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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS INFECCIOSAS

36: 351-356, abr./dez.2003 Capítulo II

INFECÇÕES DE TECIDOS MOLES


ERISIPELA. CELULITE. SÍNDROMES INFECCIOSAS MEDIADAS POR TOXINAS

SOFT TISSUE INFECTIONS


ERYSIPELA. CELLULITIS. INFECTIOUS SYNDROMES MEDIATED BY TOXINS

Cacilda da Silva Souza1

1
Docente. Divisão de Dermatologia. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
CORRESPONDÊNCIA: Divisão de Dermatologia. Hospital das Clínicas - Av. Bandeirantes, 3900 - 40 andar - CEP 14048-900 - Ribeirão Preto –SP.

SOUZA CS. Infecções de tecidos moles - Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas.
Medicina, Ribeirão Preto, 36: 351-356,abr./dez.2003.

RESUMO - Nesta revisão são abordados a etiologia e os principais aspectos clínicos,


dermatológicos e terapêuticos das infecções de tecidos moles e das síndromes infecciosas
mediadas por toxinas.

UNITERMOS - Erisipela. Celulite. Síndrome Estafilocócica da Pele Escaldada. Síndrome do


Choque Tóxico.

Infecções dos tecidos moles são caracteriza- em indivíduos saudáveis. Celulite é o processo que
das por inflamação aguda, difusa, edematosa, supu- atinge derme profunda e tecido subcutâneo e nem
rativa e disseminada, que atinge a derme e o subcutâ- sempre é clara a distinção entre tecido infectado e
neo e a elas, freqüentemente, estão associados sinto- não infectado. S. aureus e estreptococos do grupo A
mas sistêmicos, como mal-estar, febre e calafrios. In- são os agentes etiológicos mais comuns da celulite,
fecções necrotizantes dos tecidos moles atingem o sub- mais ocasionalmente, outras bactérias podem ser
cutâneo profundamente, resultam na destruição da implicadas, como Haemophilus influenzae, bacilos
fáscia e do tecido gorduroso e são potencialmente fa- Gram-negativos e, ainda, fungos, como Cryptococcus
tais, requerendo, em adição, desbridamento cirúrgico neoformans(1, 2, 3). Embora as duas condições, erisipela
extensivo(1, 2, 3). e celulite, quando típicas, possam ser distinguíveis, há
uma variabilidade do envolvimento tecidual, que torna
a diferenciação nem sempre tão clara. Ambas as con-
ERISIPELA/CELULITE dições apresentam manifestações de sinais locais de
Erisipela é um distinto tipo de celulite cutânea, inflamação (eritema, edema, calor e dor) e, na maio-
superficial, com marcante envolvimento de vasos lin- ria das instâncias, febre e leucocitose, sendo linfangite
fáticos da derme. Na erisipela típica, a área de infla- e/ou linfadenite também freqüentes(3).
mação destaca-se com algum relevo, indicando dis- A pele normal possui papel crítico na defesa
tinta demarcação entre o tecido envolvido e o normal. contra uma variedade de patógenos. A interação en-
É causada por estreptococos β - hemolítico, do grupo tre patógeno e hospedeiro ainda não é totalmente
A (EGA), menos freqüente do grupo C ou G e, mais elucidada e estariam envolvidos fatores bacterianos,
raramente, por Staphylococcus aureus. A erisipela funções de barreira da pele e fatores do hospedeiro.
por estreptococos β - hemolítico, do grupo A é a cau- A infecção cutânea, freqüentemente, surge em de-
sa mais comum de infecção grave dos tecidos moles corrência de ruptura da integridade da epiderme. A

