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Literaturas Lusófonas:

Seminários de Leitura

Unidade 2:
Camões épico e lírico

Objetivos
• Compreender a representatividade literária de Luís Vaz de
Camões a partir da leitura e da discussão de suas principais obras.
Unidade 2

Luís Vaz de Camões é reconhecido como o maior poeta da literatura


portuguesa, a expressão máxima do lusitanismo e do amor à pátria. Ele nasceu
provavelmente em 1524 (carece de fontes) e faleceu em 1580. Embora ele seja
muito conhecido por haver escrito a epopeia Os Lusíadas, Camões também
possui uma vasta obra no campo da poesia lírica e do teatro. Vamos conhecer
um pouco mais sobre esse poeta.

O Renascimento
Após mil anos, os valores defendidos pela Igreja ao longo da Idade Média
vão perdendo seu impacto. Gradativamente, o teocentrismo vai cedendo espaço
ao antropocentrismo, fator que determinará a passagem do Medievo para a Idade
Moderna (vide linha do tempo da Unidade 1). O Renascimento, chamado também
de Renascença ou Século das Luzes, representou uma ampla revolução nos campos
artístico, cultural e científico. De acordo com Cademartori (1990), as principais
características do Renascimento são:

• Antropocentrismo: humanismo, valorização da razão em detrimento à fé,


culto à Antiguidade Clássica;

• Cientificismo: preocupação com a ciência e com a compreensão racional e


metódica da natureza;

• Elitismo: arte produzida por e para uma elite;

• Autonomia da arte: independência da Igreja, surgimento da noção de autor,


valorização da forma sobre o tema.

Essas características evidenciam a oposição renascentista aos valores da Ida-


de Média, momento em que prevalecia o poder da Igreja, que priorizava a fé, o
conteúdo religioso e explicações para os eventos da vida e da natureza de acordo
com os preceitos religiosos. É preciso lembrar que as ideias do Renascimento foram
fortemente influenciadas pela Reforma Protestante, um processo de renovação da
Igreja que aconteceu durante o século XVI e que se contrapunha às práticas da Igre-
ja Católica Romana.

Dica de leitura
Para entender melhor o que foi a Reforma Protestante e seus impactos nos mais
diversos contextos sociais, leia o livro A Reforma Protestante, de Luiz Maria Veiga
(1999).

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A ênfase na razão gera a valorização da autoria, do conhecimento humano


e da capacidade de criar. Durante o período renascentista, artistas como Leonardo
Da Vinci e Michelangelo, por exemplo, desenvolveram estudos profundos sobre a
anatomia humana, as formas e os fenômenos da natureza a fim de integrá-los às
suas obras. Por esse motivo, a arte tornou-se elitizada, pois era necessário conhe-
cimento formal tanto para executá-la, quanto para apreciá-la.

É preciso destacar, no entanto, que o homem renascentista não abandonou


o Cristianismo, mas tornou secundários os preceitos medievais, como pecado ori-
ginal, redenção e salvação (CADEMARTORI, 1990). Além disso, como podemos
ver no fragmento da pintura a seguir, cujo foco é a parte que representa a criação
de Adão da Capela Sistina pintada por Michelangelo, percebe-se que o artista da
época passou a retratar imagens sagradas com feições mais humanizadas e com
grande apuro formal.

Fonte: Joeblack564 (2020).

Dica de vídeo
Como mencionamos nos parágrafos anteriores, Leonardo da Vinci foi um dos
grandes gênios da época do Renascimento. Para tomar conhecimento sobre esse
personagem importantíssimo na história mundial, assista ao vídeo LEONARDO DA
VINCI - documentário. O documentário, fala de vários fatos da vida de Da Vinci, bem
como de várias de suas conhecidíssimas invenções.

