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Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X Pulsão de Morte

Neurose Obsessiva:
Tabu do Contato X Pulsão de Morte
Obsessive Neurosis: Contact Taboo X Death Instinct
Natalia Gonçalves Galucio Sedeu

Resumo
Neste artigo, com base nas idéias de Sigmund Freud, Karl Abraham, Melanie Klein, Maurice
Bouvet e André Green sobre a neurose obsessiva, buscaremos compreender a relação entre
a pulsão de morte e o tabu de contato, traço característico dessa patologia. Apresentaremos,
ainda, um caso clínico que ilustra diversos aspectos relacionados ao tema.

Palavras-chave: Neurose obsessiva, Tabu de contato, Pulsão de morte.

O ódio, e não o amor, é a relação emocional primária entre os homens.


stekel, citad o p or freud (1913, p.408)

Introdução nexão entre o tabu de contato e a pulsão de


Em 1920, no livro Além do Princípio de Pra- morte, através da análise das idéias de Freud,
zer, Sigmund Freud introduz um novo du- Karl Abraham, Melanie Klein, Maurice Bou-
alismo na teoria psicanalítica: “pulsão de vet e André Green sobre a neurose obsessi-
vida” X “pulsão de morte”. A pulsão de morte va. Apresentaremos, ainda, um caso clínico
tendia à redução completa das tensões, um que ilustra diversos aspectos relacionados ao
retorno ao estado anorgânico. Freud apon- tema.
ta, no mesmo livro, a compulsão à repetição
como uma forma de provar a existência da As idéias de Sigmund Freud
pulsão de morte; ele afirma que “a compul- sobre a neurose obsessiva
são à repetição também rememora do pas- Freud, no artigo “Sobre os Fundamentos
sado experiências que não incluem possi- para destacar da Neurastenia uma Síndro-
bilidade alguma de prazer” (FREUD, 1920, me Específica denominada ‘Neurose de An-
p.34). Freud postula a hipótese de que, na gústia’” (1895), cita, pela primeira vez numa
compulsão à repetição, existe “algo que pare- publicação, o termo “neurose obsessiva”; sua
ce mais primitivo, mais elementar e mais ins- primeira alusão ao termo, no entanto, data de
tintual do que o princípio de prazer” (Idem, 07 de fevereiro de 1894, numa carta a Fliess.
p.37). Essa compulsão à repetição é um dos No artigo “As Neuropsicoses de Defesa”,
traços marcantes da neurose obsessiva, que de 1894, o autor já descrevera o que cha-
possui outro traço marcante: o tabu do con- mou de “representações obsessivas”: afirma
tato. Neste artigo, buscaremos fazer uma co- que, quando aparece uma representação

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incompatível, ocorre uma defesa através da p.128). Freud afirma que “essas medidas de
separação entre a representação e o afeto; proteção logo parecem tornar-se insuficien-
a representação se mantém na consciência, tes contra a tentação, surgindo então as proi-
enfraquecida e isolada, enquanto o afeto, bições, cuja finalidade é manter à distância
“tornado livre, liga-se a outras representa- as situações que podem originar tentações”
ções que não são incompatíveis em si mes- (Idem, p.128). Para o autor, essas proibições
mas, e graças a essa ‘falsa ligação’, tais repre- acabarão por substituir os atos obsessivos.
sentações se transformam em representações No mesmo artigo, Freud descreve o des-
obsessivas” (FREUD, 1894, p.58). No mesmo locamento, mecanismo de defesa pelo qual
artigo, afirma que “a obsessão representa um ocorre uma “substituição do elemento real
substituto ou sucedâneo da representação e importante por um trivial” (Idem, p.129).
sexual incompatível, tendo tomado seu lugar Segundo o autor, esse mecanismo de defesa
na consciência” (Idem, p.59). “domina os processos mentais da neurose
No artigo “Observações Adicionais sobre obsessiva” (Idem, p.129).
as Neuropsicoses de Defesa”, de 1896, Freud Em 1908, no artigo “Caráter e Erotismo
classifica as idéias obsessivas como “auto- Anal”, Freud relaciona três traços de caráter
acusações transformadas que reemergiram – ordem, parcimônia e obstinação – às pes-
do recalcamento e que sempre se relacionam soas que classifica como “anal-eróticas”, com
com algum ato sexual praticado com pra- um erotismo anal fortemente estabelecido.
zer na infância” (FREUD, 1896, p.160) – o Observa-se, aqui, a identificação de traços
retorno do recalcado. Essas auto-acusações de caráter que serão, posteriormente, asso-
também são recalcadas através do sintoma ciados à neurose obsessiva.
primário de defesa (auto-desconfiança). Este Em 1909, Freud publica o artigo “Notas
acaba corroborando as auto-acusações: a au- sobre um Caso de Neurose Obsessiva”, onde
to-desconfiança e a auto-acusação se apóiam descreve o tratamento do paciente que fi-
mutuamente. Outros sintomas primários de caria conhecido como “Homem dos Ratos”.
defesa apontados por Freud são a conscien- O autor explica que as estruturas obsessivas
ciosidade e a vergonha. “podem ser classificadas como desejos, tenta-
Em 1907, no artigo “Atos Obsessivos e Prá- ções, impulsos, reflexões, dúvidas, ordens ou
ticas Religiosas”, Freud afirma que a pessoa proibições” (FREUD, 1909, p.223). Segundo
que tem uma compulsão sabe que seus atos Freud, a repressão se dá através da ruptura
obsessivos têm um sentido, mas não conse- das conexões causais por uma retirada da
gue compreender esse sentido. Para o autor, representação afetiva. Descreve, ainda, que
“o ato obsessivo serve para expressar moti- o neurótico obsessivo sente necessidade de
vos e idéias inconscientes” (FREUD, 1907, incerteza ou de dúvida; afirma que “a criação
p.126). Nos atos obsessivos existem compul- da incerteza é um dos métodos utilizados
sões e proibições, onde é possível perceber pela neurose a fim de atrair o paciente para
o sentimento inconsciente de culpa. Freud fora da realidade e isolá-lo do mundo” (Idem,
observa que “os atos cerimoniais e obsessi- p.233). Outras características comuns do
vos surgem, em parte, como uma proteção neurótico obsessivo, citadas pelo autor, são:
contra a tentação1 e, em parte, como prote- a onipotência do pensamento, do sentimen-
ção contra o mal esperado” que irá acontecer to e dos desejos (tanto bons quanto maus);
se a pessoa não fizer esse cerimonial (Idem, e o conflito na relação de amor e ódio. Nes-
se conflito, amor e ódio existem juntos, com
forte grau de intensidade, dirigidos à mesma
1. Por ‘tentação’, o autor se refere à influência do ins- pessoa – o ódio, contudo, fica reprimido no
tinto reprimido que tenta romper a repressão. inconsciente, ali permanecendo e podendo

