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Resumo:

TAILLE, Yves de La. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática.

Os jovens são reflexos da sociedade em que vivem. Se é verdade que eles


carecem de limites, é porque a sociedade como um todo deve estar privada deles. “Limite”
remete à ideia de fronteira, de linha que separa territórios. “O limite de meu
jardim está ali”, significa que há algo que não é mais o meu jardim. “Atingi o
limite de idade” significa dizer que, atingida essa idade, existem coisas que não
posso ou não me deixam mais fazer. Os dois exemplos nos remetem à ideia de
restrição. “Limite” significa também aquilo que pode ou deve ser transposto. Na vida e na
moralidade as duas possibilidades existem: o dever transpor e o dever não
transpor.
Para Piaget não é a maturação biológica que explica o desenvolvimento, mas
as múltiplas interações com o meio físico e social. É ao agir sobre os objetos
que a criança os assimila e constrói estruturas cada vez mais complexas e
abrangentes de assimilação. Toda conduta é uma adaptação e toda adaptação
é o restabelecimento do equilíbrio entre o organismo e o meio. Só agimos se
estamos momentaneamente em desequilíbrio.
Devemos aproximar a criança da cultura e não o contrário. O adulto não deve
engatinhar, pois é a criança que deve andar. Mas se todos à sua volta
engatinham ou fazem de conta que engatinham, que motivo ela terá pra
levantar? Se todos se comprazem na mesmice e na mediocridade, que
estímulo ela terá para procurar a excelência? Procurar a excelência é procurar
ir além de si mesmo, não necessariamente ser melhor que o outro. Implica em
competição consigo mesmo, o que pode nos acompanhar a vida toda e é a clara tradução
de uma procura por superação de limites. A excelência deve ser entendida como
um ideal que move.
Uma boa educação moral não deve se restringir ao ensinamento de múltiplas
regrinhas a “conter”, a “impor limites”, do tipo “não faça isso”, “não faça aquilo”.
Essa colocação de limites necessária, assim como deve existir o movimento
contrário da transposição de limites. Educar moralmente é levar a criança a
compreender que a moral exige de cada um o melhor de si. Conseguir ser
“realmente” justo é empreendimento inatingível para quem limita sua moral à
morna obediência a meia dúzia de regras, por melhores que sejam. Conseguir
ser realmente solidário não se confunde com a “boa ação” que reza que se dê uma
esmola por dia. E para conseguir ser realmente honrado, não basta evitar apenas
as más ações, é preciso também cultivar as virtudes.
O filosofo Kant escreveu que existem dois objetivos morais para os homens e
que esses objetivos são, para eles, deveres: a felicidade do outro e o
aperfeiçoamento de si mesmo. Procurar o bem do outro é mais do que apenas
evitar atos que o prejudiquem: é dar o melhor de si, é praticar a virtude. Se não
roubar é uma coisa boa, ser generoso é ainda melhor. Se não ferir é uma coisa
boa, ser doce é ainda melhor. E assim por diante.
Não se pode dizer que um homem é justo se ele não sentir alegria ao agir de
forma justa. A educação moral das crianças, em vez de ser uma constante
imposição de limites, só terá real êxito se também for um estimulo a transpor
aqueles que as separam do exercício das virtudes. Acredito que, notadamente
nos dias de hoje, a educação moral acaba falhando porque as virtudes, assim
como os sentimentos de honra e dignidade andam esquecidos. No mundo
capitalista da competição valoriza-se a superação do outro e não a superação
de si ou a excelência; estimula-se o egoísmo, e não a generosidade. Ajudar e
estimular a criança a transpor limites, eis a prática essencial a seu caminhar
para a idade adulta, para saciar seus desejos de excelência e também para
fazê-la viver a moralidade como busca de dignidade, de auto-respeito.
Os limites restritivos: levantam sérias questões políticas, éticas, existenciais.
Limites normativos: aqueles que a sociedade resolve criar e impor. Não posso
pular 10 metros de altura, não posso ouvir musica no mais alto volume em
plena madrugada. As leis da física me permitem fazer, as leis dos homens,
não. Os limites físicos colocam a dimensão do impossível, os limites
normativos colocam a dimensão do proibido, restringem a liberdade em nome
de valores.
O problema da liberdade não se restringe às limitações inevitáveis a quem vive
em sociedade. É preciso ainda saber que ações os homens aceitam normatizar
em nome da cultura.
Para os antigos, o mundo da infância não tinha valor próprio. Por isso,
limitavam a liberdade e forçavam um contato com o mundo adulto. Hoje, pelo
contrario, o mundo da infância é visto de forma positiva, seus objetos
intelectuais têm valor, seus desejos e vontades são dotados de discernimento.
Se antigamente a colocação de limites recebia legitimação na suposta
imaturidade das crianças e adolescentes, hoje tal legitimação está sob
suspeita: porque um adulto saberia melhor que o seu filho o que é melhor pra
