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Resumo: Não foram poucos os pensadores da história que tentaram definir a essência humana
ou que, ao menos, apontaram características próprias à essência humana. Aristóteles, por
exemplo, em sua Metafísica, afirmou pertencer à natureza humana o desejo pelo saber, pois
sentimos prazer em contemplar o mundo. Adam Smith, a divisão do trabalho tem origem na
propensão da natureza do homem à troca: a realização do interesse egoísta dos homens
configura-se pela troca, em busca da felicidade particular de cada qual. Nesse sentido, embora
nunca fosse seu objeto direto de estudo, como o filósofo empirista de Tratado da natureza
humana, Marx também não se prescindiu de pronunciar sobre essa questão importante da
história. Assim, animados pela sexta tese sobre Feuerbach, esse escrito objetiva esclarecer o
significado real da sua tese: “a essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo
isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”. Uma leitura atenta sobre suas
obras mais filosóficas, conseguimos extrair o plano subjacente à totalidade de sua ontologia. É
certo que compreendemos essa noção de natureza humana de Marx um aspecto fundamental à
sua ontologia materialista, desde suas investigações sobre alienação social até os processos
necessários do capitalismo. Com isso pensamos identificar esse ponto crucial, pois, segundo
György Lukács, o ser social compreendido historicamente como unidade com a natureza
constitui, por assim dizer, o pressuposto da teoria marxiana para toda crítica formulada
posteriormente. Para tanto, entraremos nos principais conceitos dos Manuscritos Econômicos-
Filosóficos e depois em um dos principais criados por Marx de 1846, a saber, o materialismo
histórico, nos concentrando em A Ideologia Alemã.
Abstract: There were not few thinkers in history who tried to define the human essence or at
least pointed out characteristics proper to the human essence. Aristoteles, for example, in his
Metaphysics, affirmed that the desire for knowledge belongs to the human nature, since we take
pleasure in contemplating the world. Adam Smith, the division of labor has it is origin in the
propensity of man’s nature to exchange: the realization of the selfish interest of men is shaped
by the exchange, in pursuit of his particular happiness. In this sense, as the Scottish empiricist
philosopher David Hume had written a specific treatise on human nature, entitled A Treatise of
Human Nature, Marx also did not dispense with pronouncing on this important question of the
of philosophy. Thus, this writing intends to clarify the real meaning of his sixth thesis on
Feuerbach: “the essence of man is no abstraction inherent in each single individual. In reality, it
is the ensemble of the social relations”. With a more attentive reading of his philosophical
works, we succeed in extracting the whole plane of his ontology. It is true that we understand
his notion of human nature in Marx as a fundamental aspect of his materialist ontology, from his
investigations of social alienation to the necessary processes of capitalism. Considering this we
plan to identify this crucial point, since, according to György Lukács, the social being
understood historically as unity with nature constitutes the assumption of Marxian theory for all
later critics. In order to do so, we will enter into the main concepts of the Economic and
Philosophical Manuscripts and then into one of the main concepts created by Marx of 1846,
namely, the historical materialism, concentrating, consequently, on The German Ideology.
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Graduando do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). E-mail:
phpmota@gmail.com.
A noção de essência humana no jovem Marx
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Para saber mais a respeito dos estudos das condições miseráveis dos operários das grandes indústrias
realizadas pelo próprio Marx, vide sua obra O Capital, em especial o capítulo XIII “Maquinaria e grande
indústria”.
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Tal crítica pede uma teoria da justiça social ligada à reflexão sobre as causas da
desigualdade e da miséria operária.
A alienação, no entanto, não se reduz tão somente ao resultado da energia
humana materializada, mas também no ato da produção: o trabalhador não se afirma em
seu trabalho, nega-se a ele. Essa crítica diz respeito à relação entre o trabalhador e sua
atividade compreendida como trabalho. Sua ação criadora não desenvolve suas próprias
capacidades e sentidos humanos, mas arruína e mortifica o trabalhador; e o trabalho:
“não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer
necessidades fora dele”. (MARX, 2010, p.83) A estrutura do trabalho como processo de
produção do valor implica a impossibilidade da atividade humana se colocar como
exteriorização de sua Gattungswesen, isto é, de sua essência enquanto gênero humano.