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infecção instala-se com a invasão da derme e do sub- dem anteceder os sinais e sintomas locais da infec-
cutâneo pelo patógeno e mecanismos inflamatórios são ção. O eritema, no sítio da infecção, rapidamente se
elicitados como resposta à invasão. Nem sempre é intensifica e amplia, e a dor torna-se marcante. Na
possível o isolamento do microorganismo, sugerindo erisipela, a área afetada apresenta borda nítida, que
que muitas das alterações clínicas locais são media- avança com a progressão da infecção. Vesículas, bo-
das por citocinas e/ou toxinas. A porta de entrada pode lhas, erosões, úlceras, abscessos e necrose podem
ser distante, a exemplo das fissuras interdigitais da sobrepor-se à placa eritematoedematosa. Adenite sa-
tinha dos pés, associadas à celulite acima do tornozelo télite da região comprometida acompanha o quadro e
ou da erisipela da face em decorrência da coloniza- a linfangite pode estar presente. Os membros inferio-
ção da nasofaringe por estreptococos do grupo A, res são locais mais acometidos em adultos, seguidos
particularmente, em quadros de rinite e sinusite. Há dos membros superiores e da face. A porta de entra-
casos em que a porta de entrada não é aparente e, da com solução de continuidade decorrente de der-
nem tampouco são evidentes os focos locais e ou dis- matoses subjacentes, traumatismos e infecção de
tantes de infecção(1). A celulite pode ocorrer por meio mucosa, pode não ser evidenciada. Tinha interdigital,
de porta de entrada em qualquer local mucocutâneo ferimentos, picadas de insetos, uso de drogas injetá-
ou, menos comumente, por via hematogênica até os veis, feridas cirúrgicas, queimaduras, laceração, entre
tecidos frouxos. Os patógenos transportados pelo san- outros, são as portas de entrada mais comuns da
gue que causam celulite são Streptococcus pneumo- erisipela/celulite. Ressaltamos, entre as principais der-
niae, Vibrio vulnificus e Criptococcus neoformans. matoses subjacentes, as doenças bolhosas (pênfigos
A flora cutânea normal é composta por estafi- e penfigóides), infecções virais (herpes simples e
lococos coagulase negativos, difteróides aeróbicos zoster), dermatofitoses, dermatoses inflamatórias (der-
(Corynebacterium spp) e difteróides anaeróbicos matite de estase, atópica e de contato), piodermites
(Propioniobacterium acnes). Se a flora normal é er- superficiais (impetigo, foliculite, furunculose) e úlce-
radicada ou diminuída, espécies patogênicas podem ras de diversas etiologias(1, 2).
proliferar-se. Uma vez estabelecida, a infecção se pro- Enquanto erisipelas clássicas são virtualmente
paga através de espaços teciduais e planos de clivagem causadas por estreptococos β - hemolítico, do grupo
por ação das hialuronidases, fibrinolisinas e lecitinases. A (EGA), o diagnóstico diferencial das celulites é mais
Há, também, a propensão de invasão de vasos linfáti- problemático. A seguir, destacaremos pontos relevantes
cos e sanguíneos, resultando em linfangite, linfadenite, que podem contribuir na distinção das variantes das
bacteriemia e septicemia. A produção local de exoto- celulites(1, 2):
xinas, no sítio de infecção pelo S. aureus, pode resul- Celulite causada pelo S. aureus: em geral, a
tar em síndrome da pele escaldada estafilocócica porta de entrada é evidente e, com freqüência, há in-
(SPEE) e a síndrome do choque tóxico (SCT). As fecção local. É um processo comum em usuários de
condições fisiológicas e circulatórias locais e o status drogas. O patógeno também está associado às
imunológico do indivíduo são os maiores determinantes síndromes mediadas por toxinas (síndrome da pele es-
de defesa do hospedeiro contra os patógenos. Linfae- caldada e síndrome do choque tóxico) e à endocardite
dema associado à drenagem linfática anormal, insufi- após bacteriemia.
ciência venosa crônica e a síndrome nefrótica predis- Celulite causada pelo estreptococo do gru-
põem a celulite. O primeiro episódio de celulite, po B: colonizadores da região anogenital causam ce-
freqüentemente, compromete vasos linfáticos e pre- lulite que pode se estender aos tecidos pélvicos.
dispõe a celulites recorrentes, linfaedema crônico e Celulite causada pelo Streptococcus pneu-
elefantíase. Infecções de membros inferiores podem moniae: em geral, associa-se aos quadros de imuno-
ser complicadas por tromboflebites(1, 2). comprometimento.
Em alguns casos, há história de lesão prece- Celulite causada por Haemophilus
dente (úlcera de estase, ferida por punctura). Com a influenzae: ocorre, principalmente, em crianças me-
instalação da infecção, os pacientes experimentam dor, nores de 2 anos não vacinadas contra HiB, com loca-
edema, eritema e calor locais, associados a variáveis lização preferencial no segmento cefálico (área
graus de sintomas sistêmicos, resultantes da dissemi- periorbitária e região malar).
nação da infecção: indisposição, anorexia, febre e ca- Celulite causada pelo Vibrio vulnificus: pre-
lafrios. Em alguns indivíduos, sintomas sistêmicos po- sença de distúrbios subjacentes, como cirrose, diabe-

