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Por que as notícias são como são? 3
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4 Jorge Pedro Sousa
A notícia comporta informação com sen- 73-129) há a considerar várias "teorias", que
tido compreensível num determinado mo- podem ser resumidas da seguinte maneira:
mento histórico e num determinado meio
sócio-cultural. Se dentro de um contexto • Teorias do espelho
um determinado facto emerge da superfí- Com base nesta explicação, as notícias
cie plana da realidade, sendo percepcionado são vistas como o espelho da realidade,
como notável e, portanto, como um acon- conforme a ideologia profissional clás-
tecimento digno de se tornar notícia (Ro- sica dos jornalistas.
drigues, 1988), noutro contexto esse mesmo
facto pode passar despercebido por não ter • Teoria da acção pessoal ou do gatekee-
um enquadramento que permita observá-lo per
como um facto notável, ou seja, como um Esta explicação nasce da metáfora do
acontecimento, como veremos neste artigo7 . gatekeeping aplicada à produção de in-
Finalmente, a notícia só se esgota no mo- formação jornalística. De acordo com
mento do seu consumo, já que é nesse mo- esta explicação, as notícias resultam da
mento que ela produz efeitos e passa a fazer selecção de acontecimentos, com base
parte dos referentes da realidade. Esses refe- nas opções particulares de cada jorna-
rentes são a parte da realidade que formam a lista selector.
imagem que os sujeitos constroem da reali-
dade. Por isso, a construção de sentido para • Teoria organizacional
uma notícia depende da interacção percep- A teoria organizacional enfatiza que as
tiva, cognoscitiva e até afectiva que os sujei- notícias são o resultado das condicio-
tos com ela estabelecem8 . nantes organizacionais em que são fa-
bricadas, como as hierarquias, as for-
mas de socialização e aculturação dos
4 Tendência “divisionista” para
jornalistas, a rede de captura de aconte-
a explicação das notícias cimentos que o órgão jornalístico lança
Há autores que consideram que as explica- sobre o espaço, os recursos humanos e
ções que têm sido avançadas para explicar os financeiros desse órgão, a respectiva po-
formatos e conteúdos das notícias são insufi- lítica editorial, etc.
cientes para se edificar uma teoria do jorna-
• Teoria da acção política
lismo e por vezes são também antagónicas e
contraditórias. O mais referenciado defensor Segundo Traquina, os defensores desta
lusófono desta tese é, provavelmente, Nelson explicação sustentam que as notícias
Traquina (2001; 2002). Para Traquina (2002: distorcem a realidade, embora pudes-
sem ser o seu espelho. Há duas ver-
é e quem não é jornalista, o que é ou não é um meio sões desta "teoria". Uma delas afirma
jornalístico.
7
Para sustentação e aprofundamento deste argu-
que as notícias são dissonantes da rea-
mento, consulte-se Sousa (2000; 2002). lidade porque os jornalistas, sem auto-
8
Para sustentação e aprofundamento deste argu- nomia, estão sujeitos a um controle ide-
mento, consulte-se Sousa (2000; 2002). ológico e mesmo conspirativo que leva
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caradas como uma construção social, para explicar as notícias que temos e por que
sendo limitadas pela natureza da rea- elas são como são, mas em conjunto revelam
lidade, mas registando aspectos tangí- todo o seu poder explicativo:
veis dessa realidade. As notícias regis-
tam também os constrangimentos orga- • Acção pessoal
nizacionais, os enquadramentos e narra- As notícias são um produto das pessoas
tivas culturais que governam a expres- e das suas intenções.
são jornalística, as rotinas que orientam
e condicionam a produção de notícias, • Acção social
os valores-notícia e as negociações en- As notícias são um produto das organi-
tre jornalistas e fontes de informação. zações noticiosas, da sua forma de se
adaptarem ao meio e dos seus constran-
Como é visível, as diferentes "teorias"que
gimentos, independentemente das in-
aqui foram referidas não têm fronteiras
tenções pessoais dos intervenientes no
muito bem definidas. Há entre elas pon-
processo jornalístico de produção de in-
tes, pontos de contacto, explicações comuns.
formação.