O Classicismo e Luís Vaz de Camões


O Renascimento inicia, em Portugal, no ano de 1527, quando o poeta Fran-
cisco Sá de Miranda retorna da Itália, após seis anos naquele país, trazendo novas
ideias para a construção poética, como o soneto e a valorização de temas da An-
tiguidade Clássica. Os ideais clássicos - ou o Classicismo, também chamado de
Quinhentismo - predominaram até 1580, ano da morte de Luís Vaz de Camões, o
maior representante português da estética.

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“O Classicismo consistia, antes de tudo, numa concepção de arte ba-


seada nos clássicos gregos e latinos, considerados modelos da per-
feição estética. Imitar não significava copiar, mas, sim, a procura de
criar obras de arte segundo as fórmulas, as medidas, empregadas pe-
los antigos. Daí a observância de regras, estabelecidas como verda-
deiros suportes ou pressupostos da obra literária: os escritores não
tinham mais que observá-las, acrescentando-lhes a força do talento
pessoal. Conquanto fossem apriorísticas, não impediam o despertar
e a manifestação das qualidades peculiares de cada um” (MOISÉS,
1999, p. 51).

Camões (imagem que segue) era um fidalgo empobrecido de sólida forma-


ção cultural, conhecedor de autores clássicos, frequentador de ambientes erudi-
tos de Lisboa, mas também de vida boêmia, sendo que se envolveu em inúmeras
aventuras, brigas e esteve preso em mais de uma ocasião. A serviço de Portugal,
partiu para as Índias em 1552, porém, a embarcação é atingida por uma tempes-
tade no trajeto, a qual ele sobrevive. Em 1555, Camões lutou contra os turcos em
Meca e, em 1557, tornou-se provedor-mor em Macau, mas foi afastado do cargo
por suspeitas de gestão indevida. Preso, voltou à Goa, mas no caminho sofreu um
naufrágio, do qual se salvou milagrosamente.

Fonte: Real (2020).

Os problemas, no entanto, não diminuem e o poeta vive vários outros reve-


zes, necessitando da ajuda de amigos para sobreviver. Em 1572, publica Os Lusí-
adas e, apesar do reconhecimento imediato da obra e de uma pensão que passa a
receber por serviços prestados, continua na mais absoluta miséria, vindo a falecer

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em 1580 e sendo sepultado graças à caridade pública (ABDALA JÚNIOR; PAS-


CHOALIN, 1982). Acredita-se que suas cinzas estejam no Mosteiro dos Jerôni-
mos, em Belém.

Essas peripécias plenas de altos e baixos de Camões são vistas por alguns
como coerentes com o tempo de mudanças em que vive o poeta, conforme segue:

“É um tempo em que o desenvolvimento associa-se à decadência,


viver e morrer, alegrar-se e entristecer. É um tempo cujos valores se
fundamentam na razão e na experiência. Mas a emoção ganha força
porque é individualizada e simultaneamente não individual. Esses
elementos fazem de Camões um autor de características universais.
Portanto, sua obra reflete o tempo histórico no qual viveu e um tem-
po sem limites cronológicos” (ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN,
1982, p. 38).

Camões escreve seus textos durante suas mirabolantes aventuras, contu-


do, algumas obras se perderam, como a compilação das poesias líricas, intitulada
Parnaso. Além disso, a trajetória literária revela que Camões não se ateve a um
determinado gênero de escrita ou estilo de época, pois escreve poemas que recor-
rem tanto à tradição trovadoresca, quanto às formas valorizadas pelo Classicismo,
como o soneto. No geral, a obra compõe-se de redondilhas, éclogas, odes, canções,
oitavas, sextinas e epopeia.

Conforme veremos em alguns de seus versos, Camões também antecipa


algumas características que serão essenciais ao barroco (1580-1756 em Portugal),
momento em que a fé (fundamento da Idade Média) e a razão (máxima renascen-
tista) entram em conflito.