ele? Os adultos de hoje não tem mais tanta certeza de que sabem mais que
seus filhos quais os caminhos que levam à felicidade e, portanto, colocam bem
menos limites. Trata-se de uma posição honesta. Mas, em alguns casos, pode-
se tratar de uma posição covarde: ao dizer aos filhos “façam o que quiserem”
alguns adultos também lhes dizem, de forma velada: “virem-se, não tenho nada a
ver com isso”. A não colocação de limites pode tanto ser prova de humildade quanto
de descompromisso em relação aos filhos e ao futuro do mundo. E verifica-se,
hoje, que muitos jovens acabam se queixando da posição de seus pais e
educadores: o que poderia ser interpretado como generosidade libertária acaba
sendo visto por eles como simples ausência.
Vamos explorar o binômio liberdade/responsabilidade. Duas opções
educacionais extremas podem traduzir a decisão de não impor limites. A
primeira é agir em relação aos jovens segundo a máxima: “A vida é deles, que
tenham liberdade de escolha fazer o que quiserem”. A segunda é assumir uma
postura inspirada em: “Que façam o que quiserem, sempre que não der certo,
eu conserto”. A primeira opção associa de forma coerente liberdade e
responsabilidade: concede-se a primeira, desde que vinculada à segunda.
Todo o problema está em saber se essa atribuição de responsabilidade é
sempre desejável. Nem precisamos comentar os casos em que essa postura
simplesmente traduz um total descaso pela educação dos jovens, e nos quais,
em nome da liberdade conferida, justifica-se a indiferença e o desleixo. É
importante refletir o que embasa a escolha do jovem: conhecimento,
“modismo”, desejo, bem como as consequências do
ato.Dar liberdade pode significar dar demasiado responsabilidade. Cada vez
que damos liberdade,damos responsabilidade. O valor pedagógico da primeira
deve ser avaliado em função daimportância da segunda, pois dar liberdade
sem dar responsabilidade é, na verdade, não dar aliberdade.A conduta moral
provém do sentimento de obrigatoriedade. Para a psicanálise freudiana,esse
sentimento de obrigatoriedade tem suas raízes numa instância psíquica
inconsciente,responsável pelas condutas morais, o superego. No Behaviorismo
de Skinner, ele é fruto decondicionamentos bem sucedidos que criam hábitos
de comportamento que correspondem a uma
espécie de „segunda natureza‟. Par
a o sociólogo francês Durkheim, o sentimento de
obrigatoriedade é consequencia de outro maior, o sentimento do sagrado,
despertado por “seres”
considerados mais fortes e melhores (como Deus ou a sociedade). Para o
construtivismopiagetiano, se a moral for heterônoma, conformista, o sentimento
que nos domina pode serexplicado como o faz Durkheim, mas, se a moral for
autônoma, o sentimento de obrigatoriedade éexplicado pelo respeito mútuo
entre duas pessoas que se consideram iguais e livres. Abordagensmais
recentes procuram explicar o fenômeno através de estudos de personalidade:
pessoasaltamente morais experimentariam uma forte relação entre a
moralidade e identidade e, para elas,agir moralmente equivaleria a agir
coerentemente com a imagem que têm de si, agir parapreservá-la. Essas
explicações e outras não são necessariamente contraditórias; algumas
podematé ser vistas como complementares. Mas o fato é que até hoje não há o
menor sinal deunanimidade a respeito dessas explicações e a honestidade
intelectual deve nos levar ãhumildade: o mistério persiste.Devemos notar dois
aspectos. O primeiro é que essas teorias referendam a ideia de que
osentimento de obrigatoriedade é necessário à moralidade. O segundo aspecto
se refere àeducação: seja qual for a teoria escolhida, ela nos dirá que o
sentimento de obrigatoriedade não
“nasce do nada”, mas consequencia de uma educação moral que “coloca” limites. É uma
espécie
de interiorização de limites antes colocados por forças exteriores ao
sujeito.Freud: Seu diagnóstico de que muitos adultos permanecem a vida toda
dependentes decontroles externos equivale a dizer que muitos homens
permanecem a vida toda num estágio pré-moral: na terminologia kantiana,
poder-se-ia dizer que agem conforme o dever, mas não pordever. Alguém age
conforme o dever quando suas ações são coerentes com alguma regra,
masnão inspiradas pelo valor moral que a legitima. Por exemplo, alguém que
não mata por medo de
ser preso obedece ao imperativo “não matar”, mas não porque tenha aderido
int
imamente ao valorda vida. Já alguém que age por dever o faz porque está convencido
de que o dever representa obem.Limites restritivos: pais que não os colocam
falharão na educação moral de seus filhostanto na fase pré-moral quanto na
proxima, que corresponde à instauração do superego. Falharãona primeira fase
porque seus filhos não terão outras balizas além de seus proprios desejos
paradecidir como agir, e na segunda, porque serão a encarnação de modelos
moralmente ambíguospara os filhos. A teoria de Durkheim também enfatiza a
necessidade de que seus pais eeducadores em geral coloquem limites. Para
que a criança desenvolva o sentimento do sagrado

