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Formação em Psicologia:
Requisitos para Atuação
na Atenção Primária e
Psicossocial
Formation In Psychology:
Requirements For Acting In Primary
And Psychosocial Attention

Formación En Psicología:
Requisitos Para Actuación En La
Atención Primaria Y Psicosocial

Magda Dimenstein
Universidade Federal
do Rio Grande do Norte

João Paulo Macedo


Universidade
Federal do Piauí
Artigo

PSICOLOGIA
PSICOLOGIA: CIÊNCIA CIÊNCIA E PROFISSÃO,
E PROFISSÃO, 2012, 322010,
(num.30 (1), 200-211
esp.), 232-245
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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Magda Dimenstein & João Paulo Macedo
2012, 32 (num. esp.), 232-245

Resumo: Este artigo põe em análise o percurso profissional dos psicólogos na saúde pública nesses 50
anos de profissão no Brasil. Para tanto, destacam-se os estudos que versam sobre a formação, a inserção e
a atuação dos psicólogos no SUS e os questionamentos surgidos em torno dos (des)encontros entre nossa
ação profissional e as diretrizes/modos de trabalho preconizados na saúde coletiva. Entretanto, apresentam-
se algumas experiências em curso que têm conseguido provocar mudanças importantes na formação
graduada e pós-graduada em saúde: residências multiprofissionais (RMS), Programas de Educação pelo
Trabalho para a Saúde (PET-Saúde/MS-MEC) e programas de estágio profissionalizante em saúde coletiva
em cursos de Psicologia. Conclui-se que a Atenção Primária e a atenção psicossocial que orientam o campo
da saúde mental têm conformado uma conjuntura privilegiada para o desenvolvimento de experiências
transformadoras, de novas competências e habilidades psicossociais, trazendo inovações para a formação
e a requalificação dos modos de atuação do psicólogo no setor.
Palavras-chave: Formação do psicólogo. Sistema Único de Saúde. Atenção primária à saúde. Saúde mental.

Abstract: This article analyses the professional course of psychologists in public health in fifty years of the
profession in Brazil. The studies that deal with formation, insertion and action of psychologists in SUS
and the questioning that has arisen about the (dis)encounters  between our professional action and the
guidelines/methods of work preconized in collective health are highlighted. However, some experiences
that have managed to cause important changes in undergraduation and graduation formation in health
are presented: multidisciplinary residences, Programs of Education through Work for the Health and
programs of professionalizing internship in collective health in psychology courses. The conclusion that the
Primary Attention and the Psychosocial Attention that orientate the field of mental health have created a
priviledged situation to the development of transformative experiences, bringing innovation to formation
and requalification of the modes of the psychologists who work in the field.
Keywords: Psychologist education. Single Health System. Primary health care. Mental health. 

Resumen: Este artículo pone en análisis el recorrido profesional de los psicólogos en la salud pública en
esos 50 años de profesión en el Brasil. Para tanto, se destacan los estudios que versan sobre la formación,
la inserción y la actuación de los psicólogos en el SUS y los cuestionamientos surgidos en torno de los (des)
encuentros entre nuestra acción profesional y las directrices/modos de trabajo preconizados en la salud
colectiva. No obstante, se presentan algunas experiencias en curso que han conseguido provocar mudanzas
importantes en la formación graduada y posgraduada en salud: Residencias Multiprofesional (RMS), Programas
de Educación por el Trabajo para la Salud (PET-Salud/MS-MEC) y programas de prácticas de formación
profesional en salud colectiva en cursos de Psicología. Se concluye que la Atención Primaria y la atención
psicosocial que orientan el campo de la salud mental han conformado una coyuntura privilegiada para el
desarrollo de experiencias transformadoras, de nuevas competencias y habilidades psicosociales, trayendo
innovaciones para la formación y la recalificación de los modos de actuación del psicólogo en el sector.
Palabras clave: Formación del psicologo. Sistema Unico de Salud. Atención primaria de salud. Salud mental.

Este artigo pretende percorrer as principais autoritarismo e negação de direitos, às


linhas problematizadoras sobre a presença condições sanitárias em que vivia grande
dos psicólogos na saúde pública ao longo parte da população do nosso país, seja
desses 50 anos de profissão no Brasil. Nossa pela crise do sistema de prestação de
intenção, nessa trajetória, é evidenciar alguns serviços de saúde. Como projeto societário e
norteadores teórico-técnicos e políticos para movimento sociopolítico, a reforma sanitária
a profissão, os quais são fundamentais para a foi “teorizada para alcançar a revolução
garantia de uma formação mais condizente do modo de vida” (Paim, 2008, p. 628) da
com os projetos da Reforma Sanitária e sociedade brasileira e não apenas para realizar
Psiquiátrica em curso no País. mudanças setoriais e institucionais, algumas
vistas atualmente. Desse modo, compreende-
De acordo com Fleury (2009), a reforma se a reforma sanitária como um projeto,
sanitária brasileira surge a partir de algumas um processo e um movimento de reforma
crises vividas na década de 70, seja em social mais ampla que prevê: a) a garantia
relação ao conhecimento e à prática médica, constitucional do direito universal à saúde,
à situação política e social expressa pelo b) o reconhecimento dos determinantes

