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“Sistema, Método e Dialética na Crítica da razão pura”

Pedro Farhat

Resumo: ​Esta comunicação tem por objetivo trabalhar a possibilidade da sistematicidade


do projeto crítico de Kant tendo em vista a noção de método apresentada na Crítica da
razão pura. Partiremos da hipótese de que a unidade conceitual da Crítica pode ser
encontrada na noção de método explicitada por Kant na “Doutrina transcendental do
método” da mesma obra. Buscaremos este objetivo reconstruído esse método, para que
seja possível aplicar tal concepção na leitura da “Dialética transcendental”, fundamentando
assim a noção de sistema no projeto crítico de Kant. Essa aplicação do método será
observada por meio da análise de alguns trechos em que a sistematicidade pode surgir em
referência ao método da filosofia. Por fim, esta comunicação resume-se em uma proposta
de reflexão acerca do projeto completo de Kant: como podemos responder a pergunta sobre
como são possíveis os juízos sintéticos a priori por meio da crítica? A resposta passa pela
questão do método.

Agradecimentos e apresentação da fala:

Tratarei da questão da sistematicidade da filosofia kantiana, no caso, da CRP,


especialmente sua relação com a noção de método, ou melhor, como ela surge da noção
de método exposta na Doutrina do Método (tratarei aqui de B 755 ss.). Para isso, alguns
pressupostos:
- Filosofia como sistema;
- Razão como sistema;
- Século XVIII e iluminismo;
- Método sintético e analítico não serão tratados nessa comunicação, mas a tese
subjacente com relação a eles é de que não correspondem ao método apresentado
ao fim da CRP; (artigo Gava, 2015)
- Razão capaz de determinar seus próprios limites e portanto suas próprias
“capacidades” - seria a determinação destes limites parte da própria capacidade
determinada? A questão de fundo é, em termos kantianos: seria a CRP parte do
sistema da razão? ou como é possível a ​Crítica da razão pura como parte da
filosofia transcendental?

- Método:
1) O primeiro “momento” do método da filosofia constitui-se como ​um conceito ainda
pouco claro, em que nada está explicitado​, nem sua definição, nem suas origens.
Trata-se de uma fase “embrionária”, em que ainda não estão explícitas as
características do sistema da ciência ou da metafísica, no caso.
2) O segundo momento é a ​decomposição ​dos conceitos. Kant parece indicar, no
entanto, que é impossível decompor os conceitos até atingirmos uma completude
das definições em conceitos ​a priori.​
3) Isolar os elementos de cada conceito para estudá-los separadamente
(pressuposição - indicar filiação ao Caimi, 2012 (“Aplicação da Doutrina do Método
no exame crítico da razão”) e texto de Kant ​Investigação da clareza dos princípios da
teologia natural e da moralidade​ 1762/4)
4) Usar os conhecimentos obtidos até aquele momento como se fossem os axiomas da
matemática (pressuposição)
5) Estabelecer sínteses parciais dentro de certos conceitos (diferença entre filosofia e
matemática - esta última demanda definições claras e distintas, enquanto a filosofia
apenas parciais e infinitamente discutíveis - citar B 757)
6) Por último, a regra de que não se começa por uma definição em filosofia, mas
apenas chegamos ao final com alguma definição (O trecho completo, citado
parcialmente por Caimi é o que se segue:

“[...] que na filosofia não se deve imitar a matemática, antepondo as definições, a não ser
talvez como um mero experimento. Pois, uma vez que elas são aí decomposições de
conceitos dados, estes conceitos é que vêm antes, ainda que de maneira confusa, e a
exposição incompleta antecede a completa, de tal modo que podemos, a partir de algumas
características obtidas em uma decomposição ainda incompleta, inferir muitas outras antes
de ter chegado à exposição completa, i.e. à definição; ​na filosofia, em suma, a definição,
como distinção precisa, deve antes concluir o trabalho do que iniciá-lo (B 758-9, em
negrito o trecho citado por Caimi).

