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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A crença no arrebatamento da Igreja: seus


desenvolvimentos e transformações imagéticas

ANDRÉA DOS REIS SEBASTIÃO

São Bernardo do Campo, janeiro de 2010


2

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A crença no arrebatamento da Igreja: seus


desenvolvimentos e transformações imagéticas
por

ANDRÉA DOS REIS SEBASTIÃO

Orientador: Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira

Dissertação apresentada em cumprimento


às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para
obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo, janeiro de 2010


3

A dissertação de mestrado sob o título “A crença no arrebatamento da

Igreja: seus desenvolvimentos e transformações imagéticas”, elaborada

por Andréa Dos Reis Sebastião foi apresentada e aprovada em 03 de

Março de 2010, perante banca examinadora composta por Paulo Augusto

de Souza Nogueira (Presidente/UMESP), Etienne Alfred Higuet

(Titular/UMESP) e José Adriano Filho (Titular/ UNIFIL).

________________________________________
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________
Prof. Dr. Jung Mo Sung
Coordenador do Programa de Pós- Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico

Linha de Pesquisa: Estudos históricos-literários do Mundo Bíblico.


4

aos meus pais,

Antonio Sebastião (in memoriam) e Eunice B. dos Reis Sebastião


5

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros e cordiais agradecimentos:

A Deus, pela vida, saúde, início e término deste curso.

À querida mãe, Eunice, pelas orações e compreensão pelas decisões que tomo.

À família: Paulo, Regiane, Gizele, Karine, Danielle e Gian, pelo incentivo.

À amicíssima Claudia dos Santos Rezende, que tão solicitamente me emprestou


o espaço e o silêncio de seu lar para que eu pudesse estudar.

À querida amiga Giane que, mesmo à distância, incentivou-me nesta empreitada.

Aos colegas de curso de um modo geral, em especial Ana Pinheiro dos Santos,
Santa Ângela Cabrera, Fernando Cândido da Silva, Ângela Maringoli, por
compartilharem conhecimentos e indicarem caminhos.

A todos os professores, por nos conduzirem pelos caminhos do conhecimento.

Ao meu orientador Paulo Augusto de Souza Nogueira, pelo incentivo inicial e


pela paciência ao longo do caminho.

E, por fim, às agências fomentadoras IEPG e CAPES, sem as quais muito


provavelmente esta dissertação não teria se realizado.
6

Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos


ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que
transfigurará o nosso corpo humilhado conformando-o ao seu
corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si
todas as coisas.

(Filipenses 3,20-21)
7

SEBASTIÃO, Andréa dos Reis. A crença no arrebatamento da Igreja: seus


desenvolvimentos e transformações imagéticas. São Bernardo do Campo:
Universidade Metodista de São Paulo, 2010.

SINOPSE

A crença no arrebatamento da Igreja faz parte de um sistema escatológico


fundamentalista que costuma ser chamado de dispensacionalismo pré-milenista. Seu
surgimento se dá a partir do século XIX, pelo ensino de John Nelson Darby, um
pregador evangélico britânico, fundador dos Irmãos de Plymouth. Seu ensino aguarda a
vinda de Cristo em duas etapas: uma, em secreto para a Igreja, há de levá-la ao Céu e
poupá-la dos sete anos de tribulação que se seguirão; e outra, num aparecimento
glorioso, ao final dos sete anos há de instaurar o reino milenial sobre a terra. O ensino
de Darby foi popularizado nas notas de rodapé da Bíblia de Referência Scofield,
publicada em 1909 por Cyrus I. Scofield, e ainda hoje se configura na crença
escatológica da maioria das igrejas evangélicas fundamentalistas, tanto nos EUA quanto
no Brasil. Em 2002 foi produzido o filme: Deixados para Trás que retrata esta crença
bem como sua atualização para épocas recentes. Contudo, um estudo mais aprofundado
desta crença expõe seu caráter de construto doutrinário, em que textos bíblicos de
perspectivas diferentes, do Antigo e do Novo Testamento, são unidos para formar um
quadro escatológico em vias de se cumprir.

Palavras-chave: arrebatamento, dispensacionalismo, pré-milenismo, fundamentalista,


Darby, Scofield, Deixados para Trás.
8

SEBASTIÃO, Andréa dos Reis. A crença no arrebatamento da Igreja: seus


desenvolvimentos e transformações imagét icas. São Bernardo do Campo:
Formatado: Inglês (E.U.A.)
Universidade Metodista de São Paulo, 2010.

ABSTRACT

The belief in the rapture of the church is part of a fundamentalist eschatological


system that is often called premillennial dispensationalism. Its appearance is noted to
start in the XIX century through the teachings of Jonh Nelson Darby, a british
evangelical preacher founder of the Plymouth Brethren. His teaching incompass the
coming of Christ in two steps. One in secret for the church, taking it to heaven and
saving it from seven years of tribulation that will follow, the second, a glorious return at
the end of seven years for establishment the millennial kingdom on earth, the teaching
of Darby were popularized in the footnotes of the Scofield Reference Bible published in
1909 by Cyrus I. Scofield, and it is still set in the eschatological beliefs of the majority
of the evangelical fundamentalist churches, both in the EUA and Brazil. In 2002, the
film was produced: Left Behind for portraying this belief as well as its update to recent
times. However, further study of this belief exposes its doctrinal construct character in
which biblical texts from different perspectives of the old and New Testaments are
united to form an eschatological framework about to be fulfilled.

Keywords: rapture, dispensationalism, premillennial, fundamentalist, Darby, Scofield


Left Behind.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................ 12

CAPÍTULO I

1. O que é o arrebatamento?.......................................................................... 15

1.1. Inserção do arrebatamento nas doutrinas escatológicas bíblicas........................ 15

2. Arrebatamento e milênio................................................................ ........... 16

2.1. Pré-milenismo ..................................................................................... 16

2.2. Pós -milenismo..................................................................................... 19

2.3. Amilenismo ................................ ........................................................ 20

3. Dispensacionalismo................................................................................. 20

3.1. A hermenêutica das Setenta Semanas de Daniel ................................ ........... 22

4. A crença no arrebatamento segundo o dispensacionalismo ................................ 25

4.1. Os textos em que se apoia....................................................................... 26

5. Quais as principais implicações da crença..................................................... 27

CAPÍTULO II

2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja....................................... 30

2.1. Origens nos EUA ................................................................................. 30

2.2. Fundamentalismo e dispensacionismo nos EUA ................................ ........... 32

2.3. A Bíblia de Referências Scofield ................................ .............................. 35

2.4. No Brasil ............................................................................................ 37

2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil................................ ................... 37

2.4.2. Resenha dos livros acima citados ........................................................... 37

2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia................................ ........... 38

2.4.4. Formas de divulgação da doutrina no Brasil.............................................. 39


10

CAPÍTULO III

3. Análise do filme Deixados para trás ........................................................... 48

3.1. Por que a análise de um filme?................................ ................................. 48

3.2. Resumo do enredo ................................ ................................................ 50

3.3. Análise temática do filme Deixados para trás.............................................. 56

3.3.1. O filme: ficção com status de verdade..................................................... 56

3.4. A hermenêutica bíblica do arrebatamento segundo o filme.............................. 59

3.5. Conteúdo ideológico: suas ambiguidades e implicações ................................. 65

3.5.1. A centralidade de Israel ....................................................................... 64

3.6. A crítica ao capitalismo na ficção ............................................................. 67

3.7. A imagem negativa a respeito dos árabes.................................................... 70

3.8. Fusões em texto-imagem: a consolidação de uma crença ................................ 73

3.8.1. Dinâmica texto-imagem e suas consequências para a significação da vida ........ 74

3.8.2. O uso de signos como produtores e sustentadores de ideologias ..................... 75

CAPÍTULO IV

4. Análise e crítica de textos fundantes ............................................................ 76

4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18 ....................................................... 76

4.1.1. Crítica textual................................ .................................................... 76

4.1.2. Delimitação................................................................ ...................... 77

4.1.3. Contexto maior.................................................................................. 79

4.1.4. Tradução formal ................................ ................................................ 79

Conclusão da exegese.................................................................................. 98

4.2. Exegese de Apocalipse 20,1-6 ................................ ................................. 99

4.2.1. Tradução formal ................................ .............................................. 100

4.2.2. Análise do conteúdo ................................................................ ......... 101

4.2.3. Delimitação da perícope..................................................................... 102


11

4.2.4. Contexto anterior ................................................................ ............. 102

4.2.5. Contexto posterior............................................................................ 103

4.2.6. Análise exegética................................................................ ............. 103

4.2.7. Divisão da perícope ................................ .......................................... 104

4.3. Crítica exegética do arrebatamento: convergências e divergências interpretativas


entre as duas passagens................................ .............................................. 107

CONCLUSÃO ....................................................................................... 110

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 112


12

INTRODUÇÃO

A doutrina do arrebatamento coletivo faz parte do conteúdo escatológico


bíblico particularmente a partir do corpus paulino. É um assunto que encontramos
principalmente em 1 Tessalonicenses 4,17 e 1 Coríntios 15,51-52, embora haja
perícopes nos Sinótic os, tais como Mt 24,40-41 e Lc 17,34-36, que são usadas para
corroborar a mesma crença. Ao longo da história cristã, o arrebatamento não teve
grande destaque, já que foi interpretado apenas como um apêndice da segunda
vinda de Cristo. Contudo, a partir do desenvolvimento do dispensacionalismo e de
sua ligação com o fundamentalismo, por volta do século XIX, o tema do
arrebatamento ganha importância, à medida que é visto como um marco final na
história da Igreja, que será seguido pela grande tribulação e pela implantação do
reino milenar de Cristo. Embora nem todo fundamentalista seja dispensacionalista,
uma parte quantitativa considerável pode ser assim definida. Esse movimento
evangélico, com sua visão escatológica bíblica característica, tem produzido
literaturas e filmes divulgando seu modo de crer. Por isso, uma de nossas tarefas
será a análise de um filme que aborda esta interpretação. Tal filme é uma obra de
ficção baseado numa série de best-sellers de mesmo nome: Left Behind (Deixados
para trás) e que teve ampla aceitação nos meios de semelhante fé. Aqui delineamos
nosso objetivo de entender como o tema do arrebatamento da Igreja é considerado
no mundo evangélico, e para isso será necessário confrontar formas de leitura
especialmente sugeridas pelo filme que, criando uma teologia escatológica de longo
alcance, determina a interpretação de textos particulares, entre eles, o texto
fundante de 1Ts 4,13-18. A construção da doutrina, portanto, se configura numa
montagem de textos bíblicos de escatologias diferentes, cujas divergências e
dissonâncias são preteridas em prol de um único e principal conteúdo escatológico.

Um dos pontos interessantes na elaboração escatológica que abordaremos é


que assuntos como o arrebatamento são costumeiramente ligados a interpretações
do livro do Apocalipse, embora não sejam necessariamente encontrados ali. Da
mesma forma, o milênio frequentemente é ligado a escritos paulinos, sem que
13

Paulo, no entanto, tenha-o mencionado. Dessa forma, nota-se uma forte elaboração
escatológica através da junção e imbricação de perícopes bíblico-escatológicas.

Atualmente, conquanto se considere que o pensamento pós-moderno tenha


atingido todas as esferas da vida, muito ainda se recorre à Bíblia como fonte de
revelação de acontecimentos futuros. Convém, portanto, voltar a ela sempre novos
olhares e atualizá- los de acordo com o desenvolvimento histórico, mesmo porque as
apropriações feitas até agora influenciaram e ainda influenciam a leitura e o
comportamento das comunidades de fé, como também interagem na história e na
cultura.

O primeiro capítulo desta dissertação definirá o que é o arrebatamento da


Igreja propriamente dito, segundo a corrente dispensacionalista, bem como sua
inserção nas correntes escatológicas em que porventura figure. Nesse mesmo
capítulo elencaremos os principais textos ou versículos em que se apoia a crença,
ou mesmo que fazem parte da construção da mesma. Por fim, esboçaremos as
principais implicações da crença, tanto do ponto de vista de seus adeptos quanto de
seus opositores.

O segundo capítulo privilegiará a crença moderna no arrebatamento como


uma construção doutrinária de origem no eixo Inglaterra-EUA, embora sua
principal divulgação se deva aos EUA. Em seguida, abordaremos o
fundamentalismo e o dispensacionalismo nos EUA pelos principais livros
divulgadores do tema, em especial os que tiveram impacto no Brasil. Por fim,
exporemos as principais formas de divulgação da crença escatológica no Brasil.

No terceiro capítulo apresentaremos uma análise do filme Left Behind


(Deixados para trás), o qual, com sua ênfase na verossimilhança, dá a uma
montagem doutrinal um aspecto de realidade objetiva. O uso de recursos
imagéticos, bem como as fusões entre texto bíblico e imagem fílmica consolidam de
certa forma o caráter de constructo que a crença promove. Finalmente, exporemos
algumas ambiguidades da crença retratada no filme, bem como as principais
implicações dessa hermenêutica.

O quarto capítulo tem como conteúdo a exegese da principal passagem


bíblica em que o tema do arrebatamento da Igreja se apoia: 1Ts 4,13-18. Optamos
por fazer também uma conexão como o livro de Apocalipse, especificamente com o
14

capítulo 20,1- 6, por ser este um texto importantíssimo para a elaboração da


escatologia dispensacionalista, e levantamos, a princípio, a suspeita de que há uma
irreconciliável compreensão de temas escatológicos entre Paulo e João. Assim,
esperamos compreender melhor, entre outras coisas, o desenvolvimento e o status
que a crença no arrebatamento da Igreja alcançou atualmente.
15

CAPÍTULO I

1. O que é o arrebatamento?

O arrebatamento (secreto ou coletivo) da Igreja é uma doutrina cristã evangélica


que promove a crença de que a Igreja será arrebatada (raptada) por Cristo para estar
com ele nos Céus, antes do milênio, com base em textos como 1Ts 4,13-18 e 1Cor
15,51-52, entre outros. Há três correntes interpretativas desta crença: 1) Jesus arrebatará
a Igreja antes da Grande Tribulação; 2) Jesus arrebatará a Igreja na metade da Grande
Tribulação; 3) Jesus arrebatará a Igreja após a Grande Tribulação. No entanto, a crença
no arrebatamento não é estática nem tampouco inconteste no meio cristão.

1.1. Inserção do arrebatamento nas doutrinas escatológicas bíblicas

Os ensinos sobre o arrebatamento1 estão íntima e inseparavelmente ligados ao


assunto da chamada segunda vinda de Cristo2. Ao longo da história da Igreja e da
interpretação bíblica, a segunda vinda de Cristo é corroborada por passagens bíblicas
neotestamentárias como Mt 24,30; 25,19-31; 26,64; Jo 14,3; At 1,11; 3,20-21; Fl 3,20;
1Ts 4,15- 16; 2Ts 1,7- 10; Tt 2,13; Hb 9,28 etc. Para falar de uma segunda3 vinda de
Cristo, o grego do NT usa basicamente três termos principais:

I. Apocalypsis (desvendamento, revelação): indica a remoção do que obstrui a


visão de Cristo: 1Cor 1,7; 2Ts 1,7; 1Pd 1,7-13; 4,13.

II. Epiphaneia (aparecimento, manifestação): sair a partir de um substrato oculto


com as ricas bençãos da salvação: 2Ts 2,8; 1Tm 6,14; 2Tm 4,1-8; Tt 2,13.

1
Arrebatamento usado no sentido de arrebatamento coletivo ou, como preferem alguns, arrebatamento
secreto, com base em textos como 1Ts 4,13 e 1Cor 15,58.
2
Embora, para a corrent e dispensacionalista, sejam eventos distintos.
3
Na Bíblia não existe o termo “segunda vinda”; ele surge na história da interpretação para designar o
retorno do Messias (Jesus).
16

III. Parousia (presença): vinda que precede a presença ou que resulta na presença:
Mt 24,3; 27,37; 1Cor 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 5,23; 2Ts 2,1-9; Tg 5,7-8;
2Pd1,16; 3,4-12; 1Jo 2,28.

Assim, a segunda vinda, referida em várias passagens e em contextos diferentes


tem dado, no decorrer dos séculos, lugar a diversas interpretações e crenças.

Ao assunto da segunda vinda soma-se costumeiramente nos tratados de teologia


sistemática o milenismo e suas correntes, nas quais também se insere o arrebatamento.

2. Arrebatamento e milênio

O milenismo ou milenarismo é dividido em correntes interpretativas sempre


tendo como referência a segunda vinda. São três as correntes milenaristas conhecidas:

• a pré-milenista;

• a pós-milenista;

• a amilenista.

2.1. Pré-milenismo

O pré-milenismo assumiu distintas formas com o passar do tempo. Irineu, por


exemplo, nos primeiros séculos da Igreja cristã acreditava que o mundo duraria seis mil
anos, conforme os seis dias da criação. Ao fim desse período, os sofrimentos e
perseguições aos fiéis aumentariam culminando no aparecimento do Anticristo, com
toda sorte de iniquidade que, após ser completada, seria ofuscada com o aparecimento
glorioso de Cristo triunfando sobre todos os inimigos. Tal aparecimento seria
acompanhado da ressurreição física dos santos e o estabelecimento dos mil anos do
reino de Deus na Terra, correspondendo ao sétimo dia da criação, ou seja, ao dia de
repouso. Neste tempo, então, Jerusalém seria reedificada, a terra frutificaria com
abundância e prevaleceriam a paz e a justiça. Quando os mil anos chegassem ao fim,
17

sobreviria o juízo final e apareceria uma nova criação, na qual os remidos viveriam
eternamente na presença de Deus.

Nos séculos subsequentes à interpretação patrística, a ideia acima sofreu


algumas alterações que confirmaram algumas ideias e especificaram acontecimentos
considerados claramente escatológicos. O desenvolvimento do tema levou-o a este
enredo fundamental: o advento de Cristo está próximo e visível, pessoal e glorioso. Será
precedido por tais eventos: a evangelização de todas as nações, a conversão de Israel e
seu estabelecimento na Terra Santa, a grande apostasia, a grande tribulação e a
revelação do homem do pecado (Anticristo). A Igreja, portanto, passará pela grande
tribulação (no caso do pré-milenarismo antigo). Ao grandioso evento da segunda vinda
somam-se outros que se impõe sobre a Igreja, Israel e o mundo. Os fiéis que já
morreram serão ressuscitados, e os que vivem serão transformados (arrebatados), e
juntos serão transladados para encontrar -se com o Senhor em sua vinda. O Anticristo e
seus aliados serão mortos. Os gentios se converterão a Deus em grande número e
participaram do reino terreno de Cristo, onde haverá justiça e paz, como profetizaram os
profetas no Primeiro Testamento. Após esse período de mil anos, os mortos restantes
ressurgirão para que se siga o juízo final e a subsequente criação de novos céus e nova
terra.

No segundo quartel do século 19 surgiu uma nova forma de pré-milenismo


muito atrelado ao chamado dispensacionalismo4 seguido na Inglaterra e na América. Os
novos conceitos foram popularizados principalmente pela Bíblia de Scofield e se
disseminaram amplamente. Essa “nova” concepção premilenista apresenta uma filosofia
da história da redenção própria, na qual Israel desempenha o papel principal, e à Igreja
cabe um papel de interlúdio. A Bíblia é dividida em livro do Reino e livro da Igreja. Ao
descrever o procedimento de Deus para com o homem na história da redenção, elabora
uma sequência de alianças e dispensações (sete no total). Dependendo do programa
escatológico deduzido desta concepção, é possível encontrar ideias de que haverá duas
segundas vindas, duas ou três (ou até quatro) ressurreições5 e também três juízos, e a
existência de dois povos de Deus (segundo alguns, separados eternamente, Israel
habitando na terra e a Igreja no Céu). A escatologia elaborada por essa concepção é a
seguinte: a volta de Cristo é iminente, podendo ocorrer a qualquer momento, pois não

4
Segundo nota da Bíblia Scofield, dispensação é um período de tempo durante o qual o homem é provado
quanto à obediência a alguma revelação específica da vontade de Deus.
5
Cf. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p.654.
18

há eventos preditos que devam precedê-la (já que a evangelização às nações


fracassará6). Todavia, sua vinda consistirá em dois eventos distintos, separados um do
outro por um período de sete anos. Assim, primeiramente ocorrerá a parousia, quando
Cristo aparecerá nos ares para encontrar seus santos. Todos os fiéis falecidos
ressurgirão, e os que estiverem vivos serão transformados e arrebatados nos ares para
celebrar as bodas do Cordeiro, e estarão para sempre com o Senhor. Enquanto Cristo e
sua Igreja (e com ela o Espírito Santo) estiverem ausentes da terra, haverá um período
de sete anos (ou mais) dividido em dois pares, em que sucederão várias coisas: o
Evangelho do Reino será pregado pelos crentes judeus remanescentes, e resultarão
muitas conversões. O Senhor retomará suas relações com Israel. Na segunda metade
desse período de sete anos, haverá uma tribulação sem precedentes; o Anticristo será
revelado e parte da ira de Deus será derramada sobre a humanidade. No fim dos sete
anos dar-se-á a vinda do Senhor (segunda etapa, não para seus santos, mas com eles
para julgar as nações, Mt 25,35). Os fiéis que morreram durante a grande tribulação
serão res suscitados 7 (segunda ressurreição para os fiéis); o Anticristo será destruído e
Satanás será preso por mil anos, quando então será estabelecido o reino milenar, um
reino concretamente visível, terrestre e material, reino dos judeus, teocrático e de
realeza davídica. O trono de Cristo será estabelecido em Jerusalém, no Monte Sião, que
voltará a ser o local central de culto. Após o milênio, Satanás será solto por um breve
lapso de tempo; ocorre a guerra entre Gog e Magog contra Jerusalém, porém esta vence
porque um fogo advindo do céu devorará seus inimigos. Após esse curto período de
tempo, os ímpios ressuscitarão para comparecer ao juízo perante o Trono Branco,
conforme Apocalipse 20,11-15. E então haverá novos céus e nova terra.

Essa é uma visão geral da elaboração pré-milenarista; contudo, não é de forma


alguma unívoca mesmo entre os que a professam. Conquanto ela procure abarcar todos
os temas e textos bíblicos a respeito do fim dos tempos numa única doutrina, não
consegue, entretanto, alcançar suficiente coesão e coerência, de maneira que há
inúmeras opiniões, indefinições e incertezas entre os pré- milenistas.

Essa interpretação tem sido a mais influente na escatologia cristã evangélica.

6
Neste ponto há divergências: alguns crêem que, para que haja o arrebatamento, antes é necessário haver a
reconstrução do templo judaico.
7
Aqui há uma junção com o livro de Apocalipse 20,5-6, que no entanto diverge do mesmo, já que o
Apocalipse fala apenas em duas ressurreições.
19

Tempo atual Segunda vinda Sete anos Segunda vinda Milênio


nos ares (3/5 + 3/5) terrena
literal

2.2. Pós-milenismo

Afirma que o retorno de Cristo será depois do milênio, o qual se espera para
durante (era cristã) ou no fim da dispensação do Evangelho. Existem, então, duas
formas teóricas de interpretação pós -milenista: uma espera a realização do milênio por
influência sobrenatural do Espírito Santo, e a outra, por um processo natural de
evolução.

Uma forma mais antiga de pós-milenarismo ocorreu entre alguns teólogos


reformados da Holanda, que esperavam o milênio para as proximidades do fim do
mundo, imediatamente antes da segunda vinda de Cristo. Predominava entre eles a ideia
de que o Evangelho se propagaria gradativamente pelo mundo todo, tornando-se assim
muito mais eficiente e rico de bênçãos espirituais. Nesse tempo os judeus também
compartilhariam das bênçãos do Evangelho. Posteriormente, alguns teólogos
reafirmaram esta visão dizendo que o milênio será “um período dos últimos dias da
Igreja militante, quando, sob a influência especial do Espírito Santo”, o espírit o dos
mártires reaparecerá, a verdadeira religião será grandemente revigorada e revivida, os
membros da Igreja de Cristo tomarão tal consciência de seu poder em Cristo que
triunfarão sobre os poderes do mal de maneira jamais concebida. A idade de ouro da
Igreja será então seguida por um breve período de apostasia, um terrível conflito entre
as forças do bem e as do mal, e pela ocorrência simultânea do advento de Cristo, da
ressurreição geral e do juízo final.

Uma forma bem recente de pós- milenismo é de um tipo bastante influenciado


por ideias modernistas 8. Visto que o homem moderno é pouco receptivo a ideias e
esperanças milenistas do passado, e pouco afeito à dependência de Deus, ele não espera
que uma nova era seja introduzida pela pregação do Evangelho juntamente com a obra
do Espírito Santo, muito menos como resultado de mudanças cataclísmicas. Antes,

8
Modernista aqui, refere-se ao pensamento atrelado ao cientificismo que permeou o Séc. XIX, o qual
unido às descobertas da Ciência contestava dogmas e crenças religiosas tradicionais.
20

acredita que o milênio virá pela evolução que o próprio homem iniciará adotando uma
política construtiva de melhorar o mundo. Assim, o interesse no milênio está atrelado ao
desejo de uma ordem social em que se valorize a liberdade, a honra, a fraternidade
humana, a solidariedade e a justiça social. Creem alguns que esta nova ordem é
responsabilidade do homem pela fé que Deus opera por seu intermédio. Dessa maneira,
o curso da história progride por meio de lutas e evoluções nas quais o homem empenha
habilidade e operosidade (empenho). Segue-se também que as moléstias deverão ser
curadas ou evitadas, os males sociais deverão ser remediados pela educação e pela
legislação, as desgraças internacionais deverão ser impedidas pelo estabelecimento de
novos padrões e novos métodos de tratamento, e nunca por uma aniquilação repentina.

Tempo Atual Apostasia Segunda vinda


Milenismo Conflito bem X mal ressurreição geral
juízo final

Obs.: o pós -milenarismo não espera pelo arrebatamento como evento distinto.

2.3. Amilenismo

O amilenismo, na verdade, é a negação de um milênio concreto e terreno. Antes


afirma que este é simbólico e diz respeito à era da Igreja. Assim, após a presente
dispensação seguir-se-á imediatamente o Reino de Deus em sua forma consumada e
eterna, uma vez que o Reino de Cristo é eterno e não temporal (cf. Is 9,7; Dn 7,14; Lc
1,33; Hb 1,8; 12,28; 2Pd 1,11; Ap 11,15); e ao se entrar no reino futuro entra-se num
estado eterno de vida e salvação (cf. Mt 21,22; 18,8-9; Mc 10,25-26). Portanto, aqui
também inexiste a crença no arrebatamento da igreja.

Tempo atual = milênio Segunda vinda; ressurreição geral;


juízo final

3. O dispensacionalismo
21

O dispensacionalismo é o sistema doutrinário que dá as bases para a doutrina do


arrebatamento. Embora faça parte de uma corrente teológica considerada ortodoxa por
aqueles que a seguem, é recente em sua forma hegemônica. Os dispensacionalistas
costumam entender que tal sistema incorre num método de interpretação das Escrituras:
em sua essência, a convicção de que as Escrituras devem ser interpretadas literalmente.
Deixam claro que as passagens metafóricas não devem em princípio ser entendidas
literalmente, mas que, “se o significado simples faz sentido, não se deve procurar
outro”9; é o que costumam chamar de literalismo coerente. Entretanto, isso muitas vezes
significa que a profecia é interpretada de modo muito literal e, muitas vezes, com doses
consideráveis de detalhes. Um exemplo patente é o termo Israel, que sempre é
compreendido como uma referência a Israel como nação ou etnia, não como a Igreja.
Assim, as profecias do AT que ainda não se cumpriram não podem necessariamente
cumprir-se na Igreja cristã, uma vez que esta e Israel são entidades distintas. É bom
considerar que o uso do termo dispensacionalismo como sistema interpretativo bíblico
não é novo. Berkhof10, por exemplo, fala da teoria das três dispensações encontrada em
Irineu, a qual falava em três alianças, sendo a primeira, a lei escrita no coração, a
segunda, a lei como mandamento externo dado no Sinai, e a terceira, a lei restabelecida
no coração pela operação do Espírito Santo; assim, portanto, cada aliança regia uma
dispensação. Outrossim, outros pais da Igreja também usaram algum tipo de sistema
dispensacional como recurso interpretativo, embora sejam considerados elementares (ou
não desenvolvidos) pelos próprios dispensacionalistas modernos. Esses, como no caso
de Darby e Scofield11 , propagam a existência de sete dispensações, sendo elas: a da
inocência, a da consciência (ou responsabilidade moral), a da promessa, a da lei, a da
graça e a do reino, sendo que “dispensação é um período de tempo durante o qual o
homem é provado quanto à obediência a alguma revelação específica da vontade de
Deus”12. Segundo Frank E. Gaebelein13 se o homem tivesse preenchido todas as
condições necessárias na primeira dispensação, as outras seriam desnecessárias; porém,
o homem falhou e continuou a falhar a cada chance dada nas demais dispensacões, o
que demonstra o fracasso humano e a misericórdia divina.