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aparecer como sadismo. Para Freud, em um “uma formação reativa contra seus próprios
período bem precoce do desenvolvimento impulsos anal-eróticos e sádicos” (FREUD,
do indivíduo, amor e ódio estavam ligados; 1913, p.403).
depois, os opostos se separaram e o ódio foi Freud ressalta a importância dos impul-
reprimido. Para manter o ódio reprimido, o sos de ódio e do erotismo anal na formação
amor se torna de grande intensidade, como dos sintomas da neurose obsessiva. Para ele,
uma reação na tentativa de conter o ódio re- o que disporia a pessoa a apresentar neuro-
primido. Esse amor intenso e esse ódio (tam- se obsessiva seria uma regressão a um está-
bém intenso) reprimido conduzem a pessoa dio pré-genital, sádico e anal-erótico. Freud
a “uma paralisia parcial da vontade e uma afirma que “os neuróticos obsessivos têm de
incapacidade de se chegar a uma decisão a desenvolver uma supermoralidade a fim de
respeito de qualquer uma das ações para as proteger seu amor objetal da hostilidade que
quais o amor deve suprir a força motivadora” espreita por trás dele”, sendo a origem dessa
(Idem, p.242). Essa paralisia vai-se alastran- moralidade derivada “do fato de que, na or-
do para todo e qualquer comportamento da dem de desenvolvimento, o ódio é o precur-
pessoa. sor do amor” (Idem, p.408).
Freud ressalta o papel da compulsão e da No livro “Totem e Tabu”, publicado em
dúvida no neurótico obsessivo. Afirma que 1913, Freud estabelece pontos de concor-
“a dúvida corresponde à percepção interna dância entre as proibições dos neuróticos
que tem o paciente de sua própria indeci- obsessivos e os tabus dos povos primitivos.
são, a qual em conseqüência da inibição de Para Freud, “o tabu é uma proibição pri-
seu amor através de seu ódio, dele se apos- meva forçosamente imposta (por alguma
sa diante de qualquer ação intencionada” autoridade) de fora, e dirigida contra os an-
(Idem, p.242). A dúvida conduz à repetição seios a que estão sujeitos os seres humanos”
das medidas protetoras, com a finalidade (FREUD, 1913, p.55). O tabu é composto por
de expulsar a incerteza. A compulsão surge proibições e restrições relacionadas ao que é
como uma forma de compensar a dúvida, “sagrado”, “impuro”, “perigoso” e/ou “mis-
tentando corrigir as “intoleráveis condições terioso”, algo não explicado. Assim, um dos
de inibição das quais a dúvida apresenta tes- pontos de concordância com a neurose ob-
temunho” (Idem, p.244). Outras duas carac- sessiva é que, tanto as proibições obsessivas,
terísticas descritas pelo autor para o neuróti- quanto os tabus, são (aparentemente) des-
co obsessivo são a substituição do agir pelo tituídos de motivo. Na fonte das proibições
pensar e o pensamento sexualizado. Para (tanto no neurótico obsessivo, quanto nos
Freud, o pensamento obsessivo representa tabus dos povos primitivos) está uma hosti-
um ato de forma regressiva. lidade inconsciente, um impulso hostil con-
Em 1913, Freud escreve o artigo “A Dis- tra alguém (possivelmente, um ser amado),
posição à Neurose Obsessiva: uma Contri- que aparece como uma satisfação pela morte
buição ao Problema da Escolha da Neuro- desse alguém.
se”, no qual descreve a regressão de parte Para Freud, a sensação de culpa do neu-
das funções psíquicas a um estádio anterior rótico obsessivo “tem uma justificativa: está
do desenvolvimento do indivíduo – o cha- fundada nos intensos e freqüentes desejos de
mado “ponto de fixação”. O autor usa, pela morte contra os seus semelhantes que [se]
primeira vez, a expressão “organização pré- estão inconscientemente em ação dentro
genital”, identificando como seus impulsos dele” (Idem, p.109/110). Esses impulsos hos-
componentes o anal-erótico e o sádico. Ao tis reprimidos pela proibição se relacionam
descrever um caso, explica que a compulsão a qualquer ato que possa, por deslocamento,
por lavagem e limpeza do seu paciente era representar um ato hostil. A possibilidade

