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Eclesiastes, A N de Mesquita PDF
Eclesiastes, A N de Mesquita PDF
1. O Autor.
2. Interpretação do livro.
3. Conteúdo do Livro.
4. Canonicidade do Livro.
5. Data do Livro.
RESUMO DO LIVRO
1. O Título
1. Introdução (2:24-26)
1) Este é o mal que há em tudo que se faz debaixo do sol (v. 3).
1) Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida fugaz (v.
9).
2) Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,
porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma (v. 10).
3) Esperança.
9) Antes de se fecharem os teus lábios, como portas das ruas (v. 4),
FINIS (12:9-14)
A TEORIA E A PRÁTICA
3. Depois da Ressurreição
4. E Depois?
APRESENTAÇÃO
Todos os livros que o Pastor Mesquita tem escrito nos últimos vinte anos
eu tenho lido. Leio palavra por palavra, colocando acentos onde são
precisos, fazendo sugestões, que quase sempre são aceitas, procurando
entregar o manuscrito à Publicadora em condições de não dar muito
trabalho.
O que isso significa para mim não precisa ser dito, pois, mesmo
aposentada, tenho os meus afazeres como dona-de-casa e esposa de
pastor. Sou, presumo, uma mulher bastante ocupada.
Todavia, a despeito de tudo isso, cooperar com o meu marido para que o
povo ledor da boa literatura tenha uma obra tão perfeita quanto possível
é um dos penhores que conservo como honraria, pois, servindo ao povo,
sirvo ao meu Senhor igualmente.
Estou bem certa de que os que lerem esta obra da pena do Pastor
Mesquita só terão a lucrar, pois a linguagem simples, mas segura, os
conceitos bem expostos, a interpretação ortodoxa e o lado controversial
encarado com seriedade e profundeza fazem desta obra, a meu ver, uma
das melhores obras que ele já escreveu.
O Autor
INTRODUÇÃO
1. O Autor.
Quem teria sido o autor deste livro? No primeiro verso, lê-se: PALAVRA
DO PREGADOR, FILHO DE DAVI, REI DE JERUSALÉM. Dai se conclui o autor,
que se chama de pregador, ser filho de Davi e rei de Jerusalém. Portanto,
esse filho de Davi só poderia ser Salomão, sendo assim que muitos
interpretam a declaração inicial, e o povo, em geral, sempre aceitou
Salomão como o escritor do livro. Lutero chamou o autor do livro de
SALOMÃO, FILHO DE DAVI. O autor diz tendo sido ou fui rei de Jerusalém
(1: 12), ou como traduz a Versão Revista e Atualizada da SBB, venho sendo
rei de Israel em Jerusalém. Isto leva-nos, sem dúvida, a admitir que se
trata de Salomão. No corpo do nosso estudo demonstraremos que bem
podia ter sido um amanuense que escreveria o livro, ou ditado por
Salomão, como foi o caso de Paulo, que apenas escreveu uma carta sua
das 13 que lhe são atribuídas Gálatas. Antigamente não havia os
escrúpulos e as garantias autorais de nossa época, e um escritor poderia
escrever um livro e creditá-lo a outra pessoa sem que isso fosse
considerado crime. Não contestamos a possibilidade de Salomão escrever
este livro; apenas, no estado em que ele veio até nós, parece que não foi.
2. Interpretação do livro.
Tem parecido a muitos que o livro não contém uma série de mensagens
devidamente ordenadas, ou discursos formalmente concatenados, mas
um grupo de discursos de variados sentidos doutrinários, sem qualquer
conexão entre si. Isso vale por dizer, tratar-se de uma obra de
compilação, e não de um tratado rigorosamente delineado para
apresentar uma mensagem uniforme e contínua. Nessa conformidade,
poderíamos dizer que o livro consta de uma série de discursos falados ao
povo e depois reunidos em volume, como aconteceu com a maioria dos
profetas, que fizeram seus discursos ao povo e depois os mesmos foram
colecionados, sem observância cronológica ou mesmo lógica. Os hebreus
não estavam dominados pelo sentimento ocidental de obedecerem a um
critério cronológico na concatenação de suas obras. O que lhes
interessava mais era a doutrina exposta e não a ordem em que seria
apresentada. Assim, bem poderia Salomão ter sido o autor de muitos
discursos, ou de todos, e, depois, um dos seus assessores teria tido a
incumbência de os enfeixar num livro, como a mensagem do PREGADOR
ao seu povo. Esta opinião não tem o endosso da maioria dos intérpretes
do livro, é mais um parecer deste autor. Voltamos a dizer que nem a
autoria do livro e nem a ordem em que a matéria está exposta
enfraquecem o seu valor, que é permanente, para o tempo e para a
eternidade. É isso que nos interessa. Se nos faltasse na Sagrada Bíblia, este
livro maravilhoso, estaríamos privados de muitas lições práticas para o
viver, sem as quais o homem, especialmente os jovens, estariam à mercê
das contingências ordinárias da vida, sem uma bússola que os orientasse e
lhes mostrasse os valores dessa mesma vida em relação a Deus e à
eternidade. Como veremos adiante, na exposição doutrinária do livro e
ainda nesta introdução, o Eclesiastes representa uma espécie de
catecismo doutrinário prático em que a vida do dia-a-dia, com as suas
lutas e seus contratempos, as suas desilusões e interpretações, os valores
das coisas terrenas, em contraposição às de valor eterno, são postas
frontalmente umas às outras. Nem o hedonismo grego, nem o misticismo
religioso dos hebreus bastam para uma efetiva interpretação da vida, sem
prejuízo de qualquer das suas partes. Uma confrontação de gozos e
dissabores, o valor de cada um, fornecem o conjunto doutrinário desta
grande obra. É assim que nós vamos interpretar o livro e dele extrair as
lições práticas, que muitas vezes escapam à argúcia dos mais entendidos
em matéria de convivência religioso-social.
Parece que outro fim do Coheleth é levar o leitor a descobrir qual é o valor
da vida que vivemos nesta terra. Trata então dos prazeres, das riquezas,
da sabedoria, de tudo quanto encanta o homem, para afinal concluir que
tudo é vaidade debaixo do sol. Não parece que o livro esteja induzindo o
leitor a abandonar o esforço por coisas boas nesta vida, nem a desprezar
os gozos que a vida oferece, mas a balancear estas coisas com outras, que
estão além dos horizontes terrenos, e desta avaliação resultará então um
balanço justo de valores que farão a vida realizar o seu ideal. O trabalho
não é inútil nem fastidioso; é útil e bom, embora deva ser usado com
sabedoria e para a felicidade. Um homem que trabalha e se afadiga, mas
goza dos frutos do seu trabalho, e aproveita a sua vida com todos os reais
valores é um sábio. É o termo médio que se deve procurar, evitando os
dois extremos, como ensina o autor em 2:24 e 7:16 e 17. E aí há um
ensino que o homem não deve perder de vista: o lugar que Deus deve
exercer na vida. Se o pregador conseguir levar alguém a plantar jardins,
colher flores, comer e beber bem, e não se esquecer de Deus, terá
realizado o seu ideal. Noutra linguagem: há valores permanentes. Os
gozos da vida não são eternos, porque depois da morte não há nem
lembrança deles, como afirma o autor (2:16). A muita sabedoria é um
grande ornamento para a vida, todavia, também é loucura colocar todo o
valor da vida na inteligência (2:15). Até que ponto o hedonismo teria
influído no autor, não sabemos; mas a verdade é que, se não há Deus,
então tudo se resume no comer, beber e gozar; se há Deus, então tudo
mais deve ser condicionado a este supremo valor. A vida deve ser bem
vivida, e para tal deve o homem considerar que, depois de viver, trabalhar
e gozar, vai para a sepultura como vão os animais irracionais. Portanto, é
bom avaliar os dois lados da vida, e não apenas um. O livro parece
mostrar em certos lugares que com a morte termina tudo (3: 19), mas em
muitos outros prova justamente o contrário: o espírito velo de Deus e para
ele voltará. Vale dizer que viemos de Deus e voltaremos para ele.
Portanto, este lado da vida deve receber a devida consideração nas lutas
pela mesma vida, no estudar, no comer, no brincar e tudo mais. A
doutrina da imortalidade é aqui ensinada, mesmo com algumas aparentes
contradições, em um estilo maior do que em qualquer outro livro do
Velho Testamento. Realçar o valor da vida em suas relações com o
Criador é uma das notas culminantes do livro. Há o apelo à mocidade para
que goze e viva, porém se lembre que de todas estas coisas dará contas a
Deus(11:9). Só esta verdade vale por todo o livro, pois a tentação do
jovem é gozar a vida, como se Deus não existisse. O chamamento à
realidade vale por uma grande descoberta.
Quando Jesus disse perder o mundo, quis dizer o mundo com tudo que ele
tem. Por isso o maior valor da vida está na fé e no temor de Deus. Isso é
permanente e eterno. Onde o livro expressa o sentido de que a morte é o
ponto final de tudo, deve ser contrastado com outros pontos, em que o
final é o Temor de Deus, a quem vamos prestar as nossas contas. O livro
não ensina a mortalidade da alma, como crêem os Testemunhas de Jeová,
e, sim, o contrário. De tudo que o homem fizer dará contas a Deus; logo, a
morte não é o fim, e, sim, o começo. O Salmista deu-nos a Interpretação
do significado da morte em Eclesiastes (Sal. 1; 49:12), sendo que morte ou
aniquilamento é apenas um meio de Deus nos fazer refletir no significado
da vida, conforme o mesmo Salmo, verso 15. Se não fôssemos advertidos
de que a morte é certa e põe um fim a tudo, então os homens, em seus
devaneios, julgariam que o valor da vida estava mesmo em comer e beber
e gozar. O homem que está em honra e não tem entendimento é
semelhante aos animais que perecem (Sal. 49:12). E a falta de
entendimento a que se referiu o Salmista é o que o autor de Eclesiastes
procura destacar, e não que a morte seja o fim de tudo.
CAPÍTULO I
Nos versos 12-18, ele nos Informa que aplicou o coração a esquadrinhar as
coisas, e chegou à conclusão de que tudo dá no mesmo, tanto faz o sábio
como o estulto, e que a sabedoria pouco adianta, porque é o mesmo que
correr atrás do vento.
CAPÍTULO II
Esta igual fatuidade das coisas terrenas é discutida nos versos 12-17, em
que até a sabedoria é assunto de causar fadigas, sem deixar um ressaibro
de valia para a vida futura. O ensino que se tira de todo o arrazoado do
livro encontra-se no capítulo 11:9, quando o homem é advertido de que
vai dar contas da sua vida a Deus. Tudo mais é secundário, como comer,
beber, folgar e depois morrer. Neste lnterregno, entre o nascer e o
morrer, há uma luta contínua em muitas direções, como a vaidade das
possessões, a vaidade da sabedoria e finalmente a vaidade do trabalho.
Ora, nenhum homem sensato poderia afirmar, como verdade normal da
vida, que tudo isto seja mesmo vaidade, pois não se entende a vida sem
esforço, sem estudo e sem trabalho. O fundo da mina está em que estas
coisas necessárias à vida não são fundamentais, e louco é o homem que
julga encontrar o sumo bem em qualquer destas atividades. O sumo bem
é a comunhão com Deus, é o temor de Deus, como também nos ensinam
o Salmista e Provérbios (Sal. 111:10 e Prov. 14:27 e ss.). O tema desta
grande Escritura é o temor que se deve a Deus e o dever de todo homem
lutar e trabalhar para cumprir a sua missão diante de Deus. Tudo mais é
contingente e comum.
CAPÍTULO III
Como refrão de tudo quanto vem ensinando, chama a nossa atenção para
a cova, para onde todos vamos, e nesta doutrina, como veremos no
estudo deste texto (vv. 16-22), somos igualados aos irracionais, no sentido
de que todos terminamos na sepultura. Se este é o fim de todos nós,
independente do destino eterno do homem, então vale a pena aproveitar
os dias de vida que temos aqui sabiamente. O autor, como se vê das
notas do Estudo, não está ensinando a mortalidade da alma, porque
noutros textos é muito franco e até um tanto apaixonado em afirmar o
contrário, como em 11: 9 e 12:1-7. Reafirmamos a nossa compreensão do
ensino divino do livro como uma grave e tremenda admoestação quanto
ao modo como gastamos os dias que Deus nos dá sobre a terra.
CAPÍTULO IV
A vida é muito incerta. Uns nada fazem, e são vitoriosos, outros lutam, e
terminam em nada. Uns são faltosos, e triunfam, enquanto os ativos e
laboriosos nem sempre vêem o produto do seu trabalho. Há na vida
muitas injustiças, e todas elas são filhas da fraqueza humana. Uma série
de provérbios em 4:7-16, vale por um estudo acurado. Por causa destas
desigualdades, o autor termina por achar melhor a modalidade de quem
ainda não nasceu, e ter por felizes os que já morreram (vv. 2 e 3). Isto
pode parecer uma nota de desânimo face às lutas da vida, mas é a
maneira de ver tudo na sua realidade. Quantos de nós têm chegado à
mesma conclusão de que os que já se foram estão livres das injustiças
desta vida, e os que não nasceram livres estão igualmente. Fatos tais
como um rei velho e Insensato ser pior do que o jovem pobre e sábio (v.
13). Contrastes da vida.
CAPÍTULO V e VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
O que aqui oferecemos não é bem o que o termo Indica, e, sim, uma
apreciação que nos parece lndicativa do plano do autor, mesmo que não
tenha pretendido isso.
