Você está na página 1de 233

INTRODUÇÃO

1. O Autor.

2. Interpretação do livro.

3. Conteúdo do Livro.

4. Canonicidade do Livro.

5. Data do Livro.

6. O Valor do livro na Opinião dos Críticos.

RESUMO DO LIVRO

PRIMEIRO ESTUDO - COMO ENCONTRAR SOLUÇÕES PARA OS

PROBLEMAS HUMANOS - 1:1-1:23

I - INTRODUÇÃO (1: 1-11) - Sempre a Mesma Coisa

1. O Título

2. O Porquê do Discurso ou dos Discursos (1: 2 e 3)

3. A Vida É um Círculo Vicioso (1: 4-6)

4. Um Círculo Vicioso Ilustrado (1:7-11)


II. O FRACASSO DAS TENTATIVAS HUMANAS (1: 12-2:23)

1. Uma Tentativa Filosófica (1: 12-18)

1) A Experiência do Pregador (vv. 12 e 16).

2) Uma Observação (v. 14).

3) Um Exame Introspectivo (v. 17).

4) O muito estudar é enfado da carne (vv. 13-18).

2. Um Recurso à Carnalidade (2: 1 e 2)

3. Experiência Noutros Prazeres (2: 3-11)

1) O prazer do vinho (v. 3).

2) O prazer das construções (vv. 4-6).

3) O prazer de uma grande família (v. 7).

4) Foi um grande criador, um fazendeiro (v. 7).

5) Era um homem muito rico (v. 8)

6) Era um homem de festas (v. 8).

7) Mulheres e mulheres (v. 8)

8) Salomão era um homem alegre e feliz (v. 10).

4. Uma Análise Cultural (2:12-17)

1) Um exame pessoal (vv. 12 e 13).


2) O valor do sábio (vv. 14-16).

3) Aborrecimento da vida, não vale.

5. Filosofia do Trabalho (2:18-23)

1) O aborrecimento do seu trabalho (v. 18).

2) Um recurso ao desespero (vv. 20 e 21).

SEGUNDO ESTUDO - UMA SÉRIE DE INDAGAÇÕES SEM RESPOSTA - 2:24-


4:3

1. Introdução (2:24-26)

2. A Sabedoria do Criador (3:1-8)

1) Como escapar do dilema (vv. 1-3).

2) O princípio da sabedoria é o temor de Deus (Sal. 111: 10; Prov. 1:7)

3. A Sabedoria de Deus no Tempo (3:9-15)

4. A Justiça Divina - O Destino dos Mortos (3:16-21)

1) Uma prova de fogo (vv. 18-21).

2) Todos os animais vão para o mesmo lugar - a cova (vv. 19-21).


5. Que Deseja Ensinar o Autor do Eclesiastes? (3:21-43)

UMA PERGUNTA IMPERTINENTE

TERCEIRO ESTUDO - A VIDA E SUAS COMPLICAÇÕES - 4:4.16

1. A Indústria e a Inveja (4:4)

2. A Inveja Conduz à Vaidade (4:4-6)

3. A Solidão e a Sociedade (4:7-12)

4. Da Popularidade no Convívio (4:13-16)

QUARTO ESTUDO - A VIDA RELIGIOSA E SUAS OBRIGAÇÕES - 5:1-8:17

1. Cuidados Quanto ao Adorar no Culto (5:1-7)

1) Cuidado com os votos feitos (vv. 2-5).

2) O que seria o mundo se todos dizimassem.

3) Desculpas não convencem (vv. 6 e 7).

2. O Magistério Divino (5:8 e 9)

3. O Problema das Riquezas - Uma Filosofia do Dinheiro (5: 10 e 11).


1) Da aquisição das riquezas (vv. 10-12).

4. Filosofia do Trabalho e da Riqueza (5:12-20)

5. Determinação do Problema da Riqueza (6: 1-6)

6. O Destino Final do Homem (6:7-12)

7. Uma Filosofia da Vida e da Morte (7:1-14)

1) O dia da morte é melhor do que o do nascimento (vv. 1-4).

2) A paciência é também uma boa mezinha para a vida (vv. 5-8).

3) Cuidado com a pressa (vv. 9 e 10).

4) Nova filosofia da sabedoria (vv. 11-14).

8. Problemas Criados Pela Sabedoria (7:15-22)

1) A relatividade das coisas (vv. 15-18).

9. Crítica da Razão Pura (7:23-28)

10. Uma Conclusão Infeliz (7:29).

11. Poderes para Controlar (8: 1-9)

12. As Desigualdades da Vida (8:10-17)


QUINTO ESTUDO - GRANDES SOLUÇÕES PARA GRANDES PROBLEMAS (9:1-
10:20)

1. O Homem Ignora o Caminho a Percorrer (9: 1-7)

1) Este é o mal que há em tudo que se faz debaixo do sol (v. 3).

2) Para o que está entre os vivos há esperança, porque mais vale um


cão vivo que um leão morto.

3) Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não


sabem coisa nenhuma (v. 5).

2. Uma Recompensa para os Imprevistos da Vida (9:8-10)

1) Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida fugaz (v.
9).

2) Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,
porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma (v. 10).

3. Em Busca de uma Solução - Opções Negativas (9: 11-18)

4. Uma Ilustração Oportuna (9: 13-18)

5. Em Busca de uma Solução - A Sabedoria é Preferível (10:1-7)

6. Cálculos dos Riscos (10:8-11)

7. Nada de Bravatas nem Arrogâncias (10: 12-20)


1) Contrastes (vv. 12-15).

2) A preguiça dos reis (vv. 16-19).

3) Não fales mal do rei (v. 20).

SEXTO ESTUDO - NORMAS PARA UM TÉRMINO DE VIDA IDEAL (11:1-


12:14)

1. Uma Nova Dialética para a Vida (11: 1-6)

1) lançar o pão sobre as águas é crer na providência.

2) Ensina Igualmente a doutrina da fé.

3) Esperança.

4) Observe-se a natureza (vv. 3 e 4).

5) Uma doutrina difícil (vv. 5 e 6).

2. Para Recordar (11: 7 e 8)

3. Um Conselho à Juventude (11:9 e 10)

1) O conselho sadio (vv. 9 e 10).

2) Nada de tristezas (v. 10).


4. A Velhice Vem - Lembra-te... (12:1-8)

1) Antes que venham os dias maus (v. 1).

2) Antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da


tua vida (v. 2).

3) Antes que tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro (v. 2).

4) Antes do dia em que tremerem os guardas da casa, os teus


braços (v. 3).

5) Antes de se curvarem os homens outrora fortes, as tuas pernas


(v. 3).

6) Antes de cessarem os teus moedores da boca, por já serem


poucos (v. 3).

7) Antes de se escureceram os teus olhos (v. 3),

8) Antes de se fecharem as janelas (v. 3),

9) Antes de se fecharem os teus lábios, como portas das ruas (v. 4),

10) Antes de todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem (v.


4).

11) Antes também de temeres o que é alto (v. 5).

12) Antes que te espantes do caminho (v. 5).

13) Antes que te embranqueças como quando floresce a


amendoeira (v. 5).

14) Antes de te perecer o apetite (v. 5).

15) Antes que se rompa o fio de prata e se despedace o copo de


ouro (v. 6).
16) Antes que o cântaro se quebre junto à fonte e se despedace a
roda junto ao poço (v. 6).

17) Antes que o pó volte à terra (v.7).

FINIS (12:9-14)

A TEORIA E A PRÁTICA

1. O Pregador, Além de Sábio, Ainda Ensinou ao Povo o Conhecimento...


(v. 9).

2. Procurou o Qoheleth Achar Palavras Agradáveis e Escrever com Retidão


(v. 11).

3. O Dever de Todo Homem (vv. 13 e 14)

1) Temer a Deus (v. 13).

2) Guardar os seus mandamentos (v. 13).

4. O Supremo Bem (vv. 12 e 14).

APÊNDICE I - A DOUTRINA DA TRINDADE

1. A Doutrina da Trindade no Velho Testamento


2. A Doutrina da Trindade no Novo Testamento

APÊNDICE II - A SOBREVIVÊNCIA DA ALMA HUMANA

1. A Natureza da Alma e Sua Felicidade

2. Um Argumento sem Sentido

3. A Alma É Imortal, e, Portanto, Existe Depois da Morte do Corpo

4. A Alma Humana Tem de Existir e Sobreviver.

5. A Alma Tem de Subsistir e Existir para Responder pela Verdade e


Mentiras Vividas na Terra.

APÊNDICE III - A RESSURREIÇÃO FINAL

1. Que diz a Bíblia?

2. Como Se Processará a Ressurreição?

3. Depois da Ressurreição

4. E Depois?
APRESENTAÇÃO

Todos os livros que o Pastor Mesquita tem escrito nos últimos vinte anos
eu tenho lido. Leio palavra por palavra, colocando acentos onde são
precisos, fazendo sugestões, que quase sempre são aceitas, procurando
entregar o manuscrito à Publicadora em condições de não dar muito
trabalho.

O que isso significa para mim não precisa ser dito, pois, mesmo
aposentada, tenho os meus afazeres como dona-de-casa e esposa de
pastor. Sou, presumo, uma mulher bastante ocupada.

Todavia, a despeito de tudo isso, cooperar com o meu marido para que o
povo ledor da boa literatura tenha uma obra tão perfeita quanto possível
é um dos penhores que conservo como honraria, pois, servindo ao povo,
sirvo ao meu Senhor igualmente.

O livro sobre o Eclesiastes é qualquer coisa que me fascinou. O próprio


Eclesiastes é um fascínio, mesmo que nele se encontrem coisas difíceis de
entender e até aparentemente algumas contradições, segundo o nosso
modo de pensar e falar. Não foi à toa que Renan disse que o Eclesiastes
era o único livro que os hebreus tinham produzido digno de figurar em
qualquer biblioteca. Mesmo que esse ponto de vista de um filósofo
francês não seja para nós uma palavra final, ainda assim vale por uma
confissão de um grande filósofo e escritor dos mais lidos no mundo
ocidental.

Estou bem certa de que os que lerem esta obra da pena do Pastor
Mesquita só terão a lucrar, pois a linguagem simples, mas segura, os
conceitos bem expostos, a interpretação ortodoxa e o lado controversial
encarado com seriedade e profundeza fazem desta obra, a meu ver, uma
das melhores obras que ele já escreveu.

Waldemira Almeida de Mesquita

Rio de Janeiro, maio de 1974


UMA PALAVRA AO LEITOR

Foi com muita relutância que empreendi o Estudo no Livro de Eclesiastes.


O livro é deveras difícil e tem 'muito de incompreensível ao nosso gosto e
cultura. O livro é considerado único entre os muitos do Velho
Testamento. De fato, se ponderarmos todos os seus ensinos, se
esmiuçarmos todo o complexo doutrinário, filosófico e social,
concluiremos que não é um livro, e, sim, uma biblioteca. Acontece que
por sua natureza e por se tratar de um tipo de literatura fora do nosso
campo de cogitações, não é muito lido pelo povo. Então, por que
empreender um Estudo sobre um livro que o povo não lê? O certo é que
o povo não o lê porque não o entende, e porque não o entende não o
aprecia. Esta parece ser a verdade a respeito de Eclesiastes - O
PREGADOR. O outro livro, seu companheiro, Cantares de Salomão,
também não é lido pelos crentes.

Apesar de todas estas observações, e levando em conta que esta espécie


de literatura deve ser divulgada, atirei-me ao Estudo. Verifiquei que o
livro merece uma divulgação especial, pelos muitos ensinos que contém e
por diversas doutrinas que encerra, especialmente a que se refere à
imortalidade da alma humana. Infelizmente algumas seitas procuram
fundamentar-se no livro de Eclesiastes a fim de construirem o seu credo
sobre a mortalidade da alma, colocando o homem no mesmo plano dos
brutos. Só por este motivo, merece uma divulgação especial, pois, se há
livro onde se ensina que de tudo quanto o homem fizer dará contas a
Deus, é o Eclesiastes.

Procurei tornar o estudo prático, popular. Os versetos que tratam de


assuntos fora do nosso dia, os deixei de parte, tanto quanto possível, sem
prejuízo do todo, isto é, não lhes dei muita atenção. Eclesiastes é
aparentado com Provérbios. Os dois são da mesma época e versam sobre
os mesmos princípios.
Se o esforço feito, as horas e os dias gastos no seu manuseio valerem
alguma coisa para o povo, estarei compensado. Caso contrário, será mais
um livro do Velho Testamento interpretado pelo autor.

Como sempre, em meus livros, há uma referência especial à minha


esposa, que tem paciência de ler o manuscrito, fazer valiosas observações
e correções e colocar a pontuação em ordem, fato de que não desejo dar
conta.

O Autor
INTRODUÇÃO

1. O Autor.

Quem teria sido o autor deste livro? No primeiro verso, lê-se: PALAVRA
DO PREGADOR, FILHO DE DAVI, REI DE JERUSALÉM. Dai se conclui o autor,
que se chama de pregador, ser filho de Davi e rei de Jerusalém. Portanto,
esse filho de Davi só poderia ser Salomão, sendo assim que muitos
interpretam a declaração inicial, e o povo, em geral, sempre aceitou
Salomão como o escritor do livro. Lutero chamou o autor do livro de
SALOMÃO, FILHO DE DAVI. O autor diz tendo sido ou fui rei de Jerusalém
(1: 12), ou como traduz a Versão Revista e Atualizada da SBB, venho sendo
rei de Israel em Jerusalém. Isto leva-nos, sem dúvida, a admitir que se
trata de Salomão. No corpo do nosso estudo demonstraremos que bem
podia ter sido um amanuense que escreveria o livro, ou ditado por
Salomão, como foi o caso de Paulo, que apenas escreveu uma carta sua
das 13 que lhe são atribuídas Gálatas. Antigamente não havia os
escrúpulos e as garantias autorais de nossa época, e um escritor poderia
escrever um livro e creditá-lo a outra pessoa sem que isso fosse
considerado crime. Não contestamos a possibilidade de Salomão escrever
este livro; apenas, no estado em que ele veio até nós, parece que não foi.

O termo pregador vem de uma palavra que se translitera como Coheleth


(1: 12). Esta palavra vem da raiz hebraica, Qal, que significa chamar,
convidar, tirar de fora para dentro, o mesmo sentido do verbo Calco, no
grego, em referência à chamada para o serviço religioso. Portanto, o
termo Eclesiastes, em nossa língua, significa pregador, o que chama o
povo a ouvir a mensagem que tem para lhe entregar, fato muito parecido
com a missão de um pregador moderno, chamando o povo ao evangelho,
o que todos conhecemos. Jerônimo, o tradutor da Vulgata, chama o
Eclesiastes de um homem que se dirige a uma congregação, supondo
alguns que se trate de uma congregação no átrio do templo, e, de dentro,
o pregador se dirige a esta gente lá fora. Não há, todavia, qualquer
referência a uma congregação reunida no átrio do templo, para ouvir um
discurso ou discursos, a não ser quando os sacerdotes se dirigiam ao povo
em solenidades festivas. Se é isso o de que trata o livro ou se é outra
espécie de congregação, não se sabe. O fato de o termo Coheleth ser
feminino também tem levantado dúvidas quanto a tratar-se de um
pregador no sentido comum, não obstante, Isaías 40:9, usar este vocábulo
também, porém referindo-se a Sião, que faz a proclamação, e não a um
homem. Sião é o evangelista, e aqui é um pregador, ou uma pregadora,
que se dirige ao povo. Não nos parece que o fato do termo ser feminino
deva merecer muita discussão. Por estas informações, recolhidas de
muitos intérpretes, ficamos mesmo sem saber quem teria sido o Coheleth,
o pregador, se Salomão, filho de Davi, ou se outro, que lhe tomou o nome
para dar corpo e forma ao seu livro. Acreditamos que estas dúvidas em
nada desmerecem o valor da obra, pois o que interessa ao estudo é a
doutrina, os ensinamentos, mais mesmo do que o autor. Temos muitos
livros cujos nomes são desconhecidos, e nem por isso os ditos livros
merecem menos a nossa apreciação (Ecl. 1: 12).

2. Interpretação do livro.

Tem parecido a muitos que o livro não contém uma série de mensagens
devidamente ordenadas, ou discursos formalmente concatenados, mas
um grupo de discursos de variados sentidos doutrinários, sem qualquer
conexão entre si. Isso vale por dizer, tratar-se de uma obra de
compilação, e não de um tratado rigorosamente delineado para
apresentar uma mensagem uniforme e contínua. Nessa conformidade,
poderíamos dizer que o livro consta de uma série de discursos falados ao
povo e depois reunidos em volume, como aconteceu com a maioria dos
profetas, que fizeram seus discursos ao povo e depois os mesmos foram
colecionados, sem observância cronológica ou mesmo lógica. Os hebreus
não estavam dominados pelo sentimento ocidental de obedecerem a um
critério cronológico na concatenação de suas obras. O que lhes
interessava mais era a doutrina exposta e não a ordem em que seria
apresentada. Assim, bem poderia Salomão ter sido o autor de muitos
discursos, ou de todos, e, depois, um dos seus assessores teria tido a
incumbência de os enfeixar num livro, como a mensagem do PREGADOR
ao seu povo. Esta opinião não tem o endosso da maioria dos intérpretes
do livro, é mais um parecer deste autor. Voltamos a dizer que nem a
autoria do livro e nem a ordem em que a matéria está exposta
enfraquecem o seu valor, que é permanente, para o tempo e para a
eternidade. É isso que nos interessa. Se nos faltasse na Sagrada Bíblia, este
livro maravilhoso, estaríamos privados de muitas lições práticas para o
viver, sem as quais o homem, especialmente os jovens, estariam à mercê
das contingências ordinárias da vida, sem uma bússola que os orientasse e
lhes mostrasse os valores dessa mesma vida em relação a Deus e à
eternidade. Como veremos adiante, na exposição doutrinária do livro e
ainda nesta introdução, o Eclesiastes representa uma espécie de
catecismo doutrinário prático em que a vida do dia-a-dia, com as suas
lutas e seus contratempos, as suas desilusões e interpretações, os valores
das coisas terrenas, em contraposição às de valor eterno, são postas
frontalmente umas às outras. Nem o hedonismo grego, nem o misticismo
religioso dos hebreus bastam para uma efetiva interpretação da vida, sem
prejuízo de qualquer das suas partes. Uma confrontação de gozos e
dissabores, o valor de cada um, fornecem o conjunto doutrinário desta
grande obra. É assim que nós vamos interpretar o livro e dele extrair as
lições práticas, que muitas vezes escapam à argúcia dos mais entendidos
em matéria de convivência religioso-social.

O Pregador sabe que o mundo, durante todo o tempo, tem um valor


positivo, e por essa causa destrói os chamados valores secundários,
dissipando todas as esperanças vãs e ilusórias, que povoam as mentes de
muitos. Para encontrarmos a verdadeira ventura, ele derriba,
impiedosamente, a falsa felicidade, que muitos buscam encontrar nos
prazeres da carne. Com isso não destrói os valores sociais, nem os
prazeres que proporcionam; antes dá-lhes o valor que têm, e nada mais
do que Isso. Segundo esse critério, o mundo pode proporcionar muito
prazer, mas sem a devida consideração pelos outros valores, podendo
levar o homem à deriva (ver 2:24; 3:12,22; 5:18; 9:7).
O mundo, no seu verdadeiro significado, pode tornar-se um intérprete de
Deus e do seu programa para o mesmo, pois a bondade e a sabedoria
divinas, e a sua justiça, só podem ser conhecidas e fruidas quando o
homem se integra na plenitude do plano divino. O mundo não é uma
finalidade em si, porém um meio de proporcionar ao homem os gozos e as
alegrias que lhe foram destinados pelo bondoso Criador. Ganhar o mundo
e perder a vida é mau negócio, como nos ensina o Senhor Jesus (Mar. 8:36
e 37). Assim, há um caminho debaixo do sol, com as suas perdas e seus
ganhos, mesmo na sua aparente Irracionalidade, com as muitas injustiças,
em que o homem se realiza sem prejuízo de qualquer das suas partes
constitutivas. isso não é pessimismo. E realismo. Vivemos uma vida de
realidades e não de ficções ou quimeras de gozos fictícios. Eclesiastes é
um livro cético no sentido em que coloca o homem no seu verdadeiro
lugar, rejeitando as pretensões do saber humano contra a sabedoria
divina (3:11; 8:17). A Bíblia não despreza esta vida, e Jesus mesmo deu
provas disso, indo a festas de casamento, aceitando convites e até se
oferecendo para banquetes, comendo com publicamos e pecadores,
arrostando a crítica dos seus contemporâneos. Entretanto, a Bíblia
também ensina a viver pela fé, como Jesus ilustrou com os passarinhos e
os lírios do campo, sustentando ser precípuo buscar o reino de Deus e a
sua justiça, na certeza de que as outras coisas seriam acrescentadas. O
pregador se levanta contra toda e qualquer imoralidade carnal. A vida é
vivida debaixo do sol, é o refrão contínuo do pregador, e debaixo do sol há
de tudo, bons e maus. Saber escolher, pois, parece ser a nota do livro. O
homem não é como os irracionais, que carecem de cabresto e freios para
serem governados. Ele tem inteligência e se pende demais para um lado,
desprezando o outro. Então deve levar as conseqüências. Em tudo deve
haver DEUS (3:10,11,13,14,15 etc.). Quando o Eclesiastes compara o
homem aos animais, o faz para mostrar que, de um lado, temos uma vida
animal, mas, de outro, temos uma vida espiritual (3: 19). O pregador tinha
uma vasta experiência destas ocorrências e colocou os dois lados da vida
em balança, a fim de, a cada lado, ser dado o peso correspondente.
O que nos parece razoável afirmar é que o livro procura tirar desta vida o
suprassumo de tudo, como se este tudo estivesse nos poucos dias que
vivemos aqui. Então o autor nos leva a ver que a vida tem muita coisa boa
em si, mas não é tudo. Viver, gozar são apenas um dos seus muitos lados;
os valores maiores, porém, estão na vida em conformidade com Deus e o
destino eterno do homem. Destruir a idéia de que esta vida é tudo,
parece ser outro alvo do autor. Por isso o refrão contínuo: Vaidade de
vaidades, tudo é vaidade. Isto no sentido terreno, porque de tudo que o
homem fizer, de todos os gozos que fruir, uma coisa é segura: dará contas
a Deus. O mais ficará aqui mesmo no chão. Nisso parece a muitos ser o
livro um defensor de pessimismo, mas nada disso. Os hedonistas, sim,
pensam que esta vida e seus gozos são tudo, e, portanto, comer, gozar e
viver, eis o total da vida.

Parece que outro fim do Coheleth é levar o leitor a descobrir qual é o valor
da vida que vivemos nesta terra. Trata então dos prazeres, das riquezas,
da sabedoria, de tudo quanto encanta o homem, para afinal concluir que
tudo é vaidade debaixo do sol. Não parece que o livro esteja induzindo o
leitor a abandonar o esforço por coisas boas nesta vida, nem a desprezar
os gozos que a vida oferece, mas a balancear estas coisas com outras, que
estão além dos horizontes terrenos, e desta avaliação resultará então um
balanço justo de valores que farão a vida realizar o seu ideal. O trabalho
não é inútil nem fastidioso; é útil e bom, embora deva ser usado com
sabedoria e para a felicidade. Um homem que trabalha e se afadiga, mas
goza dos frutos do seu trabalho, e aproveita a sua vida com todos os reais
valores é um sábio. É o termo médio que se deve procurar, evitando os
dois extremos, como ensina o autor em 2:24 e 7:16 e 17. E aí há um
ensino que o homem não deve perder de vista: o lugar que Deus deve
exercer na vida. Se o pregador conseguir levar alguém a plantar jardins,
colher flores, comer e beber bem, e não se esquecer de Deus, terá
realizado o seu ideal. Noutra linguagem: há valores permanentes. Os
gozos da vida não são eternos, porque depois da morte não há nem
lembrança deles, como afirma o autor (2:16). A muita sabedoria é um
grande ornamento para a vida, todavia, também é loucura colocar todo o
valor da vida na inteligência (2:15). Até que ponto o hedonismo teria
influído no autor, não sabemos; mas a verdade é que, se não há Deus,
então tudo se resume no comer, beber e gozar; se há Deus, então tudo
mais deve ser condicionado a este supremo valor. A vida deve ser bem
vivida, e para tal deve o homem considerar que, depois de viver, trabalhar
e gozar, vai para a sepultura como vão os animais irracionais. Portanto, é
bom avaliar os dois lados da vida, e não apenas um. O livro parece
mostrar em certos lugares que com a morte termina tudo (3: 19), mas em
muitos outros prova justamente o contrário: o espírito velo de Deus e para
ele voltará. Vale dizer que viemos de Deus e voltaremos para ele.
Portanto, este lado da vida deve receber a devida consideração nas lutas
pela mesma vida, no estudar, no comer, no brincar e tudo mais. A
doutrina da imortalidade é aqui ensinada, mesmo com algumas aparentes
contradições, em um estilo maior do que em qualquer outro livro do
Velho Testamento. Realçar o valor da vida em suas relações com o
Criador é uma das notas culminantes do livro. Há o apelo à mocidade para
que goze e viva, porém se lembre que de todas estas coisas dará contas a
Deus(11:9). Só esta verdade vale por todo o livro, pois a tentação do
jovem é gozar a vida, como se Deus não existisse. O chamamento à
realidade vale por uma grande descoberta.

Então podemos concluir que o livro não é um negativismo filosófico; não é


o apostolado da negação da vida e dos seus valores. Ao contrário. O
autor sabe que o mundo tem um valor positivo e tem muita coisa boa que
se deve aproveitar, advertindo, porém, dos perigos de dar todo o valor ao
mundo e nada a Deus. Dissipar as esperanças falsas e destacar as
verdadeiras, eis o que significa viver. Através do livro, com os seus altos e
baixos, o leitor é levado a verificar que as coisas da terra são ilusórias e
falsas, como ilusória e quase falsa foi a vida de Salomão que, depois de se
tornar o homem mais sábio do mundo e ter todo poder que qualquer
potentado pode fruir, tornou-se um símbolo de derrota e vergonha.
Quem sabe o autor do livro teria mesmo em mente deixar esta lição para
a posteridade? A significação do mundo é que ele não é mau em si, mas
pode tornar-se mau pelo uso que se fizer daquilo que nele há. Noutra
linguagem, as coisas do mundo não são más, porém podem tornar-se más
pelo seu mau uso. As injustiças, a má distribuição da riqueza, a quase
irracionalidade da vida, são meios de que o Criador se vale para orientar o
homem no seu verdadeiro caminho. Eclesiastes é um livro cético, até o
ponto de rejeitar as pretensões da sabedoria humana, para elucidar a obra
de Deus. É uma tentativa para menosprezar a obra humana e destacar a
criação divina. É nesse sentido que o trabalho, o saber, os gozos e tudo
mais, são apenas vaidade de vaidades. O pregador sabia que devemos
andar mais pela fé do que pela vista; e, para conseguir isso, procurou
diminuir todos os valores para exaltar apenas um: O TEMOR DE DEUS.
Jesus veio mais tarde dizer-nos que nada adianta um homem ganhar o
mundo e perder a sua vida (Mat. 8:36).
3. Conteúdo do Livro.

Bem poucos estudiosos são capazes de se aproximar do livro com a


convicção de que se trata de uma obra de alto valor literário e filosófico,
sem paralelo em toda a literatura hebraica. Muitos o têm comparado com
as mais celebradas obras literárias da nossa geração, embora essas
comparações sejam de pouca valia; apenas ajudam a compreender que se
trata de uma grande obra. Intrinsecamente nada há na Bíblia nem fora
dela que se compare ao Eclesiastes; é um livro com uma mensagem única
para o povo dos seus dias e para a atualidade. Renan, filósofo francês,
achava que era o único livro de valia que os hebreus escreveram, se bem
que isso seja uma opinião pessoal. Outros acham que a sua aparente
contradição de partes se deve a que o livro não teria sido composto de
uma coleção total de discursos, mas apenas de alguns, mutilando-se assim
o sentido de excertos reunidos. Não achamos que haja contradições entre
os diversos ensinamentos dos discursos registrados, pois, o que ele
aparentemente contradiz aqui e ali, é reafirmado adiante. No capítulo
2:24-26 parece que o autor ensina o pessimismo e acha que o que se deve
fazer é comer e beber, porque o fim é igual para todos, sábios e estultos.
Entretanto, no capítulo 11 verso 9, mostra que de tudo o homem dará
contas a Deus. Assim, se num lugar parece desconsiderar os valores da
vida, em outro exalta esses valores. Isto, porém, não quer dizer que é um
livro confuso e contraditório, como pensam muitos, mas um livro que dá
os dois lados da vida: o prazer de viver e de gozar, e a certeza de que de
tudo o mesmo homem dará contas a Deus. Assim são contrabalançados
os dois rumos da vida no que ela tem de prático. Têm sido estas
aparentes contradições que têm levado muitos a negar a autoria
salomônica. Nós, porém, não temos' necessidade de fazer vir Salomão do
seu túmulo para nos falar das suas experiências da vida, porque qualquer
um de nós igualmente passa pelas experiências de Salomão, menos
quanto à riqueza e o fausto a que ele se refere no capítulo 2: 1-11 e
referências. Qualquer filósofo seria capaz de reviver as experiências de
Salomão, mesmo que não tivesse sido seu contemporâneo. Todas estas
considerações são puramente teóricas e de pouca valia para a vida. Há
verdades mais profundas, no livro e fora dele, que nos devem interessar.
Qual teria sido então o ideal do autor, ao escrever este ensaio sobre a
vida, se assim o podemos chamar? Que finalidade teria em vista face às
contradições da vida mesma, em que uns se afadigam e pouco colhem,
enquanto outros levam a vida flanando e enchem as suas arcas? Esta
pesquisa, esta busca, deve constituir o fundamento do livro e a sua razão
de ser.

Quando Jesus disse perder o mundo, quis dizer o mundo com tudo que ele
tem. Por isso o maior valor da vida está na fé e no temor de Deus. Isso é
permanente e eterno. Onde o livro expressa o sentido de que a morte é o
ponto final de tudo, deve ser contrastado com outros pontos, em que o
final é o Temor de Deus, a quem vamos prestar as nossas contas. O livro
não ensina a mortalidade da alma, como crêem os Testemunhas de Jeová,
e, sim, o contrário. De tudo que o homem fizer dará contas a Deus; logo, a
morte não é o fim, e, sim, o começo. O Salmista deu-nos a Interpretação
do significado da morte em Eclesiastes (Sal. 1; 49:12), sendo que morte ou
aniquilamento é apenas um meio de Deus nos fazer refletir no significado
da vida, conforme o mesmo Salmo, verso 15. Se não fôssemos advertidos
de que a morte é certa e põe um fim a tudo, então os homens, em seus
devaneios, julgariam que o valor da vida estava mesmo em comer e beber
e gozar. O homem que está em honra e não tem entendimento é
semelhante aos animais que perecem (Sal. 49:12). E a falta de
entendimento a que se referiu o Salmista é o que o autor de Eclesiastes
procura destacar, e não que a morte seja o fim de tudo.

Concluímos estas considerações dizendo que o Livro de Eclesiastes é o


maior regulador da vida, colocando os dois lados do ser humano nos seus
verdadeiros lugares, e não, como ensina a filosofia mundana dos sem
Deus, que viver é gozar e depois morrer, como se após a morte viesse o
NADA.
4. Canonicidade do Livro.

Houve muita discussão entre os rabinos sobre a autoria do livro e até


discussões quanto à sua teologia; todavia, jamais foi posta em dúvida a
sua canonicidade, isto é, o seu lugar na coleção sagrada. Faz parte da
primeira tradução dos textos hebraicos feita em 280 a. C., e depois dessa
data jamais foi considerado inferior a qualquer outro livro sagrado. Como
livro de Sabedoria, faz parte da coleção dos Ketuvhim, que vem na terceira
parte da coleção hebraica.
5. Data do Livro.

É impossível precisá-la. Se não for de Salomão, pelo menos no seu estado


atual, não podemos saber a que data atribuí-lo. O cânone foi fechado
pouco depois da volta dos filhos de Israel do cativeiro babilônico, e
quando isso sucedeu, já se considerava o Eclesiastes como uma de suas
partes. Em nossa opinião, deve pertencer ao período pós-cativeiro,
quando os livros Sagrados foram colecionados e divididos em três grupos.
Portanto, nem o autor nem a data podem ser determinados, o que tem
valor secundário, pois muitos dos livros da Bíblia, como Josué, Samuel e
Reis, não têm autores conhecidos nem datas determinadas.

6. O Valor do livro na Opinião dos Críticos.

Para Renan, filósofo francês, Eclesiastes é o único livro digno produzido


pelos hebreus. É fascinante. Lyman Abbott diz: "O Livro de Eclesiastes é
um monólogo dramático, apresentando as complicadas experiências da
vida: essas vozes estão em conflito, porque apresentam ou retratam o
conflito de uma alma simples em guerra consigo mesma." (1) Outros
eruditos opinam, uns de um modo e alguns de outro, mas todos
reconhecendo que o livro ora em estudo é uma tentativa hebraica de dar
à humanidade uma interpretação dos valores da vida e ao mesmo tempo
as suas conotações. É uma luta do homem consigo mesmo e com o meio
em que vive. (2)

(1) Veja Introdução ao Velho Testamento, de Clyde T. Francisco, Edição


JUERP, 1969.

(2) Frank Delitzsch, Comentary on Song of Songs and Eclesiastes, Edinburg,


T. and Clark, 1889, p. 91.
RESUMO DO LIVRO

CAPÍTULO I

No capitulo primeiro, o autor, depois da Introdução (1: 1-3), dá uma série


de provérbios em que tudo é nada, e o começo é o fim, quando diz: O que
foi é o que há de ser (v. 9). Todos os rios correm para o mar, e o mar não
se enche (v. 7). Como se vê, são ditos vulgares no seu dia e que nenhuma
doutrina nova trazem.

Nos versos 12-18, ele nos Informa que aplicou o coração a esquadrinhar as
coisas, e chegou à conclusão de que tudo dá no mesmo, tanto faz o sábio
como o estulto, e que a sabedoria pouco adianta, porque é o mesmo que
correr atrás do vento.

CAPÍTULO II

O verso 11, já nos dá alguma doutrina, que apreciamos longamente em


nossos comentários. O autor coloca o monólogo na boca de Salomão e
entra numa discussão do que fez, plantando jardins em Jerusalém, árvores
frutíferas e outras realizações, alegando que amontoou riquezas sem
conta, engrandeceu-se sobremaneira (v. 9), para concluir com uma frase
pessimista: eis que tudo era vaidade (v. li). A lição que o autor deseja
comunicar aos leitores é que esta vida é uma procura louca de algo que
não existe, que é a felicidade perpétua, pois tudo termina na cova. Não se
julgue o escritor sagrado pelo lado comum da leitura; procure-se o fundo
filosófico do ensino, para se concluir a naturalidade da mesma doutrina.

Esta igual fatuidade das coisas terrenas é discutida nos versos 12-17, em
que até a sabedoria é assunto de causar fadigas, sem deixar um ressaibro
de valia para a vida futura. O ensino que se tira de todo o arrazoado do
livro encontra-se no capítulo 11:9, quando o homem é advertido de que
vai dar contas da sua vida a Deus. Tudo mais é secundário, como comer,
beber, folgar e depois morrer. Neste lnterregno, entre o nascer e o
morrer, há uma luta contínua em muitas direções, como a vaidade das
possessões, a vaidade da sabedoria e finalmente a vaidade do trabalho.
Ora, nenhum homem sensato poderia afirmar, como verdade normal da
vida, que tudo isto seja mesmo vaidade, pois não se entende a vida sem
esforço, sem estudo e sem trabalho. O fundo da mina está em que estas
coisas necessárias à vida não são fundamentais, e louco é o homem que
julga encontrar o sumo bem em qualquer destas atividades. O sumo bem
é a comunhão com Deus, é o temor de Deus, como também nos ensinam
o Salmista e Provérbios (Sal. 111:10 e Prov. 14:27 e ss.). O tema desta
grande Escritura é o temor que se deve a Deus e o dever de todo homem
lutar e trabalhar para cumprir a sua missão diante de Deus. Tudo mais é
contingente e comum.

CAPÍTULO III

O capítulo 3 entra noutro campo filosófico. É uma séria advertência ao


modo de viver, em vista do fato de que nesta vida são difíceis as
diferenças de comportamento, havendo um tempo para cada evento, e
cada um tendo o seu lugar em nossa vida. É assim que há tempo de
semear e tempo de colher, tempo de plantar e tempo de arrancar o
plantado... (vv. 1-8). Se dermos a cada coisa o devido lugar e não nos
esquecemos de qualquer delas, estaremos alcançando o gol da vida.

Isto é tanto verdade que nada conhecemos de tempos determinados (vv.


9-15), quando entramos na rotina da vida como uma espécie de "vira-
mundo", e só Deus está certo no que realiza e por que o faz (v. 14). Nada
sabemos do dia de amanhã, e seguimos pela vida como cegos, tateando
para achar o nosso lugar. Portanto, nada melhor do que comer, beber e
regozijarmo-nos (v.13). O autor não nos ensina o pessimismo da vida, uma
espécie de faquirismo. Ensina-nos a tirar da vida tudo de bom que tem
para nos dar, recordando sempre que no final prestaremos as nossas
contas ao Criador (11:9). Qualquer Indivíduo que seguir esta filosofia
terminará bem, pois a vida tem muitos encantos, muita coisa boa (v. 11), e
tudo Deus colocou neste mundo para nosso proveito e felicidade.

Como refrão de tudo quanto vem ensinando, chama a nossa atenção para
a cova, para onde todos vamos, e nesta doutrina, como veremos no
estudo deste texto (vv. 16-22), somos igualados aos irracionais, no sentido
de que todos terminamos na sepultura. Se este é o fim de todos nós,
independente do destino eterno do homem, então vale a pena aproveitar
os dias de vida que temos aqui sabiamente. O autor, como se vê das
notas do Estudo, não está ensinando a mortalidade da alma, porque
noutros textos é muito franco e até um tanto apaixonado em afirmar o
contrário, como em 11: 9 e 12:1-7. Reafirmamos a nossa compreensão do
ensino divino do livro como uma grave e tremenda admoestação quanto
ao modo como gastamos os dias que Deus nos dá sobre a terra.

CAPÍTULO IV

A vida é muito incerta. Uns nada fazem, e são vitoriosos, outros lutam, e
terminam em nada. Uns são faltosos, e triunfam, enquanto os ativos e
laboriosos nem sempre vêem o produto do seu trabalho. Há na vida
muitas injustiças, e todas elas são filhas da fraqueza humana. Uma série
de provérbios em 4:7-16, vale por um estudo acurado. Por causa destas
desigualdades, o autor termina por achar melhor a modalidade de quem
ainda não nasceu, e ter por felizes os que já morreram (vv. 2 e 3). Isto
pode parecer uma nota de desânimo face às lutas da vida, mas é a
maneira de ver tudo na sua realidade. Quantos de nós têm chegado à
mesma conclusão de que os que já se foram estão livres das injustiças
desta vida, e os que não nasceram livres estão igualmente. Fatos tais
como um rei velho e Insensato ser pior do que o jovem pobre e sábio (v.
13). Contrastes da vida.
CAPÍTULO V e VI

A doutrina do capítulo 5 é muito severa a respeito do culto devido a Deus


e dos votos que se fazem e não se cumprem; nos versos 8-20 temos outra
vez a doutrina da vaidade das riquezas, em que muitos se perdem.
Salomão foi o homem mais rico da terra, no seu tempo, e também o mais
sábio. A sua experiência é válida, mesmo que não tenha sido ele o escritor
do livro na forma que velo até nós. Cuidado com o dinheiro I. quem ama o
dinheiro jamais se fartará, e quem ama a abundância nunca se farta da
renda (5: 10). É um conselho sábio aos que apenas pensam em ajuntar
dinheiro e se esquecem dos outro deveres da vida. Estes estão contra o
que Jesus ensinou: a primeira coisa é buscar o Reino de Deus; tudo mais
será acrescentado (Mat. 6:33). Vê-se, então, que Eclesiastes não está
contra os ensinos do Novo Testamento. É certo que nada levamos desta
vida, e que na cova, para onde vamos, não se gozam estas coisas. Só os
gozos do espírito prevalecem. É loucura, pois, gastar a vida ajuntando,
para depois deixarmos tudo para os outros, que não trabalharam na nossa
seara.

CAPÍTULO VII

Aqui se faz o contraste entre a sabedoria e a loucura. O saber é coisa


muito boa, e por ele damos tudo que temos; no entanto, até nisto deve
haver moderação. Os versos 1-14 constam de uma série de provérbios
comuns na vida israelita, transportados para este livro. Nem todos têm
aplicação ao nosso viver comum, mas ainda assim nos servem. Há, porém,
uma verdade central, que estabelece a superioridade da sabedoria à tolice
(v. 12). Salomão, homem sábio, vivendo num meio ilustre, como
supomos, deveria lutar, e era mais do que natural que estas combinações
fossem estabelecidas.
Os versos 15-21 estabelecem ainda uma série de contrastes e
recomendações, muito úteis e importantes, com uma séria e constante
recomendação no verso 13, a fim de se atentar para as obras de Deus.

Os versos 23-29 contêm uma série de preceitos sociais, visando a mulher,


entre os quais há essa observação: entre mil homens houve um que valia,
mas entre tantas mulheres, nenhuma.

CAPÍTULO VIII

Os versos 1-8 são mais uma série de provérbios de difícil Interpretação, se


bem que num ponto estejamos de acordo quanto ao respeito que se deve
à autoridade (vv. 2-4). Aconselha, a seguir, que não devemos ser
apressados em tomar decisões, uma vez que não temos o comando dos
elementos naturais que trabalham contra nós.

Os versos 10-17 são uma observação ao fato de que muitas coisas


acontecem na vida contra os nossos desejos, e até contra os nossos
princípios; porém não detemos o comando do mundo, temos de ter
paciência e esperar (v. 17).

CAPÍTULO IX

Contém uma série de conselhos para que aceitemos as desigualdades da


vida, especialmente a espera da justiça para os justos, cuja recompensa
demora muito mais do que a nossa paciência permite (vv. 2 e 3). Em face
destas desigualdades, o pregador acha que bom é comer e beber e
esperar. Ante as adversidades da vida, os versos 9 e 10 são uma boa
receita para gozarmos a vida e fazermos tudo quanto vier às nossas mãos
(v. 10). Um apelo veemente, sem oportunidade ao comodismo, tão em
voga em nossos dias.
Uma ficha de consolação encontra-se nos versos 11 e 12, especialmente
para os apressados, os que não podem esperar que a roda pare em nosso
lugar.

Os versos 13-18 são uma Ilustração interessante, que todos podemos


aproveitar, com resultados inigualáveis.

CAPÍTULO X

Consiste este de um hino à sabedoria, que noutros lugares é igualada à


tolice, por não produzir os efeitos desejados e esperados. No meio dos
muitos provérbios deste capítulo, há variada Instrução prática, que, se
observada, produziria uma sociedade diferente da que somos. Termina
por aconselhar cuidado com a língua, até mesmo no leito, porque as aves
do céu podem levar as palavras.

CAPÍTULO XI

Este capítulo é o que poderíamos chamar capítulo da esperança, quando


aconselha: Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias
o acharás (v. 1). É uma lição para os egoístas, os que só pensam no seu
estômago. Esta verdade é ainda ilustrada nos versos 4 e 5, quanto à nossa
incapacidade de entender muita coisa, e somos aconselhados a depender
de Deus. Finalmente surge o grande verso, alentadamente estudado no
corpo deste comentário, sobre a nossa responsabilidade diante de Deus e
o cuidado que devemos ter com a nossa vida.

CAPÍTULO XII

Este é o capítulo do LEMBRA-TE, com 17 motivos para nos recordarmos do


nosso Deus, antes que as verdades dos versos 1-7 aconteçam, para, a
seguir, oferecer um apêndice ou epílogo, onde somos Informados uma vez
mais de que Deus trará a juízo todas as obras, até as que estão
escondidas. Com essa declaração fica vindicada a doutrina da
sobrevivência da alma, tão discutida em 3:16-22.
PRIMEIRO ESTUDO - COMO ENCONTRAR SOLUÇÕES PARA OS
PROBLEMASHUMANOS - 1:1-1:23

Não sendo o livro um tratado ordenado sobre a vida, com


desenvolvimento gradual, não é possível fazer uma divisão lógica das
diversas secções. Assim, apreciaremos os versos ou grupos de versos à
medida que prosseguirmos em nossa análise. Evitaremos toda discussão
julgada dispensável ao esclarecimento do texto sagrado, para não tornar o
trabalho cansativo e a obra demasiado massuda. Este Estudo será
enfeixado como o de Provérbios.

I - INTRODUÇÃO (1: 1-11) - Sempre a Mesma Coisa

O que aqui oferecemos não é bem o que o termo Indica, e, sim, uma
apreciação que nos parece lndicativa do plano do autor, mesmo que não
tenha pretendido isso.

1. O Título

Na introdução nos demoraremos um pouco, apreciando as diversas


opiniões oferecidas a respeito do PREGADOR. O escritor se diz "filho de
Davi, rei de Jerusalém". Portanto, parece fora de dúvida tratar-se de
Salomão. Todavia, o texto Inteiro e suas interpretações levam os
estudiosos a ver que não se trata de S alomão, mas de alguém que,
desejando engrandecer a sua obra, a atribui ao grande Salomão, Mo de
Davi. Tal costume não seria possível em nossa época, pois seria
considerado crime; na antigüidade, porém, era comum uma pessoa
escrever um trabalho e lançá-lo como sendo de outra. Na Introdução
adiantamos que Salomão poderia ter escrito alguns dos discursos
constantes do livro, ou mesmo todos, todavia, pelo arranje, a forma como
o livro chegou até nós, parece não ser da atitoria de Salomão. Ainda mais,
não seria Impossível Salomão o escrever e ordenar tal como o temos, ou
que escrevesse os capítulos e outro os pusesse na forma em que se
encontram. Adiantamos que os profetas Isaías, Jeremias e outros
escreveram os seus discursos isoladamente e depois alguém os enfeixou
na forma em que chegaram até nós; por isso os diversos capítulos não
obedecem a uma ordem cronológica, isto é, não se encontram na ordem
em que foram entregues ao povo. Há capítulos que deveriam preceder
outros, assim como há os que deveriam estar noutros lugares do livro. Os
antigos não tinham as preocupações nossas, na coordenação de seus
trabalhos, oferecendo os artigos ou capítulos na ordem em que foram
escritos ou pronunciados. O povo em geral prefere aceitar Salomão como
o autor do livro tal como o lemos em nossa Bíblia. Nada temos contra
esta opinião. Apenas nos parece que algumas partes, pelo menos, não
apresentam o gênio e a capacidade literária de Salomão. Temos alguns
dos seus discursos, como em I Reis 8:12-61, onde os pensamentos estão
perfeitamente ordenados.
2. O Porquê do Discurso ou dos Discursos (1: 2 e 3)

Vaidade de vaidades, diz o pregador... tudo é vaidade. Como poderia


Salomão ou outro qualquer escritor afirmar que tudo na vida é vaidade?
Parece então que se trata de uma fórmula literária que serve de palco à
discussão da obra. Nenhum literato pode afirmar não haver na vida
qualquer coisa de valia, e o mesmo autor demonstra, nas páginas
seguintes, que há muitos grandes valores, até os destacando com
bastante ênfase. Não vamos, pois, aceitar a frase como uma Indicação
pessimista do autor, uma desilusão de sua própria vida, como sendo
fórmula válida. Se o autor quiser dizer que da vida nada se leva e que
tudo quanto o homem ajuntar aqui fica, então poderemos aceitar o
conceito. Ainda assim, todos nós gozamos do muito que ajuntamos, que
nos dá muito prazer. Não há homem, e jamais houve, que chegasse ao
ponto de desprezar tudo que fez, que ganhou, que fruiu, julgando-o de
nenhuma valia. Bem certo que muitas coisas são de pouca valia, mas não
todas, nem o todo da vida de qualquer pessoa.