9
ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.
10
BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 270.
11
Bíblia de Referências Scofield . São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 4.
12
GAEBELEIN, Frank E. In Exploring the Bible, p. 95, apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007 p. 269.
13
Apud BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007. p.269.
22

Em relação à doutrina do arrebatamento coletivo, é importante a teoria das


dispensações para compreender a ênfase dada na distinção entre Israel e Igreja. Alguns
sustentam que Deus fez uma aliança incondicional com Israel, e suas promessas a este
não dependem do cumprimento de exigências; antes, como povo especial, Israel
receberá sua benção de uma forma ou de outra no fim de tudo. Israel como etnia, nação
e unidade política, jamais deverá, portanto, ser confundido com a Igreja; por isso, não se
deve entender que as promessas feitas a Israel aplicam-se à Igreja sendo nela cumpridas.
Compreendem que Deus interrompeu o tratamento especial dispensado a Israel quando
este rejeitou o Messias (Jesus), mas o retomará em algum ponto no futuro, quando Israel
mudar de atitude. Assim, as profecias não cumpridas acerca de Israel serão cumpridas
na própria nação, e não na Igreja. Inclusive crê-se que a Igreja sequer é mencionada nas
profecias do AT. A Igreja seria um parêntese dentro do plano geral de Deus em seu
relacionamento com Israel. O milênio tem, portanto, um significado todo especial para
os dispensacionalistas, já que é nesse período que Deus retomará seu relacionamento
com Israel; as profecias não cumpridas o serão nesse período, quando a Igreja já não
estará presente na terra, pois já terá sido arrebatada para os céus com Cristo, antes da
grande tribulação. Por isso, existe nessa crença a separação categórica entre o
arrebatamento e a segunda vinda de Cristo, como eventos distintos e cronologicamente
separados: o arrebatamento é para a Igreja, e a segunda vinda é principalmente para
Israel e também para aqueles que ficarem na grande tribulação (e se converterem). Esse
ponto de vista justifica o motivo de Israel passar pela grande tribulação: é por causa de
sua rejeição ao Messias. Nesse aspecto, a grande tribulação é um tempo de preparação
para a restauração e a conversão de Israel (cf. Dt 4,29-30; Jr 30,3-11; Zc 12,10), embora
seja considerado o Dia do Senhor, o dia da ira de Deus. Também por isso, somente após
se conscientizarem desse fato é que Israel adentrará o milênio, que terá um caráter
completamente judaico. Quanto à duração da tribulação, acreditam que será de sete
anos, com um acirramento dos flagelos na metade do período. Tal duração é baseada na
interpretação do livro de Daniel 9,24-27 e também em passagens do Apocalipse.

3.1. A hermenêutica das Setenta Semanas de Daniel


23

O conceito de grande tribulação e sua duração é um assunto importante para o


ensino escatológico dispensacionalista e é retirado do livro de Dn 8,13, em conexão
com o tema das Setenta Semanas (9,24- 27), uma tradição apocalíptica antiga que parece
inclusive ter influenciado a expectativa apocalíptica de Jesus, conforme encontramos
nos sinóticos (cf. Mt 24,15). A Bíblia Scofield 14 possui em sua nota explicativa um
breve resumo do ensino escatológico baseado em Dn 9,24-27.

A passagem profética sobre as Setenta Semanas de Daniel é usada como um


quadro cronológico do estabelecimento do reino messiânico sobre a terra, e tem
fornecido juntamente a base cronológica dos eventos do fim. É importante levar em
consideração que, para a leitura fundamentalista, o livro de Daniel é datado da época do
cativeiro babilônico (586 aEC), mencionado em 2Cr 36,17-21, e conforme Jr 25,11, em
que tal cativeiro deveria durar setenta anos. Daniel teria sido levado para a Babilônia no
início do cativeiro e, quando da profecia do capítulo 9, já estaria idoso. Dessa forma,
teria profetizado15 cerca de 500 anos antes da vida do Messias (Jesus).

A partir do v. 24 sublinha-se o endereçamento da profecia ao povo de Daniel (ou


seja, o povo de Israel) e a sua cidade santa (Jerusalém) que terão o tempo de Setenta
Semanas, um tempo após o qual cessar iam16 a transgressão, os pecados, a iniquidade e
para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia, para ungir o Santo dos
Santos.

O período de Setenta Semanas (~y[iøb.vi ~y[i’buv' ) em


hebraico significa “sete setenta” (da direita para a esquerda). Na passagem, tal período é
dividido em três períodos menores: primeiro sete semanas; depois, 62 semanas e,
finalmente, uma semana. Assim, temos: 7 + 62 + 1= 70 semanas.

Segundo Scofield17, as Setenta Semanas da profecia são semanas de anos 18, uma
importante medida de tempo sabático do calendário judeu. E foi a transgressão da

14
Bíblia de Referências Scofield . São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 863-864.
15
A leitura fundamentalista não considera os aspectos de profecia ex eventum , nem a pseudepigrafia,
características comuns nos escritos apocalípticos dos dois séculos anteriores à Era Cristã, época em que a
escola liberal histórico- crítica costuma datar o livro de Daniel.
16
A ideia de cessar a transgressão, o pecado e a iniquidade dificilmente é interpretada de outra maneira que
não no horizonte do sacrifício expiatório de Cristo.
17
Bíblia de Referências Scofield . São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1986, p. 864.
18
Na verdade o tema das semanas de anos é encontrado em outros escritos apocalípticos, por exemplo, o
livro de Enoque; segundo P. Grelot, tem a ver com as especulações com os números sete e dez, uma vez
que setenta anos é a transformação de dez periodos sabáticos de sete anos em dez períodos jubilares de 49
anos. Ver GRELOT, P. O Livro de Daniel. São Paulo: Paulus, 1995.
24

guarda do ano sabático inteiro que trouxe o juízo do cativeiro babilônico e determinou
sua duração em setenta anos (cf. Lv 25,1-22; 26,33-35; 2Cr 36,19-21; Dn 9,2). A
passagem de Gn 29,26-28 é usada para reforçar a ideia de que “semana” indica sete
anos. Portanto, Setenta Semanas equivale a 490 anos. E esses 490 anos “proféticos” têm
cada um 360 dias, uma vez que os meses são de 30 dias (cf. uso no livro de Gênesis)19.

Conforme McClain 20, o início do período total de Setenta Semanas é fixado no


v.25: “desde a saída da ordem para restaurar e para edificar a Jerusalém”, e o fim do
período será marcado pela apresentação do Messias, o Príncipe de Israel. Deve-se levar
em conta que dois príncipes diferentes são mencionados: o primeiro se chama Messias,
o príncipe (v. 25), e o segundo é descrito como “príncipe que há de vir” (v. 26). Então,
por essa leitura, o início refere- se ao decreto dado a Neemias para restaurar e para
edificar Jerusalém e seus muros, cuja data é 445 aEC (cf. Ne 2,1), e a partir desta data as
primeiras 69 semanas (o mesmo que 483 anos) chegam até o “Príncipe Ungido” que,
conforme acreditam, refere-se a Jesus, o Messias que será morto. Então, novamente o
santuário e a cidade serão destruídos pelo povo do outro príncipe (“que há de vir”), o
que se refere ao povo romano e seu imperador, que em 70 EC destruiu Jerusalém.
Portanto, esses dois acontecimentos são postos imediatamente antes da septuagésima
semana. Essa última semana, que conforme a contagem refere-se aos últimos sete anos,
é o tempo em que ocorre uma aliança da nação de Israel com o príncipe vindouro. Tal
aliança dura apenas metade da semana, e a violação do tratado faz cessar o sacrifício
judaico e precipita sobre o povo de Israel um tempo de ira e desolação, que durará até o
fim da semana (v. 27). Portanto, assim como os acontecimentos relacionados a essa
última semana não ocorreram ainda, e uma vez que Cristo cita estes acontecimentos
relacionando-os a sua segunda vinda (Mt 24,6.15), esta última semana é aguardada para
o futuro. E o intervalo que fica entre a sexagésima nona até a septuagésima semana é
considerado o período da Igreja, uma lacuna profética que ocorre devido à rejeição do
povo de Israel ao Messias (Jesus) e sua aceitação pelos gentios. Quando o período da
Igreja acabar, então a última semana terá início para selar o cumprimento da profecia.
Essa interpretação, que atribui a última semana ao fim dos tempos, começou com os
pais da Igreja. Scofield lembra que Irineu, por exemplo, coloca o aparecimento do

19
MCCLAIN, Alva J. A profecia das Setenta Semanas de Daniel . São Paulo: Imprensa Batista Regular do
Brasil, 1976, p. 18, procurar comprovar os trinta dias pela passagem sobre o dilúvio de Gn 7,11.
20
Ibid. p. 21.
25

Anticristo nesta última semana, afirmando que a tirania do Anticristo durará exatamente
meia semana21 (três anos e seis meses).

Portanto, partindo de Dn 9,24-27 é possível perceber de onde provém a base


para a sustentação do período de grande tribulação pelo qual passará o povo de Israel, e
do qual a Igreja estará livre (pelo arrebatamento) de acordo com o dispensacionalismo.

4. A crença no arrebatamento segundo o dispensacionalismo

O arrebatamento coletivo ou secreto abordado nesta dissertação é o translado ou


rapto dos fiéis cristãos aos céus para junto de Cristo antes da tribulação e do milênio,
por isso denominada pré-milenista dispensacionista e pré-tribulacionista. É uma
interpretação bíblica bastante popular, especialmente nos círculos evangélicos
tradicionais, conservadores, pentecostais e independentes; é portanto, em termos de
abrangência numérica a que prevalece. É divulgada principalmente em literaturas,
filmes e sites.

Como vimos, a característica principal para que um sistema doutrinário seja


considerado pré-milenista é o anúncio de um reino terrestre de Cristo que será
estabelecido antes de sua vinda. Entretanto, é importante nessa interpretação levar em
conta que o evento arrebatamento é distinto da segunda vinda de Cristo. E embora a
ideia de milênio provenha principalmente de Apocalipse 20 (em que é descrito o reino
milenar de Cristo, quando haverá perfeita paz, retidão e justiça entre os homens), no AT
profetas como Isaías (11,6,7; 65,25) profetizaram acerca de um período de reinado
messiânico sobre a terra, o que sugere que esta crença cristã possui resquícios de uma
tradição antiga. A maioria dos dispensacionalistas (mas não todos) acredita que tal reino
será literalmente de mil anos. Nesse período Cristo estará presente fisicamente sobre a
terra. A instauração do reino será de modo dramático e cataclísmico, conforme Mt
24,12, e com fenômenos cósmicos, perseguição e grande sofrimento, após o esfriamento
da fé de muitos e a grande tribulação, que há de ressaltar os efeitos do milênio que o

21
Esta meia semana aparece como “tempo, dois tempos e metade dum tempo” (Dn 7,25; Ap 12,14),
“quarenta e dois meses” (Ap 11,2; 13,5) ou “1260 dias” (Ap 12,6), tempo frequentemente identificado
com a tribulação.
26

sucederá. Entretanto, como o dispensacionalismo não é unívoco, como já dissemos, em


relação à grande tribulação, há quem creia que a Igreja será arrebatada antes; outros, que
ela passará pela metade do período da tribulação; e há ainda os que creem que a Igreja
será arrebatada no fim da tribulação. Contudo, a ênfase desta dissertação recai sobre o
arrebatamento pré- milenista, pré-tribulacionista e dispensacionalista, como já
mencionado, no qual a Igreja é poupada da grande tribulação.

Dessa maneira, a interpretação feita sobre Apocalipse 20 é literal e coerente22,


segundo alegam. Entendem que as duas ressurreições dessa passagem são do mesmo
tipo, mesmo porque o verbo usado é o mesmo (e;zhsan, viveram), e atingem dois
grupos diferentes no intervalo de mil anos, sendo que os participantes da primeira
ressurreição não passarão pela segunda, uma vez que por esta só o restante dos mortos
que não reviveram (antes do milênio) passarão.

Esta interpretação pré-milenista reforça bastante a ideia de que a grande


tribulação – tempo de dificuldades e convulsões sem precedentes, incluindo distúrbios
cósmicos, perseguições e grande sofrimento, precederá o milênio, conforme os sermões
proféticos dos evangelhos sinóticos e também segundo entendem no próprio
Apocalipse23.

4.1. Os textos em que se apoia

Vimos que o modo fundamentalista de interpretar a bíblia é bastante literalista e


dá muita importância às Escrituras como livro histórico e profético. A veracidade da
Bíblia é a veracidade da história – e de tal modo é assim que todo o discurso dessa
corrente está fatalmente caracterizado pelo antigo costume de apoiar cada fala com
quantas citações bíblicas forem possíveis. Com o “rapto coletivo” não é diferente.

Conquanto o termo a`rpa,zw (rapto) usado nesse sentido seja encontrado


apenas em 1Ts 4,13-182 4, os defensores de tal doutrina citam 26 textos bíblicos para

22
Há certa insistência quanto a uma hermenêutica literal e coerente por parte dos dispensacionalistas. Ver
ICE, Thomas. Entendendo o dispensacionalismo. Porto Alegre: Actual Edições, 2004, p. 23-24; A
verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edições, 2001, p. 21-22.
23
Segundo GROMACHI, Robert, apud ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento (p. 61), a ausência
da Igreja em Ap 4-19 é indicação de que ela não estará presente na tribulação.
24
O fato de um termo estar ausente na Bíblia não significa que a realidade por ele apontada não esteja lá;
27

apoiar tal ensino. São eles: Mt 24,40-41; Lc 17,34-36; Jo 14,1-3; Rm 8,19; 1Cor 1,7-8;
15,51-53; 16,22; Fl 3,20- 21; 4,5; Cl 3,4; 1Ts 1,10; 2,19; 4,13-18; 5,9; 5,23; 2Ts 2,1;
1Tm 6,14; 2Tm 4,1.8; Tt 2,13; Hb 9,28; Tg 5,7-9; 1Pd 1,7.13; 5,4; 1Jo 2,28-3,2; Jd 21;
Ap 2,25; 3,1025.

5. Quais as principais implicações da crença

Podemos abordar este tema sob dois pontos de vista: o dos seguidores da
doutrina e o dos que não a seguem.

Segundo os defensores do arrebatamento como doutrina bíblica, tal crença


pretende promover basicamente três atitudes comportamentais na vida dos cristãos:

1) A santidade cristã: uma vez que o arrebatamento é iminente e imprevisto, os


cristãos devem buscar a santidade e a pureza para poder fazer parte dele.

2) O evangelismo: cada dia é visto como uma oportunidade para “ganhar almas”.
Ice cita a seguinte frase de Tim Lahaye 2 6:
Surge uma igreja evangelística constituída de crentes ganhadores de almas,
pois quando cremos que Cristo pode aparecer a qualquer momento,
procuramos falar sobre Ele com nossos amigos, para que estes não fiquem
para trás quando Ele vier .

Afirma ainda que milhares de pessoas chegaram à fé em Cristo como resultado


de esforço evangelístico motivado pela profecia bíblica, e também de livros como A
agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey.

3) A prática de missões: os adeptos dessa corrente acreditam que a iminência do


arrebatamento desenvolve e incentiva a visão missionária. Em citação a Timothy

entretanto, muitas das referências citadas possuem interpretação duvidosa e até forçada.
25
Esta lista foi baseada no livro de ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual
Edições, 2001, p. 48.
26
LAHAYE, Tim. No Fear of the Storm , p. 18.
28

Weber 27, Ice28 relata que a crença no arrebatamento tem sido um grande incentivo para
as missões nos últimos 150 anos.

Por outro lado, as implicações da crença no arrebatamento coletivo, segundo


seus opositores, são muitas e bastante negativas. O dispensacionalismo pré- milenista é
considerado uma posição interpretativa e também um guia de conduta religiosa; por
isso, sua representação, mesmo que em termos de ficção, tem chamado bastante a
atenção de acadêmicos, sejam eles analistas religiosos, sociais, culturais e mesmo
políticos.

A série de ficção Left Behind tem sido, nos últimos anos, a representação
por excelência dessa crença. Seu conteúdo itera as interpretações anteriores, bem como
atualiza seu mapeamento na sociedade moderna, e tem sido divulgado por todo o
mundo. Sua leitura bíblica apela para ameaças de terrorismo, Armagedon nuclear,
suspeitas nacionalista de organizações internacionais, comércio nacionalista, unificação
da moeda e diferenciação religiosa.

Como a leitura pré-milenista dispensacionalista enfatiza os textos bíblicos que


mencionam profeticamente dramas cósmicos como catástrofes, guerras, fome e
destruição sobre a Terra, tanto a série quanto os adeptos dessa crença são acusados de
promover e disseminar o medo para, por seu intermédio, buscar atingir objetivos
proselitistas. Sua cosmovisão fatalista e determinista com relação ao fim dos tempos
está baseada na ideia de que a Bíblia é a história escrita antecipadamente; isso faz com
que todas as catástrofes, guerras, fome e destruição sejam vistas como necessárias ao
cumprimento de profecias. Semelhante visão demonstra uma postura cínica em relação
ao sofrimento humano. Seus adeptos frequentemente acham inútil lutar contra as
guerras, a fome, a desigualdade, ou mesmo apoiar quem o faça. Tal atitude ignora os
milhares de inocentes envolvidos, e por isso tem sido vista como egoísta e calcada numa
fé individualista, corporativa e etnocentrista, onde a maior preocupação reside no
indivíduo e seus entes queridos em detrimento dos demais. São, muito frequentemente,
apegados a ideologias conservadoras. Também sua forma de polarizar o mundo entre
sagrado x secular, salvo x condenado, crente x incrédulo, tem promovido grandemente o
preconceito em relação ao diferente. Expõe uma postura histórica dualista, moralista e

27
TIMOTHY, P. Weber. Living in the Shadow of the Second Coming: American Premillennialism, 1875-
1982. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1983, p.81.
28
ICE, Thomas. A verdade sobre o arrebatamento. Porto Alegre: Actual Edições, 2001, p.75.
29

sectária. Talvez a maior preocupação dos opositores dessa corrente doutrinária


relacione-se ao campo político. Afinal, seu franco apoio à nação de Israel e oposição a
palestinos e árabes tem influenciado grandemente o preconceito contra tais povos. E
como a divulgação dessa doutrina, bem como seu seguimento, provém e campeia nos
EUA, ela tem servido não só para apoiar e incentivar as guerras no Oriente Médio,
como também para figurá-las como necessárias. Isso decorre da importante posição dos
EUA no cenário internacional. Naturalmente, como esse tipo de crença é bastante
popular nos EUA e também tem sido exportada para o mundo, da mesma forma sua
cosmovisão e conduta religiosa tem influenciado seus adeptos em outros países.
30

CAPÍTULO II

2. O surgimento da doutrina do arrebatamento da Igreja

2.1. Origens nos EUA

O arrebatamento pregado, crido e atribuído aos moldes paulinos (nas cartas de 1


Tessalonisenses e 1 Coríntios) esteve presente na agenda escatológica da maior parte da
Igreja cristã, principalmente nos últimos séculos (XIX e XX). Nas alas
fundamentalistas, sob influências advindas das inquietações e questionamentos sobre as
proximidades do ano 2000, favoreceram-se as crenças escatológicas e um constante
reforço de doutrinas das quais o arrebatamento é um exemplo. Portanto, não por acaso,
recentemente a série de livros Left Behind (Deixados para trás), de Tim LaHaye e Jerry
B. Jenkins, que narra os últimos dias na Terra após o arrebatamento da Igreja de Cristo,
pretensamente baseada nos eventos descritos no Apocalipse de João, vieram a tornar-se
best-sellers2 9. Deixados para trás tornou-se uma das séries de ficção (cristã) mais lidas
no mundo. A série de livros, que teve início em 1995, vendeu mais de 70 milhões de
exemplares e foi publicada em 34 idiomas. Três filmes também foram produzidos sobre
a série, como também jogos digitais e outros produtos. Sucesso de vendas 3 0, a série é
também alvo de pesadas críticas, tanto da parte de cristãos quanto de céticos. A história
reúne ficção cristã, ação e suspense, com lances de alta tecnologia. O tema principal é o
final dos tempos.

Para esta dissertação, é interessante notar como são feitas as interpretações e


leituras das principais passagens das Escrituras relacionadas à escatologia. A série, por
exemplo, inicia-se com o arrebatamento da Igreja, seguido pela ascensão do Anticristo,
Tribulação etc. Assim, como afirmam os autores, “procura seguir a ordem de
acontecimento do Apocalipse de João”, embora neste livro inexista a ideia de

29
Os livros da série chegaram a figurar nas listas de best- sellers do New York Times.
30
O faturamento da série já ultrapassou a casa dos 300 milhões de dólares.
31

arrebatamento coletivo; são feitos, portanto, arranjos interpretativos e ordenados, de


forma que os acontecimentos obedeçam a uma lógica sequencial e bíblica.

Esta suposta lógica sequencial, quando analisada a fundo, expõe as


irreconciliáveis escatologias paulina e joanina, o que para leituras superficiais parece
não levantar grandes problemas.

De qualquer forma, o impacto da série e do filme fez com que surgissem várias
discussões e questionamentos ao porquê da bem-sucedida empreitada editorial e
cinematográfic a. Para alguns, o gênero literário se assemelha ao de outros escritores
americanos que escrevem sobre espionagem militar, horror, fantasia, ficção científica
etc., e que têm vendido centenas de milhares de exemplares. Portanto, a série seria mais
uma que no ramo de entretenimento ficcional seduz pelo ritmo, ação e suspense. Para
outros, em vez disso, o sucesso provém da forma como trata da interpretação bíblica
literalista: um pré-milenarismo dispensacional, pré-tribulacionista e fundamentalista
conformado à crença sobre o fim dos tempos que predominou nos últimos tempos nos
EUA e, por que não dizer, em grande parte do continente americano. Argumentam
inclusive que na Europa, onde o dispensacionalismo não ganhou força, a série também
não teve muito êxito. Na verdade, como os próprios autores reconhecem, embora seja
ficção, a série foi escrita para refletir a vida e a crença de milhares de cristãos
(fundamentalistas). A realização do filme e as técnicas cinematográficas usadas
acabaram, ao que parece, por tornar uma antiga crença mais verossímil do que nunca.

No interesse desta dissertação, contudo, a doutrina do arrebatamento não pode


ser analisada em separado, visto estar atrelada a ensinos escatológicos extraídos da
Bíblia que, ao longo da história, tiveram e têm várias interpretações e enfoques. Um dos
caminhos a seguir, para que entendamos a origem da crença no arrebatamento da Igreja
nos moldes descritos acima, é analisar o fundamentalismo surgido nos Estados Unidos a
partir do século XIX.
32

2.2. Fundamentalismo e dispensacionalismo nos EUA

Deve-se, antes de mais nada, salientar que fundamentalismo aqui significa


aquela reação ou contra-ofensiva ao modernismo e ao liberalismo31 que fizeram parte do
protestantismo no início do século XIX. O fundamentalismo surgiu então com o intuito
de renovar o protestantismo. Esse esclarecimento é importante na medida em que a
palavra fundamentalismo tem obtido nos últimos tempos muitos significados, como por
exemplo, todo tipo de opinião conservadora, seja política ou religiosa, ou pessoas que
defendem uma posição com entusiasmo e veemência. No entanto, o fundamentalismo
no que tange à interpretação bíblica é principalmente aquele que se opõe aos métodos
históricos -críticos como ferramentas para se fazer teologia a partir de textos bíblicos.

Tal reação pode ser localizada entre 1909 e 1915, com a publicação nos Estados
Unidos de uma série de textos, numa revista com edição superior a três milhões de
exemplares, sob o título The Fundamentals – a Testimonium to the Truth (Os
fundamentos – um testemunho em favor da verdade). Os fundamentos eram, portanto,
conteúdos de fé, verdades absolutas e intocáveis que deveriam ficar imunes à ciência e à
relativização da verdade bíblica por meio do método histórico-crítico. Os temas
principais eram a inspiração verbal e literal, a divindade e o nascimento virginal de
Jesus, seu sacrifício expiatório e vicário, sua ressurreição corporal, a segunda vinda de
Cristo à Terra com sinais apocalípticos, ou o retorno para um reino milenar e
intermediário etc. O movimento se espalhou para outros países e continentes
combatendo ideias pluralistas positivistas, relativistas, historicistas e antiautoritaristas,
características da modernidade.

Para se entender como a crença no arrebatamento tomou força a partir da reação


fundamentalista, é preciso levar em conta ensinos como o do dispensacionalismo, que se
popularizou também a partir do século XIX.

31
Tanto o pensamento modernista como o liberal começaram a vigorar nas universidades e faculdades de
teologia dos EUA por influência alemã. O modernismo submetia a Bíblia à critica histórica radical
questionando antigos dogmas bíblicos a partir de novos descobrimentos das ciências. O liberalismo
teológic o acreditava, entre outras coisas, que haveria progresso da sociedade humana através da ciência
até instaurar -se o Reino de Deus na Terra, portanto, não por meio de intervenção divina. Ver
NOGUEIRA, Paulo A. de Souza. Leitura bíblica fundamentalista no Brasil. In: Revista Caminhando 10,
v. 7, 2002, p. 31- 49.
33

O dispensacionalismo é um sistema teológico ou, pode-se dizer, um método de


interpretar a Bíblia atribuído a John Nelson Darby (1800-1882), participante e líder do
movimento dos Irmãos Livres de Plymouth3 2, movimento este que surgiu na Irlanda e
Inglaterra no início do século XIX. A partir de Darby e, posteriormente, por meio da
Biblia de Referências Scofield e de Conferências Bíblicas de Verão (como as de
Niagara, Northfield e Winona) o dispensacionalismo foi largamente disseminado.

Pode-se definir o dispensacionalismo como um sistema teológico segundo o qual


a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, e envolverá o
arrebatamento da Igreja antes de um período de sete anos de tribulação, após o qual
ocorrerá a batalha do Armagedon e o estabelecimento do reino de Deus na Terra. Ele
apresenta duas distinções básicas: 1) uma interpretação “consistentemente literal das
Escrituras”, em particular da profecia bíblica; 2) a distinção entre Israel e a Igreja no
programa de Deus. A teologia dispensacionalista acredita que há dois povos distintos de
Deus: Israel e a Igreja. Acreditam que a salvação foi sempre pela fé (em Deus no Antigo
Testamento; especificamente em Deus Filho no Novo Testamento). Afirmam, ainda,
que a Igreja não substituiu Israel no programa de Deus, e que as promessas do Antigo
Testamento a Israel não foram transferidas para a Igreja. Creem que as promessas feitas
por Deus a Israel no Antigo Testamento serão cumpridas no período de mil anos de que
fala Ap 20. Creem, ainda, que Deus, da mesma forma como concentra sua atenção na
Igreja nesta era, novamente, no futuro, concentrará sua atenção em Israel (Rm 9- 11).