1. O Título
Geração vai e geração vem, nasce o Sol e põe-se o Sol, assim até o fim. O
filósofo pregador está apenas dizendo o que todos sabemos e levando-nos
a pensar na frivolidade da vida. Todavia, não acreditamos, senão
filosoficamente, que uma geração sucedendo a outra, o pôr-do sol e o seu
levantar, o vento correndo de um lado para outro, sejam o sentido da
vida. Em verdade, nada há novo debaixo do céu (vv. 9 e 10), senão as
coisas melhoradas. Os inventos não trazem à tona tudo quanto
significam. Quando o Sr. Bell inventou a linha telefônica, para duas
pessoas se comunicarem a curta distancia, jamais imaginaria que
atualmente falamos a grandes distâncias, por meio do DDD (Discagem a
longa distancia). O Sr. Bell começou, outros trabalharam no seu Invento.
Tudo é assim. Pasteur, já referido, descobriu os micróbios, mas os
laboratórios se encarregaram de preparar as vacinas antitíficas,
antivariólicas e outras, que Pasteur não poderia ter feito. Todos
trabalhamos como quem usa seara alheia. Estamos certos de não ser a
inutilidade do esforço humano que o pregador está desejando inculcar, e,
sim, que é inútil trabalhar pensando nos resultados do nosso labor só para
nós. Como conceito filosófico, vamos aceitar a tese do pregador. Só isso.
Salomão mesmo construiu o grande templo em Jerusalém. Para quê? Ele
morreu e o templo ficou aí para os outros.
4. Um Círculo Vicioso Ilustrado (1:7-11)
Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche... (v. 7). Antes que
os rios corram para o mar, já as suas águas fecundaram as terras dos
montes e dos vales, Indo para o mar, a fim de voltarem a percorrer o
circuito b~ da natureza. O mar não se enche, em parte, porque as águas
que para lá vão voltam em forma de vapor de água, que as nuvens
acolhem e despejam outra vez sobre as montanhas e vales. É um círculo
vicioso, mas sem Isso não haveria vida, nem progresso, nem humanidade.
O que o Pregador diz, todos sabem, se bem que não parem a fim de
pensar nesses fatos banais, filosóficos.
Os olhos não se fartam de ver... (v. 8), mas os que perdem a vista sentem-
se frustrados e são una infelizes. Os olhos foram feitos pelo Criador para
com eles apreciarmos as belezas da natureza; e, quanto mais vemos, mais
queremos ver. Então onde está a vaidade destas coisas? Ninguém se
cansa de ver os rios deslizarem no seu leito, serpeando por entre
penhascos e ribanceiras, em demanda do seu destino, que nem sabemos
onde está, embora a vista se alegre de ver, e até nos alegramos de tomar
o nosso banho nessas águas, que vão para o mar, para depois voltarem.
Parece mesmo que a vida consiste em ir e vir, em andar e desandar.
Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, Isso é novo? (v. 10). Sim, das
coisas velhas é que nascem as novas. Antigamente construíam-se casas
de adobe ou morava-se nas cavernas. Depois construíram-se as casas de
alvenaria e, ainda mais tarde, de concreto armado. Tudo são casas, mas
umas sucedem as outras; e o que uma geração fez, a outra melhora.
Assim é certo que, o que agora vemos, já foi, se bem que noutro sentido.
O novo procede das coisas velhas, apenas aprimorado. Se não fosse
assim, teríamos de estar começando sempre as mesmas coisas; mas não,
nós nos baseamos no que os outros fizeram, e sobre isso assentamos as
bases das melhoras. Isso é progresso, e não vaidade. O que o Pregador
diz, nós já sabíamos, porém não tínhamos prestado atenção; vejamos, no
entanto, que ele não está "chovendo no molhado", mas Insistindo para
que raciocinemos e vejamos como é a vida. Uma coisa depende da outra,
mesmo que pareça o contrário, conforme o verso 11. Já não há
lembrança das coisas que precederam... (v. 11) É certo que a memória do
povo é fraca, e logo esquece o bem e o mal; todavia, fica um resíduo
lndestrutível de tudo que passou. Os grandes homens passaram e
deixaram um memorial, que poucos sabem aproveitar; mas quem pode
esquecer todo o passado? O Pregador está apenas obrigando o leitor a
pensar. Há uma ponte invisível, desde Adão até o maior técnico de nossos
dias, pela qual têm passado todos os viventes, que cuidam da sua parte na
continuação da sociedade da vida, no que ela tem de progressista.
Qualquer que seja a fração esquecida através dessa ponte, uma coisa
ficou, para sobre ela se construir outra qualquer.
... e das coisas posteriores também não haverá memória... (v. 11). Os que
hão de vir depois delas esquecerão muita coisa, mas muita será lembrada,
de modo que a filosofia do Pregador tem um fundo de verdade, sem
esgotar o assunto. Salomão mesmo morreu há muitos séculos. A sua
obra monumental ainda hoje é falada, e, se muita coisa ficou no
esquecimento, o templo, as galas do culto, os hinos, que embeveceram
gerações e foram até a eternidade, não podem ser esquecidos. Não
acreditamos que Salomão, caso tenha dito ou escrito estas palavras,
tivesse em mente a idéia de que tanto o passado como o presente e o
futuro, tudo está depositado no porão do subconsciente. Muito vai para
lá, mas outro tanto aí fica, animando os porvindouros. Há, pois, um
resíduo de verdade no sagrado escrito, mas não se pode tomar ao pé da
letra o que é apenas um conceito filosófico, uma maneira de ver os fatos
pelo ângulo da correria da vida. As coisas vistas à superfície do
observador são justamente como o Pregador nos Informa; entretanto,
mais para lá da observação fica muita coisa a examinar. Quando
passamos de trem ou avião ou mesmo de burro por uma paisagem, vemos
muita coisa, porém muito mais fica por ver; e o que ficou por ser ou não
visto, não Interessa ao viandante, se bem que o que viu fosse muito
pouco. Não acreditamos que o autor do nosso livro esteja querendo
ensinar que não adianta lutar e trabalhar, pelo simples fato de que logo
tudo será esquecido. Ele está vendo as coisas pelo lado superficial,
humano, embora soubesse não estar esgotado o vaso dos conhecimentos,
da sabedoria de Deus e dos homens. A humanidade nem pára a fim de
pensar no que vai suceder depois; continua a sua marcha para o invisível,
sem dar conta do que ficou, e se será mesmo visto por outros. Obedece
ao seu programa de vida e vai indo sempre e sempre. O livro que estamos
estudando oferece-nos um tipo de filosofia da vida vista à distancia, sem
as preocupações da profundidade, e talvez seja até um apelo a um exame
mais profundo das banalidades da vida, como a corrida do rio para o mar
e da sua volta para o mesmo lugar. Isso é banalidade, mas quantas lições
nos traz! Quanta coisa científica e prática nos oferece! Será que não há
possibilidade de se escrever um romance sobre a vista? Sobre os cuidados
que temos com ela, procurando o oculista para que nos conserve cada vez
melhor a faculdade de ver? Quanto se pode dizer a respeito dessa
banalidade! Todavia, os olhos não se cansam de ver, porque nos foram
dados para ver as belezas do Criador e contemplar as grandes maravilhas
do gênero humano. Assim como os rios correm para o mar e os olhos
servem para ver mais e melhor, todo o resto da conceituação humana fica
dentro dessa filosofia. Um homem trabalha denodadamente, esforçasse e
constrói alguma coisa. Outros vêm depois e esquecem o que ele fez, mas
se valem do que encontraram e até podem destruir a obra de quem lhes
precedeu. Então, que fazer? Vamos parar? Ensarilhar as armas e ficar
quietos? Nada disso, porque o mundo não pára e nem nós com ele. Nós
somos uma partícula do grande todo, e a nossa parte nesse todo nem
sempre será apreciada, e nem é por causa dela que nos esforçamos, e,
sim, como quem se sente tangido por um destino cruel, marchamos para a
frente, como quem vai sem destino, mas vai.
Esta seção é uma das mais discutidas do livro de Eclesiastes, visto como
parece ensinar que não adianta fazer força para prosseguir, pois tudo
resulta em vaidade. Estudar, construir, fazer força para vencer, tudo vai
dar em nada. Todavia, uma análise mais profunda dos ensinos do
Pregador nos levará a ver que assim é em determinado sentido e em certa
proporção, embora ainda fique muita coisa a respigar, a considerar como
ganho.
O mundo não vai parar e nós não pararemos tampouco. Ninguém fica
satisfeito com uma vida Inativa. Dentro do homem há um Instinto de
avanço para o desconhecido, que o impele a prosseguir mesmo no escuro
da vida. Deus implantou este instinto no homem, e é irresistível. Se o
homem pensa, age; se age, prossegue; e, quanto maior for o obstáculo,
tanto mais o esforço para vencer. No tabuleiro da vida, com pedras de
todos os lados, umas contrariando as outras, o homem não desiste, sejam
quais forem os obstáculos a vencer, seja querendo fazer direito o que está
torto, seja abrindo caminho no escuro, onde nada enxergue. Quanto mais
se luta, mais se verifica que é preciso dobrar o labor; e é fato notário que
só há esforço quando há obstáculos a vencer. Nesta luta do dia-a-dia o
homem se convence de que nada sabe, que é preciso saber mais e nessa
ânsia se atira contra tudo e contra todos para sair vitorioso. O que está
pela frente, não se sabe, e parece até não interessar saber, pois o que o
homem deseja é prosseguir, avançar. O oleiro faz o vaso de barro e
depois o quebra e faz outro, para talvez ainda quebrá-lo e tentar fazer
outro, até conseguir o vaso que deseja. Conta-se que o Inventor da
porcelana moderna imaginou dar brilho ao barro das peças que fabricava.
Aqueceu o forno ao rubro, mas o material não se dissolvia; botou mais
lenha e mais lenha, até consumir todo o estoque, enquanto o material
permanecia Inalterável. Não tendo mais o que queimar, arrancou as
tábuas do soalho da casa e jogou tudo no forno, enquanto a esposa
gritava e pedia socorro aos vizinhos, porquanto o marido havia
enlouquecido. Quando a última tábua do soalho entrou pela boca do
forno a dentro, ele viu estarrecido o material liquefazer-se e escorrer por
cima dos vasos. Estava descoberta a porcelana. É assim que os homens
lutam e vencem, pouco importando as derrotas, que parecem até são um
incentivo a maiores esforços. Se isso é a filosofia da vida, bem estamos, se
não é, então que se explique por que ninguém pára de lutar, até que a
morte ponha um fim a tudo.
1. Uma Tentativa Filosófica (1: 12-18)
Eu, o Pregador, fui rei de Israel em Jerusalém (v. 12). Trata-se, sem
dúvida, de Salomão. Estudou ou aplicou a sabedoria que Deus lhe deu,
segundo somos informados em I Reis 3:10-15. Decidiu de coração
estudar. Foi botânico, zoólogo, filósofo, tudo quanto um homem poderia
desejar na vida em matéria de inteligência. Construiu o mais majestoso
templo da história e engrandeceu-se sobremaneira. Compilou muitos
provérbios (Prov. 10-20), onde a sabedoria extravasa; tinha tudo quanto
se pode imaginar de conhecimentos práticos para a vida. Ninguém o
sobrepujou em saber e discernir. No final de tudo, concluiu que era pura
canseira. Foi como se um homem estudasse direito, depois medicina,
depois engenharia, depois teologia, depois zoologia, depois outras
ciências e terminasse enfadado, nada aproveitando de todo o
conhecimento adquirido. A experiência de Salomão parece ter sido esta:
tudo que tinha estudado só servira para lhe causar aborrecimento e
fadiga, parecendo-lhe estar correndo atrás do vento. Para ele, talvez
fosse assim, pois os homens notáveis não se dão conta de seu valor, e
quanto mais se conhecem menos julgam saber. Só os tolos pensam que
sabem. As muitas letras são mesmo fadiga do espírito; todavia, se nos
esquecêssemos das experiências de Salomão e verificássemos o bem que
ele nos deixou, então poderíamos dizer-lhe: Salomão, você está
enganado; tudo quanto você estudou e lhe causou tanta fadiga e
desilusão tem sido a riqueza da humanidade.
Salomão dedicou-se a construir, e os relatos que nos vêm dos seus dias
são mesmo fantásticos. A construção do templo do Senhor em Jerusalém,
como nos informam os livros dos Reis e Crônicas (I Reis 6:1-7:50 e II Crôn.
3:1-5:1), é o relato da mais grandiosa obra dos séculos. Depois Salomão
construiu seu palácio (II Crôn. 8), fez jardins em Jerusalém, conforme o
relatam as crônicas, trouxe água da Fonte da Virgem para regar os seus
jardins, como ele mesmo diz, plantou árvores frutíferas de todas as
espécies, fez um açude para coletar a água para os jardins. A sua casa do
bosque era qualquer sonho de assombrar um faraó, e por mais que demos
asas à imaginação, somos incapazes de realizar, mentalmente, tudo
quanto fez, e as Crônicas não no-lo contam, porque muito já
desaparecera, até da memória dos seus contemporâneos. Não sabemos
quantos filhos e netos teria tido, porque as Crônicas que temos não o
dizem, mas teria muitos e seria um agradável prazer ver as crianças
brincando nesses jardins. No final de tudo, verificou que não passava de
pura vaidade (v. 11).
3) O prazer de uma grande família (v. 7).
Teve mil mulheres, entre esposas e concubinas (I Reis 11:3), que lhe
deram muitos filhos e netos; e, não contente com esta gente, ainda
comprou escravos e outros nasceram em sua casa. O pessoal de Salomão
que comia da sua mesa deve ter andado pela casa dos 25.000. Nem
mesmo os Luis da França tiveram tantos criados e comensais. Esse povo
devia gostar de festas e haveria músicos e danças continuamente; quem
não ignora, porém, como estas coisas enfastiam e terminam por tornar a
vida um pesadelo? Ele mesmo confessa que nada disto lhe valeu o gozo
de uma vida feliz e calma.