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Infecções de tecidos moles. Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas

tes e outras condições imunossupressoras. Ocorre Infecções necrotizantes dos tecidos moles
depois da ingestão de frutos do mar crus e mal cozi- (INTM): vasculites, embolia com infarto cutâneo, do-
dos, seguida da gastroenterite e bacteriemia com disse- ença vascular periférica, púrpura fulminante, calciofi-
minação para a pele. A infecção é caracterizada pela laxia, necrose causada por varfarina, lesão traumáti-
presença de bolhas e vasculite necrotizante. Geral- ca e acidente por aracnídeo.
mente, as lesões acometem as extremidades e, com Exames laboratoriais e tratamento
freqüência, bilateralmente. Salvo se a coleta do exsudato permita a colora-
Celulite causada pelo complexo Mycobac- ção por Gram e a cultura ou, ainda, a cultura de san-
terium chelonei - M. fortuitum: História de cirurgia, gue resulte positiva, o agente etiológico pode não ser
injeção ou ferida penetrante recente. Celulite branda, identificado por meio das técnicas microbiológicas de
sem manifestações sistêmicas. rotina. Nas erisipelas, a confirmação diagnóstica, ob-
Celulite criptocócica: apresenta associação tida por cultura, ocorre em baixa percentagem dos
com condições de imunossupressão. Caracteriza-se casos. A coloração por Gram de esfregaços do
por placa vermelha, quente, dolorosa e edemaciada exsudato, do pus, do líquido ou aspirado da bolha ou
na extremidade, pode evoluir com necrose. da lesão pode evidenciar bactérias. Observam-se ca-
Infecções necrotizantes dos tecidos moles deias de cocos Gram-positivos nas infecções por EGA,
(INTM): diferem das outras variantes pela presença cachos de cocos Gram-positivos, se causadas por S
de significativa necrose tecidual, inexistência de res- aureus, e bastonetes Gram-positivos nas infecções
posta ao tratamento isolado com antimicrobianos e por clostrídios. As culturas podem ser realizadas com
necessidade do desbridamento cirúrgico dos tecidos a coleta do aspirado, do fragmento da borda da lesão
desvitalizados. O eritema e a induração dolorosa dos primária, ou ainda do sangue. As culturas para fungos
tecidos subjacentes são seguidos rapidamente por e micobactérias estão indicadas para os casos atípicos.
escara enegrecida, necrose liquefeita e fétida. Subdi- Alterações hematológicas, como a leucocitose
videm-se em celulite necrotizante, fasciíte necrotizante e elevação da VHS, em geral, são observadas. Os
e mionecrose. As INTMs da região perineal são co- títulos de antiestreptolisina O (ASO) poderão se ele-
nhecidas como gangrena de Fournier. var após as infecções estreptocócicas, mas, em geral,
A exemplo da fasciíte necrotizante, estrepto- refletem infecção prévia mais do que eventos clínicos
cócica, previamente chamada de gangrena estrepto- atuais (3). O exame dermatopatológico auxilia na ex-
cócica, o primeiro indício clínico da infecção é o edema clusão de dermatoses inflamatórias não infecciosas.
difuso do membro afetado, seguido por formação de A histologia do tecido excisado define a presença e
bolha de conteúdo hialino, que, rapidamente, torna-se extensão da infecção necrotizante dos tecidos moles.
de cor marrom ou violácea. Se intervenção apropria- É um exame útil no diagnóstico da celulite criptocócica,
da não for realizada, tal processo evolui com franca sendo a cultura comprobatória(2).
rapidez para gangrena cutânea, algumas vezes com Entre os exames de imagens, a ressonância
mionecrose e extensão do processo inflamatório para magnética auxilia no diagnóstico da celulite infeccio-
o plano fascial. Há dificuldades na distinção entre qua- sa, aguda, grave, diferenciando entre piomiosite,
dros iniciais da celulite e da fasciíte necrotizante. Com fasciíte necrotizante e celulite infecciosa com ou sem
a evolução, essa distinção torna-se crucial, pois a abscesso. O exame radiográfico das áreas envolvidas
fasciíte necrotizante requer desbridamento cirúrgico, se prestam a identificar a presença de gás nos tecidos
concomitante ao uso da terapêutica antimicrobiana, e moles e o comprometimento difuso desses tecidos(2).
associa-se comumente a episódio precoce de choque Streptococcus pyogenes continuam, surpreen-
e de falência de órgãos, por definição, a síndrome do dentemente, susceptíveis a antibióticos β-lactâmicos e
choque tóxico estreptocócico. numerosos estudos têm demonstrado a eficácia clíni-
ca da penicilina no tratamento da maioria das infec-
Diagnósticos diferenciais(1, 2) ções por estreptococos do grupo A. A redução da efi-
Erisipela/ celulite: trombose venosa profun- cácia da penicilina, na presença de grande concen-
da e tromboflebite; dermatite de estase; dermatite de tração do microorganismo, pode ocorrer, justificando
contato, em fase inicial; eritema nodoso; eritema mi- a falência da penicilina no controle de infecções es-
gratório (borreliose de Lyme); fase pré-vesiculosa do treptocócicas mais graves(2, 3). Estafilococos resisten-
herpes zoster; eritema pigmentar fixo, por droga; urti- tes à penicilina e ampicilina são a regra, e o tratamen-
cária gigante e celulite eosinofílica. to empírico das celulites deve ser instituído com cefa-