Essa atividade humana pertence a outro e por consequência é a perda de si mesmo. O
objeto criado toma tamanhas modificações sobre a esfera social e natural que: “se torna
uma existência que existe fora dele, independente dele e estranha a ele, tornando-se uma
potência autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta
hostil e estranha”. (MARX, 2010, p.81) Poder-se-ia dizer que esse “outro” tem a
identidade social de capitalista e, de modo geral, os donos das indústrias, os
proprietários das terras e dos meios de produção. Assim, a universalização do indivíduo
torna-se impossível se realizar, uma vez sendo da ordem do impróprio em nós e sua
expressão aparece, antes, como o trabalho alienado.
Essa digressão não foi vazia. Deveu-se para ilustrar razoavelmente o significado
do processo de transformação da natureza como operador da transformação do
trabalhador. Ora, se o proletário produz o progresso da riqueza da sociedade, através do
movimento de seu trabalho, mas, simultaneamente, o seu empobrecimento, então os
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efeitos de sua produção vivifica-se de tal maneira que passa a dominá-lo até a morte.
Herbert Marcuse resume bem esse processo tão verdadeiro:
Não deixa de ser sintomático que o modo pelo qual os indivíduos se relacionam
com seu mundo exterior, isto é, a natureza, determina o modo como eles se relacionam
entre si: como vimos na ilustração acima, existe a grande parcela da sociedade
desapossada e uma pequena camada cuja identidade social denomina-se dona da
propriedade privada. Quer dizer, o trabalho, próprio ao ser social, na relação do mesmo
com a natureza transforma esta (produção de objetos) e transforma concomitantemente
o próprio produtor (mediante a utilização de seus produtos e o intercâmbio entre os
indivíduos), liberalizando e potencializando as capacidades humanas em nome do
desenvolvimento da liberdade do homem, na relação com a natureza.
Mas tal processo social de produção toma rumos negligentes quando o
desenvolvimento das forças produtivas moldam as relações sociais de produção no
sentido, por exemplo, atual do capitalismo: a distinção integral entre os meios de
produção e a força de trabalho torna inexorável a circulação livre do segundo para
vender-se ao primeiro por meio da troca, da compra e da venda, uma vez considerado –
como tudo passa a ser no modo de produção capitalista – uma mera mercadoria. Ambos
os possuidores de mercadoria, o capitalista (dono do meio de produção) e o trabalhador
(dono da força de trabalho), oferecem suas mercadorias no mercado e a vendem por um
determinado preço3. No caso do trabalhador, ele vende sua força de trabalho. Nesse
sentido, a produção de mercadorias do proletário não se identifica com o mesmo; pelo
contrário, se aliena a ele. O progresso do acúmulo do capital, que nada mais é que o
acúmulo de trabalho (MARX, 2010, p.40), da liberdade da riqueza do capitalista,
também é o progresso da pauperização do restante da população, da servidão humana
em geral. Por que: “Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição puramente
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Não cabe, aqui, dizer como esse preço é determinado.
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pessoal, mas também uma posição social na produção. O capital é um produto coletivo:
não pode ser posto em movimento senão pela atividade comum de muitos indivíduos e
mesmo [...] de toda a sociedade. O Capital não é, portanto, um poder pessoal; é um
poder social” (MARX, 2012, p.50)
Portanto, se, antes, o resultado da atividade sensível do ser social com a natureza
tenderia à sua emancipação não apenas política ou econômica, mas à sua realização do
homem enquanto homem, sua realização em-si-e-para-si, agora, em razão nos modos
pelos quais se dão suas relações sociais de produção, configura-se tão somente a
servidão humana enquanto normatividade da superestrutura formada. Esse resultado, no
entanto, não se estabeleceu de uma maneira simples e imediata; pelo contrário, é efeito
de um longo processo materialmente histórico. Vejamos esse ponto com calma.
2. Materialismo histórico
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Reconhecemos os pressupostos da concepção e materialismo histórico nos seus principais eixos: como a
mudança dos modos de produção e a luta de classes imanente à sociedade civil. No entanto, nos
concentraremos na noção d’A Ideologia Alemã.
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homens. Daí nasce a primeira relação social, a saber, a família: homem, mulher, pais e
filhos. Esses três momentos coexistentes constituem os fatos históricos, o começo e o
avanço da história material dos homens. Por conseguinte, os homens produzem suas
vidas no sentido natural, mas também no sentido social, isto é, a ação conjugada de
vários indivíduos, sejam quais suas condições, seja suas formas e objetivos.