O ouro e a prata eram tanto, que esta última nem tinha cotação em
Jerusalém, e, não satisfeito com as riquezas que lhe vinham dos diversos
estados, com os quais mantinha relações políticas e econômicas, ainda
tinha a sua marinha mercante, que ia a Ofir e outros lugares, buscar mais
ouro. Ele mesmo diz: Amontoei para num prata e ouro, e tesouros de reis
e de províncias (v. 8). Isso não é figura de linguagem, pois, se mantinha
relações políticas com todo mundo de então, era natural que todos
gostassem de lhe presentear. A sua riqueza envergonharia a qualquer
potentado dos nossos dias. Nem sabemos que destino teria tomado essa
dinheirama, esse ouro pesado às arrobas, se bem que no final tudo aquilo
fosse vaidade e correr atrás do vento (v. 11). Ora, convenhamos não ser
tanto assim, pois os faustos do palácio, a criadagem, a riqueza, deveriam
produzir certa euforia e segurança. Entretanto, ele confessa, para todos
nós, que nada disso o contentou. Admitimos que tivesse terminado a vida
enfadado.
Por causa desse fracasso, virou-se, como vimos antes, para uma
diversidade de atividades, como se nelas estivesse o ideal que buscava. O
que nos parece é que Salomão desejava aquilo que o ser mortal jamais
encontrará na face da terra - a felicidade perfeita. Isso é miragem, que
parece ter ofuscado a mente de Salomão. Não se contentava com meios
termos, queria o todo, se bem que isso não fosse possível; e podemos até
afirmar que o aparente pessimismo do livro reflete esta tentativa de
buscar e achar o que não existe a felicidade perfeita. Qualquer homem
que se devota a uma ciência e pela mesma dá tudo logo descobre não lhe
proporcionar o que busca. Se então se atirar a outras e outras, chegará à
conclusão de que já na primeira fracassou. O homem culto é aquele que
aproveita ao máximo o que a cultura lhe pode dar, para com ela manusear
o problema e dele tirar tudo, e não mais do que lhe pode oferecer. As
desilusões do sábio e do ignorante são nada existir completo e perfeito
nesta vida; e o máximo que se pode encontrar reside numa reflexão calma
e racional de que tudo na vida é relativo e nenhum ser humano consegue
tirar dele o máximo para o seu governo. Muitos se contentam com pouco;
outros, porém, querem tudo; e, parece, Salomão era dessa classe. Tudo
ou nada. Isso poucos conseguem realizar. Depois de um dia de labor
profícuo, quando a mente pede sossego, vem a pergunta: Será que realizei
o meu ideal? Cumpri todo o meu dever? A mente, assim acutilada, verga-
se à evidência de que ninguém realizou o ideal, e este só existe na
filosofia, não na prática. Embora a cultura seja superior à estultícia,
muitos chegam ao ponto de descoroçoar dos seus livros e dos seus cursos,
e até invejam o operário, que sai de madrugada para o seu emprego,
depois de atravessar distancias, apinhado na sua condução, a fim de pegar
numa picareta e arrebentar o chão, para à noite voltar a casa nas mesmas
condições da manhã. Então deita-se morto de cansaço e dorme, dorme
sem problemas, sem dividas a pagar, sem credores à porta, sem outro
objetivo senão o de na manhã seguinte seguir a mesma rota. Todavia,
nem este está satisfeito e inveja a outro que amanhece cercado de livros e
de problemas intelectuais, e diz consigo: "Quem me dera ser como aquele
homem de gravata e paletó, camisa engomada, sem ter que pegar 'no
pesado'." Assim, ninguém está satisfeito, e Salomão muito menos.
Argüiríamos: Se todos fossem doutores, quem cavaria o solo para tirar
dele o nosso alimento'? Se todos fossem operários, quem escreveria
livros e buscaria a ciência das coisas, para o melhoramento do homem?
Deus fez tudo bem: deu uns para a enxada e picareta, e outros para os
livros e a ciência. Nisso está o equilíbrio social, e, no fim, se cada um se
contentar com a sua sorte, a vida correrá melhor para todos. O que
prejudicou Salomão e prejudica a muita gente agora é não se contentar
com a sua cota, nos problemas da vida, e querer mais e mais, até se
esfalfar para alcançar ESSE MAIS E MAIS.
Pelo que aborreci a vida, diz o pregador (v. 17) Em face da pouca
valorização que algumas vezes se dá aos pendores intelectuais, chega-se a
pensar: o melhor é treinar na bola e dar um bom jogador; mas se todos
fôssemos Pelé, que seria da platéia? Nem todos podemos ser isso ou
aquilo, pois na vida e na sociedade há lugar para todos e para todas as
atividades. Muitos estudiosos se queixam, como Salomão, gastarem anos
em universidades, para depois verificarem que não podem nem concorrer
a um lugar de auxiliar de escritório, porque não sabem escrever a
máquina, não são estenógrafos, etc. Temos de possuir administradores
de empresas, como temos de ter assessores disto e daquilo; tão útil será
um como o outro. Nós não concordamos que tudo isso seja apenas correr
atrás do vento. Foi um modo de apreciar a vida por um ângulo só. Os
pessimistas nunca criaram muita coisa, e os queixosos igualmente. O bom
é que cada qual verifique as suas tendências e qualidades, e se dedique ao
seu desenvolvimento. Isto é o que constrói. Nada de queixumes nem
lamúrias, dizemos a quem ler esta página. Se alguém enveredou errado
pela vida e verificou que chegou a um beco sem saída, tenha paciência e
volte, se tiver tempo; se não, aja igualmente, porque o mundo carece de
todos, tanto dos mais como dos menos cultos, dos sábios e dos
ignorantes. Precisamos de gente para varrer a rua, e um médico não iria
fazer isso. Necessitamos de um homem que fique na boca do forno uma
noite inteira, para de manhã termos o pão fresco para o café. Precisamos
de soldados, para vigiarem as nossas casas, e até quem apanhe pedaços
de papel na rua e o vá vender a quilos. Dependemos de todos e de tudo.
Ninguém sobra, especialmente numa era quando tanto se carece de
gente, ainda que seja para limpar a graxa de uma máquina. Deixemos as
lamúrias de Salomão para lá.
Parece que foi esse entender de Salomão que prejudicou todo o seu
trabalho, pensando ele que tudo ficaria para os outros, que nada lhe
tinham feito (vv. 18 e 21). Salomão não compreendeu que somos partes
de um todo e estamos unidos uns aos outros por laços de sangue, de
afinidades raciais e humanas, e, assim sendo, devemos dar a nossa
partilha de serviços para o consumo de todos. Se cada qual pensasse:
"Ora, eu não me vou dedicar muito, porque não quero que os outros tirem
proveito do meu esforço", que sucederia? Os pais não plantariam para os
filhos, nem estes para os netos, e assim até o fim. Quantos benefícios
gozamos hoje, resultado da dedicação dos que já passaram há muitos
anos? Já referimos o caso de Mr. Bell, esticando uma linha e colocando
cada extremidade no ouvido de alguém. O que um dizia, o outro ouvia.
Hoje falamos à distância, interestadual e internacional pelo telefone. Foi
preciso que alguém desse o ponto de partida. O que dizemos de Mr. Bell,
poderíamos dizer de uma infinidade de homens, que viveram e morreram
e deixaram o produto do seu trabalho para os porvindouros. Esta é a lei
do Criador, que nos uniu a todos de tal modo que ninguém vive para si ou
morre para si (Rom. 14:7). Nós todos somos devedores a outros; alguém
que viveu, morreu e nos deixou alguma coisa, para encetarmos a nossa
carreira neste planeta. Há egoístas, e muitos; mas há igualmente muitos
filantropos, amigos da humanidade, e, com uns e outros vamos recebendo
e dando alguma ajuda. Esta é a grande lei da vida. *
Como foi que Salomão não aprendeu esta grande lição, ignoramos; ou, se
aprendeu, não o disse bem no seu livro. Nas palavras da apreciação do
texto referido no tópico, examinaremos a sua filosofia e o que ela quer
ensinar a respeito do trabalho. Seria isso que entendia do trabalho?
1) O aborrecimento do seu trabalho (v. 18).
Aqui está então a condenação dos que trabalham por obrigação física ou
por mero egoísmo, como o rico da parábola, o qual encheu as suas arcas
ao ponto de dizer à sua alma (note-se bem, à sua alma): "Minha alma,
tens em depósito muitos bens para muitos anos, descansa, come e bebe,
e regala-te" (Luc. 12: 19). Este é o trabalho que Salomão está fustigando,
egoísmo dos que se afadigam, para os outros comerem do fruto de seu
trabalho. Se podemos interpretar o discurso do Pregador, é isto que está
considerando. Ele mesmo faz esta amarga pergunta: E quem poderá dizer
se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho
das minhas mãos (v. 19). Como diria o egoísta: Depois de mim virá alguém
que talvez seja um tolo, um estulto, mas de qualquer maneira terá o
domínio de tudo quanto estou ajuntando. Os que trabalham com tal
pensamento serão sempre infelizes, pois lhes parece que o melhor seria
levarem tudo para a sepultura, nada deixando para os outros. Para os tais
tudo é vaidade mesmo.
1. Introdução (2:24-26)
Este nosso Estudo começa por uma declaração muito Importante, qual
seja a de ser Deus quem tudo dá, Inclusive o comer, o alegrar-se, o fazer
qualquer outra coisa na vida, debaixo do céu. Deus dá ao homem a
oportunidade e a sabedoria para fazer as coisas que deve realizar,
persuasão por onde o autor do Eclesiastes prossegue na sua dissecação
dos problemas da vida humana. A aceitação do fato de que Deus é tudo e
dele tudo vem já nos ajuda a compreender que não estamos lidando com
um cético, um incrédulo na existência divina. Há Deus. Isso ajuda a
resolver muita coisa. Se há Deus, não há motivo para ceticismo, pois tudo
deve estar condicionado ao seu governo, visto que, ele deve ter ordenado
tudo conforme o seu modelo original. Não há pessoa que tenha o direito
de dizer: "Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos", como se
não houvesse governo no universo e cada qual agisse como os Irracionais,
que procedem justamente assim, sem saberem por que o fazem. O
homem não é animal desse tipo; é um racional, que sabe distinguir entre o
preto e o branco, o direito e o torto. O autor vai mais adiante ainda, e
afirma: Pois, separados deste (Deus), quem pode comer ou quem pode
alegrar-se? Deus é quem dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem
que lhe agrada; ao pecador, porém, dá trabalho para ajuntar e amontoar,
a fim de dar àquele que agrada a Deus (2:24 e 25). Já temos, então, parte
da resposta que temos buscado em nosso primeiro Estudo. Tudo vem de
Deus, e o que não confia nele ajunta, não para si, e., sim, para os que
crêem. Será então que o autor deste livro condiciona todos os problemas
de frustração e de irracionalidade aos que nele não acreditam? Se assim
for, então está interpretado o Livro de Eclesiastes, embora o autor não
diga tudo Isso com clareza; é muito sibilino.
O que é já foi, e o que será também já foi; Deus fará renovar que passou
(v. 15). Quanto tempo Deus esperou para criar o universo? Quanto
tempo o universo criado esperou pelo aparecimento do homem?
Responda quem puder. O fato é que Deus é o Senhor do tempo, e tudo
fez formoso no devido tempo (v. 11). Dentro desse conceito bíblico, que
proveito tem o homem naquilo que se afadiga? (v. 9). Quem sabe? O
trabalho, diz o escritor sagrado, foi por Deus para afligir os filhos dos
homens (v. 10). Afligir como? Deus não pode afligir ninguém sem motivo.
Então, aqui, que significa afligir? O mesmo que já dissemos acima em
relação ao primeiro item desta discussão: o homem se aflige procurando
dentro do tempo saber qual é o seu tempo; e porque não descobre o
tempo do seu tempo, e não tem sabedoria para um discernimento
completo, se afadiga e se consome. O trabalho não aflige, porque Deus
trabalha, e Jesus afirmou seu Pai trabalhar até agora e ele também (João
5:17). Se Deus trabalha e Jesus também trabalha, e não pode haver nada
parado, nem no céu nem na terra, a atividade é uma característica da
criação, e o trabalho não pode afligir ninguém, e de fato não o aflige. O
homem, quanto mais trabalha e produz mais deseja trabalhar e produzir.
Diz-se que o trabalho no Brasil e noutros países escravocratas tomou um
sentido de obra de escravo, porque só os escravos trabalhavam, enquanto
os senhores dormiam nas suas redes ou camarins o dia todo. Isso já
pertence ao passado. Atualmente, todos trabalhamos e gostamos de
trabalhar e produzir. Fica então claro em nosso texto que o trabalho,
dado por Deus aos homens, não foi para os afligir; eles é que assim
julgam, por não o compreenderem. O verso 11 do nosso tópico nos ajuda
a entender o sentido do trabalho. Tudo fez Deus formoso no devido
tempo (v. 11). Fez mais do que isso: pôs a eternidade no coração do
homem (v. 11). Aqui está a solução do homem no tempo. Ele não é do
tempo, mas está no tempo. O de que carece é saber o que lhe cabe nesta
parcela de seu tempo e o que cabe aos outros, pois é da eternidade. Os
que se sentem parte da eternidade e sabem que o tempo aqui é curto, e
logo a noite vem, quando ninguém pode trabalhar (João 9:4), não se
afligem com o trabalho. A palavra traduzida aqui tempo significa no
hebraico Para Sempre ou eternidade, por isso a Versão Revista da SBB faz
bem em traduzir a palavra mundo, na versão antiga (v. 11), por
eternidade. Nós somos da eternidade e a nossa parte no tempo faz parte
da mesma. Assim sendo, não temos que nos afligir com o nosso trabalho,
pois pertence à eternidade. Estamos, pois, aqui para trabalhar, e assim
descobrimos o plano de Deus para nós no tempo e na eternidade, e isso
dá gozo e contentamento. Descobrir as obras de Deus para o nosso gozo
e benefício é qualquer fato que deve alegrar a cada um. Então, o que se
segue? Todos somos elos de uma cadeia que começa no tempo e vai à
eternidade; e não podemos quebrar este elo, pois é a nossa parte no
grande todo. Verdade é que os tolos não descobrem esses fatos, mas isso
não altera a verdade. Por isso o autor de Eclesiastes afirma que nada há
melhor para o homem do que regozijar-se e levar a vida regalada (v. 12).