Os dispensacionalistas entendem que a Bíblia está organizada em sete


dispensações: Inocência (Gn 1, 1–3,7), Consciência (Gn 3,8–8,22), Governo Humano
(Gn 9,1–11, 32), Promessa (Gn 12, 1 – Ex 19,25), Lei (Ex 20,1 – At 2,4), Graça (At 2,4 –
Ap 20,3) e Reino Milenar (Ap 20,4–20,6). Estas dispensações não são caminhos para a
salvação, e sim maneiras pelas quais Deus interage com o homem num determinado
período de tempo. O dispensacionalismo como sistema resulta em uma interpretação
pré-milenar da segunda vinda de Cristo, e geralmente de uma interpretação pré-
tribulacional do arrebatamento. A palavra dispensação deriva de um termo latino que
significa administração ou gerência, e se refere, portanto, ao método divino de lidar com
a humanidade e de administrar a verdade em diferentes períodos de tempo.
32
O movimento tinha como objetivo voltar aos princípios bíblicos e defendia ideias como a completa
rejeição do clericarismo, o sacerdócio universal dos santos, liberdade para “partir o pão” sem a presen ça
de um sacerdote devidamente diplomado para oficiar a Ceia do Senhor, igrejas autônomas com liderança
local composta por presbíteros (liderança plural) etc.
34

Assim, pelo fato de surgimento e ascensão do dispensacionalismo ter em


ocorrido de forma paralela ao movimento fundamentalista, aquele passou a ser
virtualmente, em muitos casos, a teologia oficial do fundamentalismo. Na verdade, o
que ocorreu foi que, após Darby ter desenvolvido o pensamento dos Irmãos de
Plymouth e com ele a interpretação dispensacionalista, outros escritores, entre eles
Cyrus Ingerson Scofield, contribuíram para disseminar tal interpretação. É bastante
provável que a popularização mais eficaz do dispensacionalismo tenha emanado da
Bíblia de Referências Scofield, já que os leigos contavam com poucas bíblias de
referências no início do século XX. Contudo, os institutos bíblicos (muitos tornaram-se
faculdades posteriormente) também tiveram sua participação na divulgação do
dispensacionalismo. Conforme Millard33 , muitas congregações fundamentalistas que
anteriormente foram parte de grandes denominações, recebiam seus ministros, direta ou
indiretamente, dos seminários daquelas denominações; entretanto, quando apareceram
indicações de desvios doutrinários (influências modernistas e liberalistas) nestes
seminários, as igrejas começaram a receber seus ministros dos institutos bíblicos. E
estes eram, quase sem exceção, dispensacionalistas. Alguns institutos bíblicos
evoluiram para faculdades bíblicas e depois para faculdades cristãs de filosofia e letras;
por exemplo, o Instituto Bíblico de Providence veio a ser a Faculdade Bíblica de
Providence-Barrington, e depois a Universidade de Barrington. O Instituto Bíblico de
Los Angeles veio a ser a Faculdade Biola, mas também deu origem ao Seminário
Teológico Talbot. O Seminário de Dallas3 4 passou por um processo semelhante, e seu
principal fundador, Lewis Sperry Chafer 35, teve um grande peso na disseminação do
dispensacionalismo. Dessa forma, os estudantes para o ministério não tinham de
escolher entre uma educação de seminário e uma educação teológica totalmente
evangélica. Alguns obtinham sua educação pré-graduada num instituto bíblico, e depois
iam para um seminário dispensacionalista tal como Dallas, Talbot, Grace ou Batista
Conservador do Oeste.

É importante considerar, portanto, que, o dispensacionalismo surgiu em meio ao


desenvolvimento da alta crítica e suas pressuposições racionalistas que anulavam os

33
MILLARD, J. Erickson. Opções contemporâneas na escatologia: um estudo do milênio. São Paulo:
Edições Vida Nova, 1991.
34
O seminário de Dallas tornou-se o centro do dispensacionalismo até os dias de hoje, e muitos de seus
professores são conhecidos por literaturas divulgadas em várias línguas; entre eles: Merrill Unger, Dwight
Pentecost, Norman Geisler, Hal Lindsey e Charles Swindoll.
35
Lewis Sperry Chafer (1871- 1952), professor presbiteriano e discípulo de Scofield, publicou uma obra
dispensacionalista sistematizada em oito volumes.
35

eventos sobrenaturais da Bíblia. Disso decorre que o dispensacionalismo acabou por


enfatizar uma interpretação literalista da Bíblia a tal ponto que não-literal tornou-se
sinônimo de liberal. A compreensão da época pode ser assim resumida:
fundamentalismo implica em dispensacionalismo, e dispensacionalismo implica em
ortodoxia; portanto, para se fazer a interpretação correta da Bíblia é preciso abraçar os
métodos dispensacionalistas. Uma literatura que veio a ser útil para tanto foi a
publicação da Bíblia de Referências Scofield, que mencionarei a seguir .

A doutrina do arrebatamento da Igreja, como já foi dito, não está dissociada de


um contexto maior (a escatologia), a qual foi e é assunto importantíssimo para a leitura
fundamentalista-dispensacionalista da Bíblia. É em tal leitura que o arrebatamento é
levado em conta, já que no pós -milenarismo e no amilenarismo ele não tem tanta
importância. O arrebatamento secreto, como alguns preferem dizer, é na verdade o
próximo evento iminente a ter lugar na crença pré- milenarista; portanto, é bastante
enfatizado nesse meio. Sua origem adveio principalmente da distinção feita por Darby
entre o plano de Deus para Israel e o plano de Deus para a Igreja: afinal, se Deus deve
cumprir literalmente suas antigas promessas a Israel, a Igreja tem de ser removida antes
disso, para dar condições a que os dois planos se integrem na plena realização do reino
milenar. É nessa lógica que o arrebatamento da Igreja antes da tribulação (pré-
tribulacionismo) é tanto polêmico quanto enfatizado.

2.3. A Bíblia de Referências Scofield

Essa Bíblia foi publicada com anotações no rodapé de suas páginas feitas por
Cyrus Ingerson Scofield, que sentiu a necessidade de esclarecer passagens difíceis de
entender. Scofield nasceu em Michigan, em 1843, converteu-se em 1879 e foi ordenado
pastor em 1883. Era advogado e não possuía formação teológica; contudo, foi
discipulado por James Hall Brookes 3 6, considerado pai do dispensacionalismo
americano. Após anos (cerca de 30) de dedicação à criação de notas explicativas da
Bíblia, e contando com a ajuda de vários pastores convidados, publicou em 1909 a
Bíblia de Referência Scofield. Tal fato contribuiu grandemente para a propagação do

36
James Hall Brookes escreveu o livro Maranatha, onde fazia uso da perspectiva dispensacionalista da
profecia, nos idos de 1870.
36

ensino dispensacionalista que, por parte de Scofield, veio da assimilação dos ensinos de
John Newton Darby37. A Bíblia Scofield que usou a versão do texto inglês de King
James, reeditada em 1917 e revisada em 1967, e da língua inglesa foi traduzida para
outras línguas. Em espanhol, foi publicada em 1960, a partir da versão revisada de
Casiodoro de Reina (1569); em português, especificamente no Brasil, foi editada em
1983 a partir de versão de João Ferreira de Almeida, e chegou à quarta edição em
19933 8. Devido a sua praticidade, tornou-se bastante popular no século XX, inclusive no
meio pentecostal, que provavelmente é também o maior divulgador da corrente
escatológica dispensacionalista atualmente. Os ensinos da Bíblia de Referência Scofield
são bastante criticados atualmente por correntes escatológicas que dela divergem, por
exemplo, a corrente reformada, embora tenha surgido em seu âmbito; por outro lado,
são fortemente divulgados por seus adeptos. Assim, afora a controversa interpretação
dispensacionalista da Bíblia Scofield, est a reforça crenças fundamentalistas cristãs como
a infalibilidade das Escrituras, a divindade, humanidade e ressurreição de Cristo e o
juízo final, além de pressupor a unidade intrínseca das Escrituras como revelação da
história gradual e contínua da redenção humana e a inspiração divina como fonte última
de harmonia revelacional; enfim, vê Cristo como centro da Escritura. Crenças estas que
atraem muitos fundamentalistas.

Outras literaturas podem ser citadas como divulgadoras do dispensacionalismo.


Primeiramente nos EUA, os livros Maranatha (1870) de James Hall Brookes; Jesus is
Coming (1878) de William E. Blackstone39 , e A agonia do grande planeta Terra (1970),
de Hal Lindsey. Estes dois se tornaram best-sellers em suas épocas e foram traduzidos
em diversas línguas.

37
Darby foi um destacado aluno do pastor presbiteriano Edward Irwing (1792-1834). Quando de sua morte,
deixou vasta obra escrita, constituída de 40 volumes (quatro exclusivamente sobre profecias). A partir
dessa obra o sistema dispensacionalista difundiu- se no mundo de fala inglesa.
38
Em 2009, uma nova edição foi feita no Brasil.
39
Blackstone (1841-1935), um protestante de confissão metodista, foi um magnata americano do ramo
imobiliário. Em 1878 , participou da Conferência de Niagara, cujo tema era o retorno dos judeus à
Palestina, na qual decidiu tornar-se um engajado restauracionista motivado pela visão dispensacionalista.
Na Conferência Sionista de 1918, realizada em Filadélfia, Blackstone foi aclamado como o Pai do
Sionismo.
37

2.4. No Brasil

2.4.1. Livros americanos de impacto no Brasil

O Brasil sempre sofreu influência norte-americana direta nas doutrinas cristãs


protestant es e evangélicas fundamentalistas. Em termos de literatura, tanto a Bíblia de
Referência Scofield quanto os dois últimos livros mencionados tiveram ampla aceitação
no Brasil.

O livro A agonia do grande planeta Terra foi, nas décadas de 70 e subsequentes,


muito lido no Brasil; suas especulações escatológicas sobre o fim dos tempos, imbuídas
de interpretações pré-milenaristas, dispensacionalistas e patrióticas (comuns aos
americanos) levou a milhares seu ponto de vista. Outros livros de cunho escatológico
que tiveram bastante repercussão no Brasil foram os do autor Wim Malgo, fundador da
Obra Missionária Chamada da Meia-Noite; entre livros e livretos encontra-se O
arrebatamento: o que é e quando acontecerá, O controle total: 666, O Apocalipse de
Jesus Cristo etc.

2.4.2. Resenha dos livros citados acima

O livro A agonia do grande planeta Terra, de Hal Lindsey, explora o profundo


desejo humano de conhecer o futuro. Entre inúmeros profetas e profecias modernas, o
livro se diz a voz autêntica, pois estaria baseada nos profetas e profecias bíblicas, as
quais têm dado testemunho através do tempo de serem verdadeiras. Escrito nos tempos
da Guerra Fria, o autor interpreta os livros proféticos bíblicos principalmente à luz da
realidade política e econômica da época. A Rússia, por exemplo, é Gog, o inimigo que
vem do Norte em Ezequiel 38. O livro acabou por ficar desatualizado, uma vez que o
cenário mundial mudou completamente e suas profecias não se cumpriram a contento.

O arrebatamento: o que é e quando acontecerá, de Wim Malgo, é na verdade


um livreto vendido na atualidade que procura esclarecer questões ligadas ao
arrebatamento, uma vez que é um assunto misterioso, tratado em poucos trechos da
Bíblia.
38

O controle total: 666, de Wim Malgo, procura mostrar de maneira


compreensível o estágio avançado em que o mundo se encontra em relação à era
anticristã sem percebê-lo. Ao mesmo tempo, a Igreja de Jesus é seriamente exortada a se
preparar para o momento do arrebatamento. Além disso, Wim Malgo não somente se
refere ao número da besta, 666 – que aparece com frequência sempre maior, mas
também esclarece o seu significado. Trata-se de um número do homem, e todos os que
adorarem a besta aceitarão esse sinal. Seis é o número do homem, que foi criado no
sexto dia. O sete é o número da perfeição divina. O número seis, um após o outro, fala
de esforço e trabalho para atingir a perfeição, enquanto o sete mostra descanso divino. O
número 666, então, expressa a desesperada tentativa do diabo de ser como Jesus Cristo.
O Apocalipse de Jesus Cristo, também de Wim Malgo, é um comentário que
incentiva o cristão a esperar pela vinda de Cristo.

Essas literaturas descritas acima têm a semelhança de serem de fácil e rápida


leitura, o que naturalmente atrai os leitores.

2.4.3. Autores brasileiros importantes na escatologia

Como vimos, os livros de autores nacionais que versam sobre escatologia sofrem
de dependência doutrinária de livros norte-americanos; os que não são declaradamente
dispensacionalistas apresentam apenas os possíveis pontos de vista escatológicos
existentes. Em 1921, por exemplo, houve a publicação do livro Maranata, de Alfredo
Borges Teixeira (pastor presbiteriano), que defende a posição pré-milenarista. De
qualquer forma, os poucos que existiram eram em número extremamente reduzido, em
sua maioria traduções de obras americanas ou estrangeiras. Hoje encontramos livros de
cunho escatológico mais facilmente. Podemos citar como exemplo o livro de
escatologia de Russell Shedd que apenas explica a doutrina escatológica; embora o
autor seja pré-milenista, não defende categoricamente sua posição. Talvez as literaturas
escatológicas nacionais que maior impacto têm alcançado nos últimos tempos sejam as
da vertente pentecostal, como por exemplo O plano divino através dos séculos, de Nels
Lawrence Olson, publicado pela CPAD, extremamente dispensacionalista; na verdade
foi escrito por um americano em missão há muitos anos no Brasil, e que por isso
publicou em português. Este livro já está na 25ª edição e já teve mais de 100 mil cópias
39

vendidas. Como este livro, outros publicados pela CPAD seguem a mesma influência
norte-americana e são muito lidos no meio pentecostal.

2.4.4. Formas de divulgação da doutrina no Brasil

Assim como nos Estados Unidos, no Brasil também divulgações escatológicas


foram e são feitas por meio de instituições para-eclesiásticas, cursos, palestras, panfletos
e atualmente pela internet. Cada denominação promove palestras e cursos pautados em
sua visão escatológica e usa literaturas afins.

Uma instituição que podemos considerar importante na divulgação de literatura


e palestras escatológicas de cunho dispensacionalista é a já mencionada Obra
Missionária Chamada da Meia-Noite, fundada por Wim Malgo (1922- 1992) em 195540,
nos EUA, com estes objetivos: chamar as pessoas para Cristo, proclamar a segunda
vinda de Cristo, preparar a Igreja para sua vinda, defender a fé e advertir contra falsas
doutrinas. Esta missão é mantida por ofertas voluntárias e não possui fins lucrativos.
Antes do advento da internet, seu objetivo era alcançado principalmente com a
divulgação de livros publicados no Brasil. Atualmente ela promove cursos e palestras
amplamente divulgados em seu site. Juntamente com a Chamada da Meia-Noite existe a
Associação Beth-Shalom para Estudo Bíblico em Israel, com o objetivo de despertar e
fomentar entre os cristãos o amor pelo Estado de Israel e pelos judeus; também promove
congressos sobre a palavra profética em Jerusalém e viagens com a intenção de levar o
maior número possível de peregrinos cristãos a Israel, onde mantém a Casa de Hóspedes
Beth-Shalom (no monte Carmelo, em Haifa).

Um exemplo recente das palestras promovidas pela Obra Missionária Chamada


da Meia-Noite é o ciclo realizado na Igreja Irmãos Menonitas nos anos de 2004, 2005 e
20064 1, todas de viés escatológico. A Igreja cedeu o local e a Obra forneceu os
palestrantes e o material a ser usado.

Contudo, atualmente o site da Obra é sem dúvida o maior divulgador de suas


doutrinas, palestras, cursos e literaturas. Em seu conteúdo fica bastante patente a
doutrina dispensacionalista; aliás, no que diz respeito ao interesse por Israel, sua

40
Contudo, somente em 1970 a organização foi legalmente instituída.
41
Ver uma amostra dos boletins informativos, no final do capítulo.
40

diferenciação da Igreja é explicitamente apontada e enfatizada. Numa leitura


escatológica da História, a nação israelita é considerada o relógio do mundo, marcador
principal dos fatos apocalípticos finais. Uma série de nove livretos, intitulados A
verdade sobre42, uma literatura de fácil acesso e leitura, divulga o ensino aqui abordado,
entre vários outros.

Outros meios que podem ser considerados de divulgação são as revistas de


estudos bíblicos, revistas de escolas bíblicas dominicais e também os folhetos
evangelísticos distribuídos em lugares públicos 43 . Tais meios eram possivelmente os
principais antes do advento da internet.

42
A verdade sobre: Os sinais dos tempos, Armagedom e o Oriente Médio, O Anticristo e seu reino, A
tribulação, O arrebatamento, O céu e a eternidade, O milênio, Jerusalém na profecia bíblica, O templo
dos últimos dias. Todos da Actual Edições e vendidos pelo site chamada.com.br.
43
Este folheto tem sido distribuído ao longo de 2009.
41

Folheto usado para evangelização com alusão ao arrebatamento.


42

Boletim informativo enviado por mala direta para divulgação de palestra promovida pela Obra
Missionária Chamada da Meia- Noite. Na programação, o tema das 7 dispensações.
43

Revista Chamada da Meia-Noite 11, Ano 35, Novembro de 2004.


No destaque , duas matérias baseadas em Apocalipse 13,16- 18.
44

Revista Lições Bíblicas Juvens e Adultos 4º.Trimestre/2006


Título: As verdades centrais da fé cristã
CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus)
45

Capa da revista usada em escolas bíblicas dominicais usadas na Igreja O Brasil para Cristo em 2001, com
o tema do arrebatamento. A seguir, página da mesma revista.
46
47

Folheto evangelístico com oito páginas, distribuído em 2009, na estação Sé do Metrô (São Paulo).
Descreve a história do mundo através da Bíblia e o arrebatamento da igreja previsto para 21/05/2011.
Esta característica de datar o arrebatamento está restrita à comunidade que o distribuiu.
48

CAPÍTULO III

3. Análise do filme Deixados para trás

3.1. Por que a análise de um filme?44

“Qual préstimo poderia ter para a história o folclore?”. É a pergunta que inicia a
reflexão de Ferro. Ele lembra que, no início do séc. XX, o animatógrafo45 era
considerado pelas pessoas supostamente cultas uma máquina de embrutecimento e de
dissolução, um passatempo de iletrados. Assim o filme, comparado aos documentos
escritos que provinham do ponto de vista daqueles considerados a classe dominante da
sociedade, era de nenhum valor como documento ou material histórico. Mesmo porque
imagens fílmicas, pretensamente representações da realidade, são escolhíveis,
modificáveis, transformáveis, fruto de montagem intencional. Com o passar do tempo, a
história se transforma, com as exigências de um novo espírito científico desembocando
numa nova história4 6 também influenciada por outras ciências humanas. Porém, ainda
para essa Nova História cabe a pergunta: que préstimo um filme pode ter, uma vez que é
representação do real e manipulação de imagens? Ferro aponta para a prática da
censura, que possibilitou constatar que as imagens podem também ameaçar interesses
dominantes. Um filme pode funcionar como testemunha; pode, em seu lapsos,
desestruturar construções antigas de instituições e grupos que foram forjadas ao longo
dos anos. Por outro lado, um filme pode reforçar e promover visões de mundo
particulares. A antiga ideia de que um gesto corresponde a uma frase, e um olhar a um

44
Esta refl exão está baseada no texto de FERRO, Marc, O filme, uma contra-análise da sociedade?, in
História: novos objetos, dir. Jacques Le Goff e Pierre Nora, 3ª ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988,
p. 202-204.
45
O mesmo que cinematógrafo, um invento do fim do séc. XIX que consta de equipamento de fotografia e
de projeção capaz de colher, em rápida sequência, uma série de instantâneos de objetos que se movem e
de projetá- los numa sucessão igualmente rápida e intermitente, de modo a produzir a ilusão de cenas em
movimento.
46
Os Annales aparecem em 1929; sua terceira geração é chamada Nova História, e considera toda atividade
humana como história.
49

longo discurso, chega a ser insuportável, uma vez que assim sendo, as imagens
constituiriam a matéria de uma história diferente da História, principalmente do ponto
de vista dominante; isto é o que para Ferro significa uma contra-análise da sociedade.
Por isso, ele postula que as imagens – não apenas como ilustração, confirmação ou
desmentido de um outro saber ou da tradição escrita, antes apelando até outros saberes,
afim de melhor captá- las – podem ser consideradas fontes históricas. A associação de
um filme ao mundo que o produz, seja ele imagem da realidade ou não, documento ou
mesmo ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história; sendo assim, seu postulado
é: o que não aconteceu, as crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tão história
quanto a História.

Nessa forma de abordagem do filme, pode-se dispensar o ponto de vista


semiológico, ou estético, de história do cinema ou obra de arte, já que tem seu valor por
aquilo que testemunha pode ser visto como um produto, uma imagem-objeto cujas
significações não são unicamente cinematográficas. Neste caso, a análise não incide
necessariamente sobre a obra em sua totalidade, podendo apoiar-se em extratos, planos,
temas etc. conforme a necessidade. Também a crítica não se limitaria ao filme, mas o
integraria no mundo que o rodeia e com ele se comunica. A análise simultânea no filme
(narrativa, cenário, escrita, relações do filme com o que não é filme, autor, produção,
público, crítica, regimes, crenças) pode compreender melhor não só a obra, mas também
a realidade que ela figura, uma vez que tal realidade não se comunica diretamente.

Outrossim, Ferro questiona:

São os próprios escritores plenamente senhores das palavras, ou da língua?


Por que haveriam então os homens da câmera de serem senhores das imagens
que produzem, posto que filmam involuntariamente muitos aspectos da
realidade?

Para ele, portanto, esse traço é evidente nas imagens atuais:

O que é patente para os documentos, para os filmes de atualidades, não é


menos verdadeiro para a ficção. Demais, a parte inesperada, involuntária,
pode também ser grande nesse caso. Esses lapsos de um criador, de uma
ideologia, de uma sociedade constituem reveladores importante. Podem
ocorrer em todos os níveis do filme, como na sua relação com a sociedade.
Seus pontos de ajustamento, os das concordâncias e discordâncias com a
ideologia, ajudam a descobrir o latente por trás do aparente, o não-visível
através do visível. Existe aí matéria para uma outra história, que não pretende
50

certamente constituir um belo conjunto ordenado e racional, como a História,


contribuiria antes para a purificar ou para a destruir.

Com essa reflexão em mente, empreenderemos a análise do filme Left Behind


(Deixados para trás), porque também ele efetivará a consolidação da crença no
arrebatamento como uma construção doutrinária. À medida que métodos e ciências nos
favoreçam, delas faremos uso, tendo, contudo, o referencial teórico de Filém Flusser47,
como apoio, nas reflexões sobre texto e imagem.

3.2. Resumo do enredo

O filme inicia com imagens da cidade de Jerusalém atual, com seus principais
símbolos religiosos: igrejas cristãs, a mesquita de Omar, o muro das lamentações e
também o comércio; logo em seguida, mostra uma nuvem de helicópteros e aviões de
guerra, vários tanques de guerra, advindos das fronteiras leste, norte e oeste de Israel.
Na sequência, a cena muda para um repórter, no centro de uma plantação de trigo,
iniciando uma reportagem com um cientista Israelense, Dr. Chaim Rosenzweig, que
começa a falar sobre a paz que ele pretende alcançar com sua descoberta.

Subitamente, surgem os aviões e começam um amplo bombardeio. Eles fogem


atônitos para um abrigo. Lá são informados de que se trata de um ataque maciço contra
Israel, sem se saber de onde parte; afinal, Israel tem muitos inimigos. Os aviões
israelitas não conseguem decolar por falha no sistema de ignição. No radar, eles
observam que os aviões dos inimigos começam a explodir no ar e caem, sem que Israel
esteja fazendo nada; eles não entendem e acham que o sistema de radar está com
defeito. O repórter Buck William pega sua filmadora e sai do abrigo para filmar e
mostrar o que esta acontecendo: aviões explodindo e caindo sem nenhuma explicação.
De repente, surge um homem velho, de barba e bigodes brancos, cabelo longos e
despenteados; sua aparência é supostamente semelhante à dos antigos profetas bíblicos.

47
Vilém Flusser (1920-1991) foi um filósofo Tcheco, naturalizado brasileiro, autodidata, que atuou por
cerca de 20 anos como professor de filosofia, jornalista, conferencista e escritor. Escreveu e ministrou nas
áreas da Teoria da Comunicação. Seus trabalhos se concentram no pensamento de Heidegger, sendo
marcados pelo existencialismo e pela fenomenologia.
51

Num ar de mistério, fala ao repórter: “A guerra continuará até o fim e alguns firmarão
um pacto de sete anos”.

O cenário muda para Chicago. Aparece uma família americana, o pai (Rayford
Steele), piloto de avião, sua esposa Irene, mulher religiosa e atenciosa, e dois filhos, um
menino de 12 anos e Chloe, uma jovem de temperamento rebelde.

Em Nova York, Buck recebe um telefonema e sai ao encontro de seu amigo


Dirk, que está muito nervoso por descobrir os planos secretos dos banqueiros Cothran e
Stonagal. Ele diz desesperadamente que o mundo está em perigo, dos ataques, da
fórmula do Dr. Rosenzweig, que as moedas dólar, libra e iene vão se transformar em
uma moeda única, que o Dr. Rosenzweig vai ser enganado por Cothran e Stonagal (os
banqueiros). Buck pede para ele se acalmar e explicar o que está acontecendo, mas Dirk
continua falando sobre dez demarcações de terra e informa ao amigo que irá juntar mais
provas. Tira de dentro de seu relógio de pulso uma espécie de mini CD novamente, e diz
a Buck que ali está tudo que havia no computador de Cothran. Guarda o CD no lugar e
diz que vai procurar mais fatos para entregar a Buck, que deverá publicá- los.

No estúdio de reportagem, Buck vê a filmagem que fez em Israel sobre o


bombardeio e fica admirado. Na gravação o ancião que falou com ele em seu idioma
(inglês), está falando em outro idioma, provavelmente em hebraico. No mesmo instante
um colega de trabalho lhe entrega um documento contendo a informação de que a
Europa acabara de unificar o câmbio com a Coreia, e que aquilo seria mais um passo
para a unificação do câmbio. Buck lembra da conversa que teve com Dirk.

Em Londres, surge a figura de Nicolae Carpathia, uma homem alto, de boa


aparência, cabelo loiro, olhos claros, conversando com Stonagal. Este fala sobre a paz
mundial, que é o sonho de todos e que poderia se tornar possível graças aos esforços de
Nicolae e sua natural habilidade para liderar a ONU; mostra-lhe um mapa advertindo-o
de que teria de convencer o Dr. Rosenzweig a aceitar sua proposta.

Pilotando um avião está Rayford, o qual é informado pelo co-piloto que a


aeromoça Hattie Durham (com a qual Rayford tem um caso) vai deixar o serviço de
bordo para trabalhar na ONU. No voo está o repórter Buck William, amigo da aeromoça
Hattie; ela agradece ao rapaz o telefonema que ele deu e graças ao qual ela conseguira o
novo emprego na ONU. Uma senhora começa a se preocupar com o sumiço do marido.
Buck tenta acalmá-la, dizendo que ele poderia estar no banheiro; ela pede para ele
52

verificar e levar o cobertor de seu esposo. Buck estranha e diz que não seria necessário
levar o cobertor, mas ela insiste dizendo que, se ele estivesse no banheiro, poderia estar
nu, e lhe mostra o lugar dele no avião, com todas as suas roupas, inclusive os óculos que
usava. Outros passageiros também começam a perceber o sumiço de outras pessoas;
uma mulher procura desesperada pelos seus filhos.

Na cidade o caos começa a tomar conta, com vários acidentes acontecendo. Um


motorista de caminhão desaparece, deixando em seu lugar somente suas roupas; outro
motorista aparece todo ensanguentado, depois de colidir com o carro da frente, do qual
o motorista sumiu; uma mãe chora por causa do bebê que desapareceu.

No avião, Rayford começa a pedir ajuda pelo rádio quando fica sabendo que
várias pessoas estão desaparecendo no mundo todo. Decide voltar para o aeroporto em
Chicago, o qual também encontra-se num verdadeiro caos.

Rayford volta para casa e não encontra seu filho e sua mulher. No quarto
encontra a camisola da esposa, junto com um colar (com pingente de cruz) e a aliança
(nova cena que mostra que somente o corpo sumiu, os bens materiais ficam todos).

Buck necessita ir para Nova York tentar descobrir o que está acontecendo com a
ajuda de seu amigo Dirk; para isso, tenta encontrar um piloto particular.

Num saguão, Ken Ritz (piloto particular) está oferecendo seu serviço para quem
pagar mais, numa espécie de leilão; as pessoas oferecem um valor e fala um nome de
cidade para onde querem ir. Buck chega e oferece 25 mil dólares para Ritz levá-lo a
Nova York. Sua oferta é aceita e os dois partem para Nova York. Ritz diz que o sumiço
das pessoas deve ser causado por alienígenas, e depois conta que ouviu no rádio uma
história bíblica em que havia dois homens no campo: um deles era levado, o outro,
deixado. Buck não dá crédito para a história da Bíblia e pergunta: o que teriam em
comum as pessoas que desapareceram? Será que todas as crianças e adultos teriam o
mesmo tipo de sangue? Ou seriam as ondas cerebrais? Ken Ritz questiona: as pessoas
sumiram para sempre ou vão voltar? Ou: outras pessoas ainda podem desaparecer?

