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BELO HORIZONTE
2018
Igor Campos Viana
PODER CONSTITUINTE PERFORMATIVO: CONTRIBUIÇÕES PARA
UMA TEORIA CRÍTICA DA CONSTITUIÇÃO
Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Faculdade de Direito e
Ciências do Estado da Universidade Federal de
Minas Gerais como requisito para inscrição no
concurso de seleção ao doutorado.
Linha de pesquisa: História, Poder e Liberdade
Área de estudo: Tempo, Espaço e Constituição:
Perspectivas Críticas e Desdobramentos Dogmáticos
BELO HORIZONTE
2018
Esse momento de intervalo é um momento
em que os corpos reunidos em assembleia
articulam um novo tempo e um novo
espaço para a vontade popular, não uma
única vontade idêntica, nem uma vontade
unitária, mas uma que se caracteriza como
uma aliança de corpos distintos e
adjacentes, cuja ação e cuja a inação
reivindicam um futuro diferente. Juntos
eles exercem o poder performativo de
reivindicar o público de uma maneira que
ainda não foi codificada em lei e que
nunca poderá ser completamente
codificada em lei.
Judith Butler
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA-PROBLEMA
1
HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
2
Ressalto, desde o início, que o texto do projeto é construído em um constante tensionamento entre um
“eu” e um “nós” pesquisador. Razão pela qual, em alguns momentos da escrita, alterno a construção
entre primeira pessoa do singular e do plural. O plural aparece quando a experiência coletiva de toda
uma tradição de pesquisa, da qual faço parte na Linha História, Poder e Liberdade do Programa de Pós-
graduação em Direito da UFMG, possui um tonos mais intenso. Já o singular, aparece quando me refiro
a alguma experiência ou pensamento do “eu” pesquisador e que não é, necessariamente, compartilhado
por um “nós” de uma tradição de pesquisa. Tendo sempre em consideração que essa relação é tensional
e essa voz “singular-plural” ecoa ao longo de todo o projeto.
3
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2017. Cf..: “Quando o ‘eu’ busca fazer um relato de si mesmo, pode começar consigo, mas descobrirá
que esse ‘si mesmo’ já está implicado numa temporalidade social que excede suas próprias capacidades
de narração; na verdade quando o ‘eu’ busca fazer um relato de si mesmo sem deixar de incluir as
condições de seu próprio surgimento, deve, por necessidade, tornar-se um teórico social”, p.18.
4
Judith Butler; 4 e c) vivência nas cenas políticas e culturais da cidade de Belo
Horizonte.
O primeiro momento é dedicado à Tradição Brasileira de Estudos em Teoria
da Constituição inaugurada por Menelick de Carvalho Netto. Em sua tese de
doutoramento que dá origem ao livro A Sanção no Procedimento Legislativo, o autor
engendra uma perspectiva democrático-constitucional de enfrentamento às diversas
formas de aparição do “princípio monárquico” ao longo da história.5 Por princípio
monárquico temos a ideia de uma soberania una e autocentrada, inicialmente referente
à figura do rei, mas que facilmente se desloca para outras figuras soberanas, mesmo
nos períodos ditos republicanos. Frente a uma Teoria do Estado organicista que
sustenta o princípio monárquico, o autor nos propõe uma Teoria da Constituição
como resistência normativa através de interpretações constitucionais produzidas em
um “permanente devir” democrático. 6 Há, nesse ponto, uma crítica radical às
compreensões de soberania una que sustentam, inclusive, o pensamento de uma
tradição idealista da constituição, dependente de um Estado autoritário e centralizador
que dite os sentidos da constituição. 7 Este instigante projeto de resistência ao
princípio monárquico, desenvolvido por Menelick Netto, instiga as centelhas da
imaginação para esta investigação que visa pensar um poder constituinte performativo
assentado em bases radicalmente democráticas do exercício do poder.8 Desde o início,
4
O grupo, coordenado pelo Professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, integra os quadros de
pesquisa e extensão da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).
5
CARVALHO NETTO, Menelick de. A Sanção no Procedimento Legislativo. Belo Horizonte: Del
Rey, 1992.
6
Ibid., cf.: “Com efeito, o Estado, resultante de uma Constituição desse novo tipo, deve encontrar a sua
conformação na norma constitucional, em harmonia com o processo dinâmico, no qual, sob a pressão
de antagonismos e em permanente devir busca obter unidade puramente tendencial de ação e de efeitos
políticos. O compromisso de uma Constituição democrática, porquanto tentativa de articulação das
distintas concepções de mundo existentes na sociedade, sem permitir que sua articulação constitua na
totalidade, síntese dialética, deve ser o de uma dimensão plurilateral, apta normativamente a conviver
com as vicissitudes inerentes à política democrática”, p. 294.
7
Ibid., cf.: “Essa questão já tematizada por autores como Oliveira Vianna, no que concerne à
Constituição de 1891, tomada como fruto do que denomina vício idealista, haveria marcado a
Constituinte e sua obra, cujo texto modernizante seria, então, totalmente estranho à realidade nacional.
A questão, contudo, era falseada em seus próprios termos, pois ao tematizarem um suposto divórcio
entre a norma e a prática, esses autores o faziam no interior de uma perspectiva totalitária, saudosista e
retrógrada, traduzida na busca de uma suposta unidade orgânica perdida, que se consubstanciou na
afirmação da necessidade de um Estado autoritário e centralizador”, p. 206.
8
Agradeço também às instigantes reflexões de Gabriel Rezende em seu texto A Máquina de Menelick,
publicado na Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, e que muito
estimularam a leitura do livro A Sanção no Procedimento Legislativo. Segundo Gabriel Rezende,
“contra o risco constante do que se apresentará sob a figura do princípio monárquico, Menelick
constrói uma teoria da constituição que faísca como democracia radical”, p.184.
5
destaco que não se trata de uma nova divisão classificatória do poder constituinte, mas
de uma nova forma de olhar que apreenda a sua dimensão performativa.
Em sua Tese de Titularidade em Direito Constitucional, Contribuições para
uma teoria crítica da constituição, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, dando
prosseguimento a essa tradição, nos fala do “sentido performativo de assumir uma
atitude, uma postura, a realização mesma de uma performance na esfera pública”9.
Para o autor, a disputa acerca do sentido de e da constituição diz respeito aos cidadãos
em geral. Eles, performativamente, constituem noções jurídico-políticas de
legitimidade que, em razão da sua abertura, sempre expressariam uma legitimidade
por vir ou mesmo um constitucionalismo por vir. É a ideia da fundação enquanto
promessa, uma legitimidade na qual a falta de um fundamento único é assimilada
como ausência. Dessa forma, os problemas constitucionais da legitimidade e da
efetividade não estão apartados da questão da legalidade constitucional, mas se
apresentam como tensões constitutivas da própria disputa pela constituição em um
horizonte linguístico-constitutivo e hermenêutico-crítico. Contra o discurso
conservador de uma “democracia possível”, também atacado por Menelick Netto em
sua tese de doutoramento, Marcelo Cattoni nos apresenta sua compreensão da
democracia sem espera, uma democracia “que ao mesmo tempo não se esgota nas
instituições existentes, mas que exige, aqui e agora, uma atitude responsável quanto
ao passado e ao futuro”10. Esse projeto do autor dialoga intimamente com a presente
investigação, pois proponho pensar um sentido performativo do poder exercido pelos
corpos que se movimentam no espaço - performances na esfera pública -
reivindicando e presentificando suas noções de e da constituição.
