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Por que as notícias são como são?

Construindo uma teoria da notícia


Jorge Pedro Sousa
Universidade Fernando Pessoa

Índice do processo jornalístico de produção de


informação e dos efeitos das notícias.
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . 1
2 Ciência e teoria . . . . . . . . . . 2 Palavras-chave: teoria do jornalismo; no-
3 Notícia . . . . . . . . . . . . . . . 2 tícia; produção de informação.
4 Tendência “divisionista” para a
explicação das notícias . . . . . . 4
5 Tendência "unionista"para a expli- 1 Introdução
cação das notícias . . . . . . . . . 6 Nem todos os pesquisadores do jornalismo
6 Circulação, consumo e efeitos das estão de acordo sobre um tópico vital: existe
notícias . . . . . . . . . . . . . . 7 ou não conhecimento científico e reflexivo
7 Uma teoria da notícia unificada, suficiente para se edificar uma teoria do jor-
segundo Sousa . . . . . . . . . . . 9 nalismo, centrada no processo de produção,
8 Bibliografia . . . . . . . . . . . . 15 circulação e efeitos da informação jornalís-
tica? Uma outra questão tem também sido
levantada: podem-se integrar numa única te-
Resumo oria os resultados de pesquisas efectuadas
segundo perspectivas diferentes ou até anta-
Entendendo por notícia toda a produção gónicas? Este artigo tem por objectivo su-
jornalística, este artigo sustenta que já existe mariar diferentes contributos para o entendi-
matéria-prima suficiente para se edificar mento do jornalismo e dos seus efeitos, ar-
uma teoria da notícia (ou do jornalismo) gumentando que esses contributos se podem
centrada na resposta às questões "por que é integrar numa única teoria da notícia – ou do
que as notícias são como são (e não são de jornalismo.
outra maneira)?", "por que temos as notícias Uma teoria da notícia deve responder a
que temos (e não temos outras notícias)?", cinco questões centrais, reduzíveis a duas:
"como circula a notícia e que efeitos gera?". – Por que é que as notícias são como são e
Para se atingir esse objectivo, faz-se uma por que é que temos as notícias que temos?
revisão de alguns conceitos e resultados
de pesquisas centrais para a compreensão
2 Jorge Pedro Sousa

– Como circula a notícia, como é consu- para o carácter de universalidade da ciên-


mida e quais os seus efeitos? cia. Deve ainda prever como qualquer no-
Responder a cada uma destas grandes in- tícia será construída e quais os efeitos gené-
terrogações permite delimitar duas grandes ricos que gerará (ainda que estes dependam
áreas centrais da teoria do jornalismo: a da de cada receptor), pois outra das marcas do
produção da notícia; e a da circulação e con- conhecimento científico é a predição.
sumo da notícia, ou seja, dos efeitos da notí- Para que uma teoria científica seja cons-
cia. truída, têm de existir dados suficientes para
se poder enunciá-la com certeza e clareza.
Uma teoria científica do jornalismo não po-
2 Ciência e teoria
derá fugir a esta regra. Contudo, uma teo-
Não existe acordo sobre se as ciências soci- ria do jornalismo, como qualquer teoria ci-
ais e humanas são ou não "científicas". Régis entífica, manterá a sua vigência enquanto
Debray, por exemplo, propõe que a midialo- não ocorrerem fenómenos que a contradi-
gia seja apenas considerada uma disciplina gam, pois o conhecimento científico, que é
séria e não uma ciência1 . Sousa (2003), por construído, como qualquer outro tipo de co-
seu turno, entende que para as ciências da nhecimento, é marcado pela possibilidade de
comunicação se considerarem ciências de- refutação e, portanto, pela revisibilidade.
vem rejeitar a reflexão filosófica como mé-
todo, afastando-se da filosofia para assumi-
3 Notícia
rem um enquadramento eminentemente ci-
entífico. Isto implica que o objectivo das ci- Uma teoria científica tem de delimitar con-
ências da comunicação seja procurar chegar ceptualmente os fenómenos que explica ou
a leis científicas universais, nem que sejam prevê. A teoria do jornalismo deve ser vista
probabilísticas, usando técnicas e métodos essencialmente como uma teoria da notícia,
de pesquisa científicos. No entanto, ambas já que a notícia é o resultado pretendido do
as concepções pressupõem que é possível es- processo jornalístico de produção de infor-
tabelecer teorias, entendidas como explica- mação. Dito por outras palavras, a notícia
ções integradas para fenómenos comprova- é o fenómeno que deve ser explicado e pre-
damente correlacionados. visto pela teoria do jornalismo e, portanto,
Uma teoria científica do jornalismo deve qualquer teoria do jornalismo deve esforçar-
procurar integrar diversos fenómenos do se por delimitar o conceito de notícia.
campo jornalístico, enfatizando o resultado É preciso também notar que o conceito
do processo de produção jornalística – a de notícia tem uma dimensão que podería-
notícia. Assim, uma teoria do jornalismo mos classificar como táctica e uma dimen-
deve explicar as notícias e os seus efeitos, são que poderíamos classificar como estraté-
qualquer que seja a notícia, o que remete gica. A dimensão táctica esgota-se na teo-
1
ria dos géneros jornalísticos. Nessa dimen-
Debray em entrevista a Adelino Gomes, publi-
cada no suplemento Mil Folhas do jornal Público, a são, distingue-se notícia de outros géneros,
23 de Novembro de 2002. como a entrevista ou a reportagem. Todavia,
a dimensão estratégica encara a notícia como

