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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


SETOR DE CIÊNCIA HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA – MEMÓRIA & IMAGEM (BACHARELADO): 1º/2015
HISTÓRIA MODERNA
Prof. Dr. VINÍCIUS NICASTRO HONESKO

Resenha e análise da obra:


A ERA DAS REVOLUÇÕES (1789-1848), por Eric Hobsbawm (p. 5-286)

Gabriel Antonio Forgati*

O AUTOR

Eric John Ernest Hobsbawm (1917-2012) foi um historiador britânico, nascido


no Egito (quando ainda colônia do Império Britânico), e um dos maiores teóricos do
século XX. Se autodeclarava Marxista e era membro do Partido Comunista Britânico.
Escreveu diversas obras, dentre as quais inclui-se com destaque a da presente
análise, “A Era das Revoluções”, primeiro volume da trilogia do que o autor chamava
ser o “longo século XIX (1789-1914)” (juntamente com “A Era do Capital” e “A Era
dos Impérios”). Outro livro que garante destaque é “A Era dos Extremos”, que
discute os governos extremistas – tanto de direita, quanto de esquerda – no que
Hobsbawm chamava de o “breve século XX (1914-1991)”.

A OBRA

“A Era das Revoluções (1789-1848)” discute, em suma, as transformações


ocorridas no continente europeu, sobretudo, após o desencadeamento da “dupla
revolução”, termo que Hobsbawn faz uso ao referir-se à Revolução Industrial na Grã-
Bretanha e à Revolução Francesa, ambas ocorridas na segunda metade do século

*
Aluno da Graduação em História – Memória & Imagem – pela Universidade Federal do Paraná
(Turma de 2018. Atualmente é Arquivista da Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais – Curitiba/PR (Arquivo Dom Alberto José Gonçalves).
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XVIII. A obra inaugura uma trilogia que abordará o “longo século XIX”, termo
cunhado pelo próprio historiador, que julga que o século em questão extrapolou a
rigidez dos anos, tendo iniciado em 1789 (com a consolidação e ampliação da
Revolução Industrial e com a Queda da Bastilha, evento que tradicionalmente se
atribui ao início da Revolução Francesa) e encerrado em 1914, com o advento da
Primeira Grande Guerra (1914-1918). Os outros volumes que compõem a trilogia
tratam da consolidação do capitalismo como sistema econômico 1 e da corrida
imperialista europeia, realizada na empresa de ampliar a produção e o mercado
consumidor destas nações2.

A obra divide-se em duas grandes partes: “Evolução” e “Resultados”. “A


primeira trata amplamente dos principais desenvolvimentos históricos do período,
enquanto a segunda esboça o tipo de sociedade produzida pela dupla revolução”
(Hobsbawm, 2015: p.16).

Hobsbawm abre a obra explanando acerca do que chamou de “dupla


revolução”: a industrial inglesa e a francesa, primeiramente abordando aquela,
deixando esta para um segundo momento. Comum a ambos movimentos é a
exposição da Europa da época que o teórico faz, principalmente no primeiro
capítulo, “O mundo na década de 1780”. As relações entre as distâncias, como o
homem da época percebia essas, como eram longas e demoradas as viagens, e
como o melhoramento das estradas e ainda posteriormente a invenção da ferrovia
tornaram mais fácil e barato os deslocamentos ocupam boa parte do tópico. O
mundo “conhecido”, ao menos para o europeu – cujo continente contava
aproximadamente 187 milhões de habitantes – era muito menor, e o intercâmbio e a
troca de informações eram vastas e abundantes para a época. Neste início de texto
já é possível perceber a tendência de análise quantitativa do historiador,
especialmente ao quantificar dados a todo o momento, citando uma vasta gama de
exemplos para consolidar sua teoria e para facilitar a compreensão do leitor.
Também é visível sua linha marxista, abordando o materialismo histórico,
conjecturando acerca de como parte da evolução econômica se deu na exploração
do homem pelo homem. As compreensões acerca das relações no campo e na
cidade, bem como o crescimento significativo desta última ocupam parte da

