Friedman e Schwartz
provaram a “complacência” do Fed. Mas não irá, é claro. A história contada por
Friedman e Schwartz é conveniente demais para ser utilizada como ferramenta de
pressão para novas rodadas de inflação monetária. Friedman e Schwartz
escreveram o livro mais importante da história a favor da inflação monetária, pois
os meios acadêmicos acreditam universalmente nele. A única seção do livro que
sempre é citada pelos economistas convencionais é a seção sobre as ações do
Fed no início dos anos 1930. A história é analítica e historicamente mentirosa. Eis
aqui os fatos.

Friedman ignorou o que deveria ser discutido: a política adotada pelo Federal
Reserve, de 1926 a 1929. Foi isso que o livro de Murray Rothbard, também
publicado em 1963, discutiu: A Grande Depressão Americana.

Em sua seção sobre jogar dinheiro do helicóptero, Friedman não discutiu nem
governo e nem tributação, mas os keynesianos já haviam entendido tudo. Em
última instância, dado que os Bancos Centrais compram os títulos da dívida do
governo, a expansão monetária feita pelo Banco Central resulta em um aumento
dos gastos do governo sem que seja necessário um aumento da tributação. Esta
é a grande implicação de posição de Friedman. E os keynesianos adoraram. (Em
1963, os keynesianos simbolicamente convidaram Friedman para entrar no
establishment acadêmico profissional por causa de seu livro. Antes disso, ele era
um pária.)

E a inescapável implicação dessa posição — a expansão do tamanho do estado


por meio da inflação monetária — foi explicada claramente por Murray Rothbard
em seu livro What Has Government Done to Our Money?:

A invenção do dinheiro, embora uma bênção para a


espécie humana, também abriu um caminho mais sutil
para a expropriação governamental. No livre
mercado, a moeda pode ser adquirida de duas formas:
ou o indivíduo produz e vende bens e serviços
desejados por terceiros, ou ele se dedica à mineração
de ouro (um negócio tão lucrativo como outro
qualquer, no longo prazo). Mas se o governo
descobrir maneiras de se envolver em falsificação —
na criação de nova moeda do nada —, então ele
poderá, rapidamente, produzir o próprio dinheiro sem
ter o trabalho de vender serviços ou garimpar
ouro. Ele poderá, então, se apropriar maliciosamente
de recursos e quase sem ser notado, sem suscitar as
hostilidades desencadeadas pela tributação. De fato,
a falsificação gera, nas próprias vítimas, a feliz ilusão
de incomparável prosperidade.

É evidente que a falsificação não é senão outro nome


para a inflação — as duas criam novo “dinheiro” que
não é ouro ou prata, e ambas funcionam do mesmo
modo. E agora vemos por que os governos são
inerentemente inflacionários: porque a inflação é um
meio poderoso e sutil para o governo adquirir recursos
do público, uma forma de tributação indolor e bem
mais perigosa.

O que se vê e o que não se vê

Em 1850, Frédéric Bastiat nos alertou a, sempre que fossemos fazer uma análise
econômica, prestarmos atenção às coisas que não víamos. Ele utilizou a metáfora
da vidraça quebrada e os gastos que tal acontecimento gera. Temos de pensar no
que está acontecendo ao longo de todo o processo, ele disse. A vidraça quebrada
altera o padrão de gastos. Ela reduz investimentos em bens e serviços que eram
de alta prioridade antes de a vidraça ser quebrada e aumenta os gastos na nova
prioridade: reparar a vidraça quebrada. O homem cuja vidraça foi quebrada sofreu
uma perda. Logo, disse Bastiat, não pode ser válido um argumento que afirma
que os gastos com o conserto de vidraça produzem um benefício pessoal líquido
para o sujeito. Sendo assim, se não houve um benefício pessoal líquido, também
não pode ter havido um benefício social líquido. Este é o âmago de sua
análise.

Aplicando este mesmo princípio a um helicóptero que joga dinheiro lá de cima, a


alteração no padrão de gastos que tal fenômeno gera — do setor privado para o
setor estatal — não pode, ipso facto, ser tida como geradora de um benefício
social líquido. Ao contrário, ela tem de ser considerada como geradora de
uma perda social líquida.

Friedman nunca falou nada a respeito disso. Ele sempre dizia que havia algum
tipo de regra jurídica teoricamente válida que poderia ser aplicada pelo governo
para proibir este uso indevido do helicóptero, isto é, para impedir a expansão dos
gastos do governo para além do que (1) os pagadores de impostos estão
dispostos a aceitar e (2) os emprestadores privados estão dispostos a financiar a
juros baixos. Tal raciocínio implicava ser confiável colocar raposas para tomar
conta do galinheiro. (Todos nós adoramos metáforas, não?) A ideia era ilógica
desde sua criação, e, ainda assim, este homem brilhante jamais se dispôs a
encarar abertamente sua total absurdidade.

De 1963 até sua morte em 2006, Friedman jamais publicou a seguinte mensagem:
Os keynesianos utilizaram inapropriadamente minha
tese sobre a Grande Depressão. Eles defenderam
uma expansão monetária empreendida pelo Banco
Central e pelo sistema bancário com o intuito de
contrabalançar uma deflação de preços e uma
depressão econômica. Eu também. Eles culparam o
Fed, 1930-33, por não ter inflacionado o
bastante. Este foi exatamente o meu argumento, e a
Dra. Schwartz forneceu várias estatísticas para
provar. Mas eu não me responsabilizo de forma
alguma pela expansão dos gastos governamentais
ocorrida desde 1933. Nada. Nem um fiapo. Minhas
mãos estão limpas.

Os keynesianos defendem mais gastos


governamentais. Eu não. Sim, é verdade que, dado
que o Banco Central expande a base monetária ao
comprar títulos do Tesouro em posse do sistema
bancário, isso necessariamente estimula o aumento
dos gastos do governo. Mas isso não é culpa
minha. O Banco Central poderia igualmente, e com a
mesma facilidade, comprar títulos emitidos por
empresas. Eu nunca recomendei isso, e
simplesmente não é justo utilizar a minha teoria e as
evidências históricas fornecidas pela Dra. Schwartz
para justificar uma expansão governamental. Repudio
toda e qualquer responsabilidade por qualquer
expansão ocorrida nos governos federais.

Ele deveria ou ter publicamente adotado esta obviamente implausível linha de


raciocínio, ou ter admitido que ele e Schwartz eram culpados da acusação. Mas
ele nunca o fez.

Conclusão

A metáfora do helicóptero distribuindo dinheiro de papel serve aos propósitos dos


keynesianos e dos monetaristas. Mas ela não é uma metáfora correta. Tampouco
ela é relevante para o real processo da inflação monetária.

A metáfora correta seria a de um homem carregando uma grande valise de


dinheiro. Este “homem da valise” atua como agente da máfia. Ele carrega em sua
valise várias cédulas de dinheiro para subornar políticos corruptos.
A máfia seria o sistema bancário de reservas fracionárias, que nada mais é do que
um cartel protegido pelo Banco Central. E o Banco Central seria, portanto, o
homem da valise. Ele suborna os políticos: compra títulos do Tesouro com
dinheiro criado do nada (o mesmo que falsificação).

Milton Friedman foi o agente operacional que fornecia a teoria que respaldava o
homem da valise dos grandes bancos comerciais: sua função era a de passar a
ideia de que era possível reformar o Banco Central. Ele subornou os porta-vozes
dos políticos, os keynesianos, com a moeda na qual estes negociam: fórmulas
matemáticas e várias notas de rodapé. Ele foi saudado como um desbravador
econômico pelos keynesianos por causa deste seu crucial serviço ideológico.

Em contraste, Rothbard e Mises, por terem defendido que um padrão-ouro puro


faria o serviço de precificação de livre mercado sem qualquer tipo de intervenção
econômica, passaram toda a sua carreira como profetas, gritando sozinhos na
imensidão do deserto.

Veja também:

Por que o Banco Central é a raiz de todos os males

Depressão com deflação ou depressão com hiperinflação – a escolha da


Europa e dos EUA

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Por Gary North| 14 janeiro,2013

Elucidando Milton Friedman e a Escola de Chicago

Mencione a
expressão “economia de livre mercado” para uma pessoa relativamente informada
e as chances são de que, caso ela já tenha ouvido falar dessa expressão, ela irá
relacioná-la completamente ao nome de Milton Friedman. Por vários anos, o
professor Friedman obteve várias menções honrosas na imprensa e entre seus
colegas de profissão, e toda uma escola de pensamento friedmaniana — os
“monetaristas” — surgiu para desafiar a ortodoxia keynesiana.

Entretanto, em vez da típica reação de reverência e estupefação pelo fato de que


“um dos nossos chegou lá”, os libertários deveriam encarar toda essa situação
com muita desconfiança: “Se ele é um libertário tão devoto, como e por que ele se
tornou o economista favorito de boa parte do Establishment?” Tendo sido
conselheiro de Richard Nixon e amigo e colaborador da maioria dos economistas
que trabalharam para o governo, principalmente sob Ronald Reagan, Friedman
conseguiu deixar sua marca nas políticas governamentais, e de fato passou a
encarnar um tipo de apologista não-oficial de determinadas políticas dos governos
Nixon e Reagan.

Sendo assim, mostrar alguma desconfiança deveria ser exatamente a reação


adequada de um libertário, pois o tipo específico de “economia de livre mercado”
defendido pelo professor Friedman dificilmente foi concebido para irritar ou mesmo
perturbar o poder do regime. Milton Friedman é e sempre foi o Libertário da Corte
do regime, e está mais do que na hora de os genuínos libertários acordarem para
este fato.

A Escola de Chicago

O friedmanismo só pode ser completamente entendido dentro do contexto de suas


raízes históricas, e essas raízes estão na chamada “Escola de Economia de
Chicago” das décadas de 1920 e 1930. Friedman, um professor da Universidade
de Chicago, tornou-se o incontestável líder da moderna (segunda geração) Escola
de Chicago, que possui partidários difundidos por toda a profissão econômica e
cujos principais centros são, historicamente, Chicago, UCLA e a Universidade da
Virgínia.

Os membros da primeira geração da Escola de Chicago, a geração original, eram


considerados “esquerdistas” na época, como de fato o eram por qualquer critério
de livre mercado que se adotasse como mensuração. E embora Friedman tenha
modificado algumas de suas abordagens, ele continuou sendo um homem de
Chicago da década de 30. O programa político dos chicaguistas originais é
revelado em assombrosos detalhes na abominável obra de um de seus fundadores
e principais mentores políticos: A Positive Program for Laissez Faire[1], de Henry
C. Simons. O programa político de Simons era laissez-faire apenas no mais
inconsciente e satírico sentido do tempo.

Ele era formado por três ideias principais:

1. Uma drástica política de proibição de todos os tipos de truste para


todos os tipos de empresas e sindicatos, reduzindo-os todos ao
tamanho de lojas de ferreiro. Tudo isso com o intuito de se chegar à
concorrência “perfeita” e àquilo que Simons imagina ser um “livre
mercado”.
2. Um vasto esquema de igualitarismo compulsório, igualando as
rendas por meio de uma estrutura específica para o imposto de
renda; e

3. Uma política proto-keynesiana de estabilização do nível de preços


durante uma recessão por meio de programas de expansão das
políticas monetária e fiscal.

Leis antitruste extremadas, igualitarismo e keynesianismo: a Escola de Chicago


continha em seu núcleo a essência do programa adotado pelo New Deal — daí
seu status de esquerdista dentro da profissão econômica no início da década de
1930. E embora Friedman tenha modificado e suavizado a posição linha-dura de
Simons, ele continuou sendo, em sua essência, um Simons redivivo; ele só passou
a se parecer com um livre-mercadista porque todo o restante da profissão
econômica deslocou-se radicalmente para a esquerda e para a defesa do estado
nesse meio tempo.

E, em alguns aspectos, Friedman acrescentou ao programa chicaguista


lastimáveis elementos estatistas que sequer estavam presentes na velha Escola
de Chicago.[2]

A Escola de Chicago e a teoria do Monopólio e da Concorrência

Peguemos os principais elementos do laissez-faire coletivista de Simons, um de


cada vez. No que concerne a monopólio e concorrência, Friedman e seus colegas
felizmente se afastaram da extremada posição antitruste de Simons, tornando-se
mais racionais. Friedman reconhece que a principal fonte geradora de monopólios
na economia é o governo e suas intervenções; por isso, passou a combater várias
medidas governamentais geradoras de monopólios, pedindo sua completa
abolição.

Os chicaguistas foram se tornando progressivamente mais simpáticos à ideia de


grandes empresas operando no livre mercado, e alguns friedmanianos
como Lester Telser apresentaram excelentes argumentos a favor da publicidade,
algo que antes era anátema para todos os defensores da teoria da “concorrência
perfeita”. Porém, embora na prática Friedman tenha se tornado mais libertário
quanto à questão do monopólio, ele ainda manteve a velha teoria chicaguista: que,
de alguma forma, o absurdo, irreal e deplorável mundo da “concorrência perfeita”
(um mundo em que cada empresa é tão minúscula, que nada que ela faça pode
afetar a demanda e o preço de seus produtos) é melhor e mais desejável do que o
mundo real da concorrência de mercado, a qual é rotulada de “imperfeita”.

Uma visão infinitamente superior acerca da concorrência é fornecida pela Escola


Austríaca de economia, que faz escárnio do modelo de “concorrência perfeita” e
prefere o mundo real da concorrência de livre mercado.[3] Portanto, embora a
noção prática de Friedman sobre concorrência e monopólio não seja muito ruim, a
debilidade da teoria na qual ele se baseia pode permitir, a qualquer momento, um
retorno ao desvario das teorias antitruste dos chicaguistas da década de
1930. Por exemplo, há algum tempo, o mais eminente colega de Friedman, o
professor George J. Stigler, defendeu perante o Congresso americano uma lei
antitruste que fragmentasse a siderúrgica U.S. Steel em várias outras pequenas
empresas.

O igualitarismo chicaguista de Friedman

Embora Friedman tenha abandonado o apelo de Simons por um igualitarismo


extremo, a ser obtido por meio da estrutura do imposto de renda, as feições
básicas de um igualitarismo estatista permaneceram. Permanece no âmbito do
desejo chicaguista fazer com que a estrutura tributária concentre toda a sua ênfase
no imposto sobre a renda, indubitavelmente o mais totalitário de todos os
impostos. Os chicaguistas preferem mexer com o imposto de renda porque, em
sua teoria econômica, eles seguem a desastrosa tradição da ortodoxia econômica
anglo-americana, que defende uma separação profunda entre as esferas
“microeconômica” e “macroeconômica”.

A ideia é que existem dois mundos econômicos claramente separados e


independentes. De um lado, há uma esfera “micro”, um mundo no qual os preços
individuais são determinados pelas forças de oferta e demanda. Nesta esfera,
concedem os chicaguistas, a economia funciona melhor quando deixada a cargo
das forças livres e desimpedidas do mercado. Entretanto, afirmam eles, existe
também uma outra esfera, distinta e totalmente separada da esfera micro: a
economia “macro”, formada pelos agregados econômicos ‘orçamento do governo’
e ‘política monetária’, onde não há nenhuma possibilidade de haver um livre
mercado, o qual, aliás, não seria nem mesmo desejável.

Em comum com seus colegas keynesianos, os friedmanianos desejam dar ao


governo central o controle absoluto sobre essa área macro, para que ele manipule
a economia para fins sociais. Ao mesmo tempo, afirmam que o mundo micro
ainda assim irá, curiosamente, se manter livre de intervenções
governamentais. Em suma, os friedmanianos, assim como os keynesianos,
defendem que a vital esfera macro fique sob o controle do estado, pois isso
supostamente é necessário para que o livre mercado haja com liberdade na esfera
micro.

A realidade, entretanto, como os economistas da Escola Austríaca mostraram, é


que as esferas macro e micro são integradas e entrelaçadas. É impossível fazer
abordagens separadas para cada uma. É impossível entregar a esfera macro para
o estado e, ao mesmo tempo, fazer com que haja liberdade em nível
micro. Qualquer tipo de imposto, e principalmente o imposto sobre a renda,
introduz esbulho e confiscos sistemáticos na esfera micro formada pelo indivíduo,
e gera efeitos distorcivos e inauspiciosos sobre todo o sistema econômico. É
deplorável que os friedmanianos jamais tenham dado atenção à façanha
empreendida por Ludwig von Mises, o fundador da moderna Escola Austríaca,
que, ainda em 1912, em seu clássico The Theory of Money and Credit, integrou as
esferas micro e macro a toda uma teoria econômica.