O verso 3 parece conformar-se com o 22, em que tudo é mesmo vaidade,


quando afirma que o homem não tem qualquer proveito do fruto do seu
trabalho com que se fadiga dia e noite. É verdade que o mundo valoriza a
vida em termos de lucro e perda; e um homem que se afadiga, ajunta
dinheiro, depois morre e deixa tudo para os outros parece que
efetivamente trabalhou debalde. Mas não é verdade que tudo tenha sido
em vão, pois o mesmo homem gozou do seu trabalho, teve dele o seu
prêmio, e, se deixou alguma coisa para alguém, isso é um dever de
trabalharmos uns para os outros. O pai entesoura para os filhos, estes
para os seus filhos, e nisto estão construindo casa-a-casa. Se cada um de
nós levasse para o túmulo tudo quanto granjeou, então não haveria as
grandes fortunas, que são quase um patrimônio da sociedade humana.
Não só isso: Os cientistas trabalham mais para os outros do que para si
mesmos, esses homens que se sepultam vivos em seus laboratórios à
busca de micróbios causadores de doenças e de morte. Se o autor quer
ensinar que não se deve dar demasiada atenção às coisas desta vida,
poderia ser aceita a tese, como o homem rico da parábola, que ajuntou
muito e não se lembrou de uma razão única e mais importante: deveria
dar contas a Deus (Luc. 12:20). Vemos então que o ensino deve ser outro,
além da mera letra. A verdade é que nós somos construtores da família
humana e trabalhamos para ela; Infeliz da pessoa que passa pela vida sem
deixar de si qualquer coisa que valha para os seus descendentes ou para a
família humana.

Parece claro, então, que devemos entender as palavras do pregador num


sentido limitado, pois todos nós temos proveito no que fazemos e
produzimos. Se entendêssemos o dito do pregador de não levarmos para
o outro lado da vida o que ajuntamos aqui, então estaria dizendo uma
realidade banal. Todos estamos certos de que nada levaremos desta vida,
senão o que construímos espiritualmente. Pensam alguns comentadores
que o sentido das palavras do pregador é não adiantar construir
mausoléus, grandes fazendas, grandes nomes, pois tudo se deixa aqui.
Neste sentido, se alguém quiser valorizar-se pelo que ajuntou aqui,
perdeu o seu tempo, pois tudo fica deste lado da vida. Os que buscam a
aparente glória desta vida, imaginando-se muito grandes, deveriam
lembrar-se que os seus passos se perdem nas areias do deserto do viver,
e, além de um enterro suntuoso, missa de corpo-presente ou de 72 e 302
dia, pouco ou nada sobra. Esta gente, porém, por muito numerosa que
seja, não é o todo. Um grande número dedica-se a construir para a
posteridade; e graças a esta gente é que a vida possui grandes valores.

Ai de nós se não tivesse havido um Pasteur, um Sabin! Estaríamos


condenados à morte antes do tempo, como acontecia antigamente. Os
nossos avós acendiam as suas lâmpadas e se alumiavam com azeite de
oliva ou de qualquer outro óleo. Agora tocamos num interruptor e com
um dedo enchemos de luz a casa. A quem devemos isso? A alguém que
viveu e lutou para servir. Aceitamos a doutrina do pregador, no sentido
de que não adianta lutar e trabalhar só para esta vida, pois tudo vai ficar
para os outros.

3. A Vida É um Círculo Vicioso (1: 4-6)

Geração vai e geração vem, nasce o Sol e põe-se o Sol, assim até o fim. O
filósofo pregador está apenas dizendo o que todos sabemos e levando-nos
a pensar na frivolidade da vida. Todavia, não acreditamos, senão
filosoficamente, que uma geração sucedendo a outra, o pôr-do sol e o seu
levantar, o vento correndo de um lado para outro, sejam o sentido da
vida. Em verdade, nada há novo debaixo do céu (vv. 9 e 10), senão as
coisas melhoradas. Os inventos não trazem à tona tudo quanto
significam. Quando o Sr. Bell inventou a linha telefônica, para duas
pessoas se comunicarem a curta distancia, jamais imaginaria que
atualmente falamos a grandes distâncias, por meio do DDD (Discagem a
longa distancia). O Sr. Bell começou, outros trabalharam no seu Invento.
Tudo é assim. Pasteur, já referido, descobriu os micróbios, mas os
laboratórios se encarregaram de preparar as vacinas antitíficas,
antivariólicas e outras, que Pasteur não poderia ter feito. Todos
trabalhamos como quem usa seara alheia. Estamos certos de não ser a
inutilidade do esforço humano que o pregador está desejando inculcar, e,
sim, que é inútil trabalhar pensando nos resultados do nosso labor só para
nós. Como conceito filosófico, vamos aceitar a tese do pregador. Só isso.
Salomão mesmo construiu o grande templo em Jerusalém. Para quê? Ele
morreu e o templo ficou aí para os outros.
4. Um Círculo Vicioso Ilustrado (1:7-11)

Se uma geração ficasse para sempre, qual seria o progresso da


humanidade? A estagnação. Logo, o nascer e o morrer fazem parte do
progresso. Assim tudo mais no curso desta vida que parece tão banal,
mas não é. O que parece banalidade é uma necessidade da vida e do
progresso, mesmo que aparentemente uma geração não tenha lembrança
dos fatos que a precederam (v. 11). Instintivamente, porém, é baseada no
passado que a sociedade avança e progride. Uma coisa banal torna-se,
então, fundamental.

Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche... (v. 7). Antes que
os rios corram para o mar, já as suas águas fecundaram as terras dos
montes e dos vales, Indo para o mar, a fim de voltarem a percorrer o
circuito b~ da natureza. O mar não se enche, em parte, porque as águas
que para lá vão voltam em forma de vapor de água, que as nuvens
acolhem e despejam outra vez sobre as montanhas e vales. É um círculo
vicioso, mas sem Isso não haveria vida, nem progresso, nem humanidade.
O que o Pregador diz, todos sabem, se bem que não parem a fim de
pensar nesses fatos banais, filosóficos.

Os olhos não se fartam de ver... (v. 8), mas os que perdem a vista sentem-
se frustrados e são una infelizes. Os olhos foram feitos pelo Criador para
com eles apreciarmos as belezas da natureza; e, quanto mais vemos, mais
queremos ver. Então onde está a vaidade destas coisas? Ninguém se
cansa de ver os rios deslizarem no seu leito, serpeando por entre
penhascos e ribanceiras, em demanda do seu destino, que nem sabemos
onde está, embora a vista se alegre de ver, e até nos alegramos de tomar
o nosso banho nessas águas, que vão para o mar, para depois voltarem.
Parece mesmo que a vida consiste em ir e vir, em andar e desandar.
Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, Isso é novo? (v. 10). Sim, das
coisas velhas é que nascem as novas. Antigamente construíam-se casas
de adobe ou morava-se nas cavernas. Depois construíram-se as casas de
alvenaria e, ainda mais tarde, de concreto armado. Tudo são casas, mas
umas sucedem as outras; e o que uma geração fez, a outra melhora.
Assim é certo que, o que agora vemos, já foi, se bem que noutro sentido.
O novo procede das coisas velhas, apenas aprimorado. Se não fosse
assim, teríamos de estar começando sempre as mesmas coisas; mas não,
nós nos baseamos no que os outros fizeram, e sobre isso assentamos as
bases das melhoras. Isso é progresso, e não vaidade. O que o Pregador
diz, nós já sabíamos, porém não tínhamos prestado atenção; vejamos, no
entanto, que ele não está "chovendo no molhado", mas Insistindo para
que raciocinemos e vejamos como é a vida. Uma coisa depende da outra,
mesmo que pareça o contrário, conforme o verso 11. Já não há
lembrança das coisas que precederam... (v. 11) É certo que a memória do
povo é fraca, e logo esquece o bem e o mal; todavia, fica um resíduo
lndestrutível de tudo que passou. Os grandes homens passaram e
deixaram um memorial, que poucos sabem aproveitar; mas quem pode
esquecer todo o passado? O Pregador está apenas obrigando o leitor a
pensar. Há uma ponte invisível, desde Adão até o maior técnico de nossos
dias, pela qual têm passado todos os viventes, que cuidam da sua parte na
continuação da sociedade da vida, no que ela tem de progressista.
Qualquer que seja a fração esquecida através dessa ponte, uma coisa
ficou, para sobre ela se construir outra qualquer.

... e das coisas posteriores também não haverá memória... (v. 11). Os que
hão de vir depois delas esquecerão muita coisa, mas muita será lembrada,
de modo que a filosofia do Pregador tem um fundo de verdade, sem
esgotar o assunto. Salomão mesmo morreu há muitos séculos. A sua
obra monumental ainda hoje é falada, e, se muita coisa ficou no
esquecimento, o templo, as galas do culto, os hinos, que embeveceram
gerações e foram até a eternidade, não podem ser esquecidos. Não
acreditamos que Salomão, caso tenha dito ou escrito estas palavras,
tivesse em mente a idéia de que tanto o passado como o presente e o
futuro, tudo está depositado no porão do subconsciente. Muito vai para
lá, mas outro tanto aí fica, animando os porvindouros. Há, pois, um
resíduo de verdade no sagrado escrito, mas não se pode tomar ao pé da
letra o que é apenas um conceito filosófico, uma maneira de ver os fatos
pelo ângulo da correria da vida. As coisas vistas à superfície do
observador são justamente como o Pregador nos Informa; entretanto,
mais para lá da observação fica muita coisa a examinar. Quando
passamos de trem ou avião ou mesmo de burro por uma paisagem, vemos
muita coisa, porém muito mais fica por ver; e o que ficou por ser ou não
visto, não Interessa ao viandante, se bem que o que viu fosse muito
pouco. Não acreditamos que o autor do nosso livro esteja querendo
ensinar que não adianta lutar e trabalhar, pelo simples fato de que logo
tudo será esquecido. Ele está vendo as coisas pelo lado superficial,
humano, embora soubesse não estar esgotado o vaso dos conhecimentos,
da sabedoria de Deus e dos homens. A humanidade nem pára a fim de
pensar no que vai suceder depois; continua a sua marcha para o invisível,
sem dar conta do que ficou, e se será mesmo visto por outros. Obedece
ao seu programa de vida e vai indo sempre e sempre. O livro que estamos
estudando oferece-nos um tipo de filosofia da vida vista à distancia, sem
as preocupações da profundidade, e talvez seja até um apelo a um exame
mais profundo das banalidades da vida, como a corrida do rio para o mar
e da sua volta para o mesmo lugar. Isso é banalidade, mas quantas lições
nos traz! Quanta coisa científica e prática nos oferece! Será que não há
possibilidade de se escrever um romance sobre a vista? Sobre os cuidados
que temos com ela, procurando o oculista para que nos conserve cada vez
melhor a faculdade de ver? Quanto se pode dizer a respeito dessa
banalidade! Todavia, os olhos não se cansam de ver, porque nos foram
dados para ver as belezas do Criador e contemplar as grandes maravilhas
do gênero humano. Assim como os rios correm para o mar e os olhos
servem para ver mais e melhor, todo o resto da conceituação humana fica
dentro dessa filosofia. Um homem trabalha denodadamente, esforçasse e
constrói alguma coisa. Outros vêm depois e esquecem o que ele fez, mas
se valem do que encontraram e até podem destruir a obra de quem lhes
precedeu. Então, que fazer? Vamos parar? Ensarilhar as armas e ficar
quietos? Nada disso, porque o mundo não pára e nem nós com ele. Nós
somos uma partícula do grande todo, e a nossa parte nesse todo nem
sempre será apreciada, e nem é por causa dela que nos esforçamos, e,
sim, como quem se sente tangido por um destino cruel, marchamos para a
frente, como quem vai sem destino, mas vai.

Parece-nos que esta é a filosofia do Pregador; e, se não for, então também


o que estamos escrevendo é correr atrás do vento. Jesus mesmo ensinou
a Nicodemos que o vento sopra, e não se sabe de onde vem nem para
onde vai; todavia, Jesus não mandou o vento parar de soprar. Ordenou a
Nicodemos para pensar noutras coisas. Esta é a grande lei da vida.

II. O FRACASSO DAS TENTATIVAS HUMANAS (1: 12-2:23)

Esta seção é uma das mais discutidas do livro de Eclesiastes, visto como
parece ensinar que não adianta fazer força para prosseguir, pois tudo
resulta em vaidade. Estudar, construir, fazer força para vencer, tudo vai
dar em nada. Todavia, uma análise mais profunda dos ensinos do
Pregador nos levará a ver que assim é em determinado sentido e em certa
proporção, embora ainda fique muita coisa a respigar, a considerar como
ganho.

1. Uma Tentativa Filosófica (1: 12-18)

O mundo não vai parar e nós não pararemos tampouco. Ninguém fica
satisfeito com uma vida Inativa. Dentro do homem há um Instinto de
avanço para o desconhecido, que o impele a prosseguir mesmo no escuro
da vida. Deus implantou este instinto no homem, e é irresistível. Se o
homem pensa, age; se age, prossegue; e, quanto maior for o obstáculo,
tanto mais o esforço para vencer. No tabuleiro da vida, com pedras de
todos os lados, umas contrariando as outras, o homem não desiste, sejam
quais forem os obstáculos a vencer, seja querendo fazer direito o que está
torto, seja abrindo caminho no escuro, onde nada enxergue. Quanto mais
se luta, mais se verifica que é preciso dobrar o labor; e é fato notário que
só há esforço quando há obstáculos a vencer. Nesta luta do dia-a-dia o
homem se convence de que nada sabe, que é preciso saber mais e nessa
ânsia se atira contra tudo e contra todos para sair vitorioso. O que está
pela frente, não se sabe, e parece até não interessar saber, pois o que o
homem deseja é prosseguir, avançar. O oleiro faz o vaso de barro e
depois o quebra e faz outro, para talvez ainda quebrá-lo e tentar fazer
outro, até conseguir o vaso que deseja. Conta-se que o Inventor da
porcelana moderna imaginou dar brilho ao barro das peças que fabricava.
Aqueceu o forno ao rubro, mas o material não se dissolvia; botou mais
lenha e mais lenha, até consumir todo o estoque, enquanto o material
permanecia Inalterável. Não tendo mais o que queimar, arrancou as
tábuas do soalho da casa e jogou tudo no forno, enquanto a esposa
gritava e pedia socorro aos vizinhos, porquanto o marido havia
enlouquecido. Quando a última tábua do soalho entrou pela boca do
forno a dentro, ele viu estarrecido o material liquefazer-se e escorrer por
cima dos vasos. Estava descoberta a porcelana. É assim que os homens
lutam e vencem, pouco importando as derrotas, que parecem até são um
incentivo a maiores esforços. Se isso é a filosofia da vida, bem estamos, se
não é, então que se explique por que ninguém pára de lutar, até que a
morte ponha um fim a tudo.
1. Uma Tentativa Filosófica (1: 12-18)

1) A Experiência do Pregador (vv. 12 e 16).

Eu, o Pregador, fui rei de Israel em Jerusalém (v. 12). Trata-se, sem
dúvida, de Salomão. Estudou ou aplicou a sabedoria que Deus lhe deu,
segundo somos informados em I Reis 3:10-15. Decidiu de coração
estudar. Foi botânico, zoólogo, filósofo, tudo quanto um homem poderia
desejar na vida em matéria de inteligência. Construiu o mais majestoso
templo da história e engrandeceu-se sobremaneira. Compilou muitos
provérbios (Prov. 10-20), onde a sabedoria extravasa; tinha tudo quanto
se pode imaginar de conhecimentos práticos para a vida. Ninguém o
sobrepujou em saber e discernir. No final de tudo, concluiu que era pura
canseira. Foi como se um homem estudasse direito, depois medicina,
depois engenharia, depois teologia, depois zoologia, depois outras
ciências e terminasse enfadado, nada aproveitando de todo o
conhecimento adquirido. A experiência de Salomão parece ter sido esta:
tudo que tinha estudado só servira para lhe causar aborrecimento e
fadiga, parecendo-lhe estar correndo atrás do vento. Para ele, talvez
fosse assim, pois os homens notáveis não se dão conta de seu valor, e
quanto mais se conhecem menos julgam saber. Só os tolos pensam que
sabem. As muitas letras são mesmo fadiga do espírito; todavia, se nos
esquecêssemos das experiências de Salomão e verificássemos o bem que
ele nos deixou, então poderíamos dizer-lhe: Salomão, você está
enganado; tudo quanto você estudou e lhe causou tanta fadiga e
desilusão tem sido a riqueza da humanidade.

Conta-se que a vida de Pasteur foi um rosário de sofrimentos e escárnios,


dos que o julgavam louco, em busca do lnexistente; mas não fosse ele, ou
outro no seu lugar, ainda estaríamos morrendo de tifo e varíola.
Admiramos esses homens como Salomão, que se cansam, mas deixam
alguma coisa que os vindouros não esquecem totalmente (1: 11).
Salomão se teria sentido fatigado e até desiludido, porque a sua imensa
sabedoria não bastou para lhe evitar os últimos desgostos da vida.
Quando velho, levado por suas mulheres a adorar outros deuses, teria
visto a ruína de todo o castelo construído por quarenta anos. A
experiência de Salomão é a de muitos de nós. Trabalhamos, nos
cansamos e verificamos depois que somos esquecidos e o nosso trabalho
deu em nada, embora isso seja ilusão. Se não houvesse um Salomão, não
teríamos o Livro de Eclesiastes, caso seja de sua autoria. Não, a vida não
pára e ninguém pode sopitar os impulsos colocados pelo divino Criador.
Aceitemos, pois, com as devidas restrições., a experiência desse grande
sábio e a de tantos outros.

1. Uma Tentativa Filosófica (1: 12-18)

2) Uma Observação (v. 14).

Os estultos, parece, levam melhor a vida do que os sábios, como os


preguiçosos, melhor do que os que se esforçam, no final, porém, cada um
colhe o que plantou. O sábio pode afadigar-se das suas muitas letras,
como o trabalhador de seu muito esforço; mas, no final, poucos querem
ser ignorantes e poucos desejam ser preguiçosos. Logo, o estudar e o
trabalhar correspondem a uma lei que nem sempre pode ser apreciada.
Conheço um homem que poderia passear, gastar o seu tempo olhando e
dando trabalho à vista; todavia, prefere ficar amarrados sua máquina,
dizendo umas tantas coisas, a andar acima e abaixo, nada fazendo.
Mesmo que julguemos inútil ou fátuo o que realizamos, há dentro de nós
todos um sentimento de recompensa que nos conforta e compensa pelos
esforços feitos. Temos, pois, que a nossa luta pode não nos interessar, e
até a desprezarmos, embora faça bem aos outros; e nenhum de nós quer
ser louco ou tolo e malandro.
Em todas estas buscas atrás da felicidade, o supremo alvo dos homens,
Salomão verificou tratar-se de miragem, que talvez pudesse ser
encontrada noutros campos, pois as suas buscas tinham resultados
infrutíferos. Parece que o vemos lutando contra o invisível, numa
tentativa experimental, que chegava às raias da loucura. A sua sabedoria
não tinha bastado para condicionar os seu problemas, e a tentativa de
contrastar a sabedoria com a loucura, para ver das duas qual seria a mais
útil, também resultou em fracasso, pois era como correr atrás do vento.
Esta frase, "correr atrás do vento", deve ser entendida como um aforismo,
corrente entre os filósofos. A ciência aumenta a tristeza, porque o sábio
não consegue realizar o máximo pedido pela mente humana, e então
desespera-se e tenta julgar tudo um fracasso.
3) Um Exame Introspectivo (v. 17).

Fala o homem que se cansa de aumentar a riqueza e a cultura. Admitimos


que, se Salomão fosse mais medíocre, talvez não tivesse chegado a tais
conclusões. Ele comparou o saber à loucura ou à ignorância, e verificou
que o tolo pode ser tão feliz como o sábio, isto, dependendo do ponto de
vista de cada um. A cultura cansa, como tudo mais na vida. Os que se
dedicam a estudos profundos terminam dando de ombros a tais
indagações e reconhecendo que com muito menos também se pode viver.
A sabedoria aumenta o enfado e torna-se um peso na vida, pois quem
aumenta ciência, aumenta tristeza (v. 18). Todavia, não deixamos de
estudar e progredir, e cada dia procuramos maior soma de
conhecimentos. Diziam os latinos que a virtude está no meio, Isto é, entre
os dois extremos. Acreditamos e repetimos, metade da cultura de
Salomão talvez lhe tivesse poupado os últimos dias desgovernados da
vida. Ele teria acordado tarde demais. A sua demência, ou quase isso,
que o levou e ao seu reino à ruína, poderia ser evitada, tivesse ele
dedicado mais tempo às coisas práticas do Estado.
4) O muito estudar é enfado da carne (vv. 13-18).

No seu pessimismo particular chegou a admitir Deus castigar o homem


que quer saber demais, tornando enfadonho o trabalho dos filhos dos
homens (v. 13). É uma força de expressão, pois Deus deu ao homem o
instinto do progresso, e este progresso não vem se ficarmos deitados de
papo para o ar. Há coisas que a cultura não resolve, tais como: o bom
senso da medida, o tino e a capacidade de esquadrinhar os inconvenientes
da vida, o fato de que o que nasce torto não se endireita (v. 15); todavia,
pode modificar-se o jeito das coisas tortas e tirar-se delas as lições que a
experiência indicar. Finalmente, se expurgarmos o discurso de Salomão
dos seus extremos, vamos encontrar muita coisa construtiva e de alto
valor. Era um homem amargurado e cansado de tudo, porque de tudo
tinha em extremo, e os extremos não convêm. Se isso aproveitar aos
leitores destas despretenciosas notas, muito bem, se não...
2. Um Recurso à Carnalidade (2: 1 e 2)

Por que perturbar a mente dando ensanchas à carne'? Os prazeres


sexuais fatigam. Os modernos hipies confessam que depois das suas
bacanais sentem-se frustrados e enojados. O prazer sexual moderado,
controlado, ajuda a viver, mas o seu abuso destrói a saúde e a felicidade.
O sexo é como tudo mais: o excesso é demasia. Os prazeres sexuais são
como certas flores que, quando se lhes tocam, murcham. Há uma planta
que se chama sensitiva; toca-se nela, e ela murcha as folhas.

3. Experiência Noutros Prazeres (2: 3-11)

1) O prazer do vinho (v. 3).

As bebidas são como as serpentes: lindas à vista, mas perigosas quando


tocadas. Milhões são gastos anualmente na compra de bebidas, e, por
causa delas, se destroem vidas e lares. Salomão experimentou beber em
demasia, mas logo verificou que era outra loucura. É um prazer sem
sentido, porque tira os sentidos.
3. Experiência Noutros Prazeres (2: 3-11)

2) O prazer das construções (vv. 4-6).

Salomão dedicou-se a construir, e os relatos que nos vêm dos seus dias
são mesmo fantásticos. A construção do templo do Senhor em Jerusalém,
como nos informam os livros dos Reis e Crônicas (I Reis 6:1-7:50 e II Crôn.
3:1-5:1), é o relato da mais grandiosa obra dos séculos. Depois Salomão
construiu seu palácio (II Crôn. 8), fez jardins em Jerusalém, conforme o
relatam as crônicas, trouxe água da Fonte da Virgem para regar os seus
jardins, como ele mesmo diz, plantou árvores frutíferas de todas as
espécies, fez um açude para coletar a água para os jardins. A sua casa do
bosque era qualquer sonho de assombrar um faraó, e por mais que demos
asas à imaginação, somos incapazes de realizar, mentalmente, tudo
quanto fez, e as Crônicas não no-lo contam, porque muito já
desaparecera, até da memória dos seus contemporâneos. Não sabemos
quantos filhos e netos teria tido, porque as Crônicas que temos não o
dizem, mas teria muitos e seria um agradável prazer ver as crianças
brincando nesses jardins. No final de tudo, verificou que não passava de
pura vaidade (v. 11).
3) O prazer de uma grande família (v. 7).

Teve mil mulheres, entre esposas e concubinas (I Reis 11:3), que lhe
deram muitos filhos e netos; e, não contente com esta gente, ainda
comprou escravos e outros nasceram em sua casa. O pessoal de Salomão
que comia da sua mesa deve ter andado pela casa dos 25.000. Nem
mesmo os Luis da França tiveram tantos criados e comensais. Esse povo
devia gostar de festas e haveria músicos e danças continuamente; quem
não ignora, porém, como estas coisas enfastiam e terminam por tornar a
vida um pesadelo? Ele mesmo confessa que nada disto lhe valeu o gozo
de uma vida feliz e calma.

4) Foi um grande criador, um fazendeiro (v. 7).

Os reis de Israel e Judá eram importantes criadores. Josafá foi também


um grande fazendeiro. Esses reis não viviam dos salários que o erário
público lhes pagava; eles mesmos tinham suas rendas, como ainda tem,
atualmente, a família real inglesa. Os seus pastos ficavam lá para o sul,
nas imediações do Neguebe; e como seria agradável a um homem de
estado ver bezerrinhos pulando e os carneiros e bois mugindo! Isso deve
ter sido um encanto. Todavia, tudo farta e até a fartura faz mal.
5) Era um homem muito rico (v. 8)

O ouro e a prata eram tanto, que esta última nem tinha cotação em
Jerusalém, e, não satisfeito com as riquezas que lhe vinham dos diversos
estados, com os quais mantinha relações políticas e econômicas, ainda
tinha a sua marinha mercante, que ia a Ofir e outros lugares, buscar mais
ouro. Ele mesmo diz: Amontoei para num prata e ouro, e tesouros de reis
e de províncias (v. 8). Isso não é figura de linguagem, pois, se mantinha
relações políticas com todo mundo de então, era natural que todos
gostassem de lhe presentear. A sua riqueza envergonharia a qualquer
potentado dos nossos dias. Nem sabemos que destino teria tomado essa
dinheirama, esse ouro pesado às arrobas, se bem que no final tudo aquilo
fosse vaidade e correr atrás do vento (v. 11). Ora, convenhamos não ser
tanto assim, pois os faustos do palácio, a criadagem, a riqueza, deveriam
produzir certa euforia e segurança. Entretanto, ele confessa, para todos
nós, que nada disso o contentou. Admitimos que tivesse terminado a vida
enfadado.

Uma análise, mesmo superficial, da vida de Salomão nos convence de que


tivera uma velhice de enfado e aborrecimento. Isso admitimos, sem
esforço, conhecendo a maneira como ele terminou a sua vida, cheio de
desgostos, causados pelos ciúmes e desavenças do mulherio e pelos seus
grandes pecados ao deixar o seu Deus, bondoso e providencial, para se
virar para os deuses dos povos vizinhos, ao ponto de arruinar o reino. Se
registrou estas crônicas, então o deveria ter feito já depois dos 30 anos de
governo; e se não foi ele quem as escreveu alguém ouviu os seus
lamentos, as suas queixas no fim da vida, e as registrou nesse
monumental livro. Admitimos mesmo que, para Salomão, a vida terminou
com amargura, porque os seus excessos teriam sido tantos, que
terminaram por enfastiá-lo e legar-nos então um tratado de pessimismo,
que tem feito mal a muita gente. Um bom entendimento do livro de
Eclesiastes deve levar em conta a vida particular de Salomão, e não tomar,
os desapontamentos que nos revela, como regra para a vida de todos nós.
6) Era um homem de festas (v. 8).

Provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens. O


que esta linguagem meio sibilina significa, não sabemos. Cantores e
cantoras, sim, pois um conjunto de cortesãos como os de Salomão não
poderia viver sem festas. As danças, as orquestras, o gosto pela música,
que teria herdado do pai Davi, seriam um encanto no palácio real. Nos
primeiros anos do seu reinado, Jerusalém regurgitaria de artistas, atraídos
pela fama do rei, fama que atingia os quatro cantos do mundo de então.
Uns seriam contratados, outros oferecidos, e quem não gostaria de fazer
parte do grande número de cortesãos apenas pela comida? As suas
palavras, pois, devem ser entendidas como significando uma orgia de arte
de estontear.

7) Mulheres e mulheres (v. 8)

Não acreditamos que Salomão fizesse esta confissão, mesmo sendo


verdadeira. Parece-nos termos aqui a pena de um cortesão qualquer que,
ao descrever a vida nababesca do rei, teria ido um tanto longe na sua
apreciação. Já sabemos que no harém de Salomão havia nada menos que
1.000 mulheres: 700 esposas e 300 concubinas. Este autor por muitas
vezes, em suas aulas, pretendeu reduzir ao normal, o que significaria todo
esse mulherio. Os leitores mais apressados levam o fato para os domínios
sexuais; nós, porém, preferimos encaminhá-lo para o terreno da política,
pois não há nem nunca houve homem que pudesse dedicar-se a tantas
mulheres, ou tivesse a tentação de as buscar. O seus tratados de amizade
com os reis vizinhos seriam sempre selados com a vinda de uma princesa.
Sabemos isso pela história do Egito. Não somente isso, mas também não
faltaria quem lhe oferecesse uma mulher bonita encontrada algures.
Vimos que, quando Abraão teve de emigrar lá para as bandas dos
amalequitas, precisou fazer um acordo com Sara, para ela confessar que
era sua irmã, porque, doutra maneira, matariam Abraão, para lhe tirar a
mulher. O mesmo aconteceu com Isaque. Isso seria costume oriental;
onde houvesse uma mulher bonita, não faltaria quem a cobiçasse, para
fazer dela um presente ao potentado. Foram essas mulheres que
arruinaram a vida espiritual de Salomão e concorreram para que ele nos
deixasse o Eclesiastes.

8) Salomão era um homem alegre e feliz (v. 10).

Tudo quanto desejaram os meus olhos... nem privei o meu coração de


alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas. Era um
homem alegre no meio das suas responsabilidades públicas, que não
seriam pequenas. Tudo o que é em demasia faz mal. Todavia, verifique-
se que Salomão era um homem feliz, mesmo afadigado com muitas
obrigações e responsabilidades, e se, no meio de tudo, verificou isso não
passar de correr atrás do vento, saiba-se, ser esta uma verdade
corriqueira. Quem não entende, qualquer excesso ser prejudicial?
Excedia-se demasiado em tudo: na conquista de riquezas, na conquista
política, na conquista de tudo mais. Então aceite-se que o mal da doutrina
de Eclesiastes não está nos gozos bons da vida, mas nos seus excessos.
Quando um homem vai chegando ao fim da vida e olha para trás, verifica
mesmo que muita coisa que fez não deveria ter realizado e muito deveria
ter sido evitado. Esta é a nossa experiência, e por isso devemos aceitar a
confissão de Salomão, ou de quem lhe escreveu a biografia, como o
resultado de qualquer vida igual à sua. Se, mesmo agora, 2000 anos
depois, alguém desejasse escrever a biografia de Salomão, usando apenas
os parcos elementos dados pelas Escrituras, poderia escrever um grosso
volume, e então concordaria em que o nosso Eclesiastes não diz demais;
talvez diga de menos. Com esta seção termina uma parte da confissão
meio trágica da vida de Salomão, que ainda continua. Damos talvez mais
espaço a essas considerações do que deveríamos, se bem que o façamos
para mostrar que não há nada demais na vivência de Salomão que
qualquer outro homem do seu tempo e do seu porte não fizesse. Salomão
morreu moço, pois começou a reinar antes dos 30 e reinou 40 anos. Aos
70 era um decrépito. Porquê? Resultado dos excessos, sejam de que
natureza forem.

4. Uma Análise Cultural (2:12-17)

Já no capitulo primeiro (vv. 12-18), Salomão deu a sua palavra neste


terreno cultural, mas volta ao assunto, como se uma força oculta o
impelisse para este campo, que era, sem qualquer dúvida, o centro da sua
vida, não obstante considerar essa busca um fracasso do ponto de vista de
prazer para a vida.

Por causa desse fracasso, virou-se, como vimos antes, para uma
diversidade de atividades, como se nelas estivesse o ideal que buscava. O
que nos parece é que Salomão desejava aquilo que o ser mortal jamais
encontrará na face da terra - a felicidade perfeita. Isso é miragem, que
parece ter ofuscado a mente de Salomão. Não se contentava com meios
termos, queria o todo, se bem que isso não fosse possível; e podemos até
afirmar que o aparente pessimismo do livro reflete esta tentativa de
buscar e achar o que não existe a felicidade perfeita. Qualquer homem
que se devota a uma ciência e pela mesma dá tudo logo descobre não lhe
proporcionar o que busca. Se então se atirar a outras e outras, chegará à
conclusão de que já na primeira fracassou. O homem culto é aquele que
aproveita ao máximo o que a cultura lhe pode dar, para com ela manusear
o problema e dele tirar tudo, e não mais do que lhe pode oferecer. As
desilusões do sábio e do ignorante são nada existir completo e perfeito
nesta vida; e o máximo que se pode encontrar reside numa reflexão calma
e racional de que tudo na vida é relativo e nenhum ser humano consegue
tirar dele o máximo para o seu governo. Muitos se contentam com pouco;
outros, porém, querem tudo; e, parece, Salomão era dessa classe. Tudo
ou nada. Isso poucos conseguem realizar. Depois de um dia de labor
profícuo, quando a mente pede sossego, vem a pergunta: Será que realizei
o meu ideal? Cumpri todo o meu dever? A mente, assim acutilada, verga-
se à evidência de que ninguém realizou o ideal, e este só existe na
filosofia, não na prática. Embora a cultura seja superior à estultícia,
muitos chegam ao ponto de descoroçoar dos seus livros e dos seus cursos,
e até invejam o operário, que sai de madrugada para o seu emprego,
depois de atravessar distancias, apinhado na sua condução, a fim de pegar
numa picareta e arrebentar o chão, para à noite voltar a casa nas mesmas
condições da manhã. Então deita-se morto de cansaço e dorme, dorme
sem problemas, sem dividas a pagar, sem credores à porta, sem outro
objetivo senão o de na manhã seguinte seguir a mesma rota. Todavia,
nem este está satisfeito e inveja a outro que amanhece cercado de livros e
de problemas intelectuais, e diz consigo: "Quem me dera ser como aquele
homem de gravata e paletó, camisa engomada, sem ter que pegar 'no
pesado'." Assim, ninguém está satisfeito, e Salomão muito menos.
Argüiríamos: Se todos fossem doutores, quem cavaria o solo para tirar
dele o nosso alimento'? Se todos fossem operários, quem escreveria
livros e buscaria a ciência das coisas, para o melhoramento do homem?
Deus fez tudo bem: deu uns para a enxada e picareta, e outros para os
livros e a ciência. Nisso está o equilíbrio social, e, no fim, se cada um se
contentar com a sua sorte, a vida correrá melhor para todos. O que
prejudicou Salomão e prejudica a muita gente agora é não se contentar
com a sua cota, nos problemas da vida, e querer mais e mais, até se
esfalfar para alcançar ESSE MAIS E MAIS.

Essas considerações preliminares vêm como forma explicativa do que se


encontra nos versos 12-14 do capítulo 2. O Livro dos Provérbios nos dá
muitas lições com que melhor poderemos interpretar o Eclesiastes. O
senso da medida, a prudência, o controle e tudo mais um bom estudante
lá encontrará.

4. Uma Análise Cultural (2:12-17)

1) Um exame pessoal (vv. 12 e 13).

O sábio Pregador, depois de considerar nulas todas as invenções da sua


vida, suas obras, seus jardins, seus banquetes, suas músicas, suas
mulheres, chegou à conclusão de que tudo é vaidade (v. 11), isto é,
nenhuma destas coisas permanece por muito tempo (2:16), e o que passa
é vaidade. Deu-se então a considerar os valores da inteligência e os da
loucura, entre outros, o de seguir o rei, e também verificou que estas
coisas eram muito banais. Nada fica para sempre, e a vida não passa de
uma rotina, realizando uns o que outros já fizeram. Nisso estava certo. A
vida é mesmo uma roda-gigante: enquanto uns sobem outros descem,
para subir outra vez, e assim até a eternidade. No meio dessa
vulgaridade, comparou a inteligência à tolice, e viu que aquela é mais
proveitosa do que esta, tanto quanto a luz é mais apreciada que as trevas.
Mesmo que, de modo geral, sinta-se enfastiado da sua sabedoria, sempre
achou melhor ser sábio do que estulto. Do ponto de vista prático, nós
podemos igualmente tirar as nossas conclusões. A cultura é custosa, dá
muito trabalho para ser adquirida, mas a maioria dos homens e mulheres
lhe aderem, pagando o seu preço; e ai se não houvesse gente culta,
porque a mediocridade parece ser mesmo o destino da humanidade, e
esses medíocres são os que mais avançam na vida, passando para trás os
mais bem educados! Eles se valem do sentimento de frustração, e fazem
força para avançar, enquanto os inteligentes, como elementos satisfeitos,
contentam-se com as galas adquiridas. Os leitores que decidam esta
questão.

2) O valor do sábio (vv. 14-16).

O estulto vive em trevas, mas o sábio tem os olhos na cabeça. Outros


diriam que o tolo tem os olhos no estômago, enquanto o sábio os tem na
testa. Todavia, o Pregador verificou que, o que acontece ao insensato
sucede ao sábio. Por que então procurar ser sábio? Na verdade, todos
vamos para o mesmo fim, e, depois da morte do sábio, como já vimos em
1: 11, ninguém se lembra dos seus feitos, e os do tolo nem mesmo são
mencionados. É o destino de todos nós, lutarmos, para depois darmos em
nada. Todavia, alguma coisa fica e serve e ajuda aos que vêm depois. Diz-
se que a vida de um livro é de dez anos; agora deve ser de muitos anos,
graças a velocidade da vida e dos conhecimentos humanos. Então um
homem que escreveu livros pode esperar apenas que meia geração se
ocupe das suas obras. Esta é uma triste verdade. Quem se lembra dos
estudos de Humberto de Campos, Machado de Assis e muitos outros?
Livrinhos de estorietas enchem as bancas de jornais, bem assim de
histórias em quadrinhos, fantasias banais; mas um livro clássico poucos o
procuram. Digamos a era dos romancistas já haver passado e que agora
estamos na era da tecnologia; certo, embora a tecnologia esteja longe de
resolver todos os problemas para a vida humana. Soluciona planos
industriais, aprimora os grandes complexos comerciais, mas o que ajuda e
Inspira a vida os técnicos não resolvem; e nós vivemos de inspiração, de
alguma coisa que levante o nosso nariz acima da cabeça, para
descobrirmos que, antes de tudo e depois de tudo há uma vida espiritual a
merecer atenção. Isso de coisas espirituais numa época materialista e
sexualista soa estranho, e por isso mesmo a sociedade vive a reboque dos
mais extravagantes princípios, e é levada para longe, cujo fim não se
alcança. Se for certo que a inteligência não resolve os nossos problemas,
pergunta-se: O que os resolverá? Salomão ficou fatigado da sua
sabedoria, mas nunca pensou na inspiração que a sua cultura deu ao
tempo e aos porvindouros. Mesmo que as coisas não durem para sempre
(v. 16) e que depois de um pouco de tempo tudo caia no esquecimento,
ainda vale a pena estudar; e se esta página puder entusiasmar algum
leitor a por de parte alguns momentos roubados às novelas, para se
dedicar à leitura, nos sentiremos gratificados. Certo que para tudo há um
limite, e este deve ser observado para se manter o bom equilíbrio da
mente e do corpo, pois a este equilíbrio cabe uma devida atenção à
inteligência. Nós não vamos concordar com Salomão ao afirmar: assim
como morre o sábio morre o estulto (v. 16). Se bem que todos morram
mesmo, há uma diferença: o sábio lega alguma bênção aos seus
semelhantes, enquanto o estulto nada deixa. Apenas isso. Então, viva o
sábio. È certo que pela inteligência apenas nunca se construíram grandes
empórios Industriais, grandes usinas, grandes conglomerados, como se
fala atualmente; se nos faltassem, porém, as bibliotecas, seríamos em
pouco reduzidos a um número de zeros à esquerda de um algarismo.
Quando Deus criou o homem, não fez um comerciante, um industriário,
um técnico qualquer, mas um homem à SUA IMAGEM E SEMELHANÇA,
com capacidade para pensar, discernir e verificar o valor de tudo no seu
conjunto.

Para não divagar demasiado, ponhamos a linguagem do Eclesiastes nos


seus devidos termos, isto é, nem tudo para a inteligência e desprezo para
os outros valores do corpo, como a esbeltez física, os cuidados com a
saúde, etc. Tudo isso compreende o homem, e não o sábio.

3) Aborrecimento da vida, não vale.

Pelo que aborreci a vida, diz o pregador (v. 17) Em face da pouca
valorização que algumas vezes se dá aos pendores intelectuais, chega-se a
pensar: o melhor é treinar na bola e dar um bom jogador; mas se todos
fôssemos Pelé, que seria da platéia? Nem todos podemos ser isso ou
aquilo, pois na vida e na sociedade há lugar para todos e para todas as
atividades. Muitos estudiosos se queixam, como Salomão, gastarem anos
em universidades, para depois verificarem que não podem nem concorrer
a um lugar de auxiliar de escritório, porque não sabem escrever a
máquina, não são estenógrafos, etc. Temos de possuir administradores
de empresas, como temos de ter assessores disto e daquilo; tão útil será
um como o outro. Nós não concordamos que tudo isso seja apenas correr
atrás do vento. Foi um modo de apreciar a vida por um ângulo só. Os
pessimistas nunca criaram muita coisa, e os queixosos igualmente. O bom
é que cada qual verifique as suas tendências e qualidades, e se dedique ao
seu desenvolvimento. Isto é o que constrói. Nada de queixumes nem
lamúrias, dizemos a quem ler esta página. Se alguém enveredou errado
pela vida e verificou que chegou a um beco sem saída, tenha paciência e
volte, se tiver tempo; se não, aja igualmente, porque o mundo carece de
todos, tanto dos mais como dos menos cultos, dos sábios e dos
ignorantes. Precisamos de gente para varrer a rua, e um médico não iria
fazer isso. Necessitamos de um homem que fique na boca do forno uma
noite inteira, para de manhã termos o pão fresco para o café. Precisamos
de soldados, para vigiarem as nossas casas, e até quem apanhe pedaços
de papel na rua e o vá vender a quilos. Dependemos de todos e de tudo.
Ninguém sobra, especialmente numa era quando tanto se carece de
gente, ainda que seja para limpar a graxa de uma máquina. Deixemos as
lamúrias de Salomão para lá.

O sábio, depois de um dia de trabalho e de usar seus poderes mentais,


pergunta: Valeu a pena? Calma e refletidamente volta-se para si mesmo e
é capaz de compreender que fez o que pode e atendeu a tudo que devia.
Aí o pensamento o acutila, e pergunta ainda: Terei conseguido o que
desejava e o que devia? Vai mais longe, e diz consigo: Não será que o tolo
conseguiu mais do que eu, pois, pelo menos ficou descansando e eu me
fatiguei? Os que me viram atarefado o dia todo pensarão que fiz alguma
coisa de valia? Neste ínterim a morte bate à sua porta e, se tem tempo,
ainda: Valeu a pena a minha canseira? Os que aí ficam gozarão algo do
que fiz, e reconhecerão que fui um laborioso batalhador pela melhoria da
comunidade? Diz-se que o tolo é como o gafanhoto, vive para o momento
presente; a formiga vive para o Inverno futuro. A verdade é que não
temos o comando da vida, nem podemos conciliar um grande número de
fatores, todavia, uma voz dentro de nós nos diz: Prossegue, e não
desfaleças, mesmo que pareça a preguiça ser mais compensadora do que
a atividade. Não te glories do dia de amanhã, porque não sabes o que
trará à luz.
Ao finalizar esta seção, perguntamos: Será o livro de Eclesiastes um hino à
tolice, uma ode à estultícia? De modo nenhum. O livro inspirado, com
todas as suas Incógnitas, leva-nos a uma conclusão que fará bem a todos.
O temor do Senhor é a fonte da vida (Prov. 14:27; Sal. 111: 10 ss.).

5. Filosofia do Trabalho (2:18-23)

Qual a sabedoria que nos poderia levar a uma compreensão melhor do


problema humano do trabalho? Se ela existe, não é conhecida por nós.
Estamos colocados no centro de um círculo, cujos raios escapam à nossa
vista e compreensão; os extremos e o centro não podem ser ocupados por
nós, porque não temos o dom da ubiqüidade. Essa é uma característica
do Criador. Só ele pode ver os extremos desse círculo e só ele entende o
que se passa em todos os raios do mesmo. Talvez, por meio de uma nova
sabedoria, que nos afaste ao máximo dos centros de nossos interesses e
observações, sejamos capazes de ver as coisas por outro prisma; isso
porém, só será possível quando a sabedoria de Deus, que supera a deste
mundo (I Cor. 2:7), dominar a vida. Enquanto houver proletariado,
assalariados e empresários, todos se movendo ao redor de um círculo
quase vicioso, cada qual defendendo os seus Interesses estreitos, não
haverá possibilidade de uma outra compreensão.

Parece que foi esse entender de Salomão que prejudicou todo o seu
trabalho, pensando ele que tudo ficaria para os outros, que nada lhe
tinham feito (vv. 18 e 21). Salomão não compreendeu que somos partes
de um todo e estamos unidos uns aos outros por laços de sangue, de
afinidades raciais e humanas, e, assim sendo, devemos dar a nossa
partilha de serviços para o consumo de todos. Se cada qual pensasse:
"Ora, eu não me vou dedicar muito, porque não quero que os outros tirem
proveito do meu esforço", que sucederia? Os pais não plantariam para os
filhos, nem estes para os netos, e assim até o fim. Quantos benefícios
gozamos hoje, resultado da dedicação dos que já passaram há muitos
anos? Já referimos o caso de Mr. Bell, esticando uma linha e colocando
cada extremidade no ouvido de alguém. O que um dizia, o outro ouvia.
Hoje falamos à distância, interestadual e internacional pelo telefone. Foi
preciso que alguém desse o ponto de partida. O que dizemos de Mr. Bell,
poderíamos dizer de uma infinidade de homens, que viveram e morreram
e deixaram o produto do seu trabalho para os porvindouros. Esta é a lei
do Criador, que nos uniu a todos de tal modo que ninguém vive para si ou
morre para si (Rom. 14:7). Nós todos somos devedores a outros; alguém
que viveu, morreu e nos deixou alguma coisa, para encetarmos a nossa
carreira neste planeta. Há egoístas, e muitos; mas há igualmente muitos
filantropos, amigos da humanidade, e, com uns e outros vamos recebendo
e dando alguma ajuda. Esta é a grande lei da vida. *

Como foi que Salomão não aprendeu esta grande lição, ignoramos; ou, se
aprendeu, não o disse bem no seu livro. Nas palavras da apreciação do
texto referido no tópico, examinaremos a sua filosofia e o que ela quer
ensinar a respeito do trabalho. Seria isso que entendia do trabalho?
1) O aborrecimento do seu trabalho (v. 18).

Os motivos de Salomão se enfadar do seu serviço e de saber que tudo ia


ficar ai para os outros, que nada tinham feito por ele, não sabemos.
Porventura não estaria lembrado dos esforços feitos pelo seu pai, Davi,
para deixar bastante riqueza e materiais para o futuro templo? Não
reconheceria as lutas de Moisés, Josué e tantos outros, que trabalharam
para construir a nação, que ele agora governava como rei poderoso e
rico? Certamente estas reflexões não poderiam estar ausentes de seu
pensamento, e temos de ler as suas palavras com um outro espírito e
sentido.

Há duas maneiras de trabalhar. Uma com o ideal de construir para a


posteridade, de fazer algo que fique, mesmo que não seja esse ideal o
motivo supremo; a outra é trabalhar com o fim de ajuntar para si. O
primeiro caso espelha o idealismo da razão, o sentido do grupamento, da
coletividade; o segundo é o egoísmo, o desejo de realizar tudo para nós e
só para nós. Não acreditamos que este fosse o espírito de Salomão; não é
possível admitir que não tivesse aquele senso de obrigação coletiva, pois
ele mesmo tinha feito tanta coisa à custa dos outros. O templo construído
custou o suor de muitos milhares, que se embrenhavam no Líbano,
cortando madeira e trazendo-a por mar, em forma de jangadas, para
depois ser usada na construção. Estaria ele esquecido disso? Certamente
não. A sua cultura o seu discernimento das coisas não lhe dariam tal
conceito de trabalho.