Camões épico
Nesta seção, analisaremos Os Lusíadas, obra máxima da literatura portu-
guesa. Todavia, antes de seguirmos conversando sobre Camões, falemos um pouco
sobre a epopeia, que trata-se de um gênero narrativo escrito em versos que apre-
senta eventos históricos e heroicos a respeito de determinado país e/ou cultura. A
maior referência épica é a obra Ilíada, de Homero, do século IX a.C. Na narrativa,
são apresentados os acontecimentos do último ano da Guerra de Troia e o leitor,
enquanto acompanha as peripécias dos heróis gregos e troianos, conhece também
a história e a cultura do povo grego, bem como a genealogia dos seus deuses. Veja,
a seguir, um quadro que retrata dois famosos personagens da Ilíada: Aquiles e
Heitor, em um pintura de Peter Paul Rubens (1639-1635), intitulada Aquiles fere
Heitor.

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Fonte: Rubens (entre 1630 e 1635).

O Renascimento, como vimos, bebe da fonte da Antiguidade Clássica e en-


contra nas epopeias uma forma de exaltar a nação. Assim ocorre na Itália, com
Orlando enamorado, de Boiardo, e Orlando furioso, de Ariosto, ao passo que, em
Portugal, Camões escreveu Os Lusíadas, tratando da viagem de Vasco da Gama.
Os versos camonianos narram, para além da viagem, a história de Portugal desde
suas origens.

Em 1580, ano da morte de Camões, Portugal passou a ser domínio da Espa-


nha, ou seja, ao longo da vida do poeta, o país vivia uma situação bastante precária
e os sinais de decadência econômica eram evidentes. Os Lusíadas, portanto, pode
ser uma obra vista como uma exaltação ao glorioso passado histórico do país, uma
vez que o poeta canta as glórias referentes à expansão marítima e às conquistas dos
portugueses. Ainda, a epopeia divide-se em quatro partes:

• A proposição

Nesta parte, o poeta apresenta o assunto sobre o qual cantará:

“As armas e os barões assinalados,


Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas

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Daqueles Reis, que foram dilatando


A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano


As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.”

(CAMÕES, 2009a, Canto I, 1-3, p. 17-18)

• A invocação

Nesta parte, o poeta pede ajuda aos deuses para ter inspiração para escrever
o poema:

“E vós, Tágides minhas, pois criado


Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.”

(CAMÕES, 2009a, Canto I, 4, p. 8)

• A dedicatória

Nesta parte, o poeta dedica o poema ao rei D. Sebastião:

“E vós, ó bem nascida segurança


Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;

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Vós, ó novo temor da Maura lança,


Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Para do mundo a Deus dar parte grande.”

(CAMÕES, 2009a, Canto I, 6, p. 19)

• A narração

Nesta última parte, acontece o desenvolvimento da narrativa propriamente


dita.

Além disso, a obra é composta por 10 cantos (partes), constituídos por ver-
sos decassílabos (com dez sílabas poéticas) e estrofes oitavas (de oito versos), ao
passo que o número de estrofes de cada canto varia. Vejamos como se divide a
narrativa ao longo dos cantos:

• Cantos I e II: após a proposição, a invocação e a dedicatória, o poeta co-


meça a narrar a viagem na estrofe 19 do Canto I. Nessa parte, os deuses do
Olimpo decidem sobre a sorte dos portugueses;

• Cantos III e IV: Vasco da Gama relata a história de Portugal para o rei de
Melinde, cidade da costa do Oceano Índico;

• Cantos V e VI: outras narrativas sobre a viagem. No Canto V - da estrofe


37 à 60 - aparece o gigante Adamastor, ponto central da trama. Simbolica-
mente, ele representa a vitória dos portugueses ante o maior dos obstáculos:
os perigos do mar, o desconhecido. Na obra, ele surge no meio da viagem,
personificado pelo Cabo das Tormentas (atual Cabo da Boa Esperança, na
África do Sul).

Fonte: Vaz Júnior [1927]; Pinterest (2020).