Mas o motor do progresso dessas relações sociais é determinado pelos modos de
produzir (estágios industriais), que são condicionados pelos modos de cooperação
(estágios sociais), que, por sua vez, são condicionados pelas forças produtivas
acessíveis aos homens, devendo, por consequência, estudar a história dos homens em
suas relações e condições materiais determinadas, através da produção e do comércio:
“a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social, e que
se deve por conseguinte estudar e elaborar incessantemente a ‘história dos homens’ em
conexão com a história da indústria e das trocas”. (MARX, 2007, p.24)
A história da humanidade deve ser elaborada em conexão à história da indústria
e do intercâmbio, história dos modos de produção e de troca. Mas, por sua vez, esta
história dos modos de produção e de troca não será a descrição de sistemas produtivos.
Um modo de produção é sempre atravessado por instabilidades sob a forma de
contradições. Seu desenvolvimento é também a história de sua destruição e é este
movimento contraditório de realização através da destruição de si que dará à história sua
dialética.
Assim, as relações sociais se desenvolvem na medida em que há o aumento da
produção – toda atividade sensível do ser social de transformação da natureza que, por
sua vez, transforma a si mesmo –, simultaneamente, das necessidades e do crescimento
populacional. Em outros termos, na medida em que a história progride. Mais
precisamente, as formas de intercâmbio entre os homens se apresentam como condições
da produção material. Com o desenvolvimento das forças produtivas, a forma de
intercâmbio existente é, por assim dizer, superada por outra nova; e em cada fase, as
condições de intercâmbio correspondem ao desenvolvimento simultâneo às forças
produtivas. A história, portanto, é esse movimento das formas sociais de produção. Se
lembrarmos da ilustração da revolução neolítica, a história realizou-se precisamente
assim.
Esse é um ponto central para distinguirmos o materialismo de Marx de outros
materialistas. Em Marx, o campo do real é a história, isto é, contrariamente ao
materialismo anterior, o real não é a mera empiria, não é o que se aparece a nós através
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da imediaticidade dos sentidos. O real concreto não é a matéria como dado primeiro e
informado, mas os processos que constituem o que se apresenta a nós com a imediatez
da aparência. Esses processos são descritos através de um regime de discurso que
conhecemos por história. Daí porque a primeira tese de Marx sobre Feuerbach será
mostrar o defeito de todo os pensadores materialistas da história:
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Uma soma das forças produtivas, uma relação com a natureza e os indivíduos,
criada historicamente e transmitida a cada geração por aquela que a precede são
transformadas a partir da massa de forças produtivas, de capitais e de circunstâncias,
que, por outro lado, são bastante modificadas pela nova geração, mas que, por outro
lado, ditam a ela suas próprias condições de existência que determinam seu
desenvolvimento. (MARX, 2007, p.36) Dessa maneira, o poder de atuação dos homens
sobre a história é limitado por uma força maior que eles próprios, a saber, o tempo. Ou
simplesmente: “os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e
espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela
é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”. (MARX, 2011,
p.25)
As relações sociais de produção determinadas pelo desenvolvimento as forças
produtivas evidenciam o modo como uma determinada sociedade se manifesta: política,
direito, religião, cultura, filosofia e toda a superestrutura – formas de Estado e
consciência social. (BOTTOMORE, 2012, p.52)
3. A essência humana
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uma criação intelectual da qual manifesta o tipo de vida material dos homens, sendo
impossível a hipóstase de Deus subsistente em si e por si.
A essência humana, para Marx, não tem o papel de ser um pequeno sistema
normativo imposto para preceder a existência de cada indivíduo, identificando e
limitando qualquer possibilidade de uma invenção de uma nova natureza, nem
tampouco afirmar que os indivíduos constituem a realidade mais concreta pela qual
todos os universais são predicados, mas sim sintetizar todas as manifestações materiais
– e intelectuais – que configuram as relações múltiplas e ativas entre os indivíduos –
linguagem, trabalho, amor, conflitos etc. Quer dizer, a natureza não está nem
diretamente nem indiretamente em cada indivíduo, como um controle rígido sobre as
flexíveis potencialidades humanas, mas no que está entre as relações sociais dos
indivíduos: as relações sociais definem o que eles têm em comum, ou seja, o “gênero”.