Milton Friedman revelou de várias maneiras sua posição fundamentalmente


igualitarista e a favor do imposto sobre a renda. Como em outras áreas, Friedman
operou não como um oponente do estatismo e um defensor do livre mercado, mas
sim como um tecnocrata que aconselha o estado a como ser mais eficiente na
prática de suas perversidades. (Do ponto de vista de um genuíno libertário, quanto
mais ineficiente o estado, melhor para a liberdade.[4]) Ele se opôs a isenções
tributárias e denunciou todos os tipos de “brechas” nos códigos tributários, além de
ter batalhado para fazer com que o imposto de renda fosse mais uniforme — logo,
mais eficiente.

Uma das façanhas mais desastrosas de Friedman ocorreu durante a Segunda


Guerra Mundial, quando ele trabalhou para o Tesouro dos EUA e impingiu sobre o
sofrido povo americano o sistema do imposto de rendaretido na fonte, algo do qual
ele sempre se orgulhou. Antes da Segunda Guerra, quando as alíquotas do
imposto de renda eram muito menores do que são hoje, não havia um sistema de
retenção na fonte; as pessoas pagavam suas contas anuais de uma só vez, no dia
15 de março. É óbvio que, sob esse sistema, a Receita Federal jamais conseguiria
extrair o montante que extrai atualmente, a taxas confiscatórias, de toda a
população trabalhadora. Todo esse sistema repugnante já teria deliciosamente se
desmoronado há muito tempo, por absoluta inépcia. Foi o friedmaniano sistema
do imposto de renda retido na fonte que possibilitou ao governo utilizar cada
empregador do país como um não remunerado coletor de impostos, que extrai o
tributo serena e silenciosamente de cada contracheque. Sob vários aspectos,
devemos agradecer a Milton Friedman pelo atual leviatã que temos.

Além do imposto de renda, o igualitarismo de Friedman foi revelado em um


panfleto, elaborado pela dupla Friedman-Stigler, atacando o controle dos preços
dos alugueis. “Para aqueles, como nós, que gostariam de uma igualdade ainda
maior do que a atual . . . é certamente melhor atacar as existentes desigualdades
de renda e de riqueza diretamente na origem” do que restringir as compras de
determinadas mercadorias, como imóveis.[5]

Já a influência mais desastrosa de Milton Friedman advém de um legado de seu


velho igualitarismo chicaguista: a proposta para uma renda mínimia anual
garantida para todos, por meio da criação de um imposto de renda negativo —
uma ideia aprovada e defendida intensamente por vários esquerdistas mundo
afora [no Brasil, seu mais árduo defensor é Eduardo Suplicy].

Nesse catastrófico esquema, Milton Friedman foi guiado novamente não pelo seu
avassalador desejo de removero estado de nossas vidas, mas sim por sua vontade
de tornar o estado mais eficiente. Ele olhou ao seu redor, viu que os sistemas
assistencialistas municipais e estaduais estavam em penúria e concluiu que tudo
seria mais eficiente se todo o esquema fosse colocado sob o controle do governo
federal — sob a rubrica do imposto de renda —, dando a todas as pessoas a
certeza de que receberiam um piso garantido de renda.

De fato, talvez seria mesmo mais eficiente, mas também muito mais desastroso,
pois a única coisa que faz com que o atual estado assistencialista seja tolerável é
exatamente sua ineficiência, justamente porque, hoje, para conseguirem coletar
suas benesses, as pessoas têm de se enveredar pelo emaranhado caótico e
aborrecido da burocracia assistencialista, o que desanima a muitos. O esquema
de Friedman tornaria o recebimento das benesses totalmente automático, o que
daria a qualquer desocupado o direito de reivindicar automaticamente os frutos do
trabalho de gente produtiva.

O assistencialismo e sua “função de oferta”


O que poucos entendem é que o assistencialismo não é, como muito creem, um
simples e absoluto ato de Deus ou uma rígida constante da natureza, como uma
erupção vulcânica. O assistencialismo, como todos os outros atos econômicos
humanos, possui uma curva de oferta, ou uma “função de oferta”: em outras
palavras, se você fizer com que um programa assistencialista pague benesses
generosas, você poderá produzir o tanto de clientes assistencialistas que você
quiser. Por outro lado, pague pouco a eles e você poderá reduzir o número de
clientes ao seu sabor. Em suma, se o governo anunciar que qualquer pessoa que
se apresentar a um balcão “assistencialista” irá receber automaticamente um
cheque anual de, digamos, $60.000 pela duração de tempo que ela quiser,
rapidamente vamos descobrir que praticamente todo mundo irá se tornar um
beneficiário do assistencialismo. E ainda pior: rapidamente irão criar uma
organização em prol do “direito dos assistidos” e fazer lobby para pressionar o
governo a aumentar as benesses para $90.000, como forma de compensar o
aumento no custo de vida.

Mais especificamente, a função de oferta dos usuários do assistencialismo é


inversamente proporcional à diferença entre o salário vigente em um determinado
setor e o nível de pagamentos assistencialistas. Essa diferença é o “custo de
oportunidade” de se ir para o assistencialismo — o quanto uma pessoa perde ao
vadiar ao invés de trabalhar. Se, por exemplo, os salários em um dado setor
aumentam, mas os pagamentos assistencialistas permanecem os mesmos, o
“custo de oportunidade” de se ficar ocioso aumenta, e as pessoas tenderão a sair
do assistencialismo e ir trabalhar. Se ocorrer o oposto, mais pessoas irão para o
assistencialismo. Se estar no assistencialismo fosse um fato absoluto da natureza,
então não haveria relação entre esse diferencial e o número de pessoas
recebendo assistencialismo.

Em segundo lugar, a oferta de usuários dos programas assistencialistas é


inversamente proporcional a um outro fator também de importância vital: o
desincentivo cultural de se entrar para o assistencialismo. Se esse desincentivo
for forte; se, por exemplo, um indivíduo ou um grupo acreditar piamente que há
algo ruim oumaléfico em utilizar o assistencialismo, então eles não o farão,
ponto. Se, por outro lado, eles não se importarem com o estigma do
assistencialismo, ou, ainda pior, considerarem o assistencialismo como
umdireito — um direito de exercer uma reivindicação compulsória e espoliativa
sobre a produção alheia —, então o número de pessoas recebendo
assistencialismo irá aumentar astronomicamente, como vem acontecendo nos
últimos anos.

Há vários exemplos recentes sobre esse “efeito estigma”. Já foi demonstrado que,
dado o mesmo nível de renda, mais pessoas tendem a ir para o assistencialismo
nas áreas urbanas do que nas áreas rurais, presumivelmente em função da
maior visibilidade e, consequentemente, maior estigma sobre os assistidos nas
regiões mais esparsamente povoadas. Ainda mais importante é o fulgurante fato
de que determinados grupos étnicos e religiosos, mesmo quando
significativamente mais pobres do que o resto da população,
simplesmentenão aceitam ir para o assistencialismo por causa de suas crenças
profundamente éticas. Assim, nos EUA, por exemplo, os sino-americanos, embora
predominantemente pobres, quase nunca são encontrados recebendo
assistencialismo. Uma recente reportagem sobre pessoas descendentes de
albaneses que moram em Nova York ilustra esse mesmo fato.
Os albaneses são invariavelmente pessoas pobres que moram em cortiços, e
mesmo assim não há albaneses americanos recebendo assistencialismo. Por
quê? Porque, disse um de seus líderes, “albaneses não mendigam nem
suplicam. E, para um albanês, receber assistencialismo é o mesmo que mendigar
na rua”.[6]

Outro exemplo é o dos membros da Igreja Mórmon. Pouquíssimos recebem


assistencialismo público. Pois os mórmons não apenas inculcam em seus
membros as virtudes da poupança, da frugalidade, da autoajuda e da
independência, como também cuidam de seus próprios membros necessitados por
meio dos programas de caridade privada da própria igreja, os quais se baseiam no
princípio de ajudar os pobres a se ajudarem a si próprios, e, com isso, a saírem da
caridade o mais rapidamente possível.[7] Desta forma, a Igreja Mórmon afirma a
seus membros que “buscar e aceitar auxílio público direto é algo que
frequentemente traz a maldição da indolência e do ócio, além de estimular várias
outras perversidades trazidas pelo assistencialismo. Tal atitude destrói a
independência individual, a diligência, a frugalidade e o respeito
próprio”.[8] Assim, o altamente exitoso programa caritativo privado da Igreja
Mórmon baseia-se nos princípios que a Igreja estimulou seus membros a
estabelecer e a manter: independência econômica, poupança, e a criação de
empreendimentos geradores de emprego. A igreja manteve-se pronta e preparada
durante todos os momentos para ajudar os membros fieis necessitados.

A abordagem libertária para o problema do assistencialismo, portanto, é abolir toda


a assistência pública coerciva, substituindo-a pela caridade privada baseada no
princípio do estímulo à independência e à autoajuda, reforçando também por toda
a sociedade as virtudes da autossuficiência e da autonomia. Nenhuma pessoa
fisicamente capaz deve voluntariamente jogar para outra pessoa o fardo do seu
sustento próprio.

Os incentivos sob o plano de Friedman

Porém, o plano de Friedman, ao contrário, vai exatamente em direção oposta, pois


estabelece o assistencialismo como um direito automático; uma reivindicação
automática e coerciva sobre os frutos do labor alheio. O plano, portanto, remove o
‘efeito estigma’ por completo, ao desastrosamente desencorajar o trabalho
produtivo por causa da tributação excessiva e ao estabelecer uma renda garantida
para quem não trabalha, estimulando o ócio. Ademais, ao estabelecer uma renda
mínima como um “direito” coercivo, os usuários do assistencialismo são
estimulados a exigir pisos cada vez mais altos, o que agrava continuamente todo o
problema. Porém, Friedman, preso naquela separação anglo-americana entre
“micro” e “macro”, dedica pouca ou quase nenhuma atenção estes efeitos
cataclísmicos sobre os incentivos.

Até mesmo os deficientes são prejudicados pelo plano friedmaniano, pois a


concessão automática de assistencialismo remove o incentivo para que um
trabalhador fisicamente incapacitado invista em sua própria reabilitação
vocacional, dado que o retorno monetário líquido de tal investimento passaria
agora a ser extremamente reduzido. Assim, a renda garantida tende a perpetuar a
situação desses deficientes. Por fim, o assistencialismo friedmaniano também
garantiria o pagamento de uma maior renda por pessoa para famílias em
programas assistenciais, desta forma subsidiando um contínuo aumento na
população infantil entre os pobres — justamente aqueles que menos podem
bancar tal crescimento populacional. Sem querer me juntar à atual histeria sobre
“explosão demográfica”, é certamente um absurdo subsidiar deliberadamente a
procriação de mais crianças pobres, que é o que plano de Friedman faria ao
garantir seu direito automático ao assistencialismo.

A moeda e os ciclos econômicos

A terceira principal característica do programa do New Deal era proto-keynesiana:


o planejamento da esfera “macro” pelo governo com o intuito de acabar com os
ciclos econômicos. Nessa abordagem relativa a toda área da moeda e dos ciclos
econômicos — uma área em que, infelizmente, Friedman concentrou a maior parte
de seus esforços —, ele remete não somente aos chicaguistas antigos, mas, assim
como eles, ao economista da Universidade de Yale Irving Fisher, que era a
personificação absoluta do economista pró-establishment ao longo das décadas de
1900, 1910 e 1920. Friedman, com efeito, saudou abertamente Fisher como o
“maior economista do século XX”. E quando se lê os escritos de Friedman, tem-se
a pura impressão de se estar lendo uma mera reciclagem de Fischer com notas de
rodapé, tudo camuflado, é claro, com volumosas tolices matemáticas e
estatísticas. Economistas e a imprensa, por exemplo, aclamaram a “descoberta”
de Friedman de que as taxas de juros nominais tendem a subir à medida que os
preços sobem. Nesse caso, um prêmio inflacionário é acrescido à taxa de juros
nominal de modo a fazer com que a taxa de juros “real” permaneça a
mesma. Aparentemente, ambos — economistas e imprensa — ignoram o fato de
que Fisher já havia apontado isso ainda no começo do século XX.

Mas o principal problema com a abordagem fisheriana de Friedman é que ele faz
aquela mesma separação ortodoxa entre as esferas macro e micro, que arruinou
suas ideias sobre tributação. Pois, de novo, Fisher acreditava que, de um lado, há
um mundo em que os preços individuais são determinados pela oferta e pela
demanda, mas, de outro, há um mundo em que o agregado “nível de preços” é
determinado pela oferta de moeda e pela velocidade com que esse dinheiro troca
de mãos. E ambos os mundos, nessa teoria, nunca entram em conflito. A esfera
agregada, macro, deve estar sujeita à manipulação e ao planejamento
governamental, supostamente sem interferir ou afetar a esfera micro dos preços
individuais.

A teoria de Fisher sobre a moeda

Mantendo seu enfoque, Irving Fisher escreveu um famoso artigo em 1923, “The
Business Cycle Largely a ‘Dance of the Dollar'” — citado favoravelmente por
Friedman —, que estabeleceu o modelo para a “puramente monetária” teoria
chicaguista dos ciclos econômicos. Nessa visão simplista, os ciclos econômicos
são meramente uma “dança”; em outras palavras, uma essencialmente aleatória e
causalmente desconexa série de aumentos e diminuições no “nível de preços”. Os
ciclos econômicos, em suma, são variações aleatórias e supérfluas no nível
agregado de preços. Portanto, dado que o livre mercado provoca normalmente
essa “dança” aleatória, a cura para um ciclo econômico é fazer com que o governo
implemente medidas para estabilizar o nível de preços, para manter esse nível
constante. Este se tornou o propósito da Escola de Chicago da década de 1930, e
permaneceu sendo também o objetivo de Milton Friedman.
Por que um nível de preços estável seria uma ideia ética, a ser alcançada até
mesmo pelo uso da coerção governamental? Os friedmanianos simplesmente
assumem esse objetivo como autoevidente e sem a necessidade de apresentarem
qualquer argumentação racional. Porém, os trabalhos originais de Fisher
demonstram um total equívoco quanto à natureza do dinheiro, e quanto aos nomes
das várias unidades monetárias. Na realidade, como a maioria dos economistas
do século XIX sabia muito bem, estes nomes (dólar, libra, franco etc.) não eram
nomes que designavam realidades em si próprias, mas simplesmente nomes
paraunidades de peso de ouro ou prata. Foram essas duas commodities, ao
serem adotadas voluntariamente pelo livre mercado, que surgiram como sendo
dinheiro genuíno; os nomes e as cédulas eram simplesmente substitutos
monetários, meros recibos ou títulos que davam ao seu portador o direito de
redimi-los em ouro ou prata.

Mas Irving Fisher se recusava a reconhecer a verdadeira natureza do dinheiro, a


correta função do padrão-ouro, e o fato de que o nome de uma moeda
representava uma unidade de peso em ouro. Em vez disso, ele partiu do princípio
de que esses nomes escritos nas cédulas de papel emitidas por vários governos
eram absolutos, eram dinheiro em si mesmo. E que a função desse “dinheiro” era
“mensurar” valores. Por conseguinte, Fisher julgava necessário manter o poder de
compra da moeda — ou o nível de preços — constante.

Esse objetivo quixotesco de manter um nível de preços estável contrasta com a


visão econômica do século XIX — e com a subsequente Escola Austríaca. Eles
aclamavam os resultados gerados pelo mercado livre e desimpedido — pelo
capitalismo laissez-faire —, os quais invariavelmente produziam uma regular e
contínuaqueda no nível de preços. Pois sem a intervenção do governo, a
produtividade e a oferta de bens tende a aumentar constantemente, o que gera um
declínio nos preços. Assim, na primeira metade do século XIX — a “Revolução
Industrial” —, os preços tendiam a cair constantemente, aumentando desta forma
os salários reais mesmo que não tivesse havido um aumento dos salários
nominais.

Atualmente, podemos ver, em exemplos como aparelhos de TV cujos preços caem


ao mesmo tempo em que versões mais modernas vão sendo lançadas, como esse
declínio constante nos preços gera os benefícios de um maior padrão de vida para
todos os consumidores. E isso em um período de inflação de preços crescente.