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• Cantos VII e VIII: o irmão de Vasco da Gama, Paulo, conta ao governador


de Calecute, cidade da costa ocidental da Índia, sobre grandes feitos portu-
gueses;

• Cantos IX e X: fala da viagem de retorno a Portugal. Os portugueses desfru-


tam das delícias da Ilha dos Amores (ou Ilha de Vênus) como recompensa
pelas suas façanhas. Na sequência, o trecho do encontro entre Vasco da
Gama e a deusa Tétis:

“Uma delas, maior, a quem se humilha


Todo o coro das Ninfas e obedece,
Que dizem ser de Celo e Vesta filha,
O que no gesto belo se parece,
Enchendo a terra e o mar de maravilha,
O capitão ilustre, que o merece,
Recebe ali com pompa honesta e régia,
Mostrando-se senhora grande e egrégia.

Que, despois de lhe ter dito quem era,


Cum alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera
Por alta influição do imóvel fado,
Pera lhe descobrir da unida esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia,

Tomando-o pela mão, o leva e guia


Para o cume dum monte alto e divino,
No qual uma rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.”

(CAMÕES, 2009a, Canto IX, 85-87, p. 274-275)

A professora Jane Tutikian (CAMÕES, 2009a) destaca que, na trama mito-


lógica, os deuses são passíveis às paixões humanas, como a inveja, o amor e o ciú-
me. Entretanto, a ordem que preside o mundo mitológico é a beleza, pois é Vênus
quem faz a defesa dos heróis da epopeia no concílio dos deuses, protegendo-os,
enquanto outros poderosos insistem em colocar os limites humanos à prova. Ao
final, os portugueses - e Vênus - triunfam, igualando-se aos deuses (CAMÕES,
2009a).

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Dica de leitura
Para conhecer a narrativa na íntegra, leia o livro Os Lusíadas, de Camões, que pos-
sui uma edição comentada pela professora Jane Tutikian. O livro contém notas
explicativas sobre a trama, significados e fala do contexto histórico da obra, além de
apresentar um apurado glossário sobre os termos utilizados por Camões.

Camões lírico
Camões morreu sem haver publicado sua obra lírica, portanto, neste capítu-
lo, vamos nos dedicar a explorar alguns de seus sonetos de publicação póstuma. O
soneto surgiu na Itália e seu maior representante naquele país é Francesco Petrar-
ca (1304-1374). Essa maneira de escrita é uma forma poética fixa, composta por
catorze versos: dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes
de três versos). Além disso, o soneto apresenta outra particularidade: a ordem das
rimas. As principais formas são:

• ABBA: são as rimas entrelaçadas ou opostas, em que o primeiro verso rima


com o quarto, e o segundo com o terceiro;

• ABAB: o primeiro verso rima com o terceiro e o segundo rima com o quar-
to;

• AABB: o primeiro verso rima com o segundo e o terceiro rima com o quar-
to.

Além disso, um soneto deve manter o número de sílabas métricas, isto é, se


o primeiro verso é decassílabo, todos os versos do poema devem seguir o mesmo
número de sílabas métricas. No soneto clássico, os versos são decassílabos. No en-
tanto, em outras épocas, pode haver variação de sílabas. Veja, a seguir, um exem-
plo de soneto, cujas rimas estão em negrito no final de cada verso e há a indicação
de quartetos e tercetos:

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Fonte: Univates (2020).

Na imagem temos um esquema de rima ABBA nos quartetos e CDC nos


tercetos. Neste último exemplo de rima não utilizamos as letras A e B porque, se
você prestar atenção, verá que as rimas dos tercetos são baseadas em sonoridades
diferentes daquelas dos quartetos.

Como vimos, o soneto é uma forma fixa e exige, por isso, um grande em-
penho por parte do poeta para, além de adequar o conteúdo a essa estrutura com-
plexa, conciliá-la a um conteúdo significativo. Repare que esse apuro formal vai ao
encontro do que estudamos a respeito da preocupação renascentista com a razão,
o elitismo e a autonomia da arte do homem da Renascença.