A questão que se coloca aqui, tratada por Caimi na seção III do seu artigo, é a
aplicação desse método na própria CRP, o que envolve, portanto, a própria questão de se a
CRP faz parte ou não do sistema da razão pura. Novamente: como é possível a CRP como
parte do próprio sistema da razão pura ou da filosofia transcendental?

Caimi atinge este ponto defendendo o método da Crítica como o exposto na DM:
Primeiro partimos do conceito confuso de razão especulativa tendo como objetivo a sua
definição, leia-se:

A tarefa principal desta crítica da razão pura especulativa reside


nessa tentativa de modificar o procedimento até hoje adotado na
metafísica, e isso de tal modo que operemos uma verdadeira
revolução da mesma a partir do exemplo dos geômetras e dos
pesquisadores da natureza. Ela [a crítica] é um tratado do método,
não um sistema da própria ciência; mas ela circunscreve ao
mesmo tempo o seu inteiro contorno, tanto com relação aos
seus limites quanto com relação a toda a sua estrutura interna
(B XXII-XXIII, grifo nosso)

Da mesma maneira, o procedimento de divisão interna da Crítica corresponde ao método


por dividir as capacidades cognitivas humanas em sensibilidade e entendimento e passar a
estudá-los individualmente. Passagens relevantes para essa questão: (A 22/ B 36), ” (A 62/
B 87) e (A 65/ B 89).
Apenas por meio da “síntese parcial” entre os elementos, podemos por fim chegar a alguma
“definição” mesmo que parcial ou momentânea:
Se denominarmos sensibilidade à receptividade de nossa mente
para receber representações, na medida em que ela é afetada de
algum modo, então o entendimento, por outro lado, é a faculdade de
produzir representações por si mesma, ou a espontaneidade do
conhecimento. É próprio de nossa natureza que a intuição só possa
ser sensível, i.e. que só contenha o modo como somos afetados
pelos objetos. Por outro lado, a faculdade de pensar o objeto da
intuição sensível é o entendimento. Nenhuma dessas propriedades
pode ser preferida à outra. Sem a sensibilidade nenhum objeto nos
seria dado, e sem o entendimento nenhum seria pensado.
Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são
cegas. Por isso, tornar sensíveis os seus conceitos (i.e.
acrescentar-lhes o objeto na intuição) é tão necessário quanto tornar
compreensíveis suas intuições (i.e. colocá-las sob conceitos). Ambas
as faculdades ou capacidades também não podem trocar suas
funções. O entendimento não pode intuir nada, e os sentidos nada
podem pensar (B 75).

Assim como a sensibilidade demanda que existam categorias que conformam o


dado nas formas puras da sensibilidade, o entendimento tem seu uso legítimo quando
relacionado aos objetos que nos aparecem. Essa relação sistemática demanda que, para a
existência de um conhecimento, ocorra uma síntese, como em um juízo sintético “o corpo é
pesado”.
Por último, ao fim do método deveria surgir a própria definição do conceito que antes
era confuso, englobando todos os elementos necessários: esta definição poderia ser
encontrada na Doutrina do Método, como nos indica Caimi.
Alguns comentadores tendem a não utilizar dessa concepção de método sobre a
CRP, determinando assim certa assistematicidade da CRP (Smith, 1915, com seu
“patchwork method”) o que em geral tem levado muitos a darem preferência apenas para a
Analítica transcendental, declarando a Dialética “semi-crítica” (SMITH, 1915, p. 531).
Deste ponto, como também surgiu a discussão acerca do sistema, surge a última
parte da minha fala:

A metafísica, especialmente em Kant, parece, em um primeiro momento, ter sofrido um


expurgo à maneira como queriam os Empiristas Lógicos, mas não me parece ser esse o
caso, esta leitura, junto com Caimi, trata-se de uma nova leitura da Dialética que pretende
levar em conta a possibilidade de uma metafísica crítica, um sistema da razão que leva a
cabo os problemas teóricos da razão após o revelar da ilusão transcendental.

Citar o final do apêndice.

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