Foi Irving Fisher, suas doutrinas e sua influência, quem em grande parte foi o
responsável pelas desastrosas políticas inflacionárias do Banco Central americano
(o Federal Reserve System) durante a década de 1920, e portanto pelo
subsequente holocausto de 1929. Um dos principais objetivos de Benjamin
Strong, o presidente do Fed durante aquela década, era, sob a influência da
doutrina de Fisher, manter o nível de preços constante. E dado que, durante
aquela época, os preços do atacado ora se mantinham constantes, ora chegavam
a apresentar algum declínio, Fisher, Strong e todo o resto do establishment
econômico se recusaram a reconhecer que um problema inflacionário sequer
existisse. Portanto, como resultado, Strong, Fisher e o Fed se recusaram a dar
importância aos alertas de economistas ‘heterodoxos’, como Ludwig von Mises e
H. Parker Willis, que afirmavam que a expansão inflacionária do crédito bancário
orquestrada pelo Fedestava levando os EUA a um inevitável colapso econômico.
Tão obstinados e cegados pela ideologia estavam essas sumidades que, ainda em
1930, Fisher, em suas profecias econômicas, escreveu que não havia nenhuma
depressão, e que o colapso da bolsa de valores seria apenas algo temporário.[9]

A teoria de Friedman sobra a moeda

Por sua vez, Friedman, em sua demasiadamente elogiada obra Monetary History
of the United States, demonstrou seu viés fisherista ao oferecer sua interpretação
da história econômica americana.[10] Benjamin Strong, indubitavelmente a mais
desastrosa influência sobre a economia americana durante a década de 1920, é
tratado como uma celebridade por Friedman precisamente por sua estabilização
do nível de preços durante aquela década.[11] Com efeito, Friedman atribui a
depressão de 1929 não à anterior expansão econômica estimulada pela inflação
monetária, mas sim ao fato de o Fed, já sem Strong na presidência, não ter
inflacionado a oferta monetária de maneira suficientemente agressiva antes e
durante a depressão.

Em suma: embora Milton Friedman tenha efetuado um préstimo ao trazer de volta


ao debate no meio econômico acadêmico a predominante influência da moeda e
da oferta monetária sobre os ciclos econômicos, é preciso reconhecer que essa
abordagem “puramente monetarista” é praticamente o oposto da sólida — e
genuinamente livre-mercadista — teoria austríaca. Enquanto os austríacos
seguiam afirmando que a expansão monetária orquestrada por Strong levaria
inevitavelmente a um colapso, a dupla Fisher-Friedman acreditava que tudo que o
Fed deveria fazer era injetar maisdinheiro para contrabalançar qualquer
recessão. Ao acreditarem que não há nenhuma influência causal que gera uma
expansão econômica seguida de uma recessão — porque acreditam na simplista
teoria da “Dança da Moeda” —, os chicaguistas querem simplesmente que o
governo manipule essa dança; mais especificamente, que ele aumente a
quantidade de dinheiro na economia para neutralizar uma recessão.

Durante a década de 1930, portanto, a posição Fisher-Chicago era a de que, pra


curar a depressão, o nível de preços tinha de ser “reflacionado” de volta para os
níveis vigentes na década de 1920. E tal reflação deveria ser efetuada ao:

1. fazer com que o Fed expandisse a oferta monetária, e

2. fazer com que o governo federal gastasse, incorresse em déficits


orçamentários e implantasse programas de obras públicas em larga
escala.

Ou seja, durante a década de 1930, Fisher e a Escola de Chicago eram


“keynesianos pré-Keynes”; e, por esse motivo, eram considerados bastante
radicais e socialistas — e por uma boa razão. Assim como os keynesianos que
surgiriam mais tarde, os chicaguistas defendiam políticas fiscais e monetárias
“compensatórias”, embora sempre dando uma maior ênfase à questão monetária.

Pode-se contra-argumentar dizendo que Milton Friedman deixou de acreditar em


política monetárias e fiscais manipulativas, passando a defender um aumento
“automático” da oferta monetária (sem jamais definir qual agregado monetário
utilizar) a uma taxa indefinida ente 3 e 5% ao ano. Mas essa modificação de
postura em relação aos velhos chicaguistas é puramente técnica, advindo da
constatação de Friedman de que os as manipulações diárias e de curto prazo
empreendidas pelo Banco Central demoram para surtir efeito, o que significa que
elas tendem a agravar, e não a melhorar, os ciclos.

Porém, é preciso também compreender que essa política inflacionista automática


de Friedman é simplesmente mais uma variante de sua obsessiva busca pelo
mesmo e velho objetivo fisheriano-chicaguista: a estabilização do nível de preços
— nesse caso, uma estabilização delongo prazo. Portanto, Milton Friedman é,
pura e simplesmente, um inflacionista estatista, embora um inflacionista mais
moderado do que a esmagadora maioria dos keynesianos. Mas este seria um
consolo muito pequeno, e dificilmente qualifica Friedman como um economista
pró-livre mercado nesta área de suprema importância.

Fisher, Friedman e o fim do padrão-ouro

Desde seus primórdios, Irving Fisher era — muito corretamente — considerado um


radical monetarista e um estatista por causa do seu desejo de abolir o padrão-
ouro. Fisher percebeu que o padrão-ouro — sob o qual a moeda básica é uma
commodity que deve ser escavada e trabalhada pelo livre mercado ao invés de
criada pelo governo — era incompatível com seu irresistível desejo de estabilizar o
nível de preços. Consequentemente, Fisher foi um dos primeiros economistas
modernos a clamar pela abolição do padrão-ouro e sua substituição pela moeda
fiduciária de curso forçado.

Sob esse sistema, o nome da moeda — dólar, franco, marco etc. — se torna o
supremo padrão monetário, e o controle absoluto da oferta e do uso dessas
unidades é necessariamente garantido ao governo central. Em suma, o papel-
moeda de curso forçado é inerentemente o dinheiro do estatismo absoluto. O
dinheiro é a mercadoria central, o centro neurálgico, por assim dizer, da moderna
economia de mercado, e qualquer sistema que entregue o controle absoluto dessa
mercadoria ao estado está irremediavelmente incompatível com uma economia de
livre mercado — ou, em última instância, com a própria liberdade individual.

Entretanto, Milton Friedman sempre defendeu que se cortassem todos os laços,


por mais fracos que fossem, entre a moeda e o ouro, de modo que o mundo
entrasse em um total e absoluto padrão-dólar, com todo o controle entregue ao
Federal Reserve System. É claro que, uma vez atingido esse novo estágio,
Friedmanrecomenda que o Fed utilize esse poder absoluto de maneira muito
sagaz; porém, nenhum libertário que se preze pode ter qualquer sentimento que
não o de desdém pela ideia de se conceder um poder coercitivo para um grupo
qualquer e então ficar na esperança de que tal grupo não irá utilizar seu poder ao
máximo.

Os motivos que levam Friedman a ser totalmente indiferente às tirânicas e


despóticas implicações de seu esquema de moeda fiduciária de curso forçado é,
repetindo, a arbitrária separação chicaguista entre o micro e o macro; a vã e
quimérica esperança de que é possível haver um controle totalitário da esfera
macro ao mesmo tempo em que o “livre mercado” é preservado na esfera
micro. Já deveria estar claro por agora que esse tipo truncado de micro “livre
mercado” chicaguista é “livre” apenas no mais irônico e zombeteiro sentido do
termo. Está muito mais para a “liberdade” orwelliana de “Liberdade é Escravidão”.

Um retorno ao padrão-ouro

Não há dúvidas quanto ao fato de que o atual sistema monetário internacional é


uma monstruosidade irracional e abortiva, e necessita de drásticas reformas. Ao
contrário da sugestão de Friedman, de que todas as moedas de papel livremente
impressas por bancos centrais devem ser livres para “flutuar” umas contra as
outras, temos de ir é exatamente na direção oposta: um padrão-ouro internacional
que restaure a utilização onipresente da moeda-commodity e retire de todos os
governos a capacidade de manipular as moedas para benefício de uma pequena
casta e em detrimento do restante da população.

Ademais, o ouro, ou qualquer outra commodity, é vital para o fornecimento de


um dinheiro internacional — uma moeda básica com a qual todas as nações
podem comercializar e na qual basear suas contas. A absurdidade filosófica do
plano friedmaniano, em que cada governo emite sua própria moeda de papel de
curso forçado, pode ser mais bem entendida se considerarmos o que aconteceria
se cada estado, cada cidade, cada vila, cada bairro, cada quadra, cada casa, cada
família ou cada indivíduo pudesse emitir sua própria moeda e, ato contínuo, como
gosta Friedman, houvesse uma livre flutuação da taxa de câmbio entre todas
essas milhões de moedas. O caos que resultaria desse arranjo geraria a
destruição do próprio conceito de moeda — a entidade que serve como meio geral
de troca para todas as transações que ocorrem no mercado. Filosoficamente, o
friedmanismo inerentemente leva à destruição da moeda, reduzindo-nos ao caos e
ao primitivismo de um sistema de escambo.

Um dos erros cruciais de Friedman ao sugerir a entrega de todo o poder monetário


ao estado é que ele não compreendeu à época que tal esquema seria
inerentemente inflacionário. Pois o estado, ao ter sob seu total poder o controle da
emissão monetária, não teria incentivos para se auto-restringir. O conselho de
Friedman para que o estado restringisse esse poder a uma expansão de 3—4% ao
ano ignora o crucial fato de que qualquergrupo que se aposse do poder absoluto
de “imprimir dinheiro” tenderá a . . . imprimir dinheiro!

Suponha que o governo conceda a João o poder absoluto e o monopólio


compulsório da impressora de dinheiro, e permita que ele imprima toda a
quantidade de dinheiro que julgue ser adequada aos seus propósitos e que utilize
a impressora da maneira que mais lhe aprouver. Não seria, a priori, algo bastante
lógico imaginar que João irá utilizar esse poder de falsificação legalizadapara
ganhar amigos e satisfazer suas próprias necessidades, fazendo com que sua
gerência da moeda tenda a ser inflacionária? Da mesma maneira, o estado, ao se
arrogar o monopólio compulsório da falsificação legalizada, simplesmente passou
a utilizá-la como bem quis. Daí o estado ser uma entidade inerentemente
inflacionária, como seria qualquer grupo com o poder exclusivo de criar
dinheiro. O esquema de Friedman apenas intensifica esse poder e essa inflação.

Externalidades

Portanto, nos dois vitais campos macro da tributação e da moeda, a influência de


Milton Friedman foi enorme — muito maior do que em qualquer outra área — e
quase uniformemente desastrosa do ponto de vista de um mercado genuinamente
livre. Porém, mesmo no nível micro, onde sua influência foi menor e muitas vezes
bastante benéfica, Friedman forneceu aos intervencionistas uma brecha teórica tão
larga quanto uma porta de celeiro. Friedman sempre defendeu ser legítimo o
governo interferir no livre mercado sempre que as ações de um indivíduo gerarem
efeitos benéficos sobre terceiros. Sendo assim, se A fizer algo que irá
involuntariamente beneficiar B, e se B não tiver como pagar por isso, os
chicaguistas consideram ser isso um “defeito” do livre mercado, passando ser
então a tarefa do governo “corrigir” esse defeito tributando B para pagar A por esse
“benefício”.

É por essa razão que Friedman defende que o governo destine fundos para a
educação, por exemplo; dado que a educação de crianças é supostamente um
benefício para outras pessoas, então o governo está supostamente correto ao
tributar essas pessoas para pagar por esses “benefícios”. (Novamente, nesta
área, a perniciosa influência de Friedman foi a de tentar tornar uma ineficiente
operação estatal bem mais eficiente; aqui ele sugere substituir as impraticáveis
escolas públicas pelo sistema de vouchers, em que o estado concede vouchers
para famílias que, com isso, poderão escolher a escola particular em que
matricularão seus filhos — um arranjo que deixa intacto todo o conceito de
financiamento público para a educação.)

Além da questão vitalmente importante da educação, Friedman iria, na prática,


limitar o argumento das externalidades positivas a medidas como parques
urbanos. Nesse quesito, Friedman se preocupava com o fato de que, se os
parques urbanos fossem privados, um indivíduo poderia se beneficiar caso
pudesse, de longe, usufruir a vista de um deles sem ser obrigado a pagar por esse
benefício psíquico. Consequentemente, ele defende que todos os
parques urbanos sejam estatais. Já os parques rurais, segundo Friedman, podem
ser privados, pois eles podem ser mantidos em lugares remotos o bastante para
obrigar todos os usuários a pagar pelos serviços prestados.

É um pequeno conforto saber que Friedman limitaria seu argumento das


externalidades positivas a poucas áreas, como educação e parques urbanos. A
realidade, entretanto, é que tal argumento pode ser utilizado para justificar
praticamente quaisquer intervenções, subsídios e esquemas tributários. Eu, por
exemplo, li Ação Humana; consequentemente, absorvi mais sabedoria e me tornei
uma pessoa melhor; ao me tornar uma pessoa melhor, estou beneficiando meus
semelhantes; entretanto, segurem-se, eles não estão me pagando por esse
benefício! Não deveria o governo tributar essas pessoas e me subsidiar por eu ter
me tornado tão honrado e decente em decorrência de minha leitura de Ação
Humana?

Ou, peguemos outro exemplo, para irritar as feministas: muitos homens obtêm um
grande nível de satisfação ao observarem garotas trajando minissaias; entretanto,
esses homens não estão pagando por este desfrute. Eis aí outra externalidade
positiva não sendo corrigida! Não deveriam todos os homens do país serem
tributados com o intuito de subsidiar garotas que utilizam minissaias?

Não há por que multiplicar os exemplos; eles proliferam quase que infinitamente, e
expõem a total absurdidade e a amplitude das concessões chicaguistas ao
estatismo. A única resposta que os chicaguistas conseguiram dar a esta reductio
ad absurdum é que eles não implementariam uma intervenção governamental a
este ponto, embora reconheçam a lógica do argumento. Mas por que não? Sob
qual padrão, sob qual critério eles julgam ser adequando interromper o raciocínio
em parques e escolas? O ponto é que não existe tal critério, e isso apenas
demonstra a falência intelectual e a falta de rigor lógico que estão no âmago da
maioria das escolas de pensamento econômico e de ciências sociais atuais — o
friedmanismo incluído.

O impacto de Friedman

E assim, ao examinarmos as credenciais de Friedman para ser o líder da ciência


econômica defensora do livre mercado, chegamos à assustadora conclusão de
que é difícil sequer considerá-lo um economista pró-livre mercado. Mesmo na
esfera micro, as concessões teóricas de Friedman ao egrégio ideal da
“concorrência perfeita” podem servir como base para a criação de várias leis
antitruste, bem como de várias agências reguladoras; e sua concessão à
intervenção governamental sobre externalidades positivas poderiam servir de
argumento para a imposição de um estado virtualmente totalitário, ainda que
Friedman ilogicamente restrinja sua aplicação a algumas poucas áreas. Porém,
mesmo nesse ponto, Friedman utiliza seu argumento para justificar o fornecimento
estatal de educação para todos.

Porém, é na esfera macro — insensatamente isolada de maneira hermética da


esfera micro por economistas que permanecem ignorantes da façanha de Ludwig
von Mises, que demonstrou que ambas são integradas — que a influência de
Friedman tem se demonstrado a mais perversa. Encontramos em Friedman uma
pesada responsabilidade tanto pelo imposto de renda retido na fonte quanto pela
lamentável proposta da renda mínima anual garantida. Ao mesmo tempo, vemos
em Friedman a resoluta defesa para que o controle absoluto da oferta monetária
seja dado ao estado — logo a oferta monetária, uma área crucial da economia de
mercado. E em várias outras áreas, vemos Friedman propondo medidas não em
prol da liberdade, não em favor da redução gradual do leviatã, mas sim medidas
concebidas para fazer com que o poder do estado se torne mais eficiente, e, por
conseguinte, mais opressor.

[1] Henry C. Simons, A Positive Program for Laissez Faire: Some Proposals for a
Liberal Economic Policy (Chicago: University of Chicago Press, 1934).

[2] Neste artigo, estou restringindo a discussão ao âmbito político-econômico, e


omitindo os problemas técnicos da teoria e da metodologia econômica. É nesta
última que Friedman surge em seu pior, pois ele alterou a metodologia original
chicaguista — aristotélica e racionalista em sua essência — e transformou-a em
uma egrégia e extremada variante do positivismo.

