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A IMPROVISAÇÃO MUSICAL COMO TÉCNICA PEDAGÓGICA

Violeta Hemsy de Gainza

A educação, enquanto promotora do desenvolvimento integral


do ser humano, recorre às mais variadas formas de mobilização,
essencialmente inspiradas no jogo, modelo natural de crescimento.

Através do jogo espontâneo e do jogo educativo, a criança


adquire novas experiências a partir da manipulação ativa da
realidade que a rodeia, desfrutando, por conseqüência de uma
crescente compreensão e capacidade de manipular tanto esta
realidade como seu mundo interior.

O jogo musical e a improvisação, em suas formas livres e


“pautadas”, contribui ativamente para a mobilização e metabolismo
das estruturas musicais internacionalizadas, bem como promove a
absorção de novos materiais e estruturas mediante a exploração e
manipulação criativa dos objetos sonoros.

Quando o ensino musical se apóia exclusivamente nos


aspectos intelectuais, concentrando-se na reprodução fiel de
modelos arquetípicos da arte ou da técnica musical, ele ficará como
algo “enviesado” na vida da pessoa e no processo de “crescimento
da infância musical”, período tão importante como a própria
infância, caracterizado, em suas diferentes etapas por condutas
específicas. Quando reina o autoritarismo, se produzem fixações e
bloqueios significativos no desenvolvimento, não só musical, mas
também intelectual e espiritual ulterior. Nossa experiência no
trabalho com músicos que apresentavam problemas e conflitos
psicológicos frente à atividade musical nos permitiu detectar
anomalias no crescimento e no exercício pleno da musicalidade -
das mais sutis às mais sérias -, originadas em condutas infantis
inadequadas em relação à música, imposta por pais e mestres.

Infância musical implica em jogo, liberdade, descoberta,


participação e outras atitudes positivas que determinarão
decisivamente as condutas e o desenvolvimento posterior do futuro
músico ou aficionado musical. A conhecida pesquisadora americana
Marilyn Pflederer Zimmerman nos diz o seguinte: “Para adquirir
conhecimento musical no sentido piagetiano, uma criança deve
atuar criativamente sobre seu próprio ambiente sonoro. A neo-
construtivista Margaret Donaldson nos lembra que a criança
constrói a experiência da aprendizagem em seu próprio estilo, o
qual reflete sua forma de pensar”(1).

O pedagogo britânico Jack P. B. Dobbs, em seu trabalho “A


música como educação multicultural”, afirma: “Comecemos com o

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som antes do que qualquer sistema. Com o som e o silêncio,
deixando ao encargo de nossas crianças a investigação e a
produção dos sons. O som é nossa propriedade comum e o
saborear um só som é o começo do saber musical”(2).

Estilos ou Orientações na Improvisação

Em linhas gerais, distinguimos três tipos ou estilos de


improvisação, a saber:

1. Recreativa - como atividade prazerosa (expressiva, recreativa,


comunicativa) do aficionado musical.

2. Profissional - como atividade especializada do músico profissional


(jazz, música popular, acompanhamento musical improvisado para
classes de dança, etc.)

3. Educacional - como técnica didática, a ser aplicada pelo


pedagogo nos diversos aspectos e níveis musicais.

A improvisação como recurso didático — Objetivos

A pedagogia musical recorre à improvisação com o objetivo


de promover:

a) Processos onde predominam a expressão, comunicação e


“descarga” no educando e que compreendem principalmente x
formas livres, que funcionam como teste projetivo da personalidade
e do nível de musicalidade do aluno. Isto permite ao educador
realizar diagnósticos ou supervisionar furtivamente o mundo das
vivências musicais internalizadas durante a improvisação
espontânea, bem como os processos sonoros produzidos a partir de
diretivas(3) globais, abertas e extramusicais.

b) Processos centrados na absorção de materiais, sensações, idéias


e conceitos. Isto requer o manuseio ativo das estruturas sonoras e
se realiza a partir de diretivas que reflitam uma incrível variedade
de estilos individuais, possibilitando alcançar os objetivos gerais ou
específicos no ensino aprendizagem da música. Por exemplo:
exercitar (com a finalidade de fluidificar ou incorporar) determinado
ritmo, escala, compasso não habitual, giro melódico; conhecer,
investigar; expressar, comunicar, a partir de ou baseado em um
determinado objeto ou conduta sonoro-musical, em seus diferentes
aspectos (técnico, interpretativo, etc.).