1
HOBSBAWM, Eric J. A ERA DO CAPITAL (1848-1875). 23º ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015.
2
HOBSBAWM, Eric J. A ERA DOS IMPÉRIOS (1875-1914). 19º ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015.
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discussão empreendida; igualmente o é a importância da produção agrária da época


e dos trabalhadores que ali viviam. Destaca-se o trabalho dos fisiocratas, que
atribuíram à terra grande importância, ligando a posse dessa à grande riqueza. Ao
tratar dos trabalhadores do campo, Hobsbawm detém-se com especial atenção,
sobre o trabalhador rural, discorrendo sobre suas condições e ainda indo além,
tratando do êxodo rural provocado pela crescente industrialização e pelas leis de
cercamento, que priorizaram a produção de lã caprina como fonte para a indústria
têxtil; esse ramo em específico foi, junto com o ferro e o carvão, força motriz na
primeira fase da industrialização. Hobsbawm também opõe a produção agrária,
lenta, com o comércio e a indústria, que movimentam a economia de forma mais ágil
e volumosa.

No segundo capítulo (“A Revolução Industrial”), Hobsbawm trata do


movimento propriamente dito, traçando como o movimento origina-se na Inglaterra,
cresce, e depois expande-se para o restante da Europa. Quanto à origem da
revolução, diz:

a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na


história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder
produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se
tornaram capazes de multiplicação rápida, constante, e até o
presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços.
(Hobsbawm: 2015, p. 59).
Essa nova revolução trouxe significativas e indeléveis mudanças. Das mais
significativas ilustradas pelo autor, pode-se citar o surgimento de uma nova classe
social, o operariado, ou proletariado. Na década de 1840, essa classe assume
grande visibilidade, não como prestigiada, mas como problemática às políticas
governamentais. Inclusive, o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e
Friedrich Engels foi publicado na época, em 1848, dando resposta ao tratamento
dado aos homens e mulheres que trabalhavam nas fábricas, lançando as bases e
tornando mais organizada e sistemática a luta do proletariado por condições mais
dignas de vida. Ainda nesse capítulo, é salutar ressaltar como a Inglaterra estava
adiante das demais nações da época, o que lhe permitiu tal desenvolvimento
industrial. O que acontecera na França em 1789, por exemplo, da derrubada do
Antigo Regime e do absolutismo, e da instauração de um poder não absoluto, com a
Monarquia Constitucional, já ocorrera na Inglaterra mais de um século antes.
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O estudo da Revolução Industrial ainda nos permite compreender as relações


da Inglaterra com suas colônias, ex-colônias (como os Estados Unidos da América)
e demais países em nascimento na época. A produção de algodão, importado pela
Grã-Bretanha, a partir da América, por exemplo, foi de suma importância para a
indústria têxtil, que dominou as esferas de produção industrial nas primeiras
décadas da revolução, tornando a Inglaterra hegemônica e absoluta em tal ramo.

Em “A Revolução Francesa” (capítulo terceiro), Hobsbawm faz o mesmo


traçado que fez ao abrir o livro, expondo a França do Antigo Regime sob o domínio
absoluto da Casa Real dos Bourbon (sobretudo do reinado de Luís XVI), em seus
aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais, sobretudo. As crises políticas na
época não são latentes apenas na França; observou-se fenômenos na América, com
o surgimento dos ideais iluministas de independência, consolidados a partir da
estadunidense (1776-1783), e na própria Europa, como na Irlanda, em relação à
Grã-Bretanha, e na Bélgica, em relação à Holanda. A importância dada à Francesa
dá-se devido à magnitude do evento, que não restringiu-se ao território e nem ao
período temporal exposto, influenciando e desencadeando outros movimentos na
própria França, no restante da Europa, e em colônias, sobretudo na América Latina.
“A quantidade de agitações políticas é tão grande que alguns historiadores mais
recentes falaram de uma “era da revolução democrática”, em que a Revolução
Francesa foi apenas um exemplo.” (Hobsbawm: 2015, p. 99).