[3] Para uma excelente introdução à visão austríaca, veja F.A. Hayek, O
Significado da Competição.
[4] Há um interessante relato de que, certa vez, o industrialista Charles F. Kettering
tentou animar um amigo no hospital, que estava reclamando sobre o crescimento
acelerado do governo, dizendo a seguinte frase: “Anime-se, Jim! Graças a Deus
ainda não temos um governo do tamanho equivalente ao que pagamos.”

[5] Milton Friedman and George J. Stigler, Roofs or Ceilings? (Irvington-on-Hudson,


N.Y.: Foundation for Economic Education, 1946), p. 10.

[6] New York Times (April 13, 1970).

[7] Esse foi o mesmo princípio que guiou a Charity Organization Society da
Inglaterra do século XIX. Essa organização liberal clássica “acreditava que o mais
sério aspecto da pobreza era a degradação do caráter do homem ou da mulher
pobre. A caridade indiscriminada apenas piorava as coisas; ela desmoralizava. A
verdadeira caridade demandava amizade e consideração, o tipo de ajuda que
restauraria no indivíduo o respeito próprio e sua capacidade de se sustentar a si
próprio e a sua família.” Charles Loch Mowat, The Charity Organization
Society (London: Methuen, 1961), p. 2.

[8] Welfare Plan of the Church of Jesus Christ of Latter-Day Saints (The General
Church Welfare Committee, 1960), p. 48.

[9] Irving Fisher, The Stock Market Crash — And After (New York: Macmillan,
1930).

[10] Milton Friedman and Anna Schwartz, A Monetary History of the United States,
1867-1960 (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1963).

[11] Ver Murray N. Rothbard, America’s Great Depression (Princeton, N.J.: D. Van
Nostrand, 1963), para uma visão oposta sobre a década de 1920.

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Por Murray N. Rothbard| 05 agosto,2011


A geringonça criada por Milton Friedman

No dia 12 de março, David


Stockman, que foi diretor do Office of Management and Budget (órgão que
supervisiona a elaboração do orçamento federal americano) no primeiro mandato
de Ronald Reagan, deu uma palestra no Mises Institute, no Alabama. Eu estava
na platéia. Foi um discurso incitante, cheio de tiradas jocosas. Lembrou-me do
filme Patch Adams e a lista de eufemismos para “morte” que o personagem
principal utilizava no quarto de hospital do sujeito com câncer terminal. Toda a
platéia riu bastante.

O discurso tinha quatro pontos principais. Primeiro, o pacote de socorro criado


pelo Tesouro americano em conjunto com o Federal Reserve (o banco central
americano) em outubro de 2008 não era necessário para salvar os mercados
financeiros. Era necessário para salvar três ou quatro empresas financeiras que
haviam adulterado seus registros contábeis e que, por isso, estavam sendo
expostas pelo mercado — isto é, o valor de seus ativos estava sofrendo reduções.

Segundo, a crise foi uma decorrência da decisão do presidente Nixon, em 15 de


agosto de 1971, de abolir o que restava do padrão-ouro criado pelo acordo de
Bretton Woods de 1944 — isto é, a decisão de parar de redimir dólares em ouro de
acordo com a demanda dos bancos centrais estrangeiros. Nixon “fechou a janela
por onde fugia o ouro”. Embora Stockman não tenha mencionado isso, nós,
dinossauros defensores do padrão-ouro, nos lembramos perfeitamente: Nixon se
recusou a exigir que o Federal Reserve parasse de inflacionar a base monetária
dos EUA, algo que ele estava fazendo com o intuito de estimular a economia
americana e tirá-la de uma recessão de dois anos. Nixon admitiu publicamente
que agora ele era um keynesiano, e o presidente do Fed, Arhur Burns, financiou
essa transição.

Terceiro, a ideia por trás dessa decisão de fechar a janela do ouro foi aquilo que
Stockman chamou de geringonça de Milton Friedman — uma reforma feita em
duas etapas: deixar que o dólar flutuasse em relação a outras moedas e abolir os
últimos vestígios do padrão-ouro.

Quarto, os asiáticos estão praticando economias mercantilistas. Eles estão


inflacionando suas bases monetárias a fim de comprar títulos da dívida
americana. O plano é fazer isso para impedir que suas moedas se apreciem em
relação ao dólar, algo que reduziria suas exportações. Eles não conseguirão
manter esse programa por muito tempo, disse Stockman. Os custos trabalhistas
estão subindo.

O texto do seu discurso está aqui.

A Máquina Monetária do Dr. Friedman

Milton Friedman acreditava no livre mercado em quase todas as situações. O


problema era que, sempre que ele resolvia abordar aquela instituição coerciva e
monopolista conhecida como governo, ele acabava criando soluções lógicas
baseadas na ideia de que o governo poderia se tornar mais eficiente caso
adotasse pseudo-arranjos de mercado.

Ele inventou várias ideias para justificar a imposição do imposto de renda retido na
fonte em 1943. Este seria um imposto temporário, que seria aplicado apenas em
caráter emergencial, para melhor financiar o esforço de guerra. Pelo menos foi
isso que foi dito ao público. Ele acreditava que o governo poderia coletar um
volume bem maior de receitas por meio do imposto retido na fonte. Ele estava
certo. Tal arranjo tornou o governo mais eficiente do que nunca na tarefa de
extrair a riqueza alheia.

Ele também promoveu a ideia dos vouchers educacionais, os quais seriam


emitidos pelos governos locais e financiados via impostos extraídos do
público. Ele não levou em consideração o óbvio fato de que isso representaria o
controle estatal sobre a educação privada. Ele e eu debatemos esse assunto em
1993.

Acima de tudo, ele defendia a ideia de que guardar ouro nos cofres do governo
como forma de lastrear a moeda era um desperdício. O ouro estaria assim sendo
inutilizado. Da mesma forma, havia um desperdício de recursos para manter uma
guarda armada cuidando desse ouro. Logo, para tornar a política monetária mais
eficiente, o Banco Central deveria aumentar a oferta monetária — ele nunca
especificou qual M (M0, M1, M2, M3…) — de 2 a 5% ao ano. Ele queria um papel-
moeda fiduciário e de curso forçado controlado pelo banco central.

Os únicos críticos dessa proposta, os economistas seguidores da Escola Austríaca


de economia, estavam no limbo dos debates acadêmicos. Nós sabíamos que um
governo eficiente é um governo perigoso. Também sabíamos que um banco
central que não tivesse de lidar com a ameaça de fuga de ouro de seus cofres
como resposta às suas políticas de inflação monetária iria inflacionar muito mais
do que inflacionaria em qualquer economia baseada em ouro.

Respondi a esses argumentos anti-ouro, os quais foram feitos pelo The Wall Street
Journal, ainda em 1969.
Hans Sennholz também respondeu em várias outras ocasiões. O mesmo fez
Murray Rothbard. Mas não fomos levados a sério. Não fazíamos parte da
corrente dominante do pensamento econômico. Economistas acadêmicos há
muito haviam abandonado qualquer apoio a um padrão-ouro genuíno (com
moedas de ouro utilizadas nas transações). Nem todos eles apoiavam a ideia de
Friedman de ter um banco central comedido, cuja expansão monetária fosse
restrita. Com efeito, poucos apoiavam essa ideia. Eles queriam flexibilidade. Eles
ainda querem.

Assim que Nixon aboliu o que restava do padrão-ouro, não havia mais retorno. A
base monetária cresceu, todos os vários Ms cresceram, os preços aumentaram,
bolhas surgiram, inflaram e explodiram, e a dívida federal americana cresceu até
seu atual e insustentável nível — insustentável a menos que seja paga com uma
inflação monetária maciça seguida de hiperinflação de preços.

A abolição de uma moeda conversível em ouro era apenas parte da criação do Dr.
Friedman. A outra parte foi sua sugestão de taxas de câmbio flutuantes. Essa
parte merece uma consideração especial.

Taxas de Câmbio Monetárias

Suponha que haja duas moedas, A e B, ambas redimíveis em ouro sob


demanda. Suponha também que, pelo valor de livre mercado, 35 A valha uma
onça de ouro e 70 B valham a mesma onça de ouro. Nesse caso, ambas as
moedas terão uma taxa de câmbio fixa entre si de 2 B por 1 A. Ninguém
estabeleceu um controle de preços determinando isso. Não foi necessário. Eis o
porquê.

Se o banco central do país A começar a imprimir dinheiro, a moeda A ficará


desvalorizada — isto é, o preço de A irá cair. O ouro passará a valer, por exemplo,
36 A no mercado paralelo. Nesse ponto, ou mesmo antes, os especuladores
começarão a comprar a moeda A e irão trocá-la por ouro a 35 unidades de A. Ato
contínuo, eles utilizarão esse ouro para comprar 36 A. E então eles levarão 35 A
até o Tesouro do país e exigirão uma onça de ouro, e embolsarão o A extra. Com
o tempo, eles vão acumular 35 A. Nesse ponto, eles irão trocar 35 A por outra
onça de ouro.

A cada transação, o ouro sairá do tesouro do país A. Caso isso continue, ou o


Tesouro ficará sem ouro ou ele irá interromper esse processo de redimir ouro a 35
A por onça. Ele pode até abolir todas as restituições em ouro.

A moeda A irá se desvalorizar em relação à moeda B. Afinal, você pode comprar


uma onça de ouro a 70 B. Qualquer um que tenha a ideia de comprar 35 A para
então revender por 70 B, de modo a exigir ouro do Tesouro do país B, irá descobrir
que todos os seus concorrentes também tiveram a mesma ideia. O preço de B em
relação a A irá subir — isto é, B se apreciará em relação a A. Isso irá aniquilar a
taxa de câmbio fixa entre A e B. O câmbio fixo acabou porque o país A parou de
restituir ouro ao valor de 35 A a onça.

Havia um câmbio fixo antes do banco central do país A começar a imprimir


dinheiro para comprar títulos da dívida de seu governo. A taxa de câmbio até
então vigente não havia sido determinada por lei; ela havia sido determinada pelo
livre mercado. A conversibilidade de A em ouro a 35 A por onça, mais a
conversibilidade de B em ouro a 70 B por onça, determinava a taxa de câmbio
entre as duas moedas.

Isso não significava um controle de preços da moeda A em relação à moeda


B. Havia apenas um par de controle de preços: a moeda A e o ouro valendo 35 A
a onça (determinado por lei nacional), e a moeda B e o ouro valendo 70 B a onça
(determinado por lei nacional). Tais valores foram determinados por lei. A taxa de
câmbio de uma moeda em relação ao ouro foi determinada pelo banco central de
cada país.

Qualquer desvio dessa definição fixa causaria uma reação. Se o preço do ouro
fosse estabelecido em um valor alto demais em relação à moeda do país, o banco
central deste país seria inundado de ouro: haveria uma abundância de ouro. Se o
preço do ouro fosse estabelecido em um valor baixo demais em relação à moeda
do país, o banco central deste país sofreria uma fuga de ouro: haveria uma
escassez de ouro. Qualquer uma dessas duas condições forçaria o banco central
a fazer mudanças: ou mudanças na política monetária ou mudanças na definição
oficial da taxa de câmbio entre as moedas.

A taxa de câmbio fixa entre a moeda A e a moeda B era uma taxa de câmbio
determinada pelo mercado. Ela até então não havia se alterado porque cada país
honrava seu respectivo contrato em relação à conversibilidade do ouro a um preço
fixo.

O Fundo Monetário Internacional

O acordo de Bretton Woods feito em 1944 foi uma geringonça. Foi uma “nova e
aprimorada” geringonça cujo desenho original era o padrão ouro-câmbio, criado
em 1922 na Conferência de Gênova. Naquela conferência, os governos
concordaram em estabelecer um “novo e aprimorado” padrão-ouro. Ao invés de
restabelecerem um padrão monetário com moedas de ouro totalmente
conversíveis domesticamente, o que transferiria a autoridade monetária para os
cidadãos, eles fizeram um acordo: ao invés de manterem ouro em seus bancos
centrais, os países manteriam títulos da dívida emitidos pelos EUA e pela Grã-
Bretanha, os quais renderiam juros.

A Grã-Bretanha retornou ao padrão-ouro em 1925, mas a uma taxa de câmbio


vigente anterior à Primeira Guerra Mundial, como se não tivesse havido nenhuma
inflação na quantidade de dinheiro em sua economia. Ou seja, a taxa de câmbio
da libra em relação ao ouro ficou artificialmente sobrevalorizada. Essa foi a
decisão de Churchill como ministro da fazenda. Tal medida inevitavelmente
forçaria a Grã-Bretanha ou a perder suas reservas de ouro ou a contrair sua oferta
monetária. O governo não queria nenhuma dessas opções. Assim, Montagu
Norman, presidente do Banco Central da Inglaterra, conseguiu persuadir seu
amigo íntimo (muito íntimo) Benjamin Strong, presidente do Federal Reserve, a
inflar a oferta monetária americana, de modo a evitar que houvesse uma corrida ao
ouro do Banco Central da Inglaterra. Strong fez isso até o dia de sua morte, em
1928. O Fed então reverteu essa política já no final de 1928. Ele parou de
inflacionar a oferta monetária. Isso estourou a bolha formada na bolsa de valores
americana, levando ao crash de 1929.
O FMI criou um sistema de taxas de câmbio fixas. Essas taxas não eram
baseadas na conversibilidade em ouro. Elas eram meros controles de preços. O
FMI fiscalizava o cumprimento dessa regra, mas não com grande eficiência. De
tempos em tempos, algum país desvalorizava sua moeda, isto é, se recusava a
oferecer divisas estrangeiras à taxa de câmbio fixada. O FMI não impunha
sanções. Assim, o sistema seguia cambaleante, de desvalorização em
desvalorização.

Somente os EUA vendiam ouro a US$ 35 a onça para governos e bancos


centrais. Mas isso tornou-se insustentável em decorrência do grande aumento da
oferta monetária ocorrida nos EUA. O ouro estava saindo do país. Após 1964, a
França começou a exigir insistentemente a troca de seus dólares por ouro. E o
Federal Reserve continuou inflacionando.

A Geringonça de Milton Friedman

Friedman facilmente desmontou a ideia de taxas de câmbio fixas. Taxas de


câmbio fixas são uma forma de controle de preços. Friedman era um economista
bom o bastante para saber que controle de preços produz escassez. A moeda
artificialmente subvalorizada sai de circulação. A moeda artificialmente
sobrevalorizada torna-se abundante. Ato contínuo, há uma corrida aos bancos
centrais para que a moeda sobrevalorizada seja trocada por ouro.

Os compradores domésticos de bens estrangeiros (importadores) dizem ao banco


central: “Venda-nos a moeda estrangeira artificialmente subvalorizada ao preço
oficial”. Com isso, o banco central fica sem reservas internacionais. O comércio
estrangeiro entra em colapso. E aí ocorre uma desvalorização da moeda
nacional. Os preços oficiais das moedas estrangeiras são elevados a novas taxas
de câmbio fixas.

Foi fácil para Friedman mostrar como todo esse arranjo era ridículo. “Apenas
deixem as moedas flutuarem”, disse ele. “Deixe o livre mercado determinar o
preço de cada uma delas”. Esse foi um bom conselho. Controles de preços nunca
funcionam como propagandeado. Eles sempre produzem escassezes ou
excedentes.

Porém, foi aí que Friedman recomendou sua política favorita: papel-moeda puro,
sem nenhum lastro. Ele disse que tal arranjo poderia ser gerenciado
racionalmente por meio de uma regra fixa determinando uma previsível expansão
da quantidade de dinheiro. “Deleguem essa tarefa para o Banco Central. Tudo
dará certo se Banco Central não alterar indevidamente a taxa de crescimento da
oferta monetária”.

Nixon adotou essa geringonça criada por Friedman. Primeiro, não mais haveria
conversibilidade de moeda estrangeira em ouro. Os dólares em posse de
governos estrangeiros passariam a ser apenas aquilo que realmente são: papeis
pintados, sem direito a serem trocados por ouro.

Durante pouco mais de dois anos, foi imposto um controle geral de preços sobre
os bens americanos. Tal controle de preços gerou escassez e uma desordem no
comércio internacional. O dólar só passou a flutuar oficialmente em dezembro de
1973.

Quando o controle de preços foi abolido, os preços dispararam. Em 1975, o então


presidente Gerald Ford criou o programa WIN: Whip Inflation Now (algo
como Derrotemos a Inflação Agora). A recessão de 1975 fez exatamente isso. E
então veio a pior inflação monetária ocorrida na história dos EUA em períodos de
paz: 1976-80. O preço do ouro e da prata disparou.