do qual provém os valores e regras morais (religião, pátria, sociedade, etc),


várias estratégias sãonecessárias. Ao lado daquelas que visam promover o
apego da criança a grupos sociais, existemoutras de caráter claramente
coercitivo, como a disciplina e os castigos. Durkheim, assim comoAlain,
referendou o ensino tradicional, com sua disciplina e seus dispositivos penais
que foram
criticados pelos adeptos da “escola nova”, em particular daqueles que
democratizaram
radicalmente as relações entre professores e alunos. Todavia, mesmo esses
críticos da velhaeducação moral não dispensaram referências a limites
restritivos e à necessidade de suapresença na educação. É o caso de Piaget,
autor sempre associado à educação libertária e queopôs-se em vários pontos à
teoria de Durkheim e a um tipo de ensino essencialmentedisciplinador, voltado
para obtenção de uma silenciosa obediência por parte das crianças ou
dosalunos.Verifica-se que muitos adultos permanecem essencialmente
heterônomos a vida toda,limitando sua interpretação da moralidade a um certo
número de regras prontas e impostas porautoridades consideradas como
especialmente esclarecidas; outros caminham francamente rumoà autonomia e
tornam mais leves as coações sociais milinares que pesam sobre suas mentes.
Oque Piaget descobriu é que a criança entra no mundo da moral através da
heteronomia. Suaspesquisas e várias outras, mostram que crianças de 4 a 7
anos sempre interpretam a moral emreferência ao prestígio e à autoridade dos
mais velhos, dos pais e outros educadores. Portanto, onascimento do
sentimento de obrigatoriedade é comtemporâneo dessa moral e, para explicar
seunascimento, Piaget se refere a um tipo de relação social: a coação. Por um
lado, a criança tende aver os adultos como superiores, oniscientes e dotados
de poderes ainda inatingíveis para ela, e,por outro, está submetida a suas
ordens, vontades, punições. Essa mistura de admiração,dependência e
medo, decorrentes da relação assimétrica que a liga aos pais, explica
o surgimentode um novo sentimento, o respeito. E, ao respeitar os pais, tende
a assumir seus valores eobedecer às suas ordens. Se a criança não encontrar pessoas
que exerçam sobre ela algumaforma de autoridade, não desenvolverá esse
sentimento necessário à moralidade. Portanto, assimcomo Freud e Durkheim,
Piaget interpreta o surrrgimento da moral como resultado de umapressão
externa à criança. Se os adultos não desempenharem essa função de
autoridade, paraFreud, não inspirarão medo, para Durkheim, não
desenvolverão, na criança, o espírito dedisciplina e, para Piaget, não
desencadearão nela o surgimento do sentimento do respeito moral.E a
moral autônoma? Ora, ela representa uma superação possível da moral
heterônoma.Sendo a experiência uma condição necessária a uma genuína
assimilação deconhecimentos e valores, é necessário que a educação moral
encarne os valores que se querensinar. Não adianta explicar à criança a razão
de ser da justiça se ela não a experimenta emsuas relações cotidianas. Não
adianta explicar à criança a razão de ser dos limites morais que lhesão
colocados se ela verifica que limites não valem para os próprios adultos. É por
essa razão queas pedagogias modernas enfatizam a importância de a criança
viver num mundo claramenteregido pelos valores que se quer ensinar

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