A questão do poder constituinte, central para o constitucionalismo
moderno,11 permeia essa tradição em diversos debates. Menelick Netto, ao discutir o
processo constituinte brasileiro de 1987-1988, nos diz que foi desse processo
“profundamente democrático, que a Constituição hauriu sua legitimidade original,
resultando de uma autêntica manifestação de poder constituinte, em razão do processo
9
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma teoria crítica da constituição.
Belo horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 112.
10
Ibid., pp. 111-112.
11
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via,
2014. Cf.: “conceito moderno de constituição como documento jurídico-político, dotado de
supralegalidade e pressuposto para o controle de constitucionalidade das leis”, p. 90.
6
adotado”12. Marcelo Cattoni e David Francisco Lopes Gomes recuperam as diferentes
leituras da Teoria do Poder Constituinte ao longo do séculos XIX e XX e das
Revoluções Americana e Francesa, concluindo, dentre outras questões, que “o
momento constituinte não deve ser compreendido como algo estático, que marca sua
existência no tempo e se desfaz logo em seguida”13.
Na esteira dessa tradição e desse debate proponho enfrentar o problema do
que, afinal, o poder constituinte constitui? Um texto? Uma constituição? Normas
sociais? Um problema que se coloca no limiar do direito e da sua própria
compreensão moderna. Para pensar tudo isso, de uma forma radicalmente
14
democrática , me parece ser necessária uma abertura às perspectivas do
ParangoLei15, ao direito vivenciado pelos corpos no espaço, um direito-espaço. E uma
abertura ao que nomeio de poder constituinte performativo. Uma perspectiva do poder
constituinte que se refere aos processos normativos de subjetivação, nos remetendo a
uma compreensão ampliada e transdisciplinar do próprio Direito.
Além da tradição recuperada, esse é um projeto de tese que também surge
das reflexões no Grupo de Estudos em Políticas da Performatividade: análise da teoria
política de Judith Butler. O diálogo que tenho desenvolvido com a perspectiva
teórico-política de Butler no grupo e na trajetória do mestrado foi fundamental para o
surgimento da presente investigação. Esse diálogo me conduziu das perspectivas
performativas do gênero, a pensar as perspectivas performativas do político.
Caminho, de certa forma, também realizado por essa autora. O que leva Carla
Rodrigues a falar em três tempos da performatividade em Butler: a herança da virada
12
CARVALHO NETTO, Menelick de. A revisão constitucional e a cidadania: a legitimidade do
poder constituinte que deu origem à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as
potencialidades do poder revisional nela previsto. Revista do Ministério Público Estadual do
Maranhão, São Luiz, n. 9, jan/dez, 2002, pp. 37-61, p. 45.
13
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; GOMES, David Francisco Lopes. A constituição
entre o direito e a política: novas contribuições para a teoria do poder constituinte o problema da
fundação moderna da legitimidade. In: Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via, 2014, p 129.
14
A ideia de “forma radicalmente democrática” ou de “democracia radical” aparecem nesse projeto
como um desdobramento do projeto de Menelick de Carvalho Netto de enfrentamento ao princípio
monárquico. Ao falarmos de democracia radical nos referimos a um poder presentificado pelos corpos
nas práticas e devires performativos de atribuição de sentidos constitucionais.
15
Movimento lançado em 22 de março de 2018 no Brasil durante a Grande Conferência Justiça
Espacial do Programa Cátedras IEAT-UFMG, proferida por Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos e
mediada por Maria Fernanda Salcêdo Repolês. Nesta ocasião foi lido o Manifesto ParangoLei.
Inspirado na obra de Hélio Oiticica e de sua antiarte, o manifesto se propõe a pensar a ideia de
lawscape apresentada inicialmente por Andreas, mas a partir da realidade brasileira e latino-americana.
Um direito-espaço corporificado, banalizado e performado. Como nos disse Maria Fernanda Repolês
em sua conferência no I Colóquio Políticas da Performatividade da UFMG, em 13 junho de 2018, trata-
se de vestir o direito numa espécie de anti-direito espacializado e performado pelos corpos.
7
linguística; a performatividade de gênero; e a performatividade dos corpos.16 Esses
tempos estão intimamente imbricados e enunciam a ideia da repetição – sempre
excedente - enquanto fundação da autoridade. Uma força de lei que se funda em sua
reiteração.
Entendo que a concepção da performatividade, desenvolvida por Butler, nos
permite pensar o poder constituinte para além do enclausuramento de alguma redução
jurídico-dogmática centrada no institucionalismo17, mas também para além da aposta
em um romantismo desenraizado da potência das multidões18. Contribuindo, portanto,
para a afirmação de uma tradição da teoria da constituição radicalmente democrática e
localizada.
Em Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria
performativa da assembleia, Butler nos diz que reivindicar direitos quando não se tem
nenhum “não é uma questão de primeiro ter o poder e então ser capaz de agir;
algumas vezes é uma questão de agir, e na ação, reivindicar o poder de que se
necessita. Isso é performatividade como eu a entendo”19. Nessa obra, ela analisa os
atos corporais que se tornam performativos. O ato de fala, compreendido como um
ato corpóreo, não é a única forma de manifestação política, a performatividade dos
corpos apresenta-se no gesto, no deslocamento pelo espaço, na imagem formada e nas
diferentes formas de expressão. Os vários corpos que se postaram em silêncio, lado a
lado, na Praça Taskim, contra a proibição do governo turco de formação de
assembleias, performativamente obedeciam a tecnicidade da restrição, ao mesmo
tempo em que questionavam sua legitimidade sem dizerem uma palavra.20
16
RODRIGUES, Carla. Três tempos da performatividade em Butler. Conferência proferida no I
Colóquio Políticas da Performatividade realizado pelo Grupo de Estudos Políticas da Performatividade
da UFMG entre os dias 12 e 14 de junho de 2018.
17
Refiro-me aqui a obras como: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 117-120; BONAVIDES, Paulo. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2018, pp.148-152; SILVA, José Afonso da. Curso de
direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 64-65.
18
Refiro-me aqui à obra de: NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da
modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015, pp. 316-325. Que tem continuidade na trilogia escrita
junto a Michael Hardt: Império, Multidão e Bem-estar Comum. Além do recente texto Declaração –
Isto não é um manifesto, também escrito pelos dois autores.
19
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da
assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p. 65.
20
Ibid. Cf.: “Quando o governo turco, no verão de 2013, proibiu as assembleias na Praça Taksim, um
homem permaneceu sozinho, encarando a polícia, claramente “obedecendo” a lei de não se reunir em
assembleia. Enquanto ele permaneceu ali, mais indivíduos se colocaram “sozinhos” e próximos a “ele,
mas não exatamente como uma “multidão”. Eles estavam de pé como indivíduos singulares, mas
estavam todos de pé, em silêncio e sem se movimentar, como indivíduos singulares, escapando da ideia
padrão de “assembleia” e ao mesmo tempo colocando outra forma de manifestação em seu lugar. Eles
8
Essas performatividades corporificadas e plurais produzem uma concepção
de comum – ideia da interdependência necessária - presentificada nas demandas
básicas do corpo por melhores condições econômicas, sociais e políticas. Condições
não mais afetadas pelas formas induzidas de precariedade da vida. 21 Diante da
operacionalidade neoliberal que exige uma responsabilidade moral de autossuficiência
individual, mas atua para destruir as mesmas condições econômicas que tornem essa
autossuficiência possível, a autora nos chama a atenção para uma ética da
responsabilidade – não mais apropriada pelas formas do individualismo político e
econômico - para com o “nós” sem o qual o “eu” não existe.