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sociais do processo saúde-doença, c) a luta trabalho e no funcionamento dos serviços,


pela constituição e reformulação de um bem como visam ao enfrentamento das
campo de saber que respeita a diferença, desigualdades sociais e das necessidades
pois pretende ser multiparadigmático, pluri específicas de saúde e à constituição de
e interdisciplinar e pluri e interprofissional, processos democráticos e de participação
o qual marca uma nova ética profissional, social (Feuerwerker, 2005).
d) a luta pela efetivação do Sistema Único
de Saúde (SUS), que implica, além da Baseado nisso, temos assistido, nesses 20 anos
ampliação e acesso universal e equânime dos de implantação do SUS, o movimento de
usuários à rede de serviços, a reorientação expansão e interiorização, e em consequência,
das práticas e a criação de instrumentos de “inversão do parque sanitário brasileiro”
de gestão democrática e de controle social (Machado, 2006, p.12) quanto à oferta de
em “direção à outra lógica que, por ter o serviços e às ações de cuidado, antes centrado
usuário como central ao sistema de saúde, na alta complexidade, agora na Atenção
garante a exigibilidade de seus direitos, a Primária em Saúde/APS, apesar das inúmeras
humanização do acolhimento e a eficácia e carências ainda existentes no setor. Nos anos
a resolutibilidade do cuidado” (Fleury, 2009, 80, contávamos com 18.489 estabelecimentos
p. 750). de saúde, com prioridade para os serviços
hospitalares e ambulatoriais; já no final dos
O próprio processo de implantação do SUS anos 2000, alcançamos o patamar de 96.450
tem sido marcado por inúmeros debates e estabelecimentos vinculados ao SUS (IBGE,
correlações de forças para a sua consolidação 2009), com significativa quantidade de
como principal política social do País. Por serviços e equipes de trabalho na Atenção
estar inserido na seguridade social brasileira, Primária em Saúde.
ao lado da Assistência e Previdência Social, o
SUS foi estruturado a partir de concepções e A inversão na lógica sanitária no País é, sem
de princípios que tornam complexo o conceito dúvida, fruto do processo de municipalização
de saúde, constituindo-o para além da ideia do setor, pois, das 52 mil unidades assistenciais
de ausência de doença, de conservação da públicas em atividade, 95,6% são municipais
vida ou de manutenção da sobrevivência. (IBGE, 2009); esse é, portanto, um cenário
Saúde passa a ser entendida como um que demarca uma forte expansão das políticas
processo singular e subjetivo de negociação setoriais, bem como de ações, serviços e
permanente de sentidos em um campo social, programas vinculados ao SUS, por meio: a)
processo de construção e de desconstrução da significativa ampliação e do fortalecimento
de normas para o enfrentamento da realidade da rede e das ações na atenção básica, através
e da (re)qualificação da vida. da Estratégia Saúde da Família (ESF), que
articula equipes com o Núcleo de Apoio à
Para dar conta da complexidade da vida Saúde da Família (NASF), além das equipes
e das suas necessidades, que envolvem de Apoio Matricial e Unidades Básicas/
tanto o bem-estar físico quanto os demais Centros de Saúde e Unidades Mistas, e b) do
atravessamentos, sejam eles subjetivos, crescimento das equipes multiprofissionais
sociais, econômicos, culturais ou ambientais, nos serviços especializados, notadamente
que participam do processo saúde-doença, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
o SUS foi organizado em diferentes níveis serviços residenciais terapêuticos, consultórios
de atenção, cujas estratégias de promoção, de rua, hospitais geral e especializado,
proteção, tratamento e reabilitação se serviços de referência em Medicina física e
ancoram na qualificação do processo de reabilitação e ambulatórios multidisciplinares

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especializados. A consolidação desses experiências foram desenvolvidas no campo


serviços por todo o País tem contribuído, sem da saúde, quando os psicólogos ingressaram
sombra de dúvida, para o fortalecimento da em equipes multiprofissionais em hospitais
presença do psicólogo no SUS (Böing, 2009). privados e públicos ligados às escolas de
saúde de São Paulo e Rio de Janeiro. O
Entretanto, o encontro da Psicologia com objetivo desses profissionais nessas equipes
o SUS, especialmente com os serviços era o apoio às internações clínicas e/ou
de atenção primária à saúde, bem como cirúrgicas em pediatria e cardiologia, dentre
de saúde mental, tem aproximado nossa outros. No entanto, foi na saúde mental que
profissão de uma realidade ainda distante da a entrada dos psicólogos no setor público se
que comumente conhecemos e discutimos fez mais vigorosamente. Com o surgimento
em nossa formação e, em consequência, dos primeiros movimentos de mudança do
da que lidamos nos clássicos lugares de quadro precário de assistência psiquiátrica
atuação. O encontro com comunidades, no País, a partir de investimentos de serviços
em geral de baixa renda e com problemas substitutivos ao manicômio, como também
de infraestrutura, tem contribuído para o com a formação e a contratação de pessoal
questionamento das nossas ferramentas capacitado para operar o novo modelo de
de trabalho, do nosso aparato teórico- assistência em saúde mental, abriu-se um
técnico e da efetividade de nossa atuação vasto campo de trabalho para o psicólogo
em um campo que demanda intervenções nesse contexto, que atribuía às equipes
interdisciplinares por meio de equipes multiprofissionais um papel fundamental de
multiprofissionais. transformação das velhas estruturas e como
condição sine qua non para a concretização
Para compreendermos mais sobre os limites dos serviços extra-hospitalares tais como
e as problematizações impostas pelo campo os centros e os ambulatórios de saúde. O
da saúde pública ao psicólogo brasileiro, psicólogo passou a ser considerado um
discorreremos a seguir sobre o movimento profissional capaz de contribuir para a
de inserção e de atuação da nossa categoria promoção da saúde mental, na medida em
profissional no SUS e os questionamentos que tinha acesso a um instrumental teórico-
surgidos em torno dos (des)encontros entre prático que poderia ser de grande utilidade
a ação profissional dos psicólogos e as na identificação e na abordagem de situações
diretrizes/modos de trabalho no setor. consideradas de risco, ou seja, propiciadoras
de transtornos mentais. Dessa forma, o
Inserção e atuação do psicólogo poderia intervir precocemente
psicólogo no SUS junto àqueles fatores considerados insalubres
para a saúde mental – nos moldes da
A entrada dos psicólogos no campo da psiquiatria preventiva norte-americana
saúde pública guarda uma relação estreita dominante na época – especialmente nos
com os rumos tomados pelo movimento de momentos críticos da vida das pessoas, e
Reforma Sanitária e Psiquiátrica ocorrido assim desenvolver uma prática psicoterápica
no Brasil a partir de meados dos anos 70, dirigida para a prevenção e em benefício da
momento no qual se instaurou uma crítica ao comunidade.
projeto privatista de cuidados em saúde, cuja
ênfase recaía no aspecto curativo, individual, Nota-se, então, a manifestação de um
orientado para o lucro e para a privilegiação interesse pelo psicólogo por parte dos órgãos
do produtor privado desses serviços (Mendes, públicos, o que implicou um movimento de
1994, p. 22). Antes disso, algumas poucas contratação desse profissional, especialmente