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todo o enunciado jornalístico. Esta opção é dade e de factualidade. Essa representação


aquela que interessa à teoria do jornalismo é, antes de mais, indiciática4 . A notícia indi-
enquanto teoria que procura explicar as for- cia os aspectos da realidade que refere. Ao
mas e os conteúdos do produto jornalístico. mesmo tempo, a notícia indicia as circuns-
Complementando uma definição de notí- tâncias da sua produção. Ou seja, entre no-
cia dada por Sousa (2000; 2002), pode dizer- tícia, realidade e circunstâncias de produção
se que uma notícia é um artefacto linguístico há um vínculo de contiguidade. Mas a no-
que representa determinados aspectos da rea- tícia pode também ter estabelecer relações
lidade, resulta de um processo de construção de semelhança com a realidade que referen-
onde interagem factores de natureza pessoal, cia. Por esse motivo, a notícia pode assumir
social, ideológica, histórica e do meio físico igualmente uma dimensão icónica5 , corres-
e tecnológico, é difundida por meios jorna- pondente, aliás, à própria ambição de iconi-
lísticos e comporta informação com sentido cidade dos jornalistas que a produzem, ou
compreensível num determinado momento seja, à vontade de o enunciado produzido
histórico e num determinado meio sócio- (notícia) ser semelhante à realidade enunci-
cultural, embora a atribuição última de sen- ada.
tido dependa do consumidor da notícia. Vários factores interferem na construção
A notícia é um artefacto linguístico por- da notícia. A natureza indiciática da notícia,
que é uma construção humana baseada na ou seja, o facto de na notícia estarem indici-
linguagem, seja ela verbal ou de outra na- adas as circunstâncias da sua produção, per-
tureza (como a linguagem das imagens). A mite determinar esses factores, nos quais se
notícia nasce da interacção entre a realidade devem basear as explicações que se dão para
perceptível, os sentidos que permitem ao ser explicar por que temos as notícias que temos
humano “apropriar-se” da realidade, a mente e por que as notícias são como são. Na te-
que se esforça por apreender e compreender oria unificada do jornalismo que neste texto
essa realidade e as linguagens que alicerçam se sustenta, esses factores podem ser de na-
e traduzem esse esforço cognoscitivo. tureza pessoal, social, ideológica, histórica
As notícias ocupam-se com as aparências e do meio físico e tecnológico.
dos fenómenos que ocorrem na realidade so- Uma teoria do jornalismo deve ocupar-se
cial e com as relações que aparentemente es- unicamente da notícia enquanto fenómeno
ses fenómenos estabelecem entre si. A no- jornalístico, isto é, deve ocupar-se dos enun-
tícia não espelha a realidade porque as li- ciados que são produzidos por jornalistas
mitações dos seres humanos e as insufici- credenciados e que são veiculados em espa-
ências da linguagem o impedem2 . Por isso, ços jornalísticos por meios jornalísticos6 .
a notícia contenta-se em representar3 parce- 4
Recorre-se aqui à clássica divisão dos signos es-
las da realidade, independentemente da von- tabelecida por Peirce.
tade do jornalista, da sua intenção de ver- 5
Também pode funcionar como símbolo, mas esta
2
discussão já transcende os objectivos da presente de-
Para uma melhor compreensão deste fenómeno, finição de notícia.
consulte-se a tese doutoral de José Rodrigues dos San- 6
Para efeitos deste artigo, é estéril debater as fron-
tos (2001). teiras do jornalismo, o que é e não é jornalismo, quem
3
Alguns semióticos dizem mesmo simular.

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A notícia comporta informação com sen- 73-129) há a considerar várias "teorias", que
tido compreensível num determinado mo- podem ser resumidas da seguinte maneira:
mento histórico e num determinado meio
sócio-cultural. Se dentro de um contexto • Teorias do espelho
um determinado facto emerge da superfí- Com base nesta explicação, as notícias
cie plana da realidade, sendo percepcionado são vistas como o espelho da realidade,
como notável e, portanto, como um acon- conforme a ideologia profissional clás-
tecimento digno de se tornar notícia (Ro- sica dos jornalistas.
drigues, 1988), noutro contexto esse mesmo
facto pode passar despercebido por não ter • Teoria da acção pessoal ou do gatekee-
um enquadramento que permita observá-lo per
como um facto notável, ou seja, como um Esta explicação nasce da metáfora do
acontecimento, como veremos neste artigo7 . gatekeeping aplicada à produção de in-
Finalmente, a notícia só se esgota no mo- formação jornalística. De acordo com
mento do seu consumo, já que é nesse mo- esta explicação, as notícias resultam da
mento que ela produz efeitos e passa a fazer selecção de acontecimentos, com base
parte dos referentes da realidade. Esses refe- nas opções particulares de cada jorna-
rentes são a parte da realidade que formam a lista selector.
imagem que os sujeitos constroem da reali-
dade. Por isso, a construção de sentido para • Teoria organizacional
uma notícia depende da interacção percep- A teoria organizacional enfatiza que as
tiva, cognoscitiva e até afectiva que os sujei- notícias são o resultado das condicio-
tos com ela estabelecem8 . nantes organizacionais em que são fa-
bricadas, como as hierarquias, as for-
mas de socialização e aculturação dos
4 Tendência “divisionista” para
jornalistas, a rede de captura de aconte-
a explicação das notícias cimentos que o órgão jornalístico lança
Há autores que consideram que as explica- sobre o espaço, os recursos humanos e
ções que têm sido avançadas para explicar os financeiros desse órgão, a respectiva po-
formatos e conteúdos das notícias são insufi- lítica editorial, etc.
cientes para se edificar uma teoria do jorna-
• Teoria da acção política
lismo e por vezes são também antagónicas e
contraditórias. O mais referenciado defensor Segundo Traquina, os defensores desta
lusófono desta tese é, provavelmente, Nelson explicação sustentam que as notícias
Traquina (2001; 2002). Para Traquina (2002: distorcem a realidade, embora pudes-
sem ser o seu espelho. Há duas ver-
é e quem não é jornalista, o que é ou não é um meio sões desta "teoria". Uma delas afirma
jornalístico.
7
Para sustentação e aprofundamento deste argu-
que as notícias são dissonantes da rea-
mento, consulte-se Sousa (2000; 2002). lidade porque os jornalistas, sem auto-
8
Para sustentação e aprofundamento deste argu- nomia, estão sujeitos a um controle ide-
mento, consulte-se Sousa (2000; 2002). ológico e mesmo conspirativo que leva