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de realização desse ato hostil conduz a um e expiações; e outro grupo composto por sa-
medo de uma ameaça de morte contra o ou- tisfações substitutivas. Explica que:
tro; assim, o desejo dá lugar ao medo.
Segundo Freud, o neurótico obsessivo A organização genital da libido vem a ser débil
apresenta, em sua forma de existir no mun- e insuficientemente resistente, de modo que,
do, traços de ambivalência – outro ponto de quando o ego começa seus esforços defensi-
concordância com o tabu. Freud afirma que vos, a primeira coisa que ele consegue fazer é
os sintomas, os atos obsessivos e as medidas lançar de volta a organização genital (da fase
defensivas são derivados de impulsos ambi- fálica), no todo ou em parte, ao nível anal-
valentes. Na ambivalência, existe um senti- sádico mais antigo. (FREUD, 1926, p.136)
mento intenso de afeição e uma intensa hos-
tilidade inconsciente. Essa afeição excessiva, Freud chamou a isso de “regressão”, clas-
que busca reprimir a hostilidade incons- sificando-a (e à formação reativa) entre os
ciente, apresenta-se no neurótico obsessivo “mecanismos de defesa”. Segundo ele, os
como uma solicitude que se repete compul- neuróticos obsessivos têm um superego ex-
sivamente. cessivamente severo e rude; o ego, que é for-
O autor declara que a principal proibição çado a se submeter ao superego, apresenta
na neurose obsessiva é a de tocar (“fobia de fortes formações reativas como consciên-
contato”). Essa proibição de tocar vai além do cia, piedade e asseio. Para Freud, o impulso
mero contato físico, abrange a expressão “es- agressivo está inconsciente para o ego, que
tar em contato com”. Freud afirma que “qual- só o percebe como “um ‘pensamento’ que
quer coisa que dirija o pensamento para o não desperta qualquer sentimento” (Idem,
objeto proibido, qualquer coisa que o coloque p.140). O afeto surge em lugar diferente e
em contato intelectual com ele, é tão proibida separado do pensamento. Segundo Freud,
quanto o contato físico direto”; complemen- o superego não percebe que ocorreu a re-
ta que “essa mesma extensão também ocorre pressão, não percebe que a idéia e o afeto
no caso do tabu” (Idem, p.47). A proibição é foram separados, acreditando estar em con-
consciente, já o desejo oculto (de fazer o que tato com “a verdadeira enunciação e o ple-
é proibido) é inconsciente. no caráter afetivo do impulso agressivo, e
Freud relaciona o tabu com essa “fobia de trata o ego em conformidade com isso”; já
contato”: no neurótico, a proibição se reves- o ego “que, por um lado, sabe ser inocente,
te de um caráter sexual; no tabu “o contato é obrigado, por outro lado, a ficar cônscio
proibido obviamente não deve ser entendi- de um sentimento de culpa e a arcar com
do num sentido exclusivamente sexual, mas uma responsabilidade pela qual não pode
sim no sentido mais geral de atacar, de obter responder” (Idem, p.140).
o controle, de afirmar-se” (Idem, p.95). Ao Freud descreve dois mecanismos de defe-
longo do texto, Freud termina por concluir sa que podem substituir a repressão: a anu-
que os obsessivos acabam se impondo um lação retroativa (desfazer o que foi feito) e o
tabu – o tabu do contato. Os neuróticos ob- isolamento. Para o neurótico obsessivo, a re-
sessivos gostariam de violar esse tabu, mas pressão não consegue alcançar a sua função
sentem medo de fazê-lo; violar o tabu signi- de mecanismo de defesa, pois o que ocorre
ficaria “entrar em contato”. é uma busca de satisfação através dos sin-
No livro “Inibições, Sintomas e Ansie- tomas. Na anulação retroativa, duas ações
dade”, publicado em 1926, Freud divide os ocorrem, sendo que a segunda ação cance-
sintomas da neurose obsessiva em 2 grupos: la a primeira, tentando, de forma mágica,
um grupo mais defensivo, “negativo dos sin- desfazê-la. No isolamento (característico da
tomas”, composto por proibições, precauções neurose obsessiva, segundo Freud),