Buck tenta encontra algo comum, e acha que o ponto comum talvez esteja nas
pessoas que foram deixadas para trás.

Em sua casa, Rayford procura por uma resposta; vê a Bíblia de sua esposa,
começa a lê-la e a pensar em que sua esposa acreditava.
53

Em Nova York, Bu ck vai ao apartamento de seu amigo Dirk e o encontra morto.


Pega o conteúdo no relógio e vê que o computador está ligado. Ao se aproximar para
acessar a informação o computador explode, atingido por uma bala. Buck foge
desesperado.

Em Chicago, aparece o pastor Bruce Barnes no templo vazio de sua igreja. Ele
está desiludido porque durante muitos anos pregou naquele púlpito sem acreditar no que
dizia, e agora via que era tudo verdade e ele ficara para trás. Começa a pedir perdão a
Deus orando e chorando. Rayford se aproxima, tendo escutando boa parte de seu
lamento e sugere que ele pode ter ficado para ajudar as pessoas que não foram levadas.
O pastor Bruce Barnes pega uma fita de vídeo e mostra um reverendo falando sobre
pessoas que desaparecerão subitamente, num piscar de olhos, sem que alguém saiba
para onde elas foram.

Buck vai ao apartamento de duas amigas e vê o conteúdo do CD que pegara de


Dirk. Ele contém mapas e siglas: EZ38, DAN7, o templo da cidade de Jerusalém.

Num escritório em Nova York, o Sr. Nic olae Carpathia mostra o mapa para o
Dr. Rosenzweig, que fica impressionado e declara que tudo se encaixa perfeitamente; no
mapa está o templo judaico construído ao lado da mesquita de Omar.

No apartamento de suas amigas, Buck continua vendo o diagrama do templo de


Salomão gravado no CD de Dirk, declara que é preciso juntar as peças do quebra-
cabeça, fazer uma ligação entre o templo, as dez faixas de terras e os aviões destruídos,
e que tudo deveria estar ligado aos banqueiros Stonagal e Cothran.

Rayford procura sua filha e diz que sabe onde estão sua esposa e filho. Chloe
fica surpresa e interessada em saber onde eles poderiam estar. Quando seu pai informa
que eles estão no paraíso com Deus, Chloe se mostra irritada; seu pai tenta acalmá- la e
fala sobre a fita, pedindo que ela assista.

Nicolae fala na TV que a causa dos desaparecimentos fora o acúmulo radioativo


de décadas de testes nucleares. Então, propõe o total desarmamento mundial,
informando que está trabalhando com o Dr. Chaim Rosenzweig para um acordo de paz
da ONU e com um programa para que todas as bocas do mundo possam ser
alimentadas. Buck assiste ao pronunciamento.
54

No apartamento, as amigas de Buck descobrem que as terras pertencem à ONU e


são parte do plano de paz e desarmamento, e que em Israel há um centro de pesquisa
arqueológica mantido pelas empresas de Stonagal e Cothran.

Buck encontra-se com Alan Thompkins, agente da CIA, num bar, que o informa
que Stonagal e Cothram têm emprestado bilhões à ONU durante anos, e que vão cobrar
a dívida na Justiça. Buck fica surpreso ao constatar que os banqueiros querem a falência
da ONU para poderem controlar a distribuição mundial de alimentos.

Quando estão saindo do bar, uma mulher detém Buck pedindo-lhe dinheiro.
Alan vai para seu carro; quando da partida o carro explode matando Alan e deixando
Buck um pouco ferido.

Buck chega à casa de Rayford pedindo ajuda. Chloe e Rayford levam-no à


enfermaria da igreja. Começam, então, a falar sobre os desaparecidos e mostram a fita
do reverendo que fora feita há três anos. Buck hesita em acreditar; todavia, o pastor
Bruce abre a Bíblia em Ezequiel 38, dizendo que tudo que está acontecendo já fora
previsto. Israel fora atacado e o próprio Deus o defendeu. Buck pergunta o que a Bíblia
diz sobre as dez faixas de terra. O pastor Bruce responde que está escrito em Dn 7: o
Anticristo controlará dez reinos, ou seja, o mundo. 1Ts 4,17 fala sobre o arrebatamento,
e 2Ts 2,7, do surgimento do Anticristo, que vai se sentar no trono de Deus e se declarar
Deus. Buck se opõe: se o templo de Deus era o templo de Salomão, sua reconstrução
seria impedida pelos árabes, uma vez que a mesquita de Omar está no lugar. Entretanto,
o pastor é categórigo e diz que eles firmarão um acordo de paz por sete anos, conforme
está escrito em Dn 9,27. Bu ck diz ser incrível, embora tudo esteja se encaixando. Sai
dizendo que é necessário fazer alguma coisa, e vai para a sede da ONU.

Chegando lá, encontra-se com o Dr. Rosenzweig e explica que ele está sendo
enganado, mas o outro argumenta dizendo que sua fórmula irá para uma comissão da
ONU. Buck explica que os banqueiros vão ficar com tudo quando a falência da ONU
for declarada, e ambos saem para falar com Nicolae.

Carpathia se mostra surpreso e diz que vai resolver a questão. Buck vê na mesa o
mapa e pergunta ao Dr. Rosenzweig o que significa aquilo, e ouve que é a planta de
reconstrução do templo, e que o verdadeiro lugar do templo é ao lado da mesquita, a
harmonia perfeita.
55

Nicolae volta avisando que vai anunciar a distribuição mundial de alimentos


junto com a construção do templo, dando início aos sete anos de paz. Buck fica
paralisado ao lembrar da conversa que teve com o pastor Bruce.

Buck então começa a acreditar em tudo o que ouviu do pastor. No banheiro,


começa a falar com Deus e a pedir perdão por sua incredulidade, e direção quanto ao
que fazer. Chloe e o pai oram por ele na igreja. Ao sair do banheiro, encontra com
Nicolae, que o convida para participar de uma reunião, antes da entrevista à imprensa.

Na sala de reunião, todos estão em volta de uma grande mesa redonda. Nicolae
fala sobre a comunidade global, as dez faixas de terra que serão controladas pelos
delegados da ONU, o início de sete anos de paz.

Enquanto Nicolae fala, Buck vai lembrando da conversa com o pastor: “Isso será
o começo do surgimento do Anticristo que controlará dez reinos, isto significa o mundo,
o Anticristo se sentará no trono de Deus e se declarará: Deus...”.

Nicolae continua seu discurso e demonstra ter domínio sobre as mentes das
pessoas. Pede a arma do segurança e mata Cothran; logo em seguida, contando uma
versão para o assassinato, mata Stonagal, dizendo que este matara Cothran e se
suicidara, porque Stonagal era um homem atormentado por culpa e medo, e ficara
apavorado quando soube que ia ser denunciado por Buck, sabia que seus planos tinham
sido descobertos e ele iria perder tudo, estaria destruído, arruinado. Na sequência, dois
tiros são ouvidos, do lado de fora da sala de reunião, e dois guardas entram correndo; na
sala as pessoas estão atônitas, chorando e gritando, como numa espécie de hipnose.
Buck não acredita no que está vendo, pois somente ele não fora hipnotizado. Procura o
Dr. Rosenzweig e pergunta o que acontecera, e este conta exatamente a história que
Nicolae simulara, de assassinato e suicídio.

Assim Nicolae, cujo nome significa vitória do povo, é visto como o líder que o
mundo procurava. Buck sai pensativo, crendo na Bíblia, sabendo que os próximos sete
anos serão os piores anos que a humanidade já viu, mas com um ar de esperança. Buck
vai ao encontro de seus novos amigos Rayford, Pastor Bruce e Chloe, sabendo que não
tinha todas as respostas, mais crendo na Bíblia e em Deus. A fé seria o suficiente para
passar pelos próximos sete anos.
56

3.3. Análise temática do filme Deixados para trás

A análise será feita sobre o primeiro filme da série, pois neste encontra-se o tema
do arrebatamento. O filme foi baseado na série de romances que levam o mesmo nome:
Left Behind, traduzido para o português como Deixados para trás.

O romance da série em que o filme se baseia se apresenta como “uma ficção dos
últimos dias”. Já a resenha na contra-capa do filme esboça a proposta de levar o
espectador a “uma viagem através de um dos mais misteriosos livros da Bíblia, o livro
do Apocalipse”. A narrativa fílmica construiu seu enredo totalmente firmado sobre a
crença no arrebatamento. Esta, uma doutrina escatológica extraída por sua vez da Bíblia
e de seus vários textos proféticos, dá sustentação ao enredo. Alguns textos são chaves
para a sustentação da doutrina, inclusive na vida real, e por isso são citados
explicitamente no filme; outros textos são apenas evocados no decorrer da narrativa, e
somente quem tem um maior conhecimento bíblico é capaz de perceber. De qualquer
forma, por trabalhar com imagens e necessitar de uma condensação maior, a narrativa
fílmica, em comparação com o livro, torna bastante interessante a exposição do que se
espera acontecer num futuro próximo. Também é interessante a maneira como as
imagens e as falas das personagens são ajustadas no todo da obra para dar sentido à
crença. De um modo geral, mudanças e adaptações são feitas na construção fictícia para
que a narrativa tenha um sentido lógico, envolvente e factível, sempre buscando
verossimilhança e coerência com a expectativa existente na doutrina escatológica do
arrebatamento.

3.3.1. O filme: ficção com status de verdade

O filme tem início com uma fala, antes que qualquer imagem apareça.

Naturalmente um filme é constituído de uma série de imagens, as quais podem


produzir variados significados, por isso, é a junção de fala e imagem que conduz ao
significado da mensagem pretendida pelos autores.
57

No filme, a realidade objetiva fictícia corresponde à realidade histórica atual, e


se constitui num código que só é possível decifrar tendo em mãos (ou conhecendo) a
Bíblia, pois ela é apresentada como uma verdade única e universal, exposta muitas
vezes em forma profética, através da qual é possível se situar no tempo e no espaço. Já
mencionamos em capítulos anteriores que os adeptos da crença no arrebatamento são
em sua maioria fundamentalistas, pré-milenistas e dispensacionalistas. Tal corrente vê
nas profecias bíblicas a história escrita antecipadamente. Não sem motivo, esta primeira
fala do filme funciona como uma anchorage4 8, um forma de conduzir o tipo de leitura
que deve ser feita pelo espectador. Eis a fala:

How do you describe both a beginning and an end?


We should’ve know better but we didn’t.
What does it matter what we think we know?
In the end, there’s no denying the truth.
(Como você descreve o início e o fim?
Devíamos ter sabido melhor, mas não soubemos.
O que importa o que pensamos que sabemos?
No fim, não há como negar a verdade.)

A fala dirige-se diretamente ao espectador; a pergunta retórica é uma primeira


forma de envolver o espectador na história a seguir. De uma forma simples e direta,
procura evocar o tema do início e do fim de todas as coisas, talvez certa alusão à
conhecida dúvida filosófica: de onde viemos, para onde vamos? Uma antiga dúvida
humana a respeito da origem e do fim, tanto do mundo como de si mesmo. Com relação
à interpretação fundamentalista bíblica, o início e o fim de tudo, representados nos
livros bíblicos do Gênesis e do Apocalipse, são extremamente importantes. Afinal, o
começo dá as bases e diretrizes, e o fim a consumação de tudo. Por isso, nessa leitura é
imperativo ao homem conhecer o início e o fim, conforme a frase: “Devíamos ter sabido
melhor”. Entretanto, conhecer tal verdade não modifica sua realização, mesmo porque
tal verdade sobre o futuro já está prevista nos planos divinos, sendo, portanto,
irrevogável e indestrutível. O que resta então fazer? Apenas constatá-la e aceitá-la.
Dessa maneira, a ficção procura se impor como uma antecipação dessa verdade

48
Anchorage é um termo usado por Roland Barthes para designar o texto usado como legenda, geralmente
na propaganda, e que prevê a ligação entre a imagem e o seu contexto; ou seja, o texto direciona a forma
como as imagens devem ser lidas. No caso, tal fala direciona como a ficção deve ser interpretada.Ver em
Barthes, R. Image Music Text. London: Fontana, 1997, apud ROSE, Gillian. Visual Methodologies, A
Introduction to the Interpretation of Visual Materials. California: Sage Publications, 2007.
58

indestrutível, inegável e inalterável, que vai sendo descoberta e constatada ao longo da


narrativa por aqueles que antes a ignoravam ou a rejeitavam.

Ao longo da trama é possível perceber como a ficção procura sutilmente


“evangelizar” o espectador, só que não afirmativamente; antes, sublinha o discurso não-
cristão com refutações coerentes e comuns dos que não cultivam a mesma fé. A
personagem Chloe, filha do piloto, é um exemplo do uso desse mecanismo. Sua recusa
em aceitar a fé cristã se dá por argumentos bastante lógicos e taxativos contra o que
parece ser uma fé ultrapassada e dissonante com a realidade da vida. O jornalista Buck
Williams é outro personagem que representa a sensatez científica que não “crê” sem
antes constatar os fatos. A seguir, um trecho do diálogo entre Chloe e seu pai, e uma
fala do jornalista.

Ray descobre que sua esposa e filho foram arrebatados, se converte e comunica a
descoberta (sobre sua esposa e seu filho) a sua filha, que lhe responde:
Chloe: Aren’t you using God as a crutch? (1:00:17)

(Você não está usando Deus como muleta?)

Depois de descobrir que seu pai tinha um caso com uma colega de
trabalho, Chloe sugere que sua aproximação a Deus é por causa da culpa.
Chloe: Are you sure this isn’t just you feeling guilty because of you friend?
(1:05:47)

(Tem certeza que não é apenas por você se sentir culpado por causa da sua
amiga?)

Ray: It’s not about guilt. I can’t… I won’t live without faith anymore, I
won’t.

(Não é sobre culpa. Eu não posso... não quero mais viver sem fé.)

Chloe: Why? Because God will send you to hell? It’s a nice God, he get hell
on earth, and he get hell after.

(Por quê? Porque Deus mandará você para o inferno? É um bom Deus, ele dá
o inferno sobre a terra e depois também.)

O jornalista Buck, antes de receber a explicação do pastor sobre o que a Bíblia


diz sobre as últimas coisas:

Buck: The Scripture are so vague, it can mean anything.(1:13:08)

( As Escrituras são tão vagas, podem significar qualquer coisa.)


59

Com estes exemplos é possível constatar que a verdade bíblica proposta pelo
filme é em princípio taxativamente refutada com argumentos comuns, inclusive da vida
real. Entretanto, a seguir estes caem por terra, diante das constatações inegáveis dos
fatos históricos que vão se ajustando perfeitamente às profecias. No filme, portanto, não
há o apelo a uma fé que espera por um futuro melhor, mas sim à que aponta para a dura
realidade que vai se cumprindo. Diante disso, o que se pensa saber já não faz nenhuma
diferença. Por isso, ao fim da trama, Chloe com seu ríspido ceticismo, Buck com seu
racionalismo fatual, e mesm o o piloto Ray, antes tão indiferente à fé, se tornam cristãos,
ao constatarem a verdade bíblica cumprindo-se cabalmente.

3.4. A hermenêutica bíblica do arrebatamento segundo o filme

O principal evento da trama é o arrebatamento da Igreja que dá nome ao filme,


embora o título Deixados para trás enfatize as pessoas que ficam, e não as que são
levadas. Assim, com dois eventos enigmáticos (o ataque a Israel e principalmente o
arrebatamento de milhares de pessoas) instaura-se a busca que as personagens principais
deverão empreender no desenvolvimento da trama. O piloto Rayford Steele e o
jornalista Buck William seguem caminhos diferentes na busca por uma resposta ao
sumiço das pessoas; o primeiro recorre à fé de sua esposa, também desaparecida, e o
segundo procura entre seus contatos levantar dados que possam lhe trazer a resposta.
Buck, através de seu amigo Dirk Burton – um ex-agente do Pentágono – consegue então
informações a respeito dos últimos acontecimentos, mas sua compreensão dos dados é
insuficiente para que ele encontre também suficiente resposta.

Por estarem em forma de esboço, com abreviações dos livros bíblicos a que
estão relacionadas, apenas quem conhece a Bíblia e a crença respectiva está apto a
decifrá- las.

Por fim, é através de uma fita de vídeo gravada três anos antes do arrebatamento
que ambos (piloto e jornalista) encontram a resposta, não sem antes terem que entender
o que de fato ocorre no cenário político-econômico mundial.

A fita de vídeo contém um discurso explicativo sobre o arrebatamento, em que o


pastor Vernon Billins procura consolar os que foram deixados para trás. A exposição
60

dessa fita ocorre em dois momentos no filme: uma para o piloto Rayford, na cena 56:12,
e outra para Buck, na cena 1:12:18, e é nesse momento, com a ajuda do pastor Bruce,
que o enigma do filme é decifrado. O pastor explica ao jornalista o que significam as
informações que ele conseguiu com seu amigo Dirk com base em passagens bíblicas.
Aqui, portanto, nos últimos 30 minutos restantes de filme, é possível perceber como é
feito o uso da Bíblia para apoiar a crença no arrebatamento. Três assuntos principais
figuram na mídia em posse do jornalista: os ataques a Israel, as dez faixas de terra
(pertencentes à ONU) e a futura reconstrução do templo judaico, destruído em 70 EC. A
forma como esses assuntos são extraídos e recortados de diferentes textos bíblicos para
dar formatação a uma nova trama na ficção expõe claramente o funcionamento da
dinâmica interpretativa que ocorre na vida real nesse tipo de crença.

O arrebatamento, então, juntamente com o conteúdo da mídia em poder do


jornalista Buck Williams, dinamizam o filme, sendo as principais pistas do jornalista.

O primeiro elemento dessa busca a ser explicado é o arrebatamento de milhares


de pessoas ao redor do mundo. A gravação deixada por um pastor (também arrebatado)
foi feita três anos antes do evento. Eis seu conteúdo:

Hello, I’m pastor Vernon Billins from the New Hope Village Church. If you
are watching this tape, you’re no doubt confused and let me encourage you.
Your loved ones, your children, your friends, your acquaintances have been
snatched away by some evil force or some invasion from outer space…
(56:12)

(Eu sou o pastor Vernon Billins, da Igreja Nova Esperança. Se você está
assistindo a esta fita, sem dúvida você está confuso; deixe-me encorajá-lo.
Seus amados, suas crianças, seus amigos, seus conhecidos foram levados por
alguma força má ou alguma invasão do espaço exterior.)

You’re watching this tape because millions of people have disappeares,


Babies and Children, still innocent in God’s eyes, have vanished. There is
much to fear but not for those who are missing. They placed their faith in
Christ alone for salvation. They’ve been taken to Heaven by Jesus himself.
First Tessalonians tell us that the Lord himself shall descend from Heaven
with a shout, with the voice of the archangel and with the trump of God and
the dead in Christ, shall rise first! Then, we, who are live and remain, shall be
caught up together with them in the clouds to meet the Lord in the air and so
shall we ever be with the Lord. (1:12:18)
61

(Vocês estão assistindo a esta fita porque milhões de pessoas desapareceram,


bebês e crianças, ainda inocentes aos olhos de Deus, desapareceram. Há
muito para temer, mas não por aqueles que estão desaparecidos. Eles
colocaram sua fé somente em Cristo para a salvação. Eles foram levados para
os Céus pelo próprio Jesus. Primeira Tessalonicenses nos diz que o Senhor
mesmo descerá do Céu com um grito, com a voz de arcanjo e com trombeta
de Deus, e os mortos em Cristo ressurgirão primeiro! Então, nós que estamos
vivos e ficamos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens a
encontrar o Senhor no ar e assim estaremos sempre com o Senhor.)

O arrebatamento é explicado com base em 1Ts 4,17. Embora algumas ideias


como “foram levados para o céu”, “há muito para temer, para os que ficarem” não
constem no texto, elas são incluídas por causa da crença como um todo. Por outro lado,
o tema da ressurreição dos mortos em Cristo, que se insere no texto de 1
Tessalonicenses, está ausente no desenvolvimento do filme.

Já as outras três imagens enigmáticas: o ataque bélico a Israel, as dez faixas de


terra pertencentes à ONU, a reconstrução do templo Judaico, contidas na mídia, são
explicados pelo pastor Bruce, que também foi deixado pra trás.

O primeiro esboço a aparecer na mídia é o ataque a Israel com um suposto


código (EZ38) à direita inferior. Quando mostrado ao Pastor Bruce, então ele explica
que trata-se da passagem de Ezequiel 38:

God promised to protect Isr ael against total alienation by her enemies from
the Noth, miraculously. It’s all in there exactly as you witnessed it. (1:13:38)

(Deus prometeu proteger Israel contra a alienação total por seus inimigos do
Norte, milagrosamente. Está tudo lá, exatamente como você testemunhou.)

A explicação do pastor Bruce não cita nenhum versículo bíblico; apenas dá uma
espécie de título para o texto. Na cena fílmica ele aponta o texto de Ezequiel 38 ao
jornalista.

Na realidade, Ezequiel 38 é um oráculo profético contra Gog, um antigo inimigo


do povo de Israel que viria do Norte juntamente com seus aliados. O texto é longo e
continua no capítulo 39. Segundo essa passagem, Deus mesmo suscita esses inimigos
para pôr fim a sua arrogância. O plano mal de Gog terá como propósito despojar e
saquear o povo de Deus, que nessa época já estará reunido novamente, após sua
dispersão no meio dos povos. Esta passagem, portanto, suscita o moderno tema do
62

sionismo49, que naturalmente a tem como apoio. Porém, o próprio Deus defenderá Israel
numa forma de engrandecer Seu próprio Nome e se fazer conhecido. O texto de Ez
38,11 dá características a respeito desse povo que será atacado: “E dirás: Subirei contra a
terra das aldeias não muradas, virei contra os que estão em repouso, que habitam seguros; todos
eles habitam sem muro e não têm ferrolho nem portas”. Trata-se, portanto, de um povo
tranquilo e indefeso. Talvez por isso Deus mesmo coloque-se a seu favor de forma
determinante, a ponto do texto usar uma linguagem de destruição apocalíptica no verso
20-22:

De tal sorte que tremerão diante da minha face os peixes do mar, e as aves do
céu, e os animais do campo, e todos os répteis que se arrastam sobre a terra, e
todos os homens que estão sobre a face da terra; e os montes cairão, e os
precipícios se desfarão, e todos os muros desabarão por terra. Porque
chamarei contra Gog a espada, sobre todos os meus montes, diz o Senhor
JEOVÁ; a espada de cada um se voltará contra seu irmão. Contenderei com
ele por meio da peste e do sangue; e uma chuva inundante, e grandes pedras
de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, e sobre as suas tropas, e sobre
os muitos povos que estiverem com ele.

É importante notar que esse texto de Ezequiel possui correlação com Apocalipse
20, uma vez que ambos os textos tratam da batalha do Armagedom, apesar de que no
Apocalipse tal acontecimento se dê após o milênio. Como a ficção diz basear -se no livro
do Apocalipse, a colocação dessa batalha no início do enredo faz crer que esta
dissonância com a profecia bíblica do Apocalipse tem a ver com a construção imagética
que o filme procura formar sobre Israel, bem como tenta sugerir uma maneira pela qual
Deus atrairia a atenção de seu próprio povo para si.

De qualquer forma, ao filme o que realmente interessa nessa passagem é o


ataque contra Israel e o livramento que Deus lhe dá; particularidades do texto e suas
inconveniências à hermenêutica entre o texto e a ficção são preteridas.

Na sequência fílmica o jornalista questiona o pastor Bruce sobre as dez faixas de


terra que aparecem na segunda imagem da mídia. Bruce então responde:
It’s Daniel 7, the rapture: the vanishing. This marks the beginning of the rise
of the Antichrist. He will control ten Kingdoms, which in turn will control
the world.

49
Sionismo é um movimento político internacional judeu que resultou na formação do Estado de Israel, em
maio de 1948, e em sua posterior evolução. Obteve seu nome de Sião (Sion, Zion), um monte nos
arredores de Jerusalém. Fonte: Dicionário Houiass da Língua Portuguesa, http://houaiss.uol.com.br/
63

(É Daniel 7, o arrebatamento, o desaparecimento. Isso marca o começo da


ascensão do Anticristo. Ele vai controlar dez reinos, que por sua vez irão
controlar o mundo.)

Nessa resposta o pastor liga as dez faixas de terra, aqui supostamente localizadas
em Daniel 7, com o evento arrebatamento. Tal ligação é completamente arbitrária, uma
vez que inexiste a ideia, termo ou algo semelhante nesta passagem. Diante da
incongruência entre as dez faixas de terra e os dez reinos de Dn.7, Chloe interpela a
conversa:

Yeah, but ten giant tracks of usele ss real state doesn’t seem like much for
kingdom to me.

(Sim, mas dez enormes faixas imobiliárias inúteis não se parecem muito com
reinos para mim.)

O que realmente relata o capítulo 7 do livro de Daniel é a visão de quatro


animais que simbolizam quatro reinos, os quais se levantariam sobre a terra. O quarto
animal, símbolo do quarto reino, possui dez chifres e, conforme relata a passagem, esses
dez chifres simbolizam dez reis, que também se levantarão sobre a terra. Após esses
reis, surgiria um décimo primeiro rei que “proferirá palavras contra o Altíssimo, e destruirá
os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão entregues em suas
mãos, por um tempo, e tempos, e metade de um tempo” . Baseada nesse texto50 a ficção criou
a ideia das dez faixas de terra.

Buck então lembra-se da fórmula Éden, que transforma solo improdutivo em


solo fértil, e expõe o plano do banqueiro Justin Stonegal de controlar o suprimento de
alimentação mundial.

Naturalmente, para que a criação fictícia das dez faixas de terra possa fazer
sentido, foi necessário inserir na narrativa a fórmula Éden, porém, não existe alusão ou
menção a ela na Bíblia.

Então, o pastor Bruce continua sua explicação:


Second Tessalonians two, “And the Antichrist will sit in the Temple of God
and he will declare to the whole world that he is God”.

50
É importante lembrar que a leitura fundamentalista da Bíblia data o livro de Daniel na época do império
babilônico e, portanto, interpreta suas visões- proféticas como eventos a serem cumpridos, diferentemente
da leitura liberal, que considera tais profecias como ex-eventum , uma vez que para tal leitura o livro seria
do séc. II aEC.
64

(Segundo 2 Tessalonicenses, “o Anticristo se sentará no templo de Deus e vai


declarar ao mundo inteiro que é Deus".)

Nesse ponto da explicação, o pastor dá preferência à figura do Anticristo que


aparece em 2Ts 2,4, passagem em que é mencionado como aquele que se assenta no
templo de Deus e quer se passar por Deus. É por esse motivo que o templo deverá ser
reconstruído (para ser profanado), caso contrário, tal profecia não se cumprirá a
contento.

Com a explicação, Buck entende se tratar do templo de Salomão, o terceiro


esboço contido na mídia, e objeta que o Anticristo terá uma grande guerra pela frente
com a reconstrução do templo, uma vez que ele deverá ser construído onde atualmente
encontra-se a mesquita de Omar. O pastor, então, é incisivo:

Listen to what i’m saying to you make no mistake about it. It’s written in the
Scripture. He will rebuild the Temple. I guarantee it.

(Ouça o que eu estou dizendo a você, não se engane sobre isso. Está escrito
nas Escrituras. Ele vai reconstruir o Templo. Eu garanto.)

À insistência de Buck na impossibilidade da reconstrução do templo diante da


oposição dos Árabes, o pastor responde:

Pastor – They’ll make peace with Israel.

(Eles farão paz com Israel.)

Buck – Peace? In the Middle East?

(Paz? No Oriente Médio?)

Pastor – Daniel 9,27: “And he will confirm a covenant with many for seven
years”.

(Daniel 9,27: “E ele confirmará uma aliança com muitos por sete anos”. )

Contudo, em Dn 9 não há menção à reconstrução do templo (há apenas menção


à reconstrução da cidade de Jerusalém), nem tampouco menção a árabes como parceiros
da aliança. Assim, chega ao fim a explicação do pastor Bruce a respeito dos
acontecimentos que, conforme o filme, estão descritos total e previamente na Bíblia.