Então por que a sua lamentação de se afadigar debaixo do sol, sabendo


que o seu ganho iria deixar a outrem, que nada havia feito a seu favor?
Aqui está a sua filosofia egoísta do trabalho. Ele se coloca entre os que
trabalham e amaldiçoam o trabalho; debuxa o retrato dum trabalhador
Insatisfeito e raivoso como tantos, por saber que isso valerá para os
outros. É o trabalho escravo. Que interesse teria um escravo em trabalhar
a fazenda do seu senhor de sol a sol e com uma chibata lhe esperando na
entrada da porteira? Nenhum certamente. O trabalho do escravo não
tem alvo nem esperança; é trabalho forçado. Este não seria em nenhum
caso o de Salomão.

Aqui está então a condenação dos que trabalham por obrigação física ou
por mero egoísmo, como o rico da parábola, o qual encheu as suas arcas
ao ponto de dizer à sua alma (note-se bem, à sua alma): "Minha alma,
tens em depósito muitos bens para muitos anos, descansa, come e bebe,
e regala-te" (Luc. 12: 19). Este é o trabalho que Salomão está fustigando,
egoísmo dos que se afadigam, para os outros comerem do fruto de seu
trabalho. Se podemos interpretar o discurso do Pregador, é isto que está
considerando. Ele mesmo faz esta amarga pergunta: E quem poderá dizer
se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho
das minhas mãos (v. 19). Como diria o egoísta: Depois de mim virá alguém
que talvez seja um tolo, um estulto, mas de qualquer maneira terá o
domínio de tudo quanto estou ajuntando. Os que trabalham com tal
pensamento serão sempre infelizes, pois lhes parece que o melhor seria
levarem tudo para a sepultura, nada deixando para os outros. Para os tais
tudo é vaidade mesmo.

*Nota: Leia um capítulo em A Vida Cristã no Mundo Hoje, Hans Burki,


pp. 30-47, editado pela JUERP, à venda na Casa Publicadora Batista, 1972.
2) Um recurso ao desespero (vv. 20 e 21).

Salomão, baseando a sua filosofia no fato de que alguém trabalha para


quem nada faz, então dá largas ao seu coração, para que se desse a tudo,
menos ao trabalho, pois este seria útil para os que nada fizeram, e indo
adiante, afirma: Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria,
ciência e destreza; contudo deixará o seu ganho como porção a quem por
ele não se esforçou (v. 21). O homem que trabalha na persuasão de que
outros é que vão lucrar do seu esforço, terminará por ser um preguiçoso,
um vadio, pois trabalhar para quem nada faz é estultícia. Esta é a filosofia
do homem que só pensa em si, no seu ganho, no seu estômago. Não é a
filosofia dos homens que construíram este mundo, com grandes cidades e
grandes prédios para outros morarem. Há um bairro no Rio de Janeiro,
antigamente um prolongamento da Lapa, local de vadios e bêbados. Um
homem imaginou construir ali os maiores prédios do Rio. Conseguiu, e
depois morreu; entretanto, ainda hoje o nome Serrador lá está, num
grande hotel construído por ele. Por que esse português, Serrador, se
preocupou em construir em bairro elegante, sabendo que depois iria
morrer e deixaria tudo para os outros? Esse o espírito dos que trabalham
para a posteridade. O lado negativo dessa filosofia: o serviço dos egoístas,
que Salomão tão admiravelmente representa no seu escrito. Se um
homem trabalha só para si, logo se convence de que é pura vaidade, pois
depressa morre e outros vão ficar com o produto do seu vigor. Todo
esforço é penoso, todo trabalho traz canseira. De dia e de noite o seu
coração se cansa nessa luta. Para quê? (v. 22). Logo morre, e para quem
ajuntou ele? Para quem nada faz, para um vadio, talvez. Esta é a
realidade do trabalho só para si. Quantos homens tudo fazem com esse
ideal? Bem poucos.
Não foi esse o alvo posto por Deus no coração humano quando lhe deu o
jardim para cultivar, plantar e deixar depois para os filhos. Não é só no
homem que Deus pós este ideal. As abelhas vão muito longe, adejar
sobre as flores, colher o pólen e trazê-lo nas patinhas, que depois é
amassado, por um processo que elas nunca ensinaram a nenhum sábio,
para então termos o mel. Elas mesmas pouco comem dele. Somos nós os
comedores do mel feito com tanta fadiga das abelhinhas. Os passarinhos
e a natureza toda, idem. Todos trabalham para o futuro: é a lei divina.

Então aprenda-se a lição do Pregador Salomão, de que todos os que


trabalham apenas para si são uns tolos, e o seu serviço, pura vaidade
debaixo do sol. Uma canseira sem finalidade.

Se tivermos conseguido mostrar a finalidade dessas diversas digressões


salomônicas, isto é, que está procurando mostrar o que a vida representa
para as criaturas egoístas, sem visão do conjunto, tipos que vegetam à
margem da vida e da sociedade humana, e formam realmente a escória, o
lado negativo da vida, então teremos entendido todo o livro, no que ele
tem de misterioso. Um espírito lúcido, capaz de enxergar muita coisa no
escuro da vida, não iria supor que os ensinos de Eclesiastes realmente
representam o pensamento do grande sábio Salomão. Ele se fez eco de
uma parcela humana, que não se considera parte de um grande todo da
mesma família, e então esvazia-se de si, dos seus conhecimentos, das suas
obras, para falar como se fora um tolo, um egoísta, que espera receber
dos seus parcos labores todos os proventos da sua loucura ou da sua
operação. É um tipo de filosofia do escândalo de uns poucos, que só
pensam em si, como se isso valesse por um código de ética social ou
representasse o estilo de sabedoria divina, tão elevadamente expresso
através da Bíblia. Salomão, o grande sábio, não iria dar à posteridade uma
série de interrogações sem resposta, como se isso fosse a sua verdadeira
concepção da vida. Não, ele não poderia fazer Isso, se quisesse. Então
entendemos o Livro de Eclesiastes como uma resposta sarcástica aos que
só pensam em si, para logo se convencerem de que tudo é vaidade, não
adianta esforço, o melhor é comer e beber e depois morrer. Cada qual
que se cuide e tire o melhor que puder dos seus poucos e sofridos dias de
vida debaixo do sol, pois tudo é como correr atrás do vento. Vanitas
vanitatum et omnia vanitas.

SEGUNDO ESTUDO - UMA SÉRIE DE INDAGAÇÕES SEM RESPOSTA - 2:24-


4:3

1. Introdução (2:24-26)

Este nosso Estudo começa por uma declaração muito Importante, qual
seja a de ser Deus quem tudo dá, Inclusive o comer, o alegrar-se, o fazer
qualquer outra coisa na vida, debaixo do céu. Deus dá ao homem a
oportunidade e a sabedoria para fazer as coisas que deve realizar,
persuasão por onde o autor do Eclesiastes prossegue na sua dissecação
dos problemas da vida humana. A aceitação do fato de que Deus é tudo e
dele tudo vem já nos ajuda a compreender que não estamos lidando com
um cético, um incrédulo na existência divina. Há Deus. Isso ajuda a
resolver muita coisa. Se há Deus, não há motivo para ceticismo, pois tudo
deve estar condicionado ao seu governo, visto que, ele deve ter ordenado
tudo conforme o seu modelo original. Não há pessoa que tenha o direito
de dizer: "Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos", como se
não houvesse governo no universo e cada qual agisse como os Irracionais,
que procedem justamente assim, sem saberem por que o fazem. O
homem não é animal desse tipo; é um racional, que sabe distinguir entre o
preto e o branco, o direito e o torto. O autor vai mais adiante ainda, e
afirma: Pois, separados deste (Deus), quem pode comer ou quem pode
alegrar-se? Deus é quem dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem
que lhe agrada; ao pecador, porém, dá trabalho para ajuntar e amontoar,
a fim de dar àquele que agrada a Deus (2:24 e 25). Já temos, então, parte
da resposta que temos buscado em nosso primeiro Estudo. Tudo vem de
Deus, e o que não confia nele ajunta, não para si, e., sim, para os que
crêem. Será então que o autor deste livro condiciona todos os problemas
de frustração e de irracionalidade aos que nele não acreditam? Se assim
for, então está interpretado o Livro de Eclesiastes, embora o autor não
diga tudo Isso com clareza; é muito sibilino.

2. A Sabedoria do Criador (3:1-8)


Tudo tem seu tempo determinado. Não há nada para o acaso, para o
talvez. O fracasso de muitos, na busca do prazer e do sucesso, consiste no
fato de que há transigências, modos de entender as coisas ou de
pretender entendê-las. Temos feito sentir haver para tudo um meio-
termo. Os extremos são perigosos. O homem culto é aquele que sabe
aproveitar-se de todas as oportunidades, para a riqueza, para o prazer,
para a Inteligência, construindo um todo harmônico. A harmonia da vida
é tudo, e até a natureza nos, ensina isso, que veio das mãos do Criador. A
falta de discernimento, a impaciência em colher os frutos do labor logo se
apresentam ao homem depois de um dia afanoso de trabalho (pode ser
anos), e, em faltando-lhe o raciocínio e a calma ponderante para uma
análise fria e segura do que fez e esperou, atiçado pela dúvida, indaga:
"Terei eu chegado a realizar o meu ideal? Terei eu corrido atrás do vento?
ou semeado para outros colherem?" AI é que a sabedoria mostra a sua
superioridade à estultícia. O sábio espera e raciocina; o estulto se atira a
qualquer solução, e resolve que tudo é vaidade, que não adianta ser
laborioso, trabalhador, pois os estultos aí estão na sua frente, vistosos,
deslumbrados, enquanto ele, o sábio, vai ficando para trás. Daí a
pergunta: De que vale a diligência, o labor fecundo, o dia-a-dia no campo
da observação e do trabalho? Quantos naufragam porque não tiveram
tempo para esperar, pois o tempo de segar ainda não tinha chegado (v. 2).
Não apenas esse fracasso mas a idéia de que breve chega a morte, e tudo
quanto fez para quem vai ficar? Se não houver aquele senso, "basta a
cada dia o seu mal", o homem desespera e se acaba.

Existe certa dificuldade que poderíamos chamar de paradoxo referente à


sabedoria. Sabedoria significa olhar para a frente e para cima; mas o tolo
olha para baixo e quer comer agora o que ontem plantou. Não tem o
Instinto da formiga; é como se diz do gafanhoto, que só quer devorar as
plantas e nada mais. Então a diferença entre o sábio e o insensato é esta:
um sabe esperar, e o outro, desesperar.
1) Como escapar do dilema (vv. 1-3).

O dilema entre a sabedoria e a loucura é de difícil resolução. O homem


natural está desprovido dos apetrechos necessários a uma boa solução.
Não tem a sabedoria que vem do alto (I Cor. 2:7) e vale-se apenas da
sabedoria aqui embaixo. Sem aquela sabedoria é difícil encontrar o
caminho a seguir, uma inteligência natural para saber que hoje é hoje e
amanhã é amanhã. A confusão resulta em muitas dores e fracassos. A
incredulidade na providência divina e nos seus desígnios para a vida
humana faz do homem um tolo, um incapaz de conjugar os seus
problemas e procurar no seu intrincado o que lhe deve interessar. O
xadrez com tantas pedrinhas a serem jogadas, torna muito difícil uma
solução tantas vezes. Pedras pretas e brancas: quais as que servem? Se
deixássemos a tarefa ao Criador, àquele que sabe distinguir o certo do
errado, então teríamos muitas soluções sábias; quantas vezes, porém, nos
esquecemos dessa existência!
2) O princípio da sabedoria é o temor de Deus (Sal. 111: 10; Prov. 1:7)

Teremos nós esta sabedoria? Para nós, de um modo geral, todos os


tempos são iguais, toda época é de semear e de arrancar o semeado (v. 2).
A sabedoria divina diz o contrário, isto é, que há tempo de morrer, tempo
de nascer, tempo de plantar e tempo de arrancar (v. 2). O que então nos
falta, tantas vezes, é o discernimento dos tempos, como diz Jesus em
Lucas 12:46. E ainda E el. 8:5,6; Rom. 13: 11. Falta-nos muita
discriminação e intuição para descobrirmos o que convém, se é já o tempo
de morrer ou de viver ainda, de semear ou de arrancar. Todo este trecho
se refere AO TEMPO; tempo para tudo, e o poeta vai longe nas suas
dialogações, como tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras
(v. 5). Está então conosco a sabedoria de acharmos o tempo de fazer as
coisas, e decidir quanto a elas, como o tempo de chorar e o tempo de rir.
A nossa grande dificuldade consiste em nos acharmos dentro do tempo,
sem sermos do tempo, ou se somos, é mui precariamente. Somos dá
eternidade, do Para Sempre, como o chamam alguns comentadores. Uma
tentativa para descobrir o nosso lugar no tempo (o agora) e o tempo Para
Sempre é que nos induz a muitos fracassos. Quantos de nós somos
capazes dessa distinção? Na maioria dos casos, apenas nos sentimos
dentro do tempo de arrancar, esquecidos de que há um tempo de semear,
e talvez a semeadura seja arrancada por outros. Em linguagem similar,
somos de hoje, e hoje é o nosso dia, embora vejamos que a história nos
ensina coisas muito diferentes. Então é preciso sabedoria para semear e
para arrancar o semeado, para chorar e para ser alegre. O egoísmo
parece ser uma das ensinanças mais criticadas neste livro. Nós somos do
tempo, sim, mas não unicamente deste tempo. Ao escrevermos estas
palavras, vem-nos logo à mente: Quem irá arrancar o semeado nesta
página caso frutifique ou germine? Quem sabe? Só Deus. Então por que
semear? Porque é tempo de semear e há de vir o tempo de arrancar o
semeado. Seja esta a nossa filosofia, e fiquemos contentes. Seja a
sabedoria divina o nosso lema, e o resto fica com Aquele que domina
sobre tempos e tempos e para sempre.

3. A Sabedoria de Deus no Tempo (3:9-15)

O que é já foi, e o que será também já foi; Deus fará renovar que passou
(v. 15). Quanto tempo Deus esperou para criar o universo? Quanto
tempo o universo criado esperou pelo aparecimento do homem?
Responda quem puder. O fato é que Deus é o Senhor do tempo, e tudo
fez formoso no devido tempo (v. 11). Dentro desse conceito bíblico, que
proveito tem o homem naquilo que se afadiga? (v. 9). Quem sabe? O
trabalho, diz o escritor sagrado, foi por Deus para afligir os filhos dos
homens (v. 10). Afligir como? Deus não pode afligir ninguém sem motivo.
Então, aqui, que significa afligir? O mesmo que já dissemos acima em
relação ao primeiro item desta discussão: o homem se aflige procurando
dentro do tempo saber qual é o seu tempo; e porque não descobre o
tempo do seu tempo, e não tem sabedoria para um discernimento
completo, se afadiga e se consome. O trabalho não aflige, porque Deus
trabalha, e Jesus afirmou seu Pai trabalhar até agora e ele também (João
5:17). Se Deus trabalha e Jesus também trabalha, e não pode haver nada
parado, nem no céu nem na terra, a atividade é uma característica da
criação, e o trabalho não pode afligir ninguém, e de fato não o aflige. O
homem, quanto mais trabalha e produz mais deseja trabalhar e produzir.
Diz-se que o trabalho no Brasil e noutros países escravocratas tomou um
sentido de obra de escravo, porque só os escravos trabalhavam, enquanto
os senhores dormiam nas suas redes ou camarins o dia todo. Isso já
pertence ao passado. Atualmente, todos trabalhamos e gostamos de
trabalhar e produzir. Fica então claro em nosso texto que o trabalho,
dado por Deus aos homens, não foi para os afligir; eles é que assim
julgam, por não o compreenderem. O verso 11 do nosso tópico nos ajuda
a entender o sentido do trabalho. Tudo fez Deus formoso no devido
tempo (v. 11). Fez mais do que isso: pôs a eternidade no coração do
homem (v. 11). Aqui está a solução do homem no tempo. Ele não é do
tempo, mas está no tempo. O de que carece é saber o que lhe cabe nesta
parcela de seu tempo e o que cabe aos outros, pois é da eternidade. Os
que se sentem parte da eternidade e sabem que o tempo aqui é curto, e
logo a noite vem, quando ninguém pode trabalhar (João 9:4), não se
afligem com o trabalho. A palavra traduzida aqui tempo significa no
hebraico Para Sempre ou eternidade, por isso a Versão Revista da SBB faz
bem em traduzir a palavra mundo, na versão antiga (v. 11), por
eternidade. Nós somos da eternidade e a nossa parte no tempo faz parte
da mesma. Assim sendo, não temos que nos afligir com o nosso trabalho,
pois pertence à eternidade. Estamos, pois, aqui para trabalhar, e assim
descobrimos o plano de Deus para nós no tempo e na eternidade, e isso
dá gozo e contentamento. Descobrir as obras de Deus para o nosso gozo
e benefício é qualquer fato que deve alegrar a cada um. Então, o que se
segue? Todos somos elos de uma cadeia que começa no tempo e vai à
eternidade; e não podemos quebrar este elo, pois é a nossa parte no
grande todo. Verdade é que os tolos não descobrem esses fatos, mas isso
não altera a verdade. Por isso o autor de Eclesiastes afirma que nada há
melhor para o homem do que regozijar-se e levar a vida regalada (v. 12).
Os tolos, quando se fala em vida regalada e regozijo, pensam
imediatamente em comer, beber e folgar. Isso faz parte da vida, mas não
é o que dá o gozo. Tanto quanto o peixe não se sente bem fora da água,
assim o homem não pode sentir gozo fora de Deus. Através desse nosso
livro de Estudo, sempre topamos com a palavra gozar, ou levar boa vida, e
a desassociamos do contexto, que é trabalhar, gozar a vida nas suas
verdadeiras finalidades.

Na ordenação das coisas do tempo, Deus mandou o homem comer, beber


e ser feliz (vv. 11 e 12), pois a vida triste é produto de pecado. O nosso
texto enfaticamente afirma que é dom de Deus para o homem cumprir
essas determinações divinas. Os homens, mal informados dos planos
divinos, torcem o sentido das palavras gozar, trabalhar, comer e beber,
como se estivessem desassociadas do desejo divino para o conjunto. Se o
trabalho é um dever, o uso do produto do mesmo trabalho faz parte desse
dever. Por causa dessa distorção dos ensinos sagrados, é que Eclesiastes
tem sido mal interpretado. As leis que regem a vida neste planeta não
podem ser alteradas, afirma o autor (v. 14); e tanto o que já passou como
o que há de vir faz parte do eterno plano divino para a felicidade do
homem na terra.

4. A Justiça Divina - O Destino dos Mortos (3:16-21)

Há muita injustiça na terra e a natural interpretação da moralidade da vida


dá em cheio com esta injustiça. Por um lado, todos desejamos ser
tratados com justiça e eqüidade, pois este sentimento está arraigado nas
mais profundas dobras do nosso ser, e por isso nos inclinamos sempre
para o lado da justiça. Todavia, logo verificamos que a injustiça também
corre paralela, e então vemo-nos frente a frente com um problema.
Como resolver tal situação? Para uns, a ordem do mundo depende de
organizações estáveis, regimes fortes, que ponham um freio às ambições
egoístas de tantos; para outros, um apelo a uma ordem interna que
domine ou freie os homens nos seus ímpetos. De um lado, então, um
regime de força, como o comunismo ou qualquer outro sistema forte,
brutal a impor ordem ao homem; do outro, um sistema moral que domine
internamente os impulsos humanos e os contenha dentro das normas do
convívio social. Tanto um como o outro tem falhado, porque não levam
ao Intimo do ser humano aquele respeito e noção do dever que cabe a
cada indivíduo, parecendo que nem um nem outro resolveram, até agora,
problema social do homem. O egoísmo, que macula os indivíduos, se
reflete também no Estado, mais ainda porque este tem nas mãos todo o
poder para coagir. Então não há solução para o problema que o autor
reconhece no verso 16, quando diz: Vi ainda debaixo do sol que no lugar
do juízo reinava a maldade, e no lugar da justiça, maldade ainda. O texto
é bem claro. Maldade em cima e embaixo. Injustiça por todos os lados.
Não havendo justiça nem dos governos para os governados, nem destes
para com os semelhantes, então temos a anarquia social. O verso
seguinte (17) parece dar-nos a chave do caso. Existe o perverso, o injusto,
o mau, que tanto está em cima, na cúpula, como embaixo, entre a plebe;
ao mesmo tempo, porém, estão outrossim dentro do plano julgador de
Deus, que conduzirá uns e outros ao tribunal supremo. Há tempo para
todo propósito e para toda obra (v. 17). O autor não conhecia o discurso
de Jesus, constante do capítulo 25 de Mateus, quando toda a obra será
levada ajuízo. Não conhecia, é certo, mas previu. De tudo quanto os
homens fizerem darão contas a Deus; o egoísta, o gozador da vida, o
preguiçoso e o trabalhador, ninguém vai escapar deste julgamento, e cada
um receberá segundo as suas obras. É bom que o leitor dessas notas de
estudo verifique correr através do livro uma nota constante a respeito do
juízo final e que todos daremos contas a Deus (11: 9). Portanto, não
adianta inventar filosofias da vida, comes e bebes, como se o viver
consistisse nisso, e, sim, pautar-se por um padrão de eqüidade em que o
trabalho e a folga são partes do viver.

4. A Justiça Divina - O Destino dos Mortos (3:16-21)

1) Uma prova de fogo (vv. 18-21).

Nessa luta contra as Injustiças humanas, há provisão para que os homens


sejam provados e se convençam de que são mesmo animais como
quaisquer outros. A irracionalidade do viver de muitos não os dissuade
dessa triste realidade. O fato de comerem, procriarem e gozarem a vida
não basta para os fazer esquecer que, não obstante esta qualidade
pertinente a todos os animais, há no homem um meio de se provar, de ver
que ele é diferente dos irracionais, pois, se tem responsabilidade, é
responsável, o que não ocorre com os irracionais. Se Deus os prova, é
porque podem ser provados, de modo a não terem desculpas no grande
dia do juízo. Devemos entender estas considerações iniciais antes de
termos de examinar algumas conclusões decorrentes da animalidade
humana, quando parece tanto o cavalo como o homem serem iguais. O
cavalo não é responsável por coisa alguma; o homem é provado e,
portanto, o é. Esta consideração nos habilita a entender a doutrina
expressa nos versos 18-21, os mais sujeitos a criticas a respeito da
natureza animal do homem, nivelando-o com os irracionais.

2) Todos os animais vão para o mesmo lugar - a cova (vv. 19-21).

A leitura destes versos tem levado muitos estudantes a entenderem não


haver diferença entre o homem, ao morrer, e outro qualquer animal,
quando diz: COMO MORRE UM MORRE O OUTRO, todos têm o mesmo
fôlego de vida (v. 19). A vida neste texto refere-se à vida animal, que
alguns representam como sendo o sangue. Pára o coração de bater, pára
o sangue de correr e alimentar as células cerebrais, está morto o homem
ou o animal. Vejamos o que nos ensina o Livro de Gênesis 2:7: Então
formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas
o fôlego da vida, e o homem passou a ser ALMA VIVENTE. A palavra
hebraica para vida translitera-se como Nefeshe, e é usada em relação ao
homem e aos animais quando se trata da vida animal. Quanto aos
animais, diz o sagrado texto: Disse também Deus: Produza a terra seres
viventes (Nefeshe), conforme a sua espécie... e assim se fez (Gên. 1:24).
De salda, se vê que houve uma grande diferença entre os seres viventes e
o homem feito alma vivente. Os primeiros foram produto de uma ordem:
PRODUZA A TERRA... A outra, bem diferente: FAÇAMOS O HOMEM Á
NOSSA IMAGEM, CONFORME A NOSSA SEMELHANÇA (Gên. 1: 26). A este,
Deus soprou nas suas narinas o fôlego da vida, depois de o haver feito à
sua imagem, conforme a sua semelhança; porém, quanto aos animais,
apenas disse: "Produza a terra." Há, pois, um mundo de diferenças entre a
criação dos seres viventes e o homem, alma vivente. O sopro de Deus nas
narinas do homem foi que o fez alma vivente, à sua Imagem e
semelhança. Quanto aos outros animais, a terra os produziu. Todos como
criaturas, foram assim feitos seres viventes; todavia, quanto à maneira de
os criar, houve profundas e irrecorríveis diferenças. Certo que todos
vivem na terra e todos receberam sua missão, entretanto a do homem é
infinitamente diferente da dos animais. Tentar confundir as duas
espécies, a humana e a animal, é uma louca tentativa dos Testemunhas de
Jeová, conforme ensina o seu livrete - A Verdade Que Conduz à Vida
Eterna, Cap. 5 e referências. Aí o autor afirma, tanto os animais como o
homem serem almas no hebraico Nefeshe e no grego Psiqué. Tenta o
escritor demonstrar que alma, seja de homem ou de bruto, é a mesma
coisa: assim a do gato como a do homem. Morre o homem e a alma se
perde, acabou a sua tarefa. Morre o animal e desaparece da mesma
forma. A triste confusão entre a alma vivente de Adão e alma vivente dos
animais é uma perversão dos textos sagrados, visto como a diferença
entre o aparecimento dos animais e a criação do homem é muito
profunda. Naturalmente não cabe nos limites deste Estudo fazer uma
análise detalhada das diversas escrituras em que aparece a palavra alma,
Nefeshe ou Psiqué. Bastanos a diferença na criação das duas espécies, e o
resto da Bíblia, em que o homem aparece como ser responsável a Deus e
vai dar-lhe contas da sua vida; mas se a sua alma morre, isto é, se a sua
pessoa se vai com a morte, não há possibilidade de se fazerem válidas tais
escrituras, como as do juízo eterno, etc., que os Testemunhas de Jeová
negam, afirmando, não haver juízo eterno, nem recompensa ou castigo,
nada, nada, pois tudo acaba na cova. Jesus deveria estar muito enganado,
segundo a doutrina dos Testemunhas de Jeová, quando afirmou em tantos
passos: "De tudo o que o homem disser ou fizer dará contas a Deus
(Rom. 14:12; Mat. 12:36; Heb. 13:17; I Ped. 4:5). O que dizer do que nós
chamamos RESPONSABILIDADE, se tudo acaba na cova?

A sobrevivência da alma humana é um imperativo da moral; o homem


rouba, e é julgado pelo seu delito; o cavalo rouba e nada sofre. Ora, se o
homem é como o cavalo, por que este duplo tratamento a dois animais?
Se não há julgamento futuro, não há responsabilidade tampouco. Então
os tribunais, as cadeias, os julgamentos dos homens, tudo não passa de
uma farsa jurídica, sem base em qualquer princípio moral. Tudo termina
aqui na cova. Perguntaríamos ainda: Em que postulado moral se apóia a
sociedade, para pedir contas aos homens por seus delitos, se eles são
iguais ao cavalo ou ao camelo? Sim, porque se a alma dos homens é
apenas vegetativa, como a dos cabritos e dos bois, para terminar na cova,
para onde todos vão, ou no estômago dos seus devoradores, como é que
se dá um tratamento diferente aos mesmos animais?

Sentimos repugnância ao tratar de um assunto dessa natureza nos termos


em que os Testemunhas de Jeová o colocam, quando afirmam que "quer a
alma humana quer a alma animal não são imortais, imorredouras,
podendo, portanto, perecer". (1) Os textos que usam para provar a
mortalidade da alma humana ou a sua igualdade como os cabritos são
todos torcidos do seu contexto, usando escrituras em que o escritor
sagrado afirma, como em Ez. 18:4 e ss., que a alma que pecar, essa
morrerá. Qualquer estudante de meias letras Interpretará esta escritura,
e muitas outras, num sentido compreensivo, isto é, que a pessoa que
pecar morrerá (morte espiritual), sendo que alma significa a pessoa.
Todos estes textos são categóricos em afirmar que se trata da morte
espiritual ou como em Apoc. 20:14, da segunda morte. Há uma Escritura
em I Tess. 5:23 onde Paulo afirma que somos alma, corpo e espírito; e no
resto das escrituras, alma e espírito se confundem, para designar a mesma
coisa, e sempre no sentido de imortalidade. São sinônimos.

Bastaria a diferença entre a criação dos seres viventes e a do homem


conforme Gên. 1:24 e 2:7. Neste caso, a uma ordem divina, a terra
produziu seres viventes conforme a sua espécie; no caso do homem,
porém, que diz? FAÇAMOS O HOMEM Á NOSSA IMAGEM, CONFORME A
NOSSA SEMELHANÇA, e tenha domínio sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos céus, sobre os animais domésticos (Gên. 1: 26). Noutro lugar
abordamos essa mesma escritura, para mostrar a diferença entre as duas
criações. O fato de que tanto os seres viventes como o homem foram
feitos almas viventes não significa que todos são iguais. As palavras
Nefeshe, no hebraico, e Psiqué, no grego, denotam a parte imaterial do
homem, mesmo que se apliquem também aos irracionais. Tentar igualar
ou confundir a criação do homem com a dos animais é qualquer coisa
irracional, e igualar a nefeshe dos animais com a nefeshe dos homens é
coisa incompreensível. (1)

(1) Veja A Verdade Que Conduz à Vida Eterna, p. 35 (Livro dos


Testemunhas de Jeová).

5. Que Deseja Ensinar o Autor do Eclesiastes? (3:21-43)

Ele afirma que o que sucede aos filhos dos homens, sucede aos animais (v.
19), isto é, tanto uns como outros, todos, por igual, vão para a cova, que é
o fim de toda a criação. Será que quer ensinar que tanto uns como os
outros, todos, por igual, terminam na cova? Por que então a diferença tão
clara e profunda da criação do homem e dos animais'? E por que o
mesmo escritor, em tantos outros passos, distingue o homem dos
cabritos, como, por exemplo, em 11:9, ele mesmo ensina que de todas
estas coisas (que ele enumera) Deus te pedirá contas? Como é que Deus
pede contas a uma pessoa ou coisa que não existe, no caso de a alma do
homem perecer junto com o corpo na cova? Ainda em 12:7 ele volta a
afirmar: ... e o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus, que o
deu. Ainda em 12: 13 declara: A suma é: Teme a Deus e guarda os seus
mandamentos porque Isto é dever de todo homem. Portanto,
examinando o texto de 3: 19 e 20 com os contextos diversos no mesmo
livro, podemos afirmar que Eclesiastes não ensina a mortalidade da alma
humana. Não precisaríamos de recorrer a outras muitas escrituras; estas
bastariam. Mas, pergunta-se ainda: Que quer ele ensinar nesta escritura
tão controvertida,? Está monologando a respeito da vaidade da vida,
como tudo neste mundo é contraditório, quando o justo não encontra
justiça e o perverso tem o caminho aberto para a sua prática da injustiça.
Nesta contextura chega então a colocar num mesmo plano, a vida de
todas as coisas criadas, isto é, que se vive e se morre, quer se trate do
homem quer dos animais. No verso 21 deste mesmo capítulo, levanta a
questão sobre o destino do espírito ou se o fôlego da vida dos homens se
dirige para cima e o dos animais para baixo. É uma indagação supérflua
em face das outras afirmativas dele mesmo, mas estão dentro do contexto
dos seus argumentos (veja a próxima página).

O leitor notará que neste estudo há certas repetições da mesma doutrina.


É natural em face de tantos textos e de tão variados argumentos sobre
esta perniciosa doutrina da mortalidade da alma humana. Se, por amor
da ênfase, houver repetições, nenhum mal farão, estamos certos. O livro
de Eclesiastes é difícil de interpretar, por causa do seu fundo filosófico,
social e político, e dos comentadores que consultamos nenhum se
aprofundou tanto no exame desta matéria como nós, isto pelo fato de
haver atualmente no Brasil uma seita, cuja finalidade é convencer a Deus
e ao mundo de que homens e animais são a mesma coisa na morte.
Todos terminam na sepultura. Todos morrem tanto os homens como os
animais, e do ponto de vista animal, não há diferença. Todos vieram da
terra e para a terra voltam; isto quanto ao corpo, já se vê. O autor não
está discutindo, aqui no seu livro, a questão da sobrevivência da alma
humana, nem os seus postulados de livre e responsável. Está lidando
apenas com um fato - o da igualdade na morte. Os outros problemas não
estavam dentro do seu campo de cogitações, porque está lidando com os
problemas da vida terrena: comer, beber, folgar, e depois morrer. Esta é a
sua tese e, portanto, as outras implicações da pessoa humana estão fora
do seu contexto e de sua imaginação Tanto Isto é certo que termina
afirmando: Tudo é vaidade.

(1) Veja Rosalino da Costa Lima, em Esses Testemunhas de Jeová, Casa


Publicadora Batista, 1970.

UMA PERGUNTA IMPERTINENTE

Há uma outra Indagação: Quem sabe se o fôlego da vida dos filhos dos
homens se dirige para cima, e os dos animais para baixo, para a terra? É
uma pergunta a que o autor não responde, porque não lhe Interessava
entrar nesse terreno; entretanto, aventa a suposição de o fôlego (espírito)
dos homens, subir para cima, e o dos animais descer para baixo. No
conceito judaico, todos os mortos iam para o mesmo lugar, para o Sheol, e
lá aguardavam o juízo. A mesma concepção tinham os gregos com o seu
Hades, onde os juizes bons lá estavam, e os carrascos de Sócrates
também. Este Sheol é aqui embaixo, algures, como também o Hades. Foi
ao Hades que Jesus desceu antes de ressuscitar, para pregar aos mortos-
vivos no Sheol ( I Ped. 3: 19). Portanto, os dizeres do autor de Eclesiastes
não têm sentido quanto a subir ao céu ou descer ao inferno, que não
existe para os Testemunhas de Jeová. É apenas uma Indagação para
constatar a diferença entre homens e animais.

Uma outra pergunta do autor de Eclesiastes está no verso 22. Quem o


fará voltar para ver o que será depois dele? (v. 22). Os judeus admitiam a
possível volta de um morto a esta vida, pelo menos foi isso que Saul fez,
ao pedir à pitonisa de En-Dor que lhe fizesse subir Samuel . Sem entrar
nesta outra discussão, aceitemos que o autor de Eclesiastes admitia a
sobrevivência da alma após a morte, mas ao mesmo tempo a
impossibilidade desta voltar, para se ver o que teria acontecido com as
obras do morto.

Reconheçamos que os judeus não tinham a concepção sobre a vida eterna


que o Novo Testamento trouxe. Para eles, todos os mortos iam ao Sheol e
lá aguardavam o juízo em que criam, aceitando, portanto, a sobrevivência
da alma à morte do corpo.

Essa digressão não vale como um trabalho de soteriologia; é apenas uma


demonstração leve sobre a interpretação do texto, tão sujeito a
explanações cavilosas, como as dos Testemunhas de Jeová, que se
baseiam neste passo para demonstrar a mortalidade da alma humana e
com isso anular as Escrituras que falam do juízo final, da recompensa dos
justos e do castigo dos injustos, nivelando a todos, bons e maus, numa
mesma condição. Por Isso diz bem o autor de Eclesiastes que o bom é
comer, beber e folgar; e acrescentamos o que diziam os hedonistas
gregos, "porque amanhã morreremos". De fato, se a vida termina aqui,
por que esta luta pela justiça, pela virtude, pela bondade, contra tudo que
contraria estas grandes virtudes? Se não há recompensa, não adianta ser
bom ou mau no que respeita a Deus, pois ele não vai pedir contas aos
mortos. Segundo a doutrina dos Testemunhas de Jeová, só eles são
salvos, pois fazem parte dos 144.000 de Apocalipse 7:4. Para eles há uma
recompensa, mas para o resto da cristandade, nada adianta ser justo ou
Injusto, bom ou mau. O Paraíso é deles; o resto fica mesmo na terra.
Pobre concepção bíblica! Então Deus manda que sejamos justos e santos
e depois deixa-nos no chão com os vermes eternamente? Isso é
Impossível. Há uma ressurreição, é certo, para os Testemunhas de Jeová,
mas é tão vaga que nem chega a ser ressurreição. (1) É verdade que os
Testemunhas de Jeová admitem uma ressurreição para alguns que estão
com os 144.000; mas estes não são os verdadeiramente felizes, os que
Paulo entende sejam ressuscitados com a vinda de Jesus, a fim de, juntos
com os vivos transformados, Irem ao encontro do Senhor nos ares (I Tess.
4:13-18). Com estes é que Jesus vai reinar por 1.000 anos, em Jerusalém.
Quantos serão? Miríades de miríades e não como pensam os nossos
amigos Testemunhas de Jeová, que somente eles reinarão com Cristo.

(1) Veja nota anterior.

Se a vida consiste apenas em comer, viver, trabalhar, sofrer e morrer, que


vantagem há para o pobre e justo sofredor junto dos nababos e
gozadores? Então este mundo é mesmo uma desgraça maior do que
imaginamos. Que conforto existe no pensamento de que os "moinhos de
Deus moem vagarosamente para aqueles cujas vidas são inteiramente
moldas, entre as duas pedras do moinho, a de cima e a de baixo?" (Novo
Comentário da Bíblia, p. 661). É Isso mesmo. Reduzir a nada a vida desses
miseráveis dias de sofrimento, a maior parte lutando com situações
adversas, doenças, pobreza e fome, mas com a fé em Deus, é o mesmo
que negar o bondoso Criador, que, não podendo distribuir
eqüitativamente a todos, pelo menos promete uma justiça mais tarde. Se
não há esta justiça, então os tribunais humanos são uma ficção hipócrita,
uma injúria aos lnjustiçados, pois não há nada justo na terra nem na
eternidade. Miséria. E o que Jesus chamou de verdade também não
existe, o conceito de santidade é uma piedosa ficção de viúvas e velhos,
pois não vale a santidade, nem a mortificação dos espíritos e corpos, se
nada há além da triste cova, onde bons e maus se desmancham para
gáudio e conforto dos vermes. Excomungamos tal doutrina. Não é isso o
que o sagrado texto nos ensina, nem poderia ser.

Apenas mais uma palavra. Que dizer do gênio incorrosível do homem


para a justiça, para o belo, para o bem, para a verdade? Que princípios
dominam o ser humano e lhe imprimem qualidades que não se encontram
nos brutos? Dizem os filósofos que tudo no homem terreno é uma
miniatura do que ele será na eternidade. Isso parece ser verdade.
Qualquer que seja o grau de degradação do ser humano, a verdade é que
revela e demonstra qualidades tais que o aproximam muito de Deus. É um
deus com letra pequena. Porque isso? Porque Deus soprou nas suas
narinas não apenas o sopro da vida, mas as qualidades do próprio ser
divino, quando diz que era feito à Imagem e semelhança de Deus. (1)

No complexo do ser humano há uma instituição que se poderia denominar


de tribunal. Ele é um ser que deseja a justiça e quer praticá-la. Isso
também mostra a sua descendência divina, em que Deus é o grande juiz
de tudo. Apenas a sua justiça não está sujeita ao tempo; transcende esses
limites, para se projetar na eternidade. Nisso o homem se compara a
Deus, pois, não encontrando justiça na terra, espera encontrá-la na
eternidade. As opressões e as lágrimas dos oprimidos (4: 1), sem haver
quem os consolasse junto a todas as desigualdades humanas, pedem uma
satisfação que não se encontra na terra. Por causa dessa situação é que o
autor prefere a morte, e que não haja mais nascimentos (4:2 e 3), ou,
como diz: Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram... e mais
felizes que uns e outros os que ainda não nasceram (vv. 3 e 4). Esta é a
situação dos desesperados, que, não encontrando na terra o que aspiram,
julgam melhor morrer, e não nascer.
(1) NOTA: O verbo " façamos", primeira pessoa do plural, bem como os
adjetivos nossa imagem e nossa semelhança, implicam, segundo muitos
exegetas, na doutrina da Trindade, assim como na doutrina da criação, em
que Eloim é o Logos, conforme João 1: 1-3 e Gên. 1: 2 - O Espírito Santo.
Então a criação do homem é coisa muito mais séria do que se possa
imaginar, pois foram convocadas as três pessoas da Santíssima Trindade
para criar o homem-deus.

TERCEIRO ESTUDO - A VIDA E SUAS COMPLICAÇÕES - 4:4.16

No Estudo precedente examinamos um dos capítulos mais controvertidos


de toda a literatura bíblica, qual seja a diferença entre os brutos e os
homens. Cremos que as poucas palavras oferecidas bastaram para
esclarecer o assunto e destacar o lugar do homem no plano da criação,
com todas as implicações decorrentes da sua origem divina. Neste Estudo
apreciaremos algumas considerações novas sobre o trabalho, suas
vantagens e desvantagens. Não será um exame profundo da origem do
trabalho, nem das suas conseqüências para o ser humano, mas apenas,
cingindo-nos aos dizeres do texto sagrado, veremos até que ponto a
filosofia de Eclesiastes entra em conflito com as normas comuns de
trabalhar e produzir. Não nos parece ser um hino à preguiça, e, sim, um
confronto com o trabalho e seus efeitos degradados na sociedade
humana, em que uns trabalham muito e pouco lucram, enquanto outros
se espreguiçam e levam a melhor parte, onde os tolos e os gozadores ou
menos empreendedores fulguram como constelações no céu dos ociosos
(Vv. 5 e 6).

1. A Indústria e a Inveja (4:4)

O homem é incontestavelmente industrioso. Prova-o a história. Desde os


albores da humanidade mostrou-se produtivo, como vemos em Gên. 4:21
e 22. A indústria do ferro e do cobre, como se vê desse texto, vem dos
primórdios da raça na terra, assim como a música, o enlevo das gerações.
O que o autor chama de inveja como a causa do progresso deve entender-
se num sentido relativo, isto é, que o trabalho de um provoca ciúmes em
outro, que deseja competir com ele, e nessa competição está a raiz do
progresso. O que uns fazem, os outros desejam imitar e melhorar, e dessa
tentativa vem criações novas, vem o progresso, pois, sem tais incentivos,
tudo ficaria parado na primeira tentativa de conseguir algo. Tomemos,
por exemplo, um automóvel de 1922. Era um automóvel, mas,
comparado com os de nossos dias, parecia mais uma caranguejola que
mesmo um carro. Por que as diferenças? Ford inventou um carrinho para
o povo, depois melhorou esse invento, e, no meio do seu esforço,
enfrentando a competição da General Motors com seu Chevrolet, de lá
até hoje não há mãos a medir, cada qual querendo fazer melhor do que o
outro. É a competição industrial que o nosso texto qualifica de inveja.
Neste caso, abençoada inveja, que dá à humanidade coisas melhores e
aperfeiçoadas. Que há inveja, isso é certo, a inveja baixa dos incapazes de
qualquer realização, que sempre espreitam a obra dos outros, para imitá-
la ou destruí-Ia. Essa inveja é pecado e leva muitos a cruzarem os braços e
nada produzirem.

2. A Inveja Conduz à Vaidade (4:4-6)

Se pudéssemos penetrar na mente do escritor sagrado, que diríamos?


Que deseja ele entregar à humanidade? Que tudo é vaidade e correr atrás
do vento? Isso é uma fórmula já consagrada pelo escritor, para destacar o
fato de que o progresso não satisfaz aos operosos e a idéia de ser
alcançado pelos competidores toma conta do que mais corre. Muitas
vezes produz mesmo o que o texto indica, isto é, a inveja diminui a
intensidade do labor e prejudica a obra. Então o que produziu encolhe os
ombros e diz: "De que vale me esforçar, quando em lugar de elogios
recebo críticas invejosas?" Todavia, o homem continua a ser um produtor,
um inventor, e esta qualidade o faz ser homem, pois o joão-de-barro faz a
sua casa sempre da mesma
forma, e as abelhas jamais mudam o feitio geométrico dos seus
favos: não conhecem o progresso. Ironicamente, é um fato que os menos
capazes são muitas vezes os que levam a palma; isso é certo na indústria,
na política, nas artes, em tudo; no entanto, esta verdade permanece: o
homem foi feito para progredir, e continuará a sua faina até o fim.

O tolo cruza os braços, e come a sua própria carne... (v. 5). O tolo, o
invejoso, o que não tem capacidade de fazer força entende ser melhor
cruzar os braços e nada fazer. Estes são a exceção da raça, pois, entre os
que produzem e os que apenas consomem, os dois extremos da
sociedade, deve haver um termo médio, e este será o do que produz,
mesmo contra os invejosos. O "comer a sua própria carne" não tem
sentido antropófago; quer dizer, o que tem muito pouco, com isso fica
,satisfeito, contanto que não faça força. Isso significa comer a sua própria
carne. Talvez seja preferir comer o que tem, pouco ou muito, a se
esforçar como o que inveja, deixando de produzir. Numa última palavra,
temos aqui um retrato das atividades industriais, que certamente não
ofereciam ao espírito competitivo, nos dias do autor do nosso livro,
qualquer incentivo. Não havia indústria desenvolvida, e, sim, a lavoura e a
pecuária, embora nesse mesmo terreno fosse possível o espírito Invejoso.
O preguiçoso encontra uma justificativa para a sua preguiça, que nasce
muitas vezes da sua Inveja, e então acha que o descanso, o ócio, é melhor
do que a canseira do trabalhador. Não diria assim o operoso, o que
produz e enche as mãos de serviços, que progride e dá à sociedade
alguma coisa digna do seu trabalho. O ócio é útil, mas não o do
preguiçoso, que entende ficar de braços cruzados o dia todo, vendo o seu
companheiro avançar. O Livro de Provérbios contém algumas sentenças
acres a respeito do preguiçoso, e mesmo o Eclesiastes tem a sua queixa
contra essa gente (Prov. 19: 15; 6: 9; 12:27 e ss.; E el. 10: 18). Não há
lugar para o ocioso, o preguiçoso fora do normal. É um elemento
destinado à destruição e à decadência, porque a natureza trabalha e,
como já vimos, Deus e Jesus trabalham até agora (João 5:17). Logo, é de
ver que Eclesiastes não elogia o preguiçoso, mas está apenas discutindo
uma tese muito natural.
3. A Solidão e a Sociedade (4:7-12)

Trata-se de uma comparação. Um homem sozinho, sem mulher, sem


filhos, sem ninguém. Terá esse homem motivos para trabalha? Será que
o lucro de qualquer serviço não o induziria a se esforçar? Deve tal
homem, apenas porque não tem para "quem deixar", cessar o seu
trabalho? A sociedade tolerará tal pessoa? Afinal, se não tem para quem
trabalhar, deve fazê-lo para a comunidade. Todavia, parece, quem não
tem responsabilidade de família também não sente participação social.
Tal pessoa naturalmente torna-se egoísta, não tem ninguém a quem se
dedicar, só a sua pessoa, e por isso deixa de ser ativo e produtivo. A
sociedade tem, em seu meio, tais indivíduos sozinhos, solitários, egoístas.
Ninguém os conhece. Não mantêm relações sociais com os vizinhos.
Saem de manhã e não dão bom dia, e à noite voltam ao seu canto e não
dão boa noite a ninguém. São uns misantropos. A solidão nada constrói.
Os padres da Igreja Católica se queixam da sua solidão, e atribuem a esse
fato a decadência da vocação sacerdotal. Não há estímulo para tais
pessoas. Isso, entretanto, ainda não os isenta de trabalhar e produzir.