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a experiência não é esquecida, mas em vez dis- to de defesa, abarcando todos os processos
so, é destituída de seu afeto, e suas conexões cujo objetivo é a proteção do ego contra as
associativas são suprimidas ou interrompidas, exigências pulsionais. Considera a repressão
de modo que permanece como isolada, não como um desses processos e a relaciona a
sendo reproduzida nos processos comuns do uma doença específica: a histeria (como vi-
pensamento. (Idem, p.144) mos anteriormente, para Freud a repressão
falha como mecanismo de defesa para o neu-
Para Freud, o neurótico obsessivo apre- rótico obsessivo).
senta um conflito entre o superego e o id, ra-
zão pela qual o ego busca afastar a inclusão Karl Abraham:
de fantasias inconscientes e a manifestação melancolia e neurose obsessiva
de tendências ambivalentes. Quando o ob- Karl Abraham escreveu alguns trabalhos so-
sessivo usa o isolamento (através dos atos bre psicose maníaco-depressiva, nos quais
mágicos, que se desenvolvem na forma de afirma que os casos de melancolia apresen-
sintomas), o que ele está buscando é impedir tam sintomas obsessivos e que os neuróticos
que ocorram associações e ligações do pen- obsessivos podem apresentar depressão.
samento, seguindo uma regra fundamental Tanto em seu artigo “Notas sobre a In-
da neurose obsessiva: o tabu do contato. O vestigação e o Tratamento Psicanalíticos
papel desse tabu é o de evitar o contato com da Psicose Maníaco-Depressiva e Estados
o objeto, seja do investimento amoroso, seja Afins”, de 1911, quanto no artigo “O Primei-
do investimento agressivo. Segundo Freud, “o ro Estágio Pré-Genital da Libido”, de 1916,
toque e o contato físico são a finalidade ime- o autor afirma que a melancolia e a neurose
diata das catexias objetais agressivas e amo- obsessiva têm como características a ambi-
rosas”. Assim, enquanto Eros deseja o conta- valência de sentimentos e o predomínio do
to para “tornar o ego e o objeto amado um sadismo em sua vida afetiva. No primeiro
só”, a destrutividade (Tanatos) também “deve artigo, Abraham explica que, na neurose ob-
pressupor contato físico, um engalfinhamen- sessiva, o amor e o ódio existem mutuamente
to” (Idem, p.145). O autor conclui que “a e interferem um no outro. O obsessivo tem
neurose obsessiva começa por perseguir o uma atitude hostil que enfraquece a capaci-
toque erótico e depois, após ter se verificado dade de amar, que é “privada de energia pela
a regressão, passa a perseguir o toque erótico depressão de seu ódio, ou, para ser mais pre-
à guisa de agressividade”; por isso, o obsessi- ciso, pela depressão do componente sádico
vo utiliza o isolamento como forma de defe- de sua libido, originalmente excessivamente
sa, pois “isolar é remover a possibilidade de forte” (ABRAHAM, 1911, p.34). No mesmo
contato; é um método de evitar que uma coi- artigo, Abraham declara que “os impulsos
sa seja tocada de qualquer maneira” (Idem, são também reprimidos no neurótico obses-
p.145). Ao isolar uma determinada impres- sivo; uma vez que não pode atuar em confor-
são, o neurótico obsessivo está isolando os midade com os seus instintos originais, ele
pensamentos referentes a essa impressão dos inconscientemente se entrega a fantasias de
demais pensamentos, impedindo que entre ser capaz de matar através de pensamentos”
eles se faça um contato associativo. (Idem, p.41). O neurótico obsessivo sente a
Ainda no mesmo texto, nos Adendos, ameaça de perder seu objeto mas, apesar de
Freud escreve sobre repressão e defesa, ex- suas atitudes hostis para com o objeto, ele o
plicando que, na neurose obsessiva, “as ocor- mantém, já o melancólico o abandona. No
rências patológicas não são esquecidas”; elas artigo de 1916, Abraham explica que “em
“permanecem conscientes, mas são ‘isola- contraste com os desejos sádicos do neu-
das’” (Idem, p.188). Ele reintroduz o concei- rótico obsessivo, o desejo inconsciente do

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melancólico é destruir seu objeto amoroso, Melanie Klein:


comendo-o” (ABRAHAM, 1916, p.78). a angústia psicótica infantil
No artigo “Breve Estudo do Desenvolvi- Melanie Klein, em seu livro “Psicanálise da
mento da Libido, Visto à Luz das Perturba- Criança”, publicado em 1932, descreve que “a
ções Mentais”, de 1924, Abraham divide a neurose obsessiva é apenas um dos métodos
fase anal em duas: uma primeira fase anal de cura tentado pelo ego a fim de superar esta
expulsiva e uma fase anal retentiva poste- precoce angústia psicótica infantil” (KLEIN,
rior. Na fase anal expulsiva, o sadismo apa- 1932, p.218, nota 30). Essa primeira situação
rece sob a forma de destruição do objeto, de angústia decorre dos estados precoces de
buscando expelir esse objeto. Na fase anal desenvolvimento da criança, onde o sadismo
retentiva, o sadismo surge como um contro- está fortemente presente (Klein chama esse
le do objeto, buscando retê-lo, conservá-lo. período de “a fase do sadismo máximo”) e o
No nível mais antigo (fase anal expulsiva), superego é severo e aterrorizante. Essas situa-
faz-se um rompimento no estabelecimento ções surgem por volta da metade do primeiro
de relações com objetos. O neurótico ob- ano de vida e consistem de “medos a objetos
sessivo regride para o nível posterior da fase violentos (isto é, devoradores, dilaceradores,
anal (com tendências conservadoras), onde castradores), tanto externos como introjeta-
é possível estabelecer uma forma de contato dos” (Idem, p.212). Durante essa fase de sa-
com o objeto. Abraham afirma que se pode dismo, a criança imagina ter feito ataques ao
detectar na compulsão à ordem e à limpeza corpo da mãe; isso causa na criança um sen-
“a cooperação de instintos sádicos sublima- timento de culpa e o medo de ser destruído e
dos”; por outro lado, “a ordem compulsiva é atacado por objetos externos e introjetados.
ao mesmo tempo uma expressão do desejo Na neurose obsessiva, o superego que se faz
de dominação do paciente”, onde ele “exerce presente é o superego aterrorizante desse es-
poder sobre as coisas” e “as força dentro de tado precoce de desenvolvimento; por isso, o
um sistema rígido e formal” (ABRAHAM, superego do obsessivo é tão rigoroso.
1924, p.92). Assim, os neuróticos obsessivos A autora associa a angústia psicótica in-
almejam possuir o objeto, controlá-lo e não fantil provocada por essas situações de pe-
expulsá-lo. rigo ao começo das obsessões e da neurose
Abraham, nos artigos “Contribuição à obsessiva. Aponta o estádio anal-secundário
Teoria do Caráter Anal”, de 1921, e “A In- como o ponto de partida para a neurose
fluência do Erotismo Oral na Formação do obsessiva e situa entre os dois períodos do
Caráter”, de 1924, afirma que as pessoas de estádio anal a linha de demarcação entre a
caráter anal apresentam as seguintes ca- psicose e a neurose. Klein afirma que o neu-
racterísticas (que se aplicam aos neuróticos rótico obsessivo tem “medo de ser destruído
obsessivos): rabugice; distância, reserva; ou atacado por seus objetos introjetados”, o
comportamento conservador que se opõe às que o faz ter “a necessidade compulsiva de
mudanças; perseverança, persistência; pro- controlar e dominar suas imagos, e como
crastinação, hesitação; teimosia; meticulo- nunca pode, efetivamente, fazê-lo, procura,
sidade; as relações de vida se dão na cate- ao invés disso exercer sua tirania sobre os
goria de ter e dar – posse; em relação ao di- objetos-externos” (Idem, p.224).
nheiro, sua atitude ora é de parcimônia, ora Melanie Klein menciona, na mesma
é de avareza; sente prazer em possuir uma obra, um trecho do livro “Totem e Tabu” de
massa de material armazenado que corres- Freud, e afirma que “os atos obsessivos são
ponde ao prazer na retenção das fezes, em uma contramagia, um escudo contra desejos
fazer índices e classificações e em compilar maus (isto é, desejos de morte), e ao mesmo
relações e resumos estatísticos. tempo, atos sexuais” (Idem, p.229). Para em-

