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Prisões revelam proximidade do

tráfico com Evo Morales


Flagrante de 480 quilos de cocaína com traficante boliviano mostra como não
há fronteira entre política e tráfico de drogas na Bolívia
Por Leonardo Coutinho, de Washington
access_time27 out 2017, 16h32 - Publicado em 27 out 2017, 13h57

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Jéssica Jordan a ex-miss apadrinhada pelo governo de Evo Morales: flagrada com traficantes foi enviada como
diplomata aos EUA (Reprodução/VEJA)

Uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Militar do Mato Grosso


apreendeu na semana passada um avião monomotor carregado com 480 quilos de
cocaína. A droga seria descarregada em uma pista de terra batida em uma fazenda da
cidade de Tangará da Serra. Piloto e copiloto eram os bolivianos Carlos André
Dorado, de 24 anos, e Fabio Andrade Lima Lobo, de 35 anos. A prisão, que deveria
chamar atenção apenas pelo tamanho do carregamento, expôs as relações íntimas
entre o narcotráfico e as autoridades políticas bolivianas.

A mãe do traficante Fabio Andrade Lima Lobo é Carmen Lima Lobo, filiada ao
Movimento ao Socialismo (MAS), legenda do presidente boliviano Evo Morales.
Carmen chegou a ser candidata a vice-governadora pelo Estado de Beni – na
Amazônia boliviana. Lideranças políticas bolivianas ouvidas por VEJA garantem que
a indicação de Carmen para a posição foi obra do ex-ministro Juan Ramón Quintana,
que ocupou a vaga de ministro de Presidência (equivalente à Casa Civil) por três
mandatos de Evo Morales. Atualmente Quintana é embaixador da Bolívia em Havana.
Elos no narcotráfico e na política: Fabio e sua mãe, Carmen Lima Lobo. Ela teve um relacionamento amoroso
com um dos líderes do Cartel de Calí. Da relação nasceu o filho que foi ao Brasil com 480 quilos de cocaína.
(Polícia Militar (MT)/Facebook)

O pai do traficante Lima Lobo nada mais é que o colombiano Celimo Andrade, preso
em 1992 em Santa Cruz de La Sierra. Quando de sua prisão, ele era considerado o
principal nome do Cartel de Cali fora da Colômbia e era responsável pelas operações
de envio de cocaína da Bolívia para a organização colombiana.

Embora os vínculos de Carmen Lima Lobo com o capo do tráfico fossem conhecidos
na Bolívia, os dois políticos mais poderosos do país abaixo do presidente Evo Morales
jamais se privaram do convívio com ela. Além do padrinho político Juan Ramón
Quintana, Carmen era do círculo próximo do vice-presidente Alvaro Garcia Linera.

Quintana e Carmen Lima Lobo: padrinho político, ex-ministro e atual embaixador em Havana sabia dos
vínculos familiares da pupila com o tráfico. Mesmo assim investiu em sua carreira política.
(Reprodução/Facebook)

Essa não foi a primeira vez que o traficante Lima Lobo foi pilhado pelas autoridades.
Em 2012, ele foi preso quando embarcava cocaína e fuzis russos modelo AK-47 em
um monomotor que seria despachado para o Brasil. Apesar do flagrante, ele foi posto
em liberdade e nunca respondeu pelo crime.
Em julho deste ano, um dirigente do MAS foi preso em São Paulo com 100 quilos de
cocaína. Romer Gutiérrez Quezada, segundo investigadores do caso, estava no Brasil
aguardando a designação para vice-cônsul da Bolívia na capital paulista.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, e seu correligionário Rómer Gutiérrez Quezada preso em julho com 100
quilos de cocaína em São Paulo (Reprodução/Facebook)

A cobertura diplomática dada a Quezada acendeu o sinal vermelho para as autoridades


americanas. O envio de Quintana para comandar a embaixada em Havana não é
tratado como uma mera movimentação política. A DEA (sigla em inglês da Agência
Antidrogas dos Estados Unidos) tem informações de que Cuba é um
importante hub para o envio de cocaína para os cartéis mexicanos e para os Estados
Unidos.
Em 2015, quando desertou e fugiu para os Estados Unidos, Leamsy Salazar – que foi
guarda-costas de Hugo Chávez e do poderoso Diosdado Cabello – relatou aos agentes
federais as dezenas de operações de envio de cocaína da Venezuela para Cuba.

No mesmo ano, um “processo trabalhista” aberto na Justiça americana revelou


detalhes de uma operação secreta que investigava Walter Álvarez Agramonte, o piloto
do avião oficial do presidente Morales, e duas pessoas próximas ao vice-presidente
Alvaro García Linera: seu pai, Raúl García, e seu amigo Faustino Giménez, um
argentino que trabalha para o governo Morales. Segundo a investigação conduzida
pela DEA, foram coletadas evidências suficientes para o indiciamento dos
investigados.

A referência a Raul García, que morreu em 2011, reforçou informações divulgadas


por VEJA em 2012. Autoridades bolivianas, à revelia do governo, investigaram as
relações do pai do vice-presidente com o tráfico. Segundo os informes, ele recebeu
um apartamento como pagamento por usar sua influência para designar um corrupto
como chefe da aduana do aeroporto de Viru-Viru, em Santa Cruz de la Sierra, de onde
saem grandes carregamentos de cocaína para o Brasil.
Ilustração publicada por VEJA em 2012 já mostrava o mimetismo entre política e narcotráfico na Bolívia
(VEJA/VEJA.com)
A mesma reportagem de VEJA, chamada A República da cocaína, também mostrou
que outros membros dos círculos íntimos e de poder de Evo Morales estavam
intrinsecamente conectados com o tráfico. Em 2010, Juan Ramón Quintana e a ex-
miss Bolívia Jéssica Jordan, então com 28 anos, foram fotografados entrando de mãos
abanando e depois saindo com maletas da casa de um traficante.
Depois das revelações de VEJA, Jéssica seguiu ativa e operante no núcleo de governo.
Foi candidata ao governo do Estado de Beni e depois foi enviada como cônsul da
Bolívia em Nova York. No ano passado, ela foi “rebaixada” a vice-cônsul em Miami.

Assim como a presença de Quintana em Havana é objeto de atenção, a atuação de


Jéssica no sul da Flórida tem sido acompanhada com lupa. Considerando que Cuba é
um importante entreposto de cocaína boliviana e que Miami é a principal porta de
entrada dessa droga nos Estados Unidos, os investigadores estão olhando bem de
perto para que os diplomatas não voltem a se encrencar com traficantes.

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