A revolução tem início após uma série de fatos que levaram a um caos
econômico e descontentamento geral. A burguesia, abonada, passara a falar em
revolução e o primeiro e segundo estado (clero e nobreza, respectivamente) temiam
as agitações. Para tentar conter quaisquer revoltas, o rei Luís XVI – por orientação
de Necker, seu ministro para assuntos econômicos – então convocou a Assembleia
dos Estados Gerais, com representantes dos três estamentos; o monarca objetivava
convencer o clero e a nobreza a pagarem impostos, em vista de melhorar a
condição financeira da França. Após sucessivas discórdias entre o terceiro estado
com o primeiro e o segundo estado, aquele transformou os Estados Gerais em
Assembleia Nacional Constituinte, inaugurando o movimento, cujo estopim foi a
Queda da Bastilha – espécie de prisão e depósito de armas, símbolo do poder do
Rei de França – em 14 de julho de 1789. A Assembleia foi disputada por três
grandes “partidos” políticos: os jacobinos, de orientação mais radical, os girondinos,
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mais moderados, e a planície (ou pântano), que ora tendia a um, ora a outro (origem
dos conceitos de direita e esquerda: jacobinos, sentavam-se à esquerda na
Assembleia; girondinos à direita; e a planície no centro). A monarquia constitucional
foi instaurada e o voto censitário oficializado. Em 1792 os jacobinos – desejosos de
mais expressão popular – assumiram o poder na chamada Convenção, opondo-se
aos girondinos (que até dirigiram a Convenção num primeiro momento), burgueses,
que julgavam que as mudanças necessárias já haviam sido implementadas; porém,
a massa popular em geral continuava tão miserável e insignificante quanto antes da
revolução. A oposição a Luís XVI aumentava gradativamente. Uma República foi
instaurada e em 1793 o rei foi guilhotinado, inaugurando a fase do terror, que matou
milhares de opositores e inimigos da revolução. Após a perda de prestígio e de
poder dos lideres jacobinos, foi instaurado o Diretório, mais brando e conservador,
que estabilizou a França politica e economicamente. O exército assumiu grande
prestígio ao sufocar insurreições dentro do próprio território e garantir a segurança
da França, alvo de uma coligação de países europeus intencionados em conter a
revolução (liderados pela Inglaterra, maior adversária politica e econômica da
França, e pela Áustria, pátria da rainha Maria Antonieta de França). De dentro do
exército, a figura do general Napoleão Bonaparte porá fim – ao menos teoricamente
– na Revolução Francesa, ao aliar-se com a burguesia e dar um golpe de estado,
instaurando a Era Napoleônica (1799-1815).

O capítulo quarto, “A Guerra”, em suma tratará da Era Napoleônica e seus


desdobramentos. Após o Golpe do 18 de Brumário, Napoleão tornou-se Cônsul da
França, e assim permaneceu até 1804, quando instaurou o Império (1804-1815).
Invadiu e dominou diversos países, ampliando o poder econômico e político da
França, “bagunçando” as fronteiras que precisaram ser reorganizadas pelas nações
europeias após sua queda. Nessa época, é visível a influência que a Revolução
Francesa demandou em toda a Europa, e em seguida no restante do mundo.
Hobsbawm, no início da obra explana que abordará a “dupla revolução”, que aqui já
foi explicada. Contudo, marcadamente mais se delonga, mais se aprofunda na
Revolução Francesa. Esta é um símbolo do triunfo do liberalismo e do sepultamento
definitivo do Antigo Regime. Por mais que durante sua ocorrência (1789-1799) e nas
décadas que se seguiram não tenha melhorado a vida dos mais miseráveis como
era o desejo de alguns de seus líderes (o que não o era de boa parte da burguesia),
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ela inaugura mudanças que permitirão isso, consolidando o estado democrático, de


Direito, livre e universal para boa parte do mundo ocidental. Nas duas primeiras
décadas do século XIX, observa-se um constante estado de guerra na Europa, que
aos poucos irá se estabilizando, consolidando seu poderio econômico de forma
definitiva (vitória do Capitalismo).