Aquilo que as une é mais importante do que
aquilo que eventualmente as separa. Usando • Acção cultural
os mesmos dados de Traquina, é possível te-
As notícias são um produto da cultura e
cer uma teia explicativa global para as no-
dos limites do concebível que uma cul-
tícias - é uma questão de sistematizar esses
tura impõe, independentemente das in-
dados. Este é um dos principais argumentos
tenções pessoais e dos constrangimen-
que sustenta as teses "unionistas".
tos organizacionais.
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de pensamento, pela heurística cogni- uma teoria unificada dos conteúdos notici-
tiva, por valores e características pesso- osos, ligada, ademais, aos efeitos desses
ais, pela concepção que os intervenien- conteúdos. Tal como no livro Gatekeeping
tes no processo têm do seu papel social, (1991), de Shoemaker, os autores de Media-
etc. ting the Message estruturam a sua teoria da
notícia em vários níveis de influência:
• Entre o nível individual e um terceiro
nível, o processo é influenciado pelas • Influências dos trabalhadores dos me-
rotinas produtivas; dia;
• A um nível organizacional, o processo • Influências das rotinas produtivas;
de selecção e produção de informação é
constrangido pelas características orga- • Influências organizacionais;
nizacionais (recursos, hierarquias, etc.),
pelos processos organizacionais de so- • Influências do meio externo às organi-
cialização dos jornalistas e pelas dinâ- zações noticiosas;
micas próprias que a organização noti- • Influências ideológicas.
ciosa estabelece com o meio;
Conforme é notório, em relação ao tra-
• A um nível social, institucional, extra-
balho de Shoemaker de 1991 os autores re-
organizacional, o processo de gatekee-
conhecem a importância da ideologia como
ping é influenciado pelas fontes de in-
um factor capaz de influenciar o conteúdo
formação, pelas audiências, pelos mer-
das notícias. Agregando as ideias de Shoe-
cados, pelas entidades publicitárias, pe-
maker e Reese às de Schudson, e tendo em
los poderes políticos, judiciais, etc., pe-
conta as perspectivas "divisionistas"de Tra-
los lóbis, pelos serviços de relações pú-
quina (2001; 2002), é possível perceber que
blicas, por outros meios jornalísticos,
numa coisa os estudiosos do jornalismo es-
etc.
tão de acordo: os resultados das pesquisas
Resumindo, ao explicar o processo de ga- colocam em evidência que factores de natu-
reza pessoal, social (organizacional e extra-
tekeeping Pamela Shoemaker montou as ba-
organizacional), ideológica e cultural enfor-
ses para a edificação de uma teoria unificada
mam e constrangem as notícias. Uma teoria
capaz de explicar o processo jornalístico de
unificada do jornalismo tem de partir desse
produção de informação, com base na in-
teracção de diferentes forças. Mais tarde, património comum de conhecimento cientí-
Pamela Shoemaker e Stephen Reese (1991; fico sobre jornalismo.
1996) voltaram a essa temática, tendo com-
plementado e aprofundado a explicação ini- 6 Circulação, consumo e efeitos
cial de Shoemaker. Do trabalho de 1996, pu- das notícias
blicado sob a forma de livro (Mediating the
Message - Theories of Influences on Mass Uma teoria unificada do jornalismo e da no-
Media Content), resultou a construção de tícia fica incompleta se não lhe for agregada
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As notícias são fruto das dinâmicas e Os resultados das pesquisas que têm
dos constrangimentos do sistema so- vindo a ser produzidas sobre o campo
cial (força social extra-organizacional jornalístico permitem alicerçar a teoria
- Fseo)), particularmente do meio orga- aqui sumariamente apresentada11 . Vejamos
nizacional em que foram construídas e alguns exemplos, necessariamente de forma
fabricadas (força sócio-organizacional muito resumida:
- Fso).