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nos níveis estadual e municipal. Esse multiprofissional das equipes de saúde, a


movimento de absorção de psicólogos no Psicologia vinha sendo alvo de inúmeras
campo da saúde pública observado no final críticas no sentido de que o trabalho clínico
dos anos 70 intensificou-se ainda mais na tradicional do psicólogo não apresentava
década seguinte, marcada por políticas grande significado social, pois, destinado
públicas de saúde que priorizavam a criação a uma pequena minoria da população,
de equipes multiprofissionais como forma despreocupava-se com os problemas sociais,
de melhorar a qualidade dos atendimentos além de estar impregnado de forte conteúdo
e de valorizar o profissional de saúde. Essa ideológico individualista. Para Gil (1985),
tendência a atribuir às equipes um papel a inserção na saúde pública foi, para o
decisivo no processo de reforma do sistema psicólogo, a maneira de ter uma função
de saúde foi o que fez com que muitos socialmente reconhecida e a estratégia para
profissionais, antes alheios ao campo da escapar ao declínio social que a categoria
saúde pública, passassem a fazer parte dos vinha experimentando. Esse declínio foi
quadros funcionais. Os psicólogos, como intensificado pela forte recessão da classe
uma das categorias que mais se beneficiou média nos anos 80, grande consumidora
com esse movimento, foi a categoria que das práticas psicológicas, cujas famílias
teve o maior número de profissionais vivenciavam a falência dos seus projetos de
contratados ao longo das últimas décadas ascensão social, típicos dos modelos familiares
para trabalhar nas instituições públicas. Em nucleares e expressivos da modernidade
1976, contávamos com 723 psicólogos nas individualizante. A Psicologia, na medida
equipes de saúde em todo o Brasil; em 1984, em que não dava respostas satisfatórias às
esse número chegou a 3.671 profissionais questões sociais cotidianas, foi perdendo
(Machado, Médici, Nogueira, & Girardi, sua legitimidade social, o que impulsionou
1992), e, atualmente, existem mais de 40 mil os profissionais a buscar novas formas de
profissionais vinculados ao SUS1. inserção no mercado de trabalho.

No final da década de 80, com os avanços Não foi por acaso que fortes investimentos
no processo de desinstitucionalização no campo da saúde pública foram operados
psiquiátrica, observa-se a ênfase no pelo Conselho Federal de Psicologia nas
desenvolvimento de práticas inovadoras de últimas décadas, forçando a construção de
cuidado e de assistência em função de um uma identidade profissional atrelada à saúde,
conceito mais ampliado e complexo de saúde considerada não mais como área específica
mental, o que exigiu modelos efetivamente de interesse do psicólogo, mas “como um
transdisciplinares de integração de saberes. dos importantes espaços de referenciação
Houve a extensão da rede ambulatorial e do diálogo da Psicologia com a sociedade”
a formação das equipes multiprofissionais, (Conselho Federal de Psicologia - CFP,
passando a Psicologia a fazer parte de um 2006, p. 6). Isso significou não só a disputa
conjunto de saberes que buscava romper os por espaço no concorrido mercado de
limites da concepção tradicional de saúde trabalho para os profissionais de saúde que
mental e das práticas assistenciais asilares integram o SUS mas também investimentos
não só no setor secundário, mas também no estratégicos tanto em termos da abertura de
setor primário em saúde. novos cursos e da sua redefinição política
e pedagógica, tentando dar respostas aos
1http://cnes.datasus.
Paralelamente a esse momento político projetos, programas e serviços ligados às
gov.br/Mod_Ind_
Profissional_com_CBO. de instauração de programas com ênfase políticas públicas (saúde, saúde mental,
asp?VEstado=00&VMun= na questão ambulatorial e na montagem assistência social, luta pela terra, instalação