O jornalista Buck reluta em acreditar e aceitar as explicações, mas concorda que


elas todas estão se ajustando. Sai da reunião disposto a fazer algo a respeito, e a despeito
de todo seu esforço acaba por constatar que realmente a Bíblia está sendo cumprida, e
só lhe resta aceitar a verdade de suas profecias.
65

Destarte, o piloto Ray, antes indiferente à fé de sua esposa, Chloe, a jovem de


tendência rebelde e a-religiosa, o jornalista Buck, com sua postura racional, vão sendo
arrastados pela força da verdade que advém da Bíblia, e confirmam o que consta na fala
inicial: “No fim, não há como negar a verdade”.

Com a análise da hermenêutica do arrebatamento, foi possível perceber que não


existe uma “interpretação ortodoxa” do arrebatamento e dos eventos que o seguirão;
antes, toda uma história fictícia é forjada pontuando algumas menções de textos bíblicos
e suas supostas expectações imagéticas. Textos bíblicos de diferentes estilos, épocas e
objetivos são usados para fornecer ideias acerca do enredo do filme, unidos de forma a
fazer sentido. O filme, na verdade, expõe bem claramente como histórias podem ser
forjadas a partir de diferentes textos , usados e manipulados a bel prazer do narrador.

3.5. Conteúdo ideológico: suas ambiguidades e implicações

3.5.1. A centralidade de Israel

As primeiras imagens do filme apresentam a cidade de Jerusalém. Uma


informação textual se une à visual para indicar o Iraque como lugar de onde surgem
inúmeros caças e helicópteros invadindo os céus no que seria um ataque bélico. O
mesmo acontece na fronteira Síria-Israel, só que ali incluindo tanques de guerra, num
combate terrestre. Pelo lado oeste também surgem caças que sobrevoam o mar
Mediterrâneo. Até que os ataques efetivamente atinjam Israel passa-se 3 minutos, o que
a ficção apresenta em tempo real, o que indica sua intenção de ajustar ficção à realidade.
Entretanto, o que nos interessa é a construção imagética que a ficção faz da nação Israel.
Tanto a descoberta científica quanto o ataque surpresa corroboram a imagem de Israel
como uma nação próspera e pacífica, porém alvo do ódio inimigo. Tal imagem está
ligada ao cientista israelense Chaim Rosenzweig, um homem de cabelos brancos que
almeja alcançar a paz para Israel através da descoberta da fórmula Éden, que faz até o
solo desértico florescer. Contudo, vê seus sonhos frustrados pelos repentinos ataques
(que nem ao menos sabe de onde vêm; Israel nem tem tempo de se defender, e somente
por um milagre é que escapa ileso, sem que consiga levantar sequer um avião de
66

combate). A ficção impõe, portanto, imagens tais de Israel que não condizem com a
realidade histórica. Na vida real, Israel é uma nação sempre pronta a atacar ou a se
defender; nem sempre suas decisões políticas são pacíficas, mesmo por que há conflitos
políticos em seu próprio interior. Na ficção, há uma construção ideológica do papel e
comportamento de Israel como se fosse sempre positivo. Ele é a nação próspera,
pacífica que possui muitos inimigos (talvez por causa de sua própria prosperidade, que
atrai invejosos), no entanto, Deus está a seu favor e o defende.

Não é sem motivo que o ataque contra Israel buscou inspiração no livro de
Ezequiel 38 – nessa passagem, o próprio Deus intervém em favor de Israel derrotando
seus inimigos e provando seu poder.

Vimos no primeiro capítulo desta dissertação que, na interpretação


dispensacionalista, Israel é claramente distinto da Igreja, o que configura uma
característica marcante desta corrente teológica. Em outras palavras, Israel como etnia,
nação e unidade política jamais deverá ser confundida com a Igreja, e não se deve
entender que as promessas feitas a Israel se apliquem à Igreja e sejam nela cumpridas.
Muito da posição ideológica pró-Israel que aparece no filme, naturalmente, expõe esta
interpretação.

Apesar dessa centralidade, há contudo quem desconfie dessa predileção por


Israel. Rossing51 relata a posição de Gorenberg, um judeu israelita que aponta para o
anti-semitismo dispensacionalista retratado pela série Left Behind quando considera que
apenas judeus que se converterem ao cristianismo serão salvos da tribulação, enquanto
que os restantes passarão por ela, ou mesmo serão dignos de morte. Para Gorenberg, o
perigo maior reside no fato de o valor de Israel estar apenas em seu papel de satisfazer o
cumprimento das profecias, mas caso estas não se realizem conforme as expectativas,
esse valor pode mudar. Da mesma forma, Urban52 identifica anti-semitismo na forma
como a série retrata Israel, como extremamente contumaz em não reconhecer Jesus
como o Messias, enquanto faz dos judeus convertidos ao cristianismo verdadeiros
heróis.

51
ROSSING, Barbara R. The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio . Colorado:
Basic Books, 2004, p. 61-62.
52
URBAN, Hugh B. America, Left Behind Bush, the Neoconservatives, and Evangelical Christian Fiction.
Journal of Religion & Society 8 (2006), p. 5.
67

3.6. A crítica ao capitalismo na ficção

O script do filme faz uma clara crítica ao capitalismo. Por trás de toda
conspiração que dará lugar ao Anticristo está a figura de dois banqueiros. O tema da
unificação se apresenta na trama como um tipo de globalização que facilitará as
atividades futuras do Anticristo. Vejamos as falas.

It´s all about the money, isn´t it? (15:43)

( É tudo sobre dinheiro, não é?)

Dirk Burton, ao relatar sua descoberta sobre os planos dos banqueiros Cothran e
Stonagal, ligados aos ataques a Israel, os centros de pesquisas, os fundos de
investimentos e o câmbio.
Sorry folks, cash only... 25 large! Do I hear 30, anybody? Anybody? Ok, Mr.,
you bought yourself a pilot. (45:60)

(Sinto muito, amigos, apenas dinheiro... 25! Posso ouvir 30, alguém?... Ok,
senhor, você comprou seu próprio piloto)

Ken Ritz, ao oferecer seu trabalho de piloto particular a quem desejasse sair de
Chicago em meio ao caos do arrebatamento. Buck é quem dá a maior oferta e, portanto,
acaba comprando o piloto. A cena expõe a insensibilidade e a ganância humana por
lucro mesmo diante da desgraça alheia.

Follow the money, honey. (59:38)

(Siga o dinheiro, querida.)

Amigas de Buck ao comentar sobre os passos a seguir para decifrar os códigos


nos planos dos banqueiros. Em outras palavras, o dinheiro é um rastro que conduz ao
cerne do problema.

You mean, it´s all about money? (1:09:39)

( Você quer dizer que é tudo sobre dinheiro?)


68

Alan Thompkins, ao conversar com Buck sobre o plano dos banqueiros de


cobrar a enorme quantia que haviam emprestado à ONU. Buck então compreende que,
devido à impossibilidade da ONU pagar essa dívida, acabaria por ser decretada a
falência da organização, e os banqueiros se apropriariam das dez faixas de terra
pertencentes a ela.

Assim, a ficção faz uma dura crítica ao poder de controle que o capital exerce
sobre as pessoas. Os banqueiros Cothren e Stonegal representam esse controle no mais
alto grau; seus negócios existem em função da sede de poder que acaba por abrir espaço
para que o Anticristo assuma sua função de controle total sobre os sistemas humanos.
Mesmo pessoas que não pertencem a uma esfera tão alta do sistema, como o piloto Ken
Ritz, procuram tirar o máximo proveito de situações de desgraça e desespero que se
abatem sobre o mundo para auferir lucros. Por outro lado, as roupas e pertences
materiais são deixados para trás no momento do arrebatamento, um claro indicativo de
que os bens materiais não têm mais valor para os que se foram. A crítica ao capitalismo
é uma característica incluída no todo da série Left Behind.

Todavia, essa maneira crítica da série expor o capitalismo tem chamado a


atenção dos pesquisadores na medida em que as críticas e advertências da série estão em
franca dissonância com a postura dos autores e editores da série, na vida real. A série
Left Behind figura entre os inúmeros produtos hoje considerados pertencentes à
chamada indústria do Apocalipse que, segundo pesquisadores como Torin Monahan53,
tem-se desenvolvido para alimentar os temores cristãos de diferentes tipos em relação
ao fim do mundo. Tal multiplicidade de profecias apocalípticas relacionadas com
propagação midiática e fusão com as formas econômicas vigentes têm feito surgir
termos como Capitalismo Milenial 54. O termo indica, na verdade, o tipo de prática de
capitalismo neoliberal globalizado, baseado nos princípios da privatização,
responsabilidade individual e direito de consumir (não produzir), e que tem
proporcionado oportunidades para uns sobre a crescente vulnerabilidade de outros. No
campo da divulgação de doutrinas e crenças cristãs, está baseado em profecias bíblicas
atualizadas para o mundo hodierno.

53
MONAHAN, Torin. Marketing the beast: Left Behind and the apocalypse Industry, Media Culture
Society, 2008, p. 813-830.
54
Esse nome provém em parte do fato dessa forma de capitalismo tomar forma na virada do milênio, e em
parte de seu surgimento fazer com que, tanto os que o apoiam quanto os que lhe são contrários, entrem
quase que numa esfera apocalíptica de esperanças e medos. Extraído do site npq.org .
69

Segundo o mesmo artigo, parte do mercado de US$ 7 bilhões em produtos


cristãos no EUA advém do vasto comércio de ficção religiosa, como a série de produtos
Left Behind. O sucesso de produtos como este pode ser atribuído, por um lado, à
proximidade com o ano 2000, época sem dúvida propícia a temas escatológicos. Por
outro lado, a distribuição em massa de produtos cristãos tem sido reflexo das mudanças
nas operações e na constituição dos mercados de capitais que efetivamente mudaram
todos os setores de produção e consumo. Garantindo espaço no mercado secular em
grandes cadeias de lojas, o mercado para produtos cristãos aumentou
consideravelmente. Dessa forma, as transformações estruturais na indústria editorial
também foram decisivas para o sucesso dos produtos da série Left Behind. Nos EUA, os
livros da série eram quase que exclusivamente vendidos por comerciantes cristãos, que
foram grandemente prejudicados com a distribuição desses produtos para as grandes
lojas no âmbito secular5 5. Conforme Fisher 56, a editora Tyndale House, da série Left
Behind, aumentou seu faturamento em U$ 135 milhões entre 1998 e 2001 por causa
dessas mudanças. Em seu artigo, Fisher cita a seguinte frase de Kenneth Taylor,
fundador da Editora Tyndale House: “A dificuldade é lembrar que a finalidade do
chamado de Deus para seu editores é promover-lhe a glória, e não fazer dinheiro”57. O
resultado dessas mudanças pode ser comprovado pela variedade de leitores que a série
tem atingido. Frykholm 58, em sua pesquisa sobre a cultura do arrebatamento, encontrou
entre seus entrevistados evangélicos e não-evangélicos, crentes no arrebatamento e não
crentes no arrebatamento, mórmons, católicos, batistas, presbiterianos, agnósticos e
outros. Segundo ela, isso é também uma prova de que, quando se trata de
entretenimento, a fé pode ser posta de lado.

Alguns pesquisadores atribuem o sucesso e o lucro de produtos cristãos à


ambiguidade das mensagens religiosas, como ocorre, por exemplo, com a música cristã
que não menciona o nome Jesus em suas letras e, por isso, proporciona um maior
cruzamento dos mercados sagrados e profanos . No caso da música, admite-se que houve
mudanças na mensagem cristã por ela transmitida, bem como a forma como os músicos
veem a música e a si mesmos (como arte); em todo caso, houve uma submissão a

55
No Brasil também é comum a venda desse tipo de produto nas grandes lojas. Adquiri o DVD da série
pelo site das Lojas Americanas.
56
FISHER, A. Five SurprisingYears for Evangelical-Christian Publishing: 1998 to 2002, Publishing
Research Quarte rly Summer (2003), p. 20-36.
57
Ibidem, p. 29.
58
FRYKHOLM, A.J. Rapture Culture: Left Behind in Evangelical America. New
York: Oxford University Press, 2004. p.7
70

Mamom pelos cristãos, como afirma Hendershot5 9. Porém, há pesquisadores que


também atribuem o sucesso da série Left Behind ao padrão polarizado e conservador
(sagrado x secular, salvo x condenado etc.) que as ficções apresentam. Para Drane 60,
esse tipo de literatura polarizada e conservadora é reflexo do largo movimento para
homogeneizar e comercializar sistemas de crenças religiosas. Dessa forma, autores e
editores como os de Left Behind seguem a tendência do mercado de massa, explorando-
o para difundir suas crenças e aumentar seus lucros. Por isso tal dissonância entre
consumismo milenial e crítica consumista da série tem sido alvo de forte reprovação.
Mesmo porque seu sucesso, bem como a validação da interpretação dispensacionalista,
têm sido usados para promover a veracidade de suas profecias. Já para seus autores a
série é parte de sua missão, conforme podemos constatar no site da série:

Since the Left Behind series began in 1995, we have personally heard from
over 3,000 people who tell us they have become believers through reading
the series.6 1

Destarte, nestas poucas linhas são evidenciadas as principais dissonâncias entre a


ficção e a realidade: na primeira, a economia do mundo serve aos interesses do mal,
enquanto na segunda a indústria do Apocalipse está totalmente integrada à economia
capitalista e é prodigamente lucrativa, o que, para Monahan62, valoriza perigosamente a
lógica da economia neoliberal, a ponto de elevá-la ao nível do sagrado.

3.7. A imagem negativa a respeito dos árabes

As cenas iniciais (1:50-5:20) mostram que parte do ataque bélico contra Israel
provém do Iraque, ao leste, e da Síria, fronteira norte de Israel. São países que tanto
atacam quanto cedem seus territórios aos aliados para que estes ataquem. Nesse aspecto,
a ficção corresponde à vida real; tais países são, de fato, opositores de Israel.

59
HENDERSHOT, H. Shaking the World for Jesus: Media and Conservative Evangelical Culture.
Chicago: University of Chicago Press, 2004, p. 52-64.
60
DRANE, J. The McDonaldization of the Church. London: Darton, Longman and Todd, 2000, apud
MONAHAN, Torin. Marketing the beast: Left Behind and the apocalypse industry, Media Culture
Society, 2008, p. 813-830.
61
Extraído do site www.leftbehind.com, no espaço onde os autores colocam seus testemunhos.
62
Ibidem, p. 827.
71

Na cena 22:00, os banqueiros que lideram e controlam o suprimento mundial de


alimentos retratam em seu diálogo os árabes como os grandes opositores de seu plano
de esforço humanitário para acabar com a fome no mundo.
Cothren – And who will deliver to the Arabs? Their children cried from
hunger and yet, they still chose war.

(Quem entregará aos arabes? Suas crianças choram com fome e, no entanto,
ele escolhem a guerra. )

Stonagal – But I’ve rearranged some shipments. When their children die of
hunger, the Arabs will cry for peace. It´s all coming together perfectly.

(Mas, eu reajustei alguns carregamentos. Quando suas crianças morrerem de


fome, os árabes gritarão por paz. Tudo está acontecendo perfeitamente.)

Destacamos a imagem negativa a respeito dos árabes, porque tais falas, na


verdade, são indiciárias no sentido de que estão inerentemente ligadas à visão
dispensacionalista e sua promoção de ideologias.

Rossing63, por exemplo, considera a maneira cristã fundamentalista


dispensacionalista de com preender as profecias em relação a Israel e Palestina uma
perigosa questão, que precisaria ser mudada urgentemente. Para ela, pessoas reais estão
exposta à destruição, e cada vez mais distantes do cristianismo, porque cristãos
americanos, no afã de seguir o script dispensacionalista para o Oriente Médio,
promovem políticas estrangeiras prejudiciais a palestinos em favor de Israel. Acreditam
que guerra e conflitos estão previstos para o fim do mundo. Tal mentalidade tem
incentivado guerras e violências que claramente devem ter Israel como vencedor e
palestinos como perdedores. Visões triunfalistas para Jerusalém e o povo judeu não
faltam nos livros proféticos. Como é costume do sistema fundamentalista
dispensacionalista colar textos para forjar enredos proféticos, é uma constante ler todo
os acontecimentos no Oriente Médio por esta lente.

Um assunto que expõe claramente esse tipo de problemática é o sionismo. O


movimento foi fundado formalmente em 1897, e sempre teve sua ala cristã64. Contudo,

63
ROSSING, Barbara R. The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio. Colorado:
Basic Books, 2004, p. 47-49.
64
O movimento cristão sionista se estabelece no final do séc. XIX, e um de seus principais ícones é William
Blackstone, um magnata americano de fé metodista conhecido por sua incansável atividade em prol do
restabelecimento da nação judaica em Israel. Blackstone passou a empreender esforços em prol do
restabelecimento do Estado de Israel motivado por sua visão dispensacionalista da profecia bíblica. Foi
colaborador pessoal de líderes pré -milenistas, tais como D. L. Moody, James H. Brookes e Horatio
Spafford, este que, por fim, fundou a colônia americana em Jerusalém. Em 1908, Blackstone publicou o
72

Rossing alerta para o fato de que o problema não é acerca do sionismo tradicional, que
objetivava o direito dos judeus de ter sua própria pátria, onde pudessem ser livres e
independentes. O problema reside num tipo de sionismo cristão movido por profecias
apocalípticas dramáticas, movidas a guerras e violências, e que funcionam como um
jogo entre Israel e seus inimigos, em que cristãos sionistas investem suas táticas e bens
para que Israel vença. A ideologia cristã sionista é amplamente divulgada por livros
como o de Hal Lindsey, bem como atualmente por livros e produtos evangélicos da
série Left Behind de Lahaye e Jenkins, entre muitos outros. Infelizmente, é interpretando
a Bíblia que eles esperam mais e mais guerras e violência para o Oriente Médio, até
culminar no Armagedom. A origem de tudo isso reside na escolha de textos proféticos e
apocalípticos que retratam guerra e violência para estruturar sua crença. O filme expõe
isso de forma clara: o arrebatamento baseia-se em 1Ts 4,17, uma passagem que não faz
parte de um cenário apocalíptico envolto em guerras e violências; antes, é
principalmente um texto de consolo. Entretanto, tanto a ficção quanto a doutrina real
criam um cenário futuro todo estruturado sobre textos proféticos- apocalípticos 65 do
Antigo Testamento com forte conteúdo bélico, como é o caso de Ezequiel 38, e as
dramáticas visões de Daniel 7 e 9.

Outros pesquisadores, como Hugh B. Urban66 , veem nesse tipo de crença e


postura, em que um Novo Milênio de governo divino é iniciado com guerra
apocalíptica, um alinhamento muito forte com as políticas de afirmação da hegemonia
americana, em grande parte dominando o Oriente Médio e seus recursos petrolíferos,
adotadas, por exemplo, no governo Bush – principalmente considerando que autores
como Tim Lahaye pertencem à direita conservadora americana. Na mesma linha, Melani
67
McAlister sublinha um recrudescimento do sionismo cristão americano, com forte influência na administração Bush,

principalmente após o ataque terrorista de 11/09/2001, e sua perigosa política contra o terrorismo. Seu artigo sublinha ainda
que a visão fundamentalista de Left Behind faz a Palestina e os palestinos se tornarem literalmente invisíveis, e varrem-nos
do imaginário evangélico, no que são seguidos por grande parte de seus leitores americanos.

livro Jesus is Coming (Jesus está voltando), que se tornou best-seller com a venda de mais de um milhão
de cópias em três edições e foi “traduzido para trinta e seis idiomas”. Blackstone pode ser considerado o
Hal Lindsey de seu tempo. Chegou a ter centenas de exemplares do Novo Testamento impressos em
hebraico, os quais foram levados para Petra (atual Jordânia) e lá estocados a fim de que os judeus
remanescentes pudessem conhecer o caminho da salvação durante o tempo da grande tribulação. Fonte:
http://www.beth-shalom.com.br/artigos/william_blackstone.html.
65
A característica metafórica dos textos apocalípticos sempre aumenta e dá vivacidade ao cenário que
descrevem.
66
URBAN, Hugh B. America, Left BehindBush, the Neoconservatives, and Evangelical Christian Fiction.
Journal of Religion & Society Vol. 8, 2006, p. 1-15.
67
MCALISTER, Melanie. Prophecy, Politics and the Popular: The Left Behind Series and Christian
Fundamentalism’s New World Order. South Atlantic Quarterly 102, 4, p. 773-98.
73

As ideologias e ambiguidades detectadas nas análises da série estão todas


relacionadas à cultura norte-americana, que é o paradigma do sistema fundamentalista
dispensacionalista. Entretanto, em outros países como o Brasil, embora não haja
influências quanto à política externa, há as mesmas ideologias e ambiguidades
características das leituras fundamentalistas da Bíblia. Por exemplo, uma excessiva
valorização da cultura judaica, um profundo desconhecimento do ponto de vista
palestino, uma visão negativista do futuro na terra, a ponto de evitar o engajamento
social, em alguns casos um cinismo em relação ao sofrimento humano etc.

3.8. Fusões em texto-imagem: a consolidação de uma crença

Se signo é tudo o que exprime ideias e provoca na mente daqueles que o


percebem uma atitude interpretativa68, então facilmente pode-se entender porque os
signos são tão importantes no ramo do cinema. Afinal, quanto melhor os signos são
usados, mais informações estes podem gerar, já que é impossível abordar tudo que eles
representam por meio de texto.

A imagem de uma cidade, por exemplo, pode suscitar inúmeras interpretações,


mesmo porque deve-se levar em conta a subjetividade do receptor; contudo, se tal
cidade for Jerusalém, dificilmente poderá ser dissociada da ideia de religião. Sendo
considerada por séculos Terra Santa, sua imagem remete a importantes lugares de
peregrinação para as três principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e
islamismo. Impossível ver ou falar de Jerusalém sem lembrar os séculos de história e
conflitos religiosos que ela presenciou e, por que não dizer, que presencia até os dias
atuais. Isso sem mencionar o território em que está localizada (Israel-Palestina), palco
de constantes conflitos (étnicos, ideológicos etc.). Nesta análise, focada na leitura
fundamentalista da Bíblia, qualquer imagem ou menção a Jerusalém69 ou Israel é
importantíssima, pois é para lá que os olhos devem estar voltados se há o desejo de se
conhecer os acontecimentos dos últimos dias. O fundamentalismo considera Israel o
relógio do mundo, isto é, um indicador dos acontecimentos no espaço-tempo da
humanidade. Nesse sentido, os fatos históricos atuais, sejam políticos, econômicos,

68
JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus Editora, 2008, p. 29.
69
Note-se que a existência e localização de Jerusalém é central tanto para o enredo do filme quanto para a
crença dispensacionalista; no entanto, no arrebatamento paulino essa relação é inexistente.
74

religiosos etc., que acontecem com Israel refletem antigas expectativas proféticas
bíblicas, tanto para ele mesmo (Israel) quanto para o mundo. Logo, sem compreender o
que se passa com Israel, também não se consegue entender a história do Homem. Por
extensão, a imagem de Israel não é apenas um indicador, mas, devido ao povo que
representa (o “povo de Deus”), passa a ser um símbolo do que muitas vezes acontece
(ou deveria acontecer) com os crentes em geral.

Um símbolo como a cidade de Jerusalém pode evocar mais do texto bíblico do


que se possa exprimir.

3.8.1. Dinâmica texto-imagem e suas consequências para a significação da vida

Pela análise percebe-se uma ampla interação entre texto e imagem. Pode-se até
dizer que, “na medida em que os textos vão explicando as imagens, as imagens, por sua
vez, vão ilustrando os textos”70. Contudo, ao seguirmos a reflexão flusseriana, temos de
admitir num primeiro momento que os textos favorecem a conceituação71, enquanto que
as imagens favorecem a imaginação72. Com isso, à medida que se privilegia a dialética
texto- imagem, a imaginação vai se tornando conceitual, e a conceituação, sempre mais
imaginativa. Parece ser essa a dinâmica que fornece as bases para a construção de
crenças e ensinamentos que já não fazem uso da adequação aos textos e sim da imagem
que deles se pode extrair. Ironicamente, num meio que preza a “fidelidade” ao texto (o
que para Flusser seria textolatria), este é usado como fonte depositária de imagens que
serão aproveitadas conforme dão sentido ao enredo. O perigo maior parece residir ao
lado do observador das imagens técnicas (aqui o filme) que, segundo Flusser7 3, vê tais
imagens como se fossem janelas, quando deveriam vê- las como símbolos que são, como
o são todas as imagens. Assim, se um filme é visto como uma realidade conceitual e não
em seu caráter de imagem simbólica, é possível que a interpretação que ele favoreça já
não tenha mais nada a ver com o texto que lhe serviu de base. Agora sua função é servir
de referencial interpretativo para a leitura e interpretação desses textos. De fato, se

70
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta, ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 66.
71
Capacidade de compor e decifrar textos.
72
Capacidade de compor e decifrar imagens.
73
Ibidem, p. 14.
75

alguém tentar a partir do filme para escrever um texto, se deparará com uma nova
narrativa, totalmente diferente daquela que se supõe estar em sua base.

3.8.2. O uso de signos como produtores e sustentadores de ideologias

Sintética e superficialmente, pode-se refletir sobre os signos imagéticos como


geradores ou mesmo promotores de ideologias. Para a filosofia flusseriana, a definição
ontológica de imagem técnica é a seguinte: uma abstração de terceiro grau, uma vez
que “são imagens que imaginam textos que concebem imagens que imaginam o
mundo”7 4; pode-se intuir que a essa fluidez de ideias subjaz um sistema que abrange
interesses, compromissos, convicções de vários aspectos. Sendo assim, a obra final
estará realizada não sem um critério de escolhas que possam atender a convenções
intencionais. Em outras palavras, ela opta por algum tipo de ideologia. Nesse sentido,
imagens nunca refletem puramente a verdade de um texto; elas fatalmente usam do
texto para fabricar e reforçar cosmovisões. De algum modo, o que move ou sustenta as
interpretações são sistemas de ideias, e não simplesmente a “verdade” do texto. Sem
querer emitir juízo de valor a respeito de uma ou outra forma de ideologia, posto que
esta sempre existirá, importa atentar para o perigo de acriticamente não perceber efeitos
paralisantes num tipo de ideologia determinista, por exemplo, que podem ocorrem sobre
o receptor das imagens.

Alguns tipos de ideias têm sido alvo de crítica75 nesse tipo de leitura divulgadas
pela série Deixados para trás. Pode-se, por exemplo, distinguir duas, a partir de suas
teologias de condenação e determinista: a teologia de condenação, por trabalhar muito
com o eixo recompensa-castigo, salvos -perdidos, e a teologia determinista, por
transmitir a ideia de que os eventos da história humana estão rigidamente demarcados
na Bíblia, não havendo nada a fazer para alterá-los, a não ser esperar por sua realização.
Contudo, o aprofundamento dessas questões é possível apenas na consideração geral da
série, o que escapa ao objetivo de nossa dissertação. As poucas cenas analisadas apenas

74
Ibidem, p. 13.
75
Como são encontradas no livro The Rapture Exposed: The Message of Hope in the Book of Revelatio, de
Barbara R. Rossing, e no artigo Marketing the Beast: Left Behind and the Apocalypse Industry, Media
Culture Society, de Torin Monahan.
76

evidenciam e exemplificam que existe no conjunto da obra uma seleção e ordenamento


de signos conforme o propósito de seus idealizadores.
77

Capítulo IV

4. Análise e crítica de textos fundantes

4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18

4.1.1. Crítica textual

Uma vez que estamos lidando com um texto antigo, do qual não se dispõe mais
do original (autógrafo), faz-se necessário atentar para as mudanças ou possíveis
alterações ocorridas ao longo do tempo na perícope analisada. A nossa perícope não é a
que contém mais alterações, contudo, possui algumas. Fiz o levantamento para verificar
a possibilidade de alteração na interpretação da mesma, e parti da 27a edição do Novum
Testamentum Graece, de Nestlé-Aland.

Os termos que apresentam alteração em diferentes manuscritos são


respectivamente: qe,lomen, koimwme,nwn, Kuri,ou, prw/ton,
avpa,nthsin, su.n. Como veremos a seguir, existe alteração, substituição,
transposição etc. em relação a essas palavras.