Os tolos, quando se fala em vida regalada e regozijo, pensam
imediatamente em comer, beber e folgar. Isso faz parte da vida, mas não
é o que dá o gozo. Tanto quanto o peixe não se sente bem fora da água,
assim o homem não pode sentir gozo fora de Deus. Através desse nosso
livro de Estudo, sempre topamos com a palavra gozar, ou levar boa vida, e
a desassociamos do contexto, que é trabalhar, gozar a vida nas suas
verdadeiras finalidades.
Ele afirma que o que sucede aos filhos dos homens, sucede aos animais (v.
19), isto é, tanto uns como outros, todos, por igual, vão para a cova, que é
o fim de toda a criação. Será que quer ensinar que tanto uns como os
outros, todos, por igual, terminam na cova? Por que então a diferença tão
clara e profunda da criação do homem e dos animais'? E por que o
mesmo escritor, em tantos outros passos, distingue o homem dos
cabritos, como, por exemplo, em 11:9, ele mesmo ensina que de todas
estas coisas (que ele enumera) Deus te pedirá contas? Como é que Deus
pede contas a uma pessoa ou coisa que não existe, no caso de a alma do
homem perecer junto com o corpo na cova? Ainda em 12:7 ele volta a
afirmar: ... e o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus, que o
deu. Ainda em 12: 13 declara: A suma é: Teme a Deus e guarda os seus
mandamentos porque Isto é dever de todo homem. Portanto,
examinando o texto de 3: 19 e 20 com os contextos diversos no mesmo
livro, podemos afirmar que Eclesiastes não ensina a mortalidade da alma
humana. Não precisaríamos de recorrer a outras muitas escrituras; estas
bastariam. Mas, pergunta-se ainda: Que quer ele ensinar nesta escritura
tão controvertida,? Está monologando a respeito da vaidade da vida,
como tudo neste mundo é contraditório, quando o justo não encontra
justiça e o perverso tem o caminho aberto para a sua prática da injustiça.
Nesta contextura chega então a colocar num mesmo plano, a vida de
todas as coisas criadas, isto é, que se vive e se morre, quer se trate do
homem quer dos animais. No verso 21 deste mesmo capítulo, levanta a
questão sobre o destino do espírito ou se o fôlego da vida dos homens se
dirige para cima e o dos animais para baixo. É uma indagação supérflua
em face das outras afirmativas dele mesmo, mas estão dentro do contexto
dos seus argumentos (veja a próxima página).
Há uma outra Indagação: Quem sabe se o fôlego da vida dos filhos dos
homens se dirige para cima, e os dos animais para baixo, para a terra? É
uma pergunta a que o autor não responde, porque não lhe Interessava
entrar nesse terreno; entretanto, aventa a suposição de o fôlego (espírito)
dos homens, subir para cima, e o dos animais descer para baixo. No
conceito judaico, todos os mortos iam para o mesmo lugar, para o Sheol, e
lá aguardavam o juízo. A mesma concepção tinham os gregos com o seu
Hades, onde os juizes bons lá estavam, e os carrascos de Sócrates
também. Este Sheol é aqui embaixo, algures, como também o Hades. Foi
ao Hades que Jesus desceu antes de ressuscitar, para pregar aos mortos-
vivos no Sheol ( I Ped. 3: 19). Portanto, os dizeres do autor de Eclesiastes
não têm sentido quanto a subir ao céu ou descer ao inferno, que não
existe para os Testemunhas de Jeová. É apenas uma Indagação para
constatar a diferença entre homens e animais.
O tolo cruza os braços, e come a sua própria carne... (v. 5). O tolo, o
invejoso, o que não tem capacidade de fazer força entende ser melhor
cruzar os braços e nada fazer. Estes são a exceção da raça, pois, entre os
que produzem e os que apenas consomem, os dois extremos da
sociedade, deve haver um termo médio, e este será o do que produz,
mesmo contra os invejosos. O "comer a sua própria carne" não tem
sentido antropófago; quer dizer, o que tem muito pouco, com isso fica
,satisfeito, contanto que não faça força. Isso significa comer a sua própria
carne. Talvez seja preferir comer o que tem, pouco ou muito, a se
esforçar como o que inveja, deixando de produzir. Numa última palavra,
temos aqui um retrato das atividades industriais, que certamente não
ofereciam ao espírito competitivo, nos dias do autor do nosso livro,
qualquer incentivo. Não havia indústria desenvolvida, e, sim, a lavoura e a
pecuária, embora nesse mesmo terreno fosse possível o espírito Invejoso.
O preguiçoso encontra uma justificativa para a sua preguiça, que nasce
muitas vezes da sua Inveja, e então acha que o descanso, o ócio, é melhor
do que a canseira do trabalhador. Não diria assim o operoso, o que
produz e enche as mãos de serviços, que progride e dá à sociedade
alguma coisa digna do seu trabalho. O ócio é útil, mas não o do
preguiçoso, que entende ficar de braços cruzados o dia todo, vendo o seu
companheiro avançar. O Livro de Provérbios contém algumas sentenças
acres a respeito do preguiçoso, e mesmo o Eclesiastes tem a sua queixa
contra essa gente (Prov. 19: 15; 6: 9; 12:27 e ss.; E el. 10: 18). Não há
lugar para o ocioso, o preguiçoso fora do normal. É um elemento
destinado à destruição e à decadência, porque a natureza trabalha e,
como já vimos, Deus e Jesus trabalham até agora (João 5:17). Logo, é de
ver que Eclesiastes não elogia o preguiçoso, mas está apenas discutindo
uma tese muito natural.
3. A Solidão e a Sociedade (4:7-12)
O bondoso Criador não nos fez para a solidão. Criou um casal para ambos
se ajudarem e serem companheiros. Há Indivíduos que não querem
trabalhar para ninguém, e arranjar uma companheira, para ter de
sustentá-la, parece ser coisa Indesejável para tal gente. É contrapartida do
ocioso, que não trabalha para não dar nada para outrem. Não podemos
afirmar que a atividade particular não ofereça restrições; porém, entre
estas e o prazer de ajudar e concorrer para o bem da coletividade, este
deve prevalecer. Todavia, se houver um homem sem responsabilidade de
família, pode acontecer que o tal não sinta prazer em oferecer à sua
comunidade qualquer benefício. Um homem sem ninguém, não tem filho
nem Irmã, contudo, não cessa de trabalhar (v. 8). Este é o elemento
construtivo da sociedade, que, não tendo a quem dar de comer, nem por
isso cruza os braços. Acreditamos tal pessoa não ter o estímulo dos que
trabalham, porque não tem para quem deixar o produto do seu esforço,
mas mesmo assim faz sua parte. Poderá ser isso vaidade e enfadonho
trabalho? (v. 8). Talvez. Por isso mesmo Deus colocou no coração do
homem o Instinto gregário, Isto é, poucos ficam sem irmãos ou sem
alguém a quem dar de comer; todos seguem a linha geral e nem indagam
das conseqüências no porvir. Como resposta a esta Indagação do autor do
nosso livro, lá vem a sentença: Melhor é serem dois do que um, porque
têm melhor paga do seu trabalho. São dois ajuntando num só monte.
Nos dias de Eclesiastes, a mulher não competia com o homem como
agora, mas trabalhava, e até, em algumas sociedades primitivas, era ela
quem agia, porque era considerada escrava. A figura, se caírem, um
levanta o companheiro, é bem feita. Se um sozinho cair, fica no chão
porque não tem quem o ajude a levantar-se. Igualmente, se dois
dormirem Juntos, eles se aquentarão, mas um só, como se aquentará (v.
11). Fica, pois, evidente que a solidão não é aconselhada em nosso livro, e
só os misantropos preferem ficar sós, para não terem de trabalhar e dar
comida aos outros. Nesta ordem de considerações, o autor vai mais
longe: Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois resistirão; o cordão
de três dobras é mais forte do que o de uma só (v. 12). São considerações
aparentemente banais, mas têm o seu sentido gregário, um dos motivos
por que a sociedade subsiste e se desenvolve. Há muita sabedoria no
modo como foi criado o homem em sociedade, sendo-lhe dada a mulher
como ajudadora ou adjutora; o fato de ela haver sido feita de uma costela
do homem diz o resto. Sempre que os pastores celebram cerimônia de
casamento, lá vem a figura de que a mulher não foi tirada da cabeça, para
não dirigir o homem, nem dos pés, para não ser espezinhada por ele, mas
do lado, para servir de escora, diríamos nós. Esta é a sabedoria do
Criador; e não adianta malquistar o casamento, com a idéia de que a vida
está ficando cara, e o homem que se ajunta a uma mulher já deve saber o
que isso lhe vai custar. Agradecemos ao Pregador estas idéias
construtivas, mesmo porque, se ele tomasse outro caminho, ninguém lhe
daria ouvidos. Dois se aquecem e se defendem melhor, assim como um
cordão de três dobras é mais forte do que outro de duas ou de uma.
Deve ser assim mesmo, pois, quando prometemos, não o fazemos aos
homens, mas a Deus; e se não cumprimos, não faltamos aos homens, mas
a Deus. A ira de Deus termina na destruição das obras das nossas mãos,
isto é, na falta das bênçãos que deveriam vir e não vem, e no atraso da
vida mesma, por causa da infidelidade. E, então, vem esta observação
sarcástica: Como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também nas
multas palavras (não cumpridas); tu, porém, teme a Deus (v. 7). A falta do
temor a Deus é que nos leva a prometer e não cumprir, a encher o mundo
de palavras, como a vaidade dos sonhos. Os pregadores das igrejas lutam
com os seus pastoreados para que sejam fiéis e cumpram os seus deveres
para com Deus, mas quantos se convencem? Por isso voltamos a dizer
que as igrejas são pobres e não podem realizar a sua missão missionária e
pastoral, por causa da infidelidade dos crentes. Tudo isto, pois, deve ter
uma recompensa.
Concluímos, pois, com o escritor sagrado, que até o culto a Deus se torna
uma vaidade.
2. O Magistério Divino (5:8 e 9) (1)
(1) Veja Hans Bürki em A Vida Cristã no Mundo Hoje - Casa Publicadora
Pode parecer que a Bíblia é contra as riquezas, mas não é. O que a Bíblia
condena é o mamoísmo, o culto da riqueza com o desprezo das outras
atividades ou deveres. O que Cristo condenou no rico avarento (Luc.
16:19-21), não foi a riqueza, mas o desprezo pelo pobre que ficava à sua
porta, cheio de chagas. Igualmente aquele que mandou a sua alma
comer, porque tinha grande fartura de bens para muitos dias (Luc. 12:13-
20). O que a Bíblia condena é, pois, o mau uso da riqueza, e é neste
sentido que vamos estudar esta grande mensagem de Eclesiastes.
Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer coma muito, mas a
fartura do rico não o deixa dormir (v. 12). O homem que trabalha e
produz, mesmo que não enriqueça, é o homem feliz da terra, pois, ao
acabar uma jornada, dorme tranqüilo, na consciência de haver dado a sua
contribuição à riqueza humana. Dorme descansado, enquanto o rico
(ganancioso) não pode dormir. Já noutros trechos nos referimos ao
trabalho afanoso do operário, que sai cedo de casa e volta tarde, e, em
alguns casos, os filhos só vêem o pai nos domingos e mal, porque se
dedicam aos esportes, e lá se vão para os estádios. São homens pobres e
felizes porque não têm dividas, a não ser a prestação da TV, embora mal
ganhem para o pão de cada dia. O destino de cada um está determinado
por Deus; portanto, se um obreiro se cansa do trabalho, mas dorme
descansado e tranqüilo, enquanto o rico passa as noites em sobressaltos,
cada qual recebe o quinhão que lhe cabe. A felicidade de cada um é
aceitar a sua cota de trabalho, e não contender com o seu Criador nem
pretender adicionar um cúbito à sua estatura. Tudo aqui é transitório, é
passageiro, e bom é que nos contentemos com o dia de hoje e não
estraguemos o de amanhã. A cota de cada um na construção da
sociedade é dada de vários modos: uns dirigem, outros são dirigidos. Uns
ajuntam em celeiros, outros não têm o pão de cada dia. Todavia, todos
apostam carreira para conseguir o máximo, e nós não estamos aqui para
aconselhar um desejável ócio, umas férias fora do tempo. Que cada um
seja bastante sábio para receber o seu quinhão da vida e dar graças ao
Criador por ele.
Uma coisa boa o Pregador viu: comer e beber e gozar o bem de seu
trabalho. O ensino é que, ao contrário da ganância, que ele combate,
deve a vida ser vivida normalmente, não perdendo de vista o dia de hoje,
porque o amanhã é incerto. Cremos que não esteja aconselhando o ócio e
a folgança, comida e bebida apenas. O melhor da vida é a felicidade ou o
prazer; e os que são capazes de conduzir a vida com sabedoria gozam hoje
o produto do seu trabalho sem as preocupações do amanhã. A pobreza
de muitos e a ganância de outros prejudicam este princípio de felicidade
no trabalho. Há pessoas que não sabem o que é felicidade na vida.
Passam os dias amarguradas ou por falta de recursos ou por mau destino
dos negócios. Uns e outros pedem o que o Pregador está ensinando: a
melhor coisa é comer e beber e gozar. Pode parecer o escritor sagrado
estar aconselhando a vida boêmia, mas nada disso. O que ele deseja é o
equilíbrio normal. Trabalhar e comer, viver e gozar. As riquezas e os bens
são dádivas de Deus (v. 19), e devem servir para a felicidade da vida.