O corpo assume uma dimensão central no projeto da autora e também neste
projeto de investigação. Ele é o lugar da ambivalência. É o lugar da precariedade, mas
também da resistência. O reconhecimento da precariedade não resulta em uma
despotencialização completa da capacidade de agência dos corpos. Pelo contrário,
Butler nos diz que ser despojado de proteção é uma forma de exposição política
extremamente vulnerável, mas, ao mesmo tempo potencial, desafiante e crítica. Ela é
um chamado às políticas de alianças nas ruas e à crítica à violência econômica e de
Estado. 22 Nesse sentido, é que as assembleias populares se apresentam como
importantes atos políticos de agregação de corpos precários e de exposição da sua
própria precariedade para um mundo que tende a naturalizá-la.
A dimensão performativa do direito de aparecer, presentificada pelos corpos
precários, afirma a interdependência de todo corpo vivente. Uma ética da
tecnicamente obedeceram à lei que proibia os grupos de se reunir em assembleias e de se mover ao
permanecer de pé separadamente e sem dizer nada. Isso se tornou uma manifestação articulada, ainda
que sem palavras”, pp. 185-186.
21
A precariedade torna uma questão central no pensamento de Judith Butler, pelo menos desde
Precarious Life publicado em 2004 e pode ser compreendida em duas dimensões. A primeira como
uma ontologia social dos corpos vulneráveis e interdependentes que perpassa toda existência com vida.
A segunda – também nomeada de condição precária - como uma distribuição social-estatal desigual de
aparatos que dão suporte à vida, ou seja, trata-se de uma precariedade induzida.
22
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da
assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. Cf.: “Se eles são relegados à precariedade ou
deixados para morrer pela negligência sistemática, a ação concertada ainda emerge da sua ação
conjunta. E isso é o que vemos, por exemplo, quando trabalhadores sem documentos se juntam nas ruas
sem ter o direito legal de fazê-lo; quando ocupantes reivindicam prédios na Argentina como uma
maneira de exercer o direito a uma moradia habitável; quando populações reclamam para si uma praça
pública que pertenceu aos militares; quando refugiados participam de revoltas coletivas por habitação,
alimento e direito a asilo; quando populações se unem, sem a proteção da lei e sem permissão para se
manifestar, com o objetivo de derrubar um regime legal injusto ou criminoso, ou para protestar contra
medidas de austeridade que destroem a possibilidade de emprego e de educação para muitos. Ou
quando aqueles cujo aparecimento público é criminoso – pessoas transgênero na Turquia ou mulheres
que usam o véu na França – aparecem para contestar esse estatuto criminoso e reafirmar o seu direito
de aparecer”, p. 90.
9
responsabilidade que contraria a biopolítica 23 e a necropolítca 24 de controle dos
corpos e de produção de quadros de inteligibilidade que dizem sobre quais vidas
merecem ser vividas e quais não detêm esse merecimento. Pensar o poder constituinte
a partir dessa perspectiva, é pensar uma teoria do direito, portanto – junto com
Menelick Netto – uma teoria da constituição, radicalmente democrática e que enfrente
as compressões assentadas no princípio monárquico de uma soberania unitária. Uma
teoria que não signifique cair na pretensão de algo “universal, a-histórico, objetivo,
sistemático, consistente, apto a explicar qualquer tempo e espaço”25 , como bem
adverte Maria Fernanda Salcedo Repolês. Falamos de uma teoria enquanto saber
localizado, ou seja, um conhecimento espacializado.
Trazer o espaço para o nosso pensamento é um convite para o terceiro
momento de diálogo dessa investigação: as cenas políticas e culturais da cidade de
Belo Horizonte. Cenas que alimentam e inspiram minhas reflexões. Elas me fazem
questionar e revisar meus pressupostos teóricos que também são constituídos nessas
vivências. Teoria e prática se entrecruzam de forma complexa, ambivalente e co-
constitutiva nesta pesquisa. Pensar um poder constituinte performativo se torna
possível através das manifestações de corpos que, performativamente, presentificam o
direito que reivindicam em suas próprias práticas. São manifestações muito próprias
do século XXI.26 Nessas manifestações ocorreu um encontro de perspectivas que
tornaram a apresentação dessa investigação uma realidade. Não quero, com isso, dizer
que o poder constituinte performativo é próprio dessas manifestações ou que elas
detenham o seu monopólio, mas sim, que ele atravessa manifestações como essas.
Proponho, para este projeto, o recorte de análise de três dessas
manifestações. Elas possuem perspectivas suplementares e foram indispensáveis para
o surgimento da pesquisa ao me inquietarem com suas potências constituintes. Refiro-
23
FOUCAULT, Michael. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2000; FOUCAULT,
Michael. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
24
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São
Paulo: n-1 edições, 2018.
25
REPOLÊS. Maria Fernanda Salcêdo. Giro espacial, decolonial, feminista do direito: o que é isso?
como muda nossa forma de ver e praticar o direito? Texto desenvolvido, numa primeira versão, em
palestra apresentada no Verão Arte Contemporânea (VAC) em Belo Horizonte, em 15 de fevereiro de
2017, e numa segunda versão no III Congresso de Direito Constitucional e Filosofia Política, em
Curitiba, em 26 de outubro de 2017, e como produto da residência realizada no Instituto de Estudos
Avançados Transdisciplinares, da UFMG (IEAT-UFMG). Palestra no III Congresso de Direito
Constitucional e Filosofia Política disponível em: https://goo.gl/dyZ5qs. Acesso em 03 de setembro de
2018.
26
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo:
Boitempo, 2017, pp. 605-620.
10
me à Praia da Estação, ao Sarau de Periferia e à Gaymada. Essas são experiências
que me mostraram ser necessário pensar novas formas de articular o poder
constituinte, levando a sério: a singularidade dos corpos; os processos de subjetivação
e o sentido performativo do fazer constitucional. O recorte visa analisar o caráter
ressonante dessas práticas constituintes que não são privilégios de um único
movimento específico, mas se apresentam em um horizonte de movimentos.
Ressalto que não se trata de uma recuperação eminentemente histórica da
constituição das manifestações. Objetivo por demais extenso para essa pesquisa e
parcialmente realizado por outras investigações, como será apresentado na revisão
bibliográfica deste projeto. Trata-se, na verdade, de investigar os atravessamentos de
poder constituinte performativo nelas presentificados através das rearticulações da
tecitura social. A escolha de três experiências deve-se ao interesse em analisar as
ressonâncias constituintes e as alianças de corpos, marcados pela precariedade, que
ecoam através das manifestações, mas que não poderiam ser percebidas, em toda sua
potência, na análise de apenas uma delas. Destaco que esse é um projeto de tese sobre
poder constituinte e, com essa lente-recorte, o projeto atravessa e é atravessado pelos
atos performativos desse poder.