O bondoso Criador não nos fez para a solidão. Criou um casal para ambos
se ajudarem e serem companheiros. Há Indivíduos que não querem
trabalhar para ninguém, e arranjar uma companheira, para ter de
sustentá-la, parece ser coisa Indesejável para tal gente. É contrapartida do
ocioso, que não trabalha para não dar nada para outrem. Não podemos
afirmar que a atividade particular não ofereça restrições; porém, entre
estas e o prazer de ajudar e concorrer para o bem da coletividade, este
deve prevalecer. Todavia, se houver um homem sem responsabilidade de
família, pode acontecer que o tal não sinta prazer em oferecer à sua
comunidade qualquer benefício. Um homem sem ninguém, não tem filho
nem Irmã, contudo, não cessa de trabalhar (v. 8). Este é o elemento
construtivo da sociedade, que, não tendo a quem dar de comer, nem por
isso cruza os braços. Acreditamos tal pessoa não ter o estímulo dos que
trabalham, porque não tem para quem deixar o produto do seu esforço,
mas mesmo assim faz sua parte. Poderá ser isso vaidade e enfadonho
trabalho? (v. 8). Talvez. Por isso mesmo Deus colocou no coração do
homem o Instinto gregário, Isto é, poucos ficam sem irmãos ou sem
alguém a quem dar de comer; todos seguem a linha geral e nem indagam
das conseqüências no porvir. Como resposta a esta Indagação do autor do
nosso livro, lá vem a sentença: Melhor é serem dois do que um, porque
têm melhor paga do seu trabalho. São dois ajuntando num só monte.
Nos dias de Eclesiastes, a mulher não competia com o homem como
agora, mas trabalhava, e até, em algumas sociedades primitivas, era ela
quem agia, porque era considerada escrava. A figura, se caírem, um
levanta o companheiro, é bem feita. Se um sozinho cair, fica no chão
porque não tem quem o ajude a levantar-se. Igualmente, se dois
dormirem Juntos, eles se aquentarão, mas um só, como se aquentará (v.
11). Fica, pois, evidente que a solidão não é aconselhada em nosso livro, e
só os misantropos preferem ficar sós, para não terem de trabalhar e dar
comida aos outros. Nesta ordem de considerações, o autor vai mais
longe: Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois resistirão; o cordão
de três dobras é mais forte do que o de uma só (v. 12). São considerações
aparentemente banais, mas têm o seu sentido gregário, um dos motivos
por que a sociedade subsiste e se desenvolve. Há muita sabedoria no
modo como foi criado o homem em sociedade, sendo-lhe dada a mulher
como ajudadora ou adjutora; o fato de ela haver sido feita de uma costela
do homem diz o resto. Sempre que os pastores celebram cerimônia de
casamento, lá vem a figura de que a mulher não foi tirada da cabeça, para
não dirigir o homem, nem dos pés, para não ser espezinhada por ele, mas
do lado, para servir de escora, diríamos nós. Esta é a sabedoria do
Criador; e não adianta malquistar o casamento, com a idéia de que a vida
está ficando cara, e o homem que se ajunta a uma mulher já deve saber o
que isso lhe vai custar. Agradecemos ao Pregador estas idéias
construtivas, mesmo porque, se ele tomasse outro caminho, ninguém lhe
daria ouvidos. Dois se aquecem e se defendem melhor, assim como um
cordão de três dobras é mais forte do que outro de duas ou de uma.

4. Da Popularidade no Convívio (4:13-16)

É difícil a interpretação desta passagem do verso 13. Todavia, há alguma


coisa perene aqui. Um jovem sábio, mesmo que seja pobre, é melhor que
um velho rei que não se deixa instruir. De quem teria sido tirada esta
versão não se sabe. Se faz referência a Salomão, então o velho sábio fica
tão teimoso no meio de tantas barbaridades cometidas no fim da sua vida,
que o autor preferiu um moço instruído, a um velho sem juízo. Há dois
fatos a destacar aqui: o da juventude muito louvada neste livro, quando o
jovem é aconselhado a gozar a sua vida, sabendo embora que de tudo irá
dar contas a Deus; e o outro, da velhice teimosa, acastelada na sua
experiência, sem poder descobrir que o jovem também tem idéias boas.
Este escritor recorda quando, ao ser ainda jovem, certa vez, fez um
discurso elogiando a mocidade no que ela tem de promissor e futuroso.
Um velho professor, ali presente, subiu nos "seus tamancos" e deu uma
lição no jovem, alegando que os velhos é que têm a experiência do
passado e as lições vividas, assim escalpelando o jovem que havia feito o
discurso. Ora, ninguém vai desprezar a experiência do velho, mesmo
teimoso, e os velhos são sempre venerados e respeitados; entretanto, os
jovens é que têm na mão os cordões do porvir e, se forem Instruídos,
saberão aproveitar as lições da experiência, para construírem o seu
futuro. Há muita coisa a censurar na mocidade moderna: os costumes
exóticos, as modas extravagantes, uma tentativa de mudar a ordem das
coisas; mas isso é apenas uma espécie de protesto contra certas praxes
seculares e que não valem como destruição de tudo quanto é antigo,
como se nenhum valor tivesse. O hipismo moderno é uma simples
extravagância de um pequeno grupo de jovens que tentam mudar a
ordem das coisas, e então Invertem costumes sadios e normas bem
experimentadas, a fim de estabelecerem suas excentricidades. Isso,
porém, está longe de construir uma nova ordem de coisas na sociedade; é
quando muito uma variação, e nada mais. Os costumes extravagantes dos
nossos dias estão trazendo para a sociedade e até para a família grandes
prejuízos; e contra Isso todos nós devemos levantar a nossa voz, mais
mesmo do que contra as minissaias ou coisas que tais, pois o tempo vai
chegar quando a mulher se sentirá constrangida a baixar a bainha do seu
vestido sem que ninguém a obrigue a isso. Finalmente, fica certa a
opinião do escritor inspirado: mais vale um jovem Instruído do que um
velho rei que não se deixa aconselhar. A lição é contra os velhos
presunçosos, e não contra a velhice, pois há muitos anciãos arejados e
desejosos de acompanhar a sua mocidade. Em nossas igrejas
encontramos esses problemas: velhos diáconos não suportam excessos da
juventude, esquecendo-se de que já foram moços, querendo agora
obrigar os jovens a andarem como eles nos seus dias, quando tudo era
diferente. Não faz nem meio século, quando as senhoras arrastavam os
seus vestidos pela rua ou os seguravam com a mão para os suspender um
pouco. De lá para cá, quantas mudanças? Tempos houve quando uma
jovem não permitiria um rapaz ver os seus pés. Agora, sem nenhuma
cerimônia, lhe mostra as pernas. Que moral haverá em tudo isso? Seriam
as mulheres de vestidos longos mais honestas do que as moças que
mostram as pernas? Não crerilos em moralidade de vestidos, e, sim, em
modas, mesmo que sejamos contrários a excessos. Por essa causa muitas
igrejas têm sido arruinadas. Deixemos as modas com o tempo e cuidemos
do que está por dentro, no coração, pois ali é que está o trono de Satanás
ou do Espírito Santo. Este escritor tem tido oportunidade de dizer a
algumas moças: "Baixe a bainha do seu vestido um pouco, porque lhe
ficará melhor", e ainda não encontrou uma que se zangasse. Os líderes
devem cuidar de aconselhamento, e não de admoestações.

Este trecho (vv. 13 e 14) é de difícil Interpretação. Um rei velho e


insensato que não se deixava admoestar, substituído por um moço saldo
da penitenciária, elevado ao poder sob os aplausos da multidão, é um fato
jamais visto. Talvez se refira a qualquer acontecimento algures; não
sabemos. Todavia, logo a popularidade passou e o moço caiu, tal e qual o
velho insensato. A lição é que tudo é vaidade e correr atrás do vento,
porque nada dos nossos esforços, das nossas glórias e das nossas vaidades
permanece. Nisto o Pregador está muito certo. Tudo neste mundo passa,
até as modas, como assinalamos antes, e não adianta gastar tempo com
as coisas que se vão. Há tanto que fica e que deve merecer a nossa
melhor atenção.

QUARTO ESTUDO - A VIDA RELIGIOSA E SUAS OBRIGAÇÕES - 5:1-8:17

Como Já fizemos notar, não é possível fazer um esboço correto da matéria


em estudo, porque o Livro de Eclesiastes não segue linha de pensamento
lógico; consiste de histórias, fatos e anedotas isolados entre si, sem
qualquer vínculo natural. Portanto, o nosso Estudo tem de ressentir-se
dessa falha, se é falha. Temos dificuldades em elaborar um estudo de
certa e determinada parte, justamente por falta de tais exigências no livro
que estudamos. Isso, entretanto, não vale por uma censura ao Autor
inspirado. É apenas uma explicação que damos ao leitor.
1. Cuidados Quanto ao Adorar no Culto (5:1-7)

Estamos numa época de secularização de tudo, inclusive da religião. A


adoração a Deus ressente-se naturalmente dessa situação, e ao escritor
sagrado não escapou essa falha nas relações do homem com Deus. O
homem comum, o secularizado, não é avesso à religião. Trata-a como
qualquer outra atividade da sua vida secular. Vai-se à igreja não tanto
para adorar a Deus, e, sim, para uma satisfação social; em alguns casos,
até para assuntos de ordem particular, pois a igreja é um bom lugar para
tais encontros. Que resulta de tudo isso? O adorador nada recebe da sua
religião nem tampouco de Deus. Deus passa a ser tratado como um
parceiro que comprasse e vendesse ou fizesse qualquer negócio; assim o
adorador sente que já cumpriu o seu dever de pessoa religiosa. Se vai à
confissão, volta certo de que os seus pecados lhe foram perdoados e pode
então começar outra caminhada Igual na vida. Os serviços litúrgicos, os
sermões, a recepção das ofertas dominicais, tudo cai no terreno das
formalidades comuns, sem qualquer efeito sobre a vida Intima do
adorador. Isto quando não resvala para o pior, que é a irreverência, tão
comum até em cultos protestantes, em que se conversa, se discute
assuntos particulares e profanos, sem qualquer relação com os serviços
divinos. Foi isso que o Pregador viu no templo de Jerusalém, onde a
formalidade rotineira era a mola do culto. Quando ele disse: "Guarda o
teu pé quando entrares na casa de Deus, quis apenas afirmar que o
templo é muito sagrado e o adorador não deve profanar o lugar santo.
Oferecer culto banal, frívolo, destituído do sentimento de adoração a
Deus é oportunidade para pecar. Muitos voltam do culto em piores
condições do que quando para lá foram, porque profanaram o lugar e
desrespeitaram o Dono do lugar Santo. Se tivéssemos de procurar as
causas da falência de muita gente no terreno religioso, talvez as
localizássemos no Templo, onde a religião foi profanada e a vida também.
1) Cuidado com os votos feitos (vv. 2-5).

A facilidade com que muitos prometem pagar o dizimo e não pagam, ou as


ofertas e não cumprem o prometido parece até ser uma norma comum
para muita gente. Em campanhas de mordomia muitos são atingidos
pelas santas influências criadas pelos professores e pregadores, e então lá
vai a promessa de ser dizimista, afirmando-se em alguns casos: "Agora vou
cumprir a promessa." Darão o dizimo uma vez ou duas e depois ficam
devendo. O autor Inspirado declara que Deus não se agrada de tolos (v.
4). Não te precipites em prometer, não comprometas o teu coração e a
tua boca, porque Deus está nos céus e tu na terra (v. 2). Sejam poucas as
tuas palavras, ou, ainda, é melhor não falar, não dizer nada, do que
prometer e não cumprir. Se há doutrina severa na Bíblia quanto aos
deveres do cristão, é a que se refere ao dizimo e às ofertas alçadas (Mal.
3:10; 1:6-10). Por que razão se iraria Deus? (v. 6). (1) A tua palavra não
tem valor, e Isso ofende a Deus (e ao Anjo), ao ponto de se irar contra a
pessoa que o trata levianamente. Nós não queremos ser tratados assim,
mas tratamos a Deus, o Todo-poderoso, como se fosse uma pessoa reles.
A muitos ele mata a outros dá doenças, a terceiros aflige em tudo, para
ver se o crente transgressor se emenda. Há ainda outro grave pecado
incluído nessas terríveis reprimendas: o de se fazerem cálculos falsos e
dizer "Recebi tanto de salário, etc.", esquecendo que recebeu comissões e
outros adendos, que não são dizimados. Poucos, bem poucos cristãos são
fiéis nos seus negócios com Deus. Como ele permanece calado e não
reclama, pensamos que não está vendo. Por isso a observação: Tu,
porém, teme a Deus (v. 7). A falta do temor a Deus, ou de respeito para
com ele, é que gera todas estas situações infelizes, para nós e para o
evangelho. É bom lembrar que a décima parte é de Deus: seja o cristão
protestante, seja o cristão católico, todos estão obrigados a pagar a taxa
mínima; e não pense que alguém vai escapar da prestação de contas.
Haverá um dia, talvez aqui na terra, quando Deus vai reclamar o seu. As
palavras de Jesus sobre o Juízo Final, em Mat. 25:45, se referem a esta
gente, que usou tudo para si e não se lembrou dos pobres e famintos, que
também são filhos de Deus, segundo a criação, e que devem ser atendidos
pelos que têm recursos. Os que nós chamamos de Incrédulos vão prestar
as suas contas de tudo quanto roubaram a Deus nos dízimos e nas ofertas.
Deus não dispensa ninguém.

(1) A tradução do verso 6, numa de suas partes, na Versão Revista e


Atualizada no Brasil, não é muito feliz, se bem que seja uma
tradução fiel ao original quando traduz a palavra Malaque por
mensageiro. Na versão antiga, esta palavra era traduzida por anjo,
que é justamente o que ela significa em nossa língua, pois
mensageiro dá uma outra idéia muito diferente. O que o autor de
Eclesiastes está ensinando é que o nosso mensageiro ou o nosso
anjo está junto, ouve o que dizemos e depois nos desculpamos
diante dele por não cumprirmos o prometido. É muito clara a
doutrina bíblica do "Anjo Protetor dos Crentes", quando diz que o
Anjo (mensageiro) do Senhor se acampa ao redor dos que o temem,
e os livra (sal. 34:7). Em muitas passagens o anjo do Senhor tem
outras acepções, mas a doutrina geral dos hebreus era que cada um
de nós tem o seu anjo (ver At. 12:15). Não convém, então, mentir
diante do anjo (Mensageiro).
2) O que seria o mundo se todos dizimassem.

As igrejas seriam ricas ou teriam o bastante para tudo. Os pastores não


careceriam de andar à procura de bicos para se manterem e os orfanatos,
creches e casas de velhos teriam o bastante para tudo. Se os nossos
descrentes pagassem o dizimo do que ganham, quantos milhões iriam
para a beneficência? E simplesmente incalculável. Não haveria pobres e
miseráveis pelas ruas, recolhidos pela polícia, para depois os soltarem,
voltando à mendicância. Quando visitamos Portugal, não encontramos
um único mendigo nas ruas. Perguntei ao meu companheiro: Como é
isso? Ele me disse que se alguém for apanhado pedindo, o governo tem
onde o colocar e tratar dele. Não há justificativas para os mendigos, para
os hospitais sem recursos, para essa situação caótica em que vive a nossa
sociedade. Deus dá o bastante para todos e para tudo, mas a ganância, o
desejo de "tudo para mim" cria essas situações nas igrejas e na sociedade.

3) Desculpas não convencem (vv. 6 e 7).


É muito comum ouvirmos desculpas por não poder alguém cumprir o que
prometeu ao Senhor. Desculpas baseadas em dificuldades surgidas, em
dívidas outras, e assim por diante. Ouçamos o que diz o texto sagrado: ...
nem digas diante do mensageiro de Deus (anjo) que foi inadvetência; por
que razão se iraria Deus por causa da tua palavras, a ponto de destruir as
obras das tuas mãos? (v. 7) O texto fala da ira de Deus por causa da
palavra não cumprida.

Deve ser assim mesmo, pois, quando prometemos, não o fazemos aos
homens, mas a Deus; e se não cumprimos, não faltamos aos homens, mas
a Deus. A ira de Deus termina na destruição das obras das nossas mãos,
isto é, na falta das bênçãos que deveriam vir e não vem, e no atraso da
vida mesma, por causa da infidelidade. E, então, vem esta observação
sarcástica: Como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também nas
multas palavras (não cumpridas); tu, porém, teme a Deus (v. 7). A falta do
temor a Deus é que nos leva a prometer e não cumprir, a encher o mundo
de palavras, como a vaidade dos sonhos. Os pregadores das igrejas lutam
com os seus pastoreados para que sejam fiéis e cumpram os seus deveres
para com Deus, mas quantos se convencem? Por isso voltamos a dizer
que as igrejas são pobres e não podem realizar a sua missão missionária e
pastoral, por causa da infidelidade dos crentes. Tudo isto, pois, deve ter
uma recompensa.

Concluímos, pois, com o escritor sagrado, que até o culto a Deus se torna
uma vaidade.
2. O Magistério Divino (5:8 e 9) (1)

Toda ordenança é de Deus (I Ped 2:17; Rom. 13). Deus é o Senhor e


governador do universo, mas para os homens ele destinou as autoridades
humanas, embora não exista outro poder senão o poder de Deus, que
governa nos céus, nos planetas, no universo inteiro e na terra. Como seria
difícil Deus entrar em entendimentos com as criaturas humanas, como fez
com Moisés no deserto, então criou os governos terrenos e a estes é que
devemos a obediência na vivência terrena. Logo, devemos a estes
poderes o nosso respeito e a nossa obediência. Pagamos impostos e taxas
e admitimos a sua maneira de nos governar. Jesus mesmo, vivendo
debaixo de um governo estrangeiro, contra o qual os judeus em geral se
revoltavam, pagou o imposto de renda (que não tinha, mas pagou),
mandando a Pedro pescar um peixe, em cuja goela estava uma moeda
que bastava para o imposto dos dois (Mat. 17:27). E certa feita, quando
lhe perguntaram se era lícito pagar impostos a César, que foi que disse?
Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mat. 22:21).
Notemos ainda que nos dias de Cristo, e especialmente dos apóstolos, os
governos eram tiranos e maus, como foi o caso de Nero, Diocleciano e
tantos outros, mas Paulo e os apóstolos insistiram no dever de fidelidade
aos governos. A maldade de um governo não lhe destrói a origem; é coisa
fora do plano divino. É o que o nosso texto indica: Se vires em alguma
província opressão do pobre, e o roubo em lugar do direito e da justiça,
não te maravilhes de semelhante caso (v. 8). Como o dizer: isso é da
humanidade, o ser injusta, mas ainda é autoridade. A corrupção, a
malversação da coisa pública são feitos dos homens. Portanto, a injustiça
e a opressão dos governos não nos devem admirar, nem criar em nós um
sentimento de revolta, pois que isso é próprio dos homens sem
escrúpulos. Os povos vêm lutando através dos milênios. para terem
governos mais humanos e menos truculentos. As democracias modernas,
de que a Inglaterra foi a campeã, contra as monarquias despóticas da
Europa, foi o início de uma era de mais segurança humana e menos
opressão. Todavia, ainda, vez por outra, surgem governos ditatoriais, que
tolhem a liberdade dos seus súditos e os oprimem, se bem que a luta por
governos humanos tenha continuado e continuará, podendo nós louvar a
Deus pelos progressos democráticos atualmente no mundo inteiro.
Poucos governos tiranos, como o Nazismo e o Facismo, existem
atualmente. O Livro de Eclesiastes parece preferir uma monarquia
provincial ou patriarcal, onde o rei esteja intimamente ligado ao povo e
com ele compartilhe das realizações públicas. Isso, todavia, é coisa muito
relativa. Nos dias de Salomão, parece-nos que o povo desfrutava de
muitos benefícios da parte dos governos e gozava de muita liberdade,
embora não de tanta quanto nós atualmente. Cada época tem as suas
exigências, e, com os progressos científicos, os governos se vão adaptando
às condições do meio. Há hoje governos democráticos que são um
emblema do governo divino, com liberdade e respeito à pessoa humana.
Finalmente, seja qual for o governo que tenhamos, o dever dos cristãos é
apoiar esse governo; e, se não presta, é orar a Deus para que o substitua.
Não cabe aos cristãos levantar-se com armas contra o governo, e parece
que, isso jamais existiu, pelo menos em tempos modernos.

Eclesiastes parece admitir uma gradação ou escala de poderes, uns acima


dos outros, quando diz: porque o que está alto tem acima de si outro,
mais alto, que o explora... (v. 8). Tem parecido a alguns que o texto se
refere à graduação de poderes municipais, estaduais, federais, com os
seus ramos administrativos. Se assim for, então temos aqui uma profecia
dos governos modernos de que os romanos foram os artífices, com a
criação de municípios ou subdivisões administrativas. Outros pensam
tratar-se de uma espécie de visão de uma escada, onde vamos aos poucos
perdendo de vista os últimos degraus. Talvez seja uma alusão ao fato de
estes poderes serem precários e temporários, havendo outro poder mais
alto, o poder de Deus, o poder que faz justiça ao órfão e às viúvas
desprezadas (Sal. 10:18 e ss.).
O nosso texto faz referência ao rei, que tem terras a explorar, como o caso
dos reis de Israel, com os seus campos de criação e agricultura, e viviam
mais das suas rendas do que das do Estado. O proveito da terra é para
todos; até o rei se serve do campo (v. 9). Salomão tinha as suas terras,
como Josafá e tantos outros, e alguns eram grandes criadores, de onde
tiravam animais para os sacrifícios. O texto, pois, ensina que os reis se
valham das terras para seu sustento, para não terem de viver dos cofres
públicos. Atualmente tal imposição seria praticamente impossível, devido
à complexidade do governo e sua absorção pelos negócios do Estado.
Finalmente, podemos ver que o texto sagrado tem normas para o seu
tempo e para o futuro, esclarecendo-nos muito a respeito dos deveres dos
cidadãos para com os governos.

(1) Veja Hans Bürki em A Vida Cristã no Mundo Hoje - Casa Publicadora

Batista, pp. 82-90.

3. O Problema das Riquezas - Uma Filosofia do Dinheiro (5: 10 e 11).

Pode parecer que a Bíblia é contra as riquezas, mas não é. O que a Bíblia
condena é o mamoísmo, o culto da riqueza com o desprezo das outras
atividades ou deveres. O que Cristo condenou no rico avarento (Luc.
16:19-21), não foi a riqueza, mas o desprezo pelo pobre que ficava à sua
porta, cheio de chagas. Igualmente aquele que mandou a sua alma
comer, porque tinha grande fartura de bens para muitos dias (Luc. 12:13-
20). O que a Bíblia condena é, pois, o mau uso da riqueza, e é neste
sentido que vamos estudar esta grande mensagem de Eclesiastes.

3. O Problema das Riquezas - Uma Filosofia do Dinheiro (5: 10 e 11).

1) Da aquisição das riquezas (vv. 10-12).

O acúmulo de bens nas mãos de um grupo não é condenável, porque


pode proporcionar serviço à coletividade, o que um indivíduo só não faz.
As grandes fortunas internacionais, como a de Ford, os Rothschild e
outros, têm feito muito bem à humanidade. O perigo está em usar o
poder econômico, como se diz em nossos dias, para explorar o povo,
contra o que há leis muito sábias e justas. Países há que proíbem os
monopólios Industriais, porque têm poder para não permitir que outros,
menores, possam sobreviver. Vemos, pois, que o mal não está no
dinheiro, mas na ganância, no amor ao dinheiro, pois o texto afirma:
Quem ama o dinheiro jamais se farta dele; e quem ama a abundância
nunca se farta da renda. Isso é vaidade, infelizmente. É um dos orgulhos
da vida humana. Por que existe tal inclinação no coração humano?
perguntamos. Não será uma reação contra a pobreza, contra o
explorador, uma espécie de revanche contra os poderosos, que leva os
homens a quererem ser poderosos também? Deve haver uma aplicação
para esta falha na vida humana. Paulo chegou a afirmar que o amor ao
dinheiro era a raiz de todos os males (I Tim. 6: 10). Muitos efetivamente
concebem a vida em termos de poder econômico, uma espécie de
miragem que, quanto mais a pessoa se aproxima dela, mais distante fica.
A concupiscência do dinheiro, uma vez solta, não pára e nem se sabe até
aonde irá. o capitalismo, como já é condenável, pois é por meio dele que o
observamos, não moia sem comércio se expande e floresce. Mas a sua
ganância medida cria um círculo vicioso. Quanto mais se tem mais se
deseja, -e assim não há medida ao desejo. Depois morre o homem rico e
a sua riqueza torna-se, muita vez, como uma bolha de sabão, que logo
estoura. Foi isso que aconteceu com o rico da parábola de Lázaro e ao
rico louco.

Então qual deve ser a medida a recomendar? Que não procuremos


ganhar dinheiro e ficar ricos? De modo nenhum. O que se recomenda é o
bom senso da medida, se puder ser posta em prática, pois as boas coisas
do mundo são presentes de Deus, e o dinheiro é uma delas. Os extremos
é que são perigosos, quando traduzidos pela ganância, pelo egoísmo ou
pela gula. Se pudéssemos substituir a ganância pela graça e
comedimento, teríamos a receita adequada ao problema da riqueza (I
Tim. 4:4). Além disso, deve sempre estar presente o fato de não ficarmos
aqui para sempre, e, para os dias que temos, não carecemos de muito.
Naturalmente, este princípio não se aplica ao comércio e à indústria, que
não podem parar e os seus promotores trabalham em função da
coletividade. O principio chamado das "Sociedades Abertas", onde tudo é
de todos, é uma conquista admirável do capitalismo moderno, pois a
riqueza é distribuída entre todos os que podem e querem comprar ações.
Nisso os operários tomam parte e nos balanços anuais todos partilham
dos lucros. Aos poucos vão morrendo os grandes cartéis em poder de um
pequeno grupo. Já vimos em outros lugares, como as grandes riquezas
produziram muitos benefícios. A malária no Brasil foi, ou está sendo
liquidada, graças ao auxilio do governo norte-americano e de fundações
particulares. Então não há mal no dinheiro nem o nosso texto o condena.
Jesus tem um remédio ótimo para todos, -no tocante ao dinheiro: Procurai
primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas vos
serão acrescentadas (Mat. 6:33).

Gozar os bens do dia de hoje sem as preocupações de muito mais amanhã


nos parece ser a receita oportuna.

Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem


(v. 11). E o resto do verso é uma advertência aos que só pensam em
ajuntar, porque em muitos casos, apenas vêem os bens com os olhos (v.
11).

4. Filosofia do Trabalho e da Riqueza (5:12-20)

Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer coma muito, mas a
fartura do rico não o deixa dormir (v. 12). O homem que trabalha e
produz, mesmo que não enriqueça, é o homem feliz da terra, pois, ao
acabar uma jornada, dorme tranqüilo, na consciência de haver dado a sua
contribuição à riqueza humana. Dorme descansado, enquanto o rico
(ganancioso) não pode dormir. Já noutros trechos nos referimos ao
trabalho afanoso do operário, que sai cedo de casa e volta tarde, e, em
alguns casos, os filhos só vêem o pai nos domingos e mal, porque se
dedicam aos esportes, e lá se vão para os estádios. São homens pobres e
felizes porque não têm dividas, a não ser a prestação da TV, embora mal
ganhem para o pão de cada dia. O destino de cada um está determinado
por Deus; portanto, se um obreiro se cansa do trabalho, mas dorme
descansado e tranqüilo, enquanto o rico passa as noites em sobressaltos,
cada qual recebe o quinhão que lhe cabe. A felicidade de cada um é
aceitar a sua cota de trabalho, e não contender com o seu Criador nem
pretender adicionar um cúbito à sua estatura. Tudo aqui é transitório, é
passageiro, e bom é que nos contentemos com o dia de hoje e não
estraguemos o de amanhã. A cota de cada um na construção da
sociedade é dada de vários modos: uns dirigem, outros são dirigidos. Uns
ajuntam em celeiros, outros não têm o pão de cada dia. Todavia, todos
apostam carreira para conseguir o máximo, e nós não estamos aqui para
aconselhar um desejável ócio, umas férias fora do tempo. Que cada um
seja bastante sábio para receber o seu quinhão da vida e dar graças ao
Criador por ele.

O mau procedimento e o mau uso das riquezas recebem de Eclesiastes


uma severa crítica. Ricos que guardam para o próprio dano (v. 13). Há
muitos desses. O fato reside na falta de compreensão dos ganhos e sua
aplicação. Os ricos deveriam saber que o dinheiro não é seu, que nós
somos apenas mordomos do que Deus nos dá.

Esta compreensão bíblica, porém, não chega à cabeça da maioria dos


ricos; então guardam para outros e muitas vezes a sua riqueza gera
contendas e casos na justiça. Foram riquezas guardadas para dano do seu
dono e dos outros. Se as riquezas pertencessem ao uso da família
humana, todos teriam bastante e não se correria o risco de as perder para
o dano próprio.

Muitas fortunas se perdem por negócios aventurosos. A idéia de ganhar


mais e mais leva muitos a entrar em arranjos duvidosos, bonitos na
aparência, mas ruinosos no fim. Muitos, que já foram ricos, hoje são
pobres. Muitos filhos de ricos são atualmente pobres, e a causa está nas
aventuras de negociações, que o nosso Pregador muito condena. Estes,
como nasceram, assim morrem (v. 15). A doutrina é que não se entre em
aventuras perigosas, mas se acredite no labor sadio e seguro, mesmo que
renda menos. O Pregador acha que isso é grave dano à pessoa, ir como
veio, havendo trabalhado para o vento (v. 16). Até parece que o escritor
estava familiarizado com a vida industrial dos nossos tempos, quando as
aventuras comerciais e Industriais são muito tentadoras. Nos dias de
Salomão a vida era muito burguesa, pela ausência de indústrias
desenvolvidas e comércio Internacional de grande estilo como hoje; não
obstante, ele viu com olho profético o que aconteceria um dia. Tais
ansiosos ou gananciosos comem nas trevas o produto do seu trabalho,
Isto é, comem com desgosto. Cada ano há centenas e milhares de
falências e concordaras nos grandes centros como no Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte e outras cidades. Nem sempre a falência ou
concordara é o resultado de aventuras comerciais. Há muitos fatores que
entram no cômputo dessas atividades; todavia, há muita especulação, e,
como diria o Pregador, "correr atrás do vento".

Uma coisa boa o Pregador viu: comer e beber e gozar o bem de seu
trabalho. O ensino é que, ao contrário da ganância, que ele combate,
deve a vida ser vivida normalmente, não perdendo de vista o dia de hoje,
porque o amanhã é incerto. Cremos que não esteja aconselhando o ócio e
a folgança, comida e bebida apenas. O melhor da vida é a felicidade ou o
prazer; e os que são capazes de conduzir a vida com sabedoria gozam hoje
o produto do seu trabalho sem as preocupações do amanhã. A pobreza
de muitos e a ganância de outros prejudicam este princípio de felicidade
no trabalho. Há pessoas que não sabem o que é felicidade na vida.
Passam os dias amarguradas ou por falta de recursos ou por mau destino
dos negócios. Uns e outros pedem o que o Pregador está ensinando: a
melhor coisa é comer e beber e gozar. Pode parecer o escritor sagrado
estar aconselhando a vida boêmia, mas nada disso. O que ele deseja é o
equilíbrio normal. Trabalhar e comer, viver e gozar. As riquezas e os bens
são dádivas de Deus (v. 19), e devem servir para a felicidade da vida.
Pensam muitos que a distribuição divina tem falhado neste ponto, porque
dá muito a uns e pouco ou nada a outros. Parece Isso, mas deve haver
uma explicação razoável para o problema. Muitos são diligentes, ativos e
trabalhadores, enquanto outros são Indolentes, medrosos e preguiçosos.
Destas diferenças deve nascer essa desigualdade na distribuição das
dádivas divinas, pois não nos é aceitável Deus fazer acepção de pessoas
(At. 10: 34), dando muito a uns e pouco ou nada a outros. Devemos
procurar a causa dessa desigualdade na desigualdade das pessoas. De
qualquer modo fica claro que Deus é quem nos dá tudo. Ele dirige o
universo, e ninguém está esquecido no seu governo. Uns são gratos a
Deus, outros comem tudo e não se lembram dele, e até pensam que a sua
inteligência é que lhes deu a fortuna. Terminemos esta seção
reconhecendo que de Deus nos vêm a vida, a saúde, o talento e tudo; de
nossa parte, a diligência, o esforço bem controlado e a ciência do viver,
porque Deus não nos dá um programa para cada dia, como uma espécie
de agenda doméstica ou comercial, mas um roteiro a longo prazo, para a
vida toda. Convenhamos que o divórcio entre o homem e Deus é que
causa as dificuldades e os problemas que nos afligem. Volvamos para
Deus, com alegria, com gratidão e anseio de viver com ele.
5. Determinação do Problema da Riqueza (6: 1-6)

Temos a impressão de que o autor de Eclesiastes lutava com diversos


problemas ligados à riqueza e ao trabalho, talvez oriundos das
complexidades trabalhistas e sociais do seu dia. Não temos que Imaginar
uma sociedade complexa como a nossa, com tribunais de categorias, de
uma e de outra classe. Ainda assim, notamos que o autor dificilmente
esgota o seu tema a respeito do destino do grupo do trabalho ou da
aquisição de riqueza. Então considera outro mal visto debaixo do céu (6:
1), relacionado com um determinado homem, a quem Deus conferiu
riquezas, bens e honras e nada lhe falta de tudo quanto a sua alma deseja,
mas Deus não lhe concede o gozo de comer dessas coisas, antes o
estranho as come (v. 2). Esta sentença é difícil de entender. Como pode
um homem ajuntar fortuna, bens e riqueza, e não comer desses bens e
dessa riqueza? Admite-se que seja rico como o da parábola do rico louco
de Lucas 12:13-21 e 6:24. Há gente assim: ajunta, enche seus celeiros,
porém é pobre para com Deus, talvez um rico como o de Lucas 18:23.
Deve estar na mente do escritor sagrado uma série de preocupações com
o destino das riquezas de muitos, que de nada aproveitam para os seus
donos. Há também aqueles que juntam casa a casa e nunca se fartam de
ajuntar, sem o desejo de fruir os benefícios dessas riquezas, com a
ganância de ajuntar mais e mais ainda, morrendo e deixando tudo para os
outros. O estranho do verso 1 pode ser um filho que nada fez para ajudar
o pai na sua conquista, ou mesmo estranhos, no caso de não haver filhos.
Há muitos avarentos que nunca se satisfazem com a riqueza e, quanto
mais ajuntam, mais desejam, não se lembrando que Deus está no céu e
vigia esses passos errados, tira-lhes a vida, ficando tudo para os outros. O
Novo Testamento contém muitos ensinos enquadrando-se perfeitamente
nessa situação.

O destino dos homens sem Deus está melhor especificado no verso 3


deste capítulo. Se alguém gerar cem filhos, e viver muitos anos, até
avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e, além disso, não
tiver sepultura, digo que um aborto na vida, que não viu a luz, será mais
feliz do que ele. Não viu o bem nem o mal, foi como se não tivesse vindo
ao mundo. O escritor está lidando com homens que ajuntaram, mas não
souberam gastar nem gozar o que conseguiram, para os quais a família
nada vale, e os filhos mesmos não gozam dos benefícios da fortuna do pai.
Existem na sociedade muitos desses homens. A riqueza para eles não tem
o sentido de proporcionar felicidade, não obstante Deus lhas dar para uso
e gozo da vida. Não são poucos os casos em que já antes do enterro se
discute e briga sobre a herança, e ninguém sente obrigação de, ao menos,
proporcionar um enterro digno ao que muito ajuntou e nada levou. Esses
ricos são infelizes, pois não sabem gastar o que ajuntaram e não deram
aos seus herdeiros a necessária compostura para aproveitar a riqueza
acumulada.

Pode parecer que o Pregador esteja apenas filosofando sobre casos


possíveis e imaginários, todavia, sabemos que há casos tais como os
registrados aqui, e para eles, a riqueza virou uma corrida atrás do vento,
frase muito usada pelo autor. Há coisas boas que nada valem para muita
gente. A religião mesma é bênção inigualável, mas nada vale para muitos.
A riqueza e os meios que Deus dá para a vida humana só valem se forem
sabiamente usados e aproveitados. Tudo depende da maneira como se
usa a Inteligência que Deus nos dá para viver. A vida é curta e todos vão
para o mesmo lugar (v. 6), isto é, para a sepultura, de onde não se volta
nem se sabe que destino levou o que ficou. Portanto, uma boa filosofia da
vida é trabalhar, ganhar, ajuntar e usufruir. Muitos trabalham apenas com
o fito de deixar para os filhos, filosofia também errada. Cada qual deve
fazer a sua parte e gozar do bem que o seu trabalho lhe proporciona. Não
vale isso por dizer que não se deve pensar nos filhos. Mas deixar de viver
e gozar dos bens da vida para que os filhos sejam vadios e mundanos é má
filosofia. Se um homem tiver fazendas e casas, não deve vender tudo para
gastar e nada deixar; não é isso que o escritor sagrado deseja ensinar, e,
sim, que se deve gozar dos bens adquiridos e então, se sobrar, ficará para
os herdeiros. Muitos filhos de ricos perdem-se porque não aprenderam a
trabalhar e quando o pai morre vão gozar a vida com a fortuna deixada.
São seres inúteis. Deixar aos filhos uma boa e sólida educação e um tino
correto do trabalho será a melhor herança que um bom pai pode deixar a
seus filhos.

6. O Destino Final do Homem (6:7-12)

O destino final do homem é determinado por Deus. Então tudo deve estar
de acordo com Quem determina a vida. Qualquer atitude contrária a esse
ponto de vista vale por uma rebelião contra o Criador; e qualquer rebelião
é como um abortivo, terminando em vaidade. Parece que essa é a
doutrina desses últimos versos do capítulo 6, quando ensina que todo o
trabalho do homem é para a boca, isto é, para alimentação e conforto, e
nisso o sábio não leva vantagem sobre o tolo (vv. 7 e 8), desde que tudo o
bondoso Criador dá ao homem para sua felicidade. Logo, se o sábio não
usa a vida e seus bens como deve, fica igual ao tolo, que nada sabe e
entende. Por mais de uma vez o escritor demonstra que o sábio e o tolo
se igualam quando não usam da sabedoria que Deus dá para a vida; o tolo
é tolo mesmo, e o sábio torna-se tolo. Esta gente a quem falta o tino de
viver como deve e como Deus deseja, torna-se atoleimada, não sabe o que
faz nem por que o faz, resumindo o seu viver na doutrina do verso 9, que
ensina: A vista dos olhos é melhor do que andar ocioso, dominado pela
cobiça, pois isso é o mesmo que correr atrás do vento, isto é, não traz
qualquer vantagem para a vida de ninguém. o mesmo que contender
contra o mais forte do que ele Deus. Nós nos sentimos envolvidos num
emaranhado da vida, correndo de um lado para outro, lutando sol a sol,
ganhando e gastando, trabalhando e comendo, mas a maioria das vezes
nada disto tem sentido para a vida, que é curta e mal vivida. Se nós
tivéssemos o dom de destrinçar muitas das afirmativas deste maravilhoso
livro, diríamos apenas isto: Todos nascemos para o trabalho. O trabalho é
um dom de Deus, e pode resultar, para uns, em riqueza que não sabe ser
útil à vida de quem a conquistou. Lutamos mais pelo futuro do que pelo
presente, esquecendo que a vida é curta e é bom viver e alegrar-se.
Paramos, pensando nos que ficam, enquanto vamos para o lugar de onde
não se volta, sem o preparo para essa ida. Finalmente, a vida é para muita
gente, rica e pobre, um mero aborto, como nascer e não ver o sol. Muita
gente vive do mesmo modo que um abortivo, esquecendo-se de Deus,
que nos doou a vida para ser gasta com alegria e ações de graça. Parece-
nos ser esta a filosofia do grande Pregador. Deseja ele que todos vivamos
bem, muito felizes, não sejamos tolos, mas sábios, e recordemos que,
acima das nossas cabeças, há um que tudo determina. Portanto, as
preocupações, tanto quanto possível, devem ser afastadas, confiando-se
mais em Deus, que deu a vida e dela cuidará. É, como se pode ver, um
tratado de FILOSOFIA DA VIDA. Os que malsinam o Livro de Eclesiastes,
por seus aforismos, suas figuras de correr atrás do vento ou vaidade da
vida, devem parar um pouco e ver quanta doutrina prática ele nos ensina.
Naturalmente reconhecemos que muitos dogmas estão de mistura com
figuras, que nem todos podem diferenciar, mas fica o fato de que este
livro é um grande livro, o livro prático, que nos mostra a brevidade da vida
e o dever de viver bem e ser feliz. Sobretudo, lembrar que a felicidade só
será possível numa comunhão contínua com Deus, o Autor da vida.
Aquele que lhe está em correspondência verdadeira, sobre quem repousa
a sua felicidade, não sentirá as agruras do dia de amanhã, visto o seu
Criador ter meios de prover a sua existência sem as preocupações
constantes dos sem Deus (Mat. 6:33 e 34). A solução para esta filosofia é
a comunhão com Deus e a obediência a seus mandamentos.
7. Uma Filosofia da Vida e da Morte (7:1-14)

O autor desse livro lida muito com esses dois problemas: viver e morrer.
Quanto à vida, reconhece a sua dificuldade no tocante ao seu
encaminhamento de modo que produza os frutos destinados a todo ser
vivente; quanto à morte, é uma incógnita que não consegue resolver, pois
todos estão destinados ao mesmo fim, todos vão para o lugar de onde não
se volta mais. Na vida não sabemos como viver, sejamos ricos ou pobres;
e na morte, reina o mistério. Estas duas extremidades levam o pregador a
julgar mais útil o aborto, a vida que não chegou a ser começada. Pode
parecer, e assim tem sucedido a muitos que estamos lidando com um
sistema pessimista, que tem levado tantos à destruição, mas não é bem
isso. O que o Pregador deseja Insinuar e mesmo ensinar é que a vida é
difícil e requer muito cuidado; e a morte Inevitável é assunto para ser
deixado com Deus, a quem vamos dar contas. Logo, não se trata
propriamente de um pessimismo, mas de fé para viver e morrer. Isso o
Pregador desenvolve mais detalhadamente nesta seção, que mais se
parece com uma enciclopédia de recomendações, que mesmo com um
determinado sistema. Cada verso contém uma síntese sábia sobre
determinado problema, que nós estudaremos com carinho e boa vontade,
procurando extrair do divino livro as lições que nos podem ajudar a viver o
nosso dia.

7. Uma Filosofia da Vida e da Morte (7:1-14)

1) O dia da morte é melhor do que o do nascimento (vv. 1-4).

Tanto quanto a boa fama é melhor para a vida do que o ungüento


precioso, a morte é melhor do que a vida. Isto está de acordo com 6:4,
em que ele prega ser melhor não nascer, do que nascer para viver mal. O
dia da morte põe um fim a tudo, e o homem cessa de se cansar, para
cuidar do dia de amanhã, enquanto o nascer é uma Incógnita, que
ninguém sabe decifrar. Comparadas as duas coisas, o ungüento para
enfeitar o rosto e viver um dia mais, sem saber por que e para que, e a
morte que acaba com tudo, o Pregador prefere a segunda. Nós já
estamos mais ou menos familiarizados com o sistema de vida pregado por
este livro, para entendermos que não se trata do desejo de dar fim à vida,
mas certa maneira de entender a mesma vida. Somos feitos para a luta, e
só os desesperados terminam com ela, achando que a morte é a solução.
Não é. A morte nada soluciona, porque, depois de um dia mau, pode vir
um bom; depois de uma quadra triste, pode vir uma alegre; quem pode
negar isso? O futuro está encoberto a todos, portanto, não temos o
direito de desanimar. Está em nossa mente a morte de um dos maiores
escritores da nossa geração, Stefan Zwelg. Depois da segunda guerra
mundial, quando a sua pátria, a Áustria, foi ocupada pelos nazistas e ele
teve de emigrar, veio parar no Brasil, onde escreveu um grande livro sobre
"Brasil, Pais do Futuro". Cansado de viver indo de um lado para outro,
perdeu a esperança de uma recuperação próxima. Então combinou com a
esposa, e se suicidaram. Deixou algumas obras incompletas e uma dúzia
de outras, onde o brilho da sua inteligência fulgura como o sol ao meio-
dia. Por que não esperou um pouco mais? Poderia ter voltado para sua
terra, agora liberta e autônoma. O Brasil mesmo poderia ser sua segunda
pátria. Preferiu, no entanto, morrer e privar a humanidade do brilho da
sua inteligência. Como este, há tantos outros, que não têm esperança e
perdem a paciência. A vida, mesmo com os seus percalços, é boa e deve
ser totalmente vivida, até que o Criador lhe ponha um fim. Nesta ordem
de idéias pessimistas, o Pregador diz que é melhor Ir à casa onde há luto
do que à casa onde há banquete (v. 2). Ele mesmo dá as razões. A morte
foi o fim, e o banquete pode ser o começo de um fim. Então, entre um
fim e um começo de fim, o primeiro é realmente melhor. O Tempo de
permeio entre um começo e um fim é que perturba o Pregador, pois
muita coisa pode ver de permeio, e em tal caso a morte teria sido bem
melhor. Concordamos que, entre uma vida dissipada, sem objetivos, com
desdém muitas vezes para com Deus, a morte é bem melhor. O autor
destas notas tem dito isto muitas vezes ante um ataúde, a parentes
chorosos e tristes. A morte foi o fim, e do passado estamos livres. E o
futuro? Como seria? Que dores e sobressaltos nos traria? Quanta
vergonha talvez nos causaria? Assim, raciocinando, achamos que a morte
foi melhor. Isto não nos autoriza a dar fim à vida, e, sim, a aceitar a morte
mandada por Deus como o possível melhor acontecimento.
Especialmente nós, os crentes, quando perdemos um ente querido, muita
vez na flor da idade, sentimos um vácuo abrir-se diante de nós. Pensando,
porém, nas incertezas do futuro, quem sabe o bondoso Criador não nos
quis poupar de amarguras escondidas nas dobras desse futuro
desconhecido? Tudo, pois, está condicionado ao fato de aceitarmos a
divina Providência, em que tudo nos está destinado. O apóstolo Paulo
chegou a afirmar: "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus ... " (Rom. 8:28). Em sentenças como esta é
que nos louvamos, para admitir sempre o melhor, até a própria morte,
porque sabemos que o bondoso Criador está à testa dos seus negócios e
tudo faz ordenadamente e a seu tempo. O Pregador mesmo pede que se
tome em consideração o fato alegado de que é melhor Ir à casa do luto do
que à do banquete.

Na vida há muitas alegrias e tristezas. Então a mágoa, a tristeza, é melhor


do que o riso, porque aquela melhora o coração (v. 3). Com a tristeza do
rosto se melhora o coração. Não entendemos muito bem. É um assunto
de natureza fisiológica, quando o organismo sente e ressente os efeitos
das coisas que nos alegram e nos entristecem. No caso da mágoa ou,
como reza a antiga versão, tristeza, o coração melhora. Talvez queira
dizer, descansa; enquanto o riso e a alegria exaltam o mesmo coração e o
fatigam. Deve ser isto que o Pregador deseja ensinar. A pessoa triste é
mais calma do que a hilariante, alegre. Trata-se, como se vê, de
comparações entre uma coisa e outra.

No verso 4 esta mesma Idéia volta a ser reafirmada, quando diz: O coração
dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos na casa da alegria.
Noutra linguagem, o insensato busca só os prazeres, sem consideração
pelo outro lado da vida, como se esta consistisse só de prazeres, e nada
mais. O sábio reconhece que ambos são inevitáveis. Adversidade, tristeza
e morte devem estar sempre presentes na mente do sábio, que não vive
só para o folguedo. Ele não deve ter plena consideração por ambas as
coisas, e até preocupar-se mais com o pior, para não ser surpreendido por
ele. A moderna maneira de se entender a vida como um contínuo
banquete, um contínuo prazer, não é a melhor filosofia de vida. Tais
pessoas não levam em apreço os dois lados do viver. Consideram a morte
e a dor como um cão adormecido, diante do qual a gente passa na ponta
dos pés, para não o despertar e nos pegar. Parece até que a preocupação
do homem moderno é fugir da dor da morte, como fatos irracionais, algo
a quebrar o nosso ritmo de vida, e, para retardar esse dia, as maiores
precauções e cuidados são tomados, o que está certo, embora não
convenha pensar-se que tais acontecimentos não nos sobrevenham.
Todos caminhamos devagar ou depressa para estas eventualidades, e é
bom que elas estejam sempre presentes em nosso espírito. Parece que a
preocupação de Eclesiastes foi justamente preparar-nos para tais eventos.
Como diz alguém: Se formos capazes de olhar a morte cara a cara, e
enfrentá-la como quem enfrenta um acontecimento previsto, então a vida
perde muito das suas ilusões e seremos levados a uma preparação
necessária para tal acontecimento. O que este livro nos recomenda é uma
espécie de disciplina das realidades da vida, de que muitos se esquecem.
As lições são duras e desagradáveis, mas boas e inevitáveis. Devemos
sempre levar em conta a dimensão da vida, o lado físico e o metafísico,
certos de a vida não ser um tabuleiro de xadrez, em que todos são pretos
ou brancos. Apresenta as duas cores, e sem esta diversidade não haveria
nem tabuleiro de xadrez. Há gente que só vive para se queixar. Há outros
que só se dedicam ao prazer. Nem uma coisa nem outra são as
coordenadas do livro que estudamos, e, sim, as duas conjuntamente.
Ficar lamentando o que passou, os bons dias de outrora comparados com
os de agora (v. 8), não é boa filosofia, pois a cada quadro cabem as
devidas cores; se tudo fosse branco, azul ou róseo, não haveria
combinações de cores e os artistas morreriam de tédio. Uma boa
disciplina, um bom e sábio comportamento de vida é o que Eclesiastes
recomenda, e não apenas um lado, o alegre ou o triste. Quem pode negar
que a vida é composta dos dois? Não aconselharíamos um sistema de
vida que só levasse em conta o lado negro ou mau, porque ela tem muito
de bom, tampouco lembraríamos um lado que só leve em conta o prazer e
a felicidade, porque quando estes faltarem a vida perde o seu encanto. Os
dois, a dor, o sofrimento e a morte de um lado, e o banquete, a alegria e a
felicidade do outro, são as duas categorias que compõem o xadrez do
nosso viver. Os que só vêem o lado mau são os pessimistas; os que só
pensam no lado bom são os ilusionistas; os que, porém, consideram os
dois lados são os otimistas ou, como já disse, os melhoristas.
2) A paciência é também uma boa mezinha para a vida (vv. 5-8).