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basar sua argumentação sobre esses “desejos A relação obsessiva oferece um caminho
maus-desejos de morte”, a autora cita outro para o problema de, por um lado, ter o de-
trecho do mesmo artigo de Freud, onde ele sejo, a necessidade de estabelecer uma rela-
diz que o sentimento de culpa está funda- ção e, por outro lado, sentir o temor pela sua
mentado nos desejos inconscientes de morte intimidade ao se estabelecer a relação. Esse
contra seus semelhantes. Klein declara que a caminho é, segundo Bouvet, uma “relação
culpabilidade relaciona-se aos impulsos des- à distância”, pois essa intimidade é tão peri-
trutivos e não aos libidinais e incestuosos. gosa para o sujeito como para o objeto: para
o sujeito, porque pode provocar sua própria
Maurice Bouvet: a “relação à distância” destruição; para o objeto, porque, “nesse mo-
Em seu artigo “O Ego na Neurose Obsessiva: mento em que o componente erótico da re-
Relação de Objeto e Mecanismos de Defesa”, de lação se transforma como consequência do
1952, Maurice Bouvet descreve que a relação estado de frustração permanente, em uma
de objeto obsessiva é composta por relações de pulsão agressiva, o sujeito sente seu desejo
destruição e relações libidinais que se estabe- pelo objeto como essencialmente destrui-
lecem através de condutas agressivas. O autor dor” (Idem, p.87).
caracteriza essa relação de objeto como narci- Bouvet ressalta o papel da agressividade
sista e ambivalente, afirmando que “o sujeito na neurose obsessiva, pois ela dificulta que o
se interessa pelo objeto apenas em função do sujeito estabeleça uma relação com o objeto.
acréscimo do sentimento de si que sua posse Essa dificuldade surge através da agressivi-
lhe proporciona, em função do papel imedia- dade do próprio sujeito e, também, através
to que representa ante a ele e da necessidade das “qualidades agressivas que confere, por
inextinguível de possuí-lo” (BOUVET, 1952, causa da projeção inconsciente de sua pró-
p.77). O sujeito não leva em consideração os pria agressividade, ao objeto de seu desejo”
desejos e as necessidades do outro, estando o (Idem, p.93). O autor afirma que o obsessivo
par amor-ódio no cerne desse tipo de relação. vive uma angústia que está vinculada a um
Bouvet concorda com Melanie Klein, “medo de destruição retaliativa dos desejos
apontando a técnica obsessiva “como uma de aproximação vividos como agressivos,
última tentativa para manter relações com tais como a regressão os conformou” (Idem,
a realidade” e afirmando que, por ter uma p.95). O verdadeiro perigo contra qual lu-
significação destruidora e também uma par- tam os obsessivos é o perigo da agressivida-
cela de relação de objeto libidinal, “a relação de “ligada ao desejo de aproximação” (Idem,
obsessiva protege o sujeito contra a psicose” p.101). Nessa agressividade, os neuróticos
(Idem, p.83). Nessa relação de objeto obses- obsessivos expressam tanto amor como
siva, o sujeito projeta no objeto um desejo ódio; utilizando-se do mecanismo da proje-
agressivo, que pertence ao sujeito. O objeto é ção, “vivem o outro como eles são”; embora
percebido pelo sujeito como um personagem necessitem muito do outro, “têm medo desse
perigoso, destruidor, onipotente, devorador, outro” (Idem, p.122).
cruel, com um desejo de poder sem limites
– essas mesmas características também são André Green:
percebidas em si mesmo. O autor acredita investimento destrutivo e separação
que o obsessivo busca encontrar esse per- No artigo “Metapsicologia da Neurose Ob-
sonagem mas, ao mesmo tempo, se esquiva sessiva”, de 1965, André Green diferencia
dele, pois, sendo esse objeto o lugar de pro- investimento agressivo de investimento des-
jeção de seu desejo agressivo, o sujeito teme trutivo. O investimento agressivo, “muito
ser “vítima da retaliação de tal desejo contra estreitamente ligado ao investimento eró-
ele” (Idem, p.85). tico, manifesta-se na descarga do gozo, por