A geringonça de Friedman claramente não estava funcionando. As taxas de


câmbio flutuantes não eram o problema. A abolição do padrão ouro-câmbio é que
era o problema.

A geringonça de Friedman mergulhou todo o mundo em uma interminável


sequência de inflação monetária, bolhas e recessões.

Stockman Comenta a Geringonça

Stockman culpa as taxas de câmbio flutuantes e a abolição do padrão-ouro.

Dificilmente pode-se negar que a abolição do padrão-ouro foi tão


destrutiva para a disciplina fiscal quanto foi para a política
monetária. Sob o antigo regime de taxas de câmbio fixas e
conversibilidade monetária, déficits fiscais sem lágrimas eram
totalmente insustentáveis — não importava quais doutrinas
econômicas fossem seguidas.

Naquela época, podia-se confiar que o mecanismo do dinheiro


honesto iria sobrepujar as políticas ruins. Assim, se os déficits
orçamentários fossem monetizados pelo banco central, isso iria
enfraquecer a moeda e provocar uma prejudicial fuga das reservas
monetárias; e se os déficits fossem totalmente financiados com a
poupança dos cidadãos, os juros inevitavelmente subiriam — o que
desestimularia o investimento doméstico.

Foi uma análise precisa do que ocorreu. Porém, a âncora do sistema não era o
sistema de taxas de câmbio fixas, pois o FMI nunca teve a autoridade de zelar por
sua aplicação. A âncora era a promessa dos EUA de vender ouro a US$ 35 a
onça. Quando essa amarra foi cortada, e os EUA mantiveram todo o ouro consigo,
o sistema monetário internacional ficou totalmente à deriva. Hoje, essa âncora
está armazenada nos cofres da sucursal do Federal Reserve de Nova York.

Nos bons e velhos tempos, observou Stockman, havia dor. “Os políticos não
precisavam ser profundamente versados na parábola de Bastiat sobre o que se vê
e o que não se vê. Os frutos amargos de todo e qualquer déficit orçamentário
eram totalmente visíveis e imediatos.” Isso acabou em 1971.
Durante as quatro décadas desde que o padrão-ouro foi completamente abolido,
as regras do jogo fiscal foram completamente adulteradas. Mais especificamente,
sob a geringonça dos papeis-moedas flutuantes criada pelo professor Friedman,
os estrangeiros podem acumular papeis redimíveis em dólares ou trocá-los por
outras moedas de papel.

Porém, jamais poderá haver um esvaziamento das reservas monetárias


americanas, pois títulos redimíveis em dólares não são conversíveis em nada mais
que não seja dólares, os quais podem ser criados infinitamente pelo Fed. Essa
máquina infernal de criar dinheiro de papel, por conseguinte, gerou numerosas e
lamentáveis consequências, mas a pior delas está no fato de ter facilitado a
ilimitada monetização da dívida do governo americano.

O governo americano hoje está incorrendo em um déficit de US$ 1,6 trilhão. Nada
pode ser feito politicamente para impedir isso. Estamos todos em um trem
desenfreado. Os freios principais foram removidos em 1971. O único freio que
restou é aquele que pode ser aplicado apenas pelos justiceiros do mercado
(investidores que vendem títulos de dívida como protesto contra políticas
inflacionárias ou de má gestão das contas pública). Porém, a efetividade destes
foi reduzida, uma vez que hoje é o Fed o principal comprador dos títulos da dívida
americana, junto com os bancos centrais asiáticos. Stockman observou que “o
quantitative easing 2 feito pelo Fed, que consiste na compra de títulos da dívida
americana, está sendo feito em escala tão maciça, que ele está literalmente
comprando títulos do Tesouro no mercado secundário quase que na mesma
velocidade com que os títulos estão sendo emitidos”.

Isso tudo seria culpa de Friedman? Stockman, de certa forma, concede uma
absolvição.

Em contraste, sob a geringonça inspirada pelo professor Friedman,


os desequilíbrios da balança comercial nunca são corrigidos. Eles
apenas vão crescendo, crescendo e crescendo — até o dia em que
se transformam em objeto de falatório estéril durante encontros
meramente fotográficos organizados por uma sociedade chamada
G-20.

Para sermos justos, o professor Friedman não previu um mundo


com essa desenfreada flutuação cambial “suja”. Com efeito, seria
necessária uma imaginação poderosa para prever, quatro décadas
atrás, que a China iria acumular $3 trilhões em reservas estrangeiras
ou mais de 50% do seu PIB, e então insistir por várias décadas para
que ela não manipulasse sua taxa de câmbio!

Minha resposta: foi tudo culpa de Friedman, intelectualmente falando. Quando um


economista recomenda uma política, ele também está recomendando seus
efeitos. Friedman falhou ao não prever aquilo que os economistas da Escola
Austríaca haviam previsto: a abolição do padrão-ouro resultaria em uma total
expansão do papel-moeda, e na consequente manipulação das taxas de câmbio
— a flutuação suja. Em um mundo gerido por bancos centrais que possuem o
monopólio da moeda concedido pelos governos, e que não estão sujeitos a
redimirem suas moedas em ouro, flutuação cambial suja é o único resultado
totalmente previsível.

Porém, justamente por termos repetidamente insistido nessa previsão, década


após década, a corrente dominante do pensamento econômico nos marginalizou.

Conclusão

Milton Friedman sempre foi muito astuto. Ele aconselhou os governos a se


tornarem mais eficientes, e eles obedeceram. Eles utilizaram seu conselho para
expandir seu poder e expandir seu alcance até nossas carteiras.

Nós o alertamos. Ele não quis ouvir. Seus seguidores também não
ouviram. Hoje, eles estão em silêncio, apenas observando e se limitando a
resmungar sobre déficits potencialmente excessivos e sobre uma inflação de
preços potencialmente excessiva. Mas, em geral, eles continuam aprovando a
existência de bancos centrais, principalmente a existência do Fed e toda a sua
obra.

Todo o problema está na concepção original de geringonça: (1) o controle


monopolista do governo sobre a moeda e (2) o sistema de bancos centrais, como
existe atualmente. Nesse quesito, Friedman era um defensor do governo.

O problema nunca foi as taxas de câmbio flutuantes ou o colapso de Bretton


Woods em 1971. Esses foram resultados inevitáveis de Bretton Woods, como
Henry Hazlitt já alertava insistentemente no final da década de 1940, fato esse que
levou à sua demissão do The New York Times. Você pode ler exatamente o que
ele previu.

Tampouco o problema estava na Conferência de Gênova em 1922, a engenhoca


criada para solucionar a inflação que havia surgido como resultado da suspensão
da conversibilidade na segunda metade de 1914, quando estourou a Primeira
Guerra Mundial.

O problema todo começou em 1914, quando a Primeira Guerra fez com que todos
os países saíssem do padrão-ouro, gerando um maciço confisco do ouro que
pertencia ao povo: primeiro pelos bancos comerciais; depois pelos bancos
centrais.

A geringonça criada por Milton Friedman foi apenas mais uma malfadada tentativa
de lidar com os resultados desse confisco original. Foi apenas mais um exemplo
de seu enfoque: “O governo estava certo em confiscar o ouro e abolir o padrão-
ouro. Foi uma maneira eficiente de lutar uma guerra, assim como impostos retidos
na fonte são eficientes e assim como vouchers educacionais são eficientes.”

Milton Friedman passou toda sua carreira defendendo a eficiência do livre


mercado. Porém, quando se tratava das grandes questões, ele confiava na
eficiência e na boa vontade de políticos e burocratas. “Confie na eficiência deles”.
Como os austríacos sempre alertaram, o estado se torna mais eficiente apenas
para tiranizar as pessoas com maior eficácia em termos de custo.

A geringonça criada por Milton Friedman deixou incontrolável a expansão do


estado assistencialista e belicista: incontrolável por causa da tributação via
impostos retidos na fonte e incontrolável por causa da abolição do padrão-ouro.

Se isso é eficiência, incluam-me fora dessa.

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Por Gary North| 22 março,2011

“Até mesmo Hayek e Friedman defendem o Bolsa


Família”

Existe alguma ideia pior do


que estatizar a esmola, tornando-a assim um dever para uns e um direito para
outros? Por um lado, trata-se de uma imoralidade criminosa subtrair por meio da
força a propriedade alheia; por outro, gera dependência e um incentivo à
vadiagem.

Muitas pessoas de bom senso, mesmo sem possuir base alguma na teoria
econômica ou na de direitos naturais, rejeitam instintivamente tal ideia. Apesar
disso, a ideia começou a ser implantada no Brasil por FHC em 2001, e hoje está
em pleno funcionamento. Embora seja uma ideia tenebrosa, ela encontra respaldo
em muitos pensadores associados ao Liberalismo. O primeiro deles pode ter sido
Thomas Paine. O escritor que participou da Revolução Americana e da Revolução
Francesa idealizou uma proposta de “renda mínima” — talvez se baseando no
proviso de Locke, o pensador que é um dos pilares do liberalismo.[1]Muitos outros
autores fizeram propostas semelhantes, como Marx, Keynes e Galbraith, e era
esperado que defendessem esse redistributivismo. Mas é absurdo ver nomes
associados à defesa da liberdade dando seu aval a este tipo de espoliação.

Quando F. A. Hayek estava escrevendo sua obra Os Fundamentos da Liberdade,


ele estava sendo subsidiado pelo Volker Fund. Nesta mesma época, Murray
Rothabrd trabalhava como consultor para o Volker Fund e, em janeiro de 1958,
quando Hayek entregou os catorze primeiros capítulos de seu livro, o Volker Fund
pediu a Rothbard que desse sua opinião sobre eles. A análise de Rothbard, além
de devastadora, continha uma acurada previsão de como aquele livro seria usado
pelos inimigos da liberdade em prol da causa redistributiva. Devido a seus erros
conceituais — com destaque ao conceito de coerção —, Rothbard o classificou
como um péssimo livro, um “livro do mal”; além disso, graças ao status de Hayek,
o livro foi considerado também como sendo extremamente perigoso, e Rothbard
recomendou que se descontinuasse qualquer suporte à finalização e promoção da
obra, já que isso seria destrutivo para a causa da liberdade.[2]

Hayek era considerado um dos mais proeminentes líderes intelectuais pró-livre


mercado, e como ele estava defendendo que o estado atuasse em inúmeras
funções, Rothbard previu que a oposição iria se utilizar do velho artifício de “mas
até mesmo Hayek admite que . . .” para argumentar em defesa de suas posições
pró-estado.

A previsão que Rothbard teve instantaneamente, assim que bateu os olhos nos
primeiros capítulos da obra de Hayek, vem se concretizando desde então. Por
exemplo, para atacar Ron Paul na última corrida presidencial americana, o
“economista” esquerdista Paul Krugman usou Hayek contra os opositores da
saúde pública:

No passado, conservadores aceitavam a necessidade de uma rede


de proteção garantida pelo governo por razões humanitárias. E não
sou eu quem está dizendo isso; quem disse isso foi Friedrich Hayek,
o herói intelectual conservador, que declarou especificamente em O
Caminho da Servidão seu apoio a um “amplo sistema de serviços
sociais” para proteger os cidadãos de “eventualidades comuns”, e
especificou a área da saúde.

Outro teórico que é considerado um dos maiores defensores do livre mercado e


que também fez inúmeras concessões à atuação do estado foi Milton Friedman; e
ele é igualmente utilizado pelos detratores do livre mercado, como constatou Hans-
Hermann Hoppe anos depois da previsão de Rothbard:

… fazer concessões em nível de teoria, como vemos acontecer, por


exemplo, entre liberais moderados como Hayek e Friedman, ou
mesmo entre os chamados minarquistas, não apenas denota uma
grande falha filosófica, como também é uma atitude, do ponto de
vista prático, inútil e contraproducente. As ideias destas pessoas
podem ser — e de fato são — facilmente cooptadas e incorporadas
pelos governantes e pelos ideólogos do estado. Aliás, não é de se
estranhar a frequência com que ouvimos estatistas defendendo a
agenda estatista dizendo coisas como “até mesmo Hayek
(Friedman) diz — ou, nem mesmo Hayek (Friedman) nega — que
isto e aquilo deve ser feito pelo estado!” Pessoalmente, eles até
podem ter ficado descontentes com isso, mas não há como negar
que suas obras serviram exatamente a este propósito; e,
consequentemente, queiram ou não, eles realmente contribuíram
para o contínuo e incessante crescimento do poder do estado.

Hayek e Friedman são mundialmente aclamados como os representantes


máximos do livre mercado; logo, este artifício não conhece fronteiras — e no Brasil
também foi e é utilizado por estatistas. O primeiro economista brasileiro a propor
um programa de renda mínima foi Antônio Maria da Silveira, no artigo
Redistribuição de Renda, publicado na Revista Brasileira de Economia, em abril de
1975 — e, para tal, ele se baseou nos trabalhos dos liberais Friedman e Hayek,
além de nos de outros economistas socialistas.[3] E foi um grande amigo de
Antônio Maria um dos maiores responsáveis pela implementação do programa
assistencialista no Brasil: o senador Eduardo Matarazzo Suplicy. Juntamente com
o senador Cristovam Buarque, eles podem ser considerados os pais do Bolsa
Família. E, exatamente como previsto por Rothbard, também se utilizaram do
artifício “Até mesmo Hayek e Friedman” na defesa de suas propostas:

Podemos encontrar defensores da renda mínima e do imposto de


renda negativo dentre aqueles que se posicionaram com mais
eloquência em favor do capitalismo. Friedrich A. von Hayek,
ganhador de um prêmio Nobel de Economia, defende, em O
caminho da servidão(1994), no capítulo sobre segurança e
liberdade, proteção contra privações físicas severas e garantia de
que um mínimo de meios de subsistência deve ser dado a todos.
George Stigler (The economics of minimum wage legislation,
American Economic Review, n. 36, jun. 1946) mostrou que o imposto
de renda negativo seria a melhor forma de proteger a remuneração
daqueles que, de outra forma, ganhariam muito pouco. Milton
Friedman popularizou a defesa do imposto de renda negativo como
o instrumento mais eficiente no combate à pobreza (Capitalism and
freedom, University of Chicago Press, 1962).[4]

Hayek e Friedman poderiam discordar de determinadas particularidades do Bolsa


Família ou de outros programas de renda mínima, mas o fato de eles aceitarem
conceitualmente um programa estatal de amparo aos necessitados já serviu para
desmantelar qualquer oposição que poderia existir a estes programas. Inclusive,
Hayek e Friedman parecem discordar entre si nas particularidades de seus
programas. Hayek declarou que era totalmente contra o programa de Imposto de
Renda Negativo de Friedman, e que concordava com a refutação que Henry Hazlitt
havia feito dele. Não obstante, a proposta de Friedman parece ser menos ruim que
a de Hayek, pois Friedman a desenvolveu para ser apenas um substituto de outras
ações assistencialistas do estado. E mais, Hayek é mesmo uma figura confusa,
parecendo discordar dele próprio. Nesta entrevista realizada anos após a
publicação de suas principais obras, ele se posiciona contra qualquer tipo de
redistribuição de renda, pois estas políticas seriam discriminatórias ao fazerem
distinção entre diferentes grupos de pessoas — uma posição irreconciliável com
seus escritos anteriores.