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A improvisação na educação musical não está restrita a
nenhum estilo particular (jazz, pop, música contemporânea, música
para crianças, etc.). Sua finalidade consiste em responder de
maneira funcional a:

1. necessidades expressas explicita ou implicitamente pelo


educando em seu processo de aprendizagem. Por exemplo: o maior
desenvolvimento dos aspectos motores, da memória, a
concentração, a criatividade, a sensibilidade frente ao som, a
possibilidade de superar bloqueios afetivos que se traduzem em
limitações ou esteriótipos musicais, etc.

2. propostas específicas das diferentes matérias ou especialidades


musicais. Por exemplo: Em classes de educação auditiva -
improvisar em grupo e depois individualmente sobre um esquema
harmônico, orientado para a composição coletiva de um canon a 4
vozes; gravar uma improvisação (rítmica, melódica ou harmônica) -
livre ou não - e logo “desgravar” e anotar em um pentagrama
(autoditado).

Em aulas de harmonia - executar em teclados ou no violão uma


série livre de tríades maiores (em forma de “coral”). Ou ainda,
menores, aumentados ou diminutos, de maneira pura ou com
inclusões: um único acorde menor ou um único acorde aumentado
na série maior (em qualquer lugar ou corno “final”).

Em aulas instrumentais - executar melodias ou contrapontos livres


(solo, em teclado ou em dúo com instrumentos melódicos), num
determinado modo ou tonalidade com o objetivo de familiarizar-se
com as alterações e topografia instrumental, o que constitui um
passo prévio para o estudo de uma peça na mesma tonalidade.

Papel do professor como coordenador da improvisação

Nas aulas individuais, é o professor quem propõe e coordena


a improvisação do aluno. Nas aulas em grupo, o educador pode e
deve compartilhar a tarefa de coordenação com alguns alunos que,
deste modo, se iniciarão na interessante experiência de propor
diretrizes ou de atuar como guia diante de um processo
improvisatório.

• O primeiro ponto consistirá em detectar o aspecto musical que


deva ser exercitado pela improvisação.

• A seguir, o professor elaborará o esquema ou a “regra do jogo”,


que será enunciada de maneira clara e objetiva.

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• O professor observará atentamente (e se possível gravará) o
aluno durante sua improvisação, com o objetivo de deduzir novos
procedimentos (ou sub-procedimentos) e, caso necessário, a
seqüência mais apropriada para atingir a meta sugerida.

• Durante a improvisação, o professor poderá intervir, dando


indicações verbais, que devem ser pronunciadas em tom suave,
porém muito preciso - como em “off” para não perturbar o aluno.
(Antes de começar a improvisação, deve-se pedir aos alunos que
não interrompam sua atividade ao escutar tais instruções.)

• Quando se percebem dificuldades ou problemas no trabalho do


aluno, estes deverão ser focalizados mediante sub-procedimentos
que, em alguns casos implicam no “encerramento” ou concretização
de um primeiro esquema de improvisação muito genérico e, em
outros casos, ao contrário, conduzem à “abertura” de um esquema
demasiadamente específico para sua simplificação.

• Encerrado o processo, professor e aluno escutarão a gravação e


farão comentários acerca dos resultados e sensações (prazer,
dificuldade, desagrado, surpresa) experimentados durante a
realização da improvisação ou frente aos resultados sonoros
obtidos.

Deve o professor exigir do aluno que, durante a improvisação,


se ajuste textualmente às regras do jogo? A resposta dependerá da
circunstância e daquilo que é prioritário na formação do educando.
Em linhas gerais, podemos afirmar que, se o que o aluno precisa é
de disciplina e limites para poder concentrar-se sobre um
determinado aspecto da aprendizagem, seria conveniente fazer-lhe
respeitar o esquema proposto. Se, por outro lado, a improvisação
está sendo utilizada como meio para “destravar” ou “flexibilizar” um
aluno, deve-se salientar, como algo positivo, o fato dele ter se
afastado do esquema original proposto que, neste caso, cumpriu
seu objetivo como elemento chave no “calor” do processo de
comunicação.