Poucos gostam de ser repreendidos ou admoestados, embora isso


abrande o coração, enquanto o louvor do insensato é pura estultícia. Em
cada elogio pode haver uma solerte maneira de destruir o equilíbrio
natural e criar uma sensação de dúvida e superioridade. Há muita falta de
naturalidade entre os amigos; uns que nunca elogiam e outros que o
fazem demais. Temos de ver que algumas coisas que realizamos merecem
elogios, mas não todas, e ao sermos elogiados sempre devemos
desconfiar da sinceridade de tais pessoas. O sábio sabe quando elogiar,
como sabe quando calar, mas o tolo não tem esta medida de bom senso.

Como o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal a risada do tolo
(v. 6). É uma figura meio grotesca, se bem que natural. Não há sentido
para o crepitar de lenha debaixo da panela, como não há nas risadas dos
tolos. Tanto uma coisa como a outra são vãs, destituídas de sentido. A
lição parece ser a de que nem todo barulho que se faz em nosso derredor
vale. Há muita fumaça e pouco fogo. Se pudéssemos dizer que a maioria
dos sucedidos ao nosso redor não faz sentido e é quase sempre
sensaboria, diríamos uma trivialidade, mas é isso mesmo. A humanidade
não tem o senso da naturalidade, e tanto elogia como critica,
dependendo, portanto, de quem o faz. Devemos sempre pesar o valor
dos elogios que nos fazem, pois bem pode ser o desejo apenas de nos
agradar, ou de ganhar nossa amizade. O sábio, quando repreende, faz um
bom serviço, porque procura corrigir e endireitar. Todos nos sentimos
prejudicados com as críticas fora de propósito, mas a crítica sensata
constrói, enquanto o elogio muitas vezes tem poder destruídor, pois cria a
vaidade. Não apreciemos demasiado o elogio nem desprezemos
igualmente a crítica.

Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; e melhor o paciente do


que o arrogante (v. 8). É bem claro este ensino. O princípio nos é
desconhecido e o podemos sacar por conta do que há de vir, enquanto o
fim nada mais nos pode dar. Este provérbio tem muitos ensinos
admiráveis. Uma pessoa paciente, não irritável, e com quem se pode
tratar, se pode construir; enquanto a irritável tudo recebe como ofensa.
Não há meios de nos entendermos com uma pessoa cheia de nervos, que
a cada instante estoura o seu mau humor. Ordinariamente, os Irritáveis
são pessoas frustradas, para quem a vida foi madrasta, ou simplesmente
doentes, que devem tratar-se. Um chefe sempre irritado afastará os seus
auxiliares; e quando estes lhe poderiam prestar algum serviço temem os
seus nervos. O paciente não: se o criticam, aceita a crítica como uma
possível lição. O Pregador vai adiante e diz: Não te apresses em irar-te
porque a ira se abriga no íntimo dos insensatos (v. 9). Muitas vezes a Ira é
produto de um temperamento mau, de um estado bilioso, que deve ser
tratado; outras é uma condição da pessoa, que está contra todos e contra
tudo. O Pregador trata a ira como insensatez, falta de entendimento.
Parece que as pessoas iracundas são as de menos cultura, incapazes de
distinguir o certo do errado, embora nem sempre isso seja verdade. Se a
ira, a raiva, o destempero são produtos da pessoa tola e insensata, então
evitemos estes extremos, que criam constrangimento e mal-estar nos
outros, que talvez nada tenham a ver com as nossas dificuldades criadoras
de raiva.
3) Cuidado com a pressa (vv. 9 e 10).

A pressa é inimiga da perfeição. Cuidado com ela. Os leitores destas


notas observarão que não há muita lógica entre uma e outra sentença. E
não há mesmo. O Pregador está usando de aforismos, ditos vulgares,
verdadeiros provérbios populares. Todavia, muitos deles contêm grandes
lições e isso é o que aproveitamos, pois queremos construir a nossa vida o
que só é possível usando-se a experiência dos que viveram antes. O verso
10 reza: Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que
estes? Tal pergunta é falha de sabedoria, diz o texto. Nós temos memória
fraca, e sempre estamos propensos a esquecer a boa qualidade que o
Criador colocou em nossa natureza. Então, se uma dificuldade nos
assalta, estamos prontos a confessar que os dias passados eram melhores,
mas talvez nem fossem. De qualquer forma, os dias idos pertencem ao
passado: não interessam ao presente senão quanto às experiências que
deixaram. O presente é o que vale e para ele é que devemos virar a nossa
mente, na busca das soluções. Ficar amargurado, relembrando o que
passou não constrói nada. O Pregador está procurando trazer os seus
leitores para a realidade de HOJE, seja ela de que forma for, pois ninguém
vive do passado nem do futuro, mas do presente. Certos brasões antigos,
como certas Casas Grandes, com seus faustos, passaram. Nós estamos
aqui neste dia, nesta hora, a defrontar-nos com os nossos problemas.
Conhecemos uma família modesta descendente de José de Alencar. Uma
glória para esta família, naturalmente, mas quanto mal esta glória tem
feito a esta gente! Qualquer emprego não lhes servia; qualquer tipo de
ocupação não estava de acordo. "Sou descendente de José de Alencar",
dizem. Os dias do autor de Iracema foram diferentes dos nossos, pois
cada geração tem os seus próprios dias. Todos nós recordamos o nosso
Pedro I a até o Pedro II, a fundação da República e a perda da monarquia,
e ainda há gente que chora aqueles dias. Foram dias de glória, é certo,
mas em que nos ajudam hoje? Se aquela gente voltasse a viver agora, que
diria? "Isso é que é vida fácil: luz elétrica, telefone, telégrafo, carros de
luxo! No meu tempo nada disto havia." Diriam isto certamente. Portanto
o sábio está certo em nos aconselhar a não desprezarmos os dias atuais,
julgando-os piores do que os passados. Somos assim mesmo, achando as
coisas do passado melhores do que as nossas, mas não são. O autor
destas notas tem viajado; tem lido muito; tem visto grandes palácios
antigos, grandes museus, tudo que fala de um passado maravilhoso,
aparentemente. Quando visitou Versalhes viu salas e mais salas, gabinetes
e mais gabinetes, imensos jardins pela frente e pela retaguarda. Lembrou-
se do dito de um cicerone: "25.000 pessoas trabalharam para manter este
luxo, enquanto muito maior número de franceses apodreciam na miséria.
Tudo isso terminou na Queda da Bastilha." Esta é a lição da história. Os
nossos dias, com todas as suas falhas, são melhores do que os do passado.
Antigamente não havia uma lei que garantisse ao operário o emprego e o
pão no futuro. Hoje existem tribunais e juizes pagos pelo Estado para o
defenderem contra injustiças. Outrora não era assim. Um patrão
mandava na vida do seu empregado e não dava contas a ninguém. Uma
vida não valia nada para um potentado: ele era "senhor de baraço e
cutelo". Hoje não. O operário vive mal porque ainda não construímos
uma sociedade sem injustiças; todavia, quanta diferença! Não
amaldiçoemos o dia de hoje, pensando ser pior do que o do passado. Não
é boa filosofia estar pensando nos dias passados. A ordem do Salmista é:
"Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e ele tudo fará" (Sal. 37:5).
Esta é a solução para a vida. Nenhuma outra tem as garantias que esta
oferece, pois vêm do Criador da vida e daquele que sabe o que melhor
convém. Descansemos nele, pois, e a sorte boa virá.
4) Nova filosofia da sabedoria (vv. 11-14).

Há dois contrastes no verso 11. De um lado, a vantagem da sabedoria,


havendo herança e saber para governá-la. Do outro, desvantagem para os
que não sabem usar o que possuem. Esta mesma doutrina é ainda
elaborada no verso 12, num outro estilo. A sabedoria protege como o
dinheiro, mas a proteção da sabedoria é superior, porque ajuda o seu
possuidor, enquanto o dinheiro pode ser o seu destruídor. O dinheiro, já
vimos diversas vezes, é Inimigo do homem e tenta assenhorear-se dele e
dominá-lo, fazendo dele um escravo, enquanto o saber o eleva e nenhum
mal lhe produz. O Pregador estava afeito aos valores da inteligência e da
economia, e sabia bem avaliar os dois interesses. Jamais alguém se
arruinou pelo saber, enquanto muitos se destróem com o dinheiro, pois
ele compra tudo ao derredor, e nestas transações, quem sabe onde irá
parar? Por isso Provérbios 17:1 diz: "Melhor é um bocado seco e a
tranqüilidade, do que a casa farta de carnes e contendas." A falta de pão
traz desconforto, mas não arruina, enquanto o dinheiro oferece consigo
muitas dores. Uma boa filosofia compreende ganhar dinheiro e gastá-lo,
isto é, ganhá-lo honestamente e gastá-lo sabiamente. O sábio vive pela
inteligência; o miliardário, pela sua conta bancária. Há muita diferença. A
Bíblia fala muito do dinheiro e do seu uso. Calcula-se que 25% dos ensinos
de Jesus giram ao redor do dinheiro, pois ele sabia como esse metal é
blandicioso, sedutor, e por causa dele muitos se arruínam. Talvez o
pecado mais comum na vida dos crentes é a falta de senso no uso do seu
dinheiro, especialmente quanto à mordomia, isto é, em reconhecer a
Deus no dinheiro. Já notamos o que diz o sábio de Eclesiastes (5:4 e 5): "É
melhor não votar do que votar e não cumprir." AI a grande falta dos
crentes. Os incrédulos, não instruídos nessa matéria, nem votam nem
cumprem; todavia, são igualmente responsáveis. Tudo isto, toda esta
sabedoria nos leva a ver que ela tem muita relação com os nossos
pensamentos a respeito de Deus. Mesmo que a lógica não seja muito
perfeita entre os versos 11 e 12, parece natural que eles nos levem ao
verso 13, onde somos aconselhados a considerar as obras de Deus, para a
segurança, de modo que o torto não se endireita, pois foi feito por Deus.
A crença em Deus é uma outra espécie de sabedoria, pois só o tolo diz que
não há Deus (Sal. 53: 1). O sábio o reconhece e o serve, e neste serviço
encontra uma solução para a sua vida. Poderíamos escrever um longo
capítulo sobre a sabedoria dos crentes, na sua adoração e confiança em
Deus, mas o nosso espaço é muito limitado e mesmo já abordamos este
assunto noutros passos. A pessoa que se levanta pela manhã e eleva o
seu pensamento a Deus e com ele procura ganhar o dia que lhe foi
acrescido na vida é sábia. O tolo não entende isso, e dai as muitas
desgraças e infelicidades que ocorrem o dia inteiro.

Um grande ensino se encontra no verso 14: No dia da prosperidade goza


do bem, mas no dia da adversidade considera em que Deus fez assim este
como aquele. Vale dizer, então, que os dias felizes são dádivas divinas, e
os da adversidade também, porque Deus fez tudo assim, e quem pode
argüir a Deus pelo que faz? Em Já 38:4-41 Deus mostra como fez a sua
criação, e cada qual no seu lugar. Na vida humana também é assim.
Muitos fatos que nos desgostam e tornam a vida amarga são dádivas de
Deus para corrigir algum desvio que está na nossa vida ou no nosso
caminho. Então a provação é para o homem se virar para Deus e o
reconhecer. O dia de amanhã é mistério. Não sabemos o que trará, pois o
homem nada sabe do que há de vir depois dele (v. 14). Os caminhos de
Deus são mais altos que os nossos caminhos (Is. 55:8). Há mais de 100
passagens no Velho Testamento a respeito do caminho de Deus e para
Deus. A vereda que vem antes e a que vem depois. Em todos eles, Deus
está de uma maneira ou de outra. Então fica a lição do Mestre: bom é
para o homem, no dia da sua prosperidade, observar que virá o dia da
adversidade. Balanceie a sua vida, e tome sempre em consideração que o
viver no seu todo não está em nossas mãos, mas nas de Deus, que dá os
bons e maus dias. Dirá o tolo que, se Deus nos dá os dias maus, então ele
é responsável pelo que acontecer. Nada disso. Os dias bons e maus são o
equilíbrio da vida humana, pois, se todos os dias fossem bons, o homem
se esqueceria de Deus.

8. Problemas Criados Pela Sabedoria (7:15-22)

Uma Filosofia do Saber. Emmanuel Kant reduziu a sabedoria a duas


categorias: a da Razão Pura e a da Razão Prática. Daremos atenção ao
texto e só de relance nos deteremos nas apreciações filosóficas de Kant e
outros. O que Emmanuel Kant tentou foi um relativo fracasso. Reduzir a
moral a um sistema qualquer, sem admitir as grandes variações
individuais, resulta em decepção. Kant esqueceu-se de que cada indivíduo
é um mundo à parte. A critica da razão pura pode sujeitar-se a
determinadas normas, a crítica da razão prática, não. O homem é um
microcosmo, um pequeno mundo, e não há dois homens iguais. Então
todo e qualquer sistema público tem de falhar. Isso ficou provado nos
sistemas nazista e facista, enquadrando todos os alemães e italianos em
um esquema rígido, sem margem para a liberdade Individual. No devido
tempo estouraram.

Admitimos, pois, esta diferenciação individual em quaisquer sistemas, mas


especialmente no terreno da morte e do saber, onde cada qual se conduz
conforme os pendores de sua formação e do seu espírito. Por isso o Livro
de Eclesiastes tem fórmulas para tudo, no encadeamento dos seus
ensinos, e todos encontram nas suas ensinanças o meio de tirar o melhor
proveito dos ensinos oferecidos. Além dessa diversidade individual, todos
nos sentimos atingidos pelo pecado, uns mais, outros menos, uns
humildes, outros arrogantes. Esta relatividade individual é bem clara no
verso 16, ao sermos informados que não devemos ser demasiado justos
nem exageradamente sábios. É o ensino da relatividade das coisas. No
mundo da física deve-se a Einstein a teoria da relatividade, em que se
ensina que tudo é relativo. Só Deus é absoluto; e nessa relatividade
devemos encontrar o nosso lugar ao sol. Esse o ensino desta seção
maravilhosa de Eclesiastes.

8. Problemas Criados Pela Sabedoria (7:15-22)

1) A relatividade das coisas (vv. 15-18).


Isto é o que Kant chamaria a Crítica da Razão Prática e que Einstein
colocaria nos domínios da relatividade. O nosso mundo é cheio de
imprevistos; qualquer sistema elaborado sem considerar as variações
Individualistas falha. Quando o Pregador diz que há justo que perece na
sua justiça e há perverso que prolonga os seus dias, apenas afirma que na
vida ou na sociedade as coisas se passam como em mundos diferentes.
Um justo perece na sua justiça, enquanto um perverso vai adiante,
continuando na sua Injustiça. Noutro lugar abordamos o fato de que
muitos justos apodrecem nos cárceres e iníquos ficam em liberdade. Por
quê? Pela Incapacidade dos julgadores de descobrirem a verdade no meio
da mentira. São as falhas humanas, que violam regras e normas em tudo.
Não seja por causa dessas falhas na vida e na sociedade, que nos vamos
desanimar de ser bons e de praticar o bem; nada disso. A justiça como a
moral têm seus valores em si mesmas. Parece que foi Sócrates quem
disse, praticar a moral por amor à moral, mesmo que os seus inimigos
fossem uns carrascos. Ele mesmo teve de beber a sicuta por causa da
Injustiça e crueldade dos seus patrícios, pois foi acusado de corromper a
mocidade, ele, que só ensinava o bem e a compostura. Somos, pois,
aconselhados a admitirmos essa mescla do bem e do mal em nosso
mundo e em nossa sociedade. Os que desejam fugir das conseqüências da
moral e descambar para os desvãos da vida louvam-se na conduta do
mesmo Sócrates por ser moralista e não cuidar da esposa, Xantipa. Ora,
todo sábio tem as suas fraquezas, como todo ignorante. A verdade, no
entanto, permanece, tanto a moral como o saber têm as suas virtudes e
valem por si mesmos. Os que querem ser demasiado justos caem no
desengano; não há justiça perfeita na terra. Não sejas demasiado justo
nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? (v. 16). Os
romanos achavam que a verdade estava no meio veritas in medro. O
termo médio vale para tudo, pois os extremos são perigosos. Entendemos
a filosofia do Pregador quando aconselha justiça e sabedoria pela metade.
O seu ensino é que devemos pautar a vida de maneira a evitar os
extremos, pois não se pode ser demasiado justo nem demasiado sábio.
Nada há na vida perfeito. A justiça não está toda em qualquer pessoa,
nem a sabedoria acumulada em qualquer cabeça. Então a norma - a
virtude está no meio. Se os homens fossem razoavelmente justos e
sábios, teríamos um mundo diferente. Uns assim o são, mas a maioria
não é. Então o desequilíbrio.

A lição é para cada um de nós, e não para todos.

O verso 17 elabora ainda essa doutrina da relatividade dos fatos e parece


querer indicar que se pode ser relativamente perverso, o que não é
verdade. O Pregador está, repetimos, jogando com contrastes, com
relativismos, do mesmo modo que ensina que não se deve ser
demasiadamente louco ou tolo. Ora, ninguém deseja ser louco ou tolo,
nem relativa nem demasiadamente. Um equilíbrio nas pessoas seria o
que se poderia chamar de balança, que não vai mandar o prato para um
lado e para outro, mas fica no meio, no fiel. Digamos mais que o Pregador
deseja vidas equilibradas, naturais e normais. Ele mesmo dá o remédio da
vida, quando diz: Bom é que retenhas Isto, e daquilo não retires a tua
mão, Isto é, devemos obedecer a todas as boas normas, sem pretender ir
para qualquer extremo. Os que temem a Deus fazem assim, e saem ilesos
(v. 18). Em outras palavras: o temor de Deus condiciona à vida mais do
que preceitos. De tudo o que o Pregador tem ensinado, o principal é: "O
temor de Deus é o princípio da sabedoria" (Já 15:4; Sal. 111: 10).
9. Crítica da Razão Pura (7:23-28)

A tentativa de reduzir a matéria bruta da vida a qualquer sistema, por


meio de idéias e teorias, terá de naufragar fatalmente. Foi por isso que o
sistema Kantiano falhou. A mais penetrante sabedoria não é capaz de
atingir a harmonia final dos grupos humanos, em cujos desacordos se
trava a mais surda batalha, terminada sempre em fracassos. Todo
processo humano de convívio esbarra fatalmente no problema do pecado.
É ele que destrói as melhores soluções, os melhores planos e torna
impossível um acordo universal de convívio humano satisfatório. Isto é o
que o Eclesiastes nos mostra.

O sábio declara tudo haver experimentado pela sabedoria, afirmando:


Tornar-me-ei sábio, mas a sabedoria estava longe de mim (v. 23). É o
homem lutando consigo mesmo, procurando soluções sem as poder
encontrar e, se as consegue, não as pode realizar. É algo longe, mui longe,
num lugar mui profundo, e por Isso quem pode chegar lá? (v. 24). Nessa
busca, o Pregador se dedicou a pesquisar, a investigar por meio da
sabedoria, usando o juízo e o bom senso, para afinal descobrir que a
perversidade é Insensatez, e a insensatez é loucura (v. 25). Não há jeito
para o homem construir um meio de viver fora do alcance do mal, pois
enquanto uns desejam o bem, outros querem o mal e quem pode
controlar estas forças contrárias?

Depois destas pesquisas todas, pensou ele que no amor encontraria a paz
e a tranqüilidade desejadas, para logo descobrir que a mulher, cujo
coração são redes e laços, e cujas mãos são grilhões, é coisa mais amarga
do que a morte (v. 26). A conclusão foi tal que afirma: Quem for bom
diante de Deus fugirá, mas o pecador virá a ser seu prisioneiro (v. 26).
Esta não é a única escritura em que o homem é advertido contra as
seduções da mulher e do amor, pois são laços de morte, e, mais cedo ou
mais tarde, cairá, dominado por eles. As conclusões que o sábio Pregador
tirou das suas buscas e pesquisas, conferindo coisas com coisas, para
depois formar um juízo seguro, foram as mais terríveis que se pode
Imaginar ou desejar, porque a falsidade, a mentira, o embuste, o dolo, a
tolice ou a perversidade tudo destroem. Bem que ele queria formar um
juízo seguro sobre a melhor maneira de viver, todavia, termina
confessando estar ainda procurando essa solução e na experiência
conclui: entre mil homens achei um como esperava, mas entre tantas
outras mulheres não achei sequer uma (v. 28). Que dizer disto? Serão as
mulheres piores que os homens? Aqui deveria falar um filósofo com larga
experiência da vida; porém, se aceitarmos a conclusão do Pregador, elas,
de fato, são a causa dos maiores males. Talvez em si mesmas não sejam
piores que os homens, sejam iguais, como pecadoras; entretanto, a sua
condição feminil as torna perigosas, as converte em redes e laços, cujas
mãos são grilhões (v. 26). Salomão, se é o escritor destas palavras, estava
falando da sua experiência, pois foram as suas mulheres que o arruinaram
e destruíram o seu trono (I Reis 11: 1-8), criando-lhe uma situação que
jamais pôde ser consertada. O próprio Livro dos Provérbios tem ensinos
muito fortes a respeito das mulheres (Prov. 7:1-27; 9:13-18). Não desejam
estas notas carregar com tintas demasiado fortes a posição da mulher na
sociedade humana, pois muitos dos seus pecados são criação dos próprios
homens.

10. Uma Conclusão Infeliz (7:29).

A situação que o Pregador descreve neste livro não é outra, senão uma
confissão de que o homem, criado por Deus à sua Imagem e semelhança,
caiu e se derrotou. Nessa queda arrastou consigo a sua pessoa e o pior:
levou todos os seus descendentes, próximos e remotos. O homem foi
criado reto, mas se meteu em multas astúcias (v. 29). Astucioso, metido a
sábio, desejoso do que não possui, ganancioso, ladravaz, multa vez, o
homem criou a sua própria condição de vida insolúvel. O que temos na
sociedade moderna e na dos séculos passados, que é senão o resultado
das astúcias humanas? Não tem sido por falta de homens bem
intencionados em corrigir a situação, homens que foram exemplos de
moralidade, cultura e Inteligência, homens dedicados à busca e soluções
para o viver humano. A família humana conta esses homens aos milhares,
mas todo seu empenho sempre resultou em fracasso. Quando terminou a
Primeira Grande Guerra, os vencedores tentaram criar uma sociedade
humana de estados que evitasse outra guerra. Pois bem, foi essa mesma
organização, nas suas malhas de sabedoria, que determinou a Segunda
Grande Guerra. Dizem os entendidos que Hitler foi um subproduto da
estrutura da Liga das Nações, que, descarregando pesados tributos sobre
a Alemanha, forneceu os elementos de desforra, que encontraram num
paranóico o elemento da vingança. Depois foi criada outra organização,
que bem ou mal está vivendo, embora as guerras parciais ou regionais
sempre continuaram e continuarão, porque as Injustiças, as astúcias dos
homens não propiciam a paz universal. Estamos certos, esta ordem de
coisas em que vivemos agora não terminará em paz. Aliás, nosso Senhor
já nos advertiu, que haveria guerras e rumores de guerras (Mat. 24:6). As
guerras são o fato mais dispensável no convívio humano, porque pouco ou
nada resolvem, se bem que o homem pecador goste do pior. Há um
tribunal de Arbitragem em Haia, na Holanda, destinado a dirimir quaisquer
causas ou contendas entre os povos, mas parece não ter muito que fazer,
porquanto os homens decidem seus negócios pelas armas, matando-se
uns aos outros, destruindo vidas e fortunas. Mais de 30.000.000 de
homens morreram na última guerra, e outros tantos ficaram inutilizados
para a vida, pesando nos orçamentos dos Estados. Uma fortuna
incalculável foi destruída com o afundamento de navios mercantes,
destruição de cidades, enfim. Ainda não estão pagas todas as dívidas
desta guerra; os homens belicosos, porém, não cessam de arreganhar os
dentes uns para os outros. Isto tudo por quê? Por causa do pecado, pois
só o pecado em a natureza humana torna o sábio estulto, e o trabalhador,
ladrão. Perdão por esta digressão política, fora dos moldes destas notas.

11. Poderes para Controlar (8: 1-9)

A tendência humana é para a anarquia, para cada um fazer como bem


entende e deseja. Isso seria o pior de tudo. Foi por Isso que Deus
Inventou os poderes governamentais, não apenas para manter a ordem,
mas para desenvolver os estados. Contra estes poderes não poucos se
levantam, principalmente os chamados anarquistas, e, mais
modernamente, os subversivos, uns e outros contestando os governos.
Que os governos são imperfeitos é certo; que entre muitos deles Impera o
dolo, o suborno e outros pecados, todos sabemos, mas antes um "mau
governo do que nenhum". A Bíblia é severa na recomendação de que
devemos prestar nossa obediência ao nosso governo e disso já demos
nossa opinião em estudo anterior. .

O que levou o Pregador a voltar ao assunto deve ter sido o fato de que o
homem é mau mesmo, e somente submetido ao governo, com polícia
atrás dele, poderá ser contido. Esta é a nossa opinião a respeito desta
seção ora em estudo. O governo tem não apenas o dever de manter a
ordem pública interna, mas a de prover, por meio de cobrança de
impostos, os meios de melhorar a vida social. Quem achar que
determinado governo não serve, pode tentar mudá-lo, mas logo verificará
que todos são falhos, porquanto todos são constituídos de homens
pecadores, e a tara do pecado atinge tanto o homem da rua como o dos
palácios governamentais. Há casos quando é mesmo necessário mudar, e
para isso fazem-se revoluções, apesar de, na maioria das vezes, tudo
voltar ao que era antes. Com o perdão dos leitores diríamos aqui que em
1930 se fez a primeira revolução no Brasil. Era preciso mudar muita coisa
ou mudar tudo. Houve grandes mudanças e depois, aos poucos, tudo foi
voltando ao que era antes, salvante umas tantas exceções.

É assim a vida dos povos, especialmente nesta parte da América; as


revoluções, as quedas de governos têm sido uma constante. Tudo por
quê? Para tentar melhorar. Uns esperam ser melhores que os outros e
trazem na sua bagagem grandes motivos de melhorias, mas nem sempre
duram. Por isso mesmo o Sábio pergunta: QUEM É COMO O SÁBIO? (v. 1).
Quem conhece a interpretação das coisas? (v. 1). Eis perguntas que nada
têm de ociosas. Quem puder, responda. Ele, o sábio, se refere à
autoridade para governar, dizendo que ninguém tem bastante sabedoria
para fazer tudo quanto se deseja; e os que combatem os governos estão
sempre prontos a desejar outro e mais outro, na esperança de qualquer
deles ser melhor. A contestação dos governos pode ser um mal; todavia,
se bem intencionado, visa o melhor. Os que acham que os governos são
uma lnssurreição contra o povo deviam louvar-se no que Paulo ensina em
Romanos 13 e multas outras referências. O mesmo Paulo foi súdito de
governos autocráticos e despóticos, como de um Nero ou Vespasiano, mas
ainda assim aconselhou submissão ao governo e mandou pagar impostos.
O mesmo fez Jesus, que era súdito de um governo estrangeiro, odiado por
seus patrícios: no entanto, pagou imposto de renda, mandando Pedro
pescar um peixe e tirar da boca deste uma moeda, o bastante para saldá-
lo. Portanto, nós estamos sempre ao lado do governo, orando por ele, e,
se ele não é bom, oramos a Deus, que é Senhor de todos os governos,
para que o mude. Não vamos agir contra o governo; nós pagamos os
impostos com alegria e esperança de que o nosso dinheiro sirva para
limpar a cidade, custear pontes para passarmos, abrir avenidas para
andarmos nelas. Não ficaremos aqui para sempre e temos pretensão de
produzir alguma coisa mais perfeita para a posteridade, de modo que seja
mais feliz do que nós. Não aceitamos cruzar os braços, para deixar e ver
como fica; também não tentaremos mudar as coisas para nos servirmos
delas. Quem nos garante que amanhã virá outro melhor? Quem sabe,
será pior? Então a sabedoria bíblica é boa, mandando respeitar o governo
e orar a seu favor. Tem parecido a alguns comentadores que o autor do
livro em questão desejava a monarquia absoluta. Possivelmente, sim,
visto não conhecer outra espécie de governo; se esta, porém, era a sua
tendência, ainda assim achava que o governo é bom e necessário. Mal
com o governo, pior sem ele, diria Salomão.

Um breve comentário do texto nos ajudará a entender melhor as razões


oferecidas nesta página. Ele afirma que a sabedoria faz reluzir o rosto,
mas a obediência ao rei é mandamento de Deus (v. 2). Então a sabedoria
é temer a Deus, e neste temor está a obediência às autoridades. Não
adianta tentar contra o governo, por fazer como entende, e não dá a
ninguém o direito de contestar nas monarquias, mas nos governos
modernos, o rei ou o presidente não governa sozinho, pois tem as suas
casas legislativas. Portanto, diante do fato de haver governo a quem
devemos prestigiar, nenhum mal nos sobrevirá por isso (v. 5). O mal virá
pelo contrário: Para todo propósito há tempo e modo; porquanto o mal
que pesa sobre o homem é grande (v. 6). Porque este não sabe o que há
de suceder, e como há de ser ninguém há que lho declare (v. 7). É como
alguém escreveu: "Como sabe o cavalo novato que o seu filhote Irá ganhar
no Derby?" Do futuro nada sabemos; o melhor, portanto, é vivermos o dia
de hoje, porque o amanhã não sabemos para quem virá. Os versos 8 e 9
são ilustrações da fragilidade humana e da sua vaidade na vida, pois
chega, e logo passa, para dar o lugar a outro. Portanto, não adianta
combater quem está por cima, porque logo se vai e outro toma o seu
lugar (v. 9). Uns arruínam os outros, uns dominam sobre os outros, mas
sempre foi assim, e assim irá até o fim. Não temos poder sobre o vento,
nem sobre a morte; são elementos que não pretendemos dominar. Por
que tentar subjugar outros como nós?
12. As Desigualdades da Vida (8:10-17)

DUAS VAIDADES: A observação do Pregador nesta seção do livro é


simplesmente dramática. Pode até parecer controversial, senão
destituída de senso de observação. Ele viu os perversos receberem
sepultura e entrarem no repouso (celeste?), ao passo que os que
freqüentavam o lugar santo (o templo) foram esquecidos na cidade onde
Unham feito bem (v. 10). Noutra linguagem mais prosaica: viu os
perversos honrados enquanto os crentes eram olvidados. Isso não é
novidade, ainda que seja escandaloso. Uma sociedade que honra os maus
e esquece os bons é hipócrita e desprezível; porém, infelizmente, sempre
foi assim. Não é a regra, admitamos, mas é uma norma em que é mais
fácil adorar um ídolo de pedra que um de carne; um homem que fez o mal
aos seus semelhantes, do que o que fez o bem. Nisto está a raiz da
iniqüidade da raça humana, tão torturada e pervertida pelo pecado, ao
ponto de inverter a conduta. Os nossos conhecimentos da vida hebraica
não nos ajudam a proferir esta sentença contra a sociedade de Jerusalém,
embora o autor devesse estar informado a respeito dessas iniqüidades.

Tal fato resulta, como bem diz o autor: Visto como se não executa logo a
sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está
inteiramente disposto a praticar o mal (v. 11). Deus não se apressa em
punir os Indignos e maus, e, por essa aparente omissão da justiça, os tais
vão adiante na prática do mal, enquanto os bons, os que lutam a favor do
povo, ficam esquecidos. Se o castigo viesse logo, os ímpios se arredariam
do seu caminho; como não vem, essa gente pensa que nem haverá
recompensa para os seus crimes. Todavia, o Pregador tem o seu
raciocínio seguro quanto à justiça divina, quanto ao castigo da impiedade,
quando afirma que, mesmo que os pecadores façam o mal cem vezes e se
lhes prolongue a vida, ele sabe, com certeza, que bem sucede aos que
temem a Deus (v. 12). Mesmo que os ímpios vivam longos dias e
progridam na prática do mal, bem sabia o Pregador que a recompensa dos
bons, dos que temem a Deus, é certa. Esta é a nossa segurança, e por Isso
mesmo os bons não desanimam em fazer o bem, mesmo que os maus
continuem a florescer. Há efetivamente uma ilusão na vida moral, que
nos leva a pensar que os ímpios são os que gozam a melhor parte da vida,
e nada lhes acontece, no entanto, o seu fim é certo; enquanto os que
amam a Deus, os que vão à igreja, estão seguros da sua recompensa. O
perverso não Irá bem, diz o Pregador, nem prolongará os seus dias (no
mal); será como a sombra, visto que não teme diante de Deus (v. 13). A
doutrina da vindicação da justiça é aqui exaltada, assim como o prêmio da
iniqüidade. A justiça divina não aparece inteiramente nesta vida; muita
coisa fica para ser apurada na eternidade, e por isso temos de crer na
sobrevivência da alma humana, a fim de a justiça ser vindicada. Os que
pregam a extinção da vida, do corpo e da alma esquecem que multa coisa
desta vida fica para ser apurada depois, no além. Se tudo terminasse
neste viver terreno, então a mesma vida seria uma frustração. O nosso
sentimento de justiça, de beleza, do bem, essas grandes virtudes, que
ornam o caráter de tantos seres humanos, seriam uma ficção, um logro,
um engodo, se não houvesse outra vida, onde tudo deverá ser
devidamente apurado. Nós morremos sem realizar a vida, onde tudo
deverá ser devidamente apurado. Nós morremos sem realizar a vida;
passamos no meio dela. Muito do que desejamos não vemos, muito do
que almejávamos ficou por fazer. Somos mesmo uns frustrados, pois bem
poucos terminam a vida satisfeitos com o que viram e fizeram,
particularmente os que desejam servir a Deus. Então descansamos por
um pouco, até que chegue a hora de vermos satisfeitos os nossos ideais
de justiça e amor. Damos graças a Deus ser a doutrina da imortalidade da
alma humana tão flagrantemente ensinada na Bíblia, que nem podemos
pensar como é que, apenas baseado num curto texto deste livro (3:16-22),
se pode construir um ensino que derroga tudo mais, que tanto o mesmo
livro como o resto da Bíblia ensinam. Um Deus que criou o gênero
humano apenas para viver meia dúzia de dias aqui neste lado não é o
Deus que adoramos e conhecemos na Bíblia. Fomos criados para um viver
eterno; e, se o pecado arruinou esta vida, nem por isso o plano divino foi
destruído; continuamos a crer na sobrevivência da alma e na continuidade
da vida. Somos criaturas para o tempo e para a eternidade. Isso é o que o
Pregador nos ensina em 99,9 décimos do livro, e o décimo que parece
destoar deste todo deve ser lido e meditado à luz do contexto, pois a
melhor regra de hermenêutica é aquela que não se baseia num texto, mas
no texto e seu contexto. Aqui termina a primeira vaidade, segundo o
Pregador.

A segunda vaidade é apresentada nos versos 14-17. Esta trata da inversão


dos fatos da vida, baseada nas doutrinas da vaidade anterior. Justos a
quem sucede segundo as obras dos perversos, e perversos a quem sucede
segundo as obras dos justos (v. 14). Eis uma confissão dramática. Então
um perverso ter a vida que se espera de um justo, e um justo a que se
espera de um perverso não é uma total inversão da moral? Por certo.
Todavia, isso acontece com os homens nesta terrível prova da vida. Se
esta fosse a norma, seria o caso de comermos e bebermos, porque
amanhã morreremos, no dizer dos gregos hedonistas. Talvez, por exceção
da regra, tais fatos aconteçam. O Pregador os viu e os denunciou, porém
não vamos aceitar que a totalidade da soma da vida esteja contida nesta
regra. Poderíamos dizer que isso é a excessão, e não a regra. Todavia,
mesmo como excessão, é ainda de lastimar que o bondoso Deus permita
que um justo seja submetido aos tratos dignos de um perverso, e um
perverso, engalanado nos trajes de um justo. O que o Pregador nos
ensina é que estas disparidades existem, e devemos estar preparados para
elas, embora isso não seja a norma do viver. Voltamos a dizer que neste
planeta tais coisas acontecem porque há um acerto de contas mais tarde,
quando então cada qual receberá segundo os seus feitos (Mat. 25:14-21).
Se não houvesse um acerto de contas um dia, seria para desanimar ou
perder o entusiasmo em fazer o bem; mas há, e então os justos servem na
esperança de um dia ser reconhecido o seu trabalho.

Em face da naturalidade da vida aqui, em que muita coisa aparentemente


se perde, o autor se alegra em que a vida deve ser gozada, comendo e
bebendo, e gozando os bens que Deus dá. Naturalmente, isto decorre do
mesmo modo de viver, pois que fazer o bem não colide com o gozo
natural da vida, porém parte dele (v. 15). Conclui que, enquanto come,
bebe e trabalha, para ver o progresso, o homem não pode ver tudo que
deseja, nem realizar tudo que Idealiza. O sábio diz que virá a entender, se
bem que não possa dizer quando. Isto está vedado aos olhos mortais.
Quem pode compreender o complexo da vida humana, os seus altos e
baixos? Ninguém. Portanto, façamos o bem enquanto é tempo (Gál. 6:
10), e não desanimemos nessa tarefa, porque um dia veremos o produto
do nosso trabalho.

QUINTO ESTUDO - GRANDES SOLUÇÕES PARA GRANDES PROBLEMAS (9:1-


10:20)
O autor deste maravilhoso livro não esgota facilmente os contornos da
vida em sociedade. Depois da análise, passa a exame mais minucioso e,
parece, cada vez se enreda mais no complicado labirinto das sinuosidades
sociais, como se estivesse, no escuro, em busca de alguma coisa que lá
não está. Como alguém disse, a vida é uma pista de corridas, pela qual
todos têm de correr conjuntamente, saltar os mesmos obstáculos e correr
os mesmos riscos, pois todos têm de chegar ao mesmo fim - a morte. Isto
seria mais fácil, se todos corressem os mesmos riscos e as mesmas pistas;
contudo, a diversidade de pontos de vista, de interesses, de conceitos e
normas de convívio, torna o problema mais delicado do que já é em si
mesmo. Todavia, no final da corrida, todos recebem o seu prêmio, pois
não há discriminação de uns contra os outros. Uns correm conforme os
mandamentos de Deus e chegam ao fim, como uma avalancha de difícil
detenção; outros correm de maneira diferente, porém todos se vão
encontrar no mesmo ponto da vida. Lá no final há um julgamento
imparcial, que a todos atinge. Uns cujas obras estão nas mãos de Deus,
pois as aceitaram e praticaram, e durante a vida não cochilaram nem se
desanimaram, receberão o galardão de sua corrida; outros, que tinham
seus próprios caminhos e normas diferentes das de Deus, lá estarão
também e receberão o prêmio da sua rebeldia. Então tiramos esta
conclusão: enquanto a carreira se processa, há esperança para todos,
mesmo para aqueles que se mostram fatigados ou indiferentes. O fato de
que todos devem morrer torna a carreira mais democrática, mais popular,
pois grandes e pequenos, bons e maus corredores lá estarão. Os que
correrem bem, levarão a palma; os que correram mal perderão a partida,
pois a porta se fechou (Mat. 25: 10).

Uma análise mais detalhada nos levará a ver os conceitos acima expostos,
e concluiremos ser assim mesmo: todos corremos os mesmos riscos e a
caminhada é a mesma.
1. O Homem Ignora o Caminho a Percorrer (9: 1-7)

Que há um caminho para todos não padece dúvidas; a dificuldade é que


uns o encontram e o seguem, enquanto outros recalcitram. O sábio
escritor pôs-se a perscrutar e viu que todos, sábios e ignorantes justos e
Injustos, têm os seus feitos nas mãos de Deus. Se é ódio ou amor o que
vem pela frente, não se sabe, pois o futuro está oculto a todos. Se, por
um lado, ignoramos o que vai suceder, por outro, sabemos que Deus está
assim nas trevas como nós, e é o vigia da nossa trajetória. Não apenas
isso, mas ele tem o condão de verificar a segurança com que cada qual
caminhou. Logo, a ignorância do que irá acontecer, de como nos sairemos
da empreitada da vida, não deve ser motivo para nos desviarmos do
caminho e entrar por atalhos e vielas que conduzem a nada. O problema
aventado pelo sagrado escritor é que o mundo é muito misterioso e os
caminhos de cada um são desconhecidos; e não apenas isso, mas o que
acontece ao justo, sucede ao perverso, o que parece uma Injustiça do
caminho. O bom, o justo, o que oferece sacrifícios e o que não o faz; o
perverso e o mau, todos vão terminar no mesmo beco, de onde não se sai.
Parece então que a vida é uma teia de injustiças, de onde não se pode
escapar. Aparentemente assim é. Neste mundo, o bem e o mal progridem
juntos, como na seara de trigo e joio, referida pelo Senhor Jesus (Mat.
13:24-30). Quem semeou o joio foi o Diabo, que estragou a lavoura do
trabalhador; mas porque o Diabo tem liberdade para isso, então vemos o
problema enfrentado pelo nosso escritor, de que tudo acontece por igual,
a bons e maus. Por isso o Pregador verificou que o que sucede aos bons,
acontece aos maus (v. 2). Vamos desanimar na corrida? De modo
nenhum. Tomemos a parábola referida como exemplo, em que Deus
permite que o mal cresça junto com o bem; haverá, porém, uma segadura,
quando os dois, trigo e joio, serão separados, e então o joio vai para o
fogo e o trigo, para o celeiro. Esta solução o nosso texto não dá, mas a
subentende, uma vez que admite todos os caminhos estarem nas mãos de
Deus, que sabe distinguir os bons dos maus. Os cristãos sinceros não se
atrapalham com o fato de que muitos perversos vão em frente, até em
melhores condições do que muitos justos. Jesus já nos advertiu: No
mundo tereis aflições (João 16:33). É por meio dessas aflições que se
prova o caráter cristão, como o cadinho prova o ouro puro. Jesus mesmo
não escapou a esta lei terrível do sofrimento, que é o que diferencia o
justo do Injusto, pois aquele sabe por que sofre, e este ignora.
Finalmente, se tivéssemos apenas o livro de Eclesiastes, poderíamos
construir doutrinas muito variadas, como foi acontecer com alguns grupos
ditos evangélicos. Nós, porém, temos a Bíblia toda a nos ministrar os
ensinos necessários a uma boa filosofia de vida. Pelo lado do escritor
sagrado, parece que tanto bons como maus têm o mesmo destino, que é a
morte, se bem que, por outro lado, afirme que todos os caminhos estão
nas mãos de Deus. Portanto, é óbvio que Aquele que tem os caminhos
dos homens em suas mãos saberá distinguir os bons dos maus. Esta é a
segurança do crente.

1) Este é o mal que há em tudo que se faz debaixo do sol (v. 3).
Todos são nivelados por uma mesma craveira quanto a receber o bem e o
mal, mas Isto por causa do coração dos homens, que está cheio de
maldade e nele há desvarios enquanto vivem. É uma repetição do que foi
dito nos dois primeiros versos. O coração humano é mau e não apenas
estraga o seu caminho, mas também os dos outros, parecendo então que
todos são nivelados pela mesma maldade. A experiência Individual ensina
o contrário, embora o princípio geral seja certo. Os caminhos dos bons se
perdem no labirinto das veredas da vida humana, dando idéia de que
todos são iguais. Entretanto, basta saber que, numa apuração fiel, que
virá um dia, as coisas se esclarecerão. Ai de nós se não tivéssemos estas
esperanças! Desanimaríamos mesmo. Uns lutam para servir a Deus e
cumprem as suas obrigações para com os semelhantes, enquanto outros,
ao seu lado, perjuros, perversos, usufruem boa vida, como se tanto um
como o outro colhessem os mesmos frutos de semeaduras diferentes. O
Pregador não tinha os elementos que Jesus trouxe para o mundo, e por
isso se louvou na experiência comum; mas ele mesmo admitiu que Deus
está no fim da carreira de todos, e lá haverá diferenças a ajustar.

2) Para o que está entre os vivos há esperança, porque mais vale

um cão vivo que um leão morto.

Isto quer dizer que, enquanto há vida, há possibilidade. A vida vale pelo
que significa de preparativo para a eternidade, por isso que os mortos,
como veremos no próximo verso, de nada sabem e nada mais podem
fazer. O Provérbio é ilustrativo. De que vale um leão morto? Um cão
vivo, mesmo animal de pouca importância, tem seu valor - vive. Logo, a
vida é que vale para uma boa carreira, para um bom fim. A advertência é
boa. Muitos se deixam arrastar pela vida fora, esperando que depois Deus
fará como lhe aprouver. Deus não faz como lhe apraz, e, sim, de acordo
com a carreira que cada um viveu. Muitos ditos evangélicos incorrem
nessa condenação. Crêem que estão salvos e logo não há nada a temer,
seja lá qual for a maneira de viver. Acreditamos, sim, que quem está salvo
não se perde, mas também o salvo tem o desejo de ser justo e, se há um
crente assim chamado e vive como o porco, fiado de que está salvo e não
se vai perder, a prova é que está e sempre esteve enganado.

Cremos que esta discriminação é básica para o problema do justo.

3) Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não

sabem coisa nenhuma (v. 5).

Depois da morte nada mais se sabe do que se passa aqui. Fechou-se a


porta. Os mortos tudo ignoram, e para eles não há qualquer recompensa,
pois também nada mais podem realizar para atenuar a sua situação. Tudo
está perdido ou tudo está ganho com a morte. É uma porta que se fecha e
que ninguém abre. A idéia de que o autor se refere aos mortos na
eternidade, de que nada mais sabem e que a sua memória se perdeu
quanto ao que fizeram nesta vida, está errada. O que se perde para os
mortos é a vida que fica. Para esta não há mais esperança, pois não
voltam a viver e ter alguma esperança ainda. O espiritismo é uma falácia,
pois os que morreram nada sabem do que se passa aqui e os albores desta
vida não brilham no mundo além. A cortina fecha-se, e acabou-se; e se
alguém quiser saber alguma coisa, consulte a Bíblia, pois é ela que nos
Indica o roteiro seguido depois da morte.