Força pessoal
• Força ideológica
Desde que White (1950) lançou os estudos
As notícias são originadas por conjun- com base na útil metáfora do gatekeeping
tos de ideias que moldam processos so- que se estuda o papel do jornalista, enquanto
ciais, proporcionam referentes comuns pessoa individual, na conformação da notí-
e dão coesão aos grupos, normalmente cia. No seu estudo pioneiro, o autor concluiu
em função de interesses, mesmo quando 11
Nos livros de Sousa (2000; 2002), Shoemaker e
esses interesses não são conscientes e
Reese (1991; 1996) e Shoemaker (1991) encontram-
assumidos. se abundantes referências aos resultados das pesqui-
sas sobre jornalismo, sistematizados de acordo com a
tese apresentada.
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que a selecção das notícias é um processo marcas das fontes, o que é manifestamente
subjectivo, fortemente influenciado pelas ex- uma forma de manifestação pessoal sobre as
periências, valores e expectativas do gateke- notícias, os jornalistas não são meros agen-
eper. Essas ideias foram revistas, no sen- tes passivos perante as fontes, negociando
tido de enfatizar factores como os constran- com elas informações e seus significados.
gimentos organizacionais, mas não foram Por este motivo, e uma vez que há contactos
abandonadas. Por exemplo, os estudos sobre entre a organização noticiosa e as fontes
“o que vai na mente"dos jornalistas, nomea- através dos jornalistas, as relações entre
damente no campo do papel das cognições, estes e as fontes de informação podem
mostram que há, intencional ou involunta- melhor situar-se na esfera social extra-
riamente, influências pessoais sobre as notí- organizacional.
cias. Stocking e Gross (1989) provaram que
os jornalistas fazem um uso adaptado de ro- Força Social
tinas cognitivas que lhes são familiares para A pesquisa tem demonstrado que, in-
organizar as informações e produzir sentido dependentemente da vontade dos jornalis-
e tendem a procurar e seleccionar informa- tas, apenas uma pequena parcela de fac-
ções que confirmam as suas convicções. tos se converte em notícia. Os estudos so-
A auto-imagem que cada jornalista tem do bre newsmaking lançam alguma luz sobre
seu papel pessoal pode, igualmente, ser um esse fenómeno, enfatizando vários mecanis-
factor influente na selecção de informação. mos que transcendem a acção pessoal do jor-
Por exemplo, Johnstone, Slawski e Bowman nalista, entre os quais a força social, que
(1972) mostraram que alguns jornalistas se se pode situar em diferentes níveis: uma
consideravam “neutros”, perspectivando as força sócio-organizacional (que se refere
suas profissões como meros canais de trans- aos constrangimentos decorrentes das or-
missão, e que outros se viam como "parti- ganizações noticiosas) e uma força social
cipantes", acreditando que os jornalistas ne- extra-organizacional (referente a todos os
cessitam de pesquisar para descobrir e de- constrangimentos que influenciam o jorna-
senvolver as histórias. A auto-imagem que lismo a partir do exterior).
cada jornalista tem do seu papel influencia, Ao nível organizacional, as notícias são
portanto, a construção das notícias. influenciadas por factores como a rede que
As rotinas produtivas situam-se a meio ca- estendem para pescar acontecimentos dig-
minho entre a força pessoal e a força so- nos de se tornarem notícia (Tuchman, 1978),
cial, pois correspondem a formas mecanicis- o desejo de lucro (Gaunt, 1990), os meca-
tas pessoais de proceder, embora esses meca- nismos de socialização que impelem os jor-
nicismos representem, igualmente, uma ma- nalistas a seguir as normas organizacionais
neira de os jornalistas se defenderem de crí- (Breed, 1955), a competição entre editores
ticas e de as organizações noticiosas fazerem e editorias (Sigal, 1973), os recursos huma-
estrategicamente face ao imprevisto e conse- nos e materiais (Sousa, 1997), a hierarquia e
guirem garantir que o produto informativo se a organização internas (Sousa, 1997), a di-
faz (Tuchman, 1972; 1978). mensão e a burocracia interna (Shoemaker
Se bem que as notícias possam reter
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mas de noticiar, criando novos géneros jor- contribuiu para o aparecimento dos primei-
nalísticos – os infográficos. No patamar dos ros jornais generalistas (Álvarez, 1992).