Friedman também discordou de particularidades de outros programas, como o


EITC (Earned income tax credit), mas concordou com o princípio redistributivista,
como mostraram Suplicy e o professor Philippe Van Parijs[5] em entrevista que
realizaram com Friedman. Respondendo a uma questão sobre o EITC, Friedman
diz:

O EITC contribuiu para erradicar a pobreza nos EUA. Eu não


acredito que tenha sido uma ferramenta extremamente eficiente
devido à forma particular pelo qual ele se integra ao imposto de
renda. Tem dado margem a abusos.[6]

E quando Suplicy pede para Friedman comparar sua proposta de Imposto de


Renda Negativo à do renda do cidadão, Friedman diz que ambas são
semelhantes, como o professor Philippe Van Parijs comenta: “Esta é uma
afirmação muita clara da equivalência formal entre os dois esquemas, o que
sugere que Friedman é tão a favor de uma proposta quanto de outra”.[7]

Detalhes a parte, o maior erro de Hayek e Friedman foi o de não considerarem um


princípio elementar de ética e justiça. Para haver qualquer forma de renda mínima,
esta renda tem de vir de algum lugar. Se o amparo aos mais necessitados vem de
Igrejas, instituições ou indivíduos privados, a renda tem origem voluntária, por
meio de doações de pessoas que desejam destinar parte de seus bens para
caridade. No entanto, se é o estado quem fornece a renda mínima, então este
recurso é obtido por meio da agressão ou da ameaça de agressão física dos
produtores, isto é, por meio do roubo. Frédéric Bastiat expressou brilhantemente
este princípio em 1850:

é-me impossível separar a palavra fraternidade da palavra


voluntária. Eu não consigo sinceramente entender como a
fraternidade pode ser legalmente forçada, sem que a liberdade seja
legalmente destruída e, em consequência, a justiça seja legalmente
deturpada. A espoliação legal tem duas raízes: uma delas, como já
lhe disse anteriormente, está no egoísmo humano; a outra, na falsa
filantropia.[8]

Se algo é compulsório, então não é caridade mas sim agressão. O conceito de


caridade compulsória é contraditório, pois considera apenas o recebedor e ignora
o espoliado. Se caridade significa ajudar, quem é que está ajudando a pessoa que
está sendo obrigada, sob a mira de um revólver, a entregar parte de sua renda
para que ela seja dada a outra pessoa? É esta a base de qualquer programa de
redistribuição de renda feito pelo estado, pois para haver algo para distribuir é
necessário que este algo tenha sido previamente produzido e retirado à força dos
produtores. ‘Não é seu para dar’ é um conceito que até pouco tempo era
amplamente compreendido até mesmo por políticos socialistas, como Herbert
Hoover, que estendeu os tentáculos do estado a inúmeras áreas, mas tinha
ressalvas quanto à caridade:

A assistência voluntária era praticamente a única esfera em que o


presidente Hoover parecia preferir de todo o coração a ação
voluntária à governamental. No outono anterior, Hoover havia se
recusado a convocar uma sessão especial do Congresso para a
assistência ao desemprego dizendo que isso era responsabilidade
das agências voluntárias. De fato, a tradição voluntarista ainda era
tão forte nessa área, que a Cruz Vermelha opôs-se a um projeto de
lei, no começo de 1931, que lhe concederia US$ 25 milhões para
prestar assistência. A Cruz Vermelha declarou que seus próprios
fundos bastavam, e seu Presidente disse a um comitê da Câmara
que essa verba do congresso “em grande medida destruiria a
doação voluntária”. Muitos líderes locais da Cruz Vermelha
opunham-se fortemente a qualquer ajuda federal, e até mesmo a
qualquer assistência pública de modo geral, de modo que o projeto
de lei, após passar pelo Senado, foi derrubado na Câmara. Muitas
organizações privadas de caridade, filantropos e assistentes sociais
tinham a mesma opinião.[9]

É inegável que Hayek e Friedman colaboraram muito na luta contra a tirania


estatal. Porém, eles não são nem de longe os autores que melhor representam a
liberdade; e é inegável também que eles apoiaram muitas posições contrárias à
liberdade. E é exatamente por causa de todas as concessões que estes autores
fizeram aos estatistas, que a esquerda os alçou à posição de maiores e mais
radicais representantes do livre mercado, ao passo que pensadores realmente
radicais como Mises e Rothbard foram jogados para fora do debate. Hayek e
Friedman são os inimigos que a esquerda adora odiar. De fato, eles não são
inimigos — eles fazem parte da esquerda, e são aceitos e respeitados pelo
mainstream (que é esquerdista).[10]

Libertários não seguem pessoas; nós seguimos ideias. Aqui mesmo no Instituto
que leva seu nome, criticamos diversas ideias de Ludwig von Mises, e não
pretendemos fazer “culto à personalidade” nem de Mises, nem de Rothbard e nem
de ninguém. Mas o fato é que alguém inevitavelmente será identificado como o
líder intelectual de um movimento, e a esquerda já nomeou os atuais “líderes”. Não
temos líderes, mas se existem pessoas cuja obra representa melhor a defesa da
liberdade, estas pessoas são Mises e Rothbard.

_______________________________________

Notas:

[1] A proposta de “dividendo universal” de Paine, que garantiria uma renda mínima
a todos, é baseada em sua ideia de que todo ser humano do planeta é
coproprietário da terra apenas em virtude de ter nascido neste planeta e de estar
vivo. Já o proviso de Locke dizia que os indivíduos podiam se apropriar da terra
‘misturando seu trabalho a ela’, contanto que sobrasse o suficiente para que outros
também pudessem se apropriar de porções semelhantes. Veja a refutação do
proviso lockeano em Rothbard, capítulo 29 do A Ética da Liberdade; Hoppe, pág.
410 et pass. The Economics and Ethics of Private Property; e de Jasay, págs. 188
e 195 do Against Politics.

[2] Dois anos depois, quando Rothbard recebeu e analisou a obra completa, ele
elogiou a erudição da obra — principalmente pelo valioso conteúdo de suas notas
— e enalteceu alguns capítulos específicos, mas no geral sua avaliação continuou
a mesma. Hayek havia fracassado monumentalmente em sua tentativa de
estabelecer um sistema em prol da liberdade. Murray N. Rothbard vs. the
philosophers: unpublished writings on Hayek, Mises, Strauss, and Polanyi,
capítulos 2 e 3, Roberta Adelaide Modugno — Auburn, Alabama: Ludwig von
Mises Institute, 2009. Para uma crítica devastadora de Os Fundamentos da
Liberdade, veja: F.A. Hayek e o conceito de coerção, em A Ética da Liberdade,
Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, capítulo 28.

[3] Homenagem a Antônio Maria da Silveira, Eduardo Matarazzo Suplicy.

[4] SUPLICY, Eduardo Matarazzo e BUARQUE, Cristovam. Garantia de renda


mínima para erradicar a pobreza: o debate e a experiência brasileiros. Estud. av.
[online]. 1997, vol.11, n.30.

[5] O professor Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain, é um


filósofo e economista político belga, conhecido como proponente e principal
defensor do conceito da renda mínima. É um dos fundadores e secretário-geral da
“BIEN”, “Basic Income European Network” (Rede Europeia da Renda Básica),
fórum que defende a instituição de uma renda básica em todas as nações.

[6] UM DIÁLOGO COM MILTON FRIEDMAN SOBRE O IMPOSTO DE RENDA


NEGATIVO, paper de EDUARDO M. SUPLICY. Basic Income European Network,
VIIIth International Congress, Berlin, 6-7 de outubro de 2000.

[7] Ibid., pág. 9.

[8] A Lei, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, pág. 24.

[9] A grande depressão americana, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, pág.
281.

[10] “The Hayek Myth”, PFS 2012, Hans Hermann Hoppe..

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Por Fernando Chiocca| 06 março,2013


Rothbard, Friedman e a Grande Depressão – quem
afinal estava certo?

Em seu livro A Grande


Depressão Americana, publicado originalmente em 1963, Murray Rothbard
argumenta que o processo de ajuste econômico via recessão, que começou em
1929, foi enormemente agravado e transformado em uma escabrosa depressão
por causa das políticas implementadas pelo governo Herbert Hoover. Dentre as
políticas hooverianas que reprimiram o processo de ajuste, Rothbard identificou
algumas principais: programas de obras públicas, aumentos dos impostos e a
imposição da tarifa protecionista Smoot-Hawley. Porém, havia uma política que
prevalecia sobre todas as outras: as medidas adotadas por Hoover para impedir o
ajuste para baixo dos salários nominais, pressionando os grandes industrialistas a
não cortar (aliás, em alguns casos até a aumentar) os salários de seus
funcionários.

A explicação de Rothbard sobre como um processo de ajuste recessivo que tinha


tudo para ser temporário e benigno acabou se tornando uma Grande Depressão é
oposta à explicação que Milton Friedman e Anna Schwartz apresentaram em sua
obra clássica Uma História Monetária dos Estados Unidos, 1867-1960, também
publicada em 1963.

De acordo com Friedman-Schwartz, foi o colapso da oferta monetária – devido à


negligência do Fed – que transformou o que seria uma “recessão corriqueira” em
uma Grande Depressão. Essa visão da dupla Friedman-Schwartz passou a
dominar a macroeconomia tradicional após o colapso do consenso keynesiano na
década de 1970. Com efeito, hoje ela representa a explicação convencional para
a Grande Depressão, e é a ela que Ben Bernanke – assim como praticamente
todos os presidentes dos bancos centrais mundiais – recorre como resposta à
atual crise financeira.

Assim, durante décadas, Rothbard e um punhado de economistas misesianos


estavam virtualmente sozinhos quando argumentavam que foram as políticas
intervencionistas de Hoover, principalmente o impacto delas no mercado de
trabalho industrial, as principais responsáveis por transformar o que deveria ter
sido uma recessão curta e profunda em uma catástrofe econômica de proporções
épicas que hoje conhecemos como a “Grande Depressão”.

Eis que surge agora um artigo publicado pelo National Bureau of Economic
Research(NBER), escrito por um proeminente economista com impecáveis
credenciais acadêmicas – e aceito para publicação pelo influente Journal of
Economic Theory – , que desafia a visão da dupla Friedman-Schwartz e dá ampla
evidência à posição de Rothbard sobre a gênese da Grande Depressão. Para
escrever seu artigo Who – or What – Started the Great Depression(Quem – Ou o
Quê – Iniciou a Grande Depressão), o economista Lee E. Ohanian, da UCLA,
passou quatro anos examinando e analisando minuciosamente dados salariais e
coletando informações de fontes relacionadas a Hoover e ao seu governo.[1]

Com o intuito de quantificar a magnitude dos efeitos do programa trabalhista de


Hoover sobre o mercado de trabalho industrial, Ohanian utilizou esses dados e
fontes para construir e calcular um modelo de equilíbrio geral da economia sob
Hoover. Utilizando esse mesmo modelo, ele comparou dois resultados: um obtido
com o programa de Hoover e ou outro, sem.

Ohanian sustenta que a política hooveriana de estimular salários e encorajar a


partilha das mesmas funções entre os funcionários de uma mesma empresa “foi
especificamente o evento mais importante na precipitação da Grande Depressão”
e resultou em “uma significativa distorção do mercado de trabalho”.

Dessa forma, “a recessão foi três vezes pior – no mínimo – do que teria sido caso
contrário, por causa de Hoover”.

A principal razão é que, em setembro de 1931, os salários nominais eram 92% de


seu valor de dois anos antes. Mas como havia ocorrido uma significativa deflação
de preços durante esses dois anos, os salários reais na verdade aumentaram 10%
durante esse mesmo período, ao passo que o Produto Interno Bruto (PIB) havia
caído 27%. Em contraste, durante os anos 1920-1921, um período em que
também houve uma severa deflação, “alguns salários da indústria haviam caído
30%. O PIB, por sua vez, havia caído apenas 4%”.

A tabela a seguir mostra os salários monetários (nominais) e os reais, por hora de


trabalho, tomando-se como base 100 o ano de 1929:
Como observa Ohanian, “A Depressão representou a primeira vez na história dos
EUA que os salários não caíram durante um período de significativa
deflação”. Ohanian estima que o severo desequilíbrio no mercado de trabalho
causado pelas políticas de Hoover explica 18% desse declínio de 27% ocorrido no
PIB dos EUA até o quarto trimestre de 1931. Apenas para esclarecer a linguagem
matemática: Ohanian está dizendo que apenas as políticas salariais de Hoover
derrubaram o PIB em 18% no período 1929-1931.

Já em relação às hoje convencionais explicações para a Grande Depressão, tais


como falências bancárias em larga escala e a severa contração da oferta
monetária, Ohanian mostra que esses dois eventos ainda não haviam ocorrido em
escala significativa até meados de 1931, dois anos após a implementação das
políticas trabalhistas de Hoover, iniciadas já em 1929.

Ademais, argumenta Ohanian,

Toda e qualquer explicação sobre a Depressão requer uma teoria de


não-neutralidade monetária que seja muito abrangente e muito
prolongada. Porém, tal teoria até hoje é indefinível, pois a
Depressão foi muito maior do que qualquer outra recessão, e
também porque explicar a persistência de tamanha não-neutralidade
requer, por sua vez, uma teoria que explique por que as forças
econômicas convencionais, que em ultima instância anulam a não-
neutralidade monetária, estavam totalmente ausentes nesse
episódio.

A conclusão do artigo de Ohanian é bastante – sinto-me tentado a dizer


“explicitamente” – rothbardiana.

A Grande Depressão que rapidamente suplantou e distorceu o benigno processo


de ajuste recessivo da economia americana não foi de modo algum causadopela
deflação monetária, mas pelas rigidezes salariais impostas pelo governo, as quais
obviamente poderiam ser temporariamente contornadas pela redução furtiva dos
salários reais via expansão monetária.
Assim, escreve Ohanian:

Concluo que a Depressão foi consequência de programas e políticas


governamentais, incluindo aquelas de Hoover, que aumentaram o
poder que a mão-de-obra tinha de elevar os salários acima de seus
níveis competitivos. A Depressão teria sido muito menos severa na
ausência desse programa. Similarmente, e considerando-se esse
programa de Hoover, a Depressão teria sido muito menos severa
caso a política monetária tivesse respondido de forma a impedir que
os preços tivessem caído, que foi o que fez aumentar os salários
reais. Essa análise também fornece uma teoria que explica por que
os baixos gastos nominais – ao que alguns economistas se referem
como ‘demanda agregada insuficiente’ – geraram tamanha
depressão nos anos 1930, porém não tiveram o mesmo efeito no
início dos anos 1920, que foi um período de semelhante deflação e
contração monetária, porém um em que as empresas reduziram
consideravelmente os salários nominais.

Isso nos deixa uma pergunta muito interessante.

Temos aqui um artigo, escrito por um eminente macroeconomista de uma


universidade de primeira linha, que é uma monografia da NBER e que logo será
publicada no altamente conceituado Journal of Economic Theory.

Seria isso o suficiente para apaziguar aqueles economistas austríacos que


rejeitam a análise de Mises e Rothbard sobre a Grande Depressão e fazem a
alegação bizarra de que a fase inflacionária e o declínio inicial ocorrido em 1929
são explicados corretamente pela teoria austríaca dos ciclos econômicos, porém
que essa mesma teoria deve ser complementada pela teoria da dupla Friedman-
Schwartz, que é a única que explica a severidade da fase contracionista ocorrida
em 1930-1933?

_______________________________________________

[1] O artigo de Ohanian está disponível online como PDF. Uma reportagem sobre
o artigo baseada em uma entrevista com o autor está disponível
em http://newsroom.ucla.edu/portal/ucla/pandering-to-labor-caused-great-
91447.aspx. As citações do presente artigo foram retiradas de ambas as fontes
supracitadas.

Todos os artigos sobre a Grande Depressão:

O New Deal ridicularizado (novamente)

Como Franklin Roosevelt piorou a Depressão


Hoover e a fraudulenta história da Grande Depressão

Mais falácias sobre a Grande Depressão

À espera de um novo New Deal

O mundo confuso e invertido de John Maynard Keynes

Como evitar uma outra Depressão

O melhor presidente do século XX

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Por Joseph Salerno| 02 janeiro,2010

O padrão-ouro e a regra monetária de Friedman: qual


de fato pode estabilizar a economia?

Em meio a mais
séria crise financeira desde a Grande Depressão, alguns economistas estão
atualmente tentando inventar soluções para estabilizar o sistema financeiro. A
maioria dos especialistas é da visão de que um maior controle dos mercados
financeiros é a resposta. O falecido professor Milton Friedman ficaria desalentado
por tais idéias. Ele dizia que a raiz da instabilidade financeira está nas políticas
reativas do banco central – ou as políticas monetárias contracíclicas.
Friedman sustentava que tais políticas são o fator-chave por trás das flutuações na
oferta monetária e, portanto, das flutuações na atividade econômica. De acordo
com Friedman, o que é necessário para se eliminar as flutuações é que os
estrategistas políticos do banco central persigam uma política em que a oferta
monetária cresça a uma taxa fixa:

Minha escolha nesse momento seria uma regra legislativa


ordenando a autoridade monetária a executar uma taxa de
crescimento específica no estoque de dinheiro. Para esse propósito,
eu definiria o estoque de dinheiro como sendo o papel-moeda fora
da rede bancária (papel-moeda em poder do público) mais todos os
depósitos dos bancos comerciais. Eu especificaria que o Banco
Central deveria assegurar que o estoque total de dinheiro assim
definido aumentasse mês a mês e, de fato, tanto quanto for possível,
dia a dia, a uma taxa anual de X por cento, onde X é algum número
entre 3 e 5. A exata definição de dinheiro adotada e a exata taxa de
crescimento escolhida fazem muito menos diferença do que a
escolha clara de uma definição específica e de uma taxa de
crescimento específica.[1]

Agora, se flutuações econômicas ou ciclos de expansão e recessão são causados


por flutuações na oferta monetária, então faz muito sentido querer eliminar tais
flutuações na taxa de crescimento do dinheiro. Portanto, nesse sentido, a regra da
taxa fixa de crescimento da oferta monetária é a solução perfeita.