A seguir, no capítulo “A Paz”, Hobsbawm trata da relativa paz que se viu na


Europa até a Primeira Guerra Mundial após o fim do governo de Napoleão
Bonaparte, em 1815. Neste ponto a “dupla revolução” será visível sobremaneira:
após a longa, difícil, tortuosa e desestabilizada revolução política (não apenas na
França, mas em outros locais), a revolução industrial impulsionará e promoverá um
vasto desenvolvimento econômico por todo o continente. Hobsbawm traçará, neste
ponto, numerosos exemplos acerca dos efeitos da “dupla revolução”, seja no oeste
europeu (Itália, Áustria, Prússia, Países Baixos etc), seja no leste (Rússia e países
eslavos). Parece patente o intento do autor, também, de expor o que virá ser uma
das várias causas para a Primeira Grande Guerra. Hobsbawm expõe conflitos
étnicos em vários países, interna e externamente, anexações e disputas por terras,
questões de sucessão, substituição de formas de governo, condição do proletariado
etc. As relações diplomáticas também intensificam-se, tentando evitar ao máximo os
conflitos bélicos (prejudiciais para a população, mas também para a economia
geral).Todos esses fatores concorrem para tornar a Europa uma “teia”, onde os
países, por mais que exerçam influência e poderes propriamente ditos uns sobre os
outros, estejam interligados de uma forma ou de outra. Quando duas nações entram
em guerra, por exemplo, não são apenas estas que se prejudicam. As demais, que
dependem de importações ou exportações a partir das que estão em conflito
também são prejudicadas. Migrações são motivadas, para fugir dos conflitos, a
população se dispersa, e naturalmente que a recuperação é lenta e dolorosa. É a
economia de mercado, dinâmica, interdependente, propiciada graças à Revolução
Industrial.

Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso


da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na
geração pós-1815. Evitar uma segunda Revolução Francesa,
ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia
generalizada tendo como modelo a francesa, foi o objetivo
supremo de todas as potências que tinham gasto mais de vinte
anos para derrotar a primeira; até mesmo dos britânicos, que
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não simpatizavam com os absolutismos reacionários que se


restabeleceram em toda a Europa e sabiam muito bem que as
reformas não podiam nem deviam ser evitadas, mas que
temiam uma nova expansão franco-jacobina mais do que
qualquer outra contingência internacional. E, ainda assim,
nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro
lugar, o revolucionarismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz
de se espalhar por propaganda deliberada como por contágio
espontâneo. (Hobsbawm: 2015, p. 180).
O excerto acima, que abre o capítulo sexto – “As Revoluções” –, mostra o que
a Revolução Francesa trouxe para a Europa: ares de mudança. A principal empresa
dos governantes, principalmente dos monarcas, pós-1815 será de manter as
estruturas consolidadas de seus países, o que quase sempre não aconteceu. Num
segundo momento, tais dirigentes não irão se opor totalmente às revoluções,
temerosos de terem o mesmo destino de Luís XVI. Ao contrário, irão apoiá-las;
contudo, o farão com o intento de manterem no poder, mudando a forma de
governar, mas não o governo em si. Esse capítulo aborda as Revoluções de 1830 e
de 1848, que Hobsbawm divide em três ondas revolucionárias. A primeira eclodiu na
Espanha, em Nápoles e na Grécia, principalmente. Na Espanha aboliu-se o
absolutismo, incidindo sobre as colônias na América, que pouco a pouco pululavam
em revoltas pela independência. Em Nápoles, igualmente aristocratas perderam
importância e a burguesia adentrou com grande afluxo na máquina pública. Na
Grécia, coube a libertação contra os turcos. A segunda onda refere-se ao continente
europeu em quase toda a sua totalidade, bem como aos estadunidenses. Na
França, resultou na abdicação forçada de Carlos X, da Casa de Bourbon, que
atentou contra o liberalismo e buscou concentrar muito poder em si. A burguesia – já
consolidada desde o início do século – coroou Luís Felipe, um Orleans, liberal e
aliado dos burgueses. Novamente a França encabeça e desencadeia mudanças:
onde a tentativa de restaurar o absolutismo monárquico foi vislumbrada,
rapidamente fracassou. A terceira e última onda diz respeito aos levantes de 1848,
que na França resultaram na proclamação de uma república, exigida pelos
burgueses industriais, movida pelos populares. Concomitante ou posteriormente,
observou-se, direta ou indiretamente, agitações na Itália, estados germânicos, no
Império dos Habsburgo, na Suiça, Espanha, Dinamarca, Romênia, Irlanda, Grécia e
até a Grã-Bretanha. “O que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora,
assim parecia, “a primavera dos povos” de todo um continente.” (Hobsbawm: 2015,
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p. 183). O que é notável é como essas novas revoluções (de 1830 e 1848) foram
intencionais e até mesmo planejadas. Não que a de 1789-1799 tivesse sido
totalmente espontânea, mas a sociedade a posteriori, sobretudo a burguesia (em
muitos casos aliada à nobreza), que agora é quem engendra e manipula as esferas
governamentais, conhece o efeito que o levante popular causa e usa dessa
experiência para expor, alterar e consolidar os itens de suas reinvindições. Porém, o
que é comum a ambos movimentos é a ausência de participação popular na
gerência; o povo, operários, lavradores, trabalhadores comuns do campo e da urbe,
vem à baila apenas quando o levante “estoura”, sendo a força que a burguesia
necessita.