No v.13, a palavra qe,lomen (queremos) é substituída por qe,lw (quero)


em alguns manuscritos minúsculos, em um lecionário, em poucos manuscritos da
Vulgata, nas versões siríacas e em citações textuais de Agostinho. A palavra
koimwme,nwn (os que dormem) é substituída por kekoim hme,nwn (os que
adormeceram) no Códice Beza (D), em dois manuscritos unciais (F e G), no Códice
Laurense (? ), no Minúsculo 1881, no Texto Majoritário, e também numa série de
manuscritos que forma um grupo de leituras variadas.

No v. 14, a expressão kai. o` Qeo.j é transposta em pouquíssimos


manuscritos.
78

No v. 15, a segunda ocorrência de palavra Kuri,ou é substituída pelo


substantivo Ihsou no Códice Vaticano (B).

No v. 16, o termo prw/ton aparece como prw/toi no Códice Beza (D)


corrigido, nos unciais F e G, e em textos de Tertuliano e Eusébio de Cesareia.

No v. 17, a expressão oi` perileipo,menoi é omitida nos unciais F e G,


em manuscritos latinos avulsos, em Tertuliano, Ambrosiaster, e Pseudo-Agostinho. A
palavra avpa,nthsin aparece como uvpa,nthsin no Códice Beza primeiro, e
nos uniciais F e G. A preposição su.n é substituída por en no Códice Vaticano.

No v. 18, é adicionado o termo tou pneumatoj no Minúsculo 1739


corrigido, entre outros poucos.

Nessa breve análise, é possível perceber que as divergências são principal e


provavelmente de dois tipos: erros involuntários ou de distração, como, por exemplo,
nos ver sos 13 e 16, e erros intencionais para explicar termos, como nos versos 14 e 18.
De uma forma geral, tais alteração não são significativas a ponto de promover
interpretações antagônicas ou anormais, além do que evidencia-se uma vasta quantidade
de testemunhas da perícope, bem como da carta inteira. Outrossim, a carta de 1
Tessalonicenses, conquanto seja considerada o mais antigo escrito do NT, não possui
alterações significativas com passar do tempo.

4.1.2. Delimitação

A delimitação da perícope de 1 Tesssalonicenses 4,13-18 é facilmente


perceptível, já que a mudança de assunto é bastante clara no conjunto da carta.

O verso 13 inicia claramente um outro assunto diferente do anterior. No verso


12, final da perícope anterior, a orientação de Paulo contempla a problemática da vida
cotidiana cristã, que dever ser pautada pelo amor fraternal, pela vida tranquila e
honrada, e que não pese aos outros. É um tipo de orientação recorrente nas cartas
paulinas aos Tessalonicenses.

No verso 13, o primeiro de nossa per ícope, inicia-se claramente outro assunto;
uma outra pauta surge como preocupação paulina. O tema aqui passa a ser a morte,
79

como evento de separação entre vivos e mortos, e a vinda do Senhor, o que inclui a
ressurreição, tópico também bastante comum no corpus paulino. Paulo muito
provavelmente observou uma atitude de aflição e desespero nas pessoas que perdiam
seus entes queridos, a ponto de se desesperarem diante da possibilidade de nunca mais
tornar a vê-los. Ora, Paulo não quer que os crentes sofram com tal aflição. Assim,
procura consolá-los identificando o destino do cristão com o destino do Cristo, já que o
que aconteceu com Cristo acontecerá com aquele que nele crer, independente da
situação em que se encontrar na época (vivo ou morto). Caso esteja morto, ressuscitará
primeiro; caso esteja vivo, será transformado. A menção da vinda do Senhor não é o
motivo principal da escrita dessa perícope; ela entra como adendo ao assunto da
consolação ante a morte. Por isso, Paulo não se atém a pormenores escatológicos, antes
parece citar um tipo de gênero literário que evoca expectativa. Algo como um topos76
usado quando se mencionava a vinda de Cristo.

O verso 18, último da perícope, finaliza nitidamente o assunto iniciado no verso


13 reforçando o motivo da consolação pelo qual a perícope foi escrita. O restante da
carta, que tem continuidade no capítulo 5, muda o foco até então vigente, sobre a
esperança de rever os mortos, e passa a tratar do caráter repentino dessa vinda, o que
deverá causar ou estimular a vigilância do cristão. Esse aspecto da vinda parece ser mais
um reforço do assunto já falado do que uma resposta a questões da igreja. De qualquer
forma, o motivo que levou Paulo a escrever essa perícope é o esclarecimento acerca da
situação dos mortos quando da vinda do Senhor. Há certo consenso a respeito de uma
preocupação dos tessalonicenses a respeito dos mortos serem prejudicados na vinda de
Cristo. Assim, Paulo cita a morte e ressurreição de Jesus como exemplo do que
acontecerá aos que nele creem. A sugestão de que alguns em Tessalonicenses
cogitassem que apenas os vivos participariam da vinda do Senhor, motivo pelo qual
estavam tristes e sem esperança, leva Paulo a esclarecer que, antes de Cristo vir buscar
os vivos, será necessário a ressurreição dos mortos, de modo semelhante à ressurreição
e ascensão de Cristo. Aí sim todos juntos estariam para sempre com o Senhor.

76
O termo topos no grego significa lugar. Para os teóricos de literatura, designa um conceito geral que serve
para articular um argumento ou história, ou seja, faz parte de uma tradição cultural ou literária que se
torna domínio comum, convencional, e gera vários episódios ou reflexões.
80

4.1.3. Contexto maior

A perícope em voga está inserida em uma carta, um dos principais instrumentos


usados por Paulo para a organização de igrejas. O uso da carta como meio de
comunicação era bastante comum no mundo greco-romano, principalmente porque se
podia contar com as várias estradas e a relativa segurança que o império proporcionava.
As cartas de uma forma geral possuíam o seguinte formato: endereço e saudação, corpo
e conclusão. Como nossa intenção aqui é localizar o contexto maior em que se encontra
a perícope, este formato a princípio nos servirá como mapa. Assim, localizamos nossa
perícope inserida no corpo da carta, e ressaltamos sua característica de parênese
(exortação), propriamente dita, aos tessalonicenses.

4.1.4. Tradução formal

13
Não queremos também que ignoreis, irmãos, a respeito dos que dormem,

para que não aflijais como os restantes, os que não têm esperança.
14
Se, pois, cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também

Deus, aos que dormem em Cristo, conduzirá com ele.


15
Isso, de fato, vos dizemos por palavra do Senhor, porque nós, os vivos,

os que restarmos para a vinda do Senhor,

definitivamente não preceder emos os que adormeceram.


16
Porque o mesmo Senhor,

em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta de Deus

descerá do céu e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.


17
Então nós, os vivos, os que restarmos,

juntamente com eles seremos apanhados em nuvens

para o encontro do Senhor no ar, e assim sempre com o Senhor estaremos.


81

18
Portanto, exortai-vos uns aos outros com estas palavras.

V. 13: Ouv qe,lomen de. u`ma/j avgnoei/n( avdelfoi(


peri. tw/n koimwme,nwn (não queremos que vós ignoreis, irmãos, a respeito dos
que dormem). A palavra qe,lomen em conexão com avgnoei/n e avdelfoi
ocorre seis vezes nas cartas paulinas (no singular: Rm 1,13; 11,25; 1Cor 10,1; 12,1 e
1Ts 4,13; no plural: 2Cor 1,8). Vejamos:
Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem,
para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. ( 1Ts
4,13)

Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na
Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos
suportar, de modo tal que até da vida desesperamos. (2Cor 1,8)

Não quero, porém, irmãos, que ignoreis que muitas vezes propus ir ter
convosco (mas até agora tenho sido impedido) para também ter entre vós
algum fruto, como também entre os demais gentios. (Rm 1, 13)

Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais
de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a
plenitude dos gentios haja entrado. ( Rm 11,25)

Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo
da nuvem; e todos passaram pelo mar... (1Cor 10,1)

Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes. ( 1Cor
12,1) 77

Por isso, a frase é considerada uma fórmula introdutória para exortações e


ensinamentos, o que de fato é confirmado na retórica paulina. Nessa fórmula, o querer
de Paulo, e algumas vezes o de seus companheiros de ministério, se liga ao modo de
trato (avdelfoi), expressando preocupação fraternal com a coletividade. Trata-se,
portanto, da retórica da casa no cristianismo paulino. Não há uma ordem
categoricamente firmada na autoridade apostólica ou coisa do tipo. Antes, prevalece
certa preocupação paternal ou mesmo maternal, conforme ele mesmo fala em 1Ts
2,7.11, de quem quer instruir com amor e afeto seus filhos e, ao mesmo tempo, se
incluir entre os da comunidade ao chamá-los de irmãos.

77
Todos estes versículos encontram-se na versão Almeida Revista e Corrigida.
82

Optei pela tradução da conjunção de pela conjunção aditiva também, em vez de


porém, como ocorre na Almeida Revisada, uma vez que a conjunção aditiva também
reforça adequadamente a ideia de que esta perícope trata de um tema diferente e
independente do anterior e, portanto, se iguala em importância aos temas anteriores e
posteriores a ele.

O infinitivo avgnoei/n do verbo avgnoe? , “não saber” ocorre 21 vezes no


NT, sendo que 15 vezes ocorre em Paulo. Segundo o DITNT 78, avgnoe? é empregado
contra o pleno pano de fundo do conceito grego de conhecimento (ginosk? ), e é mais
do que um lapso mental, visto que pode também significar “cometer um erro ou estar
enganado”. Das seis vezes em que a expressão acima aparece em Paulo, o “não ignorar”
aponta para o sentido de conhecer o sofrimento e tribulação do Apóstolo em seu
ministério, o que deveria consolar a igreja. Nas outras vezes em que aparece, incluindo
1Ts 4,13, Paulo está explicando não necessariamente algo novo, mas ensinando os
ouvintes a interpretar corretamente um fato ou acontecimento que estes não estavam
levando em consideração. Robeck79 diz que o corpus paulino como um todo nos faz
entender que Paulo se referia frequentemente ao conhecimento e ao ato de conhecer no
sentido de “familiaridade” ou “compreensão”. De qualquer forma, o que se nota é que
tal expressão, mais do que simples fórmula, era uma maneira de chamar a atenção par a
coisas que, mesmo conhecidas pelos destinatários, estavam sendo mal interpretadas ou
até desconsideradas, e isso os levava a um comportamento não recomendável, ou de
alguma forma gerava prejuízo para a vida cristã.

A expressão peri. tw/n koimwme,nwn (a respeito dos que dormem)


complementa a frase e ao mesmo tempo aponta para o assunto que será tratado, uma vez
que é por causa do que se ignora a respeito dos que dormem que alguns tessalonicenses
estão sendo afligidos. O particípio tw/n koimwme,nwn aborda o familiar eufemismo
em relação à morte, conhecido tanto pela linguagem grega quanto pela hebraica. Tal
eufemismo (a morte como sono) ganha importância na recepção do texto. Em 1Cor
15,18, Paulo faz uso dessa mesma metáfora. Na perícope, além do termo ocorrem
também as formas koimwme,nwn (duas vezes nos versos 14 e 15), e apenas uma vez o
termo nekroi. (mortos), no verso 16. O uso por parte de Paulo dessa metáfora levou

78
COETEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Editora
Vida Nova: São Paulo, 2007.
79
HAWTHORNE, Gerald F. et alii. Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.
255.
83

alguns 80 a interpretarem que, entre a morte e a ressurreição, a alma está em uma


condição de sono, mas não há como sustentar essa tese em nossa perícope, além do que
extrair ensino teológico de linguagem metafórica sempre oferece alto risco de equívoco.

i[na mh. luph/sqe kaqw.j kai. oi` loipoi. oi` mh.


e;contej evlpi,daÅ (para que não vos aflijais como os restantes, os que não têm
esperança). Esta frase encontra-se em dependência da oração principal e dá a finalidade
pela qual a perícope esta sendo escrita. Por isso, contém em si a tensão entre
luph/sqe (aflição, tristeza) e evlpi,da (esperança). Em Paulo a tristeza e a aflição
em si mesmas não eram problemas, visto serem consideradas parte da existência
humana num mundo governado pelo mal. Em 2Cor7,10 ele fala da tristeza (lu,ph)
segundo Deus (que pode levar ao arrependimento), e da tristeza segundo o mundo (que
leva à morte). O problema surgia quando essa tristeza era produzida pela falta de
conhecimento ou até por causas não dignas do Evangelho, o que a tornaria vã e até
destruidora. A. I. Moore81 afirma que a atitude de Paulo para com os aflitos iguala-se à
de um pastor no cuidado do rebanho, ansioso por livrá-lo do pesar. De tal forma é assim
que o mesmo pensamento é retomado no verso 18 no imperativo, para que eles
mutuamente se consolassem com suas palavras.

oi` mh. e;contej evlpi,da. O vocábulo evlpi,da aparece 3 vezes


em 1 Tessalonicenses, duas vezes na tríade fé, amor e esperança ( uma vez que são
disposições ou virtudes que devem pertencer ao modo de vida cristão), e cerca de 47
vezes no corpus paulino (incluindo as cartas pastorais e as epístolas de autoria
controversa) e se considerarmos todas as formas gramaticais em que se apresenta. Ser
cristão e não ter esperança soa para Paulo como nonsense. Mesmo porque a esperança
está ligada ao passado, presente e futuro dos fiéis 8 2. Ao passado, porque a esperança
cristã se fundamenta na realização das promessas de Deus a Israel; ao presente, porque
os cristãos vivem no tempo entre a ressurreição de Cristo e a realização definitiva do
Reino de Deus, uma vez que este já começou, mas não se consumou totalmente, e por
isso requer resistência contra as oposições; ao futuro, porque a consumação total das
promessas feitas ao povo de Israel, bem como do Reino pregado e iniciado pelo Messias

80
Oscar Cullmann procurou defender esta tese em Immortality of the Soul or Resurection of the Dead?
(1958), apud LADD,George Eldon. Teologia do Novo Testamento . São Paulo: Hagnos, 2003.
81
MOORE, A.L. I and II Thessalonians. The attic Press Inc.:Greenwood, S. C.,1969. p. 68.
82
Conforme o verbete Esperança em COETEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento . São Paulo: Editora Vida Nova, 2007, p. 482.
84

(Cristo) se realizarão cabalmente na vinda de Cristo. A esperança da vinda de Jesus em


1 Tessalonicenses ocupa lugar de destaque, como veremos a seguir:

E esperar dos céus seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber,
Jesus, que nos livra da ira futura. (1Ts 1,10)

... para que vos conduzísseis dignamente para com Deus, que vos chama para
o seu reino e glória. (1Ts 2,12)

Porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura não


o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda? (1Ts
2,19)

... para confortar o vosso coração, para que sejais irrepreensíveis em


santidade diante de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,
com todos os seus santos. (1Ts 3,13)

Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos
vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. (1Ts 4,15)

... porque vós mesmos sabeis muito bem que o Dia do Senhor virá como o
ladrão de noite. ( 1Ts 5,2)

Tal destaque em relação à esperança da vinda tem levado pesquisadores como


83
Dunn a considerar o trecho 4,13-5,11 a razão principal de Paulo escrever a epístola.
Contudo, é importante levar em consideração que, quando Paulo escreve sobre a vinda,
não está necessariamente preocupado em responder dúvidas teológicas para uma
comunidade de intelectuais; antes, está preocupado com assuntos contingentes, com
situações reais, práticas e até cruciais de fiéis de todo tipo. Também não podemos
considerar um tema como principal apenas por causa da extensão que ele ocupa, afinal
isto pode ser apenas sinal de que o tema é complexo e necessita de mais espaço para ser
exposto.

De qualquer forma, não se afligir como os que não têm esperança significa que
seria um desatino se afligir por uma realidade inexistente, quando se tem todo motivo
para esperar uma bem- aventurada realidade.

V.14: eiv ga.r pisteu,omen o[ti VIhsou/j avpe,qanen


kai. avne,sth (se, pois, cremos que Jesus morreu e ressuscitou). A frase inicia
com uma conjunção condicional que parece impor a condição necessária, para da

83
DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo . Paulus: São Paulo, 2008, p. 351.
85

mesma forma crer na ação de Deus que será indicada a seguir (Deus conduzirá com ele),
mas também sugere a crença na morte e ressurreição como um credo entre os cristãos
tessalonicenses. Tal condição implica em crer (pisteu,ein) na morte e ressurreição
de Jesus. Paulo emprega 54 vezes o verbo pisteu,w,, mas 142 vezes aparece o
substantivo pi,stij (fé) e 33 vezes o adjetivo pisto.j (“fiel”, “digno de
confiança”) de modo a ressaltar no vocabulário paulino o valor da fé para a vida cristã.
Em suas cartas, o tema do crer na morte e ressurreição de Jesus aparece nos contextos
de Rm 6,8; 8,34; 14,9; 2Cor 5,15) sugerindo uma profissão de fé que fornece aos
crentes privilégios e benefícios para a vida presente e futura, embora o termo para
ressurreição varie entre avni,sthmi,,, evgei,rw e za,w. De qualquer forma,
essa citação de Paulo sugere uma síntese da fórmula de credo – como podemos
constatar em 1Cor 15,3-5: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi:
que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por Cefas e depois
pelos doze” – que já existia possivelmente antes de Paulo. Green84 afirma que a morte
de Cristo, mencionada em conjunto com sua ressurreição, ocupa o centro da imagem
paulina do evangelho. De forma semelhante Dunn85 afirma categoricamente que o
centro de gravidade da teologia de Paulo encontra-se na morte e ressurreição de Jesus.
Muitos pesquisadores da mesma forma salientam a importância dessa temática em
Paulo. A maneira como ocorre aqui pode sugerir que já existisse naquela ocasião a ideia
subjacente do batismo ligado à ideia de morte e ressurreição, que irá aparecer em cartas
paulinas posteriores, como por exemplo Rm 6,3-4: “Ou não sabeis que todos quantos
fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos
sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos
mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida”, ou ligado
à ideia de união, como acontece em Gl 3,26,27: “Porque todos sois filhos de Deus pela
fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de
Cristo”. Albert Schweitzer86 atentou para o significado do batismo para Paulo em sua
ligação com a redenção, levada a efeito a partir do morrer e ressuscitar como promotor
de união entre Cristo e o fiel, de maneira que este tem o caminho preparado para
participar da glória de Cristo. Portanto, para ele o morrer e ressuscitar de Cristo deve ser

84
GREEN, J. B. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 852.
85
DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo . São Paulo: Paulus, 2008, p. 251.
86
SCHWEITZER, Albert. O misticismo de Paulo Apóstolo. São Paulo: Editora Novo Século, 2003, p. 319.
86

entendido através do batismo que torna o cristão um “corpo em Cristo” e isso num
sentido literal, uma vez que a abordagem de Schweitzer é a partir de sua compreensão
do misticismo87 paulino como pano de fundo para entender os escritos paulinos.
Todavia, mesmo que não se queira ver a expressão em 1 Tessalonicenses pela
contribuição de Schweitzer, há que se levar em conta que nela é bastante possível haver
alusões ligadas a um credo.

ou[twj kai. o` qeo.j tou.j koimhqe,ntaj dia. tou/


VIhsou/ a;xei su.n auvtw (assim também Deus, aos que adormeceram através
de Cristo, conduzirá com ele). O advérbio grego (ou[twj ) somado à conjunção aditiva
(kai) reforçam a realidade da fé na morte e ressurreição de Jesus como modelo de
crença no destino dos que adormeceram mediante Cristo (dia. tou/ VIhsou). T al
preposição seguida de genitivo pode ser traduzida igualmente pelos vocábulos por,
através de, por meio de, mediante; de forma que se entende num primeiro momento que
é por intermédio de Jesus que Deus agirá. Contudo, como registra I. Howard Marshall
em sua obra88, esta frase já foi objeto de constantes discussões, com a maioria dos
escritores ligando tal frase ao verbo a;xei (trará), embora ele mesmo acredite que a
estrutura da frase favoreça uma ligação dela como “os que adormeceram”; porém, opina
que morrer mediante Jesus é considerada uma ideia sem sentido, uma vez que deveria
ter o significado de “os que morreram como cristãos”. Por isso, cita von Dobschütz89 em
seu entendimento de que “a frase é um tipo de declaração acerca das circunstâncias
atendentes, equivalente a em Cristo”, ou seja, uma situação em que os que morreram
estavam em relacionamento com Cristo. Já Marxsen90 entende que através de Jesus
significa “por causa da salvação dada em Jesus”, num tipo de antecipação do
pensamento em 1Cor 15,21 (cf. Rm 5,9). De qualquer forma esses tipos de
interpretações levam em conta o ministério salvífico de Jesus. Faz-se necessário,
entretanto, considerar o versículo 16 da mesma passagem, uma vez que a mesma ideia
aparece na forma oi` nekroi. evn Cristw/| (os mortos em Cristo)
favorecendo ideias semelhantes à de von Dobschütz ou mesmo do misticismo paulino

87
Para Schweitzer, o misticismo de Paulo é um misticismo em Cristo e não em Deus, como na cultura
helênica.
88
MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida
Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 151.
89
DOBSCHÜTZ, E. von. Die Thessalonischerbriefe (Kritisch-Exegetischer Kommentar. Göttingen: 1909,
reimpresso em 1974.
90
Apud MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições
Vida Nova e Mundo Cristão, 1983, p.152.
87

defendido por Schweitzer – de Jesus e os cristãos como participantes de um mesmo


corpo e que por isso possuem uma experiência comum, já que em Cristo encontra-se no
dativo.

O verbo a;xei pode ser traduzido por conduzir, levar, carregar, trazer; de
maneira que cada pesquisador provavelmente o traduzirá de acordo com sua própria
teologia. Assim, I. Howard Marshall afirma que “Deus trará os mortos para o lugar
onde Jesus se encontrará com os crentes vivos na Parusia”. Segundo, o mesmo autor,
Ellingworth91 e Nida sustentam que os mortos são levados para o céu, uma vez que
Deus não vem do céu para a terra, e os mortos ainda não estão no céu92, entendendo-o
em conexão com o v. 16 (“os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro”) da
mesma perícope; entretanto, o motivo pelo qual Marshall se mostra contrário a essa
compreensão (traduzindo a;xei pelo verbo trazer) está relacionada à sua crença de que
a vinda de Jesus do céu para a terra tem a ver com a restauração do mundo que será
liberto da corrupção, conforme Rm 8, 21, onde será o futuro do povo de Deus (numa
terra renovada e não no céu). Willian Hendriksen93, por outro lado, diz que aqui está em
vigor o raciocínio paulino de Rm 8,11: “Se o Espírito daquele que dos mortos
ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo também
vivificará o vosso corpo mortal, pelo seu Espírito que em vós habita”, por isso Deus os
compelirá a virem com Jesus, do céu, ou seja: ele trará do céu suas almas, de modo que
possam reunir -se rapidamente (num piscar de olhos) com seus corpos, e assim partirão
para encontrar o Senhor nos ares, a fim de permanecerem com ele para sempre. A
mesma ideia de Hendriksen se encontra em 1Ts 3,13: “Na vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo com todos os seus santos”. Destarte, são interpretações diversas que encontram
sustentação na múltipla possibilidade de tradução do verbo a;xei. Quanto ao lugar da
reunião permanente dos cristãos com Cristo (se no céu ou na terra), parece não ter sido a
maior preocupação de Paulo na perícope; seu maior objetivo era cons olar os aflitos
diante da possibilidade de que os mortos ficassem separados de Cristo e dos cristãos
ainda vivos na parusia.

91
ELLINGWORTH, P. & NIDA, E. A Translator’s Handbook on Paul’s Letters to the Thessalonians
(Helps for Translators). Stuttgart: 1975.
92
Uma vez que os mortos não estão no céu como podem ser trazidos de lá.
93
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1998, p. 168.
88

V. 15: Tou/to ga.r u`mi/n le,gomen evn lo,gw| kuri,ou


(Isto, de fato, vos dizemos na palavra do Senhor). A frase “na palavra do Senhor”, que
encontra-se no dativo e também pode ser traduzida “por meio da palavra do Senhor”,
tem suscitado posições divergentes no que diz respeito ao seu significado. Basicamente
tem sido entendida de duas principais maneiras:

1) um dito do Jesus histórico9 4,

2) uma palavra profética.

Caso seja um dito advindo da tradição de Jesus, se assemelharia à alusões de


Paulo ao ensino de Jesus em passagens (consideradas explícitas) como 1Cor 7,10-11;
9,14; 11,23-24; 14,37; 2Cor 12,9; 1Ts 4,15-17 – embora a citação de 2Cor 12,9 seja
considerada palavra do Senhor ressurreto. Em algumas, também aparece o título Senhor
em relação ao Jesus histórico; nota-se, no entanto, que Paulo não cita palavra por
palavra como aparece nas tradições encontradas nos Evangelhos (cf. 1Cor 11,23-25).
Isso tem levado alguns a crer que aqui em 1Ts 4,15 ocorre uma alusão resumida dos
ditos apocalípticos de Jesus encontrados em Mt 24,30-31, por exemplo. Esta posição é
assumida por Rigaux95. Outros, como Frame96 , Morris97 e J. Jeremias 98 sugerem que
Paulo está citando um “ágrafo” (dito de Jesus não preservado nos evangelhos). Por
outro lado, pesa a posição daqueles que acreditam que a “palavra do Senhor” refere-se a
algum tipo de revelação profética. Nesse caso, seria uma revelação profética dada pelo
Senhor ressurreto, ou mesmo o dito de um profeta cristão primitivo falando em nome de
Jesus como em Atos 21,11, ou ainda, uma profecia inspirada dada a Paulo quando orava
pelos tessalonicenses, como encontramos em James D. G. DUNN99 – embora não
descarte a possibilidade de que Paulo esteja fazendo uso de uma tradição de Jesus, mas
pense que essa última posição não responde convincentemente, já que essa palavra do
Senhor parece ser específica aos tessalonicenses. S. Kim,100 em seu artigo, denomina

94
David Wenham, por exemplo, em seu livro Paul: follower of Jesus or founder of christianity? (Grand
Rapids: W. B. Eedmans, 1995, p. 305-328) tenta demonstrar a existência de um discurso escatológico
pré-sinótico que circulava nas igrejas primitivas e que Paulo poderia ter usado; nas p. 332-333 escreve
sobre as sugestões e possibilidades de compreensão acerca desta “palavra do Senhor”.
95
RIGAUX, B., Saint Paul. Lês Épître aux Thessaloniciens (Études Bibliques), Paris/ Gembloux, 1956.
Apud Marshall.
96
FRAME, J. E. The Epistles of St Paul to the Thessalonians (International Critical Commentary),
Edimburgo: 1912.
97
MORRIS, L. The First and Second Epistles to the Thessalonians (New International Commentary),
Grand Rapids: 1959.
98
JEREMIAS, J. Unknown Saying of Jesus. Londres: 1964. Apud Marshall.
99
DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo . São Paulo: Paulus, 2008, p. 356.
100
KIM, S. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 716.
89

“minimalistas” (como F. Neirynck e N. Walter) aqueles que consideram que em Paulo


há apenas duas citações explícitas de ditos de Jesus; portanto, a frase “por palavra do
Senhor” deveria ser entendida como aquela expressão veterotestamentária que os
profetas usavam para indicar de quem receberam licença e autoridade para falar. De
qualquer forma, Paulo neste versículo muito provavelmente faz uso da autoridade
advinda do Senhor, e a maioria dos pesquisadores, conforme afirmação de Marshall,
concorda que “a palavra do Senhor” se refere ao dito escatológico encontrado nos v. 15-
17.

o[ti h`mei/j oi` zw/ntej oi` perileipo,menoi (porque nós,


os vivos, os que restarmos). A expressão “nós, os vivos” naturalmente inclui Paulo e seu
companheiros de ministério entre os vivos na vinda do Senhor, principalmente pela
forma como se apresenta no discurso. Todavia, interpretações “ortodoxamente” zelosas
relutam em aceitar que Paulo tenha se enganado quanto a sua expectativa de estar vivo
na Parusia, e acham que a frase significa “aqueles entre nós que então estiverem com
vida”. Mas, levando-se em conta que Paulo acreditava estar vivendo no fim dos séculos
(cf. 1Cor 10,11), é até natural que esperasse estar vivo na parusia, embora isso não
possa ser considerado uma convicção sua, uma vez que em 5,10 ele aventa tanto a
possibilidade de estar acordado quanto de estar dormindo na parusia.

eivj th.n parousi,an tou/ kuri,ou (para a vinda do Senhor).