Pensam muitos que a distribuição divina tem falhado neste ponto, porque
dá muito a uns e pouco ou nada a outros. Parece Isso, mas deve haver
uma explicação razoável para o problema. Muitos são diligentes, ativos e
trabalhadores, enquanto outros são Indolentes, medrosos e preguiçosos.
Destas diferenças deve nascer essa desigualdade na distribuição das
dádivas divinas, pois não nos é aceitável Deus fazer acepção de pessoas
(At. 10: 34), dando muito a uns e pouco ou nada a outros. Devemos
procurar a causa dessa desigualdade na desigualdade das pessoas. De
qualquer modo fica claro que Deus é quem nos dá tudo. Ele dirige o
universo, e ninguém está esquecido no seu governo. Uns são gratos a
Deus, outros comem tudo e não se lembram dele, e até pensam que a sua
inteligência é que lhes deu a fortuna. Terminemos esta seção
reconhecendo que de Deus nos vêm a vida, a saúde, o talento e tudo; de
nossa parte, a diligência, o esforço bem controlado e a ciência do viver,
porque Deus não nos dá um programa para cada dia, como uma espécie
de agenda doméstica ou comercial, mas um roteiro a longo prazo, para a
vida toda. Convenhamos que o divórcio entre o homem e Deus é que
causa as dificuldades e os problemas que nos afligem. Volvamos para
Deus, com alegria, com gratidão e anseio de viver com ele.
5. Determinação do Problema da Riqueza (6: 1-6)
O destino final do homem é determinado por Deus. Então tudo deve estar
de acordo com Quem determina a vida. Qualquer atitude contrária a esse
ponto de vista vale por uma rebelião contra o Criador; e qualquer rebelião
é como um abortivo, terminando em vaidade. Parece que essa é a
doutrina desses últimos versos do capítulo 6, quando ensina que todo o
trabalho do homem é para a boca, isto é, para alimentação e conforto, e
nisso o sábio não leva vantagem sobre o tolo (vv. 7 e 8), desde que tudo o
bondoso Criador dá ao homem para sua felicidade. Logo, se o sábio não
usa a vida e seus bens como deve, fica igual ao tolo, que nada sabe e
entende. Por mais de uma vez o escritor demonstra que o sábio e o tolo
se igualam quando não usam da sabedoria que Deus dá para a vida; o tolo
é tolo mesmo, e o sábio torna-se tolo. Esta gente a quem falta o tino de
viver como deve e como Deus deseja, torna-se atoleimada, não sabe o que
faz nem por que o faz, resumindo o seu viver na doutrina do verso 9, que
ensina: A vista dos olhos é melhor do que andar ocioso, dominado pela
cobiça, pois isso é o mesmo que correr atrás do vento, isto é, não traz
qualquer vantagem para a vida de ninguém. o mesmo que contender
contra o mais forte do que ele Deus. Nós nos sentimos envolvidos num
emaranhado da vida, correndo de um lado para outro, lutando sol a sol,
ganhando e gastando, trabalhando e comendo, mas a maioria das vezes
nada disto tem sentido para a vida, que é curta e mal vivida. Se nós
tivéssemos o dom de destrinçar muitas das afirmativas deste maravilhoso
livro, diríamos apenas isto: Todos nascemos para o trabalho. O trabalho é
um dom de Deus, e pode resultar, para uns, em riqueza que não sabe ser
útil à vida de quem a conquistou. Lutamos mais pelo futuro do que pelo
presente, esquecendo que a vida é curta e é bom viver e alegrar-se.
Paramos, pensando nos que ficam, enquanto vamos para o lugar de onde
não se volta, sem o preparo para essa ida. Finalmente, a vida é para muita
gente, rica e pobre, um mero aborto, como nascer e não ver o sol. Muita
gente vive do mesmo modo que um abortivo, esquecendo-se de Deus,
que nos doou a vida para ser gasta com alegria e ações de graça. Parece-
nos ser esta a filosofia do grande Pregador. Deseja ele que todos vivamos
bem, muito felizes, não sejamos tolos, mas sábios, e recordemos que,
acima das nossas cabeças, há um que tudo determina. Portanto, as
preocupações, tanto quanto possível, devem ser afastadas, confiando-se
mais em Deus, que deu a vida e dela cuidará. É, como se pode ver, um
tratado de FILOSOFIA DA VIDA. Os que malsinam o Livro de Eclesiastes,
por seus aforismos, suas figuras de correr atrás do vento ou vaidade da
vida, devem parar um pouco e ver quanta doutrina prática ele nos ensina.
Naturalmente reconhecemos que muitos dogmas estão de mistura com
figuras, que nem todos podem diferenciar, mas fica o fato de que este
livro é um grande livro, o livro prático, que nos mostra a brevidade da vida
e o dever de viver bem e ser feliz. Sobretudo, lembrar que a felicidade só
será possível numa comunhão contínua com Deus, o Autor da vida.
Aquele que lhe está em correspondência verdadeira, sobre quem repousa
a sua felicidade, não sentirá as agruras do dia de amanhã, visto o seu
Criador ter meios de prover a sua existência sem as preocupações
constantes dos sem Deus (Mat. 6:33 e 34). A solução para esta filosofia é
a comunhão com Deus e a obediência a seus mandamentos.
7. Uma Filosofia da Vida e da Morte (7:1-14)
O autor desse livro lida muito com esses dois problemas: viver e morrer.
Quanto à vida, reconhece a sua dificuldade no tocante ao seu
encaminhamento de modo que produza os frutos destinados a todo ser
vivente; quanto à morte, é uma incógnita que não consegue resolver, pois
todos estão destinados ao mesmo fim, todos vão para o lugar de onde não
se volta mais. Na vida não sabemos como viver, sejamos ricos ou pobres;
e na morte, reina o mistério. Estas duas extremidades levam o pregador a
julgar mais útil o aborto, a vida que não chegou a ser começada. Pode
parecer, e assim tem sucedido a muitos que estamos lidando com um
sistema pessimista, que tem levado tantos à destruição, mas não é bem
isso. O que o Pregador deseja Insinuar e mesmo ensinar é que a vida é
difícil e requer muito cuidado; e a morte Inevitável é assunto para ser
deixado com Deus, a quem vamos dar contas. Logo, não se trata
propriamente de um pessimismo, mas de fé para viver e morrer. Isso o
Pregador desenvolve mais detalhadamente nesta seção, que mais se
parece com uma enciclopédia de recomendações, que mesmo com um
determinado sistema. Cada verso contém uma síntese sábia sobre
determinado problema, que nós estudaremos com carinho e boa vontade,
procurando extrair do divino livro as lições que nos podem ajudar a viver o
nosso dia.
No verso 4 esta mesma Idéia volta a ser reafirmada, quando diz: O coração
dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos na casa da alegria.
Noutra linguagem, o insensato busca só os prazeres, sem consideração
pelo outro lado da vida, como se esta consistisse só de prazeres, e nada
mais. O sábio reconhece que ambos são inevitáveis. Adversidade, tristeza
e morte devem estar sempre presentes na mente do sábio, que não vive
só para o folguedo. Ele não deve ter plena consideração por ambas as
coisas, e até preocupar-se mais com o pior, para não ser surpreendido por
ele. A moderna maneira de se entender a vida como um contínuo
banquete, um contínuo prazer, não é a melhor filosofia de vida. Tais
pessoas não levam em apreço os dois lados do viver. Consideram a morte
e a dor como um cão adormecido, diante do qual a gente passa na ponta
dos pés, para não o despertar e nos pegar. Parece até que a preocupação
do homem moderno é fugir da dor da morte, como fatos irracionais, algo
a quebrar o nosso ritmo de vida, e, para retardar esse dia, as maiores
precauções e cuidados são tomados, o que está certo, embora não
convenha pensar-se que tais acontecimentos não nos sobrevenham.
Todos caminhamos devagar ou depressa para estas eventualidades, e é
bom que elas estejam sempre presentes em nosso espírito. Parece que a
preocupação de Eclesiastes foi justamente preparar-nos para tais eventos.
Como diz alguém: Se formos capazes de olhar a morte cara a cara, e
enfrentá-la como quem enfrenta um acontecimento previsto, então a vida
perde muito das suas ilusões e seremos levados a uma preparação
necessária para tal acontecimento. O que este livro nos recomenda é uma
espécie de disciplina das realidades da vida, de que muitos se esquecem.
As lições são duras e desagradáveis, mas boas e inevitáveis. Devemos
sempre levar em conta a dimensão da vida, o lado físico e o metafísico,
certos de a vida não ser um tabuleiro de xadrez, em que todos são pretos
ou brancos. Apresenta as duas cores, e sem esta diversidade não haveria
nem tabuleiro de xadrez. Há gente que só vive para se queixar. Há outros
que só se dedicam ao prazer. Nem uma coisa nem outra são as
coordenadas do livro que estudamos, e, sim, as duas conjuntamente.
Ficar lamentando o que passou, os bons dias de outrora comparados com
os de agora (v. 8), não é boa filosofia, pois a cada quadro cabem as
devidas cores; se tudo fosse branco, azul ou róseo, não haveria
combinações de cores e os artistas morreriam de tédio. Uma boa
disciplina, um bom e sábio comportamento de vida é o que Eclesiastes
recomenda, e não apenas um lado, o alegre ou o triste. Quem pode negar
que a vida é composta dos dois? Não aconselharíamos um sistema de
vida que só levasse em conta o lado negro ou mau, porque ela tem muito
de bom, tampouco lembraríamos um lado que só leve em conta o prazer e
a felicidade, porque quando estes faltarem a vida perde o seu encanto. Os
dois, a dor, o sofrimento e a morte de um lado, e o banquete, a alegria e a
felicidade do outro, são as duas categorias que compõem o xadrez do
nosso viver. Os que só vêem o lado mau são os pessimistas; os que só
pensam no lado bom são os ilusionistas; os que, porém, consideram os
dois lados são os otimistas ou, como já disse, os melhoristas.
2) A paciência é também uma boa mezinha para a vida (vv. 5-8).
Como o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal a risada do tolo
(v. 6). É uma figura meio grotesca, se bem que natural. Não há sentido
para o crepitar de lenha debaixo da panela, como não há nas risadas dos
tolos. Tanto uma coisa como a outra são vãs, destituídas de sentido. A
lição parece ser a de que nem todo barulho que se faz em nosso derredor
vale. Há muita fumaça e pouco fogo. Se pudéssemos dizer que a maioria
dos sucedidos ao nosso redor não faz sentido e é quase sempre
sensaboria, diríamos uma trivialidade, mas é isso mesmo. A humanidade
não tem o senso da naturalidade, e tanto elogia como critica,
dependendo, portanto, de quem o faz. Devemos sempre pesar o valor
dos elogios que nos fazem, pois bem pode ser o desejo apenas de nos
agradar, ou de ganhar nossa amizade. O sábio, quando repreende, faz um
bom serviço, porque procura corrigir e endireitar. Todos nos sentimos
prejudicados com as críticas fora de propósito, mas a crítica sensata
constrói, enquanto o elogio muitas vezes tem poder destruídor, pois cria a
vaidade. Não apreciemos demasiado o elogio nem desprezemos
igualmente a crítica.
Depois destas pesquisas todas, pensou ele que no amor encontraria a paz
e a tranqüilidade desejadas, para logo descobrir que a mulher, cujo
coração são redes e laços, e cujas mãos são grilhões, é coisa mais amarga
do que a morte (v. 26). A conclusão foi tal que afirma: Quem for bom
diante de Deus fugirá, mas o pecador virá a ser seu prisioneiro (v. 26).
Esta não é a única escritura em que o homem é advertido contra as
seduções da mulher e do amor, pois são laços de morte, e, mais cedo ou
mais tarde, cairá, dominado por eles. As conclusões que o sábio Pregador
tirou das suas buscas e pesquisas, conferindo coisas com coisas, para
depois formar um juízo seguro, foram as mais terríveis que se pode
Imaginar ou desejar, porque a falsidade, a mentira, o embuste, o dolo, a
tolice ou a perversidade tudo destroem. Bem que ele queria formar um
juízo seguro sobre a melhor maneira de viver, todavia, termina
confessando estar ainda procurando essa solução e na experiência
conclui: entre mil homens achei um como esperava, mas entre tantas
outras mulheres não achei sequer uma (v. 28). Que dizer disto? Serão as
mulheres piores que os homens? Aqui deveria falar um filósofo com larga
experiência da vida; porém, se aceitarmos a conclusão do Pregador, elas,
de fato, são a causa dos maiores males. Talvez em si mesmas não sejam
piores que os homens, sejam iguais, como pecadoras; entretanto, a sua
condição feminil as torna perigosas, as converte em redes e laços, cujas
mãos são grilhões (v. 26). Salomão, se é o escritor destas palavras, estava
falando da sua experiência, pois foram as suas mulheres que o arruinaram
e destruíram o seu trono (I Reis 11: 1-8), criando-lhe uma situação que
jamais pôde ser consertada. O próprio Livro dos Provérbios tem ensinos
muito fortes a respeito das mulheres (Prov. 7:1-27; 9:13-18). Não desejam
estas notas carregar com tintas demasiado fortes a posição da mulher na
sociedade humana, pois muitos dos seus pecados são criação dos próprios
homens.
