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757 Trecho A Alma de Leonardo Da Vinci PDF
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Os movimentos da água
Leonardo da Vinci
E
ntre os quatro elementos clássicos, a água era o que, de longe,
mais fascinava Leonardo. A vida inteira ele estudou seus movi-
mentos e fluxos, desenhou e analisou suas ondas e vórtices, espe-
culou a respeito de seu papel como o “veículo da natureza” (vetturale
della natura) por excelência no macrocosmo da Terra viva e no micro-
cosmo do corpo humano.1
As notas e desenhos de Leonardo que ilustram suas observações e
ideias sobre o movimento da água enchem centenas de páginas dos
cadernos de notas. Incluem esquemas conceituais minuciosos e partes
de tratados no Codex Leicester e nos Manuscritos F e H, bem como
incontáveis esboços e anotações disseminados pelo Codex Atlanticus,
o Codex Arundel, a Coleção Windsor, os Codices Madrid e os Manus-
critos A, E, G, I, K e L.2 A quantidade de escritos de Leonardo sobre a
água obviamente impressionou os contemporâneos e as sucessivas gera-
ções de historiadores. Na verdade, afora a pintura, a água foi o único
tema do qual se fez uma extensa compilação de transcrições manuscri-
tas de seus cadernos de notas. A coleção de notas, transcritas no século
XVII em 230 fólios, foi publicada em 1828 em Bolonha, com o título
de Della Natura, Peso, e Moto dell’Acque (“Da Natureza, Peso e Movi-
mento da Água”).3
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* Ver Apêndice C.
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O CICLO DA ÁGUA
Uma vez que a ciência de Leonardo se baseava em repetidas observações
de fenômenos naturais combinadas com meticulosas análises, não é de
surpreender que tivesse uma compreensão acurada da evaporação e con-
densação da água, podendo assim descrevê-las com clareza. “Facilmente
sobe como vapor e neblina”, escreveu no Manuscrito A, “e, convertida
em nuvens, cai como chuva porque as partes minúsculas da nuvem se
juntam para formar gotas.”30 Uma descrição um pouco mais detalhada
aparece no Codex Arundel:
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O corpo da Terra, como os corpos dos animais, é percorrido por uma rede
de veias, todas articuladas e formadas para a nutrição e vivificação tanto
da própria Terra quanto de suas criaturas. Originam-se das profunde-
zas do mar, para onde, após muitas revoluções, têm de voltar seguindo
o leito dos rios, criados na superfície pelo rompimento dessas veias.38
A água que jorra no ar através das veias rompidas dos altos picos
montanhosos é subitamente abandonada pelas forças que a levaram
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DA ENGENHARIA HIDRÁULICA AO
ESTUDO CIENTÍFICO DO FLUXO
A grande maioria das exaustivas coleções de notas e desenhos de Leo-
nardo sobre o fluxo da água ocupava-se de problemas de engenharia
hidráulica e do fenômeno do fluxo em si. Na Renascença, este último era
praticamente exclusivo de Leonardo. Se o movimento dos corpos rígidos
vinha sendo estudado desde a Antiguidade, tendo os engenheiros hidráu-
licos produzido obras magníficas – dos enormes aquedutos e termas dos
romanos às engenhosas eclusas do início do século XV –, a nenhum deles
ocorreu perguntar-se como a água corrente poderia ser descrita matema-
ticamente. Não tentaram também explorar as leis fundamentais do fluxo,
tema de nossa moderna disciplina da dinâmica dos fluidos. Leonardo fez
as duas coisas. Suas pesquisas, desenhos e ensaios de descrições mate-
máticas dos padrões de fluxo na água e no ar contam-se entre suas con-
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O VÓRTICE DE ÁGUA
No centro das pesquisas de Leonardo sobre fluxos turbulentos está o
vórtice de água ou redemoinho. Nos cadernos de notas, há incontáveis
desenhos e esboços de redemoinhos e vórtices de todos os tipos e tama-
nhos.117 Quase sempre muito bonitos, eles dão testemunho do persis-
tente fascínio de Leonardo com a natureza mutável e ao mesmo tempo
estável desse tipo básico de turbulência. Conforme já dissemos, o fascí-
nio de Leonardo provavelmente nasceu da intuição profunda e correta
de que a dinâmica dos vórtices, combinação de estabilidade e mudança,
constitui uma característica de todas as formas vivas.118
Leonardo descreveu corretamente como os redemoinhos se formam
quando a água em movimento encontra um obstáculo (por exemplo,
uma poça). “A corrente de água procura manter seu curso conforme
a força que o motivou”, escreveu ele no Manuscrito A, “e, quando
encontra um obstáculo, completa a extensão do curso inicial com
movimentos circulares e rodopiantes”.119 No verso do mesmo fólio, Leo-
nardo ilustrou esse processo com um esboço de água fluindo para um
tanque (Fig. 1-4). A observação de que um fluxo circular continuará
em seu curso até a energia se dissipar, tal como faria se avançasse em
linha reta, é absolutamente exata. O desenho em si, porém, é parcial-
mente incorreto, pois na verdade apenas um par de vórtices contrarro-
tacionais se forma.120
Leonardo foi o primeiro a estudar e compreender os mínimos movi-
mentos dos vórtices de água, às vezes desenhando-os com exatidão
mesmo em situações complexas: por exemplo, nas ondas que se formam
atrás dos barcos ou por causa de outros obstáculos em águas turbulentas.
Distinguiu acertadamente os redemoinhos circulares planos, nos quais
a água gira basicamente como um corpo compacto, dos vórtices espira-
lados, como os que se formam numa banheira e que apresentam um
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Figura 1-5: Estudo de turbulência gerada por um jato de água caindo num poço,
c. 1509-1511, Coleção Windsor, Paisagens, Plantas e Estudos da Água, fólio 44.
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Assim, a água tem seus movimentos rodopiantes, uma parte dos quais
se deve ao ímpeto do fluxo principal, a outra ao movimento incidente
e refletido.131
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TURBULÊNCIA NA ÁGUA E NO AR
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A FORMA ESPIRAL
Na maioria dos desenhos de dilúvio, bem como no estudo da “água
caindo sobre água” (Fig. 1-13), Leonardo esboçou grandes redemoinhos
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