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da rede de proteção de direitos, etc.), quanto a-históricas, servindo, dessa maneira, de


de capilarização e interiorização da Psicologia suporte científico das ideologias dominantes,
para as cidades de pequeno e médio portes, das desigualdades e da exclusão social.
invertendo a tendência eminentemente
urbana da profissão (Macedo & Dimenstein, Nesse caso, é preciso reconhecer que a
2011). participação dos psicólogos no SUS tem
pelo menos dois aspectos que consideramos
Assim, há pelo menos 20 anos, observamos fundamentais. O primeiro deles é que a
movimentos na categoria em torno da presença desse profissional nos serviços e
construção desse novo lugar social para a nas equipes de saúde em todo o País não
Psicologia e da ampliação da sua presença implicou necessariamente mudança radical
no campo das políticas públicas e práticas na lógica de produção de saberes e de
sociais, sob a forte argumentação da nossa atos de saúde pela própria categoria, bem
inerente “vocação para a promoção do como no agir diário dos outros profissionais.
bem-estar e ampliação da qualidade de Nesse aspecto, chamamos a atenção para o
vida dos indivíduos, dos coletivos e das fato de o psicólogo ser mais um dos atores
instituições” (CFP, 2006, p.4). Deu-se, partícipe no variado e contraditório bloco
portanto, a invenção de um novo operador de forças que compõe o território da saúde
no campo da saúde pública, em especial no pública, que atua orientado por concepções
da saúde mental, bem como a produção da biologizantes e mecanizadas da vida, por um
legitimidade da categoria por meio de uma caráter prescritivo em termos dos modos de
intensa negociação com o Estado brasileiro existência, por uma tendência ao trabalho
pela ampliação da inserção da Psicologia no individualizado, ancorado em relações
SUS, que passou a ser um mercado estável verticalizadas e não focadas no usuário, por
para a área. Essa nova perspectiva tornou-se intervenções pouco variadas, circunscritas
não só um dos elementos mais significativos a queixas e voltadas para a remissão de
do processo de remodelamento posto em sintomas, bem como por estratégias de
marcha pela categoria como também um subjetivação norteadas pelos princípios da
dos mais eficazes em qualificar formas de disciplina, da normatização e da cristalização
vida, em definir tecnologias para atuar sobre das referências identitárias.
ela e em intervir na resolução de problemas
e na correção dos desajustes e desvios Essa lógica orienta as ações, define técnicas
identificados nas engrenagens sociais em e procedimentos, organiza o cotidiano
nome da promoção da saúde. Como aponta do trabalho e suas rotinas, seleciona a
Bernardes, “a Psicologia oferece para a saúde clientela, faz declinar a participação e
pública a interioridade do sujeito público e o envolvimento nos assuntos coletivos,
a racionalidade técnica para seu governo” enfim, é o que tem conformado o modelo
(2010, p. 214). hegemônico de atuação do psicólogo no
SUS do ponto de vista tecnoassistencial e
Não é desconhecido que essa dimensão de ético-político. Não por menos, o próprio
controle e governo dos corpos e da vida é padrão de funcionamento dos psicólogos
constitutiva da história da Psicologia, que no SUS tem sido alvo de duras críticas. A
nasceu e se perpetuou, em nome da razão, vasta literatura nacional vem caracterizando
comprometida com a produção de saberes as práticas dos psicólogos nas instituições
e técnicas objetivas e neutras voltadas para públicas de saúde, em particular, na rede de
processos de adaptação dos indivíduos às atenção primária e de saúde mental como
normas sociais, tomadas como naturais e permeada de dificuldades, limites e desafios

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no sentido de produzir novos modos de o atendimento psicológico. Assim, é preciso


atuação condizentes com os princípios e as voltar-se para uma dimensão ampliada que
diretrizes do SUS e da Estratégia de Atenção incorpora a complexidade subjetiva dos atores
Psicossocial, apesar de algumas tentativas envolvidos, pensar na saúde como produção
de mudanças na formação acadêmica e de subjetividade.
profissional (Benevides, 2005; Yamamoto,
2007; Guareschi, Scislesk, Reis, Dhein, & No campo da saúde mental, a contribuição
Azambuja, 2010; Scarcelli & Junqueira, 2011, dessa perspectiva tem sido no sentido de
dentre outros). dar visibilidade a um conjunto de forças que
operam visando a reduzir a experiência da
Por outro lado, existe atualmente um campo loucura a uma patologia ou doença mental.
de tensionamento importante que extrapola Por meio da análise de discursos, práticas e
o âmbito da Psicologia e que é composto instituições, podemos identificar mecanismos
pelos diversos saberes que constituem a que buscam controlar, tutelar, normatizar
saúde coletiva2, e que tem questionado, e medicalizar a loucura, mas também
entre outros, o valor da contribuição da inventar novos saberes e dispositivos em
própria Psicologia para o projeto político do direção à desinstitucionalização da cultura
SUS. Tais tensionamentos têm ajudado na manicomial, que vai muito além do âmbito
formulação de novos problemas e constituído restrito de serviços e práticas profissionais
o segundo aspecto, que é a emergência de e diz respeito aos modos de vida tecidos
um ator político que intervém em um plano no cotidiano, às formas hegemônicas de
ético, ou seja, que provoca análises do que sociabilidade e de convívio com a diferença
está posto em funcionamento, inclusive das na contemporaneidade. Portanto, as lutas
próprias políticas públicas e os modelos que travamos como coletivo de trabalho
tecnoassistenciais em curso, bem como das operam em diferentes planos, na concretude
relações interprofissionais que reconhece do presente, na materialidade dos discursos
que o cuidar em saúde não se restringe e práticas que forjam verdades amplamente
a competências e tarefas técnicas, mas divulgadas e consumidas e que, atualmente,
prolonga-se para um nítido deslocamento de estão cada vez mais interessados na chamada
horizontes normativos, a partir dos projetos normalidade.
2Podemos entender
a saúde coletiva, de felicidade de cada pessoa, que é aquilo
segundo Paim e que as move e que as identifica em seu existir Contudo, o mais desafiante não é só
Almeida Filho,
como “campo
concreto (Ayres, 2001). problematizar noções e práticas e propor
científico onde se novos enfoques para a atuação do psicólogo
produzem saberes
Reinventar práticas e produzir-se profissional no campo da saúde coletiva, mas dispor-
e conhecimentos
acerca do objeto como um ator que põe em análise o nos à experimentação, ativar a ousadia
saúde e onde operam que realiza supõe, operacionalmente,
distintas disciplinas
de diferir e fazer com que esses conceitos
que o contemplam produzir rupturas na cultura de atenção aos ganhem um sentido prático, afastando-nos
sob vários ângulos, usuários, nas modalidades de intervenção da inclinação ao congelamento, desinvestindo
e como âmbito de
práticas, onde se hegemônicas, bem como alterar os modos práticas idealizadas e o engessamento por
realizam organizações de organização, gestão e subjetivação nos referenciais transcendentes e universalizantes,
e instituições por
diversos agentes serviços. Dessa maneira, os problemas, tornando-nos “superfície tensionante e
(especializados no âmbito do SUS, dizem respeito a uma tensionada, dimensionada para hospedar
ou não) dentro
e fora do espaço complexa teia de determinação que envolve novas plataformas de lançamento da vida”
convencionalmente elementos macro e micropolíticos, indo além (Fuganti, 2008, p.17).
reconhecido como
setor saúde (2000,
da prestação de práticas biomédicas e da
p.60). oferta de serviços diversificados, dentre eles,