Improvisar e logo escutar é uma experiência fundamental


para todas as pessoas, porém mais especialmente para aquelas que
não podem valorar adequadamente suas próprias produções
musicais. Nestes casos será ainda mais importante recordar o efeito
vitalizador das oportunas palavras e frases de estímulo (Que bom!
Está muito bem! Vá em frente!), como as que são pronunciadas por
“fãs” durante a atuação do artista admirado. Esta ponderação se
estende, com freqüência, aos “erros” ocasionais que, muitas vezes,

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produziram os efeitos mais interessantes durante uma improvisação
dirigida. O aluno será, desta forma, induzido a escutar novamente a
gravação em sua casa e, talvez, se surpreenderá a posteriori com o
que ele foi capaz de produzir.

Um professor com suficiente experiência saberá escolher e


propor o tema da improvisação de tal modo que a eficácia dos
resultados estará mais ou menos assegurada. Ele deve saber que se
for proposta uma atividade supérflua ou inadequada, o aluno não a
valorizará suficientemente porque não lhe representará nenhum
incentivo de aprendizagem nem lhe permitirá exercer sua
criatividade. Se, por outro lado, a atividade proposta for
demasiadamente complexa, ou “difusa”, sem direcionalidade
estética ou conceitual, os resultados serão igualmente frustrantes e,
portanto, o efeito da improvisação será anti-pedagógico, criando
futuras resistências. Como todas as coisas na vida, o problema
consiste em encontrar a justa medida, a palavra e o momento
certo, o equilíbrio entre esforço e gratificação, entre o que satisfaze
o que desagrada. A arte do pedagogo como coordenador da
improvisação consiste precisamente em aproximar-se sem inibições
- porém também sem auto-exigências prematuras - a essas
fronteiras, a essas dimensões do equilíbrio. É bom recordar que o
manejo da improvisação como recurso didático não é mais fácil nem
mais difícil de resolver do que qualquer outro aspecto da atividade
educativo-musical, embora requeira, naturalmente, sensibilidade e
tempo para desenvolver-se.

O professor chegará a evidenciar, com a experiência


crescente, um estilo próprio na prática de sua tarefa improvisatória
em aula. Haverá quem se sinta mais propenso a desenvolver,
usando a improvisação, a sensibilidade de seus alunos; outros
utilizarão este recurso para promover o exercício da técnica. Para
uns, a improvisação servirá para integrar elementos externos à
música; para outros, para concretizar aproximações de caráter
analítico-musical. A alguns servirá para estimular a originalidade de
seus alunos; a outros para ensinar-lhes a adaptar-se com
flexibilidade a normas pré-estabelecidas. O progresso na evolução
pessoal do pedagogo consistirá então na ampliação de suas
motivações internas, a partir do objetivo primeiro que, para todo
professor, é conectar-se, através da tarefa musical, com a natureza
profunda e com as necessidades de desenvolvimento de seus
alunos.

Além de iniciar-se o quanto antes na prática da improvisação


como recurso didático, o professor deverá atender ele mesmo, às
suas próprias necessidades expressivas e de exercitação musical,
tomando aulas individuais e coletivas com especialistas em
improvisação pedagógica ou em algum dos estilos improvisatórios

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de sua preferência (jazz, música folclórica, popular, música
contemporânea, método Dalcroze). Também tratará de completar
sua formação teórica estudando as propostas que reconhecidos
especialistas, locais ou estrangeiros, têm formulado nos diferentes
campos da improvisação musical. Analisará cuidadosamente seus
pontos de vista e seus exemplos, selecionando - individualmente ou
em grupos de estudo com outros colegas - aqueles que considere
mais adequados para uma aplicação imediata em seu trabalho
pedagógico, inspirando-se neles para a formulação de propostas
próprias.

Este é o caminho que sugerimos aos professores, sem


esquecer que, sem dúvida, o mais eficaz e formativo dentro deste
campo musical - como em todos os outros - seria o professor
experimentar, como já dissemos, ele mesmo, as sensações e as
vantagens da improvisação individual ou grupal sob a coordenação
de um expert ou também de um aficionado. É igualmente útil
assistir, como observador, a grupos ou sessões de improvisação
musical.

É conveniente que o professor de música conheça a conduta típica


dos alunos nas diferentes idades ou etapas evolutivas. Em geral, é
bom começar o quanto antes (não existe limite mínimo de idade)
com as propostas de jogo e improvisação musical, no trabalho com
crianças, para que seu efeito benéfico possa instalar-se antes que
sobrevenham os momentos de reticência durante a pré-
adolescência, por volta dos 10 ou 11 anos. A conduta espontânea
da primeira infância constitui uma fonte de aprendizagem e
inspiração inesgotáveis para o pedagogo, que lhe permitirão
abordar com paciência e otimismo as dificuldades que logo possa
encontrar no trabalho musical com adultos, às vezes severamente
bloqueados em sua expressão musical.