Algumas seitas interpretam esta Escritura como ensinando que a morte


destrói tudo que a vida ganhou, Isto é, morre o homem como morre outro
animal, nada restando do que se passou aqui. Estes são os que ensinam,
como os Testemunhas de Jeová, que não há alma imortal, apenas alma
vivente. Morto o corpo, morta está a alma. Já discutimos bastante este
assunto quando estudamos o capítulo 3:16-22. O todo das Escrituras é
muito claro, quanto ao que significa essa declaração, se bem que, por má
Interpretação se pervertam os ensinos sobre a sobrevivência da alma ou a
Imortalidade da alma humana, que foi feita à imagem e semelhança de
Deus e que é o seu caráter humano-divino. O que o Pregador ensina é:
enquanto vivemos, temos oportunidade de correr uma boa carreira, pois,
quando a morte chega, fecha-se a porta para esta vida e o morto nada
mais sabe, nem tem esperança alguma. Se um morto na eternidade
soubesse do que se passa aqui, seria talvez mais infeliz, pois saberia como
vivem os seus filhos, os seus herdeiros, se é que deixou fortuna. Os
mortos sabem como viveram, e a sua memória vai com eles para a
eternidade. Isto nos é claramente ensinado por Jesus, na parábola do rico
e Lázaro, em Lucas 16:19-30. O rico sabia que tinha deixado cinco Irmãos
e todos estavam perdidos como ele, mas nada podia fazer-lhes, pois a
porta desta vida estava fechada. O que Jesus ensinou é que, se alguém
quiser saber alguma coisa a respeito da vida e da morte, consulte a Bíblia.
Todo o nosso acervo de bom e de mau vai conosco para a eternidade, e
depois NADA. Não há nem memória do que se estará fazendo aqui, e nem
nos parece que isso seria melhor para os santos. Quando calmos na
eternidade, passamos a outro quadro da vida, totalmente diferente do
que vivemos aqui. De lá para cá não há comunicação, não há telefone
nem telégrafo. Os dois estágios da vida são totalmente autônomos e
finais. Acaba um e Inicia-se outro, que é seguimento da vida que levamos
aqui. Este escritor tem ensinado que a vida não pára, não termina, e lá do
outro lado vamos continuas a viver o estilo de vida que Iniciamos aqui,
mas num plano totalmente novo, como seres despidos da carne do
pecado, vivendo em espírito, até que venha a ressurreição dos corpos,
para então nos completarmos como uma pessoa de corpo e alma.
Quando o escritor sagrado diz que a sua memória jaz no esquecimento
(dos mortos), quer apenas afirmar que depois da morte do corpo, a
memória não funciona mais quanto a esta vida. Tudo que se passa é
ignorado ou esquecido. Podemos imaginar o que sucederia, segundo a
doutrina espiritista, se os mortos continuassem a tomar parte nos
negócios desta vida, a darem conselhos e determinarem o que se deve ou
não fazer. Seria a perfeita confusão entre as duas vidas, a daqui e a de lá.
Deus não iria permitir tal coisa, e Jesus é muito claro em todos os seus
ensinos referentes ao juízo ou ao julgamento desses fatos antes da morte.
Não há mistura de vida terrena e vida eterna, seja dos santos, seja dos
perdidos. Repetimos: Esta vida é um estágio preparatório para a outra,
além; terminado o estágio passa a pessoa a viver o outro, que é
condicionado pelo bem ou mal que se praticou aqui. O ensino do Novo
Testamento é claro. Os crentes morrem e seu espírito vai à presença de
Deus (João 14:3), e lá fica para sempre, em eterna bem-aventurança até a
ressurreição (I Tess. 4:13-18), quando então o corpo, ressuscitado em
glória, como ensina Paulo, se unirá ao espírito, e estará realizada
totalmente a obra do bendito Filho de Deus. Os perdidos Igualmente vão
à eternidade e ai, no seu lugar, aguardam a ressurreição dos seus corpos,
que, segundo o Apocalipse, é a segunda morte (Apoc. 20:6). O verso 6 do
nosso estudo é claro, quando afirma: para sempre não têm eles (os
mortos) parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol. Sim, os
mortos nada têm com o que se faz na terra depois da sua morte. Parece-
nos que este assunto, mesmo à custa de algumas repetições sobre o que
sucede aos mortos, está perfeitamente esclarecido.

Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe o teu vinho... (vv. 7-9). A
vida aqui é para ser gozada no bom sentido; Deus assim o fez, pois criou o
homem e deu-lhe o jardim para cultivar as flores, para o adornar; os
animais para lhe fazerem companhia. A vida é linda e digna de ser bem
vivida; só os pessimistas vêm o mal em tudo. Verdade é que o pecado a
alterou, mas assim mesmo a vida ainda tem muitas coisas admiráveis e
que podem ser gozadas sem se praticar erros. Uma viagem, por exemplo,
aos países do outro lado do Atlântico, com lindos passeios de barco ou de
trem, ou mesmo de automóvel, bons hotéis com cozinhas internacionais,
onde se come ao gosto dos mais exigentes, é um fato delicioso, mesmo
que poucos possam dar-se a este luxo, que não julgamos assim. A beleza
das cataratas, como a de Paulo Afonso, as Sete Quedas do Iguaçú, os altos
Pirineus, os Apeninos da Itália, os imensos lagos de Genebra, com lindos
canteiros floridos, tudo é muito belo para a vista e para o espírito. A vida
é lindíssima e deve ser gozada, como ensina o Pregador. Tudo são dádivas
que Deus deu ao homem para serem gozadas. Afirma o Pregador que
Deus se agrada das nossas obras (v. 7), e como recompensa nos dá as
alegrias da família, dos amigos e das igrejas. Tudo somado, mesmo com a
nossa pobreza, a vida é encantadora e merece ser aproveitada. Um
passeio a qualquer cidade do Brasil, aos seus jardins, aos seus lagos, às
suas pontes e elevados, tudo quanto a inteligência inventiva do homem
faz, agrada ao nosso espírito e é uma dádiva de Deus. Gozar a vida antes
que a porta se feche, é ordem divina.

2. Uma Recompensa para os Imprevistos da Vida (9:8-10)

A vida, com todas as suas incertezas, não significa um viver triste e infeliz.
O escritor sagrado, depois de fazer sentir que há muitos lugares escuros
no seu caminho e de mostrar que enquanto vivemos é que temos de lutar
para vencer, porque depois da morte fecha-se a porta para esta vida, da
qual nada mais nos interessa e da qual não mais participaremos,
aconselha um viver alegre e feliz, vestindo roupas alegres, alvas e tendo
cabelos sempre penteados e tratados com óleo. O alinhamento das
roupas e o trato dos cabelos sempre foram indícios de bom gosto e boa
saúde do espírito. Os hebreus davam muita atenção a estas
particularidades, mandando que não faltasse o óleo nos cabelos e se
mantivesse o rosto lavado e alegre, para não indicar tristeza. Por ocasião
dos jejuns, acompanhados de tristeza, natural pela consciência do pecado,
aconselhava-se lavar o rosto, pentear o cabelo, para não indicar que se
estava jejuando (Mat. 6:16-18). O reflexo deste ensino encontra-se no
verso 8 do nosso estudo. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e
jamais falte o óleo nos teus cabelos (v.8). O advérbio jamais nos leva a
reconhecer não haver lugar para tristezas, porque o crente tem a seu lado
a ajuda do seu Deus, para vencer. Deve então ser alegre.

2. Uma Recompensa para os Imprevistos da Vida (9:8-10)

1) Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida fugaz (v.
9).
Esta recomendação é muito Importante, porquanto representa uma
grande parte da vida. O homem e a mulher que se unem pelos laços
matrimoniais assumem o dever de se amar, e neste amor há felicidade,
pois as duas vidas não são mais duas, mas uma, como ensina o apóstolo
Paulo . (Ef. 5:31). Infelizmente, esta instituição divina tem perdido muito
da sua substância, por causa das desavenças domésticas, com a ruína da
felicidade conjugal e da família. Todavia, o princípio, a doutrina,
permanece e não pode ser alterado. Esta é a melhor porção da vida, pelo
nosso trabalho debaixo do sol. Os casais felizes, depois de um dia
afanoso, se unem e retemperam as suas forças na comunhão dos seus
espíritos, e se preparam para outro dia de fadigas, porque a vida em si
mesma é uma vida afadigada.

2) Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,
porque noalém, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nemsabedoria alguma (v. 10).
Nota-se que o autor do nosso Eclesiastes luta com o problema da morte. É
um fato que não sai da sua cabeça, associando ele sempre esta morte com
o fim de tudo. No lugar para onde vamos não há projetos, nem sabedoria
a ser pedida para qualquer investida, porquanto tudo está completo. Lá
não se carece da inteligência dos sábios, nem das artes dos técnicos. Lá
tudo está pronto e terminado. Não há negócios, não há fábricas, não há
pontes nem açudes, não há obra alguma. Tudo que o homem tiver de
fazer deve fazê-lo aqui. Lá está tudo pronto. A vida no espírito não
admite inventos, nem fadigas ou trabalhos. Este fato tem preocupado a
muitos, no sentido de descobrir as ocupações dos espíritos no além. A
Bíblia é quase omissa neste particular, como se ela não tivesse programa
de vida para a eternidade. Preocupa-se com o homem aqui, e depois,
pouco ou nada. Sabemos, todavia, que o espírito não pode ficar inativo,
parado, pois não se fatiga, não carece de sono ou descanso. Então, em
que se ocupará? Eis uma pergunta que não é ociosa. A ocupação dos
salvos, nós sabemos, será louvar o Senhor, que lhes deu a graça da
salvação. Será só isso? Jesus admitiu que seu Pai trabalhava até agora
(João 5:17). Terá Deus terminado a sua obra? Não. Ele continua a
governar o universo com as suas leis, e nesse governo está o seu trabalho.
Jesus comanda os serviços do seu povo aqui na terra, tomando
conhecimento das suas atividades, dos seus esforços ou da sua
inteligência. Ambos então trabalham, mesmo porque não se admite
inatividade para seres espirituais. Logo, que farão os espíritos
desencarnados? Alguns têm admitido que nós, os salvos, teremos
oportunidades de viajar pelo universo de Deus, conhecer algo que aqui
desconhecemos, teremos de continuar os nossos estudos a respeito de
Deus, da sua graça e amor, dos seus planos para o gênero humano, uma
espécie de curso pós-graduado, onde nos doutoraremos em religião.
Continuaremos os nossos estudos iniciados aqui, que continuarão para
sempre, sem fim. Será isso mesmo? Que vai haver atividade, parece que
não há dúvida; qual será, porém? Ao certo mesmo, não sabemos. A
respeito das atividades no Reino depois do milênio sabemos que
reinaremos com Cristo, e este reinado deve compreender atividades
próprias, que nós ignoramos. O que o autor ensina é que o lugar para
onde vamos, na concepção judaica, é um lugar de espera, onde não há
trabalhos, nem projetos, nem conhecimento a ser usado, nem sabedoria
alguma para qualquer trabalho. O lugar dos judeus é o Sheol, onde os
espíritos esperam o seu destino final, quer bons ou maus, quando cada
qual receberá segundo as suas obras. Mas a nossa concepção não é a do
Sheol, mas a do Reino eterno de Deus. Por isso que o autor de Eclesiastes
não admite trabalho, nem Indústria, nem uso da Inteligência para
qualquer empreendimento, e então aconselha a não se perder
oportunidade alguma de tudo que vier as nossas mãos para fazer (v. 10).
Aqui é a nossa oportunidade. Depois, quem sabe? Disto, porém, muitos
se esquecem e julgam que depois da morte é que se vai trabalhar.
Quantas oportunidades são desperdiçadas, não conhecemos, mas muitas.
Os próprios crentes são uns perdulários quanto ao uso do seu tempo e das
suas aptidões. Quanta coisa fica por fazer porque muitos preferem o
descanso, o rádio, a TV ou o que seja,, negando-se a dar um concurso a
qualquer coisa que bem poderiam fazer. Numa igreja de 500 membros,
quantos realmente fazem tudo quanto lhes vem à mão? Evangelizar,
doutrinar, cooperar para que o Reino de Deus avance, quantos?
Relativamente poucos.

Não nos ocupamos aqui com a vida dos descrentes, quer neste planeta
quer na eternidade, porque são ignorantes das demandas de Deus, e
torcem as oportunidades da vida a seu modo aqui, e, quando forem para o
outro lado, onde não há obra, nem projeto, nem conhecimento algum,
cairão no vazio e terão por diretores as forças do mal, às quais serviram
nesta vida. Vale a pena ler a obra de Dante Alighieri, a DIVINA COMÉDIA.
Escrita por um poeta católico com a cultura medieval do seu tempo, mas
com uma concepção mais ou menos adequada ao ponto de vista de um
católico na eternidade. Para nós muita coisa não tem sentido, mas, de
modo geral, é uma tentativa de interpretar o Inferno, o purgatório e o
céu. Pergunta-se ainda: Que farão os perdidos na eternidade? Na
linguagem de Jesus, em Mateus 25, o destino dos perdidos é
simplesmente dramático e terrível, se bem que a sua ocupação não seja
dada.
É com profunda humildade que este escritor registra estas notas no papel.
No reconhecimento de que vamos para um lugar onde não temos mais
oportunidade de trabalhar no sentido em que entendemos o trabalho,
afigura-se-lhe que tudo que fizermos aqui, aproveitando todos os
momentos, todas as oportunidades, ainda será mui pouco. Com perdão
do leitor, é justamente por causa desse fato que estas notas ou estudos
são feitos. Não é por desejo de escrever livros, nem de aparecer no
frontispício de um livro, nada disso; é porque ele tem momentos vagos e
já não pode exercer um emprego qualquer, então vira-se para a sua
máquina e bate, bate até se cansar. Deus sabe que este é o motivo por
que são escritos estes Estudos sobre os livros do Velho Testamento.

A ansiedade por uma resposta a este verso sobre o quê vamos fazer
depois da morte levou alguns evangélicos a admitir o sono das almas. O
corpo vai para a terra e o espírito vai dormir. Os Testemunhas de Jeová
têm uma doutrina mais radical, não admitindo almas imortais, isto é, nada
depois da morte, a não ser os que se julgam bem-aventurados, os 144.000
do Apocalipse. São modos de explicar a preocupação deste escritor
quanto às atividades depois da morte. Para ele não pode haver tal fato
como o sono das almas, porque o sono no sentido que entendemos é um
fenômeno fisiológico, resultado da fadiga cerebral, causada pelo esforço,
quando, segundo os fisiologistas, o fósforo cerebral se queima e então
vem a sonolência. Durante o sono, as células cerebrais se recuperam dos
gastos do esforço anterior e a pessoa está apta para nova caminhada.
Mas as almas não têm fósforo nem células cerebrais que se cansem.
Então o sono é uma impossibilidade para a alma humana. No tocante à
não existência da alma, uma maneira fácil de se descartar de um
problema, toda a Bíblia é contra tal doutrina, e disso já nos ocupamos em
mais de um lugar. Ficamos então certos de que não vamos dormir na
eternidade e nem as nossas almas morrem com o corpo. Tudo isso são
modos de resolver um problema que fica sem solução.
Voltando a referir a esperança dos santos, podemos dizer que a
contemplação da face de Deus e a companhia de nosso Salvador (João
14:3), já são mui linda ocupação. Nós temos serviço à nossa espera. Os
perdidos não têm. Graças a Deus por esta esperança. Além da nossa
sobrevivência, temos a esperança que as Santas Escrituras nos garantem
de que todos nossos feitos aqui no mundo terreal, Deus um dia vai julgá-
los conforme o Evangelho de Jesus (Rom. 2: 16).

3. Em Busca de uma Solução - Opções Negativas (9: 11-18)

O autor de Eclesiastes, na sua busca por uma luz detrás da morte, verifica
que só há trevas; depois da morte, do escuro, não há nada. Então, como
quem acorda de um sonho, viu que o prêmio não é dos ligeiros, nem dos
mais valentes na vitória, e, sim, do tempo que cada um tem nesta vida.
Isto posto em linguagem evangélica significa que não é dos fortes a vitória,
nem dos que correm melhor, como tão bem expressa o nosso hino, mas
dos que andam pela fé e não por vista (Heb. 11: 6). Se há alguma
esperança para a alma humana, deve haver sobrevivência da mesma
alma; doutra sorte teríamos apenas um jogo de cabra-cega: a Bíblia
apontando um dia quando deverá haver uma recompensa para todos, e,
ao mesmo tempo, sem meios de realizá-la. A fé nas coisas que se não
vêem é pressuposto de fatos que se hão de ver um dia, senão também a
fé fica sem sentido, sem objetivo. Nós todos vamos ser julgados por nossa
ostentação e vaidade ou por nossa lealdade ao Mestre Jesus. Um
julgamento final surge do que Eclesiastes nos ensina: há um prêmio, e
este não será dos que correm melhor, nem dos sábios e entendidos; o
favor vem do tempo, diz ele, e do acaso. Ora, não há acaso nesta vida,
pois tudo está condicionado ao governo divino; nada ocorre assim, mas
tudo dentro do plano eterno do Criador, e dentro deste plano, nós
esperamos a nossa recompensa. Se não houvesse galardão a vida seria
uma total frustração, um verdadeiro "correr atrás do vento", uma coisa
sem sentido. Nasceríamos sem saber e morreríamos da mesma forma.
Não tomaríamos conhecimento do principio nem do fim, pois, ao
adormecermos na morte, fechando-se a porta para esta vida, tudo estaria
terminado. De que valeriam estes poucos anos aqui, muitos se
esforçando para agradar ao Criador, enquanto outros lutando para
agradarem a si mesmos, se no final nada restasse para ninguém? Isto se
nos afigura um problema sem solução e até imoralidade religiosa, tanto
ser justo como injusto, ser bom como ser mau, porquanto nesta vida não
há possibilidades de serem ajustadas estas diferenças. Não. Tem de
haver um julgamento final e nós vamos nessa esperança.

O homem é comparado com os peixes, que são pegados nas redes, e


como os passarinhos, que caem nos laços dos passarinheiros; se enredam
nos seus assuntos, correm sem saber bem por que, e finalmente chegam
ao fim, tolhidos, muitos deles, nas suas mais caras esperanças (v. 12). A
linguagem do sagrado escritor é diferente, mas ensina Isto mesmo, Isto é,
que a vida é muito Incerta, e que somos mesmo como os peixes e os
passarinhos, de repente a calamidade cai sobre nós, e tudo es. terminado.
Então, para que o bondoso Criador nos colocou neste mundo? Será que
ele mesmo se enganou ao fazer o homem à sua imagem e semelhança,
isto é, dando-lhe as qualidades de Imortalidade e individualidade, e esta
vida como uma escola onde se aprende a viver para a eternidade'.? O
Criador não podia enganar-se. Tudo fez bem feito.
4. Uma Ilustração Oportuna (9: 13-18)

O sagrado escritor deu-nos uma Ilustração da sabedoria que vale a pena


recordar aqui. Havia uma pequena cidade com poucos homens, e veio
contra ela um grande rei e a cercou, levantando baluartes e trincheiras.
Havia na cidade um homem pobre, mas sábio, que livrou a cidade por sua
sabedoria.

Depois, ninguém mais se lembrou do pobre sábio. O escritor conclui que,


apesar do esquecimento dos concidadãos daquele pobre, a sua sabedoria
valeu mais do que a força. "As palavras dos sábios são como aguilhões, e
como pregos bem fixados as sentenças coligidas" (E cl. 12: 11). Melhor é a
sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói multas
coisas boas (v. 18). Noutros textos, o sagrado escritor compara a
sabedoria à loucura (2:15 e 16), ou pelo menos de pouco proveito;
todavia, perseverou em sua busca, porque afinal ela traz muitas
vantagens. Será o caso de perguntar ao sábio escritor: Que entende por
SABEDORIA? Há uma antítese entre sabedoria e estultícia; é um dos
grandes jogos deste livro. Todavia nota-se que a sabedoria pregada pelo
escritor de Eclesiastes, Salomão ou outro, não é uma sabedoria apenas em
termos de convenções terrenas, mas sabedoria na condução da vida como
um todo, que por Isso abrange estes nossos dias e os vindouros. Uma
sabedoria só para o tempo parece não ser o ensino do Pregador, que
considera a outra vida como o prolongamento desta, mesmo que em
alguns passos possa dar a entender que, depois de "fechada a porta",
nada mais há a fazer. Isto quanto a esta vida; se, porém, ele admite o
governo divino, e nisso é muito clara, então a sabedoria que ele preconiza
abrange tanto o dia de HOJE como o de AMANHÃ. Fecha-se, é certo, a
porta para esta vida, mas abre-se outra, para a eternidade. Então vale a
sabedoria, pois de outra maneira seria tomar ao pé da letra passos tais
como os de 9: 8, 9 e ss. Aceitando que de tudo vamos dar contas a Deus
(11: 9), temos de admitir a necessidade de sabedoria para encaminhar a
vida de tal modo que esta sabedoria abranja os dois estágios. Esta é a
filosofia evangélica que conduz à vida, de tal modo, a alcançar corações
sábios para a salvação (II Tim. 3:15). O pecador é o destruidor da
felicidade humana, como de outras muitas coisas (v. 18).

5. Em Busca de uma Solução - A Sabedoria é Preferível (10:1-7)

A comparação entre a sabedoria e a estultícia é a preocupação do


Pregador, achando que a sabedoria leva vantagem sobre a tolice, embora
esta produza efeitos mais desproporcionados. Tem maior aceitação. É
mais evidente, conduz a maior estardalhaço, entre as massas ignaras, que
não são capazes de apreciar devidamente o sábio. Nesta conformidade,
Eclesiastes chega ao ponto de dizer que, como a mosca morta no
ungüento do perfumista lhe faz exalar mau cheiro, assim é para a
sabedoria e a honra um pouco de estultícia. Esta conclusão nos choca um
pouco. Temos receio de dizer que a sabedoria por si só não é muito
vantajosa, e, de permeio com a tolice dá um tempero condimentado.
Talvez isso seja devido ao fato de que o povo não sabe apreciar a
sabedoria; e como os tolos são muitos, é a tolice ou a estultícia que
domina. Então teremos de concluir um compromisso com as duas
qualidades; mas quem vai fazer o teste? Um único tolo pode desfazer a
obra de muitos sábios; e é por isso que a estultícia tem tanta
popularidade. Quando ela se manifesta nos lugares de mando, então a
sua popularidade é enorme e convincente. De qualquer modo, o estulto
logo mostra o seu caráter, pois quando vai pelo caminho falta-lhe o
entendimento e a todos mostra a sua tolice (v. 3). Quando a estultícia se
mostra nos governantes, o curso seguido é ser prudente, pois isto ensina a
sabedoria. A paciência e a conciliação não demorarão a produzir os seus
efeitos, embora alguém possa argüir isso ser política de apaziguamento.
O Eclesiastes responderá que o sábio é guiado pelo tempo e pelo bom
senso. Esta doutrina está em acordo com os que entendem ser melhor
um governo mau que nenhum, pois isso seria anarquia, o pior de todos os
sistemas de mando. O Pregador ensina que há tempo de falar e tempo de
silenciar (3:7). Os que governam são acometidos muitas vezes de
estultícia, pois o poder ofusca as mentes, e porque os poderes elevam os
Indivíduos, não falta quem os apóie e até os louve. São os louvores dos
poderosos. Não raro, os tolos estão em cima e os ricos ou nobres
assentados no chão (v. 6). Os servos vão a cavalo e os príncipes andam a
pé (v. 7), uma verdadeira inversão de valores, resultante do fato alegado
de o erro vir dos que estão de cima e governam (v. 5). Noutros termos, o
poder de mando dá muita importância, e nem sempre a sabedoria é
acolhida e destacada como deveria ser. Nem sempre são os mais hábeis
que sobem e ocupam os lugares de mando; isso se vê na política, quando
os mais espertos e menos capazes se elegem, enquanto grandes valores
ficam por baixo. Lá em cima, que fazem? Deixam os sábios no chão,
enquanto se engalanam e mostram importância. Este escritor já viu isso
mais de uma vez, especialmente em casos de revoluções, quando alguns
imbecis subiam e dominavam, deixando valores serem espezinhados. Isso
também acontece com as riquezas. Os ricos, pelo poder do dinheiro, são
elevados aos píncaros da glória, mesmo sendo uns idiotas, ao passo que
sábios são desprezados. Eclesiastes talvez se refira particularmente aos
ricos que não trabalharam para enriquecer, mas herdaram fortunas que os
empolgam, pois o rico à custa do seu suor não é vaidoso. Os que nós
atualmente chamamos de novos ricos são facilmente enquadrados nesse
esquema. Em suma, o que o nosso Pregador viu e nos ensina é que a
sociedade humana sofre de multas enfermidades: a doença da vaidade, a
doença da futilidade, a doença dos que pensam que são multa coisa,
apenas porque serram de cima ou têm dinheiro, que domina e impõe. E
uma sociedade muito Imperfeita. Um exame, mesmo superficial, nos
mostra ser assim mesmo e, portanto, o que cabe a cada um que tem pelo
menos bom senso e seguir avante, realizar a sua obra e esperar dias
melhores, porquanto como passam as pessoas passam os poderes.

6. Cálculos dos Riscos (10:8-11)

Uma série de provérbios ou observações entre o povo é o que temos


nesta breve seção. O sentido geral aqui é antes de nos metermos a
modificar coisas loucas, devemos considerar os ricos. As coisas, homens
ou poderes, que estão de cima, podem muito; e, se nos metermos a
mandar ou a tentar mudar, seremos esmagados. Então melhor é não abrir
covas, para não cair nelas (v. 8), ou não meter a mão nos muros onde uma
cobra nos pode morder. Antes de embarcarmos em quaisquer
empreendimentos devemos considerar o risco a sofrer. É bom ser
prudente, como nos ensina o Senhor em Lucas 14:28 e ss. Antes de
lançarmos os alicerces de um cometimento é bom sabermos se temos
elementos para acabar. Não aconteça que comecemos e não possamos
findar. Havia um templo num bairro de Recife que nunca foi acabado.
Então o povo o chamava a igreja de São João Degolado. Uma coisa
começada e não acabada. Muitos começos gorados resultaram de
cálculos mal feitos. O Pregador continua os seus ensinos dizendo que
quem mexe com muitas pedras uma lhe cairá na cabeça; e o que racha
lenha expõe-se a ser ferido pelo machado (v. 9). Há condições difíceis de
resolver, como, por exemplo, cortar com uma ferramenta embotada. É
preciso muita força e ainda os resultados serão precários (v. 10). Temos,
assim, uma série de ensinos, se bem que reais na vida humana, sejam eles
provérbios ou fatos da observação. O autor parece não ser um homem do
palácio real, mas dentre o povo, ou então um profundo observador. Se
Salomão foi mestre em tudo, deveria Incluir em seus conhecimentos o que
atualmente chamamos de Sociologia. No verso 11 ele nos dá uma lição
difícil de entender. Se uma cobra nos morder antes de estar encantada,
de nada vale o encantamento (v. 11). Então devemos encantar a bicha
antes de lidar com ela. Há homens especialistas nesta arte difícil de
encantar serpentes. Se há tal fato como encantamento, então este é o
primeiro cuidado a tomar. A lição deve ser: se temos algo a realizar,
devemos antes de tudo dominar os seus compostos. É como certos
revolucionários que querem mudar as coisas do Estado, mas não calculam
os meios e os riscos, e depois vêem-se envolvidos em malhas, de onde
querem sair e não podem. Uma lição que não fará mal a ninguém: Não se
meta naquilo que não entende ou que não pode mudar, por falta de
forças e condições. Deixe ficar como está até ver como é que fica.
7. Nada de Bravatas nem Arrogâncias (10: 12-20)

1) Contrastes (vv. 12-15).

Há tolos e há sábios. As sociedades não podem fugir desta norma. O tolo


fala muito e constrói pouco. As primeiras palavras do tolo são de
estultícia, e as últimas são loucura (v. 13). Acontece que o estulto falaz
pode convencer mais facilmente do que o sábio, porque o tolo tem muitos
companheiros, enquanto o sábio tem poucos, pois são em maior número
os tolos que os sábios. O tolo nem sabe como ir à cidade (será um
provérbio?), todavia, sempre tem quem o ouça e aplauda, enquanto o
sábio, porque fala pouco, não tem ouvintes. Uma sociedade dominada
por estultos fracassará; e há muitas assim, onde não há um pobre velho,
mas sábio (9:13-16). Os contrastes são chocantes, mas reais; e, mesmo
que pareça anedota, é fato que, quanto mais tolo, mais falaz, e quanto
mais falaz, mais ouvido.

7. Nada de Bravatas nem Arrogâncias (10: 12-20)

2) A preguiça dos reis (vv. 16-19).


Dizem que os reis são preguiçosos, pois têm quem trabalhe para eles.
Pobre da terra cujo rei é ainda criança, a menos que tenha um bom tutor,
como aconteceu a Joás, que teve como seu bom regente a Joiada (H Crôn.
23). Em contraste com a terra cujo rei seja criança vem esta: Ditosa a
terra cujo rei é filho de nobres e cudos príncipes se sentam à mesa a seu
tempo (v. 17). A diferença reside entre um rei criança, cujos príncipes
vivem de banquetes, e uma terra cujo rei, descendente de nobres,
governa com os seus cortesãos. Nós não vemos muita desigualdade, mas
o Pregador deveria ter em mente qualquer coisa importante, para
comparar assim. Os reis estão caindo da moda; as monarquias
tradicionais, que engalanaram a Europa na Idade Média, estão
desaparecendo aos poucos, e as que restam são mais decorativas que
reinantes. Já se diz até que a rainha da Inglaterra reina, mas não governa,
porque o governo pertence ao partido que ganha as eleições. O ensino
especial reside no fato de que, no reinado dos nobres, o tempo é gasto em
administração e as comidas são apenas para refazer as forças.

Pela multa preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a
casa (v. 18). Talvez seja um provérbio ou uma resposta aos reinantes que
vivem de banquetes. Há muitos ensinos nos provérbios a respeito do
preguiçoso, do que não honra o tempo com o valor do seu serviço à
comunidade. O trabalho, a que o sagrado escritor já devotou alguns
parágrafos é uma constante na Bíblia. Nascemos para trabalhar, como a
fagulha para voar, e não se admite um preguiçoso que vive para comer o
que os outros ganham, porque, se alguém não produz, outros têm de
fazê-lo para ele. Isso desorganiza a sociedade no ponto de vista
econômico. Depois deste provérbio vem outro, interessante: O festim faz-
se para rir e o vinho alegra a vida, mas o dinheiro atende a tudo (v. 19).
Enquanto multas escrituras condenam o vinho, tais como "não olhes para
o vinho, quando se mostra espumoso" (Prov. 23:31 e 20:1), noutros
passos, o vinho alegra a vida, como no verso em análise. Paulo
aconselhou a Timóteo beber um pouco de vinho por causa do estômago (I
Tim. 5:23), mas noutra escritura ele mesmo aconselha os diáconos a não
serem dados ao vinho (I Tim. 3:3). Nos países que produzem vinho, como
Portugal, ele é parte da alimentação do povo, e não se encontra mesa
onde não haja vinho branco. A diferença é que o vinho produzido na terra
e aí consumido não tem álcool, a não ser o da fermentação, enquanto os
que são exportados levam uma dosagem de álcool,, para resistir ao
tempo. O vinho usado com moderação é um bom alimento. Jesus o usou
e não foi como em nossas igrejas, nas quais usamos suco de uva, pois lá
não havia este tipo de vinho.

Outra coisa que a Bíblia escalpela por causa do mau uso ou do abuso é o
dinheiro, que, entretanto, ajuda muito a viver, pois sem dinheiro não se
vive na sociedade moderna. O abuso do dinheiro, ou a ganância dele é
que causa o mal. O dinheiro domesticado é um grande servo: quando,
porém, se torna senhor da pessoa, é um tirano. No pensamento de
Salomão, o dinheiro era um bem útil. As nossas igrejas não vivem sem ele,
pois é com ele que construímos os nossos templos, sustentamos as
missões, assalariamos pastores e fazemos tudo que uma sociedade
moderna faz.

7. Nada de Bravatas nem Arrogâncias (10: 12-20)

3) Não fales mal do rei (v. 20).

Em diversos lugares o Pregador aconselha a moderação nas críticas a


quem governa (o rei, no caso, porque naqueles dias não havia repúblicas).
Falar mal do rei, até na cama, era perigoso, porque as aves dos céus
poderiam levar a voz ao palácio, e naqueles tempos os reis eram
soberanos absolutos, dispunham da vida e da morte dos seus súditos. Já
noutros lugares mostramos a conduta a seguir neste particular, o que não
significa aquiescermos com as injustiças, ou dar-lhes o nosso aplauso, e,
sim, nunca tomarmos a frente em levantes, que podem trazer graves
riscos à vida e à propriedade. Não fica bem aos evangélicos tomar a
dianteira nas queixas contra o governo. O Novo Testamento é muito claro
nestes ensinos. Paulo especialmente (Rom. 13). Se não temos poder nem
oportunidade de corrigir qualquer mal na ordem administrativa, não
convém as murmurações e as queixas, que podem trazer-nos danos.

O autor do nosso livro vivia sob um governo bom, não Igual a tantos que
encontramos nos Livros dos Reis, pois a sua preocupação em resguardar o
rei das queixas e malquerenças do povo é uma constante neste livro.

Findamos o nosso Quinto Estudo. Há uma grande mistura de assuntos,


nem sempre bem ordenados, e sentimos dificuldade em criar uma ordem.
Aliás, o Livro de Eclesiastes não obedece a qualquer esquema homilético.
Consta de uma série de assuntos sem lógica e sem nexo, tantas vezes,
como um homem que está aconselhando com a despreocupação da
normalização dos conselhos. Aproveitamos o melhor que soubemos e
pudemos para apresentar estes conselhos na linguagem do dia e do povo.
Oxalá tenhamos conseguido.

SEXTO ESTUDO - NORMAS PARA UM TÉRMINO DE VIDA IDEAL (11:1-


12:14)

Eclesiastes termina os seus conselhos oferecendo normas de alta


sabedoria para a vida humana, no que ela tem de responsável para com os
seus semelhantes e para com Deus. Se faltasse a este livro o capítulo 11: 9
e 10 e o capítulo 12, estaríamos num beco de difícil salda no que respeita
ao destino da pessoa humana e suas obrigações para com o meio.
Felizmente estes dois capítulos (11 e 12) são a coroação de toda a série de
ensinos desordenados que o Pregador nos oferece. Este escritor, sem
grandes presunções e bem poucas exigências, considera-se satisfeito com
este Estudo. Ele mesmo aprendeu muito, talvez mais do que qualquer
leitor, pois nem sabe se este Estudo algum dia virá à luz da manhã.
Escreve apenas, como quem tem de dar contas do seu dia e do seu tempo,
com a despreocupação do que poderá acontecer ao manuscrito. Ninguém
lhe pediu para escrever este Estudo. Dedicou-se-lhe de coração e alma,
porque é justamente um livro de doutrinas muito controvertidas, nas
quais alguns se baseiam para envenenar as mentes menos favorecidas.
Ele também não é dogmático; é ortodoxo nos seus ensinos, auridos
através de muitos anos e de muitos mestres. Com estas breves
considerações, passaremos a examinar, talvez, a parte mais interessante
do livro; pelo menos a mais suave e facilmente aceitável por todos os
leitores da Bíblia. (1)

(1) Veja Hans Bürki em A Vida Cristã no Mundo Hoje, pp. 16 e 17, Casa

Publicadora Batista, 1972.

1. Uma Nova Dialética para a Vida (11: 1-6)


Nos capítulos anteriores o autor lidou com problemas de duvidosa
aceitação por todos; problemas explosivos em muitos casos e que talvez,
no seu tempo, nem seriam bem recebidos pelos rabinos e outros sábios.
Uma teologia controversial é sempre motivo de discussões; e mesmo
Ignorando se houve polêmicas posteriores a respeito das doutrinas do
livro, admitimos que os coevos do autor não aceitariam, facilmente, tudo
quanto escreveu. A dialética do livro agora toma outro rumo, uma diretriz
que ninguém pode, em sã consciência, contestar, a menos que esteja
longe dos problemas da vida em comum com ricos e pobres, todos
carecendo de ajuda recíproca. Até aqui o sábio jogou com o tempo e o
juízo final da vida, fatores meio etérios e profundamente filosóficos. Era
preciso correr riscos, quer nos empreendimentos comerciais, quer nos
religiosos e sociais, havendo muito de aventura e sonho, que nem sempre
trazem no seu bojo a segurança dos ideais que os determinaram. Quando
se lida com o futuro tem-se sempre de convir que deve haver uma grande
margem de probabilidades, de condicionantes, fatos que podem
acontecer tanto aos que bem planejam como aos mais apressados. Daí,
então, tantas frustrações que o livro reconhece e explora. Lidou a fundo
com a sabedoria, o trabalho, a negligência, abordando todos os ângulos da
vida social. Em muitos casos, como fica declarado, se apegou a problemas
de duvidosa aceitação e que, admitimos, teriam causado certo
desconforto aos seus leitores. Agora não: atira-se a temas de fácil
aplicação, mesmo que não sejam banais. Quando ele ensina no primeiro
verso deste capítulo - Lança o teu pão sobre as águas (v. 1) - se dirige à
humanidade inteira, esta humanidade gulosa e gananciosa, que tanto
fustigou, para mostrar que há um destino seguro nas mãos de Deus.
Lançar o pão sobre as águas, na esperança de um dia voltar às nossas
mãos, é uma afirmativa que ninguém tem o direito de contestar. É uma
declaração de que não estamos sós nesta pobre e maltratada terra, e
temos o direito, e até o dever, de pensar nos outros. Por certo, o que está
na mente do autor é a caridade, que temos o privilégio de praticar em
relação aos conhecidos e desconhecidos, bons e maus. Depois de cada
um cuidar-se, é justo que pense nos que não podem, por motivos
diversos, fazê-lo. Para estes deve ser lançado nas águas o nosso pão, a fim
de chegar à mesa de alguém e minorar os seus sofrimentos. Certamente o
autor está pensando nos mais necessitados, devendo-se fazer-lhes o bem
"sem saber a quem", como nos ensina o Mestre divino em Lucas 16:9 e ss.
Um exame mais profundo nos sugere até um esboço de sermão, que um
bom pregador poderá melhorar.

1. Uma Nova Dialética para a Vida (11: 1-6)

1) lançar o pão sobre as águas é crer na providência.

Segundo um grande cristão alemão, por nome Delitzsch, lançar o pão


sobre as águas refere-se ao transporte de trigo em navios graneleiros, um
grande tráfico comercial nos antigos tempos; entretanto, deve também
Incluir outra atividade, muito parecida, qual seja a de dar o pão aos
famintos que nem conhecemos, na certeza de que o Deus da providência
saberá recompensar. Jesus nos ensina a dar a mão direita de modo que a
esquerda não o saiba; fazer o bem anonimamente. Os que acreditam que
Deus é Deus de toda a humanidade, e que todos têm direito ao pão,
embora a muitos faleça a capacidade de ganhá-lo, então o que tem pão
deve repartir com o que não tem. Isto é lançar o pão sobre as águas,
levando-o pelas correntes a lugares por nós desconhecidos, se bem que
Deus os conheça.

Um dia voltará à nossa mão. A experiência prova Justamente isso.


. Uma Nova Dialética para a Vida (11: 1-6)

2) Ensina Igualmente a doutrina da fé.

Fé nas coisas que se vêem não é fé. Fé no Invisível é o que Hebreus 11 nos
ensina. O homem que pratica a fé não come sozinho o seu pão ao lado do
faminto. Os evangélicos têm sido responsáveis por muitos sofrimentos,
que poderiam sanar. Por ignorância, má orientação ou egoísmo, não têm
aproveitado as suas oportunidades de fazer o bem. Está na memória
deste escritor uma luta acesa, em um estado da Federação, sobre se os
batistas deveriam ou não manter um orfanato. A duras penas, alguns têm
conseguido romper as barreiras opostas à prática da beneficência e
alcançado algum resultado, posto que mui pouco. Muitos dos mestres
batistas jamais leram este verso, esse imperativo de lançar o pão nas
águas. Por causa desta Infeliz miopia, os batistas não têm um hospital no
Brasil, não têm uma creche de sustentação geral, não têm nada. O povo
apodrece Junto de nós, e não temos meios de ajudá-lo. Agradecemos à
Providência o fato de já termos umas duas ou três Casas da Amizade, onde
se pratica algum bem aos menos favorecidos da sorte. Como Batistas
precisamos estar lembrados que um dia também seremos chamados à
prestação de contas sobre as Implicações sociais da fé cristã.
3) Não fales mal do rei.

Nós somos o povo da esperança e devemos saber que lançar o pão sobre
as águas é esperar que ele corra mares e rios e depois volte à nossa mesa.
É a doutrina da fé.

Não que devamos sempre esperar que Isso aconteça, pois então já não
seria fé, e, sim, negócio. Na prática do bem está a raiz da nossa fé, pois
cremos que, fazendo bem aos outros, Deus nos recompensará,
devolvendo em dobro o pouco que oferecemos. Esta vivência manda que
façamos o bem enquanto é tempo, sem perguntar o que vamos receber
em troca, embora fique subentendido que quem faz o bem recebe o bem,
assim como quem faz o mal recebe o mal.

Essa indiferença pela sorte do mundo sofredor é que tem desvirtuado até
a natureza da Igreja, onde os crentes vivem de um modo tal que a Igreja
não aparece. "O nosso Cristo é chamado o cabeça do universo (Col. 2:10),
assim como a cabeça do corpo da Igreja (Col. 1: 18; Ef. 1: 22). No entanto,
o mundo jamais será chamado o corpo de Cristo, o qual é a Igreja (E f. 1:
23; Col. 1: 24; I Cor. 12:17). Esta linguagem fala de uma relação definida e
diversa de todos os cristãos, que são membros do seu corpo, e essa
diferença não é espiritual nem eterna." (1)

Se a nossa simpatia pelo mundo fosse outra, a nossa Identificação com ele
por meio de nossas obras seria também diferente. Já está demonstrado
que a falta de simpatia pelos sofredores e pelo mundo nos tem
distanciado tanto do mesmo mundo que, quando levamos a mensagem da
esperança, nos sentimos deslocados e como que pertencentes a outra
ordem de coisas. Possivelmente o atraso no evangelismo seja uma
resultante de nossa Indiferença pelo mundo. Pregar aos famintos e não
lhes dar um pouco de pão é quase um escárnio.

Reparte com sete e ainda com oito... (v.2). É o mesmo que lançar o pão
sobre as águas, pois estes sete ou oito são apenas uma fração da multidão
de famintos e sofredores a quem temos o dever de assistir. Não está nos
planos deste escritor converter-se em vergasta de ninguém, e as suas
palavras são apenas um eco de suas muitas mensagens e sermões ao povo
cristão do Brasil, de que os aspectos teóricos da religião vivem longe das
realidades da vida. Jesus não nos enganou, quando cuidou tão
devotadamente dos sofredores, parece que até mais do que dos
incrédulos, que eram muitos nos seus dias. Infelizmente, este modelo não
pegou nas atividades dos evangélicos brasileiros. Reparte com sete e
ainda com oito, reparte com a humanidade ao teu alcance é a norma.
Felizmente que este escritor pode falar e escrever, mesmo que seja como
correr atrás do vento. Ainda quando seminarista, no Recife, meteu-se-lhe
na cabeça inventar um meio que tirasse os pregadores da miséria em que
viviam na doença e na velhice. Então velo à Junta de Beneficência. Como
pastor, à época desse manuscrito, a sua igreja gastava mais de um milhão
por mês em beneficência, não Incluindo o que dá às instituições
convencionais. Enfatiza, pois, a beneficência. O nosso louvor à Junta de
Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, pois desde os seus
primórdios aprendeu a praticar um evangelho INTEGRAL: Evangelização,
Educação e Beneficência.
4) Observe-se a natureza (vv. 3 e 4).

Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiros sobre a terra... (v. 3).


Para quem este aguaceiro? Para todos, bons e maus, como nos ensina
Jesus em Mateus 5:45. Deus se apresenta sempre como Deus da
humanidade. Até na terra deserta chove para que as bestas da terra
tenham capim para comer. A natureza é pródiga para com todos e tudo.
Nós, porém, nos trancamos em nosso egoísmo e em nossa gula, e
qualquer bem que poderíamos fazer não fazemos. As lutas das igrejas
com as suas finanças, o que são senão a avareza, a ganância dos seus
membros, que só pensam em si, sem se lembrarem dos pobres e
sofredores? Tudo jaz à base da falta de simpatia pelo próximo.

Os que observam o vento nunca semeiam, e o que olha para as nuvens


nunca sega (v. 4). Que é isto? Falta de confiança e também raiz da
sonegação da caridade. Joga tua semente na terra e confia naquele que
manda no vento e nas nuvens, e terás boa colheita. A natureza é pródiga,
liberal e a todos dá sem discriminações. Façamos da nossa religião algo
para valer aqui na terra e não apenas no céu; e o que vale na terra são as
criaturas, boas ou más, com as quais estamos ligados para o tempo e para
a eternidade. Quando Jesus mandou fazer amigos com as riquezas da
injustiça (Luc. 16: 9), ordenou fôssemos previdentes; e a previdência inclui
o cuidado para com todas as obrigações da vida, inclusive porque Ele
condenou o desleixo da vida, e este desleixo ou falta de cuidado inclui os
deveres para com o próximo.

(1) Hans Bürki, A Vida Cristã no Mundo Hoje, edição da JUERP, 1972 pp.
86-89.
5) Uma doutrina difícil (vv. 5 e 6).

O autor está lidando com fenômenos que escapam à nossa Inteligência e


observação. Quem sabe o caminho do vento? Jesus mesmo advertiu
Nicodemos afirmando que o vento sopra e não sabemos de onde vem
nem para onde vai (João 3:8); no entanto, faz a sua ronda pela terra de
acordo com as determinações do seu Autor. É o mesmo que dizer que
muitas coisas que constituem o cerne da vida escapam à nossa direção, e
nem por isso deixam de cumprir a sua missão. De acordo com essa
diretriz, não vamos alterar a ordem dos fatos que não controlamos, mas
continuemos a rodar o filme da vida como se tudo estivesse debaixo de
nosso controle. Igualmente, não sabemos como se formam os ossos (da
criança) no ventre materno; todavia, isso em nada influi no nascimento de
crianças, pois tudo está dentro do cronograma divino, em que nada falha.
Parece-nos que o autor está dando, ou pretendendo dar, lições aos que
desejam governar os tempos e as estações e calcular o que vai acontecer
com o seu dinheiro, com as coisas que estão nas suas mãos, esquecendo-
se que tudo é obra de Deus, que faz todas as coisas. É maravilhoso notar a
ordem da criação: as flores, os passarinhos chilreando, os pombinhos
esvoaçando, as minhocas se enroscando debaixo das pedras, cada qual
cumprindo a sua tarefa. Parece que os seres humanos são rebeldes à
natureza, e nem recordam que Deus faz todas as coisas. Um pouco de fé
não faria mal a ninguém. Portanto, conclui o Pregador: Semeia a tua
semente pela manhã, e à tarde nine repouses a tua mão, porque não
sabes qual prosperará, se esta, se aquela (v. 6). Se isto não é uma lição de
confiança na providência divina, então não sabemos mais nada. Noutro
lugar discutimos os males da ganância humana: a usura, o egoísmo, e aqui
temos como o corolário. Lições de confiança em Deus, que tudo governa,
tudo administra e com tal precisão, que a nossa terra, que dá uma volta
sobre si mesma em 24 horas, nunca se atrasou um minuto. Prontamente
está, pela manhã, no mesmo ponto do espaço. Quem lhe deu corda para
andar sempre sem parar? Quem fez este mecanismo de tão perfeita
execução? Oh! meus leitores! Se vocês comparassem coisas com coisas,
iriam ver que somos os maus da terra e do mundo, aos quais, nada
obstante, Deus deu tanto saber, tanta felicidade e meios para gozá-la.

2. Para Recordar (11: 7 e 8)

O inteligente reconhecimento de um futuro Incerto torna o presente mais


importante ainda. Este é o único tempo à nossa disposição, pois o
amanhã está nas mãos de Deus; não sabemos o que nos trará. "E sobre
hoje cai o assento da eternidade" (Hein). Cristo mesmo nos aconselha a
não nos preocuparmos com o dia de amanhã, porque a cada dia basta o
seu mal (Mat. 6:34). Não se tomem essas palavras como lição de desprezo
pelo futuro, pois todos nos encaminhamos para ele (se não morremos
agora), porquanto nos ensina também que o futuro pertence a Deus, e
quem cuida decentemente do presente está considerando o futuro, pois
Deus é o Senhor de ambos. Os cuidados demasiados com o presente
arruinam também o futuro, porque nos tornamos egoístas e gananciosos.
Os que desleixam o presente também destroem o futuro. O dito grego -
"Colhe as flores enquanto podes" - contém uma verdade que vale, pois
nos leva a considerar o presente olhando o futuro. Paulo. nos aconselha a
remir o tempo porque os dias são maus (Ef. 5:16). É o mesmo que servir
no seu tempo ao Senhor (Rom. 12: 11). Estamos, pois, face a face com o
tempo, quer seja o de agora, quer seja o do futuro; todavia, é o de hoje
que nos interessa mais, o tempo de semear, desde a manhã até a tarde.
Uma lição de confiança nos leva a sermos liberais e cuidarmos dos pobres,
dos aflitos, dos infelizes. Parece ser isso o que está sendo ensinado nesses
versos admiráveis. Nos dias de Salomão a riqueza era qualquer coisa que
escapa à nossa imaginação pois a prata não tinha cotação face à
abundância do ouro (I Reis 10: 21; II Crôn. 9: 20). Todavia, ou Salomão, ou
outro em seu lugar, sentiu que havia muita gente sem teto ou comida, e
pela providência divina, ficou-nos esse relato filosófico-assistencial, que é
uma das maiores relíquias da antigüidade. Em literatura alguma se
encontra uma tal disposição de colocar o tempo a serviço dos outros, ao
mesmo tempo que cuidamos do nosso.