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Construindo alguns “desinteresse, a alienação, o agir mecânico


norteadores para a formação e burocratizado” (Campos, 1994, p.43) que
tanto caracteriza a presença do psicólogo
profissional dos psicólogos
no SUS como um profissional que não sabe
diferenciar e qualificar suas práticas de
Estudiosos de todo o País são unânimes em
acordo com o nível de atenção (primário,
afirmar que a Psicologia é hoje uma das
secundário ou terciário) em que está inserido.
profissões que têm, ao mesmo tempo, forte
inserção e potencialidade de contribuição
Por outro lado, sabemos que a participação
para o projeto político do SUS, assim
dos psicólogos no campo da atenção primária
como sérios problemas no que diz respeito
e no da saúde mental tem conformado
às práticas, seja em serviços técnico-
uma conjuntura privilegiada que tem
especializados, em estabelecimentos ou
permitido o desenvolvimento de experiências
programas de cuidado à saúde e proteção de
transformadoras, de novas competências e
direitos, seja nas demais atividades gerenciais
habilidades psicossociais, trazendo inovações
e de regulação dessas políticas. Entre as
para a formação e a requalificação dos
principais críticas, cita-se: manutenção do
modos de atuação no setor, incrementando o
clássico modus operandi de atuação clínica
protagonismo dos profissionais no campo da
liberal-privatista, de cunho individual e
reforma sanitária e psiquiátrica. Diariamente,
curativista, busca de nexos causais para a
diversas demandas em saúde mental são
compreensão do quadro clínico e psicossocial
identificadas por profissionais das equipes
do paciente, baseado unicamente nas
ESF e NASF. São situações que requerem
definições de normal e patológico com foco
intervenções imediatas, na medida em que
na remissão dos sintomas, no fortalecimento
podem evitar a utilização desnecessária de
da adesão ao tratamento prescrito e na
recursos assistenciais mais complexos. Trata-
normalização do paciente, na pouca atenção
se de problemas associados ao uso prejudicial
às necessidades sociais e de saúde que
de álcool e de outras drogas, aos egressos de
circunscrevem as queixas da população
hospitais psiquiátricos, ao uso inadequado de
que procura os serviços, realização de
benzodiazepínicos, aos transtornos mentais
ações profissionais isoladas, justificadas pelo graves e a situações decorrentes de violência,
respeito ao sigilo profissional, por isso a desfiliação e exclusão social. A identificação
esquiva para a atuação em equipe, trabalho e o acompanhamento dessas situações,
técnico dissociado das ações de gestão, seja incorporados às atividades que as equipes
ele realizado no próprio serviço, por meio de de atenção primária desenvolvem, podem
ações de gestão da clínica e do cuidado, seja subsidiar ações de intervenção precoce, uso
ele voltado para a estrutura e a organização racional de medicamentos, continuidade
de sistemas de serviços e de redes integradas dos cuidados, prevenção das admissões
de saúde. impróprias em hospitais psiquiátricos e
estabelecimento e manutenção de sistemas
Nesse caso, percebe-se uma tendência de apoio comunitário.
quanto ao fato de que as atividades e
os modos de intervenção dos psicólogos Apesar dos inúmeros problemas observados
nos serviços de saúde são basicamente que envolvem a implantação, a capacidade
os mesmos, independentemente do local resolutiva, a política de pessoal e a forma
de atuação, da população atendida e das de vinculação da clientela, os quais levam
necessidades e demandas requeridas. Campos, Gutiérrez, Guerrero e Cunha a
Esse modelo tem forte relação com o reconhecer que “estamos longe de dispor