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lexina, cefadroxila, macrolídeos,


clindamicina ou dicloxacilina uso oral, Tabe la I: Principais age nte s e tiológicos e re s pe ctivas indicaçõe s da
te rapê utica antimicrobiana para a e ris ipe la/ce lulite .
ou com oxacilina, cefalotina ou cef-
triaxona, uso endovenoso. Nas demais Ant ibiót icos de
infecções dos tecidos moles, o isola- Agent e Et iológico Alt ernat iv os
1a Escolha
mento do patógeno contribui para nor-
tear a escolha adequada do antimi- St aphylococcus aureus/ S. Cefalosporina de 1ª geração
crobiano. Na ausência da identificação epidermidis Oxacilina dicloxacilina, macrolídeos ou
do agente etiológico, recomenda-se o Oxacilina- sensível Vancomicina clindamicina
emprego de terapêutica antimicrobia- Oxacilina- resistente Teicoplamina
na, abrangente, contra estafilococos Eritromicina, cefalosporina
e estreptococos(3). Na Tabela I, es- St rept ococcus pyogenes Penicilina G de 1ª geração,
tão listados os principais agentes etio- (grupo A) e grupos C e G ou V claritromicina, azitromicina
lógicos e as respectivas indicações da ou clindamicina
terapêutica antimicrobiana.
Penicilina G Cefalosporina, vancomicina
St rept ococcus (Grupo B)
ou ampicilina ou eritromicina
SÍNDROMES MEDIADAS POR
TOXINAS Eritromicina, cefalosporina
St rept ococcus Penicilina G de 1ª geração, vancomicina,
Síndrome da pele escaldada, es- pneumoniae ou V azitromicina, claritromicina,
tafilocócica clindamicina ou cloranfenicol

A síndrome da pele escalda- Haemophilus inf luenzae Amoxacilina + Cefuroxima, ceftriaxona ou