Entretanto, contrariamente a Friedman, sugerimos que o boom (expansão)


econômico não se deve apenas a um aumento na taxa de crescimento da oferta
monetária; se deve também a várias atividades não produtivas (bolhas) que
brotam no rastro da crescente taxa de aumento da oferta monetária. Além disso,
uma recessão econômica não é caracterizada por uma queda na taxa de
crescimento da oferta monetária; ela é caracterizada pela eliminação de várias
atividades não produtivas como conseqüência do declínio na taxa de crescimento
da oferta monetária.

Quando a oferta monetária é aumentada do nada (como ocorre quando o banco


central imprime dinheiro e/ou os bancos praticam reservas fracionárias), o
chamado “efeito falsificação” é ativado. Ele gera as bases para as atividades não
produtivas (bolhas), que consomem o conjunto da poupança real e não adicionam
nada a ele. Essas atividades desviam para si o estoque da poupança real, que, de
outra maneira, iria para as atividades geradoras de riqueza. E como essas
atividades agora estão sem sua principal fonte de financiamento, a capacidade de
a economia crescer sustentavelmente fica fortemente afetada.

Esse desvio ocorre porque aqueles indivíduos que são os primeiros a receber o
novo dinheiro recém impresso, ao gastá-lo, irão elevar os preços dos bens. E os
genuínos geradores de riqueza que não receberam o dinheiro recém impresso
descobrem que, agora, eles conseguirão comprar menos bens do que antes, por
causa do aumento dos preços. (Para entender melhor esta importante idéia,
vereste artigo e este. Não prossiga caso não esteja familiarizado com essa teoria).
Uma queda nessa oferta monetária irá solapar as várias atividades não produtivas
que surgiram como conseqüência da expansão monetária. Logo, a capacidade que
essas atividades têm de desviar a poupança real – que normalmente iria para os
geradores de riqueza – para si própria será restringida.

Observe que, uma vez que atividades não produtivas (bolhas) não geram qualquer
riqueza real, elas não podem obter os bens que necessitam sem o uso do dinheiro
que foi criado do nada.

Um grande problema com a regra de Friedman é que ainda continuaremos tendo


uma expansão da oferta monetária com dinheiro sendo criado do nada. (Lembre-
se que Friedman defende a expansão do dinheiro a uma porcentagem constante).
Isso, por sua vez, significa que várias atividades não produtivas serão geradas.

Uma vez que a porcentagem de atividades não produtivas, dentre todas as


atividades, começa a aumentar, cresce a probabilidade de se aumentar a
quantidade de ativos ruins em posse dos bancos. Consequentemente, a expansão
creditícia dos bancos tende a diminuir, e isso, por conseguinte, irá enfraquecer a
taxa de crescimento da oferta monetária.

Uma queda na taxa de crescimento do dinheiro irá solapar várias atividades não
produtivas. E isso irá gerar a recessão econômica.

Disso podemos deduzir que, por causa da conduta dos bancos, não é possível
manter uma taxa de crescimento constante da oferta monetária. Isso significa
simplesmente que a regra de Friedman não pode ser implementada. Com efeito, o
Federal Reserve (o banco central americano), no início dos anos 1980, tentou
implementar essa regra de Friedman, mas foi malsucedido.

Entretanto, assumamos a hipótese irrealista de que o banco central tenha êxito em


manter a taxa de crescimento da oferta monetária em um número fixo. Será que
isso levaria à estabilidade econômica, como foi sugerido por Milton Friedman?

Já vimos que imprimir dinheiro do nada, sem qualquer lastro, estimula a criação de
atividades falsas (não produtivas). Portanto, se a regra do crescimento da oferta
monetária a uma taxa fixa fosse aplicada, com o tempo ela levaria a uma
expansão das atividades não produtivas. E isso, como já vimos, irá debilitar as
atividades que geram riqueza genuína, o que, consequentemente, irá solapar a
economia real.

Quanto maior for o tempo que a regra de Friedman estiver em execução, pior será
para as atividades geradoras de riqueza – e, portanto, para os fundamentos da
economia. Em algum ponto, quando a porcentagem de atividades falsas superar
50% de toda a economia, esta entrará em colapso.

Podemos então concluir que a regra monetária de Friedman é apenas mais uma
outra maneira de se interferir na economia; ela não pode levar à estabilidade
econômica.

A melhor solução – oferecida pela escola austríaca de economia – é tentar trazer


de volta a moeda escolhida voluntariamente pelo mercado: o ouro.
Mas mesmo se trouxermos de volta o padrão-ouro, a taxa de crescimento da oferta
monetária irá flutuar. Lembre-se que flutuações na oferta monetária, em um
sistema econômico cuja moeda seja uma commodity como o ouro, estão
associadas a flutuações na atividade econômica. Disso, é possível que alguém
esteja tentado a concluir que, mesmo sob um padrão-ouro, os ciclos de
crescimento e recessão não podem ser eliminados. Mas seria verdade que
aumentos na oferta de ouro irão gerar distorções similares àquelas geradas por
aumentos do papel-moeda empreendidos por um banco central e por um sistema
bancário de reservas fracionárias? Sugere-se que esse não é caso. Eis o porquê.

O padrão-ouro e os ciclos de expansão e depressão

Comecemos com uma economia de escambo. João o minerador produz dez onças
de ouro. A razão pela qual ele escava minas à procura de ouro é porque ele crê
que haja um mercado para o produto. O ouro contribui para o bem-estar dos
indivíduos. Ele troca suas dez onças de ouro por vários outros bens como batatas
e tomates. Observe que o fato de João poder trocar seu ouro por outros bens
significa que o ouro oferece benefícios aos compradores. (Por exemplo, as
pessoas utilizam ouro para fazer jóias).

Com o tempo, as pessoas descobrem que o ouro, além de ser utilizado para fazer
jóias, também é útil para algumas outras aplicações. Elas agora atribuem um valor
de troca ao ouro muito maior do que antes. Como resultado, João o minerador
pode agora trocar suas dez onças de ouro por mais batatas e tomates.

Deveríamos condenar isso como sendo uma notícia ruim pelo simples fato de João
agora estar atraindo mais recursos para si próprio? É claro que não, até porque
isso é exatamente o que acontece a todo o momento no mercado. Com o passar
do tempo, as pessoas atribuem uma importância maior a alguns bens e diminuem
a importância dada a alguns outros bens. Alguns bens passam a ser considerados
mais importantes do que outros bens em termos da assistência e do bem-estar
que propiciam.

E mais adiante, suponha que as pessoas descobrem – como inevitavelmente irão


– que o ouro é útil para um outro uso específico: servir como meio de troca. Isto,
consequentemente, vai valorizar o ouro (aumentar o seu preço) em termos de
tomates e batatas. A demanda mais notória do ouro, nesse momento, é por sua
função como meio de troca. A demanda por suas outras funções – isto é, para
ornamentações – é agora muito menor do que antes.

O benefício que o ouro agora confere às pessoas é o de fornecer os serviços de


meio de troca. Nesse sentido, o ouro passa a fazer parte do conjunto da riqueza
real das pessoas, além de manter suas outras funções de propiciar um bem-estar
e assistir a vida das pessoas. Quando João o minerador troca ouro por bens, ele
está empreendendo uma troca de alguma coisa por outra coisa (ao contrário de
quando se imprime dinheiro sem lastro, que equivale a trocar alguma coisa por
nada). No caso do ouro, o minerador está trocando riqueza por riqueza.

Vejamos o que acontece se João aumentar a produção de ouro. Um dos atributos


de se selecionar o ouro como meio de troca é que ele é relativamente escasso.
Isso significa que, ao trocar um bem por ouro, o produtor desse bem espera que o
seu poder de compra seja preservado com o tempo, por meio da retenção desse
ouro.

Se, por alguma razão, houver um aumento grande e persistente na produção de


ouro, o valor de troca do ouro estará sujeito a um persistente declínio em relação a
outros bens, tudo o mais constante. À medida que a oferta de ouro começar a
aumentar, sua função de meio de troca tenderá a diminuir, ao passo que sua
demanda para outros usos tenderá a se manter ou a aumentar.

Portanto, nesse sentido, o aumento na produção de ouro irá aumentar o conjunto


da riqueza real. (As pessoas podem até abandonar o ouro como meio de troca,
mas ainda o considerarão útil para outras aplicações). Observe que o aumento na
oferta de ouro não é um ato de fraude ou de apropriação indevida. O aumento na
oferta de ouro não produz uma troca de nada por alguma coisa.

Compare tudo isso à impressão de recibos (cédulas) de ouro que não estejam
lastreados 100% por ouro – ou seja, dinheiro criado do nada (exatamente como o
banco central e o sistema bancário de reservas fracionárias fazem). Trata-se de
um ato de fraude, que na verdade é o que a inflação é. Ela cria um cenário em que
o consumo é feito sem qualquer contribuição ao conjunto da riqueza real.
Certificados vazios, sem qualquer lastro, geram uma troca de nada por alguma
coisa, que por sua vez leva aos ciclos de expansão e recessão.

Relembrando: no caso do aumento na oferta de ouro, nenhuma fraude é cometida.


O fornecedor de ouro – a mina de ouro – aumentou a produção de uma commodity
útil. Logo, nesse sentido, não temos aqui uma troca de nada por alguma coisa.
Consequentemente, também não teremos a aparição de bolhas. O produtor de
riquezas, por ele ter produzido alguma coisa útil, poderá trocar isso por outros
bens. Ele não precisará de dinheiro artificial para desviar riqueza real para ele.
Tivesse ele simplesmente criado cédulas de papel – ou dinheiro eletrônico, no
caso do sistema bancário – ele seria capaz de adquirir bens (riqueza real) sem ter
de dar nada em troca.

Sob um padrão-ouro, um aumento na taxa de crescimento do dinheiro, que é o


ouro, não gerará a aparição de bolhas – isto é, não haverá um boom econômico
artificial. Uma queda na taxa de crescimento do dinheiro não desencadeará um
declínio econômico – já que não houve a criação de bolhas que seriam destruídas
por uma taxa menor de crescimento da oferta monetária.

Observe que é o desaparecimento de dinheiro – como ocorre quando o dinheiro é


criado do nada – a maior causa de um declínio econômico. A injeção de dinheiro
artificial gera a criação de bolhas, ao passo que o desaparecimento desse dinheiro
destrói essas bolhas.

Sob um padrão-ouro genuíno, onde o ouro é a moeda e não há (ou há em termos


mínimos) reservas fracionárias, isso não tem como ocorrer. Em um padrão ouro
puro, sem um banco central, o dinheiro é o ouro. Consequentemente, sob um
padrão-ouro, é improvável que o dinheiro desapareça, uma vez que o ouro não
pode desaparecer a menos que seja fisicamente destruído. Podemos assim
concluir que o padrão-ouro, caso não sofra adulterações, não conduz a ciclos de
expansão e recessão.
Conclusões

O famoso economista Milton Friedman observou que flutuações na taxa de


crescimento da oferta monetária poderiam ser um importante fator por trás dos
ciclos econômicos. Ele sugeriu que os bancos centrais deveriam adotar uma
política em que a taxa de crescimento da oferta monetária fosse estabilizada em
alguma porcentagem – entre 3 e 5% – e que esse número fosse mantido por um
tempo indefinido. Friedman argumentava que, ao manter a taxa de crescimento da
oferta monetária em uma porcentagem fixa, o banco central poderia manter a
economia em uma rota de crescimento estável, sem ciclos econômicos. Essa regra
monetária de Friedman, entretanto, ainda envolve a impressão não lastreada de
dinheiro e, por isso, irá gerar o mesmo efeito que qualquer sistema monetário
baseado na impressão não lastreada de dinheiro: ciclos de expansão e recessão.
Apenas um padrão-ouro puro está imune aos ciclos econômicos.

Tradução de Leandro Roque

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Por Frank Shostak| 21 novembro,2008

Friedman e o Fed: será que liquidez é a solução?

Recentemente ouvi uma entrevista de


rádio em que um eminente economista estava defendendo as medidas tomadas
pelo presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), Ben Bernanke,
para estimular os mercados em Wall Street. Bernanke, disse enfaticamente o
economista, passou anos estudando os “equívocos” do Fed durante a Grande
Depressão e não iria repetir os “erros” que os diretores do Fed cometeram de 1930
a 1933.

Os “erros” aos quais se referia o economista foram delineados pelo falecido Milton
Friedman em dois livros:Uma História Monetária dos Estados Unidos (escrito com
Anna Schwartz), de 1963, e seu famoso Liberdade de Escolher(com Rose
Friedman), publicado em 1979. De acordo com Friedman e seus co-autores, o
colapso econômico que ocorreu nos EUA de 1930 a 1933 se deu porque o Federal
Reserve System não agiu corretamente em face dos pânicos e colapsos
bancários, levando a uma maciça contração da quantidade de dinheiro em
circulação, o que ao final levou à calamidade.

Friedman construiu seus argumentos como forma de contrabalançar a explicação


comum para a Grande Depressão – a de que ela era o resultado de “contradições
internas” do capitalismo. A explicação típica, popularizada por John Kenneth
Galbraith e pelos tagarelas keynesianos que proliferaram nas universidades norte-
americanas, era a de que o sistema capitalista tendia ao “subconsumo” – ou à sua
gêmea maligna, a “superprodução”.

(Galbraith dizia que o subconsumo ocorreu porque a “diferença” de renda entre os


ricos e os pobres havia crescido durante os anos 1920 – outro resultado “natural”
do capitalismo -, enquanto John Maynard Keynes e seus seguidores diziam que os
gastos com investimentos privados eram voláteis por causa do “animal spirits” dos
investidores. Por algum motivo intrínseco, esse sistema entrava em uma espiral
descendente e auto-multiplicadora sempre que os investidores privados não se
mostravam dispostos a jogar mais dinheiro na economia).

Aqueles que diziam que a Grande Depressão foi causada pelas “falhas” do livre
mercado estavam todos muito felizes e ansiosos para mostrar suas próprias
“soluções”, o que incluía tentativas de se cartelizar toda a economia norte-
americana ou de forçar os salários para cima, via aumento da legislação do
salário-mínimo ou através do apoio ao crescimento dos sindicatos. Alguns, como
Galbraith, foram ainda mais longe e advogaram um socialismo absoluto e um
completo planejamento econômico central. O sistema de livre mercado, eles
argumentavam, é muito inerentemente instável para ser deixado aos seus próprios
caprichos. (Esse é o mesmo argumento que Paul Krugman faz de seu poleiro,
duas vezes por semana, na página de opiniões do The New York Times.)

Assim, Friedman estava procurando não só explicar por que ele acreditava que a
Grande Depressão ocorreu, como também estava tentando defender o sistema de
livre mercado, ou ao menos tentando defender grande parte do sistema de livre
mercado. Mas ele argumentava que havia uma parte do sistema que estava
destinada ao fracasso, e essa parte era o sistema monetário.

Por si só esse ponto é bastante interessante, dado que Friedman estava disposto
a aceitar um sistema monetário gerido pelo governo – dinheiro “socialista” –
mesmo ele tendendo a condenar outras coisas que fossem socialistas. Entretanto,
ele também estava disposto a admitir que o sistema bancário de reservas
fracionárias (o qual ele endossava entusiasmadamente) estava sujeito a todas as
instabilidades que se espera de um sistema monetário no qual múltiplas
reivindicações são feitas contra uma única fonte.

Entretanto, não é minha intenção concentrar na inconsistência de Friedman. Em


vez disso, vou me concentrar mais especificamente em sua alegação de que a
Grande Depressão poderia ter sido evitada caso o Fed tivesse fornecido “liquidez”
suficiente ao sistema. Isso é mais do que um mero exercício esotérico, pois parece
que Bernanke andou roubando uma página – ou, talvez, um número de páginas –
do roteiro de Friedman.