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os media noticiosos a agirem como um e normalizada, em função da ideologia


instrumento ao serviço da classe domi- dominante-hegemónica.
nante e do poder. Por isso, para esses
teóricos as notícias dão uma visão direi- • Teoria construcionista
tista, liberal e conservadora do mundo e A explicação construcionista para as
contribuem para a sustentação do statu notícias é mais elaborada do que as an-
quo. A outra versão sustenta que os me- teriores. Para os académicos que per-
dia noticiosos são instrumentos da ide- filham essa explicação, as notícias são
ologia dos jornalistas. Estes são vistos histórias que resultam de um processo
como quase totalmente autónomos em de construção, linguística, organizacio-
relação aos diversos poderes. As notí- nal, social, cultural, pelo que não po-
cias seriam enviesadas da realidade por- dem ser vistas como o espelho da rea-
que reflectem as convicções ideológicas lidade, antes são artefactos discursivos
e políticas dos jornalistas e as suas ide- não ficcionais -indiciáticos- que fazem
ologias profissionais. Como os jornalis- parte da realidade e ajudam-na a cons-
tas, para esses pensadores, são maiori- truir e reconstruir. Assim, o conceito
tariamente de esquerda, as notícias ten- de distorção é visto como inadequado
dem a privilegiar uma visão esquerdista e as atitudes políticas dos jornalistas -
do mundo. observados como relativamente autóno-
mos, embora constrangidos pela lingua-
• Teoria estruturalista gem, pelas organizações noticiosas, pe-
De acordo com esta explicação, as notí- las negociações com as fontes, etc.- não
cias são um produto socialmente cons- são entendidas como um factor determi-
truído que reproduz a ideologia domi- nante no processo jornalístico de produ-
nante e legitima o statu quo. Isto ção de informação. As rotinas são vistas
acontece porque os jornalistas e os ór- como o resultado de um esforço orga-
gãos de comunicação social têm uma nizacional para assumir uma vantagem
reduzida margem de autonomia, cul- estratégica.
tivam uma cultura rotinizada e buro-
cratizada e estão sujeitos ao controle • Teoria interaccionista
da classe dominante, proprietária dos De acordo com esta linha explicativa,
meios de comunicação, que vincula os as notícias resultam de um processo de
media às suas (primeiras) definições percepção, selecção e transformação de
dos acontecimentos. As rotinas pro- acontecimentos em notícias, sob a pres-
dutivas são vistas como uma cedência são do tempo, por um corpo de pro-
ao domínio dos poderosos. As notícias fissionais relativamente autónomo e au-
condensam essa relação estrutural en- torizado, que partilha de uma cultura
tre os media e os definidores de sen- comum. Os jornalistas são vistos não
tido para os acontecimentos e ajudam como observadores passivos, mas sim
a construir uma sociedade consensual como participantes activos na constru-
ção da realidade. As notícias são en-

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caradas como uma construção social, para explicar as notícias que temos e por que
sendo limitadas pela natureza da rea- elas são como são, mas em conjunto revelam
lidade, mas registando aspectos tangí- todo o seu poder explicativo:
veis dessa realidade. As notícias regis-
tam também os constrangimentos orga- • Acção pessoal
nizacionais, os enquadramentos e narra- As notícias são um produto das pessoas
tivas culturais que governam a expres- e das suas intenções.
são jornalística, as rotinas que orientam
e condicionam a produção de notícias, • Acção social
os valores-notícia e as negociações en- As notícias são um produto das organi-
tre jornalistas e fontes de informação. zações noticiosas, da sua forma de se
adaptarem ao meio e dos seus constran-
Como é visível, as diferentes "teorias"que
gimentos, independentemente das in-
aqui foram referidas não têm fronteiras
tenções pessoais dos intervenientes no
muito bem definidas. Há entre elas pon-
processo jornalístico de produção de in-
tes, pontos de contacto, explicações comuns.
formação.
Aquilo que as une é mais importante do que
aquilo que eventualmente as separa. Usando • Acção cultural
os mesmos dados de Traquina, é possível te-
As notícias são um produto da cultura e
cer uma teia explicativa global para as no-
dos limites do concebível que uma cul-
tícias - é uma questão de sistematizar esses
tura impõe, independentemente das in-
dados. Este é um dos principais argumentos
tenções pessoais e dos constrangimen-
que sustenta as teses "unionistas".
tos organizacionais.