A Praia da Estação é um movimento de ocupação da Praça da Estação e de
utilização das suas fontes de água para o banho. Transforma a praça central da capital
mineira em uma “praia” ocupada por pessoas com trajes de banho, vendedores
ambulantes e, às vezes, até carros pipa que refrescam os presentes. Ela surgiu em
2010 em reação ao Decreto n. 13.798/2009 do então prefeito Márcio Lacerda
proibindo a realização de eventos de qualquer natureza no local. A justificativa do
prefeito era a suposta dificuldade em limitar o número de pessoas e garantir a
segurança pública decorrente da concentração. Este decreto acabou sendo revogado e
a Praia da Estação tornou-se um evento político e cultural marcante na cidade. Hoje
ela presentifica a luta, inclusive, contra tentativas do poder econômico de apropriação
do espaço através de sua privatização para a realização de eventos lucrativos. A Praia
desloca as espacialidades conformadas e rearticula os espaços através de novos usos
que permitem a existência de novos corpos. Ela constitui novas realidades espaciais e
normativas; diz sobre direito-espaço; presentifica uma constituição que é
permanentemente vivida pelos corpos nas ruas; reivindica e presentifica um direito –
constitucional – à cidade. É dessa constituição que falamos neste projeto.
11
O Sarau de Periferia é um movimento de visibilização poético-artística das
realidades periféricas de Belo Horizonte. Ele surge em 2008, articulado pelo
ColetiVoz, propondo uma abertura democrática ao fazer artístico “marginal”. O Sarau
já passou por vários momentos: articulações semanais na Região do Barreiro, fase
itinerante pelas praças de Belo Horizonte e região metropolitana, regresso ao Barreiro
e hoje está intimamente relacionado ao surgimento dos slams – espaços de disputa
poética – pela cidade. O Sarau é um convite à performatividade da “escrita falada”, é
um chamado à produção poética que rearticula as tecituras sociais. Os microfones
estão abertos a qualquer um que deseje compartilhar sua escrita poética. O Sarau
rearticula as inteligibilidades de mundo, atravessado por questões raciais e
econômicas muito latentes. Nele, os corpos da periferia afirmam que têm voz e
produzem arte. O corpo negro fala, grita sua precariedade e sua resistência,
presentificando seu direito ao aparecimento, sua existência, sua performance poética e
seu direito ao fazer constitucional enquanto povo a cada novo Sarau de Periferia.
Por fim, a Gaymada é uma intervenção “cênica-poética-performativa”27 de
retorno ao jogo da queimada para rearticular práticas de gênero e sexualidade nas
cidades. Ela é realizada pelo Coletivo Toda Deseo que é composto por artistas
mineiros que visam construir um espaço onde as vidas que desviem da heteronorma
sejam possíveis. O primeiro evento foi realizado em 2015 na Praça Floriano Peixoto
em Belo Horizonte. Segundo as integrantes do coletivo, a ideia é brincar com o
imaginário comum de que a queimada seria um jogo da “criança viada”. Perfomando
diversas possibilidades de gênero, “montadas”, coloridas e alegres, elas convidam as
pessoas a se juntarem à grande festa que se torna essa performance realizada em
praças e ruas da cidade. É uma arte da desobediência, uma estilização de atos que
questionam o que é dado como única realidade possível, ela apresenta a contradição
do impossível que se torna presente: corpos não apreendidos socialmente expõem sua
existência à luz do dia dos centros urbanos, constituindo outros modos de existência
no espaço. Ela presentifica o direito das travestis ao aparecimento, ao lazer e à
dignidade, o direito das “bichas” e “sapatões” a um espaço mais seguro de vivência
dos seus afetos. Ela diz sobre um sentido performativo da constituição e presentifica
uma igualdade da existência dos corpos.
27
TODA DESEO. Entrevista para o ensaio Gaymada: uma linguagem que escapa e uma
desobediência que rearticula a tecitura social. Entrevistador: Igor Campos Viana. Belo Horizonte,
2017.
12
A partir da articulação desses saberes e experiências, entendo que pensar o
poder constituinte performativo é radicalizar democraticamente a própria
compreensão de poder constituinte. É uma aposta na abertura ao performativo dos
corpos que são marcados por raça, classe, gênero, sexualidade e que constituem
normas - no sentido abrangente trazido pelo ParangoLei - ao deslocarem-se pelo
espaço público de alguma forma concertada. Esses corpos articulam poderes e
performam sentidos de constituição. Colocam em ato afirmações constituintes a partir
das suas realidades já impregnadas de poderes constitutivos das inteligibilidades de
mundo. O enclausuramento de algum dogmatismo e a aposta na potência da multidão
não nos fornece um pensamento adequado para a análise da realidade do poder
constituinte. Assim, penso que podemos sintetizar o problema da investigação da
seguinte forma: como pensar o poder constituinte a partir das manifestações
performativas do século XXI, presentificadas pelos corpos na Praia da Estação,
no Sarau de Periferia e na Gaymada, de modo a contribuir para a radicalização
democrática de uma Tradição Crítica da Teoria da Constituição no Brasil?
2 JUSTIFICATIVA
13
uma força constituinte que não pode ser encerrada em uma estanque divisão entre
poder constituinte e constituído, mas sim, pensada nessa tensão entre dinamismo e
estabilidade presente nos dois termos. Manifestações como a Praia da Estação, o
Sarau de Periferia e a Gaymada performam através dos corpos os sentidos de
constituição que são presentificados e não representados. Assim, penso se fazer
necessário articularmos a tese do poder constituinte performativo.
3 HIPÓTESE
14
A segunda dimensão diz respeito à clássica distinção entre poder constituinte
e poder constituído. Antônio Negri, em sua importante monografia sobre o poder
constituinte, atribui ao poder constituído o caráter de conservador, antirrevolucionário
e, portanto, algo que deveria ser eliminado por um paradigma do poder constituinte
revolucionário.31 Discordo do autor, minha proposta é a de que o problema não está
na mera existência do binômio, mas sim nas compreensões absolutas e alegóricas de
opositores lógicos como dinamismo/imobilismo a eles atribuídos.32 Será, realmente,
que não há nenhum movimento no poder constituído? Nenhum desejo de estabilidade
no poder constituinte de eventos como a Praia da Estação, o Sarau de Periferia ou a
Gaymada? A relação é muito mais tensional e não há possibilidade de pensar o poder
constituinte em todas suas facetas sem pensar o poder constituído. Toda criação é, em
alguma medida, condicionada, mas isso não significa uma necessária redução do
condicionado aos efeitos dos elementos que o condicionam. A teoria da
performatividade de Butler pode ser muito útil nesse aspecto. Há o elemento da
iterabilidade, toda evocação de um contexto é também sua desocupação. Parece-me
que o poder constituinte encarnado na performatividade dos corpos singulares – e não
no corpo da multidão – deseja estabelecer uma nova realidade espacial-normativa,
mas uma realidade que nunca será imóvel.
Isso nos conduz à terceira e última dimensão da nossa hipótese: a aposta em
um poder constituinte performativo assume os riscos de uma democracia radical. Falo
em um poder presentificado, um poder que se apresenta nas próprias disputas latentes
das ruas pelo sentido de e da constituição nas reivindicações de direitos. Não há
garantias, ou como nos diz Maria Fernanda Repolês há “uma garantia precária, quase
31
NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2015, pp 11-12. Tese também sustentada por Andityas Soares de Moura Costa
Matos em seu artigo Estado de exceção, desobediência civil e desinstituição: por uma leitura
democrático-radical do poder constituinte, publicado pela Revista Direito & Práxis em 2017. Cf.: “o
dualismo poder constituinte/poder constituído só faz sentido quando se pensa o exercício do poder
político em contextos não democráticos e de cunho transcendente (...) uma teoria do direito
radicalmente democrática – e isso quer sobretudo dizer: que recusa a representação – concebe apenas
um poder continuamente constituinte ”, pp. 66-67.