da, estafilocócica (SPEE) é uma do- ácido clavulínico cloranfenicol
ença epidermolítica, mediada por to-
xinas, que se caracteriza por erite- Ceftazidima +
ma, desprendimento generalizado das Imipenem, gentamicina,
Pseudomonas aeruginosa amicacina ou
camadas superficiais da epiderme, a micacina ou fluoroquinolona
cefepime
envolvendo, principalmente, recém-
nascidos e lactentes com menos de 2 Vibrio v ulnif icus Trimetoprim- sulfametoxazol
Tetraciclina
anos de idade. O espectro clínico da o u fluoroquinolona
infecção estafilocócica inclui mani-
Metronidazol, clindamicina,
festações cutâneas localizadas e dis-
Clost ridium perf ringens Penicilina G imipenem, tetraciclina,
seminadas, de impetigo bolhoso loca- cloranfenicol
lizado ou generalizado, e a síndrome
da pele escaldada, estafilocócica, Baseado no Manual de Antimicrobianos, Comissão de uso e controle de antimicrobianos
como quadro extensivo de epidermó- (CUCA), Hospital das Clinicas da FMRP- USP, 1999/2000(5).
lise e descamação(1, 2, 4).
O agente etiológico, envolvido
é o Staphylococcus aureus do grupo II, principalmente Os tratamentos tópicos, recomendados são ba-
o tipo 71, que produz duas exotoxinas, A e B, nhos e compressas para desbridamento da epiderme
epidermolíticas ou exfoliativas. A produção de toxinas superficial necrótica. Agentes antimicrobianos tópicos,
origina-se de focos de infecção, como conjuntivite pu- sulfadiazina de prata, bacitracina, mupirocina estão in-
rulenta, otite média e infecção nasofaríngea ou, local- dicados, particularmente, para infecções localizadas,
mente, das lesões do impetigo bolhoso. A presença das mantendo-se o cuidado de se evitar o uso de tópicos
bactérias Gram-positivas é observada no local coloni- sensibilizantes. Há indicação do tratamento com oxacili-
zado, sendo ausente nas áreas de epidermólise(2). na endovenosa, para infecções, com comprometimento
O exame histopatológico evidencia clivagem extenso da pele. A dicloxacilina oral poderá ser em-
intraepidérmica, subgranulosa, o que diferencia da pregada na continuidade do tratamento endovenoso ou
clivagem subepidérmica, que ocorre na necrólise para casos mais brandos da doença. A reposição das
epidérmica, tóxica, provocada por drogas (4). perdas hidroeletrolíticas deve ser cuidada (1, 2).

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Infecções de tecidos moles. Erisipela. Celulite. Síndromes infecciosas mediadas por toxinas

Síndrome do choque tóxico e pés. O surgimento de petéquias e bolhas é mais raro.


Há evolução com febre, hipotensão e falência de múl-
A síndrome do choque tóxico (SCT) é uma do- tiplos órgãos. As complicações renais e do SNC são
ença mediada por toxinas causada pelo Staphylococ- mais comuns na SCT não menstrual(1, 2).
cus aureus toxigênico. Ocorre seguindo o padrão Fitzpatrick et al. (1998) (2) destacaram os crité-
menstrual e não-menstrual, com quadro caracteriza- rios para definição de caso clínico de SCT, de acordo
do pelo início súbito de febre, hipotensão, eritema com aqueles dos CDC - USA (Centers for disease
cutâneomucoso generalizado e, posteriormente, falên- control and prevention)
cia de múltiplos sistemas (1, 2). Febre: temperatura ≥ 38,90 C
O agente etiológico, S. aureus, produtor da to- Erupção: eritrodermia maculosa, difusa
xina 1, é o responsável pela síndrome do choque tóxi- Descamação: uma a duas semanas após iní-
co (TSCT-1). As infecções graves, causadas por cio do quadro, particularmente, das regiões palmo-
estreptococos do grupo A também podem acarretar plantares.
condição semelhante à SCT (3). As manifestações clí- Hipotensão: pressão arterial sistólica ≤ 90
nicas são resultantes da absorção da TSCT-1, produ- mmHg para adultos. Síncope ou vertigem ortostática.
zida pelo S. aureus, toxina que diminui o tono Comprometimento de três ou mais dos sis-
vasomotor e acarreta o extravasamento de líquido in- temas orgânicos, listados na Tabela II.
travascular. Conseqüentemente, há o início súbito da O diagnóstico de SCT não menstrual, em geral,
hipotensão, seguido de isquemia tecidual e falência de é tardio, em virtude da grande variedade de situações
múltiplos órgãos (1, 2). clínicas e da sintomatologia associada. As complica-
Na SCT, seguindo o padrão menstrual, o uso de ções são: hipotensão refratária, síndrome da angústia
tampões vaginais no período menstru-
al foi implicado como relevante fator
de risco. Na SCT, não relacionada ao Tabe la II: Corre lação dos s is te mas orgânicos e principai s anorma-
lidade s clínicas , pre s e nte s na s índrome do choque tóxico (SCT).
padrão menstrual, os fatores de risco
são constituídos por: presença de fe-
ridas cirúrgicas e não-cirúrgicas, tam- Sist emas orgânicos Anormalidades clínicas e laborat oriais
ponamento nasal e infecções
puerperais, entre outros. A SCT não
Gastrointestinal Vômitos, diarréia no início do quadro
menstrual pode estar associada a vá-
rias infecções primárias, causadas por
S. aureus, bem como à infecção se- Mialgia grave, aumento da fosfoquinase da creatinina
Muscular
(>2xx)
cundária de dermatoses preexisten-
tes. Diabete melito e doença vascu-
lar periférica predispõem a SCT es- Mucosas Hiperemia vaginal, orofaríngea ou conjuntival
(1, 2).
treptocócica
O período de incubação é mais
Renal Aumento da uréia ou creatinina (>2XX), leucocitúria
curto na SCT do padrão não-mens-
trual, em geral, 4 dias após interven-
ções cirúrgicas contaminadas. A SCT Hepático Aumento de bilirrubina total, TGO e TGP (>2XX)
padrão menstrual pode se iniciar su-
bitamente, com febre e hipotensão,
sensação de formigamento das mãos Hematológico Plaquetas ≤ 100.000/ml
e pés, seguido da erupção maculo-
papulosa e pruriginosa. Na eritroder- Quadro de desorientação ou de alterações da
mia escarlatiforme, generalizada, as- SN C consciência, isolado dos episódios de febre e
sociada a SCT, as alterações são mais hipotensão, sem sinais neurológicos focais.
intensas em torno das áreas infecta-
das. É comum o edema generalizado Adaptado de FITZPATRICK TB et al. Dermatologia: Atlas e texto, 3a ed., McGraw Hill, 1998.
e subseqüente descamação de mãos