5 Tendência "unionista"para a Ao reconhecer as insuficiências das expli-


explicação das notícias cações unidimensionais e ao cruzar essas ex-
plicações para explicar por que é que as notí-
Em 1988, Michael Schudson escreveu que as cias são como são, Michael Schudson dá pis-
teorias unidimensionais não conseguem ex- tas para se alicerçar uma teoria unificada do
plicar as notícias. "As explicações para as jornalismo, no que diz respeito ao processo
notícias serem o que são só terão interesse de produção de informação.
se pressupomos que não é óbvio as notícias Por seu turno, ao estudar o processo de ga-
serem o que são. Se estivermos convencidos tekeeping no jornalismo, Pamela Shoemaker
de que as notícias apenas espelham o mundo (1991), baseada nos resultados de pesquisas
exterior ou que simplesmente imprimem os anteriores, deu conta da existência de diver-
pontos de vista da classe dominante, nesse sos factores que influenciam esse processo.
caso não é necessário mais nenhuma expli- Esses factores foram agregados pela autora
cação."(Schudson, 1988: 17) Por isso, para em quatro níveis de influência:
compreender as notícias, segundo Schudson
(1988), há que conciliar várias explicações. • A um nível individual, o processo de
Isoladas, essas explicações são insuficientes gatekeeping é influenciado por modelos

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de pensamento, pela heurística cogni- uma teoria unificada dos conteúdos notici-
tiva, por valores e características pesso- osos, ligada, ademais, aos efeitos desses
ais, pela concepção que os intervenien- conteúdos. Tal como no livro Gatekeeping
tes no processo têm do seu papel social, (1991), de Shoemaker, os autores de Media-
etc. ting the Message estruturam a sua teoria da
notícia em vários níveis de influência:
• Entre o nível individual e um terceiro
nível, o processo é influenciado pelas • Influências dos trabalhadores dos me-
rotinas produtivas; dia;
• A um nível organizacional, o processo • Influências das rotinas produtivas;
de selecção e produção de informação é
constrangido pelas características orga- • Influências organizacionais;
nizacionais (recursos, hierarquias, etc.),
pelos processos organizacionais de so- • Influências do meio externo às organi-
cialização dos jornalistas e pelas dinâ- zações noticiosas;
micas próprias que a organização noti- • Influências ideológicas.
ciosa estabelece com o meio;
Conforme é notório, em relação ao tra-
• A um nível social, institucional, extra-
balho de Shoemaker de 1991 os autores re-
organizacional, o processo de gatekee-
conhecem a importância da ideologia como
ping é influenciado pelas fontes de in-
um factor capaz de influenciar o conteúdo
formação, pelas audiências, pelos mer-
das notícias. Agregando as ideias de Shoe-
cados, pelas entidades publicitárias, pe-
maker e Reese às de Schudson, e tendo em
los poderes políticos, judiciais, etc., pe-
conta as perspectivas "divisionistas"de Tra-
los lóbis, pelos serviços de relações pú-
quina (2001; 2002), é possível perceber que
blicas, por outros meios jornalísticos,
numa coisa os estudiosos do jornalismo es-
etc.
tão de acordo: os resultados das pesquisas
Resumindo, ao explicar o processo de ga- colocam em evidência que factores de natu-
reza pessoal, social (organizacional e extra-
tekeeping Pamela Shoemaker montou as ba-
organizacional), ideológica e cultural enfor-
ses para a edificação de uma teoria unificada
mam e constrangem as notícias. Uma teoria
capaz de explicar o processo jornalístico de
unificada do jornalismo tem de partir desse
produção de informação, com base na in-
teracção de diferentes forças. Mais tarde, património comum de conhecimento cientí-
Pamela Shoemaker e Stephen Reese (1991; fico sobre jornalismo.
1996) voltaram a essa temática, tendo com-
plementado e aprofundado a explicação ini- 6 Circulação, consumo e efeitos
cial de Shoemaker. Do trabalho de 1996, pu- das notícias
blicado sob a forma de livro (Mediating the
Message - Theories of Influences on Mass Uma teoria unificada do jornalismo e da no-
Media Content), resultou a construção de tícia fica incompleta se não lhe for agregada

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a componente dos efeitos das notícias. Sho- O modelo da dependência desenvolvido


emaker e Reese (1991; 1996: 258-260), por por Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993)
exemplo, chamam a atenção para a necessi- tem também a vantagem de sistematizar
dade de se interligarem os efeitos das notí- muito pertinentemente os efeitos da comu-
cias e as influências sobre os conteúdos no- nicação social e, portanto, das notícias. Es-
ticiosos numa teoria unificada da notícia (ou ses efeitos circunscrevem-se a três catego-
do jornalismo). Os autores argumentam -e rias: efeitos cognitivos, efeitos afectivos e
bem- que é necessário conhecer os conteú- efeitos comportamentais. A grande vanta-
dos das notícias para se perceberem os res- gem desta sistematização é facultar a inte-
pectivos efeitos; e que só se percebem os gração de diversas "teorias"dos efeitos nes-
efeitos quando se conhecem os conteúdos. sas três grandes macro-categorias.
Por outras palavras, pode-se dizer que a notí-
cia apenas se esgota na sua fase de consumo, • Efeitos cognitivos
que é, precisamente, a fase em que produz As notícias produzem efeitos cognitivos
efeitos. Além disso, Shoemaker e Reese pois moldam as percepções que se têm
(1991; 1996: 260) realçam que os efeitos das da realidade ("teorias"da construção so-
notícias sobre a sociedade, as instituições e cial da realidade), podendo mesmo le-
os poderes podem, por sua vez, repercutir-se var as pessoas a tomarem atitudes e
retroactivamente sobre os meios jornalísticos formarem cognições mais baseadas nos
e, portanto, sobre as notícias e os seus con- conteúdos das notícias do que na pró-
teúdos. pria realidade ("teoria"do cultivo); con-
A concepção dos efeitos das notícias deve tribuem para a formação de atitudes
partir da teoria da dependência, pela primeira e para a socialização e a aculturação
vez proposta por Ball-Rokeach e DeFleur ("teorias"da socialização pelos media);
(1976). Para estes autores, os meios de co- reforçam ou colocam em questão de-
municação, nos quais se incluem os meios terminadas crenças; cultivam valores
jornalísticos, são a principal fonte de infor- e propõem a adesão ou a rejeição de
mação que a sociedade tem sobre si mesma. novos valores (teoria do cultivo); ge-
São também os meios de comunicação os ram o agendamento público de temá-
agentes mais relevantes para pôr em contacto ticas relevantes para a vida das pes-
os múltiplos subsistemas sociais. Assim, as soas ("teorias"do agenda-setting e da
pessoas, os grupos, as organizações e a soci- tematização); concorrem para a aqui-
edade em geral dependem dos meios de co- sição de conhecimentos e para o au-
municação para se manterem informados e mento ou diminuição da distância que
para receberem orientações relevantes para separa as pessoas em termos de conhe-
a vida quotidiana. Quanto mais uma soci- cimento ("teoria"do distanciamento so-
edade está sujeita à instabilidade ou à mu- cial); levam a que por vezes as pessoas
dança, mais as pessoas, os grupos e as orga- pensem que pertencem a grupos mai-
nizações dependem da comunicação social oritários por verem constantemente as
para compreenderem o que acontece, rece- suas ideias e modos de vida reflectidos
berem orientações e saberem como agir. nos media, ou, pelo contrário, levam as