32
O estímulo para essa reflexão parte da leitura de Jacques Rancière, mais especificamente do seu O
espectador emancipado. Nesta obra o autor denuncia a tentativa de certas visões ditas “pós-modernas”
em acabarem com toda e qualquer mediação entre o ator e o espectador partindo da suposição de que o
espectador seria uma figura meramente passiva que deveria ser convocada a um papel ativo na cena.
Rancière diz que essa visão está ancorada em alegorias encarnadas da desigualdade que pressupõem
que o ato de olhar é um ato passivo, ou seja, pressupõem a própria menoridade do espectador. Rancière
reconhece o caráter ativo do olhar e uma necessidade de uma distância irredutível entre ator, obra e
espectador para a própria possibilidade de existência da crítica.
15
uma não garantia, no sentido de que o risco desse processo é constante”33. Entretanto,
também não se trata de uma negação absoluta da estabilidade, nem de uma afirmação
romântica da sua total ressignificação. Viver em comunidade é viver em conflito, mas
não é somente viver em conflito. É ser capaz, em alguma medida, de mediar esses
conflitos e construir uma sociedade mais vivível e coabitável. Nesse sentido, penso
que o constitucionalismo é um movimento político-democrático de constituição
normativa de vivências societárias possíveis, é um imperativo de mediação social que
deve levar a sério a compreensão das “práticas democráticas”34 em sua dinâmica que
interpela a todo momento o constituído, produzindo novas formas de inteligibilidade
social que se constituem e se estabilizam, mas sempre de forma precária. Trata-se,
portanto, de reconhecer, internamente ao direito, a precariedade inerente a todas as
formas de estabilização.
De modo que podemos sintetizar nossa hipótese da seguinte forma: o poder
constituinte deve ser pensado através da sua dimensão performativa que nos
convida a uma compreensão abrangente da norma jurídica enquanto norma
social que também habita os corpos em um processo de subjetivação normativa;
a uma abordagem permanentemente tensional entre poder constituinte e
constituído, sem abandonar nenhum dos termos dessa equação; e a uma
compreensão radicalmente democrática das reinvindicações de direitos que os
presentificam no próprio ato de reivindicar, ainda que de forma precária.
16
dialoga especialmente com o direito, a filosofia política e o urbanismo crítico.
Ademais, a investigação se identifica de modo muito especial com a área de estudos
Tempo, Espaço e Constituição: Perspectivas Críticas e Desdobramentos Dogmáticos
ao pensar que as perspectivas espaço-temporais da constituição, de forma tensional,
exigem uma renovação crítica da teoria da constituição e da dogmática jurídica do
direito constitucional de modo a pensarmos um poder constituinte performativo como
forma democrática de reconhecimento do exercício do poder.
5 REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA
35
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade ; GOMES, David Francisco Lopes. A constituição
entre o direito e a política: novas contribuições para a teoria do poder constituinte o problema da
fundação moderna da legitimidade. In: Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via, 2014.
17
constituições com o instituo da escravidão como bem relatado em Os Jacobinos
Negros de Cyril James.36
O poder constituinte também é um tema que perpassa o debate do direito
público alemão no século XX. Carl Schmitt em sua obra Teoria da Constituição
“atribuiria um caráter existencial e decisionista ao poder constituinte” 37 , não o
limitando ao momento de criação da constituição. Hermann Heller, em seu Teoria do
Estado, assumiria uma posição contrária a de Schmitt. Heller, adepto ao nascente
constitucionalismo social, ressalta que seria necessária uma organização prévia dos
indivíduos para que eles atuem como poder constituinte, negando seu caráter
meramente existencial ou decisionista. Em Rudolf Smend, autor do Constituição e
Direito Constitucional, “o poder constituinte, embora não referido expressamente,
aparece como algo latente na realidade social, constantemente agindo na dinâmica
social”38 podendo, inclusive, contrariar a constituição. Já para Hans Kelsen, autor da
Teoria Pura do Direito, a norma fundamental pressuposta é o fundamento de validade
da constituição e de toda nova ordem jurídica, enquanto “o poder constituinte e o ato
constituinte, existentes na esfera do ser, mantêm-se como mera condição daquela
validade”39. Por fim, Karl Loewenstein em sua Teoria da Constituição reconhece que
a titularidade do poder constituinte deveria pertencer ao povo e mantém a distinção
entre poderes constituintes e poderes constituídos. Ainda que resumidamente, essa é
uma visão do quadro do debate do próprio surgimento da Teoria da Constituição
enquanto disciplina autônoma no século XX.
A recepção desse debate no Brasil por uma certa tradição dogmática do
direito constitucional foi extremamente redutora das potencialidades da discussão.
José Afonso da Silva em seu Curso de direito constitucional positivo apresenta uma
visão do poder constituinte centrada na dinâmica institucional do país, sugerindo uma
divisão entre poder constituinte originário e poder constituinte de segundo grau que
seria de titularidade do Congresso Nacional. Em sua visão, trata-se de um problema
“de técnica constitucional, já que seria muito complicado ter que convocar o
36
Agradeço ao colega de pesquisa Deivide Júlio Ribeiro pelos instigantes debates sobre a Revolução
do Haiti e suas Constituições. Destaco o art. 14º da Constituição de 1805 que dizia que: “(...) todos os
cidadãos haitianos, de aqui em diante, serão conhecidos pela denominação genérica de negros”.
37
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade ; GOMES, David Francisco Lopes. A constituição
entre o direito e a política: novas contribuições para a teoria do poder constituinte o problema da
fundação moderna da legitimidade. In: Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via, 2014, p.
119.
38
Ibid., p. 121.
39
Ibid., p. 123.
18
constituinte originário todas as vezes em que fosse necessário emendar a
40
Constituição” . Gilmar Mendes e Paulo Gonet em seu Curso de direito
constitucional, assumindo a ideia do poder constituinte enquanto uma ruptura
profunda, falam que este poder “não costuma fazer-se ouvir a todo momento, até
porque não haveria segurança das relações se assim fosse”41. Paulo Bonavides, por
sua vez, em seu Curso de direito constitucional diz que o poder constituinte “faz a
Constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se
quiserem, extrajurídico”42. Visões que perdem de vista todo o caráter tensional da
permanente disputa pelo sentido de e da constituição e que também podem ser
percebidas nas classificações estanques de poder constituinte originário e derivado.
Na direção oposta desse dogmatismo redutor da realidade, Antonio Negri,
em O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade, recupera o
debate alemão do século XX. Ele classifica os autores como transcendentes,
imanentes ou integracionistas a depender da sua forma de relacionar o poder
constituinte com o poder constituído. Após essa classificação, Negri nos apresenta sua
conclusão: “transcendente, imanente ou coextensiva, a relação que a ciência jurídica
(...) quer impor ao poder constituinte atua de modo a neutralizá-lo, a mistificá-lo, ou
melhor, a esvaziá-lo de sentido”43. Contra a tentativa de domesticação do poder
constituinte denominada de paradigma constitucionalista, Negri nos apresenta o
paradigma do poder constituinte que seria o de uma “força que irrompe, quebra,
interrompe, desfaz todo o equilíbrio preexistente e toda continuidade possível”44. De
modo diferente do paradigma constitucionalista que conheceria somente o passado,
sendo uma “referência contínua ao tempo transcorrido, às potências consolidadas e à
sua inércia, ao espírito que dobra sobre si mesmo” 45 , o paradigma do poder
constituinte teria no futuro o seu tempo forte.