A situação que o Pregador descreve neste livro não é outra, senão uma
confissão de que o homem, criado por Deus à sua Imagem e semelhança,
caiu e se derrotou. Nessa queda arrastou consigo a sua pessoa e o pior:
levou todos os seus descendentes, próximos e remotos. O homem foi
criado reto, mas se meteu em multas astúcias (v. 29). Astucioso, metido a
sábio, desejoso do que não possui, ganancioso, ladravaz, multa vez, o
homem criou a sua própria condição de vida insolúvel. O que temos na
sociedade moderna e na dos séculos passados, que é senão o resultado
das astúcias humanas? Não tem sido por falta de homens bem
intencionados em corrigir a situação, homens que foram exemplos de
moralidade, cultura e Inteligência, homens dedicados à busca e soluções
para o viver humano. A família humana conta esses homens aos milhares,
mas todo seu empenho sempre resultou em fracasso. Quando terminou a
Primeira Grande Guerra, os vencedores tentaram criar uma sociedade
humana de estados que evitasse outra guerra. Pois bem, foi essa mesma
organização, nas suas malhas de sabedoria, que determinou a Segunda
Grande Guerra. Dizem os entendidos que Hitler foi um subproduto da
estrutura da Liga das Nações, que, descarregando pesados tributos sobre
a Alemanha, forneceu os elementos de desforra, que encontraram num
paranóico o elemento da vingança. Depois foi criada outra organização,
que bem ou mal está vivendo, embora as guerras parciais ou regionais
sempre continuaram e continuarão, porque as Injustiças, as astúcias dos
homens não propiciam a paz universal. Estamos certos, esta ordem de
coisas em que vivemos agora não terminará em paz. Aliás, nosso Senhor
já nos advertiu, que haveria guerras e rumores de guerras (Mat. 24:6). As
guerras são o fato mais dispensável no convívio humano, porque pouco ou
nada resolvem, se bem que o homem pecador goste do pior. Há um
tribunal de Arbitragem em Haia, na Holanda, destinado a dirimir quaisquer
causas ou contendas entre os povos, mas parece não ter muito que fazer,
porquanto os homens decidem seus negócios pelas armas, matando-se
uns aos outros, destruindo vidas e fortunas. Mais de 30.000.000 de
homens morreram na última guerra, e outros tantos ficaram inutilizados
para a vida, pesando nos orçamentos dos Estados. Uma fortuna
incalculável foi destruída com o afundamento de navios mercantes,
destruição de cidades, enfim. Ainda não estão pagas todas as dívidas
desta guerra; os homens belicosos, porém, não cessam de arreganhar os
dentes uns para os outros. Isto tudo por quê? Por causa do pecado, pois
só o pecado em a natureza humana torna o sábio estulto, e o trabalhador,
ladrão. Perdão por esta digressão política, fora dos moldes destas notas.
O que levou o Pregador a voltar ao assunto deve ter sido o fato de que o
homem é mau mesmo, e somente submetido ao governo, com polícia
atrás dele, poderá ser contido. Esta é a nossa opinião a respeito desta
seção ora em estudo. O governo tem não apenas o dever de manter a
ordem pública interna, mas a de prover, por meio de cobrança de
impostos, os meios de melhorar a vida social. Quem achar que
determinado governo não serve, pode tentar mudá-lo, mas logo verificará
que todos são falhos, porquanto todos são constituídos de homens
pecadores, e a tara do pecado atinge tanto o homem da rua como o dos
palácios governamentais. Há casos quando é mesmo necessário mudar, e
para isso fazem-se revoluções, apesar de, na maioria das vezes, tudo
voltar ao que era antes. Com o perdão dos leitores diríamos aqui que em
1930 se fez a primeira revolução no Brasil. Era preciso mudar muita coisa
ou mudar tudo. Houve grandes mudanças e depois, aos poucos, tudo foi
voltando ao que era antes, salvante umas tantas exceções.
Tal fato resulta, como bem diz o autor: Visto como se não executa logo a
sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está
inteiramente disposto a praticar o mal (v. 11). Deus não se apressa em
punir os Indignos e maus, e, por essa aparente omissão da justiça, os tais
vão adiante na prática do mal, enquanto os bons, os que lutam a favor do
povo, ficam esquecidos. Se o castigo viesse logo, os ímpios se arredariam
do seu caminho; como não vem, essa gente pensa que nem haverá
recompensa para os seus crimes. Todavia, o Pregador tem o seu
raciocínio seguro quanto à justiça divina, quanto ao castigo da impiedade,
quando afirma que, mesmo que os pecadores façam o mal cem vezes e se
lhes prolongue a vida, ele sabe, com certeza, que bem sucede aos que
temem a Deus (v. 12). Mesmo que os ímpios vivam longos dias e
progridam na prática do mal, bem sabia o Pregador que a recompensa dos
bons, dos que temem a Deus, é certa. Esta é a nossa segurança, e por Isso
mesmo os bons não desanimam em fazer o bem, mesmo que os maus
continuem a florescer. Há efetivamente uma ilusão na vida moral, que
nos leva a pensar que os ímpios são os que gozam a melhor parte da vida,
e nada lhes acontece, no entanto, o seu fim é certo; enquanto os que
amam a Deus, os que vão à igreja, estão seguros da sua recompensa. O
perverso não Irá bem, diz o Pregador, nem prolongará os seus dias (no
mal); será como a sombra, visto que não teme diante de Deus (v. 13). A
doutrina da vindicação da justiça é aqui exaltada, assim como o prêmio da
iniqüidade. A justiça divina não aparece inteiramente nesta vida; muita
coisa fica para ser apurada na eternidade, e por isso temos de crer na
sobrevivência da alma humana, a fim de a justiça ser vindicada. Os que
pregam a extinção da vida, do corpo e da alma esquecem que multa coisa
desta vida fica para ser apurada depois, no além. Se tudo terminasse
neste viver terreno, então a mesma vida seria uma frustração. O nosso
sentimento de justiça, de beleza, do bem, essas grandes virtudes, que
ornam o caráter de tantos seres humanos, seriam uma ficção, um logro,
um engodo, se não houvesse outra vida, onde tudo deverá ser
devidamente apurado. Nós morremos sem realizar a vida, onde tudo
deverá ser devidamente apurado. Nós morremos sem realizar a vida;
passamos no meio dela. Muito do que desejamos não vemos, muito do
que almejávamos ficou por fazer. Somos mesmo uns frustrados, pois bem
poucos terminam a vida satisfeitos com o que viram e fizeram,
particularmente os que desejam servir a Deus. Então descansamos por
um pouco, até que chegue a hora de vermos satisfeitos os nossos ideais
de justiça e amor. Damos graças a Deus ser a doutrina da imortalidade da
alma humana tão flagrantemente ensinada na Bíblia, que nem podemos
pensar como é que, apenas baseado num curto texto deste livro (3:16-22),
se pode construir um ensino que derroga tudo mais, que tanto o mesmo
livro como o resto da Bíblia ensinam. Um Deus que criou o gênero
humano apenas para viver meia dúzia de dias aqui neste lado não é o
Deus que adoramos e conhecemos na Bíblia. Fomos criados para um viver
eterno; e, se o pecado arruinou esta vida, nem por isso o plano divino foi
destruído; continuamos a crer na sobrevivência da alma e na continuidade
da vida. Somos criaturas para o tempo e para a eternidade. Isso é o que o
Pregador nos ensina em 99,9 décimos do livro, e o décimo que parece
destoar deste todo deve ser lido e meditado à luz do contexto, pois a
melhor regra de hermenêutica é aquela que não se baseia num texto, mas
no texto e seu contexto. Aqui termina a primeira vaidade, segundo o
Pregador.
Uma análise mais detalhada nos levará a ver os conceitos acima expostos,
e concluiremos ser assim mesmo: todos corremos os mesmos riscos e a
caminhada é a mesma.
1. O Homem Ignora o Caminho a Percorrer (9: 1-7)
1) Este é o mal que há em tudo que se faz debaixo do sol (v. 3).
Todos são nivelados por uma mesma craveira quanto a receber o bem e o
mal, mas Isto por causa do coração dos homens, que está cheio de
maldade e nele há desvarios enquanto vivem. É uma repetição do que foi
dito nos dois primeiros versos. O coração humano é mau e não apenas
estraga o seu caminho, mas também os dos outros, parecendo então que
todos são nivelados pela mesma maldade. A experiência Individual ensina
o contrário, embora o princípio geral seja certo. Os caminhos dos bons se
perdem no labirinto das veredas da vida humana, dando idéia de que
todos são iguais. Entretanto, basta saber que, numa apuração fiel, que
virá um dia, as coisas se esclarecerão. Ai de nós se não tivéssemos estas
esperanças! Desanimaríamos mesmo. Uns lutam para servir a Deus e
cumprem as suas obrigações para com os semelhantes, enquanto outros,
ao seu lado, perjuros, perversos, usufruem boa vida, como se tanto um
como o outro colhessem os mesmos frutos de semeaduras diferentes. O
Pregador não tinha os elementos que Jesus trouxe para o mundo, e por
isso se louvou na experiência comum; mas ele mesmo admitiu que Deus
está no fim da carreira de todos, e lá haverá diferenças a ajustar.
Isto quer dizer que, enquanto há vida, há possibilidade. A vida vale pelo
que significa de preparativo para a eternidade, por isso que os mortos,
como veremos no próximo verso, de nada sabem e nada mais podem
fazer. O Provérbio é ilustrativo. De que vale um leão morto? Um cão
vivo, mesmo animal de pouca importância, tem seu valor - vive. Logo, a
vida é que vale para uma boa carreira, para um bom fim. A advertência é
boa. Muitos se deixam arrastar pela vida fora, esperando que depois Deus
fará como lhe aprouver. Deus não faz como lhe apraz, e, sim, de acordo
com a carreira que cada um viveu. Muitos ditos evangélicos incorrem
nessa condenação. Crêem que estão salvos e logo não há nada a temer,
seja lá qual for a maneira de viver. Acreditamos, sim, que quem está salvo
não se perde, mas também o salvo tem o desejo de ser justo e, se há um
crente assim chamado e vive como o porco, fiado de que está salvo e não
se vai perder, a prova é que está e sempre esteve enganado.
Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe o teu vinho... (vv. 7-9). A
vida aqui é para ser gozada no bom sentido; Deus assim o fez, pois criou o
homem e deu-lhe o jardim para cultivar as flores, para o adornar; os
animais para lhe fazerem companhia. A vida é linda e digna de ser bem
vivida; só os pessimistas vêm o mal em tudo. Verdade é que o pecado a
alterou, mas assim mesmo a vida ainda tem muitas coisas admiráveis e
que podem ser gozadas sem se praticar erros. Uma viagem, por exemplo,
aos países do outro lado do Atlântico, com lindos passeios de barco ou de
trem, ou mesmo de automóvel, bons hotéis com cozinhas internacionais,
onde se come ao gosto dos mais exigentes, é um fato delicioso, mesmo
que poucos possam dar-se a este luxo, que não julgamos assim. A beleza
das cataratas, como a de Paulo Afonso, as Sete Quedas do Iguaçú, os altos
Pirineus, os Apeninos da Itália, os imensos lagos de Genebra, com lindos
canteiros floridos, tudo é muito belo para a vista e para o espírito. A vida
é lindíssima e deve ser gozada, como ensina o Pregador. Tudo são dádivas
que Deus deu ao homem para serem gozadas. Afirma o Pregador que
Deus se agrada das nossas obras (v. 7), e como recompensa nos dá as
alegrias da família, dos amigos e das igrejas. Tudo somado, mesmo com a
nossa pobreza, a vida é encantadora e merece ser aproveitada. Um
passeio a qualquer cidade do Brasil, aos seus jardins, aos seus lagos, às
suas pontes e elevados, tudo quanto a inteligência inventiva do homem
faz, agrada ao nosso espírito e é uma dádiva de Deus. Gozar a vida antes
que a porta se feche, é ordem divina.
A vida, com todas as suas incertezas, não significa um viver triste e infeliz.
O escritor sagrado, depois de fazer sentir que há muitos lugares escuros
no seu caminho e de mostrar que enquanto vivemos é que temos de lutar
para vencer, porque depois da morte fecha-se a porta para esta vida, da
qual nada mais nos interessa e da qual não mais participaremos,
aconselha um viver alegre e feliz, vestindo roupas alegres, alvas e tendo
cabelos sempre penteados e tratados com óleo. O alinhamento das
roupas e o trato dos cabelos sempre foram indícios de bom gosto e boa
saúde do espírito. Os hebreus davam muita atenção a estas
particularidades, mandando que não faltasse o óleo nos cabelos e se
mantivesse o rosto lavado e alegre, para não indicar tristeza. Por ocasião
dos jejuns, acompanhados de tristeza, natural pela consciência do pecado,
aconselhava-se lavar o rosto, pentear o cabelo, para não indicar que se
estava jejuando (Mat. 6:16-18). O reflexo deste ensino encontra-se no
verso 8 do nosso estudo. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e
jamais falte o óleo nos teus cabelos (v.8). O advérbio jamais nos leva a
reconhecer não haver lugar para tristezas, porque o crente tem a seu lado
a ajuda do seu Deus, para vencer. Deve então ser alegre.
1) Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida fugaz (v.
9).
Esta recomendação é muito Importante, porquanto representa uma
grande parte da vida. O homem e a mulher que se unem pelos laços
matrimoniais assumem o dever de se amar, e neste amor há felicidade,
pois as duas vidas não são mais duas, mas uma, como ensina o apóstolo
Paulo . (Ef. 5:31). Infelizmente, esta instituição divina tem perdido muito
da sua substância, por causa das desavenças domésticas, com a ruína da
felicidade conjugal e da família. Todavia, o princípio, a doutrina,
permanece e não pode ser alterado. Esta é a melhor porção da vida, pelo
nosso trabalho debaixo do sol. Os casais felizes, depois de um dia
afanoso, se unem e retemperam as suas forças na comunhão dos seus
espíritos, e se preparam para outro dia de fadigas, porque a vida em si
mesma é uma vida afadigada.
2) Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,
porque noalém, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nemsabedoria alguma (v. 10).