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pessoas a pensarem que estão isoladas É necessário ter-se em consideração que


ou pertencem a grupos minoritários por quando se fala de efeitos das notícias se fala
não verem as suas ideias e modos de de efeitos possíveis ou mesmo prováveis a
vida reflectidos nos media, tendendo a larga escala. No entanto, convém não igno-
silenciar-se ("teoria"da espiral do silên- rar que, em última análise, os efeitos de uma
cio), etc.9 notícia são relativos, pois dependem de cada
consumidor da mesma em particular10 .
• Efeitos afectivos
As notícias provocam emoções e senti-
7 Uma teoria da notícia
mentos. Mesmo dirigidas à razão, co-
lateralmente atingem a emoção. Esta unificada, segundo Sousa
é uma das explicações para o facto de Uma teoria científica deve ser formulada de
as pessoas, por vezes, consumirem acti- maneira breve, simples, clara e, se possí-
vamente informação jornalística de ma- vel, matematizada. Por exemplo, a teoria da
neira a sentirem-se gratificadas ("teo- relatividade explicita que a energia é direc-
ria"dos usos e gratificações). As no- tamente proporcional ao produto da massa
tícias também podem contribuir para a pelo quadrado da velocidade da luz (E =
atenuação ou intensificação dos afectos, mc2 ). Assim, tendo essa ideia em consi-
por exemplo, através da exposição pro- deração, e recorrendo aos contributos expli-
longada a mensagens violentas, no pri- cativos das notícias de Shoemaker e Reese
meiro caso, ou através de mensagens (1991; 1996) e de Schudson (1988), Sousa
afectivas, no segundo caso; podem con- (1997; 2000; 2002) procurou construir uma
correr para o desenvolvimento de sen- teoria unificada da notícia que ultrapassasse
timentos de medo e insegurança e até algumas insuficiências detectáveis nos mo-
de ansiedade e pânico; e ainda podem delos de Schudson e de Shoemaker e Re-
ter efeitos ao nível da moral e da alie- ese (1991; 1996) e fosse enunciada de forma
nação, pelo fomento da integração ou, breve, clara e matemática.
pelo contrário, da desagregação de gru- A teoria unificada da notícia de Sousa tem
pos, organizações e dos membros de o seguinte enunciado: a notícia é o resul-
uma sociedade em geral. tado da interacção simultaneamente histórica
e presente de forças de matriz pessoal, social
• Efeitos comportamentais
(organizacional e extra-organizacional), ide-
As notícias podem ter efeitos sobre a ológica, cultural, do meio físico e dos dis-
conduta das pessoas, activando ou de- positivos tecnológicos, tendo efeitos cogni-
sactivando comportamentos. Os efei- tivos, afectivos e comportamentais sobre as
tos comportamentais são a consequên- pessoas, o que por sua vez produz efeitos de
cia dos efeitos cognitivos e afectivos. mudança ou permanência e de formação de
9
Para uma abordagem mais exaustiva destas teo- 10
Para uma mais completa argumetnação, consul-
rias, consulte-se Sousa (2003) ou Sousa (2000). tar Sousa (2000) ou Sousa (2003).

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referências sobre as sociedades, as culturas e • Força cultural


as civilizações. As notícias são um produto do sistema
A tradução matemática da parte da teo- cultural em que são produzidas, que
ria que diz respeito à construção da notícia condiciona quer as perspectivas que se
é uma função em que N (notícia) é direc- têm do mundo quer a significação que
tamente proporcional ao produto das forças se atribui a esse mesmo mundo (mundi-
atrás citadas - pessoal, sócio-organizacional, vidência).
extra-organizacional, ideológica, cultural,
histórica, do meio físico e dos dispositivos • Força do meio físico
tecnológicos: As notícias dependem do meio físico
em que são fabricadas.
N = f (Fp.Fso.Fseo.Fi.Fc.Fh.Fmf.Fdt.Fh)
• Força dos dispositivos tecnológicos
As forças constantes da equação podem
As notícias dependem dos dispositivos
ser definidas das seguintes maneiras:
tecnológicos usados no seu processo de
• Força pessoal (Fp) fabrico.

As notícias resultam parcialmente das • Força histórica


pessoas e das suas intenções, da capa- As notícias são um produto da história,
cidade pessoal dos seus autores e dos durante a qual agiram as restantes for-
actores que nela e sobre ela intervêm. ças que enformam as notícias que exis-
• Força social tem no presente.