Acerca do termo Parousi,an, segundo Kittel101 o significado geral é “presença” ou
“aparição”, “vinda”. O uso técnico no helenismo indica a visita de um governante ou a
vinda de um deus. Nos escritos paulinos podemos encontrar seu uso referindo-se, tanto
à vinda de Paulo e seus companheiros de ministério, como à vinda do Senhor. Nos
escritos paulinos, portanto, não se pode dizer que se trata de um termo técnico usado
apenas para a vinda do Senhor. Contudo, como constatado na obra de Plevnik 1 0 2, desde
1923 nos estudos de Deissmann103, depois em Peterson104, Cerfaux105, Hotz106 , entre

101
KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Vl.I. Grand Rapids: Eerdmans, 1969,
p. 858-868.
100
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1997, p. 89.
101
Apud DEISSMANN, A. Light The New Testament Illustrated by recently Discovered Texts of the
Graeco-Roman World, 1927, p. 368-373.
102
Apud PETERSON, E. Die Einholung des Kyrios (1 Thess., IV,17). ZST7 (1929-30), p. 682-702.
103
Apud CERFAUX, L. Christ in the Theology of St. Paul. New York: Herder & Herder, 1959, p. 32-44.
104
Apud HOT Z, T. 1 Thessalonicher. Der erste Brief na die Thessalonicher. EKKNT 13. Zurich: Benziger,
1986, p.203.
90

outros, o termo parousia tem sido ligado ao seu significado na cultura imperial
helenística. De maneira que se tornou corrente interpretar o termo parousi,an em
1Ts 4,15 com o sentido técnico-político da época. Recentemente duas obras também
comentam o uso do termo parousia nessa mesma corrente: são elas Paulo e o
Império107, de Richard A. Horsley, e Em busca de Paulo, de John D. Crossan e Jonathan
L. Reed. Entendem o termo parousia como a chegada à cidade de generais
conquistadores, oficiais importantes, emissários imperiais ou até mesmo do imperador.
Tal visita seria uma boa ou má notícia de acordo com a relação que esta cidade tivesse
com o visitante. Crossan sugere que, nesse caso, a palavra poderia ser usada no sentido
de uma visitação. A visitação do imperador era um evento único, uma ocasião festiva e,
em tempos de guerra, seria algo um tanto quanto ameaçador. Sob a Pax Romana, seria
ocasião festiva e exigiria preparação para o sacrifício cívico, festividades aristocráticas e
celebrações populares, como também a saudação das elites e do povo com as portas da
cidade abertas em forma de submissão. Com base nesse tipo de compreensão, outro
termo também reforça a ideia, qual seja, parousi,a (encontro), que pertenceria ao
mesmo domínio técnico político, e descreve os aspecto receptivo de festa formal no
mesmo acontecimento relatado acima, em que a comunidade vai ao encontro
(avpa,nthsin) do dignatário, une- se a ele e com ele volta à cidade para festejar.
Assim, fundamentando-se nesses dois termos de âmbito público, têm sido feitas as
interpretações acerca da vinda de Cristo nesta passagem. Afinal pensa-se que, se Paulo
então faz uso desses termos conhecidos, bem como a própria ideia que evoca, é para
tornar mais claro o entendimento de seus destinatários a respeito do evento. Entretanto,
tem-se dado um passo além ao se interpretar que Paulo esperava que, após a reunião
entre os fiéis e Cristo, juntos eles voltariam par a o reino de Cristo nesta terra, agora um
mundo transformado. Todavia, Paulo não se preocupa em esclarecer
pormenorizadamente o acontecimento aqui, antes enfatiza a união entre Cristo e os fiéis.
Isso para ele é suficiente; ir além disso nesse texto é entr ar por caminho especulativos.
Outrossim, ao usarmos as passagens de Fl 3,20 ( “Mas a nossa cidade está nos céus, de
onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo”) e 2Cor
5,1-8, onde Paulo fala de um edifício no céu em contraste com a morada terrestre
(“Sabemos, com efeito, que se a nossa morada terrestre, esta tenda, for destruída,
teremos no céu um edifício, obra de Deus, morada eterna, não feita por mãos humanas...

107
HORSLEY, Richard A. Paulo e o Império. São Paulo: Paulus, 2004.
91

Sim, estamos cheios de confiança, e preferimos deixar a mansão deste corpo para ir
morar junto do Senhor... ) para interpretar esse tipo de evento, veremos que o reino que
Paulo esperava poderia não ser aqui nesta terra.

ouv mh. fqa,swmen tou.j koimhqe,ntaj\ (definitivamente não


precederemos aos que adormeceram). A expressão negativa ouv mh é enfática; pode
ter o sentido de jamais, de modo nenhum. No entanto, há vezes no NT em que ela não
aparece numa negativa enfática, e sim numa afirmação solene. O verbo fqa,nw mais
o acusativo contém a ideia de precedência, antecipação, sugere fazer alguma coisa antes
doutra pessoa, mas isso não implica necessariamente em vantagem sobre outrem,
conforme Turner afirma108 . Marshall109 chama a atenção para uma corrente do judaísmo
segundo a qual aqueles que estivessem com vida no fim do mundo ou na implantação
do reino messiânico seriam mais bem-aventurado que os mortos:

Bem- aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias.
(Dn 12,12)

Bem- aventurado são os que nascerem naqueles dias, para ver as


beneficências a Israel, as quais Deus fará entre o ajuntamento das tribos.
(SlSal 17,50)

Compreenda, portanto, que aqueles que são deixados são mais bem-
aventurados do que aqueles que morreram. (4Esd 13,24)

Se for esse o caso dos tessalonicenses, isso explicaria o porquê da tristeza deles e
também da ênfase de Paulo em que os mortos não estariam em desvantagem. Também
apontaria que Paulo era contrário a esse tipo de crença; deste modo, permanece a
possibilidade de que Paulo teria elaborado sua escatologia a partir de sua experiência
pré-cristã no judaísmo rabínico em confronto com as tradições de Jesus.

V. 16: o[ti auvto.j o` ku,rioj evn keleu,smati( evn


fwnh/| avrcagge,lou kai. evn sa,lpiggi qeou/ ( porque o mesmo
Senhor, em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta de Deus). A expressão
“em grito de comando, em voz de arcanjo e em trombeta de Deus ” faz parte do
imaginário da volta de Cristo e é oriunda de escritos e tradições apocalípticas judaicas;
provavelmente já estava fixada nas mentes dos tessalonicenses, razão pela qual Paulo a

108
TURNER, S. The Interim, Earthly Messianic Kingdom in Paul. JSNT 25.3 (2003), p. 327) .
109
MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida
Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 155.
92

evoca sem maiores explicações. P. Nepper-Chrestensen110 registra a dificuldade que


envolve a compreensão de tal cenário:

After the conjuntive o[ti, hoti clarity of the picture disappears: it is not
clear who gives the command, to whom the comman d is given, or how the
command relates to the other two motifs. Do the last two motifs, the voice of
the archangel and the trumpet of God, explicate the first one? Is the
ke,leusma taken up by the voice of the archangel and by the trumpet of
God? It is also not clear for whom all this is meant.1 1 1

Plevnik entende que o termo “grito de comando” fundamenta-se em ideias


ligadas à autoridade de Iahweh que aparecem em teofanias no Primeiro Testamento e na
tradição do Dia do Senhor. Nos salmos que falam do comando de Iahweh sobre as águas
do caos percebe-se tal ideia (Sl 18,16; 68,31; 104,7; 106,9 etc.) – usam geralmente o
termo r[;G"( ((ga ar) ou hr'['G> (geara), repreensão. Assim, tem sido entendida
como poder de Deus que derrota o mal e estabelece seu reino. Já outro tipo de
interpretação, como é o caso de Hendriksen 1 1 2, não vê tanta dificuldade na expressão e
entende que esse “grito de comando” refere-se ao grito do Filho de Deus, gerador de
vida, que vivifica aqueles que estão mortos espiritualmente, mas que no futuro
ressuscitará os mortos corporalmente cf. Jo 5,25.28 (“...em que os mortos ouvirão a voz
do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão... porque vem a hora em que todos os que
estão nos sepulcros ouvirão a sua voz”).

evn fwnh/| avrcagge,lou. Prevnik 113 afirma que essa expressão indica
uma outra circunstância de acompanhamento na vinda de Cristo em que o arcanjo (ser
celestial dotado de poder, com anjos sob sua responsabilidade) pode estar relacionado à
palavra anterior ke,leusma, e envolve a noção de repreensão aos inimigos de Deus.
Contudo, o termo também faz parte do séquito do Senhor, numa semelhança com 1Ts
3,13, em que Jesus virá “com todos os santos”, referindo-se aos anjos114; em 2Ts 1,7115
o Senhor Jesus será revelado no céu “com seus anjos poderosos”. Esse tema aparece

110
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1997, p. 45-50.
111
NEPPER-CHRISTENSEN, P. Das ver borgene Herrenwort: Eine Untersuchung über 1. Thess. 4,13-18.
ST 19 (1965), p. 136-54, apud Plevnik.
112
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1998, p.171-172.
113
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1997, p. 50-57.
114
Embora a interpretação aqui seja bastante controversa, cf. expõe Plevnik em nota na p. 51.
115
Plevnik considera 2 Tessalonicenses uma carta paulina.
93

também nos relatos sinóticos sobre a vinda do Filho do homem, cf. Lc 9,26, “o Senhor
virá na glória dos santos anjos”, enquanto Mc 8,38 e Mt 16,27 também mencionam a
vinda “com os santos anjos”. E ainda de acordo com Mt 13,41.49, o Filho do homem
enviará seus anjos para reunir os eleitos e separar os maus entre os justos (cf. Ap 10,7;
11,15). Essa crença também se assemelha à teofania e ao dia do Senhor: este é descrito
como vindo com seus exércitos de anjos em Dt 33,2-3, ou mesmo em escritos
pseudepígrafos como En 1,4-9; 60,1-2. De maneira que Plevnik116 associa e entende que
a imagem de “voz de arcanjo” sobre o pano de fundo da tradição da vinda do Filho do
Homem aponta para a sugestão de juízo divino, embora em 1Ts 4,16 não haja
desenvolvimento dessa ideia. Diferentemente de Plevnik, Hendriksen117 acredita que a
voz de arcanjo, embora seja algo distinto do “grito de comando”, possui a mesma
função-sinal de ressuscitar os mortos.

evn sa,lpiggi qeou/. O tema da trombeta ocorre também em 1Cor 15,52


(“... ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão
incorruptíveis, e nós seremos transformados”), onde Paulo parece enfatizar o toque da
trombeta numa imagem evocativa bastante clara.

Segundo Plevnik 118, a LXX traduz sete palavras hebraicas por sa,lpigx,

porém a mais frequente é chifre (rp'Av,, sôpar); tema que aparece na tradição da

guerra santa, associada às vezes à tradição cúltica da arca da aliança, a teofanias, e à


tradição do Dia do Senhor. De acordo com von Rad119, o uso mais comum do tema
acontece na descrição da guerra santa, na qual, ao som da trombeta que indicava a
guerra (Jz 3,27; 6,34; 1Sm 13,3); toda a tribo reunia-se no arraial para a batalha. O Dia
do Senhor é frequentemente apresentado como o dia da batalha, e em Zc 9,14 é
mencionado com o toque da trombeta. Em Zc 10,8, o toque da trombeta pode ser tanto
sinal de redenção como de tragédia para Israel. Nos manuscritos do Mar Morto o tema
da trombeta é característico da batalha escatológica entre os filhos da luz contra os
filhos das trevas. No NT o tema da trombeta aparece na descrição da vinda do Senhor
(Mt 24,31; 1Ts 4,16; 1Cor 15,52; Ap 11,15); entretanto, em Ap 8,2.6.7.8.10.12;

116
Ibidem, p. 58.
117
Ibidem, p.173.
118
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1997, p. 57-58.
119 a
Von Rad, G. Der Heilige Krieg im alten Israel. ATANT 20. Zürich: Zwingli, 1951. 3 ed. Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1958. ET: Holy War in Ancient Israel. Edited by M. J. Dawn. Grand Rapids:
Eerdmans, 1991, apud Plevnik.
94

9,1.13.14; 10,7 o som da trombeta está ligado a descrições de punição que precedem o
final dos tempos, e em 11,15, ao final de todas as coisas. Diante dessas constatações,
Plevnik conclui que a frase “em trombeta de Deus” é parte de uma disposição
paratática; carrega, juntamente com as expressões já mencionadas, a provável indicação
de que a intervenção de Deus no fim dos tempos será em poder. Jesus virá em poder,
autoridade e glória de Deus para reunir os fiéis. E é provavelmente essa a ideia que
Paulo quis transmitir à sua comunidade. Tanto Hendriksen120 quanto Marshall 121
chegam a conclusões semelhantes acerca dessa expressão.

katabh,setai avpV ouvranou/. Trimaille 122 chama a atenção para a


exclusividade que essa expres são (“descerá do céu”) possui nas cartas paulinas,
ocorrendo apenas aqui. Tanto nos sinóticos, a respeito do Filho do homem, como em
Paulo prevalece a ideia de que ele “vem”. A palavra ouvrano,j (céu) é usada 21
vezes por Paulo, 12 no singular e nove no plural. Geralmente emprega a palavra como
uma descrição do universo (céus e terra, cf. 1Cor 8,5); morada dos anjos (cf. Gl 1,8);
morada de Cristo (Rm 10,6; 8,34; Fl 3,20; 1Ts 1,10; 4,16); e morada eterna do fiel (cf.
2Cor 5,1,2; Fl 3,20; Gl 4,26). Existem ainda outras referências nas cartas cuja autoria
paulina é posta em dúvida por alguns pesquisadores, porém esses exemplos são
suficientes para perceber o uso que Paulo faz da palavra céu.

kai. oi` nekroi. evn Cristw/| avnasth,sontai prw/ton


(e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro). A expressão oi` nekroi expõe nesse
ponto o abandono de Paulo ao eufemismo de tou.j koimhqe,ntaj (aos que
adormeceram) em relação aos mortos; ele faz uso da palavra em seu sentido denotativo.
A expressão evn Cristw/| possui um significado sugestivo e prolífico nos escritos
paulinos, contudo aqui aparenta estar ligado ao sentido da expressão tou.j
koimhqe,ntaj dia. tou/ VIhsou (aos que adormeceram através de Jesus), já
mencionada anteriormente, como aqueles que morreram na fé cristã. De qualquer
maneira, a expressão evn Cristw/|, como expõe o texto de M. A. Seifrid123,

120
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento. 1 e 2 Tessalonicenses. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1998, p. 173- 174.
121
MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida
Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 157-158.
122
TRIMAILLE, Michel. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses (Cadernos Bíblicos). São Paulo:
Paulinas, 1986, p. 86.
123
SEIFRID, M. A. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 453- 457.
95

aparece frequentemente nas cartas paulinas e por esse motivo muitos


interpretes a consideram uma fórmula paulina, que se baseia numa concepção
local de Cristo como substância ou pessoa. Todavia, a variedade de formas
como aparece nas frases indica que ela serve de expressão idiomática
flexível, que expressa um meio ou modo de ação e também localidade.
Conquanto Paulo às vezes ligue a expressão “em Cristo” à imagem de Cristo
como figura, corpo ou edificação inclusiva, ela não deriva de uma ideia
“incorporada” nem se limita a ela. Ao contrário, a linguagem paulina
compartilha um uso metafórico comum de “espaço” e é representada por sua
definição ou exclusividade. Sendo assim, tal expressão transmite a crença
paulina de que os propósitos salvíficos de Deus se cumprem decisivamente
por meio de Cristo.

A expressão avnasth,sontai prw/ton (ser ão ressuscitados primeiro)


chama a atenção para o sentido temporal do acontecimento. Plevnik 124 inclui prw/ton
(primeiro, primeiramente) entre os vocábulos que dão um sentido sequencial ao quadro
da vinda, os quais são três: prw/ton, e;peita e a[ma su.n ; ou seja, primeiro os
mortos ressuscitam, depois juntos participam do rapto e assim, juntos com Cristo,
permanecem pra sempre.

V.17: e;peita h`mei/j oi` zw/ntej oi` perileipo,menoi


(então nós, os vivos, os que restarmos). Novamente aparece a expressão inclusiva de
Paulo entre os vivos na parusia

(h`mei/j oi` zw/ntej). O termo e;peita, como dito anteriormente, sugere a


ordem sequencial dos acontecimentos: os mortos ressuscitam, depois os vivos são
unidos aos ressurretos e, juntos, a[ma su.n (são “apanhados em nuvens”).
Marshall 125 observa: sempre que Paulo fala da existência futura com o Senhor, usa a
preposição grega menos comum su.n em vez da sinônima, mais comum, meta (cf.
1Ts 5,10; 2Ts 2,1; 2Cor 5,8; Fl 1,23; Cl 3,4). Na observação de Best126, a mesma
preposição é usada por Paulo numa série de verbos compostos que se referem ao morrer
e viver com Cristo nesta vida (Rm 6,3- 11; 8,17; Gl 2,20; Cl 2,12-3,4) e conclui que os
dois tipos de expressão estão ligados entre si: morrer e ressuscitar com Cristo leva à
plenitude da vida com Ele na sua vinda, sendo que a vida futura com Cristo é a

124
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia, p. 82.
125
MARSHALL, I. Howard. I e II Tessalonicenses. Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida
Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 159.
126
BEST, E., A Commentary on the First and Second Epistles to the Thessalonians (Black’s New
Testament Commentaries). Londres: 1972, apud Marshall.
96

consumação de um relacionamento que já começou. Todavia, qualquer que seja a


compreensão do uso desses termos, o certo é que a[ma su.n reforça a ideia do v. 15,
de que os vivos não precederam os mortos; ou seja, não há qualquer desvantagem de um
grupo em relação ao outro – todos juntos entram para uma nova forma de vida. Quanto
a oi` perileipo,menoi (os que restarmos), que ocorre aqui e no v.15, não tem o
mesmo significado que no AT de um remanescente deixado após um processo de
seleção, nem como nos escritos apocalípticos, do remanescente que escapa da tentação
do final dos tempos. Ao contrário, aqui refere-se àqueles que esperam es tar vivos na
vinda do Senhor.

A`rpaghso,meqa evn nefe,laij eivj avpa,nthsin tou/


kuri,ou eivj ave,ra (seremos apanhados em nuvens para o encontro do
Senhor nos ares). O termo a`rpaghso,meqa do verbo a`rpa,zw significa, cf.
Kittel127, tomar algo à força (firme e rapidamente), e ainda, roubar, capturar na guerra,
com o sentido de pressa, pegar um homem à força, denotar um arrebatamento em
visões. No NT a palavra é usada em parábolas que falam do conflito entre o reino de
Deus e o de Satã (cf. Jo 10,12, 28,29; Mt 12,29; em Jd 23 aparece “arrebatar para fora
do fogo”). Em 1Ts 4,17 o sentido é pegar, agarrar para cima ou para longe, e como no
caso de At 8,39 expressa uma operação poderosa da parte de Deus. Em 1Ts 4,17, é a
única vez que aparece no sentido de “rapto coletivo na vinda de Cristo”. Marshall liga o
arrebatamento nesse versículo à ideia do arrebatamento de Enoque (cf. LXX), que foi
mete,qhken (tomado) para estar com Deus (cf. Gn 5,24 e Sb 4,11, onde aparece a
palavra h`rpa,gh, também numa alusão ao arrebatamento de Enoque). Trimaille128
acrescenta ainda à ideia de arrebatamento o episódio do arrebatamento de Elias (2Rs
2,1-18) e também os apocalipses de Esdras, Baruc, Moisés, Isaías, sem se preocupar
com o termo usado em cada texto. Segundo ele, há também aproximação do tema do
arrebatamento (porém de forma helenizada) no Testamento de Abraão. Já se referindo
ao mesmo termo usado em 1Ts 4,17, menciona a literatura greco-romana; por exemplo,
o arrebatamento de Rômulo, fundador de Roma, de Hércules e de Apolônio de Tiana,
célebre taumaturgo contemporâneo de Jesus. Em todos estes casos, o arrebatamento é
tanto prova do caráter exemplar do personagem quanto recompensa dada a um ser

127
KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Vl.I. Grand Rapids: Eerdmans, 1969,
p. 472.
128
TRIMAILLE, Michel. A Primeira Epístola aos Tessalonicenses (Cadernos Bíblicos). São Paulo:
Paulinas, 1986, p. 91.
97

excepcional, o êxito final de uma vida notável. Plevnik, que pesquisou sobremodo a
questão do imaginário paulino da parousia, chama a atenção para o uso do termo “em
nuvens”, o qual não ocorre no v. 16 (onde ocorre a maior parte do imaginário
apocalíptico na passagem), e sim aqui no v.17; seu uso não está de acordo com as
circunstâncias da vinda do Senhor nos sinóticos, que demonstram dependência de Dn
7,13 (“eis que vinha nas nuvens do céu um como filho do homem”); cf. Mc 13,26
(“verão vir o Filho do Homem nas nuvens”); Mt 24,30 (“e verão o Filho do Homem
vindo sobre as nuvens do céu”); Lc 21,27 (“verão vir o Filho do Homem numa
nuvem”); e também Ap 1,7 (“Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá”). Em
14,14-16 (“eis uma nuvem branca e assentado sobre a nuvem”) as nuvens parecem ser o
trono do Filho do Homem, enquanto que em 10,1 (“vi outro anjo forte, que descia do
céu, vestido de uma nuvem”) parece envolver o anjo poderoso vindo do céu.
Diferentemente, em 1Ts 4,17 são os crentes (tanto ressurretos quanto os que não
passaram pela morte) que serão apanhados “em nuvens” para encontrarem o Senhor nas
alturas. Portanto, esta imagem é única no NT.

Segundo Lohfink129 , na antiguidade greco-romana o arrebatamento é de dois


tipos: jornada celestial e assunção. A jornada celestial não é necessariamente associada
à morte; pode ocorrer tanto em transe quanto na morte. Porém, em ambos os casos
envolve apenas o espírito. No transe, o espírito da pessoa viva é transportado para o céu,
enquanto o corpo permanece na terra, e após o transe o espírito retorna ao corpo. Na
morte, contudo, a alma deixa o corpo (que é enterrado) e inicia sozinha a jornada para o
céu. Na assunção, entretanto, um ser mortal é arrebatado de corpo e alma para o paraíso
ou algum outro lugar além, para desfrutar de uma vida melhor para sempre. Isso
pressupõe que a pessoa ainda está viva quando é tomada. É bem diferente de uma
ascensão, em que um ser celestial, após uma aparição na terra, retorna ao céu, para sua
morada. Enquanto que na jornada celestial o foco está na jornada em si, na assunção o
foco está na partida e no destino; o evento é narrado do ponto de vista das testemunhas
terrestres, e a ênfase é no súbito desaparecimento, o qual é interpretado como assunção
e exaltação. No AT e no judaísmo, também conforme Lohfink, aparecem quatro
maneiras de arrebatamento: a) jornada celestial; b) assunção do espírito após a morte; c)
assunção da pessoa toda, corpo e espírito para o céu; e d) ascensão. A assunção da
pessoa toda no AT e no judaísmo corresponde à assunção greco-romana. Tal
129
LOHFINK, G. Die Himmelfahrt Jesu: Untersuchungen zu den Himmelfahrts-und Erhöhungstexten bei
Lukas. Sant 2. Munich: Kösel, 1971, apud Plevnik.
98

arrebatamento ocorre em 4 Esdras e 2 Baruque e é associado a Moisés, Enoque e Elias,


e ao Messias. Assim sendo, Plevnik 130 salienta que o modelo de assunção, no qual é
necessário que a pessoa esteja viva para ascender, ocorre também no NT. Em Lc 24 e At
1, Cristo ascende ao céu após sua ressurreição, portando, em corpo e espírito; em Ap
11,12 as duas testemunhas primeiramente são trazidas à vida (depois de serem mortas),
e só então sobem para o céu em uma nuvem. Por isso, esse tipo de compreensão
assemelha-se a 1Ts 4,17, onde os vivos são arrebatados em corpo e espírito para o céu,
tendo as nuvens como veículo e os corpos transformados ao modo de vida dos
ressurretos, não havendo também menção de retorno à terra (cf. Ap 11,3-13), o que para
ele significa que esta vida eterna com o Cristo exaltado não se dá na terra.

O termo eivj avpa,nthsin (para o encontro) já foi mencionado no


comentário do v.15 como sendo considerado, por muitos, como termo técnico do âmbito
político imperial helenístico. Plevnik 131 nesse caso segue o ponto de vista de Dupont 132
e discorda que es te termo seja técnico, mesmo porque, em relação à vinda do Senhor,
ele só ocorre aqui. Ao contrário, acredita que tanto o encontro quanto o arrebatamento
em nuvens são, de alguma forma, elaboração e desenvolvimento paulino inspirados de
alguma forma no imaginário judaico e cristão apocalíptico.

eivj ave,ra (no ar). A. L. Moore133 afirma que o ar na literatura judaica


tardia era considara morada dos espíritos, geralmente antagônicos ao homem (cf. Ef
2,2). Porém, salienta que Paulo também fez uso da palavra num sentido neutro em 1Cor
9,26; 14,9), e para ele é duvidoso se aqui significa mais que o espaço apenas. Já R. E.
Otto134 entende que aqui o sentido do “encontro nos ares” é questão chave para entender
a passagem e mesmo a angústia dos tessalonicenses, visto que, para ele, os cristãos
estavam preocupados com seus mortos, uma vez que eles não poderiam encontrar com
Cristo no ar, por que os ares eram a morada dos espíritos maus conforme o pensamento
pagão135 e também cristão (Ef 2,2; 6,12), e era região de lugar das batalhas entre Satanás

130
PLEVNIK, J. Paulo and the Parousia. An exegetical and theological investigation. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1997, p. 62.
131
Ibidem, p. 89.
132
DUPONT, J. S?N CRISTWI: L’union avec le Christ suivant saint Paul. Louvain: Nauwelaerts. Paris:
Desclée de Brouwer, 1952, p. 77-79.
133
MOORE, A.L. I and II Thessalonians. Greenwood: The Attic Press Inc., 1969, p. 72.
134
OTTO, R. E. The Meeting in the air (1Thess. 4,17), HBT 19 (1997), p. 192-212).
135
Otto cita Athanasius, Life of Antony 66, onde Antônio tem uma visão na qual as almas em ascensão
tentam evadir- se de um grande monstro (o diabo). O monstro pode pegar apenas aquelas almas que já
pertencem a ele, mas aqueles que fracassaram em vencer enquanto vivos passam a pertencer a ele.
99

e Deus (cf. Ap 12,7-12; Martírio de Isaías 7,9). Otto136 declara concordar com Morris137
que o encontro do Senhor nos ares (a morada dos demônios) significa seu domínio
completo sobre o mal. Afirma que, nesse texto, o arrebatamento e o encontro
(avpa,nthsij) não devem ser entendidos literalmente, mas como representação
simbólica da batalha final de Cristo e os poderes das trevas que se opõem a ele e seu
povo.

kai. ou[twj pa,ntote su.n kuri,w| evso,meqa (e assim


sempre com o senhor estaremos). Esta expressão encerra a perícope com o objetivo de
demover a tristeza e promover a esperança. É a terceira vez que a preposição su.n
(com) aparece. Na primeira, os mortos ressurretos são conduzidos (por Deus) com
Jesus, na segunda vivos juntamente com ressurretos são apanhados em nuvens, e na
terceira todos estarão para sempre com o Senhor; de maneira que não há razão para se
entristecerem. A ideia de companhia, de união, é assim bastante fortalecida.

V.18. {Wste parakalei/te avllh,louj evn toi/j lo,goij


tou,toij (portanto, consolai- vos uns aos outros por meio destas palavras). Diante
do esclarecimento de Paulo acerca da situação do mortos em Cristo na parousia, não
haveria motivo para a tristeza e a falta de esperança, e suas palavras também deveriam
ser usadas para consolo mútuo sempre que necessário.