Características da lírica camoniana


Na esteira de poetas latinos como Virgílio, Ovídio, Horácio, além do já ci-
tado Petrarca, Luís Vaz de Camões percebe a natureza como um lugar idílico e a
mulher sob uma perspectiva por vezes platônica, isto é, idealizada e distante. No
entanto, essa visão às vezes é complexificada, pois se concilia com a sensualida-
de feminina e o desejo de concretização amorosa, estabelecendo um jogo entre o
mundo real e o mundo das ideias, conforme segue:

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“Transforma-se o amador na cousa amada,


Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,


Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,


Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim coa alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;


[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.”

(CAMÕES, 2009, p. 113)

Repare no uso de jogos de linguagem: antíteses, paradoxos, metáforas, si-


logismos etc. que Camões costuma utilizar para falar das contradições do amor.
No entanto, o desacerto amoroso também é marcado pela morte e pelo desejo do
sujeito lírico de encontrar-se com a amada em outro mundo:

“Alma minha gentil, que te partiste


Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,


Memória desta sida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te


Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,


Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.”

(CAMÕES, 2009, p. 23)

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O desconcerto do mundo, os dilemas existenciais, a passagem do tempo e


as incertezas também são temas que certamente apontam, mais uma vez, para a
universalidade da obra camoniana:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía*.”

(CAMÕES, 2009, p. 64)

*Soía: Como costumava ser.

Desafio
Os Lusíadas tem diversas adaptações para o público infantil e juvenil. Há tam-
bém muitos documentários, peças teatrais, HQs, estudos comparativos etc. so-
bre a obra, sendo possível encontrar, ainda, adaptações literárias nas bibliotecas pú-
blicas e escolares. Procure conhecer essas versões, já que há muitos desses materiais
on-line. Em seguida, apresente o resultado de suas pesquisas a respeito desses ma-
teriais e sugira possíveis trabalhos no campo escolar, escrevendo suas ideias em um
ou dois parágrafos e postando no Fórum, no tópico Os Lusíadas e suas adaptações,
acessando o Ambiente Virtual.

Como vimos, em sua lírica, Camões dedicou-se a falar do amor, mas


também manteve o olhar atento para o mundo e para a condição humana.
Portanto, reforçamos, no final desta unidade, a importância deste poeta que
extrapolou as características de determinado período e atingiu o ápice da
experiência literária ao conciliar o nacionalismo, o íntimo e o universal.

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Atividade
Depois de ter estudado as facetas épica e lírica de Camões, vamos realizar
as duas atividades propostas para esta unidade de estudo. Para isso, acesse o Am-
biente Virtual.

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Referências

ABDALA JUNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, Maria A. História social da


literatura portuguesa. São Paulo: Ática, 1982.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990.

CAMÕES, Luís V. 200 sonetos. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009.

CAMÕES, Luís V. Os Lusíadas. Edição comentada por Jane Tutikian. Porto


Alegre: L& PM Pocket, 2009a.

JOEBLACK564. A criação de Adão. Pixabay, 2020. Disponível em: https://


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michelangelo-4889767/. Acesso em: 27 mar.2020.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 30ª ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
REAL, Miguel. Rimas de Camões - o Lirismo. e-Cultura.pt, 2020. Disponível
em: https://www.e-cultura.pt/artigo/20035. Acesso em: 27 mar. 2020.

RUBENS, Peter P. Aquiles fere Heitor [1630-1635]. Wikimedia, 2020. Disponível


em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Peter_Paul_Rubens_-_Achilles_
slays_Hector.jpg#/media/File:Peter_Paul_Rubens_-_Achilles_slays_Hector.jpg.
Acesso em: 27 mar. 2020.

VAZ JÚNIOR, Julio. Adamastor [1927]. Pinterest, 2020. Disponível em: https://
www.pinterest.at/pin/782500503982993286/. Acesso em: 27 mar. 2020

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