As notícias são fruto das dinâmicas e Os resultados das pesquisas que têm
dos constrangimentos do sistema so- vindo a ser produzidas sobre o campo
cial (força social extra-organizacional jornalístico permitem alicerçar a teoria
- Fseo)), particularmente do meio orga- aqui sumariamente apresentada11 . Vejamos
nizacional em que foram construídas e alguns exemplos, necessariamente de forma
fabricadas (força sócio-organizacional muito resumida:
- Fso).
Força pessoal
• Força ideológica
Desde que White (1950) lançou os estudos
As notícias são originadas por conjun- com base na útil metáfora do gatekeeping
tos de ideias que moldam processos so- que se estuda o papel do jornalista, enquanto
ciais, proporcionam referentes comuns pessoa individual, na conformação da notí-
e dão coesão aos grupos, normalmente cia. No seu estudo pioneiro, o autor concluiu
em função de interesses, mesmo quando 11
Nos livros de Sousa (2000; 2002), Shoemaker e
esses interesses não são conscientes e
Reese (1991; 1996) e Shoemaker (1991) encontram-
assumidos. se abundantes referências aos resultados das pesqui-
sas sobre jornalismo, sistematizados de acordo com a
tese apresentada.

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Por que as notícias são como são? 11

que a selecção das notícias é um processo marcas das fontes, o que é manifestamente
subjectivo, fortemente influenciado pelas ex- uma forma de manifestação pessoal sobre as
periências, valores e expectativas do gateke- notícias, os jornalistas não são meros agen-
eper. Essas ideias foram revistas, no sen- tes passivos perante as fontes, negociando
tido de enfatizar factores como os constran- com elas informações e seus significados.
gimentos organizacionais, mas não foram Por este motivo, e uma vez que há contactos
abandonadas. Por exemplo, os estudos sobre entre a organização noticiosa e as fontes
“o que vai na mente"dos jornalistas, nomea- através dos jornalistas, as relações entre
damente no campo do papel das cognições, estes e as fontes de informação podem
mostram que há, intencional ou involunta- melhor situar-se na esfera social extra-
riamente, influências pessoais sobre as notí- organizacional.
cias. Stocking e Gross (1989) provaram que
os jornalistas fazem um uso adaptado de ro- Força Social
tinas cognitivas que lhes são familiares para A pesquisa tem demonstrado que, in-
organizar as informações e produzir sentido dependentemente da vontade dos jornalis-
e tendem a procurar e seleccionar informa- tas, apenas uma pequena parcela de fac-
ções que confirmam as suas convicções. tos se converte em notícia. Os estudos so-
A auto-imagem que cada jornalista tem do bre newsmaking lançam alguma luz sobre
seu papel pessoal pode, igualmente, ser um esse fenómeno, enfatizando vários mecanis-
factor influente na selecção de informação. mos que transcendem a acção pessoal do jor-
Por exemplo, Johnstone, Slawski e Bowman nalista, entre os quais a força social, que
(1972) mostraram que alguns jornalistas se se pode situar em diferentes níveis: uma
consideravam “neutros”, perspectivando as força sócio-organizacional (que se refere
suas profissões como meros canais de trans- aos constrangimentos decorrentes das or-
missão, e que outros se viam como "parti- ganizações noticiosas) e uma força social
cipantes", acreditando que os jornalistas ne- extra-organizacional (referente a todos os
cessitam de pesquisar para descobrir e de- constrangimentos que influenciam o jorna-
senvolver as histórias. A auto-imagem que lismo a partir do exterior).
cada jornalista tem do seu papel influencia, Ao nível organizacional, as notícias são
portanto, a construção das notícias. influenciadas por factores como a rede que
As rotinas produtivas situam-se a meio ca- estendem para pescar acontecimentos dig-
minho entre a força pessoal e a força so- nos de se tornarem notícia (Tuchman, 1978),
cial, pois correspondem a formas mecanicis- o desejo de lucro (Gaunt, 1990), os meca-
tas pessoais de proceder, embora esses meca- nismos de socialização que impelem os jor-
nicismos representem, igualmente, uma ma- nalistas a seguir as normas organizacionais
neira de os jornalistas se defenderem de crí- (Breed, 1955), a competição entre editores
ticas e de as organizações noticiosas fazerem e editorias (Sigal, 1973), os recursos huma-
estrategicamente face ao imprevisto e conse- nos e materiais (Sousa, 1997), a hierarquia e
guirem garantir que o produto informativo se a organização internas (Sousa, 1997), a di-
faz (Tuchman, 1972; 1978). mensão e a burocracia interna (Shoemaker
Se bem que as notícias possam reter

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12 Jorge Pedro Sousa

e Reese, 1996), os constrangimentos tempo- mação nos enunciados noticiosos, da rede de