O capítulo sétimo (“O Nacionalismo”) abordará como a “era das revoluções”,


sobretudo as de 1830, incutiu no imaginário popular a noção do movimento
nacionalista, de exaltação da pátria, de renovação das estruturas ultrapassadas, de
autoafirmação enquanto nação etc. O exemplo mais notável a que Hobsbawm
refere-se é aquele fundado ou inspirado por Giuseppe Mazzini, que idealiza a
construção da “jovem” Europa. Jovens italianos, poloneses, suíços, alemães,
franceses, irlandeses, tchecos, turcos etc, entre as décadas de 1830 e 1840 irão
buscar sua autoafirmação, na tentativa de colocar em voga seus ideais junto às
esferas governamentais. Relativo aos resultados, esses movimentos não foram tão
importantes. Contudo, a ideologia que agregam, a do nacionalismo, é
importantíssima para a compreensão de todo o continente. O nacionalismo, por
exemplo, será uma das causas para o estopim da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), devido aos intentos de dominação territorial e política que o Império Austro-
Húngaro, por exemplo, buscou sobre outras nações, como a Sérvia. Ainda outros
exemplos são notáveis; o que parece, contudo, mais importante ressaltar realmente
seja essa noção de Estado-Nação, de proteção do mercado interno (o fatos
econômico, como já tratamos, é elevado à mais alta importância após a Revolução
Industrial), da população constituinte, das fronteiras e de um governo soberano.
Ainda será visível na Europa da época movimentos pululando por todas as partes;
dizem respeito, principalmente, a “movimentos de revolta popular contra o domínio
estrangeiro” (Hobsbawm: 2015, p. 223). O que autor ressalta, e o faz com
veemência, é que essa noção de nacionalismo apenas está nascendo, e é um termo
que na época só pode ser aplicado à Europa. Em parte por ser, num primeiro
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momento, diretamente ligado a conflitos entre religiões diferentes. Na América


Latina, por exemplo, a Igreja Católica Romana impera absoluta, e as nações ainda
são muito jovens; ainda estão delimitando fronteiras, outras ainda entram em
pequenos conflitos umas com as outras, e as disputas pelo poder são constantes. O
exemplo que, ao menos em parte, foge ao conflito na América Latina é o Brasil, de
proporções continentais, que garantiu suas fronteiras graças ao Imperador Dom
Pedro I, filho do Rei de Portugal, que foi quem motivou a independência (antes que
essa fosse empreendida pelos liberais republicanos e a Família Real fosse
destituída). Neste ponto encerra-se a primeira parte do livro, que trata da “evolução”
dos movimentos na Europa. A segunda parte, “os resultados”, buscará explanar os
desencadeamentos propiciados graças à primeira.