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de uma rede de atenção básica com ampla na articulação de diferentes saberes e


cobertura e com eficácia adequada” (2010, tecnologias na construção de diagnósticos e
p. 144), não restam dúvidas de que os projetos terapêuticos singulares, bem como
princípios e as diretrizes que organizam tanto o desenvolvimento de ações de aumento do
a atenção primária, via ESF e NASF, quanto coeficiente de autonomia dos usuários, ou
a Estratégia da Atenção Psicossocial/EAP, que seja, sua capacidade de “compreender e agir
orienta a Política Nacional de Saúde Mental, sobre si mesmo e sobre o contexto, lidando
são capazes de disparar mudanças efetivas com sua rede de dependências” (Figueiredo
no modo de produzir ações em saúde, de & Furlan, 2010, p.165), todos esses aspectos
fazer gestão, de reflexão e de proposição são norteadores importantes para qualificar
de soluções criativas para os problemas que a presença dos psicólogos no SUS e para
permeiam o cotidiano do trabalho nesses superar sua história de desconhecimento
campos. dos aspectos organizacionais e institucionais,
bem como a pouca bagagem para encarar
Nesse aspecto, a formação acadêmica e os enormes desafios clínico-institucionais
profissional dos psicólogos precisa nutrir-se colocados à sua frente.
desse debate até mesmo para contribuir
para o desenvolvimento de um estatuto Nesse caso, a formação e o exercício
diferenciado da nossa profissão no campo profissional dos psicólogos não podem ficar
da saúde. Tanto a ESF quanto a EAP abrem alheios ao debate de estruturação do cuidado
uma nova agenda em termos do trabalho e dos novos modos de gestão dos processos
em saúde, dos modos de ser trabalhador de trabalho no SUS (Ferreira & Olschowsky,
no SUS, das competências requeridas, do 2010), primeiro, porque é insustentável a
compromisso ético-político com a produção ideia de que os processos de formação estão
de um sistema universal e resolutivo, deslocados ou ausentes dos acontecimentos
associado à ideia de cidadania, que exige do mundo e do cotidiano do serviço, que é,
compromisso, sensibilidade, capacidade ao mesmo tempo, plano de reprodução, de
de negociar e de lidar com incertezas, bem experimentação e de invenção de modos
como com problemas complexos e com a alta de ser trabalhador no SUS (Neves & Rollo,
vulnerabilidade social que marca a realidade 2006); segundo, porque é preciso aprofundar
de grande parte dos usuários desses serviços. a relação ensino-serviço-comunidade de
Porém, tudo isso precisa ganhar força nas modo que a formação se dê no e para o
formações dos psicólogos. serviço, além de criar espaços coletivos em
que os trabalhadores, os alunos-estagiários
A multiprofissionalidade, o trabalho no e os professores-orientadores possam, em
território e em rede, articulado por equipes conjunto, interrogar e analisar o seu cotidiano de
de referência que se responsabilizam pela trabalho na medida em que exercitam ações em
condução e pelo acompanhamento dos equipe e potencializam a multiprofissionalidade,
casos, o trabalho a partir de uma perspectiva bem como a interdisciplinaridade norteada
ampliada da clínica, não restrita a aspectos pelos cuidados integrais (Silva & Caballero,
biomédicos, voltada para o segmento 2010); por fim, que a base metodológica da
longitudinal com responsabilidade e vínculo, proposta visa a articular “os componentes
além da busca de obtenção de outros de gestão, assistência e participação popular,
gradientes de autonomia na atividade mobilizando a incorporação dos trabalhadores
profissional com a proposta da gestão como atores identificados com as necessidades
compartilhada e participativa visando à de criação e modificação no cenário da saúde”
não padronização das atividades, a aposta (Oliveira & Gaureschi, 2010, p. 95).

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Dentre as principais experiências que têm Compartilhamos aqui duas experiências de


conseguido provocar tais mudanças relativas ensino que reúnem alguns requisitos que
à formação em saúde, destacam-se as consideramos imprescindíveis à formação
residências multiprofissionais e os Programas de recursos humanos para a saúde coletiva,
de Educação pelo Trabalho para a Saúde ou de modo a superar o tradicional papel das
Saúde Mental (PET-Saúde/MS e MEC). Parte instituições formadoras de produzir e formular
do processo de Educação Permanente em “conhecimentos que sustentam paradigmas
Saúde/EPS, as residências multiprofissionais, tecnicistas e cartesianos, produtores de
que têm o caráter de formação pós-graduada, procedimentos e não de processos de
emergem como cenário de inspiração para cuidado” (Ceccim, 2010, p. 20). A primeira
formar profissionais com capacidade de delas denomina-se SACI (saúde e cidadania)3,
desenvolver práticas convergentes com as é realizada na UFRN e estende-se a todos
diretrizes do SUS. As residências tomam os estudantes da área de saúde, incluindo a
os serviços e as equipes como espaços Psicologia. A segunda é relativa ao Programa
privilegiados de formação, de campos de de Estágio em Saúde Coletiva do Curso
atuação vivencial e de atualização contínua de Psicologia da Universidade Federal do
para seus profissionais, possibilitando o Piauí, localizado no campus de Parnaíba.
aprendizado coletivo no trabalho, mais Ambas estão construídas na interface ensino-
próximo da realidade a ser considerada serviço-comunidade e pretendem conhecer
no planejamento e na atenção em saúde, e trabalhar com alguns problemas concretos
e superam a ideia de desenvolvimento e complexos da realidade local, assim como
da tecnologia e do trabalhador como em espaços multiprofissionais. Para tanto,
recurso, para o investimento em habilidades baseiam-se em novos modelos acadêmicos
no trabalho em equipe, para construir (novas metodologias de ensino, organização
novos pactos de convivência nos quais o de conteúdos e cenários de aprendizagem)
envolvimento ético-político do trabalhador que, por sua vez, estão orientados por uma
é o centro do processo pedagógico. concepção crítica, reflexiva, sustentada na
construção do conhecimento a partir da
Essa perspectiva de articular ações intersetoriais problematização da realidade, na articulação
na triangulação serviço-comunidade- teoria-prática e na participação ativa do aluno
Academia, de abrir a universidade às no processo de aprendizagem.
demandas sociais para interesses e objetivos
concretos das comunidades e serviços, Apesar de operarem em realidades distintas,
redefinindo seu papel e sua responsabilidade essas experiências formativas compartilham
social a partir de uma nova concepção do alguns princípios norteadores da atuação
processo ensino-aprendizagem, que valoriza do psicólogo na saúde pública. Nesse
o saber prévio dos alunos e dos técnicos, e de sentido, consideramos que estão de acordo
uma postura problematizadora da realidade com as recomendações da Organização
é a mesma que orienta as propostas PET e Mundial da Saúde (OMS) para a saúde
as de estágios em atenção primária e saúde mental no mundo quando apontam a
mental que envolvem alunos de Psicologia. relevância da Atenção Primária à Saúde
Apesar de ser um dos cursos integrantes e (APS) na promoção de saúde mental nas
com maior número de profissionais nas RMS comunidades. No Brasil, nota-se um esforço
e PET, não há ainda uma vasta discussão, nem nessa direção a partir da proposição da
estudos avaliativos acerca da participação da Política Nacional de Saúde Mental, em vigor
Psicologia e de seus efeitos em termos das há 10 anos. Em se tratando de uma política
práticas e da cultura profissional da categoria. pública de base comunitária e territorial,