Os adolescentes desejam intensamente expressar-se através


da música, porém justamente esta ansiedade às vezes compulsiva,
se torna um freio que lhes impede de encontrar a atitude adequada
frente à improvisação e outras formas de expressão artística. O
jovem, ao superar os 18 ou 20 anos, volta a conectar-se com sua
fibra musical e sua criatividade através da improvisação.
Certamente estas idas e vindas, às quais estamos nos referindo,
não se aplicam aos improvisadores natos, aqueles que só se sentem
realizados quando improvisam; a crise, para eles, se apresenta
como um afastamento, uma ida e vinda no que diz respeito às
atividades interpretativas na música.

Atualmente, não observamos diferenças importantes entre os


sexos no que concerne à improvisação. Moças e rapazes aderem
com alegria às propostas de jogo musical que lhes sejam

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gratificantes, seja pela atividade em si ou por seus resultados
sonoros. As diferenças aparecerão melhor a nível dos estilos e
formas de expressão: os homens preferem a música rítmica e
harmônica (manifestam facilidade para elaborar baixos, assim como
para harmonizar melodias durante um processo de improvisação);
as mulheres preferem a música melódica, mostrando-se mais
sensíveis aos aspectos sonoros e dinâmicos em geral.

O estudo das obras do repertório vocal e instrumental, em


qualquer nível e especialidade, deveria supor uma aproximação aos
materiais, estruturas e condutas musicais do autor o que, sem
dúvida, se concretiza melhor através da improvisação. Por exemplo,
quando um aluno traz para a aula de piano, uma fita cassete de seu
músico ou conjunto predileto, é porque espera, com ajuda de seu
professor, poder desentranhar a melodia, os acordes ou o
acompanhamento rítmico de algum tema, com a finalidade de
executá-lo ele mesmo. Proponho que esse trabalho seja feito em
equipe e que, tão logo os alunos descubram os aspectos essenciais
dessa música, lhes seja dada a tarefa de completar o trabalho em
casa ou com outros colegas, acrescentando-lhe uma improvisação
própria sobre a base harmônica da obra.

O processo que acabamos de descrever não é privativo da


música popular, que aliás não deve ser confrontada, de forma
competitiva, com a música do repertório “culto”. No trabalho com
um aluno adolescente, os “alimentos” que lhe agradam e as
atividades que ele realiza livremente, sozinho ou com o professor,
conferem o exato equilíbrio ao “menu” musical que, deste modo, se
torna verdadeiramente funcional e adaptado às suas necessidades
profundas, sem se afastar ou abandonar a busca dos objetivos
acadêmicos. Um estudante avançado de piano, que executa, por
exemplo, o prelúdio Voiles (no 2 do primeiro livro de Prelúdios, de
Debussy) deverá - depois de ter analisado juntamente com o
professor as estruturas e materiais (escalas, acordes, intervalos)
utilizados pelo autor na obra improvisar com os referidos materiais,
numa tentativa de recriar os climas sonoros “debussyanos”.

Num trabalho nosso, dedicado ao tema específico da


Improvisação Musical (indicado na bibliografia) tratamos em
profundidade a questão do “esquema”. Portanto, remetemos nossos
leitores ao mesmo, onde se detalha e se classifica um elevado
número de condutas de improvisação, estimuladas ou iniciadas a
partir de esquemas próprios e de outros colegas e especialistas.

Nesta oportunidade, gostaria apenas de salientar a riqueza


que oferece o trabalho musical no qual inter-atuam
permanentemente uma infinidade de aspectos musicais com níveis
ou características pessoais. Todos estes aspectos poderão ser

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abordados ou focalizados com diferentes intensidades e
intencionalidades através da improvisação, desde suas formas mais
globais até as mais especializadas. Em cada caso particular, um ou
alguns poucos aspectos constituirão a variável dependente ou
controlada do processo improvisatório, ficando todos os outros
liberados para a ação voluntária ou inconsciente do protagonista.