rais (Schlesinger, 1977), etc. facticidade (Tuchman, 1972; 1978), etc. A
Ao nível extra-organizacional, as notí- ideologia do profissionalismo desenvolve al-
cias são influenciadas por factores como guns dos mais nobres ideais do jornalismo,
a audiência e o mercado (Gaunt, 1990; indiciados nos conteúdos noticiosos: cora-
Kerwin, 1993), as relações (problemáticas) gem para reportar mesmo em situações de
estabelecidas entre jornalistas e fontes de perigo, algumas delas colocando em causa
informação, com prevalência dos canais de a própria vida do jornalista; vontade de se-
rotina12 (Sigal, 1973, etc.), etc. parar desejos e ideias pessoais da actuação
profissional, etc. (Sousa, 2000; 2002).
Força ideológica As notícias também tendem a possuir um
Pode considerar-se a ideologia como um conteúdo ideológico que decorre, sobretudo,
mecanismo simbólico que, integrando um das práticas profissionais. Nesse caso, as
sistema de ideias, cimenta a coesão e integra- notícias transformam-se num produto para a
ção de um grupo social em função de interes- amplificação dos poderes dominantes, para
ses, conscientes ou não conscientes (a cul- a definição do legítimo e do ilegítimo, do
tura também cimenta coesões, mas não em normal e do anormal e para a sustentação do
função de interesses). statu quo (Hall, 1973; 1978; Shoemaker e
A força ideológica sobre as notícias Reese, 1996, etc.).
exerce-se a vários níveis. Embora não se
possa excluir que as ideologias políticas pos- Força cultural
sam interferir na orientação dos órgãos de Os processos de newsmaking ocorrem
comunicação social e na actuação dos jorna- num sistema sócio-cultural. As notícias
listas, nos estados de direito democráticos as transportam consigo os “enquadramentos”
principais ideologias que moldam as notícias (frames) em que foram produzidas. Por
são as ideologias profissionais dos jornalis- vezes, não havendo outros enquadramentos
tas, em concreto a ideologia da objectividade disponíveis, os jornalistas usam enquadra-
e a ideologia do profissionalismo (Sousa, mentos já usados para interpretar os novos
2000; 2002). Ambas as ideologias procu- acontecimentos (Traquina, 1988).
ram relegitimar continuamente a função dos Karl Manoff (1986) e Gaye Tuchman
jornalistas nas sociedades democráticas. A (1976; 1978) fizeram notar que a escolha de
ideologia da objectividade, por exemplo, é, um frame não é inteiramente livre, pois de-
segundo Sousa (2000; 2002) uma das cau- pende do “catálogo de frames disponíveis”
sas da orientação descritiva e factual das no- num determinado momento sócio-histórico-
tícias, da ambição mimética em relação à re- cultural, isto é, depende do aspecto que o real
alidade que as notícias tornam explícita, da assume nesse momento.
identificação sistemática das fontes de infor- Elisabeth Bird e Robert Dardenne (1988)
12
falam das notícias como sendo construídas
São muitas as pesquisas sobre as relações entre
jornalistas e fontes. Consultar, por exemplo, Sousa no seio de uma gramática da cultura. São,
(2000; 2002) ou Santos (1997). assim, representativas dessa cultura e aju-
dam a compreender os seus valores e símbo-

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Por que as notícias são como são? 13

los. Inclusivamente, enquanto narrativas mí- narrativas consistentes e previsíveis, entre


ticas, as notícias possuem códigos simbóli- as quais 83% poderiam ser classificadas em
cos reconhecidos pela audiência. Por exem- três categorias: 1) “homem decide”; 2) “so-
plo, as notícias, segundo os autores, recriam frimento”; e 3) “vilão apanhado”.Michael
um sentimento de segurança ao promoverem Schudson (1988), por sua vez, diz que as
uma certa ordem e ao estabelecerem frontei- notícias podem ser vistas na perspectiva
ras para o comportamento aceitável. Shoe- dos géneros literários, assemelhando-se a
maker e Reese (1996: 114) dizem, por seu romances, tragédias, comédias e sátiras. As
turno, que as histórias jornalísticas, para se- páginas sociais de um jornal são como um
rem atraentes, tendem a integrar os mitos, romance, que pode, contudo, ser mesclado
parábolas, lendas e histórias orais mais proe- de comédia. A reportagem de um incêndio
minentes numa determinada cultura. já é uma tragédia. Algumas notícias de
Por seu turno, Hall (1984) assinalou que polícia são quase uma forma abreviadíssima
no processo jornalístico de fabrico de infor- de romance policial. Para Schudson, as
mação é mobilizado um inventário do dis- notícias são semelhantes porque as pessoas
curso. Neste processo, os jornalistas não se contam histórias de forma semelhante.
limitam a usar definições culturalmente de-
terminadas, pois têm de integrar novas situa- Forças do meio físico e dos dispositivos
ções em velhas definições. Do mesmo modo, tecnológicos
para Phillips (1976), um acontecimento deve Não há muitos estudos sobre a influência
corresponder ao esperado (valor da conso- do meio físico e dos dispositivos tecnológi-
nância). Por isso, as notícias são repetitivas, cos sobre o trabalho jornalístico. De qual-
o que acentua a sensação de que existe no- quer modo, é quase intuitivo dizer-se que um
vidade sem mudança. Segundo E. Barbara jornalista pode produzir mais e melhor num
Phillips, os jornalistas têm ainda uma lin- local apropriado ao seu trabalho do que num
guagem própria, que Nelson Traquina (1993) escritório inadequado e desconfortável. Por
traduz como jornalês. outro lado, os meios informáticos permitem-
É possível usar o conteúdo das notícias lhe corrigir, rever e alterar facilmente os tex-
como ponto de partida para a compre- tos, coisa que não acontecia com as antigas
ensão da produção cultural pelo sistema e pesadas máquinas de escrever, pelo que é
jornalístico. Três exemplos. Nimmo e de colocar por hipótese que com o advento
Combs (1983) estudaram como os news dos meios informáticos nas redacções a qua-
media representavam a realidade, a partir lidade dos textos possa ter melhorado. Aliás,
da lógica da representação dramática — com a redacção ligada em rede as chefias po-
actores, actos, cena, motivos, cenários e dem rapidamente rever, corrigir e rescrever
agente sancionador (a fonte principal que textos. Mas há mais exemplos da influência
justifica os acontecimentos, as acções e dos dispositivos tecnológicos sobre os for-
a conclusão dos dramas). Robert Smith matos e conteúdos das notícias. Por exem-
(1979), por seu lado, estudou várias estações plo, o cruzamento de texto e infografia, pos-
de televisão, tendo concluído que usavam sibilitada pela informática, contribuiu para a
nas notícias um número considerável de generalização e para a reformulação das for-