Nota-se que o autor do nosso Eclesiastes luta com o problema da morte. É
um fato que não sai da sua cabeça, associando ele sempre esta morte com
o fim de tudo. No lugar para onde vamos não há projetos, nem sabedoria
a ser pedida para qualquer investida, porquanto tudo está completo. Lá
não se carece da inteligência dos sábios, nem das artes dos técnicos. Lá
tudo está pronto e terminado. Não há negócios, não há fábricas, não há
pontes nem açudes, não há obra alguma. Tudo que o homem tiver de
fazer deve fazê-lo aqui. Lá está tudo pronto. A vida no espírito não
admite inventos, nem fadigas ou trabalhos. Este fato tem preocupado a
muitos, no sentido de descobrir as ocupações dos espíritos no além. A
Bíblia é quase omissa neste particular, como se ela não tivesse programa
de vida para a eternidade. Preocupa-se com o homem aqui, e depois,
pouco ou nada. Sabemos, todavia, que o espírito não pode ficar inativo,
parado, pois não se fatiga, não carece de sono ou descanso. Então, em
que se ocupará? Eis uma pergunta que não é ociosa. A ocupação dos
salvos, nós sabemos, será louvar o Senhor, que lhes deu a graça da
salvação. Será só isso? Jesus admitiu que seu Pai trabalhava até agora
(João 5:17). Terá Deus terminado a sua obra? Não. Ele continua a
governar o universo com as suas leis, e nesse governo está o seu trabalho.
Jesus comanda os serviços do seu povo aqui na terra, tomando
conhecimento das suas atividades, dos seus esforços ou da sua
inteligência. Ambos então trabalham, mesmo porque não se admite
inatividade para seres espirituais. Logo, que farão os espíritos
desencarnados? Alguns têm admitido que nós, os salvos, teremos
oportunidades de viajar pelo universo de Deus, conhecer algo que aqui
desconhecemos, teremos de continuar os nossos estudos a respeito de
Deus, da sua graça e amor, dos seus planos para o gênero humano, uma
espécie de curso pós-graduado, onde nos doutoraremos em religião.
Continuaremos os nossos estudos iniciados aqui, que continuarão para
sempre, sem fim. Será isso mesmo? Que vai haver atividade, parece que
não há dúvida; qual será, porém? Ao certo mesmo, não sabemos. A
respeito das atividades no Reino depois do milênio sabemos que
reinaremos com Cristo, e este reinado deve compreender atividades
próprias, que nós ignoramos. O que o autor ensina é que o lugar para
onde vamos, na concepção judaica, é um lugar de espera, onde não há
trabalhos, nem projetos, nem conhecimento a ser usado, nem sabedoria
alguma para qualquer trabalho. O lugar dos judeus é o Sheol, onde os
espíritos esperam o seu destino final, quer bons ou maus, quando cada
qual receberá segundo as suas obras. Mas a nossa concepção não é a do
Sheol, mas a do Reino eterno de Deus. Por isso que o autor de Eclesiastes
não admite trabalho, nem Indústria, nem uso da Inteligência para
qualquer empreendimento, e então aconselha a não se perder
oportunidade alguma de tudo que vier as nossas mãos para fazer (v. 10).
Aqui é a nossa oportunidade. Depois, quem sabe? Disto, porém, muitos
se esquecem e julgam que depois da morte é que se vai trabalhar.
Quantas oportunidades são desperdiçadas, não conhecemos, mas muitas.
Os próprios crentes são uns perdulários quanto ao uso do seu tempo e das
suas aptidões. Quanta coisa fica por fazer porque muitos preferem o
descanso, o rádio, a TV ou o que seja,, negando-se a dar um concurso a
qualquer coisa que bem poderiam fazer. Numa igreja de 500 membros,
quantos realmente fazem tudo quanto lhes vem à mão? Evangelizar,
doutrinar, cooperar para que o Reino de Deus avance, quantos?
Relativamente poucos.
Não nos ocupamos aqui com a vida dos descrentes, quer neste planeta
quer na eternidade, porque são ignorantes das demandas de Deus, e
torcem as oportunidades da vida a seu modo aqui, e, quando forem para o
outro lado, onde não há obra, nem projeto, nem conhecimento algum,
cairão no vazio e terão por diretores as forças do mal, às quais serviram
nesta vida. Vale a pena ler a obra de Dante Alighieri, a DIVINA COMÉDIA.
Escrita por um poeta católico com a cultura medieval do seu tempo, mas
com uma concepção mais ou menos adequada ao ponto de vista de um
católico na eternidade. Para nós muita coisa não tem sentido, mas, de
modo geral, é uma tentativa de interpretar o Inferno, o purgatório e o
céu. Pergunta-se ainda: Que farão os perdidos na eternidade? Na
linguagem de Jesus, em Mateus 25, o destino dos perdidos é
simplesmente dramático e terrível, se bem que a sua ocupação não seja
dada.
É com profunda humildade que este escritor registra estas notas no papel.
No reconhecimento de que vamos para um lugar onde não temos mais
oportunidade de trabalhar no sentido em que entendemos o trabalho,
afigura-se-lhe que tudo que fizermos aqui, aproveitando todos os
momentos, todas as oportunidades, ainda será mui pouco. Com perdão
do leitor, é justamente por causa desse fato que estas notas ou estudos
são feitos. Não é por desejo de escrever livros, nem de aparecer no
frontispício de um livro, nada disso; é porque ele tem momentos vagos e
já não pode exercer um emprego qualquer, então vira-se para a sua
máquina e bate, bate até se cansar. Deus sabe que este é o motivo por
que são escritos estes Estudos sobre os livros do Velho Testamento.
A ansiedade por uma resposta a este verso sobre o quê vamos fazer
depois da morte levou alguns evangélicos a admitir o sono das almas. O
corpo vai para a terra e o espírito vai dormir. Os Testemunhas de Jeová
têm uma doutrina mais radical, não admitindo almas imortais, isto é, nada
depois da morte, a não ser os que se julgam bem-aventurados, os 144.000
do Apocalipse. São modos de explicar a preocupação deste escritor
quanto às atividades depois da morte. Para ele não pode haver tal fato
como o sono das almas, porque o sono no sentido que entendemos é um
fenômeno fisiológico, resultado da fadiga cerebral, causada pelo esforço,
quando, segundo os fisiologistas, o fósforo cerebral se queima e então
vem a sonolência. Durante o sono, as células cerebrais se recuperam dos
gastos do esforço anterior e a pessoa está apta para nova caminhada.
Mas as almas não têm fósforo nem células cerebrais que se cansem.
Então o sono é uma impossibilidade para a alma humana. No tocante à
não existência da alma, uma maneira fácil de se descartar de um
problema, toda a Bíblia é contra tal doutrina, e disso já nos ocupamos em
mais de um lugar. Ficamos então certos de que não vamos dormir na
eternidade e nem as nossas almas morrem com o corpo. Tudo isso são
modos de resolver um problema que fica sem solução.
Voltando a referir a esperança dos santos, podemos dizer que a
contemplação da face de Deus e a companhia de nosso Salvador (João
14:3), já são mui linda ocupação. Nós temos serviço à nossa espera. Os
perdidos não têm. Graças a Deus por esta esperança. Além da nossa
sobrevivência, temos a esperança que as Santas Escrituras nos garantem
de que todos nossos feitos aqui no mundo terreal, Deus um dia vai julgá-
los conforme o Evangelho de Jesus (Rom. 2: 16).
O autor de Eclesiastes, na sua busca por uma luz detrás da morte, verifica
que só há trevas; depois da morte, do escuro, não há nada. Então, como
quem acorda de um sonho, viu que o prêmio não é dos ligeiros, nem dos
mais valentes na vitória, e, sim, do tempo que cada um tem nesta vida.
Isto posto em linguagem evangélica significa que não é dos fortes a vitória,
nem dos que correm melhor, como tão bem expressa o nosso hino, mas
dos que andam pela fé e não por vista (Heb. 11: 6). Se há alguma
esperança para a alma humana, deve haver sobrevivência da mesma
alma; doutra sorte teríamos apenas um jogo de cabra-cega: a Bíblia
apontando um dia quando deverá haver uma recompensa para todos, e,
ao mesmo tempo, sem meios de realizá-la. A fé nas coisas que se não
vêem é pressuposto de fatos que se hão de ver um dia, senão também a
fé fica sem sentido, sem objetivo. Nós todos vamos ser julgados por nossa
ostentação e vaidade ou por nossa lealdade ao Mestre Jesus. Um
julgamento final surge do que Eclesiastes nos ensina: há um prêmio, e
este não será dos que correm melhor, nem dos sábios e entendidos; o
favor vem do tempo, diz ele, e do acaso. Ora, não há acaso nesta vida,
pois tudo está condicionado ao governo divino; nada ocorre assim, mas
tudo dentro do plano eterno do Criador, e dentro deste plano, nós
esperamos a nossa recompensa. Se não houvesse galardão a vida seria
uma total frustração, um verdadeiro "correr atrás do vento", uma coisa
sem sentido. Nasceríamos sem saber e morreríamos da mesma forma.
Não tomaríamos conhecimento do principio nem do fim, pois, ao
adormecermos na morte, fechando-se a porta para esta vida, tudo estaria
terminado. De que valeriam estes poucos anos aqui, muitos se
esforçando para agradar ao Criador, enquanto outros lutando para
agradarem a si mesmos, se no final nada restasse para ninguém? Isto se
nos afigura um problema sem solução e até imoralidade religiosa, tanto
ser justo como injusto, ser bom como ser mau, porquanto nesta vida não
há possibilidades de serem ajustadas estas diferenças. Não. Tem de
haver um julgamento final e nós vamos nessa esperança.
Pela multa preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a
casa (v. 18). Talvez seja um provérbio ou uma resposta aos reinantes que
vivem de banquetes. Há muitos ensinos nos provérbios a respeito do
preguiçoso, do que não honra o tempo com o valor do seu serviço à
comunidade. O trabalho, a que o sagrado escritor já devotou alguns
parágrafos é uma constante na Bíblia. Nascemos para trabalhar, como a
fagulha para voar, e não se admite um preguiçoso que vive para comer o
que os outros ganham, porque, se alguém não produz, outros têm de
fazê-lo para ele. Isso desorganiza a sociedade no ponto de vista
econômico. Depois deste provérbio vem outro, interessante: O festim faz-
se para rir e o vinho alegra a vida, mas o dinheiro atende a tudo (v. 19).
Enquanto multas escrituras condenam o vinho, tais como "não olhes para
o vinho, quando se mostra espumoso" (Prov. 23:31 e 20:1), noutros
passos, o vinho alegra a vida, como no verso em análise. Paulo
aconselhou a Timóteo beber um pouco de vinho por causa do estômago (I
Tim. 5:23), mas noutra escritura ele mesmo aconselha os diáconos a não
serem dados ao vinho (I Tim. 3:3). Nos países que produzem vinho, como
Portugal, ele é parte da alimentação do povo, e não se encontra mesa
onde não haja vinho branco. A diferença é que o vinho produzido na terra
e aí consumido não tem álcool, a não ser o da fermentação, enquanto os
que são exportados levam uma dosagem de álcool,, para resistir ao
tempo. O vinho usado com moderação é um bom alimento. Jesus o usou
e não foi como em nossas igrejas, nas quais usamos suco de uva, pois lá
não havia este tipo de vinho.
Outra coisa que a Bíblia escalpela por causa do mau uso ou do abuso é o
dinheiro, que, entretanto, ajuda muito a viver, pois sem dinheiro não se
vive na sociedade moderna. O abuso do dinheiro, ou a ganância dele é
que causa o mal. O dinheiro domesticado é um grande servo: quando,
porém, se torna senhor da pessoa, é um tirano. No pensamento de
Salomão, o dinheiro era um bem útil. As nossas igrejas não vivem sem ele,
pois é com ele que construímos os nossos templos, sustentamos as
missões, assalariamos pastores e fazemos tudo que uma sociedade
moderna faz.
O autor do nosso livro vivia sob um governo bom, não Igual a tantos que
encontramos nos Livros dos Reis, pois a sua preocupação em resguardar o
rei das queixas e malquerenças do povo é uma constante neste livro.
(1) Veja Hans Bürki em A Vida Cristã no Mundo Hoje, pp. 16 e 17, Casa
Fé nas coisas que se vêem não é fé. Fé no Invisível é o que Hebreus 11 nos
ensina. O homem que pratica a fé não come sozinho o seu pão ao lado do
faminto. Os evangélicos têm sido responsáveis por muitos sofrimentos,
que poderiam sanar. Por ignorância, má orientação ou egoísmo, não têm
aproveitado as suas oportunidades de fazer o bem. Está na memória
deste escritor uma luta acesa, em um estado da Federação, sobre se os
batistas deveriam ou não manter um orfanato. A duras penas, alguns têm
conseguido romper as barreiras opostas à prática da beneficência e
alcançado algum resultado, posto que mui pouco. Muitos dos mestres
batistas jamais leram este verso, esse imperativo de lançar o pão nas
águas. Por causa desta Infeliz miopia, os batistas não têm um hospital no
Brasil, não têm uma creche de sustentação geral, não têm nada. O povo
apodrece Junto de nós, e não temos meios de ajudá-lo. Agradecemos à
Providência o fato de já termos umas duas ou três Casas da Amizade, onde
se pratica algum bem aos menos favorecidos da sorte. Como Batistas
precisamos estar lembrados que um dia também seremos chamados à
prestação de contas sobre as Implicações sociais da fé cristã.
3) Não fales mal do rei.
Nós somos o povo da esperança e devemos saber que lançar o pão sobre
as águas é esperar que ele corra mares e rios e depois volte à nossa mesa.
É a doutrina da fé.
Não que devamos sempre esperar que Isso aconteça, pois então já não
seria fé, e, sim, negócio. Na prática do bem está a raiz da nossa fé, pois
cremos que, fazendo bem aos outros, Deus nos recompensará,
devolvendo em dobro o pouco que oferecemos. Esta vivência manda que
façamos o bem enquanto é tempo, sem perguntar o que vamos receber
em troca, embora fique subentendido que quem faz o bem recebe o bem,
assim como quem faz o mal recebe o mal.