3. Um Conselho à Juventude (11:9 e 10)


Salomão foi moço. Se foi ele que escreveu este livro ou parte dele,
lembrou-se do seu tempo, talvez meio desperdiçado. Pouco sabemos da
sua criação, da sua juventude. Os relatos de I Reis nada nos contam da
mocidade de Salomão, a não ser que, sendo Davi já velho, Natã e Bate-
Seba cuidaram de passar õ trono ao moço (I Reis 1: 11). Nada sabemos da
juventude desse jovem rei. I Crônicas é mais específico e nos Informa um
pouco da maneira como Salomão atingiu o poder (I Crôn. 22:6-13). Tanto
num relato como no outro, nada se diz da sua mocidade. Em família onde
havia filhos de diversas mulheres, nenhum poderia ser bem cuidado,
porque seria uma família desordenada. Portanto, quanto à mocidade de
Salomão, estamos in albis. Todavia, sabemos muito das suas atividades
depois de rei, o primeiro grande rei de Israel, se levarmos em conta a
influência e o prestígio Internacionais. De qualquer modo, este livro, que
respira ao fôlego de Salomão, nos dá muitas lições para a mocidade. E
como uma resposta aos que julgam Eclesiastes uma ode ao pessimismo,
ao bom viver, enquanto a vida durar. Nada de preocupações com a
velhice ou com a vida futura, para a qual não havia salda, depois de
fechada a porta desta.

3. Um Conselho à Juventude (11:9 e 10)

1) O conselho sadio (vv. 9 e 10).

Regozija-te. É um corolário dado por Eclesiastes à doutrina do tempo.


Agora é o teu tempo, diria noutras palavras, porque vem o tempo quando
dirás: "Passou o meu tempo." O tempo dos jovens em nada Interfere cora
o tempo dos idosos; cada qual tem o seu tempo, e se os anciãos deixaram
passar o seu tempo e agora não o terão mais, quem será culpado? Por
isso o moço é aconselhado a alegrar-se na sua juventude (v. 9). Não é,
entretanto, uma tentativa de levar além dos limites a juventude, como
querem certos velhotes, ao se fazerem passar por moços. As bênçãos da
juventude sadia, equilibrada, são uma bênção dada pelo Criador, quando
a vida tem mais encantos e mais sorrisos, quando o nosso sistema celular
funciona com vigor. Depois passou. Uma compreensão dos valores da
mocidade é necessária e um sadio comportamento, a um equilibrado
modus vivendi. Não acreditamos nessas extravagâncias de muitos moços
que, por causa da sua mocidade, se vestem extravagantemente, como os
hippies, ou se portam loucamente, como os tolos. Equilíbrio e boa saúde
é o que se preconiza na mocidade. Recreie-se o teu coração... e anda pela
vista dos teus olhos, mas... Este terrível MAS é como o freio posto na boca
do cavalo, para não ir para onde o capim está mais verde, porque pode ser
capim do vizinho. O moço deve alegrar-se, mas ter cuidado; e em nenhum
estágio da vicia se requer maior cautela do que na mocidade, pois os
impulsos, os apetites carnais e sexuais são como demônios desenfreados,
que podem arrastar o jovem por caminhos que lhe arruinam a vida.
Nunca a mocidade esteve tão mal orientada por idéias liberais ou
libertinas como atualmente. O desenvolvimento de doenças venéreas nos
Estados Unidos é qualquer coisa que está assombrando, as autoridades, e
já se prevê que, em pouco tempo, se igualarão às da Suécia e da Noruega,
os países onde é mais devastadora esta doença social. É o resultado do
desenfreamento da mocidade, o tal "amor livre", que está arruinando a
juventude e a família. Em cada cinco moças não se encontra uma virgem;
e, perguntando-se a 10 jovens o que pensavam da virgindade como pré-
requisito para o casamento, deram os ombros, como se fosse exigência do
passado. Os resultados dessa liberalidade social aí estão para todos
verem. Sempre houve doenças sociais, mas nunca nessa escala moderna,
por causa dessa liberdade sem limites em que a mocidade se encontra. O
alegrar-se o moço e andar pela vista dos seus olhos é normal. MAS... Para
não sobrecarregar estas notas, deixamos de incluir aqui algumas
estatísticas aterradoras, parte do trivial da vida social moderna. Para um
moço ser alegre e feliz não precisa resvalar-se para a vala da libertinagem,
pois os seus recursos de jovem também se gastam e, quando mais tarde
precisar deles, não os terá mais. Moço, alegra-te na tua juventude e
recreie-se o teu coração, MAS... sabe que de tudo vais dar contas a Deus.

Sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te pedirá contas (v. 9). Aqui
está, seu moço, sua moça, a existência de um MAS... Não é apenas gozar a
vida sem freios para a juventude. Deus vai pedir contas do modo como os
olhos se alegram e de como o coração se regozija. Nada ficará por julgar.
Isto, entretanto, é o que a mocidade menos conhece. Julgam os moços
que o tempo e os gozos são privilégios seus. são, MAS... todos devem ser
controlados. Quantos velhotes estão agora correndo para consultórios
especializados, em busca daquilo que botaram fora nos dias da mocidade!
A gerontologia está fazendo estudos acurados para devolver aos velhos
um pouco do que tinham na mocidade e lhes falta agora; isso, porém,
parece miragem. Basta que se saiba dos desgastes da Idade, que vai
arrastando na sua corrida os vigores da juventude, os quais não voltam
mais, nem à custa de pílulas nem de injeções. O que passou, passou.
Entretanto, o que deve ser um peso tremendo é o moço verificar que
prematuramente se desgastou e nada reservou para os dias futuros. É a
visitação de Deus. Não se vá pensar que este SABE, PORÉM, QUE TODAS
ESTAS COISAS... se referem ao juízo final. Em parte, sim, mas só em parte,
porque as contas nós as prestamos aqui mesmo, cada dia. É a visita de
Deus à mocidade: "Todos os caminhos do homem são limpos aos seus
olhos, mas o Senhor pesa os espíritos" (Prov. 16:2). Aqui está a receita.
Quem quiser tomar o remédio, tome; quem não quiser, agüente as
conseqüências.

Convém recordar que os prazeres concedidos à juventude não são


pessoais ou para uso exclusivo da pessoa. Eles têm relações profundas
com o bem-estar da raça, a que todos nós pertencemos. Portanto, será
sempre recomendável recordar o que há de bom para interessa r a todos.
Nada de egoísmo, dá personalismo, pois isso ofende a Deus, que trata a
todos como membros de uma família e dá os bens para gozo particular,
sim, mas visando o bem de todos. Os que abusam dos prazeres terminam
amargurados da vida, e quantas vezes amaldiçoando os mesmos prazeres,
pelo abuso que deles fizeram. Usar, sim; abusar, não. São uma espécie de
mordomia concedida pelo bondoso Criador, e não temos o direito de
esbanjar esses dons de nossa natureza física, que constituem nossa alegria
e felicidade, quando bem usados. Essa orgia do sexo, fruto de uma
sociedade desvirtuada dos seus fins, desnaturada, conduzida por forças
diabólicas, é a praga do século, a vergonha dos mais puros, o escuro
manto com que se cobrem os que só vivem para os prazeres carnais,
despudorados, tipos degradados de bem estar social e familiar. Os países
que dão guarida a tais orgias, como a luterana Dinamarca, deveriam ser
escorraçados do convívio das nações, por permitirem a corrupção do que
de mais puro e natural Deus colocou na natureza humana. "SABE, PORÉM,
que Deus te pedirá contas um dia. A velha Roma se degradou, e morreu.

2) Nada de tristezas (v. 10).

Tanto a tristeza como a raiva produzem um efeito deletério na vida da


pessoa. São como a ferrugem, que vai corroendo aos poucos até devorar
o metal. Por isso o Pregador aconselha o moço a ser alegre a jovial.
Dizem os fisiologistas que a alegria faz o sangue correr mais célere, nas
veias, irrigando o coração, ao passo que a tristeza encolhe as mesmas
veias e dificulta a corrida do sangue para o seu centro de distribuição.
Seja por isso ou por outras razões, Eclesiastes, depois de recomendar ao
moço que se alegre, pede agora que afaste de si as tristezas.
Naturalmente os dois versos se completam e trazem uma admoestação
que não deve ser perdida de vista: A JUVENTUDE E A PRIMAVERA SÃO
VAIDADE. Ele não quer ensinar que não têm valor, e, sim, que passam
como fatos vãos da vida. Quem não sabe que estragos fazem os anos na
pessoa? Na juventude, um moço ou uma jovem, cheios de vida, alegres,
como é natural; depois dos TRINTA, porém, começam a descida da escada
da vida, e lá se vai nos seus degraus aquele viço, aquela exuberância,
aquele vigor, até que, se chegar ao limite da idade SETENTA ANOS (Sal.
90:10), verá as pelancas cobrirem os ossos. Onde está a fertilidade de
outrora? Passou como se vai a primavera, para depois vir o verão seco e
finalmente o inverno da vida. Sabendo disso é que muitos jovens se
enganam; certos de que a juventude vai passar, entregam-se a todos os
divertimentos, gastando noites nas ruas, roubando o sono necessário ao
refazimento das células cerebrais, envelhecendo precocemente. A lei,
pois, é: afastar as tristezas, alegrar-se, MAS ter cuidado porque Isso
também passa como a vaidade, que nada é.

4. A Velhice Vem - Lembra-te... (12:1-8)


Esse imperativo é uma reviravolta contra tudo que o Pregador disse em
11: 9 e 10. Enquanto lá concita o jovem a alegrar-se em todas as coisas da
vida, aqui convida-o a parar a fim de se lembrar. É uma chamada à luta, ao
conflito de interesses. Como quem diz: Alegra-te, mas olha lá, o fim é
duvidoso. De um lado, alarga os horizontes; do outro, os estreita. Em
uma palavra, é difícil traçar a conduta humana em termos geométricos,
em fórmulas dogmáticas. É necessário muito discernimento, muito
raciocínio, para se tirar uma conclusão normal e obter um resultado
natural. Se estas considerações tivessem sido objeto de observação e
critério, de discernimento da parte de muitos, bastante infelicidade teria
sido evitada. O jovem desnorteado, fascinado, embriagado pelo prazer,
não discerne bem até onde ir e terminar este prazer. Então, o desastre.
Todavia, fica a advertência: LEMBRA-TE... O Eclesiastes não é um livro de
reza mortuária, Memento homo; é um caderno de notas de conduta, não
para os que já morreram, mas para os que vão morrer. Nesse caso, vale o
Memento homo. Isto porque os valores da vida são passageiros e fictícios.
Não há nada permanente.

4. A Velhice Vem - Lembra-te... (12:1-8)

1) Antes que venham os dias maus (v. 1).

Depois dos gozos fáceis, dos desperdícios da juventude, naturalmente


vêm dias de tédio, quando o passado é recordado apenas para causar
tristeza. Por Isso é bom lembrar que tudo passa nesta vida. Entretanto, a
velhice será feliz, se a vida foi em companhia do Criador, em obediência à
sua vontade.

2) Antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da tua


vida (v. 2).

Os astros aí mencionados são sinônimos de alegria. Representam os dias


venturosos da mocidade, que passa. Então o sol, a luz e as estrelas
empalidecem, e a decrepitude chega. Por Isso é bom lembrar estas coisas
a tempo.

2) Antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da tua


vida (v. 2).

Os astros aí mencionados são sinônimos de alegria. Representam os dias


venturosos da mocidade, que passa. Então o sol, a luz e as estrelas
empalidecem, e a decrepitude chega. Por Isso é bom lembrar estas coisas
a tempo.
3) Antes que tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro (v. 2).

As chuvas prenunciam temporal, estas tempestades da vida que assolam


multa gente desavisada, que pensou, todos os dias fossem de sol, lua e
estrelas.

4) Antes do dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços (v.


3).

Os braços são aqui representados como os guardas da vida, isto é, da casa,


esses braços vigorosos, que defendem qualquer corpo contra as agressões
de fora. Há tempo em que os braços ficam fracos e o corpo fica sem
defesa.
4. A Velhice Vem - Lembra-te... (12:1-8)

5) Antes de se curvarem os homens outrora fortes, as tuas pernas (v. 3).

As pernas são consideradas os homens fortes de outrora, transportando o


corpo para as festas, para os bailes, para os cabarés, para os prazeres,
enfim. Bom é lembrar que estes homens fortes um dia enfraquecem e o
corpo que carregavam começa a Inclinar-se para a frente, a cabeça
vergando-se ao peso dos anos. Então se diz: "Lá vai um velho", que já foi
moço, mas quem sabe por que caminhos terá andado? Os homens fortes
fracassaram e agora nada mais os pode reabilitar. Os tendões das pernas
ficaram flácidos, os músculos perderam o seu vigor, bem assim aquela
agilidade, tão própria de moços e moças, alguns dançando noites Inteiras.
Agora nada mais representam daquela força de outrora.

6) Antes de cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos (v.


3).
Os dentes são considerados os moedores da boca, os quais vão caindo um
a um, ficando uns quantos fracos para mastigar os alimentos. Nos dias do
Pregador não havia dentistas nem protéticos para cuidarem da boca, e o
que acontecia bem conhecemos: uma pessoa com falta de dentes, e os
outros enfraquecidos, afeando uma boca, que outrora teria sido uma
atração da mocidade, uma boca para ser beijada. Agora? Quem diria?
Haverá coisa mais decadente do que um desdentado? Isso é bom para ser
lembrado, quando os nossos moedores estão fortes e sadios, quando
devemos ter o cuidado de os trazer limpos e higiênicos.

4. A Velhice Vem - Lembra-te... (12:1-8)

7) Antes de se escureceram os teus olhos (v. 3),

Com os quais te deslumbravas, tanto a ti mesmo como aos outros. Depois


começaram a fraquejar, e, mesmo que haja pessoas de vista fraca na
mocidade, não há dúvidas de que os anos concorrem para o
enfraquecimento da vista. Então é bom LEMBRAR. "O desengano da vista
é furar os olhos", diz o adágio; nesse caso, porém, não é preciso chegar a
tanto, para termos o desengano da vida mal vivida. Nessa altura, não há
mais encantos para os órgãos do corpo, postos ali pelo Criador para
servirem de instrumentos. É bom lembrar também que nem todos os
velhos estão Incursos nestes LEMBRA-TE, pois muitos gastaram a vida em
obras boas, em serviços ao próximo. Para tais, os olhos não perdem o
vigor, mesmo que vejam menos agora, pois as visões de uma vida de
serviço no passado compensam a falta atual. Cremos que o Pregador se
está, dirigindo aos moços estróinas, os que gastaram as forças nas farras,
e por isso ficam mais cedo arruinados. Para os tais é bom LEMBRAR.

Recordaríamos aqui uma jovem inglesa por nome Helen Keller, cega de
nascença, surdo-muda, que se valia de uma companheira para andar pelo
mundo, ensinando aos que viam e ouviam e falavam. Foi um exemplo e
modelo do quanto vale uma vida posta ao serviço de Deus. Aqui no Rio
ela atraiu multidões para ouví-Ia falar, por meio de toques nos lábios da
sua companheira. Grande maravilha do quanto pode a vida ao serviço do
próximo.

8) Antes de se fecharem as janelas (v. 3),

positivamente os nossos ouvidos, quando não mais podemos distinguir os


sons e, nem mesmo com ajuda de aparelhos auditivos, voltar a ser as
mesmas pessoas que fomos antes. Isto tudo, em geral, significa
decadência da vida, quando se perde o gosto de muita coisa, quando o
que antes nos seduzia agora não atrai. Mesmo que as doenças dos
ouvidos não sejam propriamente uma conseqüência dos desvarios da
mocidade, são um sintoma, em geral, da velhice, conquanto haja moços
com deficiência de audição. Muito da vida desaparece. Nem a voz das
aves, nem as harmonias, filhas da música, podem ouvir. Coisas da
velhice...

9) Antes de se fecharem os teus lábios, como portas das ruas (v. 4),

ao ponto de não poderes falar em alta voz como as aves. Então falta
aquele vigor de outros tempos, quando gritávamos ou cantávamos e
fazíamos as vozes dos outros se apagarem. Quem hoje houve um disco de
Caruso ou de outros grandes cantores, e não diz: "Foi uma grande voz!"
Foi, e não é mais. Os grandes sopranos, os baixos das famosas óperas,
todos passam com o tempo, esse tempo que tudo vai levando de roldão,
como uma avalancha, sem nada poupar no seu caminho. Quando chega
esse tempo, a vida já perdeu quase todo o seu encanto.
10) Antes de todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem (v. 4).

Quando os grandes concertos não mais nos atraem, quando as famosas


vozes se calam para nós, quando os anúncios dos jornais, proclamando a
chegada do grande conjunto americano, francês ou russo, será para nós
algo sem sentido. Antes disso tudo... O QUÊ? Pensam alguns que o texto
deste verso tenha sido alterado do original, que deveria dizer: a voz dos
velhos se parece com o gorjear das aves, um murmúrio sem sentido. Não
acreditamos muito nestas alterações textuais; todavia, não seria de todo
Impossível. O velho tem a voz fraca como um sussurro, quando, talvez, na
mocidade fora um VOZEIRÃO.

11) Antes também de temeres o que é alto (v. 5).

Este verso dá-nos um quadro real da vida. Os velhos não têm coragem de
subir um monte, ou por causa do coração ou por fraqueza das pernas. Os
alpinistas são um desafio aos velhos admiradores da sua coragem. É a
mocidade que sobe, não é só o arrojo. É uma demonstração de coragem e
de força. Essa gente, que tenta escalar o Himalaia, os Pirineus, e até o
nosso Pão de Açúcar 4 corajosa, é moça; e, se não fosse, não haveria
coragem que ajudasse. Antes que chegue esse tempo, LEMBRA-TE!

12) Antes que te espantes do caminho (v. 5).

As caminhadas dos corredores ou não, pois para o jovem andar e correr é


natural. Um velho, que faz? Invejar os moços? Ele já foi moço também.
Quando vemos os soldados recrutas fazerem suas longas caminhadas,
madrugada a dentro, cresce água em nossa boca, e exclamamos: Ah!
como eu gostaria de fazer uma caminhada assim! Esse tempo, para nós, é
passado.
13) Antes que te embranqueças como quando floresce a amendoeira (v.
5).

As cãs são um produto da idade, e quando a cabeça começa a


embranquecer, pode-se usar de tinturas para desfazer a impressão, mas a
realidade interna fica. A amendoeira na primavera é um encanto, como o
são outras árvores, especialmente em climas tropicais. Era Isso que o
autor estaria acostumado a ver, e então compara a cabeça branca de uns
com as flores da amendoeira. Esta floresce na primavera, e o gafanhoto
se multiplica antes do verão seco, sinais de que aquela chegou e esse
passou. São os contrastes da vida. O jovem é como a primavera em flor;
tudo nele é alegria e beleza: caem as flores e chega o outono da vida,
quando não há mais alegria para os prazeres da mocidade.

14) Antes de te perecer o apetite (v. 5).


Os velhos podem ter bom apetite, mas são proibidos de comer muito.
Não podem Jantar, nem, dar-se aos prazeres da mesa. É a juventude que
passou, e, antes que se vá, é bom LEMBRAR... Quando Isso acontece,
estamos perto de ir à casa eterna, e os pranteadores rondam a nossa
porta. As carpideiras, os pranteadores eram pessoas assalariadas para
chorar o morto. Era um ofício como qualquer outro, e, como as corujas,
quando sonhavam haver um morto ou perto disso, se achegavam à casa a
fim de serem assalariadas para chorar.

15) Antes que se rompa o fio de prata e se despedace o copo de ouro (v.
6).

O copo era símbolo da pessoa que bebia e continha também o óleo da


candeia. O Faraó do Egito tinha o seu copo de ouro, como José também
tinha o seu, porém de Prata (Gên. 44:2). Copos assim eram privilégios dos
ricos, porque os personagens médios bebiam em copos comuns. Quando
o copo se quebra, perto está o dono de Ir à casa eterna. Antes disso é
bom LEMBRAR.
16) Antes que o cântaro se quebre junto à fonte e se despedace a

roda junto ao poço (v. 6).

Os hebreus não tinham água encanada em casa como atualmente nas


cidades. Havia o chafariz ou a fonte, onde iam as mulheres buscar água.
Quem visitar a Jericó moderna verá um grupo de mulheres com os
cântaros à cabeça, em demanda da fonte de Eliseu, aquela cujas águas ele
curou (II Reis 2:19-22). A quebra do cântaro junto à fonte significa a
queda da pessoa. Acontecendo isso, quebra-se a roda junto ao poço,
outra figura da vida que passou. Antes que isso aconteça é bom
LEMBRAR. Grandes símbolos da vida hebréia, e também nossa, em outros
termos. A conclusão é que tudo passa, e nós já estamos bem Informados
disso; portanto, não adianta cosméticos, mezinhas ou o que seja, para
deter a marcha inexorável da vida para o seu fim. Antes disso, porém, é o
jovem advertido: LEMBRA-TE do teu Criador (12: 1). O leitor contará os
ANTES e verá que todos são reais e efetivos. Pena que tantos se
esquecem desses fatos e levam a vida como se fosse propriedade sua,
jamais sujeita a se converter em herança.
17) Antes que o pó volte à terra (v.7).

De tudo quanto foi dito, é bom lembrar de um fato, a que ninguém foge:
Entregar o espírito a Deus, que o deu. E o pó volte à terra e o espírito
volte a Deus, que o deu (v. 7).

Esta criatura redime o autor de Eclesiastes de todas as supostas omissões


quanto ao destino das almas. Os versos do capítulo 3:16-21 e 9: 1-3 estão
perfeitamente esclarecidos. O espírito de Deus nos é dado juntamente
com o corpo, e quando este vai ao pó, de onde veio, ele volta ao lugar de
onde procedeu - Deus. Cada coisa no seu lugar. A doutrina ou ensino da
Imortalidade da alma humana, além de ser uma flagrante heresia bíblica é
uma impossibilidade juridico-divina. A doutrina da imortalidade é um fato
e uma necessidade para que a vida continue. Voltamos a repetir que o
jovem não conserva para sempre a sua juventude; esta passa como as
flores da amendoeira; igualmente a vida, como tudo na terra, perece. Só
o espírito, dado por Deus, volta à sua origem. Foi por isso que Moisés
insistiu em declarar que o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, e esta semelhança não é corpórea, porque Deus é espírito (João
4:24). Sugere o autor dum artigo sobre Eclesiastes, G.S. Hendry, (1) que
esta declaração de 12:7 não é conclusiva da doutrina enunciada em 3:16-
21, Isto é, no que tange à imortalidade da alma humana. A nosso ver, se
este verso não é conclusivo, então não há nada a se concluir no mundo
dos homens. Se o enunciado - o espírito voltar para Deus que o deu - não
ensina a Imortalidade da alma humana, francamente, não entendemos
mais nada. Então por que o autor não disse apenas: E o corpo volte à
terra como era? Qual a razão de adicionar uma cláusula diferente quanto
ao espírito como está no texto? Afinal, já o vulgo diz: "Se todos
pensassem do mesmo modo, este mundo não virava."

(1) G. S. Hendry, artigo sobre Eclesiastes, no Novo Comentário da Bíblia,


p.667.

Alguns comentadores entendem, da leitura do verso 6 do capítulo 12, que


o rompimento do fio de prata e o despedaçar do copo de ouro, mais a
quebra do cântaro junto à fonte e o destroço da roda junto ao poço, sejam
uma prova da destruição da pessoa - alma e corpo; nada sobra deste
aniquilamento.

Que esta doutrina representa o fim da vida, não temos dúvida, e é o que
espera todo mortal neste mundo. Todavia, levantamos uma exceção
quanto ao espírito, que o escritor sagrado declaradamente diz ser o sopro
de Deus, o fôlego de vida (Gên. 2: 7). Pensa o autor do artigo em o Novo
Comentário da Bíblia que o Eclesiastes, avançando um tanto além da
posição assumida em 3:21... suas palavras aqui, apesar de sugestivas, não
são de tal ordem que formem o fundamento de uma esperança de
imortalidade. (1)

(1) G. S. Hendry, artigo sobre Eclesiastes, no Novo Comentário da Bíblia, p.


666.

Se tivéssemos de admitir que estes vocábulos não acrescentam coisa


alguma a 3:21, teríamos de confessar que as palavras perderam o sentido.
Quando o escritor sagrado diz que O Pó VOLTE À TERRA COMO ERA E O
ESPIRITO VOLTE A DEUS, QUE O DEU, concluiu tudo. Não há necessidade
de mais argumentos. Se o espírito volta para Deus, como é que vai ser
destruído junto com o corpo?
Esta seção do nosso livro termina com o refrão, já referido tantas vezes:
Vaidade de vaidades, diz o Pregador, tudo é vaidade (v. 8). Num sentido
relativo, podemos aceitar a fórmula admitindo que, em verdade, tudo na
vida termina no pó, e que as vaidades da mocidade, como as da velhice,
todas findam no mesmo ponto. Parece que é assim que se deve entender
esta clássica frase, como a outra sua igual, "como correr atrás do vento".
Nesta vida, tudo se reduz a nada, para nós que vamos para ó outro lado,
de onde não se volta, deixando aqui para os outros as nossas conquistas.
Um grande comentador alemão, por sinal um cristão ortodoxo, disse: "O
autor fez todas as coisas terrenas ficarem pequenas, e finalmente
permanece sentado nesse montão de poeira de vanitas vanitatum". Tudo
termina mesmo num montão de poeira, menos o nosso espírito, que se
volta às alturas, à presença de Deus, onde presta contas dos dias que
viveu aqui (11: 9). (1)

Terminando esta seção tão admirável e tão controvertida, temos a


consciência de haver cumprido a nossa missão, tentando esclarecer
pontos difíceis e controvertidos, especialmente no que se relaciona com a
sobrevivência da alma, fato para nós cristãos fundamental. Sem esta
conclusão, valeria a pena aceitarmos o dito de Paulo, parafraseando os
gregos: "Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos" (I Cor.
15:32).

(1) Delitzsch, sobre Eclesiaste, Edinburg, 1885.


FINIS (12:9-14)

Estes versos parecem um pos-scriptum, uma desculpa pelo que ficou dito
nos doze capítulos anteriores. Uma espécie de recomendação, como
sugere Plumptre, uma tentativa de fazer creditar tudo que disse antes.
Pensam alguns que esta parte do final nem pertence ao autor do livro,
pois passa a falar na terceira pessoa do singular, e não na primeira, como
vinha fazendo. Isso, entretanto, admitidas as liberdades dos escritores
antigos, quando não haviam direitos autorais nem "plágios", nem essas
novidades dos nossos dias, não parece admitir um outro autor. O
Qoheleth, O Pregador, é, sem dúvida, um pseudônimo para disfarçar o
autor. Tendo lidado com problemas talvez discutíveis no seu dia, pois
ainda são discutíveis hoje, desejou talvez dar ao trabalho uma explicação.
Os críticos dizem que não há alteração no vocabulário nem no estilo do
Epílogo, que em tudo se assemelha ao corpo da doutrina. Para nós hoje
seria difícil admitir que um homem se vista da roupagem de Salomão e
escreva um livro como se fosse ele mesmo. Isso, entretanto, não seria
nada demais nos tempos antigos, como ficou dito. Na Introdução tivemos
de examinar a questão do autor, e vimos que o fato de este afirmar: "Eu, o
Pregador, venho sendo (ou fui) rei em Jerusalém" (1: 12), não basta para
creditar a Salomão a autoria deste livro; mas a obra pode ter sido escrita
por alguém que usou o seu nome, coisa natural naqueles tempos. Para
nós não é crucial sabermos quem escreveu ou não escreveu. Tampouco
temos ciência de quem escreveu os livros dos Reis e de Crônicas, Esdras e
Neemias e Ester, e tantos outros do Cânone sagrado, livros que merecem
toda a nossa devoção. Se alguém contestar os versos 13 e 14, faça-o; eles
são uma reafirmativa de tudo que foi dito no corpo do livro, talvez em
outros termos. Que o livro é contencioso e levanta muitos problemas, não
temos dúvida; todavia, estamos a milênios distantes da época em que foi
escrito, e não temos o direito de pretender explicar tudo. Hoje muita
coisa se diz e faz de modo diferente dos dias de Salomão ou de Davi.

A TEORIA E A PRÁTICA

1. O Pregador, Além de Sábio, Ainda Ensinou ao Povo o Conhecimento...


(v. 9).

Estas palavras alguém colocou na boca de Salomão e as fez dele. Sabemos


que foi o mais sábio de todos os tempos, escreveu muitos provérbios, mas
não temos segurança em crer que ele tenha escrito estas palavras.
Admitamos que fosse um dos seus amanuenses. Paulo, segundo alguns,
só escreveu uma carta, das 13 que lhe são atribuídas: a de Gálatas. Para
as outras tinha os seus amanuenses, que escreviam o que ele ditava. No
caso de Salomão não se daria isso, mas o amanuense escrevia por sua
conta e risco o que sabia ser o pensamento do grande mestre. Sabemos
que Salomão escreveu muito sobre botânica, zoologia e outras ciências,
ou talvez nem escrevesse, mas ditasse. Poderia isso acontecer com
Eclesiastes, sendo mais provável quando consideramos que o autor se
chama de PREGADOR, o Qoheleth, um pseudônimo muito acertado para a
entrega de uma mensagem como a que temos no livro.
2. Procurou o Qoheleth Achar Palavras Agradáveis e Escrever com Retidão
(v. 11).

É uma boa recomendação da obra, talvez para desculpar as coisas que não
seriam muito agradáveis ao leitor. Todavia, eram palavras de verdade.
Nem sempre as palavras agradam, porém, se são verdadeiras, devem ser
aceitas. É o caso de Eclesiastes, pois as palavras dos sábios são como
aguilhões e como pregos bem fixados às sentenças coligidas, dadas pelo
único Pastor (v. 11). Quem seria este único Pastor? Só pode ser DEUS
MESMO o autor da obra, que, por esta via, traz o selo da autoridade
divina. Temos então que as palavras dos sábios, ditadas pelo único Pastor,
são verdade, mesmo sendo como pregos, os pregos com que se fixam as
traves das tendas. Se o leitor encontrar dúvidas nas doutrinas expressas,
fique tranqüilo e aceite tudo como vindo do Pastor. Estas afirmações
desfazem qualquer dúvida quanto aos conceitos emitidos, pois elas têm
por fim fixar bem o doutrinamento. Poucos livros do Velho Testamento
trazem o selo da autoria divina como este, em que as sentenças são bem
coligidas, dadas pelo único Pastor. Parece que o autor deseja convencer o
leitor de que o ensino dos mestres pode ser questionado, mas é deles que
vem a estabilidade da vida, e que seria esta sem os mestres?
Depois desta advertência vem outra: Demais, filho meu, atenta: não há
limites para fazer livros, mas o muito estudar é enfado da carne (v. 12), se
bem que seja uma necessidade para a vida (9: 17), pois sem ele os tolos
governariam o mundo, não obstante as limitações da capacidade humana,
que o autor bem revela em 8:17 e ss. Quanto devemos aos homens
inteligentes, desde os imemoriais tempos dos gregos, de Moisés e tantos
outros, que, nos alvores da civilização humana, se dedicaram a escrever
até nas pedras, para seus ensinos serem eternos, como se acredita que fez
Cambises, rei da Pérsia!

3. O Dever de Todo Homem (vv. 13 e 14)

O dever do homem, debaixo do sol, está contido nestes dois versos nobres
e elevados. Já não se trata de especulações platônicas ou o que seja, e,
sim, de lançar uma categoria de vida sem reservas e restrições, TODO
HOMEM fica obrigado a cumprir estas determinações.

Levar em conta tudo que se tem ouvido (e dito), possivelmente neste


mesmo livro, pois tudo velo do único Pastor. Aceitar estas conclusões
deve ser um regulem para toda especulação filosófica e literária.
3. O Dever de Todo Homem (vv. 13 e 14)

1) Temer a Deus (v. 13).

O temor de Deus ou a Deus, já foi dito e repetido, tirado mesmo de outras


escrituras, é o princípio de toda sabedoria. Vale dizer que sabedoria sem
temor de Deus é profanação, é incredulidade, e a ciência como a filosofia
são filhas da Inteligência criada por Deus. Logo, a base de todo raciocínio
científico deve ser o Temor a Deus. Não é sem motivo, como ficou
declarado nestas páginas, que todos os grandes inventos humanos foram
produto de mentes cristãs ou religiosas.
2) Guardar os seus mandamentos (v. 13).

Os mandamentos de Deus, além do Decálogo, encontram-se expostos


admiravelmente no Salmo 119. Guardar ou praticar estes mandamentos é
sinônimo de lealdade a Deus e ao seu governo. Todas as normas da vida,
toda moral, toda religião, compreendem os mandamentos de Deus e são o
imperativo categórico da vida humana.

Os homens e os povos que se conduzem segundo esta norma sempre são


os mais felizes, porque na comunhão com Deus e na natural observância
das suas leis estão o supra-sumo do saber e da segurança da vida.

4. O Supremo Bem (vv. 12 e 14).


Eis o dever total do homem, como um comentador expõe. "Não há nada
no homem que possa ficar fora deste conceito, e não há homem algum
que possa eximir-se desta obrigação." Isso não é tanto opinião de
escritores, e, sim, do autor inspirado, quando diz: Porque Deus há de
trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam
boas, quer sejam más. Há um juízo final, e este escritor tem dado ênfase a
este fato, e o tem proclamado como uma condição sine qua non de toda a
ordem moral do mundo. Nisto está, como se tem afirmado, a
sobrevivência da alma, que vai dar contas ao Criador do mundo como se
conduziu na prova desta vida. Todos os tribunais humanos, toda a
jurisprudência mundial, todos os códigos penais, tudo que se afina como
apuração da justiça tem a sua razão de ser no JUÍZO DE DEUS ao final
dessa ordem de coisas. Se não houvesse um juízo final, tudo então nesta
vida seria uma triste macaqueação, um quebra-cabeças sem começo e
sem fim. Todos caminhamos para este juízo divino, quando então será
ajustado todo valor da vida moral e da conduta, quando os que fizeram o
bem receberão o "Vinde, benditos de meu pai, possuí por herança o reino
que vos está preparado desde a fundação do mundo" (Mat. 25:34). Aqui
muita coisa fica escondida, quer boa quer má, pois a capacidade do
homem é limitada para julgar tudo que se faz e diz; o juízo final,
entretanto, esclarecerá todo o conjunto de atividades humanas, e os que
primaram por viver reta e justamente e não viram os seus trabalhos
reconhecidos o verão naquele dia. Esta é uma consolação para os que
desejam viver bem e servir a Deus. Vale a pena praticar justiça pelo amor
ou valor da justiça, mas ainda, e especialmente, porque será vindicada no
último dia e valerá para toda a eternidade.

Pelo texto de Mat. 25:34 o reino dos justos está preparado desde a
fundação do mundo, isto é, desde que Deus criou o homem, preparou o
seu destino, baseado na liberdade que lhe concedeu. É o mesmo que
dizer: Deus não é surpreendido com acontecimentos fortuitos, com o que
poderá acontecer ou com o acaso, como diz Eclesiastes, quando discute
justamente o fato, que não é dos ligeiros o prêmio nem dos valentes...
porém tudo depende do tempo e do acaso (9: 11). Já explicamos o que
ele quer dizer com a palavra ACASO, que em nosso linguajar tem sentido
de azar, alguma coisa a acontecer sem motivo nem causa.

Ao concluir este Estudo, damos graças a Deus pelo esforço despendido,


quando tentamos explicar certos textos obscuros e muito mal
interpretados por tantos. Agora, com a promessa de ajuste final de
contas, fica exuberantemente provado que o homem sobrevive à morte e
que a ida do seu corpo para o pó, de onde veio originalmente, não é o fim.
É apenas o início da outra etapa, quando Irá receber o prêmio do seu
labor bom ou mau. Aqui estamos semeando e negociando com os
talentos que o Senhor nos deu, até que Ele volte e chame a contas todos
nós (Mat. 25:14-30 e ss.). Então se verá como cada um negociou, como
cada um viveu e usou o seu tempo e os dons dados pelo Criador.

APÊNDICE I - A DOUTRINA DA TRINDADE

No corpo desta modesta obra, demos algumas informações a respeito da


doutrina da Santíssima Trindade, doutrina esta envolvida indiretamente
no texto de Eclesiastes, porque está relacionada com outras,
supostamente afirmadas ou negadas no livro, especialmente no tocante à
propaganda jeovista, que tantos estragos está causando nos arraiais
evangélicos. Os Testemunhas de Jeová negam a divindade de Jesus Cristo,
e por igual a doutrina da Trindade; porque se Jesus não é divino, não há
Espírito Santo, nem tampouco Trindade. Esse ensino, na sua
incompreensibilidade, é a doutrina que resume tudo quanto cremos como
verdade bíblica. Sem ela não será possível Interpretar a Bíblia toda sem
recusar qualquer parte, nem se pode Interpretar o problema cosmológico,
até onde entendemos. Uma doutrina está ligada à outra, e só o conjunto
nos pode ajudar a entender a Bíblia. Sem ela não há Deus Pai, nem Deus
Filho.

Alegar-se que a doutrina da Trindade é irracional, isto é, não pode ser


entendida pela razão, é uma alegação gratuita, pois tampouco podemos
compreender outros fatos da revelação, e nem por isso os refugamos.
Quem pode entender o universo na sua complexidade? As galáxias, os
milhões de estrelas, que nascem e morrem, a matéria envolvente em
todos os mundos conhecidos e desconhecidos, quem tudo isso explica?
Os progressos da física ainda não esgotaram o campo da investigação, e a
natureza mesma da matéria ainda é objeto misterioso. Conhecemos o
átomo, a molécula, mas as origens de um e da outra continuam
escondidas nos laboratórios. Qual teria sido o material primitivo de onde
Deus tirou o universo? O hidrogênio? Se foi, perguntamos: o hidrogênio,
de onde veio? Já se admite que tenha sido mesmo do hidrogênio, que se
caldeou com outros elementos e, juntos, nos deram a contextura do nosso
universo. De onde veio tudo isso? Não sabemos, porém não chegamos ao
ponto de negar a existência do universo pelo simples fato de o
desconhecermos. As pesquisas mais recentes, nos domínios da física, são
simplesmente assombrosas, e já se investiga sobre a descoberta do
antimundo e da antimatéria, alguma coisa que teria existido, cuja natureza
desconhecemos. Vamos então negar o átomo, a molécula, a antimatéria e
o antimundo porque não entendemos nada de suas origens? Qualquer
um que tentasse promover essa negatividade cairia no ridículo. Nós não
podemos crer apenas no que entendemos, porque em verdade
compreendemos muito pouco do que está por ser entendido.
A vida e a consciência, o que são? Há atualmente cientistas que
trabalham para descobrir a natureza da célula de onde veio a vida, e até
admitem que seja possível chegar a esse ponto. Todavia, um grande
cientista já afirmou que, para descobrirmos a célula viva, careceremos de
3.000.000.000 (três bilhões) de anos, tempo suficiente para que esta
célula se desenvolva e seja capaz de produzir ou reproduzir a vida, pois o
nosso mundo está muito distante agora das condições em que a célula
primitiva se desenvolveu. Esta confissão vale por uma afirmativa de não
haver a mínima esperança de se chegar a conhecer a vida nas suas
origens, e muito menos a consciência, que, a bem da verdade, não se sabe
o que seja. Por isso vamos negar a vida e a consciência? Tanto uma como
a outra aí estão patentes aos entendimentos humanos. Pela lógica desses
novos ensinadores, devemos negar tudo que ignoramos, e então
chegaríamos a este absurdo: negar tudo que existe porque nada, ou bem
pouco, conhecemos dele. O homem mesmo é ainda uma incógnita, no
seu funcionamento metabólico, celular e reprodutor. Que é que se sabe
dos genes que nos vêm envolvidos nos cromossomos, de onde vem a
hereditariedade, segundo os biologistas? Quando os sábios puderem criar
um cromossomo capaz de agir, como os que se conhecem, ou quando
conseguirem construir o conjunto de 46, que, dizem, é o número dos que
geram um novo ser, então ensarilharemos as armas e daremos a vitória a
esses incrédulos religiosos, que não têm outra mira senão destruir a
religião. O Diabo não podia ter encontrado melhor arma do que esta: em
nome da religião, negar a mesma religião, conforme afirma o escritor
Rosalino da Costa Lima (Esses Testemunhas de Jeová, pp. 23-30). O ideal
dos Testemunhas de Jeová é justamente destruir a Bíblia pela Bíblia. É
uma arma perigosa porque corta dos dois lados.

Não podemos negar a doutrina da Trindade pelo simples fato de não a


entendermos. Se nós a entendêssemos, então compreenderíamos a Deus
e seríamos, por via da lógica, iguais a ele. É intuitivo que a tal ponto jamais
poderemos chegar.

A criatura humana, finita, não pode entender o divino e o infinito: há um


abismo separando as duas entidades. Aceitemos, pois, a doutrina em
questão e sejamos humildes em confessar que estamos envolvidos num
tremendo mistério, quer nos ocupemos da matéria morta ou da vida, quer
do universo ou do homem. Daremos as boas-vindas às descobertas e
progressos científicos, mas fiquemos tranqüilos quanto a chegarem ao
ponto de saber de onde viemos, o que somos e para onde vamos. Isto
fora da Bíblia.
1. A Doutrina da Trindade no Velho Testamento

No primeiro verso da Bíblia lemos as seguintes palavras: "No princípio


criou Deus o céu e a terra" (Gên. 1: 1). A palavra "DEUS" é uma tradução
do termo hebraico Elohim. Um substantivo no plural com o verbo no
singular. Se o verbo estivesse também no plural leríamos assim: "No
princípio criaram os deuses o céu e a terra", como, porém, a ação está no
singular, significa que uma só pessoa foi o agente da criação. Todavia, a
palavra hebraica Elohim não tem deixado de parecer, a muitos exegetas,
que, estando ela no plural, deve representar algum ensino que não está
no texto sagrado. Disso se tem concluído que o termo hebraico pode e
deve representar a Trindade agindo como uma pessoa. Não será uma
representação da Trindade? Este autor tem sustentado, em muitas partes
dos seus livros, que esta deve ser a doutrina. (1)

(1) Veja Estudo no livro de Gênesis, do autor, Casa Publicadora Batista,


Rio.

A seguir, no segundo verso do primeiro capítulo de Gênesis, lemos: ... e o


Espírito de Deus movia-se sobre a face das águas (Gên. 1:2). Já temos
então duas pessoas mencionadas nos dois primeiros versos da Bíblia,
Elohim, Deus e o Espírito. Se concluirmos que a palavra Elohim Incorpora
as três pessoas da Trindade, temos logo a seguir um desdobramento dessa
mesma doutrina, com a ação do Espírito, movendo-se este sobre as águas,
como a incubá-las. O particípio hebraico "movendo", tem o sentido de
Incubar, gerar vida. Em muitas passagens, tanto do Velho como do Novo
Testamento, Jesus pré-encarnado é apresentado como o criador do
universo. Em João 1: 1-3 lemos: No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.
Todas as coisas foram feitas por Intermédio dele, e sem ele nada do que
foi feito se fez. O termo principio em João não é o mesmo de Gên. 1. Aqui
significa princípio de tempo, mas em João, princípio eterno. Para o nosso
caso agora, o que Interessa é verificar que nada do que foi feito se fez sem
ele. Com esta enfática declaração de João podemos concluir, sem sombra
de dúvida, que Jesus, o Filho de Deus, foi o Criador de tudo, e, portanto, o
substantivo Elohhn representa tanto o Filho como o Pai e o Espírito,
porque, logo adiante, este aparece como o gerador da vida nos mares,
onde ela apareceu primeiro. (1)

Não é este o lugar adequado para uma apreciação do modo como


funciona a Trindade na sua obra criativa, entretanto, poderíamos aventar
uma idéia, não muito longe da verdade, assim: Deus, o Pai, ordena,
preside; Deus, o Filho, age, cria; Deus, o Espírito Santo, vivifica. As três
pessoas da Trindade ou, como preferem os teólogos, a Divindade, que
consubstancia as três pessoas, agem como se fossem uma só.

A dificuldade para nós é podermos entender como três pessoas podem


ser uma só entidade, embora este não seja o único mistério encontrado
na vida. O nosso universo consta de matéria estudada em três fases:
física, química e biologia, e as três não são mais nem menos do que
energia, força. Não podem ser separadas. O nosso ser, pessoa, também
se compõe de três partes: corpo, alma e espírito. Podemos separar uma
destas partes das outras? Não. Não é possível, sem destruirmos a vida ou
a pessoa. Admitimos que, tanto no mundo físico como no espiritual, há
muitos mistérios e ninguém se insurge contra eles; no entanto, o mistério
da Trindade é uma pedra de tropeço na cabeça de muitos cientistas e até
de muitos religiosos. Portanto, não cabe qualquer suspeição sobre uma
doutrina que escapa ao nosso entendimento, que alguns acusam de
irracional, contrária à razão, porque, na realidade, quase tudo que nos
rodeia parece ser contrário à razão. Tudo é mistério. Para ilustrar apenas,
poderíamos dizer que até hoje não se conseguiu determinar a natureza
dos gens, que transmitem a hereditariedade e se encontram incluídos nos
cromossomos, que dão origem a um novo ser. Como as tendências de
ramo Individual (ancestral) se transmitem a outra pessoa é coisa que a
biologia não sabe explicar, embora seja um fato. Deveríamos negar a
biologia, porque não entendemos o seu mistério, mas ninguém pensa
nisso. Que sabem os cientistas da lei da gravidade, que atrai os corpos uns
para os outros, e ao mesmo tempo os repele? Sabem apenas que é assim;
mas como realmente é, ninguém sabe. Se um de nós perder o equilíbrio
"cai para baixo" e não para cima. É a lei da gravidade descoberta por
Newton. Que é isso? Não se sabe. O Criador fez as coisas assim e assim
elas vão de milênios a milênios.

Por que então impugnar uma doutrina pelo fato de não termos
capacidade de entendê-la? Os patristicos, lutando com esta doutrina,
imaginaram uma hipostasis, uma espécie de substância (que não é), e que
compreenderia a Divindade, sendo as três Pessoas divinas constituídas da
mesma hipostasis, se bem que autônomas, pessoais, agindo em comum,
com um só ideal, um só pensamento, diríamos, mas com funções
diferentes, tais como o nosso espírito unido ao nosso corpo, mediante um
liame desconhecido, de maneira que o corpo e espírito são um só,
conquanto as funções sejam diferentes, tendo a vida, a. Nephesh, para
ligar os dois outros elementos. Somos então três elementos em uma só
pessoa. Neguem isso, se puderem.

(1) Veja A Doutrina do Espírito Santo no Velho Testamento, do autor, Casa

Publicadora Batista, Rio.

Os adversários da Trindade alegam que em Deuteronômio 6:4 Deus


mesmo proíbe ter-se outros deuses diante dele, sendo a doutrina do
politeísmo enfaticamente afirmada em Êxodo 20:2, 3. Os contestadores da
aceitação da Trindade confundem ídolos com Deus. O que se proíbe
terminantemente é a confecção de !dolos, para adorá-los como deuses.
Portanto, ao lado de Deus, seja o Pai, o Filho ou o Espírito Santo, não
podem ser colocados outros deuses. Os intérpretes ortodoxos admitem
que toda a revelação do Velho Testamento é uma obra do Jesus pré-
histórico como o Revelador da Divindade. Foi a ele cometida a tarefa de
ser o Criador e Revelador de Deus. Aceitando esta doutrina, amplamente
endossada em todo o Velho Testamento, então Jesus mesmo proíbe a
formação de outros deuses. As muitas teofanias ocorridas no Velho
Testamento são todas atribuídas a revelações do Filho de Deus antes de se
encarnar em nossa raça. Citaremos apenas uma ou outra dessas
escrituras para formular esta doutrina.