Distanciando-se do pensamento de Antonio Negri, a tradição da teoria crítica
da constituição no Brasil entende que reconhecer o caráter condicional de toda
criação, não significa estar preso ao tempo passado. Como nos lembra Marcelo
40
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 65.
41
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 120.
42
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 148.
43
NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2015, p.10.
44
Ibid., p. 11.
45
Ibid., p. 12.
19
Cattoni, discutindo sua tese de uma democracia sem espera, não podemos perder de
vista que: “o Direito não terá um ‘fundamento’ no futuro se não tiver no presente e se
o presente também não se abrir ao passado como seu futuro, aprendendo a lidar com o
risco de perda do espaço de experiência”46. Trata-se, portanto, de uma articulação
complexa entre passado, presente e futuro, ou seja, trata-se de uma compreensão da
fundação enquanto promessa que nos permite construir “um outro passado, um
passado futuro: um novo passado”47. Um passado não só de frustrações e catástrofes,
mas um tempo que ganha sua redenção no agora que através de um poder constituinte
performativo pode fazer-se presente. Falamos de um constitucionalismo que se
apresente nas próprias tensões constitutivas da disputa pela Constituição e que
compreenda que os problemas constitucionais da legitimidade e da efetividade estão
conectados à questão da legalidade constitucional. Denunciando, portanto, o paradoxo
da efetividade de algumas leituras alargadas da mutação constitucional que correm o
risco de confundirem constituição normativa com constituição semântica.48
Marcelo Cattoni, em diálogo com Jürgen Habermas, mas para além dele, nos
fala de um patriotismo constitucional enquanto construção de uma cultura ética e
política de perspectiva pluralista e com base na Constituição.49 Emilio Peluso Neder
Meyer, prosseguindo nessa linha, nos diz da importância do patriotismo
constitucional para “a consolidação de um projeto histórico reflexivo de cidadania
necessário para uma devida abordagem do problema da reconciliação com o passado
institucional brasileiro” 50 . Assim, o patriotismo constitucional nos remete a um
significado performativo do poder constituinte ao apostar na ideia de que somos todos
intérpretes da constituição.
Também nessa tradição, Vera Karam de Chueiri desenvolve sua tese de uma
Constituição Radical, afirmando que “o agora, o tempo presente da Constituição só
46
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Democracia sem espera e processo de
constitucionalização: Uma crítica aos discursos oficiais sobre a chamada “transição política
brasileira. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 3 (jan. / jun. 2010). Brasília : Ministério
da Justiça , 2010, p. 367-399, p. 217.
47
Ibid., p. 208.
48
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma teoria crítica da
constituição. Belo horizonte: Arraes Editores, 2017, p. 63.
49
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder constituinte. Belo Horizonte: Mandamentos,
2006, p. 68; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, Política e Filosofia: contribuições
para uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 71.
50
MEYER, Emilio Peluso Neder. Persecução e responsabilização penal por graves violações de
direitos humanos na ditatura de 1964-1985: a necessária superação da decisão do Supremo Tribunal
Federal na ADPF n. 153/ DF pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos (Tese de Doutorado).
Belo Horizonte: UFMG, Faculdade de Direito, 2017, p. 205.
20
pode ser compreendido na sua relação com o passado e o futuro”51. Para a autora uma
constituição radical “não sintetiza a tensão entre poder constituinte (democracia) e
poderes constituídos: ela é precisamente isso, a tensão!”52. Ainda nesse pensamento
brasileiro, temos a tese Desafios do poder constituinte no estado democrático de
direito defendida por Alexandre Bernardino Costa sob a orientação de Menelick de
Carvalho Netto. A tese sustenta no campo teórico e normativo que o poder
constituinte no Estado democrático de direito somente pode ser democrático.
Esse é um retrato, ainda que recortado para o projeto, do imenso debate sobre
o poder constituinte que atravessa a presente investigação e me estimula a pensar a
tese de um poder constituinte performativo.
5.2 PERFORMATIVIDADE
51
CHUEIRI, Vera Karam de. Constituição radical: uma ideia e uma prática. Revista da Faculdade de
Direito UFPR: Curitiba, n. 58, 2013, p. 25-36, p. 35.
52
Ibid., p. 29.
53
RODRIGUES, Carla. Três tempos da performatividade em Butler. Conferência proferida no I
Colóquio Políticas da Performatividade realizado pelo Grupo de Estudos Políticas da Performatividade
da UFMG entre os dias 12 e 14 de junho de 2018.
54
BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997. Cf.:
Derrida's account tends to accentuate the relative autonomy of the structural operation of the sign,
identifying the "force" of the performative as a structural feature of any sign that must break with its
prior contexts in order to sustain its iterability as a sign. The force of the performative is thus not
inherited from prior usage, but issues forth precisely from its break with any and all prior usage. That
break, that force of rupture, is the force of the perforrnative, beyond all question of truth or meaning”,
p. 148.
55
DERRIDA, Jacques. Assinatura, acontecimento, contexto. In: Margens da Filosofia. Campinas:
Papirus, 1991, pp. 349- 373. Cf.: “Para que um contexto seja exaustivamente determinável, no sentido
requerido por Austin, seria necessário pelo menos que a intenção consciente fosse totalmente presente e
21
Derrida dialoga com a teoria dos atos de fala de John Austin56. Austin falava na
existência de enunciados constatativos e de enunciados performativos. Os enunciados
performativos poderiam ter forças ilocucionária ou perlocucionária. Derrida amplia as
proposições de Austin, reconhecendo o caráter performativo de todo ato de fala, além
de uma necessária dependência da iterabilidade e da citação.57 Segundo Derrida, a
tripartição sugerida por Austin carregaria a pressuposição de um sujeito intencional
consciente da totalidade de sua fala, o que seria impossível para o pensamento
derridiano de contextos de insaturáveis. Para Derrida todo ato de fala depende de sua
possibilidade de repetição e citação, o poder reiterativo do discurso é que produz os
fenômenos que regula e contém. Seria, portanto, impossível entender os atos de fala
sem o campo de atuação da cadeia citacional. Essa ideia é resgatada por Butler para
afirmar que há sempre um contexto que é invocado e é simultaneamente desocupado
no momento da enunciação.
Dessa forma, iterabilidade e citacionalidade são ideias extremamente
importantes para o pensamento da performatividade de gênero de Judith Butler, o que
inaugura o nosso segundo tempo. Em Problemas de gênero: feminismo e a subversão
da identidade, a autora nos diz que é exatamente na exigência da repetição das
normas que reside a força e a fragilidade da autoridade do ato performativo. Em suas
palavras “não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa
identidade é performativamente constituída, pelas próprias expressões tidas como seus
resultados”58. A repetição é o que garante a força da lei, mas é também o que permite
o seu desvio de curso. A cadeia citacional apresenta uma abertura de fundação para
novos contextos a partir de deslocamentos com efeitos críticos de rearticulação da
tecitura social. 59 Esses deslocamentos são analisados inicialmente por Butler nas
performances de drag queens que deslocam os quadros de inteligibilidade do gênero
atualmente transparente a si própria e aos outros, na medida em que constitui um foco determinante do
contexto”, p. 369.
56
AUSTIN, John L. How to do things with words. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1992.