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a PNSM visa, a partir da coordenação, de esgoto, energia, água e esgoto, coleta de


colaboração e complementariedade dos lixo, tipo de moradia, transporte, população,
dispositivos e recursos sanitários e sociais, ao escolas, creches, demais equipamentos de
desenvolvimento de serviços que atendam saúde e de assistência social, equipamentos
as amplas necessidades e problemáticas de lazer e igrejas;
sociais da população portadora de transtornos
mentais, especialmente no que diz respeito 2) o psicólogo deve conhecer os aspectos
à reabilitação psicossocial, ao apoio à sociopolíticos em termos de grupos
integração laboral, à atenção residencial e ao organizados, de lideranças (reconhecidas pela
suporte às famílias. Busca-se, por meio de tais comunidade), de principal fonte de renda
estratégias, evitar processos de deterioração das famílias, de eventos significativos para
das capacidades e do funcionamento social das a comunidade, e deve participar de ações
pessoas com transtornos mentais que acirram de identificação e de enfrentamento dos
as situações de abandono e exclusão, bem problemas sociais de maior expressão local,
como fomentar possibilidades de autonomia com ênfase no desenvolvimento comunitário
e de participação na vida comunitária. e na atuação intersetorial;

No intuito de produzir interferências na 3) o psicólogo deve conhecer os principais


lógica assistencial que nos impede de dispor problemas e necessidades de saúde da
de uma rede de atenção primária com comunidade que vive na área de abrangência
ampla cobertura e com eficácia adequada com base no seu perfil epidemiológico
em termos de saúde mental, o Ministério bem como se dá o acesso aos serviços
da Saúde vem desenvolvendo um conjunto e programas de saúde e/ou benefícios
de ações e de atividades no qual se insere o sociais, aos medicamentos, às práticas de
Programa Nacional de Melhoria do Acesso cuidado desenvolvidas pelos profissionais
e da Qualidade da Atenção Básica – PMAQ de saúde (ESF) e às práticas integrativas
(Brasil, 2012), como uma das principais (uso de fitoterápicos, rezadeiras, prática
estratégias indutoras de qualidade, que de atividades físicas); o profissional deve
vem a ser o principal desafio do SUS. Para realizar atendimentos programáticos ou de
tanto, desenvolveu uma ferramenta que livre demanda, dentro e fora do espaço físico
aborda diferentes áreas, dentre as quais a de da Unidade Básica de Saúde e nas visitas
saúde mental. Neste trabalho, ressaltamos domiciliares, bem como outras estratégias
os aspectos dessa ferramenta que têm o de cuidado baseado na compreensão
potencial de facilitar a mobilização de aprofundada dos fenômenos psicológicos
iniciativas para a mudança e o aprimoramento e psicossociais que envolvem processos de
dos serviços, tarefas que tocam diretamente saúde e de produção da vida em contextos
ao psicólogo nesse campo. Nessa perspectiva, comunitários;
interessa-nos ressaltar que, para uma atuação
apropriada à AP, 4) esse diagnóstico local e situacional deve
ser realizado com um processo de discussão
1) o psicólogo deve ser capaz de observar e de negociação com os profissionais do
o contexto e de conhecer o território da serviço de saúde e com a comunidade, no
área de abrangência da unidade de saúde sentido de estabelecer um consenso sobre
considerando: a) a história do lugar, b) os os problemas prioritários para, em seguida,
aspectos geofísicos, situando os fatores proceder à escolha das estratégias de
ambientais de risco ou vulnerabilidade, c) intervenção participativas; para tanto, reúne-
os aspectos estruturais em termos da rede se com a comunidade para desenvolver ações