“O que acontecia à terra determinava a vida e a morte da maioria dos seres


humanos entre 1789 e 1848.” (Hobsbawm: 2015, p. 236). Essa frase, com que
Hobsbawm abre o capítulo oitavo, “A Terra”, nos permite organizar algumas
concepções. Uma delas, sem dúvida, é a importância da terra como meio de
produção para a subsistência do homem; desde os primórdios da espécie humana, a
agricultura desempenha papel mister, inclusive sendo o domínio desta técnica um
fator para determinar a transação entre a vida nômade e a sedentária. O
aprimoramento da tecnologia levou a cada vez melhores plantios e colheitas, e, por
conseguinte, expansão populacional. Mesmo com a Revolução Industrial, que
ampliou as formas de produção de mercado, a agricultura não foi descartada. Muito
ao contrário, foi superestimada: a primeira fase da revolução foi principalmente a
têxtil, que dependia da lã dos carneiros ingleses. Até as terras foram divididas pela
Coroa Britânica (leis de cercamento) para ampliar a produção de lã e movimentar a
indústria. Igualmente, com o aumento da população, a produção de alimentos teve
de ser ampliada. As mudanças empreendidas pela “dupla revolução” – a melhora da
produção com a Industrial, e a mudança na forma de gerência econômica dos
Estados com a Francesa – propiciaram um aumento da produtividade constante até
a atualidade. Contudo, dois problemas podem ser relatados quando tratamos da
“terra”, ambos relativos às baixas camadas da sociedade: o primeiro diz respeito à
posse da terra, exclusiva para os muitos ricos; o segundo, diz respeito ao tratamento
social dado ao trabalhador rural. Aos poucos foi possível observar na Europa uma
mudança nessas questões, sobretudo da abolição da servidão. Pode parecer pura
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bondade dos governantes e proprietários, mas novamente o fator econômico está


por trás: o trabalhador livre, assalariado, que não trabalha forçadamente e tampouco
precisa pagar os tributos não econômicos (herança do Medievo) ajuda a movimentar
a economia, pois precisa de bens e serviços dos quais não dispõe, mas que
necessita. E, por mais que tratemos aqui de trabalho livre e assalariado, isso
necessariamente não significa melhora de qualidade de vida; essa liberdade é
relativa, por que o trabalhador está atrelado a um pagamento mínimo, e é apenas
essa opção que ele tem; o salário é pouco, miserável na verdade, e novamente ele
não tem outra opção. Uma ilustração que corrobora a fase inicial do capítulo, por sua
vez, foi a Grande Fome Irlandesa de 1847, “que foi, de longe, a maior catástrofe
humana da história europeia no período que focalizamos.” (Hobsbawm: 2015, p.
261).