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Souza CS

respiratória do adulto, cardiomiopatia, arritmias, ence- tante das citocinas TNF-α, IL-1, IL-6, IL-2 e IFN-γ.
falopatia, insuficiência renal aguda, acidose metabóli- A maciça liberação de tais citocinas é um mecanismo
ca, necrose hepática, coagulação intravascular, disse- plausível para explicação do choque e falência de ór-
minada. A mortalidade da SCT não-menstrual é mais gãos na SCT estreptocócico e estafilocócico (1, 3).
alta do que a da SCT menstrual (1, 2). Diagnósticos diferenciais da síndrome do
A SCT estafilocócica tem, como diagnóstico choque tóxico( 2)
diferencial, a SCT causada por estreptococo do grupo Infecções mediadas por toxinas: síndrome
A. Estudos epidemiológicos e relatos clínicos têm da pele escaldada, estafilocócica, escarlatina, gastro-
demonstrado associação entre a SCT estreptocócica enterites.
e cepas de estreptococos do grupo A, portadores da Infecções multisistêmicas: choque séptico
proteína M. Exotoxinas pirogênicas, estreptocócicas, com infecção localizada (meningococos, pneumoco-
substâncias responsáveis pelo rash cutâneo da febre cos), leptospirose, sarampo, síndromes virais (adeno-
escarlatina, são suspeitas do envolvimento na patogê- vírus, enterovírus).
nese da SCT estreptocócico. A mortalidade da SCT Doenças não infecciosas: lúpus eritematoso
estreptocócica gira em torno de 25 a 50% (2). sistêmico, febre reumática aguda, farmacodermia (sín-
Algumas investigações sugerem que as toxinas drome de Stevens-Johnson) e artrite reumatóide juvenil.
estreptocócicas ou estafilocócicas atuariam de modo
semelhante aos superantígenos, isto é, teriam a capaci- AGRADECIMENTOS
dade de interagir, simultaneamente, com MHC, classe
II, das células apresentadoras de antígeno e regiões Dr. Paulo de Tarso de Oliveira e Castro da
específicas dos receptores dos linfócitos T, na ausên- Comissão de Uso e Controle de Antimicrobianos do
cia do processo clássico da apresentação de antígenos. Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de
A conseqüência dessa interação é a síntese concomi- Ribeirão Preto-USP, pela revisão terapêutica.

SOUZA CS. Soft tissue infections - Erysipela. Cellulitis. Infectious Syndromes Mediated By Toxin. Medicina,
Ribeirão Preto, 36: 351-356, apr./dec. 2003.

ABSTRACT - The objective of this review is to approach the etiology and the main clinical
aspects, both dermatological and therapeutic of the soft tissue infections and the infectious
syndromes mediated by toxins.

UNITERMS - Erysipelas. Cellulitis. Staphylococcal Scalded Skin Syndrome. Toxic Shock


Syndrome.

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RIBEIRÃO PRETO - USP. COMISSÃO DE USO E CONTROLE DE
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ed., McGraw Hill, São Paulo, p. 622-678, 1998.

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