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um contato estreito com o objeto” (GREEN, necido por ele, podemos montar o seguinte
1965, p.222). No investimento destrutivo esquema: interação J intimidade J invasão
(também chamado pelo autor de “investi- J agressão por parte do outro J ansiedade
mento pela pulsão de destruição”), embora por medo dessa agressão J medo do conta-
a agressividade se dirija para o objeto ima- to, principalmente da agressão que pode vir
ginário, como no investimento agressivo, desse contato.
“o sujeito evita a todo custo a produção de H. afirma que, para entrar em relação
tal circunstância e o empenho, de sua par- com alguém, é necessária uma certa distân-
te, de todas as possibilidades de luta” (Idem, cia. H. tem amigos, mas ninguém o conhece
p.222). Green afirma que esse investimento profundamente. Gosta de ter amigos, mas
destrutivo é característico, tanto da neurose não gosta que eles conheçam sua casa, sua
obsessiva, como da melancolia. Assim, o ob- vida particular. Ele sente a necessidade de ter
sessivo “age segundo a função da pulsão de amigos, mas a uma certa distância. Sua fala
destruição no sentido da separação, disso que entra em acordo com as idéias de Maurice
se opõe à união, ao entrar em contato com Bouvet sobre a “relação à distância”, na qual
o objeto fantasmático ou com suas represen- o individuo tem a necessidade de estabele-
tações”; a orientação dos contra-investimen- cer relações e, ao mesmo tempo, sente temor
tos teria por objetivo “evitar o encontro nos pela intimidade. A agressividade demons-
pensamentos de representações de palavras, trada por H. ao se relacionar com os outros
de coisas e de afetos relativos ao desejo e ao dificulta que ele estabeleça uma relação com
seu objeto” (Idem, p.222). Segundo o autor, o objeto. Bouvet afirma que essa agressivida-
esse é um trabalho permanente de controle, de, na verdade, é a agressividade do próprio
supervisão e filtragem de tudo aquilo que é sujeito, que é projetada no objeto de sua re-
percebido e pensado pelo sujeito. lação.
H. não consegue gritar, fala bem baixo,
Caso clínico aceita tudo sem reclamar de nada, coloca-
H., de 28 anos, morava com seu pai, sua mãe se nas relações de forma passiva e, por isso,
e seus dois irmãos mais velhos. Seu pai era não consegue mudar algumas situações que
agressivo com sua mãe e gostava muito de o incomodam, passando a se sentir inferior.
beber. Quando ele chegava em casa à noi- Sua agressividade não aparece diretamente
te, bêbado, H. ficava sempre atento, ansioso em suas conversas; no curso da análise, sur-
por temer que seu pai agredisse sua mãe. Por giu apenas quando afirmou que gostaria que
temer essa agressão, H. acabou se fechando sua mãe morresse e o seu irmão sumisse para
para o contato com o mundo externo. Ele é assim poder melhorar sua vida. Nesse mo-
hoje uma pessoa muito reservada, que gosta mento, pela primeira vez, expressou o desejo
de estar só e teme a intimidade pois, para ele, da morte de sua mãe – foi sua primeira ex-
na intimidade pode acontecer uma invasão. pressão da pulsão de morte.
H. afirma que tem medo de contato devido H. afirma que todas as pessoas que ele co-
à agressão relacionada a esse contato, ele tem nhece avançam na vida, só ele que não avan-
medo da agressão. Não gosta de multidão. ça; por isso, julga-se inferior. Todo mundo é
Sente-se triste por estar só, mas gosta de ser sociável, só ele não é. Segundo Melanie Klein,
assim. os impulsos destrutivos (como o desejo de
Esse paciente ilustra bem a questão do morte da mãe, sentido por H.) provocam no
tabu do contato como uma forma de evitar sujeito o surgimento do sentimento de culpa.
a pulsão de morte: evitar o contato é uma No caso de H., essa culpa o faz sentir-se infe-
forma de evitar a angústia que é gerada por rior aos outros. Os impulsos destrutivos não
esse contato. A partir do material que foi for- são colocados para fora, nos objetos[,] e, en-

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Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X Pulsão de Morte