conteúdos, o jornalismo assistido por com- Outros factores históricos marcaram o de-
putador e as redes informáticas, em parti- senvolvimento do jornalismo. Por exemplo,
cular a Internet, dão também ao jornalista ao longo dos anos tem-se assistido ao alar-
novos instrumentos de busca de informação gamento do conjunto de temas noticiáveis,
que ajudam transformar as notícias. Mas a devido, entre outras razões, à evolução dos
Internet também tem diminuído a importân- frames culturais (Álvarez, 1992). A influên-
cia da figura do jornalista como gestor pri- cia das vitaminas na saúde dificilmente seria
vilegiado dos fluxos de informação no meio um tema eleito para notícia há décadas atrás,
social. Há, porém, a considerar que a so- mas agora é-o. Nos anos sessenta, a corrente
brecarga informativa também pode não ser que ficou conhecida por (segundo) “Novo
benéfica e aproveitável para o cidadão, pelo Jornalismo”, por seu turno, contribuiu para
que os jornalistas, no futuro, poderão ter um colocar a perspectiva do jornalista, necessa-
importante papel a desempenhar como ana- riamente subjectiva e impressiva, no centro
listas e selectores de informação. da enunciação noticiosa. A evolução recente
Com a introdução dos computadores do jornalismo para a análise (v.g., Barnhurst
tornou-se também mais fácil e de difícil e Mutz, 1997) terá beneficiado desse movi-
detecção manipular digitalmente imagens e mento, tal como terá beneficiado de factores
até criá-las (Sousa, 1997). como a televisão, onde o jornalista-vedeta
assume uma posição central.
Força histórica Um registo curioso da evolução histó-
Os diferentes tipos de forças que enfor- rica do jornalismo pode delinear-se a par-
mam a notícia num determinado momento tir da tese do primeiro doutor em Comuni-
fizeram-se igualmente sentir ao longo da his- cação, Tobias Peucer. Peucer debruçou-se,
tória. Por seu turno, a evolução histórica em 1690, sobre a forma de relatar notícias,
reflecte-se sobre esses mesmos factores na tendo identificado alguns fenómenos paleo-
actualidade. Pode-se, assim, dizer que as no- jornalísticos antigos. Por exemplo, antigos
tícias que temos são fruto da história. Vá- gregos, como Homero, ou antigos romanos,
rios dados fundamentam a minha asserção. como Júlio César, já usavam nas suas narra-
Por exemplo, os avanços nos processos de tivas formas de estruturação textual (dispo-
transmissão e difusão de informação trouxe- sitio) semelhantes à técnica da pirâmide in-
ram novas formas de noticiar. O critério de vertida. O próprio Peucer, na sua tese douto-
noticiabilidade da “actualidade” ganhou uma ral, intitulada De Relationibus Novellis, pro-
dimensão mais relevante a partir do apareci- punha que no relato “noticioso” se respei-
mento do telégrafo. Por outro lado, e ainda a tassem escrupulosamente as regras que man-
título exemplificativo, a urbanização e a or- davam indicar o sujeito, objecto, causa, ma-
ganização do território permitiram a concen- neira, lugar e tempo. Estes elementa narra-
tração de consumidores de informação em tionis acabam por corresponder às seis ques-
núcleos urbanos, facilitando a distribuição de tões a que tradicionalmente se dá resposta na
jornais. Este factor, aliado à alfabetização, notícia: “Quem?”, “O Quê?”, “Quando?”,
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16 Jorge Pedro Sousa
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