Essas relações definem, de formas múltiplas, o único conteúdo efetivo da noção de
essência aplicada aos homens. Os indivíduos relacionados às suas forças produtivas e as
relações sociais de produção seriam, por assim dizer, a síntese das múltiplas
determinações que o cercam, a fim de constituir o conteúdo dos homens.
Marx, em razão disso, parece deslocar a questão da essência humana para entrar
em cena a concepção da “relação constitutiva”, como Balibar dirá: “Trata-se de pensar a
humanidade como uma realidade transindividual. [...] Não o que está idealmente em
cada indivíduo (como uma forma ou uma substância) ou o que serviria, do exterior, para
classificá-lo, mas o que existe entre os indivíduos em consequência de suas múltiplas
interações”. (BALIBAR, 1995, p.43) Não se trata da relação do indivíduo com o gênero
para pensar a essência humana, mas pensar a multiplicidade das relações: “que são
transições, transferências ou passagens nas quais se faz e se desfaz a ligação dos
indivíduos com a comunidade e que os constitui a eles próprios”. (Idem) Na concepção
da essência humana como transindividualidade, há a reciprocidade do indivíduo com a
comunidade. Nesse sentido, a ontologia de Marx parece se mostrar como uma ontologia
da transindividualidade.
Dizer, por conseguinte, que a essência humana é “o conjunto das relações
sociais” não é descrever um estado de coisas existentes, mas, antes, um processo
incessante de transformação do mundo e do próprio indivíduo, uma “revolução
permanente”, na medida em que, como vimos no materialismo histórico, os homens se
constituem invariavelmente pelo trabalho metabólico com a natureza, herdando, através
das gerações, as condições materiais modificadas e as circunstâncias passáveis e
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4. Conclusão
Para Marx, a base da essência humana é uma certa atividade sensível peculiar
própria ao ser humano, a saber, o trabalho. Este como categoria fundamental da relação
metabólica do homem e natureza, o qual forma uma unidade, e não uma cisão – bem
como Hegel que compreendia a ideia de separação da natureza e da sociedade. O ser
social emerge no seio da natureza quando transforma por meio do seu trabalho,
dinâmico, para nela e com ela produzir sua própria existência, ou seja, tudo aquilo de
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que precisa socialmente para viver. Significa, com isso, que o materialismo de Marx é
um materialismo prático, e não idealista. Daí porque a sociedade ser o resultado
histórico da ação recíproca dos homens, e não a realização segundo os desejos
particulares de cada indivíduo. O intercâmbio dos indivíduos concomitante ao
desenvolvimento histórico e ativo de transformação do mundo exterior estrutura a
totalidade humana da sociedade em suas forças produtivas e relações sociais de
produção. Nesse sentido, a essência humana se manifesta na racionalidade da produção
material e intelectual, como o conjunto dessas relações sociais.
Lembremos a marcante passagem do colapso do momento histórico da idade
média, da sociedade feudal para a sociedade burguesa. Os senhores ingleses expulsaram
muitos camponeses do campo, e a estes camponeses só restou ir oferecer nas cidades a
única coisa de que dispunham: sua mão de obra. Fatores materiais como estes mudaram
toda a história. Quando alguém, respaldado na nova lei de propriedade da cidade,
afirma: a partir de agora, as pessoas que por séculos extraíram lenha desta floresta não
poderão mais fazer pelo simples fato de que a lei me garante a propriedade desta
floresta, há uma ruptura. No entanto, essas condições possibilitaram a existência de
homens livres, não subordinados a senhores feudais.
A essência do homem parecia consistir na relação entre a servidão de muitos
camponeses para poucos senhores feudais livres e as forças produtivas pouco
tecnológicas, bem como a manutenção do trabalho simples na agricultura, a roça, o
pastoreio e o arado, num estado cujo poder teológico-político predominava. Assim
compreendemos melhor a famosa passagem do prefácio da Contribuição à Economia
Política:
A estrutura econômica não é tida como o conjunto das instituições, mas como a
soma total das relações sociais de produção estabelecidas entre os homens. A sociedade
burguesa entrou em cena com uma revolução nas produções e nas relações. Em lugar de
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