Desse modo, as versões pessoais de um único esquema de


improvisação poderão variar infinitamente - que é o desejável -,
desde que cuidemos da sensibilidade e da precisão durante o
processo de transmissão das orientações. Este fato só poderá
enriquecer e conferir uma insuspeita relevância e hierarquia aos
processos pedagógicos.

Parâmetros da improvisação musical

De uma forma sintética, poderíamos dizer que, de acordo com


suas características pessoais, cada indivíduo, através da
improvisação musical, evidenciará, em graus diferentes, a
integração ou polarização das seguintes condutas ou atitudes:

1.a Tende a reproduzir de maneira aproximada, ou quase textual,


determinados modelos (provenientes do jazz, rock, folclore, música
clássica, etc.) com os quais se identifica, numa tentativa de
apropriar-se dos mesmos. Exerce, deste modo, uma invenção
“endógena” dentro de uma linguagem que não lhe pertence.

1.b Tende a explorar ativamente o som com o objetivo de inventar


modelos próprios que vão formando uma linguagem pessoal. Esta
seria a atitude típica das crianças (a nível inconsciente) e dos
artistas (a nível consciente).

2.a Tende a expressar ou descarregar, pela “externalização” (com


diferentes graus de elaboração), as próprias estruturas sonoras
internalizadas.

2.b Tende a absorver ou internalizar novos materiais e estruturas


sonoras, através da manipulação dos mesmos.

3.a Tende a exercer o controle consciente durante o processo


improvisatório, sujeitando-se a esquemas próprios - “auto
esquematização” - ou externos.

3.b Predomina a espontaneidade, tanto nos processos de


externalização como nos de absorção de estruturas musicais.

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Recomendações para a prática da improvisação com
fins didáticos

É conveniente gravar e arquivar os processos e produtos da


improvisação musical com a finalidade de:

a) Avaliar os processos de desenvolvimento musical a partir da


primeira infância.

b) Utilizá-los durante a formação acadêmica como materiais -


melodias, ritmos, acordes, etc. improvisados - para ditados (orais e
escritos) destinados aos alunos que os produziram ou a outros.

c) “Desgravar” e anotar como composições espontâneas.

Sugerimos não limitar a atividade improvisatória à uma só ou à


algumas poucas formas - dirigidas ou não - para evitar o costume,
a mecanização e a estereotipia.

O ideal seria introduzir a improvisação como uma atividade de


caráter funcional dentro do processo educativo. O aluno improvisará
- para expressar-se, relaxar-se, gratificar-se ou para aprender -
quando ele mesmo ou quando o professor, sensível às necessidades
que este expressa, considere necessário ou adequado. Se se utiliza
a improvisação de forma mecânica, ou “por decreto”, ela perderá a
maior parte de sua essência e sentido.

Conclusões

Se tudo parece ser tão natural e óbvio - o jogo, a descoberta,


o movimento, a experiência para o desenvolvimento - por que
então as formas criativas de ensino demoram tanto para chegar às
aulas e aos recintos acadêmicos?

Fazendo um pouco de história, recordemos que o primeiro


período de revolução e mudança da “nova” pedagogia musical, que
se estende através da primeira metade do século XX (na América
Latina a partir da década de 40), irrompe instaurando os aspectos
ativos e vitais do educando como eixo do processo educativo. Nessa
direção se orientaram as descobertas e experimentos de Jacques-
Dalcroze, Willems, Martenot, Mursell, Orff e Kodály, entre outros. O
segundo período, que situamos entre as décadas dc 60 e 70, ao
qual chamo de revisão e atualização dos aspectos da primeira
revolução, focalizará a essência e qualidade dos processos criativos,
cuja riqueza só havia podido ser intuída durante o primeiro período.
E o momento dos trabalhos de Self, Dennis, Schafer, Folke, Rabe,
entre muitos outros. O terceiro período, este que estamos vivendo -
iniciado talvez um pouco antes da década de 80 -, constitui, na
minha opinião, um período de integração e autonomia dos

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processos conscientes e criativos na aprendizagem. Mais que as
contribuições metodológicas originais de determinados pedagogos,
parecia importar o “Método” (assim com maiúscula, como queria
Willems), ou seja os princípios. À pedagogia atual interessa
identificar as bases científicas, filosóficas, psicológicas e sociais da
educação musical. Para superar as crises educativas que vivemos
em muitos de nossos países, se deveria poder integrar na prática os
aspectos essenciais, emergentes de cada uma destes três períodos
da nova educação musical que descrevemos: o movimento, a
criatividade e a consciência em um genuíno contexto de liberdade e
humanidade.