tão, o sujeito não agride aos outros, agride a presentação afetiva da pulsão, produzindo
si mesmo, desvalorizando-se através de auto- uma dissociação entre o discurso e o afeto.
acusações, através do sentimento de menos As conexões associativas entre idéia e afeto
valia. são suprimidas ou interrompidas, de modo
H. quer mostrar aos outros que é feliz, que idéia e afeto permanecem isolados um
sorrindo enquanto tenta esconder sua triste- do outro, sua ligação se mantendo incons-
za, sua raiva. Entrando em contato com os ciente. Isolar é uma forma de evitar o conta-
outros, vai acabar mostrando tanto sua tris- to. O ego do obsessivo tenta manter afasta-
teza como sua raiva e isso ele não quer. das as fantasias inconscientes e as tendências
ambivalentes. Se o obsessivo tentasse refazer
Observações finais as conexões associativas entre idéia e afeto,
Este artigo buscou fazer uma conexão entre entraria em contato com o que não quer ver
o tabu de contato e a pulsão de morte. Des- – seus impulsos agressivos, sua pulsão de
crevemos o percurso das idéias de Sigmund morte. Então, ele suprime essas conexões e,
Freud sobre a neurose obsessiva, desde o através da formação reativa, torna-se o “mais
artigo de 1894, o primeiro em que trata do limpo” ou o “mais ordeiro”, buscando o dese-
tema, até o livro publicado em 1926. jo impossível de perfeição.
Podemos traçar uma divisão das fases de Para Freud, o obsessivo apresenta três
Freud: características: parcimônia, ordem e obsti-
– 1894-1905: experiência sexual prazero- nação. Quando a pessoa declara “eu sou o
sa ativa e retorno do recalcado; mais limpo”, está buscando uma satisfação
– 1905-1913: erotismo e sadismo anal; narcísica, uma forma de evitar o contato
– 1913 em diante: enfatiza o superego, com o pensamento de ser uma pessoa suja e
tornado mais cruel e severo pelo sadismo e bagunceira, evitar o contato com sua pulsão
pelo erotismo anal. de morte, pois a agressividade que sente gera
A grande questão do neurótico obses- uma angústia que pode tirá-lo da realidade.
sivo é a de como lidar com a agressão, sua Esse discurso é marcado pela ambivalência:
dificuldade é de vivenciar uma relação onde “eu sou o mais limpo” quer dizer, na verdade,
ele mesmo é o agressor. Podemos, nesse “eu sou o mais sujo”; ou então, “eu o amo”
momento, falar de pulsão de morte, a qual, significa “eu o odeio”.
por ter se desfusionado, dificulta o contato O neurótico obsessivo sente amor e ódio;
e o interagir com o outro. O tabu de contato é por isso que a dúvida é um traço do obses-
do obsessivo é, na verdade, o tabu de entrar sivo, é a dúvida do seu próprio amor. O amor
em contato com os seus próprios impulsos fica inibido pelo ódio, fazendo-o duvidar do
agressivos. Esses impulsos surgem na forma seu amor. Existem, concomitantemente, um
de autodestruição ou na forma de destrui- amor intenso e um ódio também intenso;
ção do outro. O obsessivo evita, ao mesmo este último fica reprimido no inconsciente,
tempo, o contato com impulsos amorosos desenvolvendo, também de modo intenso,
(pulsão de vida) e com impulsos agressivos componentes sádicos que persistem no in-
(pulsão de morte) pois, através do contato consciente sob a forma de ódio. Esse amor e
com os investimentos amorosos, podem sur- esse ódio intenso, inconsciente e reprimido
gir os investimentos agressivos. Cria-se um provocam uma paralisia parcial da vontade
sistema de proibições, no qual aparece o tabu e uma falta de capacidade de se tomar uma
de contato. decisão sobre quaisquer ações, seja das ações
O neurótico obsessivo usa o mecanismo relacionadas ao amor, seja das relacionadas
de defesa do isolamento, onde há uma sepa- ao ódio. Devido a essa dúvida sobre o amor,
ração entre a representação ideativa e a re- o obsessivo tem dificuldade em relação ao

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toque, vivenciando uma relação à distância. característica do obsessivo é o sadismo, que


Ao travar contato com o objeto, acredita re- pode aparecer através do pensamento de ma-
almente que, através da onipotência do seu tar alguém. H. pensa em matar a mãe, mas
pensamento, pode destruí-lo. Inconsciente- não age para fazê-lo.
mente, cria uma fantasia de ser capaz de ma- Abraham afirma que os obsessivos regri-
tar com o poder do pensamento. O pensa- dem para o nível posterior da fase anal, de
mento, para o obsessivo, substitui o agir. Ele tendências conservadoras, onde buscam
pensa em se relacionar, mas não o faz; não possuir e controlar o objeto. H. sabe que sua
age, porque qualquer ação pode provocar o mãe poderia viver sem ele, mas viveria mal,
que ele mais teme e mais deseja: o contato. porque ele se colocou no lugar da pessoa que
No caso clínico descrito anteriormente, toma conta do dinheiro dela, da sua casa,
H. gosta de estar só, mas gostaria de ser lem- no lugar da pessoa responsável por ela. Ela,
brado pelos amigos, ou seja, quer a compa- de certa forma, precisa dele; isso lhe permi-
nhia de seus amigos. Quer contato, mas teme te controlar a vida de sua mãe. Abraham
esse contato, estabelecendo uma relação à declara que os obsessivos conseguem esta-
distância. O que o faz temer esse contato é belecer uma forma de contato com o objeto
a agressão que está relacionada ao contato. – H., por vezes, consegue estabelecer esse
Tem medo da agressão que ele julga que vi- contato.
ria do outro, mas o que realmente teme é Melanie Klein situa entre os dois períodos
sua própria agressividade. Outro aspecto do do estádio anal a linha de demarcação entre
contato que H. teme é a intimidade e a inva- a psicose e a neurose. Isso também já fora
são que provém dessa intimidade. De novo, dito por Abraham, quando afirmou que, no
surge a questão da agressividade: essa inva- período mais antigo da fase anal, faz-se um
são é um receio de que ele seja tomado pelo rompimento no estabelecimento da relação
que é do outro, receio de que o outro, ao en- de objeto e, no período posterior, é possível
trar em contato com ele, o agrida. Podemos estabelecer um contato com o objeto. Klein
dizer que H. apresenta o tabu de contato tal declara que, durante a fase máxima do sa-
como descrito neste artigo, como uma forma dismo, a criança imagina ter feito ataques ao
de evitar a pulsão de morte que, para ele, está corpo da mãe, o que lhe causa medo de ser
presente em qualquer forma de relação. atacada e destruída por objetos internos e
H. comenta que pensa em se matar, sente- externos, como se estes estivessem retalian-
se deprimido, por vezes de forma cíclica e por do os ataques que sofreram. Isso provoca na
períodos. Quando está deprimido, quer ficar criança uma vivência de situação de perigo e
só, sem ver ninguém. Não procura os amigos uma angústia que a autora chamou de “psi-
e, quando é procurado por eles, não aceita o cótica”. Klein afirma, categoricamente, que o
convite por diversas vezes, até chegar o pon- obsessivo tem medo de ser destruído ou ata-
to em que os amigos desistem de chamá-lo. cado por seus objetos introjetados. É o que
Tudo para ele dá trabalho – está cansado. O acontece com H., que tem medo de ser ata-
comportamento de H. pode exemplificar a cado ou destruído quando entra em relação
afirmação de Karl Abraham de que os melan- com o outro. Ainda segundo Klein, o obses-
cólicos apresentam sintomas obsessivos e os sivo sente uma necessidade de controlar suas
obsessivos apresentam depressão. Abraham imagos; não conseguindo, resolve dominar
também afirma que a ambivalência é perti- os objetos externos. H. tem dificuldade em se
nente tanto à neurose obsessiva quanto à me- controlar e passa a exercer o controle sobre
lancolia. H. gosta e cuida da mãe mas, por a família, que depende de H. para tudo. Ele
vezes, pensa que sua mãe podia morrer para está cansado por causa disso; mas, no fundo,
ele poder cuidar de sua própria vida. Outra gosta muito de estar no controle.