No nono e último capítulo do recorte selecionado (o livro seguirá até o décimo


sexto capítulo), “Rumo a um mundo industrial”, Hobsbawm trata de que a economia
que domina o mundo realmente é a industrializada. Os inúmeros avanços da área,
sobretudo o navio à vapor e a ferrovia, que facilitaram o contato entre os países e o
deslocamento de pessoas, bens e serviços – o que outrora era difícil e dispendioso,
como tratamos no início – melhoraram as relações na Europa. Hobsbawm também
se debruça nesse capítulo em explicar como a revolução saiu da Grã-Bretanha –
embora essa continuasse a liderar a produção industrial absoluta – e desenvolveu-
se em países que começariam a configurar-se como concorrentes da própria, como
a Alemanha (ainda não unificada) e os Estados Unidos. Outras mudanças
significativas acarretadas por tal revolução que podemos citar incluem: a explosão
demográfica como nunca se havia observado na história da humanidade; a
comunicação internacional propriamente dita (facilitada pela melhoria de estradas e
construção de ferrovias); a emigração de europeus dentro do próprio continente e
para a América, principalmente; e a intensificação massiva do comércio, seja interna
ou externamente. A partir de então, as mudanças que se observarão no mundo até a
atualidade foram progressivamente mais visíveis, rápidas e significativas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A “Era das Revoluções”, sem dúvida, é uma obra muito completa. Ao leitor
que se depara com ela pela primeira vez pode julgar a parte inicial, sobretudo a
introdução e os dois primeiros capítulos, muito lenta, detalhista e profundamente
estatística. Contudo, acredito que seja apenas o autor “preparando o terreno” para
adentrar em temas de suma importância para a compreensão do mundo moderno.
Temas que são complexos, que ocorreram de formas nada simples, e que
demonstram as tendências e influências nos séculos XIX e XX. Como já foi dito, a
Revolução Francesa não foi o único evento político do final do século XVIII; contudo,
foi sem dúvidas o mais grandioso e impactante a posteriori. Hobsbawm, no início da
obra, refere-se a uma “dupla revolução”; contudo, atém-se com muito mais
profundidade e cuidado na Francesa. Isso pode se dar devido à universalidade e
atemporalidade do evento: essa revolução em específico afetou de diversos modos
a vida e a política da Europa em geral (e de outras parte do mundo) por muitas
décadas. A Revolução Industrial inglesa também o fez, mas não de forma violenta e
não buscando mudar os alicerces (sociais, políticos e culturais) mais enraizados da
sociedade da época.

Outro item que nos vale ressaltar é como a “dupla revolução” lida com o
trabalhador, da classe média até o mais pobre. Por mais que os ideiais de liberdade,
igualdade e fraternidade da França tivessem ressoado por Paris e por todo o
território durante os dez anos em que tradicionalmente enquadramos o evento, as
mudanças sociais vieram muito depois. A Revolução Industrial, que podemos afirmar
estar em progresso desde 1780, gerou uma nova classe, a dos operários, que
começaram a se organizar e a liderar lutas apenas em 1840. Em termos de
Historiografia pode parecer pouco tempo, mas são sessenta anos, e a expectativa
de vida da época não era nada otimista, ou seja, algumas gerações talvez tenham
se sucedido sem vislumbrar mudança alguma.

Nota-se, também, como a mudança vem urgente às pautas dos movimentos


sociais, mas não se aplica com a mesma rapidez com que surge no imaginário dos
intelectuais. As mudanças bradadas pela Revolução Francesa vieram a surtir efeitos
significativos décadas após o fim do levante, seja na França ou aonde quer que
tenha repercutido. Isso nos mostra a peculiaridade da História, que não estuda o
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mundo, natureza-morta, inerte, que segue por si só; mas estuda a humanidade,
composta por homens e mulheres, únicos, idiossincráticos diferentes uns entre os
outros. Essa grande peculiaridade na humanidade, graças à divergência de
concepções, ideias, pressupostos, tradições, torna as mudanças mais lentas e,
talvez, menos dolorosas.

Por fim, justamente no último parágrafo, Hobsbawm diz: “por volta de 1848
estava claro que os países deviam seguir o exemplo do primeiro grupo, isto é, da
Europa ocidental” (2015, p. 285). A partir desse excerto nos é permitido
compreender como parte da Europa configurou-se como modelo, e como o não
seguimento deste imprimirá nas demais nações o caráter de subdesenvolvimento e
atraso, pensamento que guiará com sucesso as corridas imperialistas e a
dominação sobre outros povos.

REFERÊNCIAS

HOBSBAWM, Eric J. A ERA DAS REVOLUÇÕES (1798-1848). 35º ed. Rio de


Janeiro: Paz & Terra, 2015. P. 5-286

BIOGRAPHIE – Eric Hobsbawn – Main Great Historians. Disponível em:


<http://www.greathistorians.com/en/eric-hobsbawm/biographie>. Acesso em: 19 de
junho de 2015.

PROFILE: Eric Hobsbawn | Books | The Guardian. Disponível em:


<http://www.theguardian.com/books/2002/sep/14/biography.history>. Acesso em: 19
de junho de 2015.

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