57
DERRIDA, Jacques. Assinatura, acontecimento, contexto. In: Margens da Filosofia. Campinas:
Papirus, 1991, pp. 349- 373. Cf.: “Qualquer signo, linguístico ou não-linguístico, falado ou escrito (no
sentido corrente desta oposição), em pequena ou grande unidade, pode ser citado, colocado entre aspas;
com isso pode romper com todo o contexto dado, engendrar infinitamente novos contextos, de forma
absolutamente não saturável. Isso não supõe que a marca valha fora do contexto, mas, pelo contrário,
que não existem contextos sem qualquer centro de referência absoluto”, p. 362.
58
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e a subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2016, p. 56.
59
Ibid., cf.: “A estratégia mais insidiosa e eficaz, ao que parece, é a completa apropriação e
deslocamento das próprias categorias de identidade, não meramente para contestar o ‘sexo’, mas para
articular a convergência de múltiplos discursos sexuais para o lugar da ‘identidade’, a fim de
problematizar permanentemente essa categoria , sob qualquer de suas formas.” (p. 22).
22
ao exporem sua dimensão performativa que não guarda relação alguma com a suposta
metafísica da substância dita anterior ao corpo e suas práticas. É justamente em
função da performatividade que Butler pensa a relação do sujeito com a norma de
forma dialética, assim como nos diz Carla Rodrigues, existe uma tensão permanente
entre manutenção e subversão da norma.
Agora podemos entrar no terceiro e último tempo desse recorte bibliográfico:
a performatividade dos corpos. Os gestos corporais são performativos e constitutivos
do político. Os corpos reunidos no espaço público de alguma forma “exercem o poder
performativo de reivindicar o público de uma maneira que ainda não foi codificada
em lei e que nunca poderá ser completamente codificada em lei”60. Quando corpos,
precarizados em suas condições de vida, saem às ruas para se afirmarem enquanto
sujeitos políticos que se fazem existentes, eles já estão exercendo um ato político por
excelência. Anteriormente a qualquer formulação de demandas políticas, esses
sujeitos se reconhecem como “precarizados”, seus corpos já carregam uma história e
um sentido antes de qualquer ato de fala linguístico. Esses corpos performam uma
forma de igualdade frente à intensa desigualdade da realidade ao se reunirem em
assembleia sob bases igualitárias. Para Butler, o corpo não mais pode ser entendido
enquanto mero instrumento da ação política. Ele é uma precondição de qualquer ato
de protesto político. Corpos performam sentidos políticos pelo espaço em uma luta
concreta pelo estabelecimento de condições de vida digna e mais sustentáveis frente a
sua crescente precarização.
23
sociopolítica do fenômeno. Em 2014, tivemos duas dissertações concluídas. No
Programa de Pós-Graduação em Artes, a dissertação Praia da Estação:
carnavalização e performatividade de Thálita Motta Melo. Ela investiga as
encruzilhadas entre arte, vida e política a partir do que chama de vivências
performáticas da Praia da Estação e do corpo em festa. Por fim, no Programa de Pós-
Graduação em Educação, a dissertação Uma “Praia” nas Alterosas, uma “antena
parabólica” ativista: configurações contemporâneas da contestação social de jovens
em Belo Horizonte de Igor Thiago Moreira Oliveira. O autor investiga a conexão da
Praia da Estação com outros movimentos globais realizados por jovens no século XXI
e com as questões políticas da cidade de Belo Horizonte.
Sobre o Sarau de Periferia tivemos uma tese de doutorado e duas dissertações
de mestrado concluídas na UFMG. A tese de doutorado Entre a luta, a voz e a
palavra: partilhas de sentido em torno de um Sarau de Periferia de Otacilio de
Oliveira Júnior foi defendida em 2016 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Otacilio investigou uma rede de significações construída ao redor dos saraus de
periferia junto ao ColetiVoz de Belo Horizonte. Ele pesquisou como as interpretações
dos pobres urbanos reiteram tropos comuns associados à pobreza e que perpetuam
hierarquias sociais. Em 2017, tivemos a conclusão de duas dissertações. No Programa
de Pós-Graduação em Educação, a dissertação A palavra é sua! Os Jovens e os
Saraus Marginais em Belo Horizonte de Lucas Oliveira Sepúlveda. O autor investiga
as origens dos saraus na cidade e as questões urbanas, artísticas, raciais e de gênero
atravessadas nessas experiências. Por fim, no Programa de Pós-Graduação em Artes, a
dissertação A palavração: atos político-performáticos no ColetiVoz Sarau de
Periferia e Poetry Slam Clube da Luta de Rogério Meira Coelho. Rogério pesquisa o
cenário da poesia oral e da performance arte que configuram atos políticos
performáticos vindos da palavra em ação em Belo Horizonte.
No tocante à Gaymada não encontrei nenhuma produção acadêmica em sede
de dissertação ou tese na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD) e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFMG. O
que reforça ainda mais a necessidade do presente trabalho. Em 2017, a partir de uma
entrevista que realizei com o Coletivo Toda Deseo, apresentei trabalhos sobre a
Gaymada no III Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
e no Seminário Internacional sobre Desobediências e democracias radicais: a potência
24
comum dos direitos que vêm. Ainda em 2018 fui responsável pela conferência
Constitucionalismo performativo: reflexões a partir da Gaymada no I Colóquio
Políticas da Performatividade da UFMG. Em contato com o Coletivo Toda Deseo, os
seus membros também não souberam informar sobre a existência outras produções
acadêmicas acerca da Gaymada. Em buscas na base de dados da Scientific Electronic
Library Online (SciELO) também não foi encontrado nenhuma produção que versasse
sobre essa experiência.
6 OBJETIVOS
25
poder constituinte no agora que é simultaneamente atravessado por passado,
presente e futuro.
• Sustentar a tese de uma tensão entre poder constituinte e constituído que não
se resume a pares opositores perfeitos de dinamismo e estabilidade.
• Investigar os atos performativos corporais da Praia da Estação, do Sarau de
Periferia e da Gaymada que são capazes de rearticular a tecitura social e
produzir novos sentidos de e da constituição.
• Sustentar a ideia da interseccionalidade das lutas a partir da aliança de corpos -
atravessados por precariedades – nas ruas. Um poder constituinte performativo
das manifestações dos século XXI.
7 METODOLOGIAS
61
CARVALHO NETTO, Menelick de. A Sanção no Procedimento Legislativo. Belo Horizonte: Del
Rey, 1992, p. 294.
26
seguimento a essa tradição, nos fala da dimensão performativa da luta pelo sentido de
e da constituição.62 Um processo de aprendizagem social contínuo, sujeito a tropeços
e aberto ao por vir das lutas por reconhecimento. Uma constituição que se projeta ao
futuro enquanto promessa. É a partir dessa perspectiva que quero pensar o poder
constituinte performativo, acrescentando a importância da dimensão dos corpos e de
uma teoria da subjetivação para um constitucionalismo por vir.
O ParangoLei é a confluência do direito e do espaço no simultaneamente
global e local.63 É um convite a pensarmos um direito que é performado e banalizado
pelo espaço ao longo do tempo. Um convite a uma radical transdisciplinaridade, ao
olhar atento para o lawscape e a uma percepção do próprio corpo nesse contexto.
Inspirados pelos parangolés do brasileiro Hélio Oiticica e por sua aposta em uma
antiarte que pudesse ser vestida e também apreendida pelo tato, olfato, paladar e
audição, devemos pensar o direito-espaço performado pelas trajetórias dos corpos. O
poder constituinte performativo da Praia da Estação, do Sarau de Periferia e da
Gaymada é também um direito-espaço performado no tempo.