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14 Jorge Pedro Sousa

mas de noticiar, criando novos géneros jor- contribuiu para o aparecimento dos primei-
nalísticos – os infográficos. No patamar dos ros jornais generalistas (Álvarez, 1992).
conteúdos, o jornalismo assistido por com- Outros factores históricos marcaram o de-
putador e as redes informáticas, em parti- senvolvimento do jornalismo. Por exemplo,
cular a Internet, dão também ao jornalista ao longo dos anos tem-se assistido ao alar-
novos instrumentos de busca de informação gamento do conjunto de temas noticiáveis,
que ajudam transformar as notícias. Mas a devido, entre outras razões, à evolução dos
Internet também tem diminuído a importân- frames culturais (Álvarez, 1992). A influên-
cia da figura do jornalista como gestor pri- cia das vitaminas na saúde dificilmente seria
vilegiado dos fluxos de informação no meio um tema eleito para notícia há décadas atrás,
social. Há, porém, a considerar que a so- mas agora é-o. Nos anos sessenta, a corrente
brecarga informativa também pode não ser que ficou conhecida por (segundo) “Novo
benéfica e aproveitável para o cidadão, pelo Jornalismo”, por seu turno, contribuiu para
que os jornalistas, no futuro, poderão ter um colocar a perspectiva do jornalista, necessa-
importante papel a desempenhar como ana- riamente subjectiva e impressiva, no centro
listas e selectores de informação. da enunciação noticiosa. A evolução recente
Com a introdução dos computadores do jornalismo para a análise (v.g., Barnhurst
tornou-se também mais fácil e de difícil e Mutz, 1997) terá beneficiado desse movi-
detecção manipular digitalmente imagens e mento, tal como terá beneficiado de factores
até criá-las (Sousa, 1997). como a televisão, onde o jornalista-vedeta
assume uma posição central.
Força histórica Um registo curioso da evolução histó-
Os diferentes tipos de forças que enfor- rica do jornalismo pode delinear-se a par-
mam a notícia num determinado momento tir da tese do primeiro doutor em Comuni-
fizeram-se igualmente sentir ao longo da his- cação, Tobias Peucer. Peucer debruçou-se,
tória. Por seu turno, a evolução histórica em 1690, sobre a forma de relatar notícias,
reflecte-se sobre esses mesmos factores na tendo identificado alguns fenómenos paleo-
actualidade. Pode-se, assim, dizer que as no- jornalísticos antigos. Por exemplo, antigos
tícias que temos são fruto da história. Vá- gregos, como Homero, ou antigos romanos,
rios dados fundamentam a minha asserção. como Júlio César, já usavam nas suas narra-
Por exemplo, os avanços nos processos de tivas formas de estruturação textual (dispo-
transmissão e difusão de informação trouxe- sitio) semelhantes à técnica da pirâmide in-
ram novas formas de noticiar. O critério de vertida. O próprio Peucer, na sua tese douto-
noticiabilidade da “actualidade” ganhou uma ral, intitulada De Relationibus Novellis, pro-
dimensão mais relevante a partir do apareci- punha que no relato “noticioso” se respei-
mento do telégrafo. Por outro lado, e ainda a tassem escrupulosamente as regras que man-
título exemplificativo, a urbanização e a or- davam indicar o sujeito, objecto, causa, ma-
ganização do território permitiram a concen- neira, lugar e tempo. Estes elementa narra-
tração de consumidores de informação em tionis acabam por corresponder às seis ques-
núcleos urbanos, facilitando a distribuição de tões a que tradicionalmente se dá resposta na
jornais. Este factor, aliado à alfabetização, notícia: “Quem?”, “O Quê?”, “Quando?”,

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Por que as notícias são como são? 15

“Onde?”, “Como?” e Porquê?” (Casasús (1982) – Teorías de la Comunicación de


e Ladevéze, 1991). Vê-se, assim, que cer- Masas. Barcelona: Paidós.
tas técnicas jornalísticas têm raízes históri-
cas profundas, apesar de, por vezes, haver BALL-ROKEACH, S. J. e DeFLEUR, M. J.
inovações, como a entrevista de pergunta- (1993) – Teorías de la Comunicación de
resposta, que surgiu no século passado. Com Masas. 2a edición revisada y ampliada.
frequência, contamos histórias de maneira Barcelona: Paidós.
semelhante à forma como os nossos antepas- BARNHURST, K. G. e MUTZ, D. (1997)
sados as contavam. Mesmo formas alterna- – American journalism and the decline
tivas de estruturar o texto noticioso, como in event-centered reporting. Journal of
o relato cronológico, a técnica da pirâmide Communication, 47 (4): 27-53.
normal ou a introdução de um início e de um
final fortes no texto obedecem a fórmulas re- BIRD, S. E. e DARDENNE, R. W. (1988) –
tóricas a que os nossos antepassados recor- Myth, cronicle and story: Exploring the
riam, respectivamente o modus per tempora, narrative qualities of news. In CAREY,
o modus per incrementa e o relato nestoriano J. W. (1988) – Media, Myths and Nar-
(Casasús e Ladevéze, 1991). ratives: Television and the Press. New-
Em síntese, retoma-se a ideia original: é burry Park: Sage.
possível, com os dados já obtidos nos estu-
dos jornalísticos, construir uma teoria uni- BREED, W. (1955) – Social control in the
ficada da notícia e dos seus efeitos, obede- newsroom: A functional analysis. So-
cendo aos critérios que devem ser tidos em cial Forces, 33: 325-335.
conta quando se propõe uma teoria cientí-
CASASÚS, J. M. e LADEVÉZE, L. N.
fica: clareza, brevidade, capacidade de pre-
(1991) – Estilo y Géneros Periodísticos.
visão. Quando uma notícia vier a contradizer
Barcelona: Ariel.
a teoria, será, então, altura de rever a teoria
e, eventualmente, de a substituir. GAUNT, P. (1990) – Choosing the News.
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