Conclusão da exegese

O arrebatamento coletivo, ou secreto, como alguns preferem, tem sido entendido


como um evento separado e diferente da segunda vinda de Jesus, ainda que esteja
estritamente relacionado com ela na sequência dos eventos. Algo que tem sido feito é
usar as passagens que falam da ressurreição dos mortos em Cristo, e da transformação
dos corpos dos cristãos vivos em corpos incorruptíveis, como escritas apenas com o
objetivo de tratar da vinda de Cristo. Todavia, o que se pode salientar é que em 1Ts
4,13-18 a preocupação de Paulo é primeiramente promover a esperança dos fiéis
desfazendo qualquer mal-entendido acerca de seus entes queridos mortos. De maneira

136
OTTO, R. E. The Meeting in the air (1Thess. 4,17), HBT 19 (1997), p. 192-212).
137
MORRIS, L. The First and Second Epistles to the Thessalonians (New International Commentary),
Grand Rapids: 1959, p. 136.
100

que ele nem entra em detalhes acerca do evento da vinda, não mencionando, por
exemplo, onde será a vida eterna com Cristo; sua preocupação é consolar os aflitos.
Mesmo no capítulo 5, em que fala da forma repentina como o Dia do Senhor virá,
esclarece que os fiéis (filhos da luz) não ser ão surpreendidos (v. 4.5) porque, quer na
vigília ou no sono, devem viver em união com Cristo (v. 10). Por isso, não há motivo
para pensar que a passagem seja um compêndio de escatologia paulina e fundamento
para posições doutrinárias. Conquanto uma das principais passagens usadas para
fundamentar o ensino do arrebatamento coletivo seja justamente 1Ts 4,13-18, com 1Cor
15,50-52 e Fl 3,21, entre outras, conforme foi possível perceber, o termo
a`rpaghso,meqa (seremos arrebatados) comporta um forte sentido de
transformação e transfiguração, para ter o mesmo corpo glorioso de Cristo. Mesmo
porque, quando ligada aos textos que falam do mesmo assunto, o arrebatamento seria
apenas uma transformação que ocorre dentro do evento da vinda de Cristo, não podendo
de forma alguma ser considerado um acontecimento à parte disso – é necessário haver a
ressurreição dos mortos em Cristo, previamente, para que todos junto possam estar para
sempre com o Senhor. Outra inconsistência na doutrina do arrebatamento coletivo: não
é pos sível perceber a ressurreição dos cristãos mortos, o que força a crer que a
ressurreição dos mortos em Cristo não é perceptível aos que ficarem. Isso sugere uma
ressurreição apenas em espírito, algo que afronta o ensino paulino, apesar da dificuldade
apresentadas pelas passagens que tratam da ressurreição.

4.2. Exegese de Apocalipse 20,1-6

1
Kai. ei=don a;ggelon katabai,nonta evk tou/ ouvranou/
e;conta th.n klei/n th/j avbu,ssou

Tambem vi (um) anjo descendo do céu tendo a chave do abismo


2
kai. a[lusin mega,lhn evpi. th.n cei/ra auvtou/Å kai.
evkra,thsen to.n dra,konta( o` o;fij o`

e (uma) corrente grande na mão dele. E agarrou o dragão, a antiga serpente

avrcai/oj( o[j evstin Dia,boloj kai. o` Satana/j( kai.


3
e;dhsen auvto.n ci,lia e;th kai. e;balen
101

que é o Diabo e Satanás, e amarrou a ele mil anos e lançou

auvto.n eivj th.n a;busson kai. e;kleisen kai. evsfra,gisen


evpa,nw auvtou/( i[na mh. planh,sh|

a ele para o abismo e fechou e selou sobre ele, para que não enganasse

e;ti ta. e;qnh a;cri telesqh/| ta. ci,lia e;thÅ

mais as nações até que serem completados os mil anos,

meta. tau/ta dei/ luqh/nai auvto.n mikro.n cro,nonÅ

depois destas coisas é necessário ser solto ele pouco tempo.


4
Kai. ei=don qro,nouj kai. evka,qisan evpV auvtou.j kai.
kri,ma evdo,qh auvtoi/j( kai.

E vi tronos e sentaram sobre eles, e autoridade para julgar dada a eles, e

ta.j yuca.j tw/n pepelekisme,nwn dia. th.n marturi,an


VIhsou/ kai. dia.

as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa

to.n lo,gon tou/ qeou/ kai. oi[tinej ouv proseku,nhsan to.


qhri,on ouvde. th.n eivko,na auvtou

da palavra de Deus e os que não adoraram a besta nem a imagem dela

kai. ouvk e;labon to. ca,ragma evpi. to. me,twpon kai.


evpi. th.n cei/ra auvtw/nÅ

e não receberam a marca sobre a fronte e sobre a mão deles

kai. e;zhsan kai. evbasi,leusan meta. tou/ Cristou/ ci,lia


e;thÅ

e viveram e reinaram com o Cristo mil anos.


5
oi` loipoi. tw/n nekrw/n ouvk e;zhsan a;cri telesqh/| ta.
ci,lia e;thÅ

Os restantes dos mortos não viveram até que fosse completado os mil anos.
6
Au[th h` avna,stasij h` prw,thÅ maka,rioj kai. a[gioj o`
e;cwn me,roj evn th/| avnasta,sei
102

Esta é a ressurreição, a primeira. Feliz e santo o que tem parte na ressurreição,

th/| prw,th|\ evpi. tou,twn o` deu,teroj qa,natoj ouvk


e;cei evxousi,an( avllV e;sontai i`erei/j

a primeira, sobre estes a segunda morte não tem autoridade, mas serão sacerdotes

tou/ qeou/ kai. tou/ Cristou/ kai. basileu,sousin metV


auvtou/ Îta.Ð ci,lia e;thÅ

de Deus e de Cristo e reinarão com ele [os ] mil anos.

4.2.1. Tradução formal

1
E vi

um (anjo) que desceu do céu tendo a chave do abismo

e (uma) corrente grande na mão dele.


2
E agarrou o dragão, a antiga serpente que é o Diabo e Satanás

e amarrou ele mil anos


3
e lançou ele para o abismo

e fechou

e selou sobre ele, para que não enganasse

mais as nações até que fosse completado os mil anos,

depois dessas coisas é necessário ser solto ele pouco tempo.


4
E vi

tronos e sentaram-se sobre eles,

e autoridade para julgar dada a eles,

e as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus

e por causa da palavra de Deus

e todos que não adoraram a besta nem a imagem dela

e não receberam a marca sobre a fronte


103

e sobre a mão deles

e viveram e reinaram com o Cristo mil anos.


5
Os restantes dos mortos não viveram até que fosse completado os mil anos.
6
Esta é a ressurreição, a primeira.

Feliz e santo o que tem parte na ressurreição, a primeira,

sobre este a segunda morte não tem autoridade,

mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele [os] mil anos.

4.2.2. Análise do conteúdo

Nosso objetivo em analisar Ap 20,1-6 é perceber como uma interpretação de seu


conteúdo pode apoiar a expectativa paulina acerca do arrebatamento e assuntos ligados
a este, como por exemplo a ressurreição. Uma vez que nossa perícope principal
encontra-se em 1Ts 4,13-18, e é o nosso ponto de partida, aqui nosso objetivo será mais
breve e superficial: apenas rastrear os temas ligados à escatologia, da qual o
arrebatamento coletivo também faz parte.

É interessante notar que no Apocalipse, um livro que reserva grande espaço para
relatar “as coisas que brevemente devem acontecer”, não trata do arrebatamento da
Igreja, pelo menos não explicitamente, muito menos nos moldes paulinos; a única vez
em que o verbo a`rpa,zw, rapto, aparece é em 12,5138, num contexto totalmente
diferente do assunto em voga. Entretanto, no ensino escatológico de que o
arrebatamento da Igreja faz parte, Ap 20,1-6 é extremamente importante, pois também
faz parte da sequência de eventos esperados para o fim. O milênio é um assunto
exclusivo do Apocalipse e não aparece em nenhuma outra parte do NT. O tema do
milênio tem promovido múltiplas expectativas ao longo dos séculos, a despeito da
dificuldade de compreensão que a passagem e o livro de Apocalipse inteiro suscitam,
devido à sua característica simbólica e alegórica. O impasse a respeito da interpretação
literal ou simbólica do livro sempre esteve presente na comunidade de fé.

138
“E deu à luz um filho, um varão que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi
arrebatado para Deus e para o seu trono” (Ap 12,5).
104

4.2.3. Delimitação da perícope

Apocalipse 20,1-6 relata a visão de João concernente aos mil anos, durante os
quais os fiéis reinarão com Cristo. Todavia, para que isso ocorra, a visão deixa claro que
é preciso1 3 9 que Satanás seja preso, impedido de agir enganando as nações. Por isso
João vê o Anjo descer do céu com a chave do abismo e uma grande corrente para
prender Satanás. Entretanto, este evento não é final. Pois Satanás será solto ainda por
um pouco de tempo para retomar suas atividades. Na sequência da primeira visão,
ocorre a segunda, em que João avista tronos e pessoas que recebem autoridade para
julgar. Vê também as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus
e da palavra de Deus, e de todos que não adoraram a besta nem a imagem dela, nem
receberam marcas sobre a fronte e a mão. Todos viveram e reinaram com Cristo os mil
anos. Os últimos versículos (5-6) tratam de explicações a respeito das visões e narram
acontecimentos paralelos.

4.2.4. Contexto anterior

O contexto anterior à nossa perícope relata a visão de um combate entre o


cavaleiro do cavalo branco e seus exércitos, de um lado, e a Besta, os reis da terra e seus
exércitos, do outro. O cavaleiro sai vencedor contra a Besta e o falso profeta
mencionados em 14,11-18, e ambos são lançados vivos no lago de fogo. Os que foram
mortos pela espada que saía da boca do cavaleiro serviram de alimento às aves. E assim
a visão termina de relatar esse evento, sem nenhuma menção à prisão do dragão e dos
mil anos que fazem parte da próxima visão. De qualquer forma, esse contexto anterior
imediato possui o mesmo gênero de nossa perícope (relato de visão), mas o tema e as
personagens são diferentes.

139
Eugênio CORSINI atenta para o uso do Apocalipse a respeito da necessidade de certos acontecimentos
(cf. 1,1; 4,1, “as coisas que devem acontecer”), os quais na verdade, querem indicar a maneira infalível e
irrefreável como se realizam os desígnios de Deus, especialmente o mais importante deles, ou seja, o
plano da salvação. O Apocalipse de São João. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 352-353.
105

4.2.5. Contexto posterior

O contexto posterior dá sequência à nossa perícope em 20,1-6, mas trata de outro


evento, isto é, outro combate que deve ocorrer após os mil anos. Satanás será solto e
novamente enganará as nações reunindo-as dos quatro cantos da terra, com Gog e
Magog, numa refer ência a Ez 38,2.9.15, para combater o acampamento dos santos e a
cidade amada. Todavia, serão destruídos por um fogo vindo do céu, e finalmente
Satanás será lançado no lago de fogo juntamente com a Besta e o falso profeta. O
gênero continua sendo de relato de visão; o que difere é o tema-acontecimento que se
apresenta como uma continuação do evento anterior, e também dá continuidade a outro
assunto: o juízo final. Tal juízo requer que os que não ressuscitaram no período dos mil
anos ressuscitem; depois, segue-se a menção de que a Morte e o Hades (lugar dos
mortos) serão aniquilados juntamente com aqueles que não tiveram seus nomes escritos
no livro da vida. Surge aí a menção da segunda morte: ser lançado no lago de fogo,
mencionada no v. 6.

4.2.6. Análise exegética

Como dito antes, o livro de Apocalipse sempre trouxe certa problemática em


relação à sua interpretação. Ao mesmo tempo em que ele mesmo dá diretrizes de como
quer ser entendido (cf. Ap.1,1.3), seu caráter profético ligado ao conteúdo visionário
apocalíptico deixa muitas questões em aberto. Sem dúvida o leitor ou intérprete do séc.
XXI será mais privilegiado, conforme tem a possibilidade de acessar as várias
interpretações e aplicações feitas ao longo dos séculos. Por outro lado, não se pode dizer
que tal privilégio facilite as coisas. A perícope de Ap 20,1- 6 e sua menção do reino
milenar (a parte que mais nos interessa por ora) tem sido interpretada basicamente de
duas maneiras , como podemos constatar nos ensino escatológico e também cf. Prigent.
São elas: 1) uma leitura literal: os mil anos se referem a um período futuro, e 2) uma
leitura simbólica (ou alegórica): os mil anos são o período presente da Igreja de Cristo.
Portanto, dentro e a partir destas duas leituras surgem as várias interpretações com seus
diferentes matizes.
106

4.2.7. Divisão da perícope

1ª Visão: a prisão de Satanás por mil anos (v. 1-3)

2ª Visão: o reino milenar de Cristo (v. 4)

3ª A explicação da segunda visão (v. 5-6)

A perícope é estruturada sobre as visões. O uso constante da conjunção aditiva,


característico do relato de visões, promove uma somatória de ideias constituídas de
verbos de ação dando vivacidade e dinamismo às cenas.

Na primeira visão os elementos de contraste são fortes: anjo-dragão, céu- abismo,


preso-solto, mil anos-pouco tempo. Mas a mensagem importante é que o anjo vindo do
céu aprisiona Satanás por mil anos. Alguns consideram que a prisão de Satanás é o
evento mais importante dessa perícope. Charles140 R. Erdman atenta para o fato de que
muitos focalizam demais os mil anos, sem levar em conta que a prisão de Satanás e sua
impossibilidade de agir é que favorece a ocorrência dos mil anos. A figura do dragão
,que aparece também em vários outros textos de Apocalipse, aqui recebe quatro
nomeações, o que promove categoricamente sua identidade e parece não querer deixar
dúvidas de quem se trata; e cinco verbos 141 são usados para relatar a sua prisão, o que
reforça sobremodo o acontecimento de caráter dramático e restritivo. Só então acontece
a segunda visão.

João vê, então, tronos e pessoas que se sentam sobre eles, as quais
recebem autoridade para julgar. Prigent1 4 2 chama a atenção aos paralelos que ocorrem
com os termos e imagens do capítulo 20 em relação ao livro todo, bem como com
tradições veterotestamentárias. Quanto aos tronos do v. 4, Prigent1 4 3 afirma terem sido
inspirados na tradição de Dn 7,9 do Ancião de Dias e do Filho do homem que julgam e
reinam, e onde os santos recebem a realeza. Vasconcellos 1 4 4 salienta que, embora não
seja a primeira vez que João veja tronos no Apocalipse, é a única vez que ele vê muitos
tronos, e dessa vez não ao redor do trono de Deus,; um paralelo interessante

140
ERDMAN, Charles R. Apocalipse de João. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960, p.12.
141
Agarrou, amarrou, lançou, fechou, selou.
142
PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 1993, p. 354-355.
143
Ibidem p. 365.
144
VASCONCELLOS, Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana 34. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 86.
107

encontramos em Mt 19,28145 . Contudo, tão importante quanto esses muitos que irão
julgar, é a identificação que o texto faz deles, isto é, eles são “os que foram degolados
por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, não adoraram a besta nem sua
imagem e não receberam a marca na fronte e na mão”. São também “os que viveram e
reinaram com Cristo os mil anos”. Parece estar ligada à tradição dos santos que julgam
o mundo (cf. Mt 19,28; Lc 22,30; 1Cor 6,2). Porém, aqui parecem ser mais do que fiéis;
afinal, são também mártires, pois levaram sua fé às últimas consequências, a ponto de
serem degolados. Segundo Prigent, é importante notar que o verbo peleki,zw,
empregado para especificar os mártires, significa decapitar com machado, suplício
usado na Roma republicana, não porém na Roma imperial (que preferia a espada). Seria
por influência do procedimento antigo que João usou tal termo, ou ele estava pensando
nos grandes mártires do passado? Infelizmente, não há como afirmar peremptoriamente
este particular. Somente es tá claro que foram mortos por sua fé. Prigent146 ainda suscita
a dúvida de se “as almas dos decapitados (no acusativo) seriam as mesmas dos que não
adoraram a Besta etc.”, visto que está no nominativo, como se tratasse de sujeitos.
Porém, não há necessariamente desarmonia no pensamento de João, e é preciso levar
em conta os erros de construção gramaticais do grego do Apocalipse joanino; por isso,
há que se conviver com essas dificuldades. Além do que, mesmo os que não foram
degolados, mas não adoraram a Besta, nem sua imagem ou não receberam marcas na
fronte e nas mãos (cf. 13,15-17) podem ser considerados dignos de morte pela decisão
que tomaram. Destarte, as questões que surgem são do tipo: somente os mártires
viveram e reinaram? E os cristãos que morreram de outras formas? Levando em conta o
forte apelo de João no decorrer da obra à radicalidade da fé em Cristo, a vitória dos
perseverantes e o julgamento parecem indicar que somente os que
foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de
Deus e todos que não adoraram a besta nem a imagem dela e não receberam a
marca sobre a fronte e sobre a mão deles

viveram e julgaram. Todavia, desde Cipriano147, em Ad Fortunatum 12, já se interpreta


que aqueles que, pela fé firme e constante, foram conduzidos a se opor às pretensões

145
“Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar
no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” (Mt
19,28).
146
Ibidem, p. 366.
147
Cf. PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 1993, p. 366.
108

idólatras do império são incluídos na primeira ressurreição. Em outras palavras, a


dificuldade interpretativa continua.

O v. 5 explica a situação dos que permanecem mortos, e no v. 6 o macarismo


privilegia os que participam da primeira ressurreição, pois sobre eles a segunda morte
não tem autoridade. Antes, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele.
Conforme Ap 1,6, o tema do povo de Deus como reino sacerdotal parece seguir a
tradição bíblica (cf. Ex 19,5, 1Pd 2,5.9). Desse modo, a explicação da visão esclarece ao
menos que para João há duas ressurreições. A primeira, dos fiéis para o reino
messiânico temporário, e uma segunda ressurreição, da qual somente participaram os
que não reinaram os mil anos. Ainda juntamente com a ideia de duas ressurreições,
também aparece a ideia de duas mortes 1 4 8. A questão sobre quem são os mortos que não
ressuscitam também dependerá de como se interpreta a primeira ressurreição. Segundo
Prigent1 4 9, os pais da Igreja de forma geral interpretavam que os fiéis que ressuscitaram
eram os justos notáveis, e os que não ressuscitaram, os justos menos notáveis,
juntamente com o restante da humanidade150. Outros acreditam que a primeira
ressurreição é atual, espiritual, enquanto a segunda será corporal e geral; também aqui
dependerá da forma literal ou simbólica que se queira seguir. Outros, cf. Vielhauer151 ,
acreditam que seja a combinação de duas concepções judaica da ressurreição: uma mais
antiga, sobre a ressurreição dos justos apenas, e outra mais recente, sobre a ressurreição
geral dos mortos.

A segunda morte (v. 6) tem sua explicação no v. 14: trata-se da condenação


eterna ao lago de fogo, que ocorrerá após a soltura e condenação de Satanás e
principalmente após o julgamento do Grande Trono Branco. A segunda morte aparece
como consequência do que estará escrito nos livros (das obras e da vida); portanto, entre
os mortos estarão alguns que não serão condenados. Tal ideia parece confirmar a
interpretação de que entre os que não ressuscitaram no v. 5 há “cristãos”, “salvos”, e
portanto a primeira ressurreição é apenas e tão somente dos mártires.

148
A primeira morte obviamente seria a morte física, natural.
149
Ibidem, p. 367.
150
Tal interpretação parece estar de acordo com Ap 20,13: “E deu o mar os mortos que nele havia; e a
morte e o inferno deram os mortos que neles havia”, onde os locais de habitação dos mortos são
mencionados.
151
VIELHAUER, Philip . Historia de la literatura cristiana primitiva, p. 522, apud VASCONCELLOS,
Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana 34. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 90.
109

4.3. Crítica exegética do arrebatamento: convergências e divergências


interpretativas entre as duas passagens

Em Paulo, os mortos em Cristo ressuscit am e os vivos são transformados para


juntos encontrarem o Senhor nos ares e assim estarem para sempre com ele. Portanto,
não é um reino temporário. Paulo nada diz nessa passagem sobre um reinado do tipo
messiânico, mas as outras passagens nas quais fala sobre a transformação corpórea
juntamente com a ressurreição ajudam a compreender que esse reino é celestial. Em
1Cor 15,50 esclarece: carne e sangue não herdam o reino de Deus; o corpo precisa estar
incorruptível para herdar o reino de Deus, e quando isso acontecer a morte terá sido
vencida (cf. 1Cor 15,54). Então, como a corrupção não pode herdar a corrupção, o reino
que Paulo espera é incorruptível, ou seja, celestial e não terreno. Também, conforme Fl
3,20, a cidade do cristão está nos céus; de lá virá o Salvador e transformará o corpo de
humilhação, em corpo glorioso.

No Apocalipse de João, os mártires vivem (primeira ressurreição) e reinam com


Cristo por mil anos; portanto, o reino é temporário. Esses mártires são imortais, uma vez
que a segunda morte não tem autoridade sobre eles. Quanto ao restante dos mortos, não
são ressuscitados, e se considerarmos que a morte tem autoridade sobre eles, então seu
futuro dependerá do julgamento – supõe-se que alguns serão absolvidos, outros não.

Como fazer convergir Paulo e João, uma vez que não há menção de
arrebatamento coletivo em João? Deve-se partir do momento em que os mortos
ressuscitam e os vivos são transformados, e considerar que a ressurreição dos mártires
equivale à ressurreição de todos os cristãos (os quais morreram em Cristo). O reino em
Paulo deverá ser temporário, o que não se confirma. E os ressurretos que reinam com
Cristo são imortais152, contudo, convivem com as nações, já que após os mil anos as
nações se voltam contra a cidade santa. A menos que se considere que os cristãos
ressurretos vivam um modo de vida celestial, como anjos, reinem em outra dimensão –
mas então, quem são os santos que vivem na cidade santa, contra quem Gog e Magog
irão se opor?

152
No entanto, cf. 20,9: “E subiram sobre a largura da terra e cercaram o arraial dos santos e a cidade
amada; mas desceu fogo do céu e os devorou”, convivem com as nações que continuam presumivelmente
a viver no modo de vida terrena, uma vez que não passaram pela primeira ressurreição e após serem
seduzidas por Satanás (para a última peleja) serão mortos, consumidos pelo fogo.
110

Assim, percebemos que estamos diante de interpretações e leituras totalmente


inconciliáveis, sobre as quais se tem construído doutrinas que se arrogam verdades
irrefutáveis, inquestionáveis, e com diferentes implicações nos campos político,
econômico e religioso. No entanto, são passíveis de erros, nos quais se incorre quando
se interpreta literalmente textos simbólicos que são, na verdade, linguagens da
experiência religiosa. E tal linguagem lida com a difícil tarefa de expressar o
inexprimível. Ao mesmo tempo que exprime vívida e exageradamente uma realidade
que se projeta para um tempo futuro, responde angústias, dúvidas e temores do presente.
Assim, Apocalipse 20 se presta a destacar a ressurreição dos que morreram
violentamente por sustentarem sua fé em Jesus, mas são recompensados com um reino
onde vivem e reinam por mil anos. Quando se procura explicar o texto em detalhe, isso
é desconsiderado.

A experiência angustiante de injustas tragédias requer uma linguagem também


dramática e marcante para ser explicada a contento. Por isso se nota disparidade e
contraste em termos como mil anos e pouco tempo. Nos mil anos em que reinam os que
participam da primeira ressurreição, o diabo permanece preso, e os restantes dos
mortos assim continuam também pela mesma duração. Por pouco tempo o diabo é solto
para enganar as nações e promover a guerra, mas seu fim é trágico e eterno. A
mensagem, portanto, é categórica: vale a pena ser testemunha de Jesus e de sua Palavra,
afinal suas testemunhas são ressurretas, julgam e reinam, enquanto o diabo permanece
preso. Quando ele é solto, suas ações duram pouco tempo, mas sua punição é perene, a
qual também poderá ser destinado aquele que participar da segunda ressurreição.

Logo evidencia-se que, apesar de 1Ts 4,13-18 e Ap 20,1-6 convergirem no


sentido de honrarem aos fiéis mortos, consolarem e encorajarem os cristãos, ambas não
compartilham as mesmas expectativas e tradições, nem o mesmo gênero literário, sendo
portanto constituídas de tradições diferentes do cristianismo primitivo.

Paulo não esboça um reino temporário, pois os fiéis estarão para sempre com o
Senhor, nem tampouco o lugar onde estarão é esclarecido, se na terra ou no céu. Já em
Apocalipse 20 o reino é temporário e terreno. Em Paulo, a primeira ressurreição é dita
em relação aos que estiverem vivos e devem ser transformados; não há menção de
segunda ressurreição. Já em Apocalipse 20, o ressuscitar primeiro, está dito, em relação
à segunda ressurreição para o julgamento, e não aos vivos. A abordagem de ambos os
111

textos também deve sofrer interferência ligada à forma literária em que se encontram,
uma sendo parte dum sermão exortativo e outra um relato de visão.

Dessa maneira, as divergências expostas acima demonstram a origem traditiva


diversa, o que constitui formas diferentes de crença, muito provavelmente, por grupos
diferentes no tempo e espaço e que experimentaram e produziam uma expectativa
religiosa discordante.
112

CONCLUSÃO

A crença no arrebatamento da Igreja como elemento integrante do sistema


dispensacionalista pré-milenista escatológico faz parte do modo fundamentalista de
leitura da Bíblia. Tal leitura enfatiza a inerrância, a infalibilidade e a inspiração das
Escrituras, além de atribuir historicidade científica ao conteúdo bíblico. Assim sendo, a
Bíblia e seus textos proféticos antecipariam acontecim entos a tal ponto que aqueles que
recorrem à Bíblia seriam capazes de prever os rumos da história. Tal visão da Bíblia
acaba por fazer com que a interpretação de certo tema ao longo das Escrituras tenha que
se ajustar de maneira que não haja divergências e incongruências. Nesse horizonte,
ideias e crenças discrepantes provindas de diferentes autores e comunidades de fé, de
lugares e épocas diferentes (como é o caso da composição da Bíblia) são ignoradas.

A crença no arrebatamento da Igreja ganhou força e popularidade com o


movimento fundamentalista do final do século XIX, como vimos no primeiro capítulo,
porém até hoje se constitui maioria nos meios evangélicos de semelhante fé. Seus meios
de divulgação são os mesmos do início, somados aos meios modernos, c omo é o caso da
internet e do cinema. Por isso, optamos por apresentar, no terceiro capítulo, a análise de
um filme que divulga a crença. Na verdade, nesse capítulo chamamos a atenção para
uma característica de narrativa, a de ser constituída de arranjos selecionados de textos
bíblicos para a formulação da montagem doutrinal. Através das imagens fílmicas como
representação da realidade que faz uso de escolhas, mudanças, transformações, cortes e
recortes para sua montagem, foi possível evidenciar como uma doutrina ou crença
participa do mesmo mecanismo seletivo para representar a realidade ou mesmo o que se
espera dela no futuro. Levamos também em conta as ideologias que fazem parte da
construção dessas crenças doutrinárias. Tais ideologias camuflam posturas dissonantes
que envolvem tanto a crença em si quanto a postura de seus adeptos. Posturas
incompatíveis e incongruentes se evidenciam à medida que tais doutrinas e crenças
envolvem uma porção da sociedade pertencente a grupos dominantes, sejam políticos,
administrativos, econômicos etc. como acontece nos EUA.

Outra característica marcante da linguagem imagética cinematográfica é que ela


aumenta o grau de plausibilidade da doutrina escatológica em si, a ponto de tornar as
imagens fílmicas um quadro de referência para a interpretação dos textos bíblicos.
113

As exegeses e o cruzamento do texto paulino de 1Ts 4,13-17 e joanino de Ap


20,1-6, no último capítulo, usados como formadores e construtores da doutrina do
arrebatamento, também expõem a constatação do processo pelo qual é forjada tal
crença, uma vez que existe uma clara divergência entre as teologias de ambas as
passagens. Pelo mesmo processo outras passagens bíblicas são inseridas no corpus
doutrinário para dar -lhe um conteúdo coerente e crível. Dessa forma, textos usados e
manipulados à base de colagens interpretativas passam a funcionar, não apenas como
elemento moldador do construto, mas como elemento promotor do construto. Ou seja,
toda uma construção doutrinária passa a conduzir a leitura de tais textos, de maneira que
as incongruências existentes em seu corpus tornam-se invisíveis.
114

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