Amarrando toda essa proposta teórica temos a Teoria da Performatividade de
Judith Butler. Articulada ao longo de mais de duas décadas de produção acadêmica,
sua teoria ganha os contornos mais completos em Corpos em aliança e a política das
ruas: notas para uma teoria performativa da assembleia. A ideia da performatividade
política envolve a compreensão de um excedente constitutivo da noção de povo – ou
do próprio sentido de e da constituição – que nunca é completamente preenchido.
Manifestações públicas informam performativamente, através do aparecimento dos
corpos nas ruas, o sentido do que é o povo e assim traçam a linha de demarcação do
“nós”, implicitamente ou explicitamente, estabelecido. A enunciação do que é o povo
constitui também uma disputa por sua hegemonia. Uma disputa no campo normativo
– paradoxalmente produtivo e excludente - de constituição de subjetividades.64 Dessa
forma, a ocupação das ruas pelos corpos precarizados é uma reinvindicação ao
público, uma reinvindicação ao direito de ter direitos, uma reinvindicação ao próprio
aparecimento. Penso que esses atos performativamente rearticulam a tecitura social e
62
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma teoria crítica da
constituição. Belo horizonte: Arraes Editores, 2017, pp. 112-113.
63
Manifesto ParangoLei apresentado em 22 de maço de 2018 durante a Grande Conferência Justiça
Espacial do Programa Cátedras IEAT-UFMG, proferida por Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos e
mediada por Maria Fernanda Salcêdo Repolês.
64
BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2017.
27
o próprio sentido da constituição em direção a mundos mais coabitáveis e a vidas
mais vivíveis. Falo, portanto, de um poder constituinte performativo.
65
Essas reflexões se tornaram possíveis após um encontro com Jean-Luc Moriceau em um evento
sobre afetos na pesquisa acadêmica promovido pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação
Social da UFMG entre os dias 21 a 24 de novembro de 2017. O seu pensamento agudo e sensível
transformou minha forma de pensar o método. Em seu texto: Afetos e experiência estética: uma
abordagem possível escrito em coautoria com Carlos Magno Camargos Mendonça, é dito que a
experiência estética: “provém de uma peça de teatro, de um concerto, da contemplação de um quadro
ou de uma escultura, mas também pode advir da penumbra de uma floresta ou do anonimato dos
subúrbios abandonados. Ela cessa os nossos movimentos e nos impulsiona, produz uma série de
sensações e pensamentos. A experiência estética estabelece um momento singular, um momento de
intensidade, um instante repleto de significado, dotado da promessa de algo para descobrir ou
compreender”, p. 78.
66
RANCIÈRE, Jacques. Le partage du sensible: esthétique et politique. Paris: La Fabrique, 2000.
67
HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
perspectiva parcial. Caderno Pagu (5), 1995: pp 07-41.
68
MORICEAU, Jean-Luc; MENDONÇA, Carlos Magno Camargos. Afetos e experiência estética: uma
abordagem possível. In: Comunicação e sensibilidade: pistas metodológicas. Org. Carlos Magno
Camargos Mendonça, Eduardo Duarte, Jorge Cardoso Filho. – Belo Horizonte: PPGCOM UFMG,
2016. Cf.: “Nós gostaríamos de propor uma abordagem capaz de capturar e descrever qualquer
experiência em dimensões estéticas. A primeira vista, isto pode parecer um desafio impossível.
28
Proponho que esse nosso caminho de abertura a uma experiência estética da
Praia da Estação, do Sarau de Periferia e da Gaymada seja mediado por algumas
ferramentas metodológicas. 70 A presença do pesquisador nesses atos é algo
indispensável. Já possuo um acesso a essas três experiências e um contato com os
diversos atores que as realizam. Isso contribui para o nosso percurso. A escolha das
experiências se deu em razão da minha participação nessas manifestações e de
estarem situadas na cidade em que vivo e pretendo realizar a pesquisa. São
experiências que se suplementam ao atravessarem questões de interseccionalidade das
lutas que serão investigadas na pesquisa.71 No tocante à memória da presença nesses
atos, dos afetos partilhados e das situações de poder constituinte performativo
localizadas, penso ser indispensável a companhia de um caderno de campo. Esse
caderno será uma ferramenta fundamental de registro das afetações vivenciadas.
Além do caderno, as entrevistas semiestruturadas com atores de cada um
desses eventos também podem ser muito enriquecedoras para nossa investigação.
Penso em algo como quinze entrevistas de cerca de quarenta minutos com atores
escolhidos após uma longa participação em cada um desses eventos e em decorrência
do seu envolvimento com aquela experiência específica. Essas entrevistas conseguem
trazer o registro de alguma forma “oficial” de outras vozes não só por meio da minha
própria voz. O contato com a bibliografia já produzida sobre esses eventos e sobre o
tema da pesquisa também será fundamental para a vivência de experiências estéticas
Entretanto, gostaríamos de invocar aqui as possibilidades oferecidas pela chamada “virada afetiva”
com o objetivo de nos auxiliar no enfrentamento deste desafio”, p. 79.
69
Ibid., cf.: “A escritura deve ser performativa. Não será possível devolver o alcance e nuances por
completo, todas as passagens da experiência estética e dos afetos. Mas, considerando a experiência
estética como uma performance, a escritura pode tentar se fazer performance a sua vez: não para
constatar e codificar, mas dar-se a sentir, tentar tocar não só a experiência mas também o leitor. Não
agirá pelo âmbito da exaustividade, mas pela “exatidão” da atmosfera e da eficácia afetiva, descreve
momentos e eventos dos afetos, mantendo assim, seu poder de afetar”, p. 93.
70
No tocante à classificação clássica das linhas e das vertentes teórico-metodológicas, o trabalho
pertence à linha crítico metodológica e à vertente jurídico sociológica. A linha crítico metodológica
supõe uma teoria crítica da realidade, sustentando as teses de que o pensamento jurídico é tópico e não
dedutivo, é problemático e não sistemático e de que o Direito pode ser compreendido enquanto uma
rede complexa de linguagem e significados. Nesse mesmo diálogo estabelecido, podemos dizer que o
projeto pertence à vertente jurídico sociológica que se propõe a compreender o fenômeno jurídico no
ambiente social mais amplo. Cf.: GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca.
(Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, pp. 21-22.
71
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa da
assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. Cf.: “E isso significa que as questões de
localização se confundem de tal modo que o que está acontecendo ‘lá’ também acontece, em certo
sentido, ‘aqui’. E se o que está acontecendo ‘lá’ depende de o evento ser registrado em vários ‘outros
lugares’, pode parecer que a reivindicação ética do evento acontece sempre em um ‘aqui’ e um ‘lá’ que
são, de alguma maneira, reversíveis.”, p 116.
29
aprofundadas e localizadas no interesse do recorte investigativo. Assim, finalizamos
esse traço, ainda que inicial, da proposta metodológica de investigação.
30
9 ESTRATÉGIAS DA INVESTIGAÇÃO
31
dos alunos da Faculdade com as experiências da Praia da Estação, do Sarau de
Periferia e da Gaymada, potencializando a compreensão da disputa pelos sentidos da
constituição.
32
10 CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
Leitura da bibliografia ● ● ● ● ● ● ● ●
Redação da Tese ● ● ● ● ● ●
Qualificação da Tese ●
Doutorado Sanduíche ● ●
Defesa da Tese ●
33
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