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conjuntas e debater os problemas locais de Por outro lado, para uma atenção nos casos
saúde, o planejamento da assistência prestada de saúde mental, o psicólogo deve investir em
e os resultados alcançados, disponibilizando ações de cuidado e reabilitação psicossocial,
informações sobre o funcionamento da assumir a coordenação do cuidado e
unidade de saúde de maneira clara e acessível desenvolver ações que incluam acolhimento,
aos usuários; tratamento e acompanhamento, prevenção
primária ao uso prejudicial do álcool e outras
5) a principal estratégia de cuidado é o drogas, diagnóstico precoce, redução de
estabelecimento de confiança e vínculo danos, reinserção social e referenciamento
com as famílias e comunidades, por para a rede de atenção psicossocial, quando
isso, conhecer de perto os problemas, as necessário. As ações nos dispositivos de saúde
dificuldades, as histórias e projetos de vida, as mental se concentram no desenvolvimento
necessidades sociais e de saúde, bem como as de atividades de acolhimento/triagem, no
potencialidades das famílias, é imprescindível estudo de caso em equipe para a elaboração
para o planejamento das ações e de um plano do projeto terapêutico singular, na realização
de cuidados continuados; de visita domiciliar, na construção de ações
de retaguarda com atividades de interconsulta
3Para 6) é necessário utilizar diversas ferramentas para os casos de internação, bem como de
conhecer mais para o desenvolvimento do trabalho, dentre suporte à família, na realização de trabalho
detalhadamente
essas experiências, as quais se destacam a entrevista diagnóstica, com grupos e participação das oficinas
ver Medeiros Junior, de modo a subsidiar os estudos de casos e a terapêuticas, com foco na autonomia e no
A., Liberalino, F. N.,
& Costa, N. D. L. elaboração de projeto terapêutico singular desenvolvimento de ações de suporte e
(Orgs.) (2011). com base nas necessidades sociais e em ajuda mútua, na participação nas ações de
4Instrumento
saúde, as ações de acolhimento individual matriciamento na atenção básica e também
de avaliação e e coletivo, o acompanhamento de casos na realização de grupos de promoção de
de intervenção
na perspectiva da gestão do cuidado, a saúde mental na atenção primária à saúde e
terapêutica,
realizadas por meio orientação psicossocial, o acompanhamento pactuação da continuidade do cuidado no
de representação terapêutico e a busca ativa em saúde mental, território de forma corresponsabilizada.
gráfica, que
integra a história a visita domiciliar e o uso de ferramentas
do processo
saúde-doença
como o genograma4 e o ecomapa5; Conclusão
e os processos
psicossociais e 7) é prioritário o desenvolvimento de Apesar dos avanços quanto à ampla abertura
comunicacionais
que envolvem a atividades de apoio matricial e de articulação de serviços que contam com a presença
dinâmica familiar com a rede, fortalecendo ações de saúde do psicólogo no SUS, não são poucas as
e intergeracional
(Brasil, 2011).
mental na atenção primária. Além das dificuldades para organizarmos nossas
tecnologias relacionais de vínculo e escuta, o ações profissionais com base na proposta da
5Instrumento que
complementa o
uso do método da roda nas práticas grupais Reforma Sanitária e Psiquiátrica. Entretanto,
genograma na como intensificador de espaços coletivos para já não é suficiente reconhecer que o
avaliação das a produção de sujeitos corresponsáveis no
relações familiares
psicólogo trabalha isoladamente, que opera
com o meio social processo saúde-doença, a identificação de predominantemente com psicoterapias, que
(sistema ecológico), temas e prioridades para o desenvolvimento tem pouco conhecimento do território onde
permitindo
que os padrões de ações para a melhoria das condições atua, que acredita na neutralidade de seus
organizacionais de vida e sanitária do território, bem como saberes e práticas.
e suas relações
com o território demais estratégias de intervenção individual
sejam avaliados em e coletiva são as principais ferramentas O desafio que se coloca não está simplesmente
termos de recursos
e necessidades utilizadas na gestão da clínica pelo apoio limitado a operar certos ajustes na formação
(Brasil, 2011). matricial; acadêmica e profissional, ampliando o leque

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de disciplinas e conteúdos relacionados ao a respeito das necessidades sociais e de


SUS e à reforma psiquiátrica em nossos saúde da população, proceder à escuta e à
cursos, nem a instrumentalizar o profissional intervenção sobre os processos psicológicos e
com tecnologias cada vez mais sofisticadas, psicossociais mobilizados pelas condições de
tampouco a abrir mais e mais postos de vida e projetos de futuro da população, além
trabalho na rede assistencial. Huning e da capacidade de articulação com as redes de
Guareschi dizem com precisão que: serviços para operar práticas de cuidado mais
integradas em saúde.
Huning e Guareschi (2009) dizem com
precisão que: Talvez assim possamos construir, a partir das
formações acadêmicas e profissionais dos
Reinventar práticas psi não diz respeito psicólogos, modos de atuação e processos
necessariamente a inventar outros métodos de de trabalho mais democráticos e criativos,
intervenção, mas a introduzir outros modos de dotando os trabalhadores de maior capacidade
interrogar e outras interrogações, entre elas, o de acolher e de resolver necessidades de
que pretendemos e quais as implicações de saúde e de ampliar o seu grau de realização.
nossa prática, daquilo que afirmamos como Em outras palavras, nota-se uma outra relação
verdades sobre os que tomamos como nossos do profissional com o mundo, uma potência
sujeitos-objetos (p. 179) para determinar o indeterminado, para lidar
com a contingência, não a eliminando, mas
Na verdade, apostamos em uma formação agindo sobre ela, fundando assim uma política
em que os psicólogos possam, minimamente, inteiramente nova não ancorada na fraqueza
realizar leituras e análises conjunturais e na impotência.

Magda Dimenstein
Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Doutora em Saúde
de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeioro. Professora titular da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Norte – RN – Brasil.
E-mail: magda@ufrnet.br

João Paulo Macedo


Professor adjunto da Universidade Federal do Piauí, vinculado ao Departamento de Psicologia do campus
Parnaíba. Psicólogo pela Faculdade Santo Agostinho, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Parnaíba – PI – Brasil.
E-mail: jpmacedo@ufpi.edu.br

Endereço para envio de correspondência:


Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Departamento de Psicologia, sala 610
Campus Universitário - Natal, Rio Grande do Norte – Brasil. CEP: 59078-970

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