Certa vez, conforme Gênesis 18:1-5, apareceram três anjos a Abraão, os


quais foram por ele recebidos e tratados como viajantes. No decorrer da
conversa, entre Abraão e os três anjos, ficou demonstrado que um era
Jeová, o Senhor, e, através de todo o ocorrido com a destruição das
cidades pecaminosas de Sodoma e Gomorra, Jeová se identificou como
Deus. Quem veio para destruir as cidades foi Jeová (Senhor),
acompanhado de dois anjos, que foram a Sodoma, enquanto Jeová ficava
conversando com Abraão (Gên. 18:17-21). Não padece qualquer dúvida
que quem apareceu a Abraão foi Deus em forma de anjo, uma teofania,
uma forma de Deus, entre muitas outras no Velho Testamento, que o
espaço nos proíbe apreciar. O apóstolo Paulo, em sua Primeira Epístola
aos Coríntios 10: 4, Informa-nos que Cristo era a pessoa que seguia os
israelitas pelos caminhos do deserto, rumo a Canaã. Os teólogos
entendem que todo o intercurso de Deus e Faraó no Egito foi obra de
Deus Filho, o que este autor aceita firmemente. Portanto, o Jesus de
Nazaré foi sempre o Deus criador e revelador, antes mesmo de se
encarnar e revelar-se como Filho de Deus.

Mas voltemos ao Gênesis. No ato da criação do homem, como se tratava


da criação especial, Deus nos aparece falando na primeira pessoa do
plural, dizendo: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança (Gên. 1: 26). Por que o verbo no plural (nós), quando era
Deus quem estava criando o homem? Os críticos entendem que se trata
de um plural majestático, à moda de um potentado medieval, falando a
seus súditos. Alegam que é assim que nós muita vez fazemos, usando a
primeira pessoa do plural, em vez da primeira do singular. Não nos parece
este ser o caso, pois não encontra base na Revelação divina. Por que Deus
não usou esta linguagem nos outros atos criativos? É que agora tratava-se
de criar a suprema obra da criação e então a Trindade foi convocada para
esta consumação. Mais adiante, em Gênesis mesmo, cap. 3:22, Deus diz:
Eis que o homem se tornou como um de nós ... isto é, conhecendo o bem
e o mal. Não há necessidade de invocarmos outra vez os pluraus
majestaticus, posto que não cabe neste contexto. O que Adão acabava de
fazer contrariava a natureza da criação e suas altas finalidades,
aborrecendo por igual à Trindade.

Ainda em Gên. 11:7 temos a seguinte declaração de Deus: Vinde,


desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a
linguagem do outro. Os primitivos habitantes de Babilônia estavam
construindo uma torre para, em caso de outra calamidade diluviana, se
refugiarem nela. Uma forma de frustrar o plano de Deus, que era a
dispersão e povoamento da terra. Então as três pessoas da Trindade
obstaram o empreendimento. É verdade que a linguagem é antropológica,
no sentido de desçamos, vejamos, como se Deus tivesse de descer e ver.
A linguagem da Bíblia é mesmo antropológica em muitos casos. A
Trindade outra vez aparece e ordena o destino da humanidade. Era, sem
dúvida, um ato da Divindade, Pai, Filho e Espírito Santo. (1)

(1) Veja Estudo no Livro de Gênesis, do autor, Casa Publicadora Batista,


pp. 87-90.

Não se entende por que certos grupos religiosos, como os socinianos, os


Testemunhas de Jeová e tantos outros, se enfastiam da doutrina da
Trindade, como fez Arius, um diácono alexandrino, quando levantou, pela
primeira vez, a doutrina da criação do Filho, ensino esposado através dos
séculos pelos seus seguidores. Se a doutrina é irracional, como se alega,
então há muitas outras irracionais, e poderíamos até concluir que tudo
neste nosso mundo é irracional. Então, para que Jesus não seja eterno
com o Pai e o Espírito Santo, Inventam um tipo de criação especial, ou
seja, um Cristo criado, o que rejeitamos, pois o nosso Cristo é eterno e faz
parte da divindade. Um Cristo criado para ser o veículo e oráculo de Deus
para a felicidade do homem; um Jesus Cristo criado por meio de quem
Deus abençoa a humanidade é coisa estranha à Bíblia. (2)

(2) Veja A Verdade Que Conduz à Vida Eterna, Testemunhas de Jeová,


p.46.

Apenas mais uma citação do Velho Testamento, por necessidade de


espaço.

O capítulo 8:22-36 do livro de Provérbios traz uma mensagem que todos


os teólogos aceitam como sendo uma referência a Cristo pré-encarnado.
A Sabedoria criadora ali está representada em todos os seus aspectos
divinos, e são bem poucos os que admitem que esta Sabedoria seja criada
por Deus. Foi Arius quem primeiro levantou essa hipótese, porém, o
Concílio de Nicéia, por grande maioria, rechaçou tal doutrina - um Cristo
Criado. Entre outras afirmativas da Sabedoria neste capítulo, ele se diz o
Arquiteto da criação, e, quando Deus compunha os fundamentos da terra,
ela estava com ele (Prov. 8:30). Esta Escritura, que a imensa maioria dos
teólogos Interpreta como referindo-se a Cristo, é talvez a mais enfática a
respeito da pré-existência do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo, pois não se pode admitir que um arquiteto criado pudesse ser o
autor do planejamento do universo, porque, por mais inteligente que
fosse, nunca seria Deus, e a obra da criação é de Deus. Parece-nos que,
para um bom entendedor, este aceno nos basta, como diz o colóquio
popular.(1)

(1) Veja A Doutrina do Espírito Santo no Velho Testamento, do autor, Casa


Publicadora Batista.
2. A Doutrina da Trindade no Novo Testamento

O nascimento divinal de nosso Senhor foi um milagre. Toda a narrativa,


breve como é, nos convence de que só Deus poderia transmudar-se na
sua natureza para se conformar à natureza do homem. Em que pese o
fato de tantos se terem Insurgido contra o nascimento virginal de Jesus,
inclusive alguns evangélicos modernos e eivados do racionalismo alemão,
a verdade desta escritura transcende a todo raciocínio humano. Além do
nascimento, todos os três anos de ministério de Jesus foram uma
afirmação de sua divindade; a multiplicação dos pães, a cura de paralíticos
e cegos, tudo quanto os Evangelhos nos ministram são ensinos de Deus, e
não de homem. As suas últimas palavras aos discípulos foram: "Portanto,
ide e fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai,
do filho e do Espírito Santo" (Mat. 28: 19). Se Jesus mandou batizar em
seu nome, no do Pai e do Espírito Santo é porque ele é Deus. Os
ortodoxos gregos praticam a trina imersão, uma para cada nome de uma
pessoa da Trindade, o que nos parece até razoável.
A conhecida bênção apostólica ensinada por Paulo Inclui o nome do Filho
primeiro, e depois do Pai e finalmente do Espírito Santo (II Cor. 13:13). É
uma reafirmação apostólica que não deixa dúvida quanto à Trindade.

Na carta aos Romanos, o mesmo Paulo nos ensina que o Espírito Santo
intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis (Rom. 8:26).
Jesus mesmo, antes do seu sacrifício, prometeu enviar outro Consolador,
aquele Espírito da verdade que dele procede... (João 15:26). Foi este
Espírito consolador que no dia de Pentecostes operou o milagre da
conversão de milhares e foi o originador da obra missionária, como lemos
em Atos 13:2, quando o Espírito mandou separar a Paulo e a Barnabé para
a obra missionária. O Espírito Santo falou como quem ordena e manda, e
mais tarde, em Atos ainda, proibiu Paulo de ir a Mísia pregar; e quando
Paulo desejava Ir a Bitínia, o mesmo Espírito não o permitiu, porque tinha
outros planos (Atos 16:6 e 7).

O Novo Testamento é atribuído ao Espírito Santo, que Jesus prometeu


enviar para fazer recordar ou lembrar tudo que ele havia dito (João 14:26).
Certos disso estavam todos os escritores sagrados, e quando alguém
contrariava esta ordem só havia a morte como recompensa, como
aconteceu com Ananias e Safira, sua mulher (Atos 5). Seria impossível,
num simples apêndice, fazer um estudo exaustivo de todas as escrituras
que nos mostram que Jesus é Deus, e o Espírito Santo é Deus.

O presente estudo abreviado tem, naturalmente, por finalidade esclarecer


doutrinas modernas (porque as antigas não interessam mais) a respeito da
Trindade. Quando fizemos o nosso Estudo no capitulo 3 de Eclesiastes,
especialmente dos versos 16-22, nos esforçamos por demonstrar que a
alma humana não morre, como ensinam alguns heréticos modernos, e
nessa conformidade, entramos na doutrina da Trindade, mesmo de
relance, porque o lugar não comportava discussão extensa. Por isso
voltamos agora com este pequeno apêndice, para deixar claro que
aceitamos a sobrevivência da alma, que vai dar contas ao Criador, bem
como aceitamos as três pessoas da Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo.
APÊNDICE II - A SOBREVIVÊNCIA DA ALMA HUMANA

No estudo do capitulo 3:16-22 desta modesta obra demoramos um pouco


na apreciação da sobrevivência da alma, pelo fato de parecer que o autor
acreditava na sua extinção, no seu aniquilamento com a morte do corpo.
O texto, numa apreciação simplória, parece indicar isso, mas os outros
textos ensinam justamente o contrário, como ficou demonstrado na
exposição da matéria. Tratando-se, porém, de um assunto de vital
importância e tendo dito assunto sido em recentes anos objeto de franca
e aberta divulgação, isto é, que as almas são destruídas juntamente com o
corpo, parece-nos bem, mesmo à custa de mais algumas páginas,
verificara que a Bíblia e a razão têm para dizer a respeito.
1. A Natureza da Alma e Sua Felicidade

O nosso corpo foi feito de barro, do pó da terra e no devido tempo volta


ao pó. A alma humana não foi feita do pó da terra, mas do sopro divino,
que implantou nela a imagem e semelhança da divindade. Quando Deus
disse: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança
(Gên. 1: 26), não pretendeu ensinar que a imagem divina estava na forma
do corpo, porque Deus, sendo Espírito, não tem forma. Esta imagem
estava na alma, na parte espiritual do homem. Portanto, parece ser lógico
que esta Imagem seja indestrutível pelo tempo e pela eternidade. Ela é
como o selo divino na pessoa humana. Se tivermos de admitir a
destruição da alma, então teremos de aceitar que a obra de Deus não
permanece: tudo volta ao pá. Isso contradiz a nossa própria razão,
porquanto não seria possível Deus criar uma pessoa à sua imagem e
semelhança, para logo depois desaparecer no pó, junto com o corpo. Há
em nós, dentro da nossa personalidade, a idéia de continuidade da vida, a
certeza da sobrevivência, e isso não nos vem da religião, mas do consenso
de cada um de nós. Os argumentos usados pelos advogados da destruição
da alma baseiam-se no fato de que, quando Deus soprou nas narinas de
Adão, este foi feito alma vivente (Gên. 2:7), do mesmo modo que os
animais foram feitos alma vivente, ou com fôlego de vida. Qualquer que
seja o sentido da. palavra Nefesh, alma vivente, o texto é bem claro
quanto à distinção entre a criação da vida dos animais e o fôlego da vida
do homem. Este veio do sopro divino, e aquela da própria natureza
animal (Gên. 1: 30; 2:7). O fôlego de vida no homem resultou do sopro
divino, o que não aconteceu com os animais inferiores. Não somente isto,
mas a Bíblia faz grande diferença entre alma e espírito no homem, sendo a
alma a sede das sensações, dos apetites e paixões, e o espírito, em
contraste com a alma, é a mais alta parte de nossa personalidade, a sede
da razão, da consciência. Há então profunda diferença entre as duas
partes de nossa personalidade (I Tess. 5:23; Heb. 4:12). Em
Tessalonicenses Paulo menciona as três partes da nossa composição:
alma, corpo e espírito. Somos, então, criatura tricotômica. Em parte
alguma da Bíblia se afirma Isso dos animais. É certo que, em sentido
coloquial, a palavra alma ocorre indistintamente como o termo espírito,
para denotar a parte mais elevada, mais sublime da nossa personalidade,
embora o sentido real não seja alterado com esta forma coloquial de usar
as duas palavras. A palavra hebraica traduzida vida é, em muitos outros
lugares, vertido alma (Gên. 2:7), e, em muitas outras passagens, denota
personalidade, como em Romanos 13: 1.

Parece evidente, a um raciocínio normal, que o simples uso de um termo


em determinado lugar não pode servir para todos os demais lugares;
assim o termo Nefesh, alma-vivente, não pode significar, no resto da
Bíblia, a mesma coisa. Alma, na Bíblia, é sinônimo de espírito, e esta parte
não morre: é indestrutível. É impossível, dentro do ensino Bíblico, atribuir
à alma vivente o sentido animal apenas, mas antes o sentido espiritual do
termo, encontrado em centenas de passagens. Logo, concluímos que a
alma não morre com o corpo, como parece - reafirmamos - PARECE
indicar o capitulo 3:16-22 de Eclesiastes, que tem servido de base a certas
seitas religiosas, para construírem o ensino da morte da alma junto com o
corpo. Os chamados Testemunhas de Jeová assim ensinam aberta e
claramente em seu livro-mestre, A Verdade Que Conduz à Vida Eterna, nas
páginas 34 a 38. Estes crentes na mortalidade da alma se baseiam, como
vimos em nosso comentário, em determinadas escrituras, tanto de
Eclesiastes como outras. Ora, a verdade de um determinado texto não
pode ser tirada do texto isolado, mas do texto e seu contexto. É uma lei de
hermenêutica. Em Eclesiastes, de fato o autor declara: como morre um
(animal) morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida e nenhuma
vantagem tem o homem sobre os animais, porque tudo é vaidade (Ecl.
3:19). O verso seguinte ainda reforça este pensamento: todos vão para o
mesmo lugar; todos procedem do pó, e ao pó se tornarão (E el. 3:20). Por
estas escrituras parece que, tanto os irracionais como os racionais, todos
têm o mesmo destino - o pó. Isso é certo do ponto de vista da Nefesh,
fôlego de vida ou alma vivente, embora o mesmg autor, no capitulo 12,
diz: e o pó volte a terra como o era e o espírito volte a Deus (Ecl. 12:7). É
bem claro o ensino: o corpo vai à terra como era, mas o espírito vai para
Deus. Os testemunhas de Jeová têm uma interpretação para este verso,
que vale por tudo quanto de bobagens afirmam em sua literatura.
Perguntam: "Então de que maneira retorna o espírito a Deus, que o deu?
Deixa a força da vida e viaja através do espaço até a presença de Deus?
Não, mas retorna a Deus no sentido de as futuras perspectivas da vida da
pessoa dependerem agora inteiramente de Deus." Entenderam? Nem
nós. Quais são as perspectivas da vida de uma pessoa que já deixou de
existir, tanto no corpo como no espírito ou alma? Não é uma tolice
grosseira esta afirmativa para contornar uma escritura clara?

O autor de Eclesiastes e muitos outros passos bíblicos afirmam que o


homem morre como morre outro animal. O corpo humano, feito de pó,
volta ao pó. Isso o mundo já sabia antes de Salomão escrever Eclesiastes
(se é que foi ele que o escreveu). Nesta ordem de idéias é que ele se
expressa no sentido de o homem morrer como morre o bruto, para logo
adiante declarar que o homem deve ter cuidado com a maneira como vive
a sua vida, porque sabe, ou deve saber, que vai dar contas a Deus, nesta
linguagem: Sabe, porém, que de todas estas coisas (as coisas da vida no
corpo) Deus te pedirá contas (Ecl. 11:9). Ora, se uma pessoa morre como
morre o cão fica perdido rio pó, como é que Deus vai pedir contas a este
pó? Fica certo e claro que o ensino de Eclesiastes, quanto ao destino do
homem no pó se refere ao corpo, única e exclusivamente.

Há muitas Escrituras que parecem ensinar mesmo que a alma (espírito)


morre. Ezequiel diz: "A alma que pecar essa morrerá" (Ez. 18:4). Moisés,
falando a respeito do profeta que havia de vir, diz ... semelhante a mim, a
ele ouvireis (Deut. 18: 15). E Pedro, tomando esta passagem, diz mais:
Acontecerá que toda alma que não ouvir este profeta será exterminada do
meio do povo (At. 3:23). Há um sem-número de escrituras em que, por
analogia, se fala da destruição da alma ou da vida. O que Ezequiel, por
exemplo, diz, é que a alma que pecar morrerá, o que se entende ser a
perdição da alma ou a segunda morte (Apoc. 20:6). Nos salmos e noutros
inúmeros passos bíblicos, os escritores atribuem a retribuição divina à
morte da pessoa, mas isso em sentido espiritual. Efetivamente, a
condenação do pecador implica em sua morte eterna, morte que os
testemunhas de Jeová negam, porque negam a sobrevivência da alma. Se
não houver alma depois da morte do corpo, então é fácil atribuir tudo
quanto a Bíblia diz a respeito da morte da alma à sua destruição. Não é
isso que a hermenêutica geral ensina. O que a Bíblia ensina é que a alma
impenitente será condenada, coisa também negada pelos Testemunhas, e
esta condenação importa na sua perdição ou destruição. Uma destruição
figurativa, já se vê. Por esta razão, não iremos apreciar um sem-número
de passagens, onde se afirma a destruição da alma como sendo apenas a
sua condenação. É isso também que Pedro ensina, quando diz que a alma,
a pessoa, que não atender a esse profeta será exterminada do meio do
povo. Para sustentar o ensino da sobrevivência da alma humana só temos
de ler a Bíblia sem preconceitos religiosos; mas para provar o
aniquilamento da alma, temos de torcer metade da Bíblia, pois a
sobrevivência da alma faz parte de todo o ensino punitivo e de
recompensa ou galardão.
2. Um Argumento sem Sentido

Por que os Testemunhas insistem na morte da alma não entendemos. Se


não crêem na existência da alma, como acreditar na sua morte? Desta
forma, todas as escrituras citadas para provar a morte da alma são contra
eles, visto que, se alguma coisa morre, é porque vive. Quando Ezequiel diz
que a alma que pecar essa morrerá, é porque existe alma que pode
morrer, isto é, perecer na condenação. Para eles, a alma é apenas o
Nefesh, alma vivente, que se traduz por vida quando a vida animal finda,
termina igualmente a alma, que neste caso é representada pelo sangue,
que irriga todo o corpo animal. Várias escrituras, como Gên. 3:19; Ecl.
9:5,10; Sal. 146:3,4; Lev. 17:12; Jer. 2:34; Prov. 2:10 e muitas outras, todas
falando da morte da alma, e que entendemos em sentido espiritual, eles
interpretam em sentido literal. Para os tais, a alma é a própria pessoa;
morre a pessoa, morre a alma. Assim não haveria necessidade de a Bíblia
ensinar que a alma que pecar morrerá, porque, por certo, a pessoa vai
morrer e com ela a sua alma animal. Logo, não há tal coisa como morte
da alma, e, sim, morte da vida. Foi isso que Deus disse a Adão: no dia que
comesse da árvore proibida morreria. Foi o que aconteceu, e desde então
todos os viventes humanos morrem no seu dia, mas morte da matéria,
que volta ao pá, de onde veio. Veja-se o que diz Já 34:14, citado pelos
Testemunhas: "Se Deus pensasse apenas em 81 mesmo, e para si
recolhesse o seu espírito e o seu sopro toda a carne juntamente expiraria
e o homem voltaria ao pó (Já 34:14 e 15). Que é que esta escritura
ensina? A morte da alma? Nada disso. Afirma que, se Deus se afastasse
do homem e recolhesse o Seu espírito, todos morreríamos e voltaríamos
ao pó, de onde viemos. Não ensina nada da morte da alma, nem trata da
sua inexistência. Apega-se ao fenômeno da cessação da vida. Para alguns
comentadores, o que esta Escritura ensina é o que se chama, em termos
filosóficos, imanência divina, isto é, que Deus está presente em tudo: nos
homens, nos animais e até nas pedras. Não há nada onde Deus não
esteja, na Sua imanência. Finalmente, esta gente, que não crê na alma e
apenas na matéria, é mesmo materialista. O seu argumento da
imortalidade da alma não tem sentido, pois tal coisa não é ensinada nas
Escrituras, e aquelas, onde parece que se atribui morte à alma, referem-se
à morte espiritual, que é a condenação eterna, que os tais também
negam.

Há um outro grupo de evangélicos sustentando a morte da alma, mas


admitindo a sua existência. Ao menos este é mais escriturístico, pois
acredita na existência da alma, embora, por causa do pecado, seja
queimada. Mesmo que seja uma Interpretação errada da morte da alma,
ao menos os tais crêem nela. Os Testemunhas não crêem em nada e vão
de casa em casa, impingindo a sua teoria aos crentes incautos.
APÊNDICE II - A SOBREVIVÊNCIA DA ALMA HUMANA

3. A Alma É Imortal, e, Portanto, Existe Depois da Morte do Corpo

Se não existissem alma e destino eterno, seria o caso de aceitarmos a


teoria epicurista dos gregos, citada até por Paulo em I Cor. 15:32. Comer,
beber, gozar e depois morrer. Nisto estariam certos os gozadores desta
vida, que de nada se privam, mas dão tudo à carne, porque depois da sua
morte nada lhes interessa. Este não é o ensino da Bíblia; o mesmo Paulo,
pela certeza da sua ressurreição, de tudo se privava, para atingir a mesma
ressurreição.

Mas que diz a Escritura sobre a alma depois da morte? Na parábola do


rico e Lázaro (Luc. 16:19-31), qual é o ensino de Jesus? Havia dois
homens, um rico e outro pobre. Morreu o rico e foi sepultado; depois
morreu o pobre Lázaro, e foi levado para o seio de Abraão. No Hades,
estando em tormentos, o rico pediu a Abraão que mandasse Lázaro
molhar o dedo na água para lhe refrescar a língua, pois estava em grande
tormento. Ora, Abraão tinha morrido havia quase 2.000 anos, mas estava
vivo no paraíso. Lázaro, que morrera havia pouco, também estava vivo.
Portanto, quer Abraão quer Lázaro, quer o rico, todos estavam bem vivos
na eternidade, falando e pensando no seu estado. Note-se que é ensino
de Jesus.

Igualmente, quando da transfiguração de Jesus no monte, apareceram-lhe


Moisés e Elias, conversando com ele. Elias tinha morrido havia 800 anos,
e Moisés havia mais de 2.000 anos; ambos estavam vivos e falando das
coisas concernentes ao Reino de Deus. Jesus mesmo afirmou que Deus
não é Deus de mortos, mas de vivos (Mat. 22:31 e 32). Isaque, Jacó e
todos os seus filhos já tinham morrido havia milênios, e Deus era o seu
Deus, pois Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, mesmo
desencarnados. Os corpos destes santos varões continuavam no pá,
porque não tinha havido ainda ressurreição; porém as suas almas e
espíritos estavam vivos. Os Testemunhas admitem uma ressurreição de
corpos, mas sem espíritos, porque estes não existiam quando estas
pessoas morreram. Então, para que ressuscitar o pó?

Quando Jesus expirava na cruz, um dos dois ladrões se arrependeu e


pediu que se lembrasse dele quando entrasse no seu reino. Jesus logo
respondeu: HOJE MESMO ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO (Luc. 23:43). Os
Testemunhas mudam a pontuação desta escritura, traduzindo assim: "Em
verdade te digo hoje; estarás comigo no paraíso." A conjunção "que" não
está no texto dos Testemunhas de Jeová, porque eles (e os adventistas
também) não crêem na ida da alma pra o céu logo após a morte, ou
melhor, não aceitam a existência da alma. Então, que prometeu Jesus ao
ladrão? Naquele mesmo dia foram-lhe quebradas as pernas e jogado o
seu corpo no depósito do lixo, chamado Hinom. Lá apodreceu ou foi
queimado. O que é que Jesus prometeu receber no paraíso? Nada? Sim,
nada, se é que não existe alma. É uma contradição infeliz.

Paulo estava tão certo do céu que desejava até ser desatado para estar
com Cristo onde havia uma habitação celestial (II Cor. 5:1-9,
especialmente o verso 8). Ora, isso só no espírito, porque o seu corpo
voltaria ao pá, de onde veio. Paulo acreditava na imortalidade da alma
como nós acreditamos; logo, temos uma alma imortal.

Jesus, ao despedir-se dos discípulos, para os confortar, prometeu que ia


preparar uma casa para eles, e depois voltaria para os levar (João 14:3),
para que, onde ele estivesse, estivessem também os seus discípulos. Ora,
os discípulos morreriam pouco tempo depois, como morreram. Então a
casa prometida para que serviria, se não possuíam alma, segundo a
doutrina dos Testemunhas de Jeová? Jesus mesmo, ao expirar, disse: Pai,
nas tuas mãos entrego o meu espírito. Estêvão, ao expirar, apedrejado
por seus patrícios, disse: Senhor Jesus, recebe o meu espírito (At. 7:59).
Estêvão tinha espírito para ser recebido por Jesus, seu amigo.
Lamentamos a esperança dos jeovistas, que não têm espírito, apenas pó.

Não precisamos prosseguir. Seria o caso de citarmos todo o Novo


Testamento, a fim de provar que somos espírito, e a matéria é apenas a
casa onde moramos por algum tempo. Foi isso que Paulo ensinou,
dizendo: Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo
se desfizer, temos, da parte de Deus, um edifício, casa não feita por mãos,
eterna nos céus (II Cor. 5: 1). Esta é a nossa esperança gloriosa.
Lamentamos os que esperam terminar no pó.

4. A Alma Humana Tem de Existir e Sobreviver.

Provado que o homem é um ser diferente de todas as criaturas, pois não


foi feito como as demais, deve, portanto, constituir-se de mais do que
matéria. Ele foi delineado para ser o visível intérprete de Deus para a
História, o que havia de mostrar a glória de Deus entre tudo quanto foi
criado depreende-se, pois, que não pode desaparecer no pó. Se
pudéssemos aceitar tal teoria, seria o caso de dizer que tudo quanto Deus
criou foi mera temporalidade, nada ficando para demonstrar o seu
caráter, na sua bondade e revelação. Quando o homem foi criado à
imagem e semelhança de Deus, foi destinado a um papel especial, o de
demonstrar na sua natureza as excelsas qualidades de Deus, tanto quanto
estas podem ser demonstradas pelo e no homem. Aceitamos que a
criação dos mundos obedeceu a um plano objetivo de Deus. Sendo Deus
amor, tinha de criar, para se revelar. O homem como criação também
obedeceu a esse ponto de vista. A revelação de Deus no tempo não pode
ser efetivada numa criatura que se desmancha no pó, e muito menos num
ser que não sobrevive por toda a eternidade. Tal conceito nos levaria a
uma conclusão negativista, isto é, que a divindade estava só antes da
criação e terminaria só depois da consumação desta ordem de coisas.
Mesmo que pudesse aceitar a ressurreição dos corpos sem alma, como é
que tais corpos poderiam corresponder ao ideal da criação? Não nos
parece possível. A matéria, com todas as suas qualidades admiráveis, não
entende a natureza de Deus; só a alma humana, criada à imagem de Deus,
pode fazer esta revelação.

Entendemos mais que, se a alma humana não existe, tudo é apenas pá,
que veio do chão e para lá torna; então esta vida não significa nada em
termo de justiça, bondade, retribuição e maldade. Estamos todos
apercebidos de que aqui não se realiza ideal algum: os justos sofrem tanto
ou mais do que os iníquos; justiça não existe na terra; o bem e o mal
convivem e este supera aquele. O ideal científico fica por confirmar-se e o
ideal artístico não se realiza. Estamos numa escola sem sentido, sem
objetivo. Havendo alma a responder pelos caminhos da vida na matéria,
então esta alma espera a realização das suas aspirações na eternidade. É
isto que Paulo afirma quando diz: ... gememos angustiados, não por
querermos ser despidos, mas revestidos, para que o Imortal seja
absorvido pela vida (II Cor. 5:4). Noutra linguagem, os santos não se
conformam com esta vida como o fim de tudo, da complementação da
sua luta para viver bem. Que se diria dos milhares de mártires que, por
amor a Cristo, deram as suas vidas em testemunho da esperança? No
Coliseu, em Roma, podemos ver as marcas dos milhares que ali
entregaram seus corpos às feras, enquanto cantavam, até o último
suspiro, a sua esperança de sobrevivência e a segurança de que o seu
sacrifício não era vão. Como se podem entender fatos tais, se não há
alma, se tudo é pó do chão? João mesmo viu as almas dos que tinham
vindo da grande tribulação (Apoc. 7:14) e lhes disseram aguardassem por
um pouco, até que se completasse o número de seus irmãos (Apoc. 6: 11).
As almas dessa gente que estava ali clamavam por vingança contra os seus
opressores. Temos a idéia de que seria preferível tirar da Bíblia o
Apocalipse a tentar demonstrar que não há alma, não há nada.

O capítulo clássico sobre a ressurreição é bem conhecido como o 15 da


primeira epístola paulina aos Coríntios. Lá tudo é claro. Os mortos
ressuscitam, a morte é vencida, e o Diabo e o Inferno, que certos
estudantes da Bíblia negam, lá estão. Realmente o Diabo e o Inferno são
bem desagradáveis, mas não são os únicos na Bíblia; e nós não temos o
direito de negar aquilo que nos desagrada e está contra os nossos pontos
de vista filosóficos e religiosos.
5. A Alma Tem de Subsistir e Existir para Responder pela Verdade e

Mentiras Vividas na Terra.

Já fizemos referência, noutro lugar, ao fato de haver um juízo final,


quando a verdade e a mentira serão devidamente averiguadas, visto como
aqui as duas maneiras de viver estão muita vez de permeio com outras
atitudes. Temos aqui um homem que viveu para intrigar, para destruir os
outros; ao seu lado, um outro que viveu para servir à humanidade,
exemplificando as grandes virtudes preconizadas por Deus em Cristo
Jesus. Finalmente, um, bem gordo e bem nutrido, recebe um enterro de
luxo (porque tinha dinheiro e, muitas rezas, se era católico, ou um grande
e pomposo serviço fúnebre, se evangélico), enquanto o outro morreu e as
estações de rádio não deram conta disso, sendo sepultado numa cova
rasa. De que valeram a sua virtude, a sua bondade, se finalmente foi para
o pá, e lá ficou juntamente e igualmente como o rico? Não se pode
admitir na justiça divina tal coisa. Não tanto estas diferenças materiais,
porém as morais e espirituais devem ser devidamente apuradas, para que
a moral não sofra arranhão. Entendemos, será no juízo eterno que os
fatos serão devidamente apurados, o certo e o errado terão seu devido
lugar. A Justiça divina não falha, mesmo que assim pareça aqui nos dias
terrenos; a eternidade tudo acertará. Todos havemos de comparecer
perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou
mal que tiver feito por meio do corpo (Rom. 14: 10; II Cor. 5: 10; Já 23: 3;
Sal. 9: 7). Essa é a consolação que resta para os piedosos, os sofredores,
os que não viram a verdade das suas vidas ser devidamente apurada. O
Juízo Final é uma constante nas admoestações de Cristo, e muitas
parábolas, que aparentemente lidam com assuntos desta vida, têm a
liç=ao da devida apuração ou acerto de contas na eternidade. Não se
perde nada em esperar; pelo contrário, muito se ganha. O capítulo 25 de
Mateus, especialmente os versos 31-46 são a segurança de que tudo será
devidamente apreciado naquele terrível dia, para o qual muitos não se
preparam.
APÊNDICE III - A RESSURREIÇÃO FINAL

Dessa vida nada se perde, nem mesmo os nossos corpo s desfeitos no pó,
de onde vieram. Estes são os veículos do espírito, e é por meio deles que
a nossa mente se projeta no mundo mental e espiritual. Portanto,
participam das atividades da pessoa humana, representada, em parte,
pelo corpo. Admitir uma ressurreição de corpos sem espírito ou sem alma
é qualquer coisa destituída de todo bom senso. Ressuscitar um corpo
para que, se não for para receber a outra parte da personalidade? Deus
criou o homem do barro; soprou em suas narinas e deu-lhe o espírito de
vida ou, se quiserem, o fôlego da vida. Só assim o homem ficou completo
em sua personalidade: corpo e alma ou espírito. Esta doutrina é tão clara
que, Insistir nela, parece até um desperdício de tempo e papel. Tudo
quanto fazemos nesta vida, o realizamos como pessoa moral. Todas as
nossas relações com o meio são feitas com o corpo e a alma, visto não ser
possível separar uma parte da outra. Somos, então, alma e corpo, e esta
admirável composição compreende a nossa personalidade, como Paulo
mesmo nos ensina em I Tess. 5:23. Segundo essa teologia, somos uma
personalidade tripartível. Quando uma parte, digamos, o corpo, pratica
qualquer ato, as outras duas partes participam, porque a matéria, como
tal, não pensa e nem decide, ela é apenas o meio veicular por onde o
espírito, a parte pensante do corpo, se manifesta. Quando proferimos um
discurso, valemo-nos da língua e dos lábios, porém as idéias vêm da
mente, onde está sediado o centro determinativo da vida. De lá é que
vêm os pensamentos, que, noutra linguagem, diz-se virem do coração. O
coração, todavia, é apenas um órgão muscular, que sofre as influências do
espírito, como, aliás, todo o corpo. Portanto, na ressurreição dos mortos,
seremos então completados outra vez, em corpo e alma, para viver a
segunda vida.

Parece óbvio que Deus não iria criar um homem apenas para uns poucos
dias na terra; não iria convocar a Santíssima Trindade, dizendo: Façamos o
homem à nossa Imagem, conforme a nossa semelhança (Gên. 1:26).
Admitem os biologistas que a vida não pára, não pode parar. Portanto, a
vida que Deus colocou no corpo é a nossa alma, que tem de viver
perpetuamente. Aqui na terra, vive junto com o corpo; e depois da morte,
quando o corpo se desfaz no pá, a alma continua a viver, porque é a vida.
Na ressurreição, cada alma toma o seu próprio corpo, para continuar a
viver completa e eternamente. Para alguns, a ressurreição da matéria é
qualquer coisa inconcebível; entretanto, a ciência nos ensina que o fato do
corpo se desfazer no pó ou na água, nem por isso a matéria se destrói.
Acertou Pascal ao dizer: "Nada se cria e nada se perde; tudo se
transforma." O mundo material está em plena transformação. A
eletricidade é uma de suas formas de matéria; os vegetais, que comemos,
são uma transformação de matéria orgânica; e nosso corpo mesmo é uma
transformação dos alimentos ingeridos. Diz a Medicina que o conjunto de
células, num total de 26.000.000 se transforma e é substituído cada sete
anos, ou muito menos tempo até. Somos uma usina transformadora de
sais em carne, ossos, nervos e sangue. Por isso é que temos de comer
para manter esta transformação de matérias em outra espécie de matéria.
A conclusão é que se nossos corpos se desmancham no pá, nem por Isso
se perdem; apenas a matéria do corpo assume outras formas. Uma
bomba de átomos de hidrogênio explode, e um grande clarão sobe às
nuvens, um mundo de calor se decompõe e dissolve tudo ao redor. Nem
o átomo se destruiu; apenas se transmudou em energia. Segundo os
ensinos da física, tudo no universo se resume em energia, algo que não
vemos, mas admitimos. Portanto, não nos devemos surpreender que os
nossos corpos se desfaçam no pá, para um dia serem novamente
ajuntados e formados outros corpos gloriosos, como o de Jesus. O corpo
de Jesus não sofreu a corrupção, mesmo porque Isso estava previsto,
segundo Salmos 16: 10; Atos 2:27; 13:35. Todavia, quando saiu do
sepulcro era outro corpo, Isto é, a matéria havia passado por uma especial
transformação, de maneira que não estava mais sujeita às leis da física,
podendo entrar numa sala sem ser pela porta (João 20: 19). É claro o
ensino do Novo Testamento: como ele é o veremos; e isso não pode ser
com um corpo corruptível.
1. Que diz a Bíblia?

Nos tempos de Jesus havia uma seita materialista, a dos saduceus, que
não acreditava na ressurreição nem em espírito ou em anjo. Jesus os
contraditou, afirmando que Deus não é Deus de mortos, mas de vivos
(Mat. 22:31 e 32). Nisso ele ensinou que viveremos em nossos corpos.
Essa mesma doutrina é afirmada em Marcos 12:19-27 e Atos 23:8 e ss.
Jesus afirma que os que tiverem feito o bem ressurgirão para a vida, e os
que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo (João 5:29). A
palavra juízo aí significa o julgamento final, que noutras passagens é
interpretado como morte. Portanto, quer os justos quer os injustos, todos
serão ressuscitados para o galardão final. É aqui que se baseia a nossa
teologia de que bons e maus receberão, cada qual, o seu galardão
conforme o modo como viveram aqui na terra. Jesus Instituiu a
ressurreição da vida ao afirmar: Eu sou a ressurreição e a vida (João 11:
25). Os que crerem nele igualmente ressurgirão para a vida. A teologia de
Lucas, em Atos, não é diferente, quando se refere à ressurreição dos
mortos (At. 4:2), doutrina que muito escandalizava os judeus Incrédulos.
Paulo chegou ao ponto de afirmar que, se não havia ressurreição, tudo
quanto estava fazendo era em vão, porque, se não há ressurreição de
mortos, tampouco Jesus ressuscitou, e toda a nossa pregação é vã e fútil (I
Cor. 15:13 e 14), chegando ao ponto de dizer, seríamos falsas
testemunhas anunciando que os mortos ressuscitam, se Jesus não
ressuscitou. Toda a teologia paulina é pela ressurreição dos mortos.
Havia na igreja em Corinto alguns céticos, que poderiam acreditar na
ressurreição, mas não podiam entender como tal se realizaria. Então
Paulo ilustra a doutrina com a semente lançada na terra; se esta não
morrer, não germinará e não haverá nova vida; mas se morrer, então dará
o fruto conforme a natureza da semente, seja feijão, milho, trigo ou o que
for. É uma ilustração categórica, pois como é que uma semente de
mostarda, tão pequena, tem em si o poder de gerar uma planta grande,
como sucede? É a vida que está na semente. Nossos corpos, é certo, se
desfarão no chão, porém levam consigo a semente da vida, e no devido
tempo frutificarão.

A doutrina da ressurreição é o ensino básico de todo desenrolar bíblico.


Tudo aponta para a continuação da vida, e a morte não a Interrompe,
apenas a modifica, pois que a alma continua a viver em plena consciência
de si e do seu passado, como vimos na parábola do rico e Lázaro (Luc.
16:19-31). Não há solução de continuidade para a vida, e só assim se
pode Interpretar a obra do Criador, que nos criou para vivermos, e não
para morrermos.

2. Como Se Processará a Ressurreição?


São muitíssimas as passagens que falam da ressurreição, e não podemos
relacioná-las todas. A mais importante, para começarmos, encontra-se
em I Tessalonicenses 4:13-18. Esta passagem admirável especifica o
processo da seguinte maneira: 1) Os mortos em Cristo, ao ser ouvido o
som da trombeta, ressuscitarão primeiro. 2) Em seguida, os que ainda não
tiverem morrido, e aguardam a ressurreição, os salvos, serão
transformados, como sucedeu ao corpo de Jesus, sem entrar em
decomposição. 3) Tanto uns como os outros subirão, indo ao encontro do
Senhor nos ares, e "assim ficaremos com ele para sempre" (4:17). Esta é a
chamada no Apocalipse a primeira ressurreição, havendo uma segunda
depois do milênio (Apoc. 20:6). Todo o ensino de Paulo, na Primeira Carta
aos Coríntios, baseia-se nessa sua doutrina. Pelo texto verificasse a
transformação dos nossos corpos num abrir e fechar de olhos. Os que
tiverem morrido no mar, igualmente sairão para a vida, por que o mar
dará os seus mortos. Nada se perdeu de nossos corpos. Voltarão à vida
glorificados, para jamais morrerem.

3. Depois da Ressurreição
Com a ressurreição dos mortos, entra-se num capítulo difícil de
Interpretar, isto é, o período entre a primeira ressurreição e a segunda,
conforme o Apocalipse, já citado. Há duas teorias a respeito do milênio,
referidas em Apocalipse 20:6. Uma é que o milênio será realizado pela
pregação do evangelho, que, aos poucos, irá permeando o mundo, até se
realizar o que previu Isaías 11:6 e 65:25. Esta teoria chama-se pós-
milenista, isto é, que Cristo voltará depois do milênio. A segunda, que
Cristo em pessoa inaugurará o milênio, quando vier recolher os seus
escolhidos e com eles reinar mil anos na Cidade Santa que João viu descer
do céu (Apoc. 21:9-27). Essa teoria é a pré-milenista. Jerusalém é
chamada a cidade do grande rei (Sal. 48:1 e 2), e João a denominou a
Cidade Santa (Apoc. 21:2). Quaisquer que sejam os nossos pontos de vista
escatológicos, parece não haver dúvida, Deus escolheu a cidade de
Jerusalém para ser a Sua cidade no tempo dos reis, depois de conquistada
por Davi (II Sam. 5:6-10). De lá para cá, mil coisas agradáveis e
desagradáveis foram escritas a respeito da cidade, mas
Incontestavelmente ela permanece cidade do Grande Rei, que nela
reinará por mil anos, e depois... sejam as nossas teorias "pré" ou "Pós",
um fato parece lnconteste: Cristo ressuscitará os seus mortos e com eles
inaugurará o milênio, que, no pensamento de alguns, poderá ser apenas
um curto período, e não mil anos. Sejam quantos forem, Isso importa
pouco. Aqui não podemos entrar na polêmica existente a respeito, mas
apenas confessar o nosso ideal de um dia reinarmos com Cristo. Isso não
sofre dúvida aos pró ou pré-milenistas.

A ressurreição dos mortos (corpos) e seu ajuntamento a seus espíritos,


cada qual como era antes, de modo até a nos conhecermos uns aos outros
na eternidade (João 3:2). Essa doutrina não é muito clara no Novo
Testamento, mas, por inferência, concluímos que o veremos como ele é, e
na mesma acepção também nos veremos uns aos outros e nos
conheceremos. Na eternidade não seremos uns ilustres desconhecidos.
Não haverá ali relações de parentesco, é certo, não haverá marido e
mulher, nem pai ou filho, mas nos conheceremos. Se assim não fora, não
seria céu.
A culminância da ressurreição é a validade da vida terrena. Vivemos aqui
e viveremos na eternidade, cada qual conforme o que creu e praticou. Os
que ensinam que as almas dos mortos ímpios serão destruídas, escondem
uma doutrina valiosa quanto à retribuição. Os justos serão retribuídos
pelos seus sofrimentos e galardoados pelos serviços que prestaram aos
santos (Mat. 25:45), assim como os que não prestaram qualquer serviço
ao Reino de Deus serão compensados com a segunda morte.

4. E Depois?

Parece que depois do milênio, durante o qual Satanás esteve preso, para
não enganar o povo (Apoc. 20:1-3), será solto e por algum tempo voltará
ao seu ofício de enganador. O que se realizará nesse lnterregno não
sabemos e a Bíblia não entra a fundo nesse problema. Apenas que serão
dias de tremenda tribulação, pois Satanás sabe que lhe resta pouco tempo
para seduzir o mundo e desenvolverá mui grande atividade (Apoc. 20:7-
10). Será um tempo de angústia e desolação. Os santos estarão livres
desse período, pois já estarão com o Senhor. Então virá o Dia Final,
quando todos, grandes e pequenos, comparecerão perante o Grande Juiz,
para cada qual receber o seu galardão. Os santos comparecerão a este
juízo não para serem julgados, mas para tomarem parte no julgamento
até dos anjos (I Cor. 6:2 e 3). Seremos então auxiliares do Grande Juiz. As
nossas culpas foram devidamente pagas e agora só nos resta receber o
galardão. Parece que será nessa ocasião que os santos receberão as suas
coroas, de acordo com os méritos de serviço prestado ao Rei durante a
vida. A partir dessa hora, a vida continuará eternamente, e AMÉM, tendo
sido devidamente ajustadas as contas de cada qual e tendo cada qual
recebido aquilo a que fez jus na vida do corpo. Os ímpios irão para a
perdição eterna; os santos para o galardão eterno (Mat. 25:34 e 46).

Alguns comentadores, estarrecidos com a dureza do julgamento,


interpretam os termos bíblicos eterno e eternidade, vocábulos gregos
aiwn e aiwnios (Rom. 16: 26; Heb. 11: 4; II Cor. 4:18; II Ped. 1: 11) como
significando tempo. Todas essas palavras e meia centena de outras são
tiradas do dicionário grego. No grego tanto aiwn como aiwnios,
transliteradas geralmente como aiônos ou aiônios, significam período de
tempo sem limites, eternidade. Aos que impugnam o sentido de
eternidade a estes termos gregos, repugnam um castigo assim sem
limites. Todavia, esquecem que a vida na eternidade é uma continuação
da vida terrena, e tal terrena, tal eterna, parece-nos. Entendem que Deus
será muito severo se assim julgar os perdidos. Nós não temos procuração
de Deus para advogarmos as suas atitudes. Julgamos conforme os dizeres
do Novo Testamento. O que parece é que, se os termos gregos traduzidos
eterno ou eternidade não significam período Interminável (não de tempo),
então também não significam isso para os salvos, porque os termos
aplicam-se por igual aos salvos e aos perdidos. A salvação é eterna; Isto
ninguém discute. Se a perdição não é eterna, então temos um outro
purgatório, onde os pecadores purgarão as suas culpas, para depois serem
admitidos às mansões celestiais. Todavia, parece que há um outro ângulo
desse problema, que também deve merecer consideração. Os salvos o
são pela graça de Cristo, aos quais foi dado o divino Espírito Santo, que
gerou neles uma nova natureza, o que se chama regeneração, mediante a
qual, santificados e purificados, estão aptos para viverem na presença de
Deus. E os perdidos, que não tiveram esta experiência, que não foram
regenerados nem santificados, não receberam a adoção divina. Como irão
para o céu? Purificados no sofrimento? Se assim for, então a teologia
católica romana está certa em admitir a purgação depois da morte.
Todavia, a Bíblia ignora tal coisa.

Ainda um outro ângulo desta argumentação reside no fato de que cada


qual aceitará a sua cota na vida eterna de acordo com o seu mérito. A
Bíblia ignora qualquer contestação à justiça divina, quando diz: E irão
estes para o castigo eterno, porém os Justos para a vida eterna (Mat.
25:46). Os perdidos perguntarão a Jesus: Quando te vimos com fome,
com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso, e não te assistimos? (Mat.
25:44). Os condenados nada responderam quando lhes foi proposto que,
se não tinham feito estas coisas aos seus pequeninos, a Ele o não tinham
feito. Nisso acabou a discussão. Tudo que se disser além disto é pura
Invenção, que achamos não ter cabimento. Que o assunto é terrível, não
há dúvida; mas também é tremenda a maneira como um pecador,
criminoso ou não, vive essa vida desprezando Deus e a tudo que lhe diz
respeito, cuidando apenas dos seus gozos e Interesses. Isso é um fato
incrível, viver assim diante de Deus, que tudo vê.

Como verão os leitores, o autor destas linhas apenas cita escrituras. Não
toma partido, pois isso não é assunto seu. o seu dever é Interpretar a
Bíblia até onde ele sabe e pode fazê-lo. Nada mais.

Em face das escrituras aqui citadas, que diriam os que advogam a extinção
das almas dos perdidos e a não existência da alma humana, fundados em
Ecl. 3:16-20? Sobre a queima das almas perdidas, efetivamente não há
qualquer termo na Bíblia que justifique essa doutrina, a não ser quando se
refere à destruição da alma, se bem que tais escrituras se referem ao
castigo que lhe está reservado e jamais e um processo crematório
qualquer. Fisicamente, parece que um espírito não pode ser queimado;
não tem matéria combustível. Se Deus pretendesse ensinar que os tais
espíritos seriam destruídos, Jesus o teria dito claramente, o que não fez.

Você também pode gostar