Porém isto é difícil, porque para romper a resistência das


condutas pré-estabelecidas no bloqueio e nas fixações pedagógicas,
se requerem esforços intensos e sistemáticos. A evolução das
consciências pressupõe modificação profunda nas atitudes, para que
se possa ter acesso a novas experiências e a novas formas de
organização. Isto requer tempo e também decisão para abordar
aquele temor tão natural e generalizado às mudanças e à
desestruturação.

Para concluir, recordamos que a criatividade se transmite por


indução (pelo professor) e se adquire por osmose (pelo educando).
Nela se fundem o afetivo e a sensibilidade, com o cognitivo e a
curiosidade científica criadora. As técnicas de improvisação
introduzidas adequadamente ao longo de todo o processo da
educação musical contribuem para que se alcance a tão almejada
integração do fazer com o sentir e o conhecer. À pedagogia
contemporânea interessam os processos tanto ou mais que os
objetivos. A música, antes que arte e ciência, constitui uma
linguagem cujo domínio se adquire paulatinamente dentro de um
processo dialético no qual a improvisação constitui um recurso de
suma eficácia e transcendência.

Tradução da Equipe Editorial

http://www.atravez.org.br/ceem_1/improvisacao_musical.htm

NOTAS

(1) ZIMMERMAN, Marilyn Pflederer. “Importancia de la teoría de Piaget en la


educación musicaI”, in: Nuevas Perspectivas de la Educación Musical, (ed. por
Violeta H. de Gainza). Buenos Aires: Ed. Guadalupe, 1990, p.29.

(2) DOBBS, Jack P.B. “La música como educación multicultural?”, in: Op. cit., p.
141.

(3) Consigna, traduzido ao longo do texto por esquema, diretiva, procedimento.

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Referências Bibliográficas

COKER, XX. Improvisando en jazz. Buenos Aires: Ed. Víctor Lerú, 1974.

DALCROZE, Jacques. Le rythme, la musique et I'education. Lausanne: Foetisch


Freres SA Ed., 1965.

GAINZA, Violeta Hemsy de. La improvisación musical. Buenos Aires: Ricordi


Americana, 1983.

GAINZA, Violeta H. de. Ocho estudios de Psicopedagogía musical. Buenos Aires:


Paidós, 1983.

GAINZA, Violeta H. de. “Valor de la improvisación en la pedagogía musical


actual”, in: Fundamentos, materiales e técnicas de Ia educación musical. Buenos
Aires: Ricordi Americana, 1977.

GAINZA, Violeta H. de. Nuestro amigo el piano. Buenos Aires: Ricordi Americana,
1970.

GAINZA, Violeta H. de. Música para niños compuesta por niños (2 livros). Buenos
Aires: Guadalupe, 1983.

GAINZA, Violeta H. de. Método de piano (3 livros). Buenos Aires: Ed. Barry,
1975/76.

GLOBOKAR, Vinko. “Reflexiones sobre la improvisación”, in: Revista PAUTA.


lztapalapa, México: Universidad Autónoma Metropolitana, no 2, Abril 1982.

HERBON y colab. Educación y expressión estética. (Capítulo de V. H. de Gainza


sobre o Desenvolvimento da criatividade musical). Buenos Aires: Plus Ultra,
1987.

TORT, Cesar. El niño y la musica. Discos e partituras editados pela Universidade


Nacional do México.

CASA DE LAS AMERICAS. Ensayos de Música Latinoamericana. Mario Lavista: “EI


processo creador en la improvisación musical”, p. 345; Leo Brower: “La
improvisación aleatoria”, p. 319.

Violeta Hemsy de Gainza estudou na Universidade Nacional de Tucumán


(Argentina), onde licenciou-se em Música (especialidade Piano). Com bolsa da
lnstitute of International Education, aperfeiçoou-se no Allabama College e na
Universidade de Columbia (EUA). Atuando intensamente como educadora
musical, lecionou na Universidade de Tucumán, Collegium Musicum de Buenos
Aires, Escuela del Sol, Universidad del Salvador, Universidade Católica Argentina
e Universidade do Museu Social Argentino. Atualmente é presidente da
Associação Argentina de Musicoterapia e editora da revista desta associação
(ASAM).

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