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Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X Pulsão de Morte

Maurice Bouvet destaca o papel da agres- de contato e a pulsão de morte. Green afir-
sividade na neurose obsessiva e confirma ma que, tanto na neurose obsessiva como na
o que já fora dito por Melanie Klein: que o melancolia, aparece um investimento pela
obsessivo vive uma angústia relacionada a pulsão de destruição. Bouvet define a relação
um medo de destruição retaliativa dos de- de objeto obsessiva como composta por rela-
sejos de aproximação, vividos como agressi- ções de destruição e relações libidinais, que
vos. Segundo esse autor, o obsessivo sente o se estabelecem através de condutas agressi-
perigo da agressividade ligada ao desejo de vas. Klein afirma que o obsessivo tem “dese-
aproximação. O obsessivo teme o contato jos maus”, desejos de morte, que provocam
porque, quando tenta a aproximação, pode sentimento de culpa. Abraham fala de uma
demonstrar agressividade ao sentir nessa re- atitude hostil que enfraquece a capacidade de
lação um estado de frustração permanente. O amar. Freud, em 1913, já falava de uma am-
que era componente erótico torna-se pulsão bivalência, de um amor intenso, de um ódio
agressiva. Ao entrar em relação, em contato intenso, inconsciente e reprimido e de uma
com o outro, e se sentir frustrado, portanto, hostilidade inconsciente; em 1926, quando já
agressivo, teme que o outro resolva retaliar tinha escrito sobre a pulsão de vida e a pulsão
o suposto ataque sofrido. Por isso, não tenta de morte, afirma que, no obsessivo, o impul-
mais entrar em contato, criando um tabu de so agressivo está inconsciente para o ego, que
contato para não mais sentir a agressividade só o percebe como pensamento, não desper-
que é parte inerente de qualquer relação. O tando qualquer sentimento, porque, devido
obsessivo, ao temer a agressividade do outro, ao isolamento, a idéia se separou do afeto.
está temendo a própria agressividade. A fim de evitar que essa conexão associati-
Para André Green, a pulsão de destruição va fosse refeita, surge o tabu de contato, que
quer evitar que o sujeito encontre o objeto, evita o contato do objeto com os investimen-
enquanto o investimento agressivo, vincula- tos amorosos (pulsão de vida) e os agressivos
do ao investimento erótico, quer encontrar o (pulsão de morte).
objeto. Para conseguir fazer a separação en-
tre o sujeito e seu objeto de desejo, exige-se Abstract
um controle do que é percebido e pensado This article, based on Sigmund Freud’s, Karl
pelo sujeito. Qualquer forma de contato, do Abraham’s, Melanie Klein’s, Maurice Bouvet’s
mais superficial ao mais profundo, passa pelo and André Green’s ideas about obsessive neu-
crivo do controle. Isso é exatamente o que faz rosis, seek to understand the conection betwe-
o obsessivo: procura ter controle sobre o que en death instinct and the contact taboo cha-
pensa, fala e, principalmente, sente; não per- racteristic of this pathology. It is also presented
mite espaço para o imprevisto, o inesperado. a clinic case that ilustrates several aspects rela-
Se o obsessivo usa o controle como uma for- ted to the subject.
ma de filtrar, é para evitar que, no aconteci-
mento de uma situação inesperada, surja um Keywords: Obsessive neurosis, Contact taboo,
afeto – seja de amor, seja de ódio – com o Death instinct.
qual ele tenha que lidar, não estando prepa-
rado para isso. O neurótico obsessivo tenta
controlar as situações, na busca de evitar o
contato com o amor ou com o ódio.

Conclusão
Verificamos, portanto, que os diversos auto-
res citados fazem uma conexão entre o tabu

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Neurose Obsessiva: Tabu do Contato X Pulsão de Morte

SOBRE A AU TOR A

Natalia Gonçalves Galucio Sedeu


Psicóloga. Psicanalista. Especialista em Psicoterapia In-
fanto-Juvenil pelo IFF/FIOCRUZ. Membro Efetivo do
Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção RJ (CBP-RJ)

Endereço para correspondência:


Praia do Flamengo, 194/1002 – Flamengo
22210-030 – Rio de Janeiro/RJ
Tel.: (21)2225-6701
E-mail: sedeu@yahoo.com

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