A última medida do Fed – permitir que cambaleantes instituições financeiras usem


títulos hipotecários quase que sem valor como garantia para empréstimos de $200
bilhões feitos pelo próprio Fed – é apenas mais um exemplo da promessa de
Bernanke de “fornecer liquidez” a todo o momento, como se a crise real nesse
caso fosse meramente uma falta de dinheiro circulando no sistema financeiro da
nação. O problema aqui é que a tese original de Friedman estava errada, e a idéia
pela qual Bernanke ficou famoso – metaforicamente, jogar dinheiro de um
helicóptero para estimular a economia – é tão insensata quanto a tese de
Friedman.

O livro de Murray Rothbard, America’s Great Depression, foi publicado


ironicamente também em 1963, mas conta uma história bem diferente daquela de
Friedman. O livro de Rothbard mostra que o colapso econômico de 1930 a 1933
aconteceu não porque o Fed simplesmente falhou em fornecer “liquidez” ao
sistema, mas, sim, porque o governo interveio em um declínio econômico e foi
capaz de transformar uma recessão em uma completa calamidade.

Por exemplo, Friedman observa (acuradamente) que ocorreram mais de 4.000


falências bancárias durante esse período e ele quer que de algum modo
acreditemos que se o Fed tivesse emprestado dinheiro suficiente (através de sua
máquina de impressão de cédulas) para um número suficiente de bancos, não
teríamos visto tantas falências bancárias. Entretanto, ele não menciona algo que é
muito importante: a aprovação da lei tarifária Smoot-Hawley, em 1930.

Essa infame tarifa, aprovada e assinada pelo presidente Herbert Hoover, não
obstante os apelos de mais de 1.000 economistas que assinaram uma carta
incitando-o a vetar o projeto de lei, não apenas tornou quase impossível importar
bens de capital e de consumo do exterior, como também destruiu o mercado de
exportações para os agricultores norte-americanos. Desse modo, um projeto de lei
aprovado com o intuito de aumentar os preços de produção do país acabou por
levar a uma redução dos preços dos produtos agrícolas.

A queda dos preços agrícolas também significava que os ativos dos bancos rurais
– que mantinham a maior parte dos seus ativos em empréstimos para safras e
equipamentos agrícolas, bem como em hipotecas para esse setor – também
despencaram em valor. Para piorar as coisas, muitos estados proibiram sucursais
bancárias, o que significava que quando os ativos de um banco rural perdiam valor
e os bancos se tornavam insolventes, era impossível ter um Plano B. (Durante
esse período, nenhum banco no Canadá quebrou, não obstante o país tenha
passado pelas mesmas pressões econômicas. O Canadá permitia sucursais
bancárias).

Qualquer que fosse o tamanho da intervenção do Fed, ele jamais poderia salvar
esses bancos, que foram tão vítimas da Smoot-Hawley quanto as empresas que
dependiam de bens importados. Mas essa não foi a única razão por que os bancos
entraram em colapso, segundo Rothbard. Durante a década de 1920, o Federal
Reserve System – e principalmente o Fed de Nova York – comprou
agressivamente títulos do governo (a conhecida operação de mercado aberto
– open market) e aumentou a quantidade de dinheiro ao expandir as reservas
bancárias, as quais acabaram se transformando em empréstimos.

A resultante expansão monetária mostrou suas conseqüências primeiramente no


boom imobiliário da Flórida, e mais tarde na bolha da bolsa de valores. (Nos anos
1990 e 2000, a ordem foi inversa: primeiro tivemos a bolha da bolsa de valores, e
depois o boom imobiliário). Um excesso de maus investimentos significa que
correções maciças devem ser feitas, que é o que aconteceu em fins de 1929 e em
1930. Da mesma maneira, os maus investimentos que estimularam a bolsa de
valores, que fez uma aterrissagem forçada (Hard Landing) em 2001, foram
simplesmente redirecionados, desta vez para o mercado imobiliário.

(Há uns dois anos, quando estava apelando de uma sobrevalorização ocorrida no
imposto de propriedade para a minha antiga casa em Cumberland, Maryland, eu
disse à comissão que o corrente boom imobiliário estava fadado a sofrer um golpe
e entrar em colapso. Parecia que eu estava contando a melhor piada do mundo, a
julgar pelas gargalhadas que meus comentários receberam. As pessoas nos
mercados – que supostamente são mais aptas a entender o sistema financeiro do
que alguns políticos picaretas que determinam impostos locais – estavam
aparentemente cochilando durante a mudança, também).

Eis aí o problema que Bernanke terá de encarar, e que não pode ser resolvido
simplesmente utilizando-se um helicóptero maior: o Fed e o governo americano
estimularam enormes e maus investimentos sobre a economia. O mercado
imobiliário não era nada consistente com os fundamentos do mercado, e não há
como essas políticas desatinadas – que consistem em estimular esse mercado
para níveis além do normal – serem abrandadas com a simples impressão de
dólares.

A questão central é que o Fed perseguiu uma política de inflação, com grande
parte desse novo dinheiro impresso indo para os mercados hipotecários; e não há
como evitar as correções dolorosas e terríveis que normalmente se seguem às
loucuras fiscais. (Agora nós finalmente estamos vendo aumentos maciços nos
preços das commodities, que ocorrem simplesmente porque não há para onde
esse novo dinheiro ir que não seja diretamente para essas commodities e para os
bens de consumo).

Qualquer um que creia que o Fed possa fazer de conta que títulos hipotecários
altamente danificados valham mais do que papel higiênico e, assim, literalmente
erigir sobre eles um portfolio de $200 bilhões em empréstimos, não entende nada
de finanças. Só porque Ben Bernanke declara que alguma coisa é “valiosa”, isso
não confere valor a essa coisa.

A questão não é a falta de liquidez. É o fato de que bilhões – na verdade, trilhões –


de dólares foram erroneamente investidos em mercados onde os valores
crescentes não eram sustentáveis. Injetar dólares – que está se tornando uma
moeda cada vez mais débil – nessa mistura não vai resolver nada; apenas
garantirá que o inevitável dia do ajuste de contas seja ainda mais desagradável do
que poderia ter sido de outra forma.

No início dos anos 1930, Hoover gabou-se de que a intervenção do governo


impediu que a crise financeira se tornasse ainda pior. Ele estava iludido, para
colocar de maneira branda. Na realidade, o “New Deal” de Hoover levou ao “New
Deal” de Roosevelt, que levou a uma década de desemprego de dois dígitos – algo
sem precedentes na história dos EUA.
Esperemos que Bernanke não faça por merecer o manto de Hoover. Entretanto,
enquanto ele estiver tentando seguir a tese de Friedman, ele corre o risco destruir
não apenas sua própria reputação, mas também toda a economia americana.

Tradução de Leandro Roque

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Por William L. Anderson| 14 julho,2008

A Escola de Chicago versus a Escola


Austríaca

economia

Robert P. Murphy

domingo, 26 jun 2011

As pessoas frequentemente me perguntam, "Qual a diferença entre os economistas


seguidores da Escola Austríaca e os seguidores da Escola de Chicago? Ambos não
seriam defensores do livre mercado e inimigos dos keynesianos que adoram um estado
grande?"
No presente artigo, irei delinear algumas das principais diferenças. Embora seja
verdade que os austríacos concordam com os chicaguistas em várias questões políticas,
a abordagem que ambos fazem da ciência econômica pode ser bastante divergente. É
sempre importante explicar essas diferenças, nem que seja apenas para retrucar aquela
reclamação rotineira que afirma que a Escola Austríaca é simplesmente uma religião
que serve para justificar conclusões libertárias.

Antes de começar, permitam-me algumas óbvias advertências: não estou aqui falando
em nome de todos os economistas seguidores da Escola Austríaca, e neste artigo irei
discutir a Escola Austríaca na moderna tradição de Ludwig von Mises e Murray
Rothbard. (Particularmente em questões metodológicas, os austríacos da ala
rothbardiana se diferem um tanto daqueles que recorrem a Friedrich Hayek e a Israel
Kirzner como fonte de inspiração). Também é importante observar que nem todos os
economistas da Escola de Chicago pensam da mesma maneira. Ainda assim, espero que
as generalizações a seguir sejam representativas.
Metodologia

Antes de tudo, os austríacos são considerados excêntricos pelos economistas


convencionais por causa do seu enfoque em questões metodológicas. Com efeito, a
obra-prima de Mises, Ação Humana, dedica todo o segundo capítulo (41 páginas) a "Os
problemas epistemológicos da ciência da ação humana". Não houve abordagem
semelhante no último livro da série Freakonomics .

Embora a maioria dos economistas do século XX e da atualidade discorde fortemente,


Mises insistia em afirmar que a teoria econômica era, em si, uma
disciplina apriorística. O que ele queria dizer com isto é que os economistas não
deveriam macaquear os métodos das ciências físicas, imaginando hipóteses e
submetendo-as a testes empíricos. Ao contrário, Mises acreditava que o núcleo da
teoria econômica poderia ser logicamente deduzido do axioma da "ação humana", isto
é, a constatação de que há outros seres conscientes que utilizam intencionalmente sua
razão para, através de determinados meios, alcançar suas metas subjetivas. (Para saber
mais sobre as visões metodológicas de Mises, leia aqui e aqui.)

Em contraste, o artigo seminal da Escola Chicago sobre metodologia foi escrito por
Milton Friedman em 1953, "The Methodology of Positive Economics". Longe de derivar
leis ou princípios econômicos que sejam necessariamente verdadeiros (como faz
Mises), Friedman na verdade defende o desenvolvimento de modelos baseados em
hipóteses que podem ser provadas falsas. Essas falsas premissas, entretanto, não
representam nenhum golpe contra uma boa teoria:

A pergunta relevante a ser feita sobre as "hipóteses" de uma teoria não é se elas são
descritivamente "realistas", pois elas nunca são, mas sim se elas são aproximações
suficientemente boas para o objetivo em questão. E essa pergunta pode ser respondida
somente observando se a teoria funciona, isto é, se ela permite prognósticos
suficientemente acurados.

Embora a análise de Friedman soe perfeitamente sensata, podendo até ser considerada
a epítome do "científico", Mises considerava-a uma armadilha sedutora para os
economistas. Para uma rápida ilustração dessa diferença de perspectivas, permitam-
me um exemplo por mim vivenciado quando professor.

Era uma aula sobre princípios de microeconomia, e estávamos utilizando o


(excelente) livro-texto de Gwartney, Stroup et al. No primeiro capítulo, havia uma lista
de vários marcos ou princípios sobre o modo econômico de pensar. Lembro-me de itens
como "As pessoas reagem a incentivos" e "Sempre haverá conflitos de escolha". Eram
coisas não controversas as quais todo economista concordaria serem importantes para
fazer com que os estudantes começassem a "pensar como um economista".

Entretanto, um princípio que me chamou bastante a atenção era aquele que dizia que
"Para ser científica, uma teoria econômica deve apresentar prognósticos
testáveis". Expliquei para a classe que, mesmo sendo aquela uma noção popular entre
os economistas profissionais, não era uma visão da qual eu compartilhasse. Expliquei
que tudo o que iríamos aprender durante todo o semestre com aquele livro-
texto nãogeraria prognósticos testáveis. Ao contrário, eu iria simplesmente ensinar a
eles um arcabouço com o qual eles poderiam interpretar o mundo. Os alunos teriam
então de decidir se tal arcabouço seria útil ou não; porém, em última instância, a decisão
final deles não iria se resumir a "Será que essas ferramentas de oferta e demanda
permitem bons prognósticos?"

Após eu ter feito todo esse meu discurso, um dos alunos fez a excelente observação de
que absolutamente nenhum dos outros princípios era um prognóstico testável. Ele
estava certo! Por exemplo, como pode alguém testar a afirmação de que "As pessoas
reagem a incentivos"? Eu poderia dizer para um indivíduo, "Vou lhe dar $20 se você
decepar o seu dedão." Independentemente do que venha a acontecer, a afirmação
continua correta. Se o indivíduo não decepar seu dedão, isso significa apenas que eu
não ofereci a ele um incentivo bom o bastante.

Isso não é uma mera parolice filosófica. Mises enfatizava que a importante herança de
uma sólida teoria econômica não é uma coleção de afirmações empiricamente testáveis
sobre o comportamento de variáveis econômicas. Antes, a teoria econômica é, acima de
tudo, um arcabouço internamente coerente com o qual se interpretar "os dados".

É verdade que determinadas aplicações da economia envolvem evidências históricas —


como, por exemplo, investigar se o Banco Central americano desempenhou um papel
importante na bolha imobiliária do país —, porém há uma diferença enorme entre isto
e a típica justificação dos economistas convencionais para se utilizar construções
baseadas em modelos matemáticos.

Ciclos econômicos

Outra grande divergência entre as escolas Austríaca e de Chicago está na explicação de


ambas para os períodos de crescimento econômico e em suas receitas para a cura de
recessões. Os leitores deste artigo provavelmente já estão familiarizados com a visão
austríaca, portanto irei omitir uma outra discussão.

Os economistas da Escola de Chicago obviamente possuem visões variadas, mas em


termos gerais eles aderem à "hipótese dos mercados eficientes". Em seu formato mais
vigoroso, a HME nega até mesmo que seria possível haver algo como uma bolha
imobiliária (ver aqui e aqui). Considerando-se suas hipóteses de que os agentes são
racionais e que os mercados se equilibram rapidamente, e considerando-se
principalmente o fato de que eles não possuem uma teoria para a estrutura do capital,
os economistas da Escola de Chicago são obrigados a explicar as recessões como um
"equilíbrio" advindo de "choques" repentinos.

Historicamente, eles não levam em conta as distorções causadas por taxas de juros
fixadas em níveis abaixo dos de livre mercado (as quais, obviamente, são o ingrediente
principal da teoria austríaca dos ciclos econômicos). Entretanto, recentemente, um
número cada vez maior de críticos chicaguistas do Fed vem apontando os perigos da
política de taxa de juros zero implantada por Ben Bernanke.

Ironicamente, a área em que austríacos e chicaguistas mais divergem é a questão


monetária, assunto no qual Milton Friedman se especializou. Friedman (e sua co-
autora Anna Schwartz) famosamente culpou o Federal Reserve por não imprimir, no
início da década de 1930, dinheiro o bastante para contrabalançar o declínio econômico
intensificado pelas corridas bancárias. Atualmente, alguns economistas de orientação
chicaguista — que justificavelmente recorrem a Milton Friedman como argumento —
culpam a crise financeira americana de 2008 na política monetária "restritiva" de
Bernanke. Naturalmente, essa visão é anátema para os modernos austríacos na tradição
de Murray Rothbard, que creem que o banco central deve ser abolido.
Análise econômica do direito

Finalmente, a maioria dos atuais membros das escolas Austríaca e de Chicago possui
ideias vastamente diferentes no que concerne à área conhecida como "Análise
econômica do direito". Seja baseando-se nos direitos naturais ou na herança tradicional
do direito consuetudinário, os austríacos tendem a crer que as pessoas objetivamente
possuem direitos de propriedade, ponto final; e que, só uma vez especificados esses
direitos, a análise econômica pode ser feita. Em contraposição, algumas das mais
extremas aplicações daquilo que pode ser chamado de "a abordagem de Chicago" diriam
que os direitos de propriedade deveriam ser designados de acordo com a eficiência
econômica. (Na reductio ad absurdum feita por Walter Block, um juiz pode decidir se um
homem roubou ou não a bolsa de uma mulher perguntando quanto cada um dos
envolvidos estaria disposto a pagar pela bolsa.)

Trata-se de uma área particularmente sutil, a qual eu não posso sintetizar


adequadamente neste artigo. É suficiente dizer que austríacos e chicaguistas podem,
similarmente, apreciar as surpreendentes ideias — e desafios à crítica
pigovianaconvencional ao mercado — contidas no famoso artigo de Ronald Coase. No
entanto, a Escola de Chicago reconhecidamente utilizou a obra de Coase para chegar a
conclusões que os austríacos modernos consideram repelentes.

Conclusão

Em questões típicas como salário mínimo, tarifas ou gastos governamentais,


economistas austríacos e chicaguistas podem seguramente ser agrupados
conjuntamente como "livre-mercadistas". Entretanto, em várias outras áreas —
particularmente em questões de pura teoria econômica — as duas escolas são
completamente diferentes. Como um autointitulado economista austríaco, eu
encorajaria os livre-mercadistas que conhecem apenas Friedman a acrescentar Ludwig
von Mises e Murray Rothbard à sua lista de leitura.

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autor

Robert P. Murphy
é Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar
adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect
Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with
Power and Market. É também dono do blog Free Advice.

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