Essa indiferença pela sorte do mundo sofredor é que tem desvirtuado até
a natureza da Igreja, onde os crentes vivem de um modo tal que a Igreja
não aparece. "O nosso Cristo é chamado o cabeça do universo (Col. 2:10),
assim como a cabeça do corpo da Igreja (Col. 1: 18; Ef. 1: 22). No entanto,
o mundo jamais será chamado o corpo de Cristo, o qual é a Igreja (E f. 1:
23; Col. 1: 24; I Cor. 12:17). Esta linguagem fala de uma relação definida e
diversa de todos os cristãos, que são membros do seu corpo, e essa
diferença não é espiritual nem eterna." (1)
Se a nossa simpatia pelo mundo fosse outra, a nossa Identificação com ele
por meio de nossas obras seria também diferente. Já está demonstrado
que a falta de simpatia pelos sofredores e pelo mundo nos tem
distanciado tanto do mesmo mundo que, quando levamos a mensagem da
esperança, nos sentimos deslocados e como que pertencentes a outra
ordem de coisas. Possivelmente o atraso no evangelismo seja uma
resultante de nossa Indiferença pelo mundo. Pregar aos famintos e não
lhes dar um pouco de pão é quase um escárnio.
Reparte com sete e ainda com oito... (v.2). É o mesmo que lançar o pão
sobre as águas, pois estes sete ou oito são apenas uma fração da multidão
de famintos e sofredores a quem temos o dever de assistir. Não está nos
planos deste escritor converter-se em vergasta de ninguém, e as suas
palavras são apenas um eco de suas muitas mensagens e sermões ao povo
cristão do Brasil, de que os aspectos teóricos da religião vivem longe das
realidades da vida. Jesus não nos enganou, quando cuidou tão
devotadamente dos sofredores, parece que até mais do que dos
incrédulos, que eram muitos nos seus dias. Infelizmente, este modelo não
pegou nas atividades dos evangélicos brasileiros. Reparte com sete e
ainda com oito, reparte com a humanidade ao teu alcance é a norma.
Felizmente que este escritor pode falar e escrever, mesmo que seja como
correr atrás do vento. Ainda quando seminarista, no Recife, meteu-se-lhe
na cabeça inventar um meio que tirasse os pregadores da miséria em que
viviam na doença e na velhice. Então velo à Junta de Beneficência. Como
pastor, à época desse manuscrito, a sua igreja gastava mais de um milhão
por mês em beneficência, não Incluindo o que dá às instituições
convencionais. Enfatiza, pois, a beneficência. O nosso louvor à Junta de
Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, pois desde os seus
primórdios aprendeu a praticar um evangelho INTEGRAL: Evangelização,
Educação e Beneficência.
4) Observe-se a natureza (vv. 3 e 4).
(1) Hans Bürki, A Vida Cristã no Mundo Hoje, edição da JUERP, 1972 pp.
86-89.
5) Uma doutrina difícil (vv. 5 e 6).
Sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te pedirá contas (v. 9). Aqui
está, seu moço, sua moça, a existência de um MAS... Não é apenas gozar a
vida sem freios para a juventude. Deus vai pedir contas do modo como os
olhos se alegram e de como o coração se regozija. Nada ficará por julgar.
Isto, entretanto, é o que a mocidade menos conhece. Julgam os moços
que o tempo e os gozos são privilégios seus. são, MAS... todos devem ser
controlados. Quantos velhotes estão agora correndo para consultórios
especializados, em busca daquilo que botaram fora nos dias da mocidade!
A gerontologia está fazendo estudos acurados para devolver aos velhos
um pouco do que tinham na mocidade e lhes falta agora; isso, porém,
parece miragem. Basta que se saiba dos desgastes da Idade, que vai
arrastando na sua corrida os vigores da juventude, os quais não voltam
mais, nem à custa de pílulas nem de injeções. O que passou, passou.
Entretanto, o que deve ser um peso tremendo é o moço verificar que
prematuramente se desgastou e nada reservou para os dias futuros. É a
visitação de Deus. Não se vá pensar que este SABE, PORÉM, QUE TODAS
ESTAS COISAS... se referem ao juízo final. Em parte, sim, mas só em parte,
porque as contas nós as prestamos aqui mesmo, cada dia. É a visita de
Deus à mocidade: "Todos os caminhos do homem são limpos aos seus
olhos, mas o Senhor pesa os espíritos" (Prov. 16:2). Aqui está a receita.
Quem quiser tomar o remédio, tome; quem não quiser, agüente as
conseqüências.
Recordaríamos aqui uma jovem inglesa por nome Helen Keller, cega de
nascença, surdo-muda, que se valia de uma companheira para andar pelo
mundo, ensinando aos que viam e ouviam e falavam. Foi um exemplo e
modelo do quanto vale uma vida posta ao serviço de Deus. Aqui no Rio
ela atraiu multidões para ouví-Ia falar, por meio de toques nos lábios da
sua companheira. Grande maravilha do quanto pode a vida ao serviço do
próximo.
9) Antes de se fecharem os teus lábios, como portas das ruas (v. 4),
ao ponto de não poderes falar em alta voz como as aves. Então falta
aquele vigor de outros tempos, quando gritávamos ou cantávamos e
fazíamos as vozes dos outros se apagarem. Quem hoje houve um disco de
Caruso ou de outros grandes cantores, e não diz: "Foi uma grande voz!"
Foi, e não é mais. Os grandes sopranos, os baixos das famosas óperas,
todos passam com o tempo, esse tempo que tudo vai levando de roldão,
como uma avalancha, sem nada poupar no seu caminho. Quando chega
esse tempo, a vida já perdeu quase todo o seu encanto.
10) Antes de todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem (v. 4).
Este verso dá-nos um quadro real da vida. Os velhos não têm coragem de
subir um monte, ou por causa do coração ou por fraqueza das pernas. Os
alpinistas são um desafio aos velhos admiradores da sua coragem. É a
mocidade que sobe, não é só o arrojo. É uma demonstração de coragem e
de força. Essa gente, que tenta escalar o Himalaia, os Pirineus, e até o
nosso Pão de Açúcar 4 corajosa, é moça; e, se não fosse, não haveria
coragem que ajudasse. Antes que chegue esse tempo, LEMBRA-TE!
15) Antes que se rompa o fio de prata e se despedace o copo de ouro (v.
6).
De tudo quanto foi dito, é bom lembrar de um fato, a que ninguém foge:
Entregar o espírito a Deus, que o deu. E o pó volte à terra e o espírito
volte a Deus, que o deu (v. 7).
Que esta doutrina representa o fim da vida, não temos dúvida, e é o que
espera todo mortal neste mundo. Todavia, levantamos uma exceção
quanto ao espírito, que o escritor sagrado declaradamente diz ser o sopro
de Deus, o fôlego de vida (Gên. 2: 7). Pensa o autor do artigo em o Novo
Comentário da Bíblia que o Eclesiastes, avançando um tanto além da
posição assumida em 3:21... suas palavras aqui, apesar de sugestivas, não
são de tal ordem que formem o fundamento de uma esperança de
imortalidade. (1)
Estes versos parecem um pos-scriptum, uma desculpa pelo que ficou dito
nos doze capítulos anteriores. Uma espécie de recomendação, como
sugere Plumptre, uma tentativa de fazer creditar tudo que disse antes.
Pensam alguns que esta parte do final nem pertence ao autor do livro,
pois passa a falar na terceira pessoa do singular, e não na primeira, como
vinha fazendo. Isso, entretanto, admitidas as liberdades dos escritores
antigos, quando não haviam direitos autorais nem "plágios", nem essas
novidades dos nossos dias, não parece admitir um outro autor. O
Qoheleth, O Pregador, é, sem dúvida, um pseudônimo para disfarçar o
autor. Tendo lidado com problemas talvez discutíveis no seu dia, pois
ainda são discutíveis hoje, desejou talvez dar ao trabalho uma explicação.
Os críticos dizem que não há alteração no vocabulário nem no estilo do
Epílogo, que em tudo se assemelha ao corpo da doutrina. Para nós hoje
seria difícil admitir que um homem se vista da roupagem de Salomão e
escreva um livro como se fosse ele mesmo. Isso, entretanto, não seria
nada demais nos tempos antigos, como ficou dito. Na Introdução tivemos
de examinar a questão do autor, e vimos que o fato de este afirmar: "Eu, o
Pregador, venho sendo (ou fui) rei em Jerusalém" (1: 12), não basta para
creditar a Salomão a autoria deste livro; mas a obra pode ter sido escrita
por alguém que usou o seu nome, coisa natural naqueles tempos. Para
nós não é crucial sabermos quem escreveu ou não escreveu. Tampouco
temos ciência de quem escreveu os livros dos Reis e de Crônicas, Esdras e
Neemias e Ester, e tantos outros do Cânone sagrado, livros que merecem
toda a nossa devoção. Se alguém contestar os versos 13 e 14, faça-o; eles
são uma reafirmativa de tudo que foi dito no corpo do livro, talvez em
outros termos. Que o livro é contencioso e levanta muitos problemas, não
temos dúvida; todavia, estamos a milênios distantes da época em que foi
escrito, e não temos o direito de pretender explicar tudo. Hoje muita
coisa se diz e faz de modo diferente dos dias de Salomão ou de Davi.
A TEORIA E A PRÁTICA
É uma boa recomendação da obra, talvez para desculpar as coisas que não
seriam muito agradáveis ao leitor. Todavia, eram palavras de verdade.
Nem sempre as palavras agradam, porém, se são verdadeiras, devem ser
aceitas. É o caso de Eclesiastes, pois as palavras dos sábios são como
aguilhões e como pregos bem fixados às sentenças coligidas, dadas pelo
único Pastor (v. 11). Quem seria este único Pastor? Só pode ser DEUS
MESMO o autor da obra, que, por esta via, traz o selo da autoridade
divina. Temos então que as palavras dos sábios, ditadas pelo único Pastor,
são verdade, mesmo sendo como pregos, os pregos com que se fixam as
traves das tendas. Se o leitor encontrar dúvidas nas doutrinas expressas,
fique tranqüilo e aceite tudo como vindo do Pastor. Estas afirmações
desfazem qualquer dúvida quanto aos conceitos emitidos, pois elas têm
por fim fixar bem o doutrinamento. Poucos livros do Velho Testamento
trazem o selo da autoria divina como este, em que as sentenças são bem
coligidas, dadas pelo único Pastor. Parece que o autor deseja convencer o
leitor de que o ensino dos mestres pode ser questionado, mas é deles que
vem a estabilidade da vida, e que seria esta sem os mestres?
Depois desta advertência vem outra: Demais, filho meu, atenta: não há
limites para fazer livros, mas o muito estudar é enfado da carne (v. 12), se
bem que seja uma necessidade para a vida (9: 17), pois sem ele os tolos
governariam o mundo, não obstante as limitações da capacidade humana,
que o autor bem revela em 8:17 e ss. Quanto devemos aos homens
inteligentes, desde os imemoriais tempos dos gregos, de Moisés e tantos
outros, que, nos alvores da civilização humana, se dedicaram a escrever
até nas pedras, para seus ensinos serem eternos, como se acredita que fez
Cambises, rei da Pérsia!
O dever do homem, debaixo do sol, está contido nestes dois versos nobres
e elevados. Já não se trata de especulações platônicas ou o que seja, e,
sim, de lançar uma categoria de vida sem reservas e restrições, TODO
HOMEM fica obrigado a cumprir estas determinações.
Pelo texto de Mat. 25:34 o reino dos justos está preparado desde a
fundação do mundo, isto é, desde que Deus criou o homem, preparou o
seu destino, baseado na liberdade que lhe concedeu. É o mesmo que
dizer: Deus não é surpreendido com acontecimentos fortuitos, com o que
poderá acontecer ou com o acaso, como diz Eclesiastes, quando discute
justamente o fato, que não é dos ligeiros o prêmio nem dos valentes...
porém tudo depende do tempo e do acaso (9: 11). Já explicamos o que
ele quer dizer com a palavra ACASO, que em nosso linguajar tem sentido
de azar, alguma coisa a acontecer sem motivo nem causa.
Por que então impugnar uma doutrina pelo fato de não termos
capacidade de entendê-la? Os patristicos, lutando com esta doutrina,
imaginaram uma hipostasis, uma espécie de substância (que não é), e que
compreenderia a Divindade, sendo as três Pessoas divinas constituídas da
mesma hipostasis, se bem que autônomas, pessoais, agindo em comum,
com um só ideal, um só pensamento, diríamos, mas com funções
diferentes, tais como o nosso espírito unido ao nosso corpo, mediante um
liame desconhecido, de maneira que o corpo e espírito são um só,
conquanto as funções sejam diferentes, tendo a vida, a. Nephesh, para
ligar os dois outros elementos. Somos então três elementos em uma só
pessoa. Neguem isso, se puderem.
Na carta aos Romanos, o mesmo Paulo nos ensina que o Espírito Santo
intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis (Rom. 8:26).
Jesus mesmo, antes do seu sacrifício, prometeu enviar outro Consolador,
aquele Espírito da verdade que dele procede... (João 15:26). Foi este
Espírito consolador que no dia de Pentecostes operou o milagre da
conversão de milhares e foi o originador da obra missionária, como lemos
em Atos 13:2, quando o Espírito mandou separar a Paulo e a Barnabé para
a obra missionária. O Espírito Santo falou como quem ordena e manda, e
mais tarde, em Atos ainda, proibiu Paulo de ir a Mísia pregar; e quando
Paulo desejava Ir a Bitínia, o mesmo Espírito não o permitiu, porque tinha
outros planos (Atos 16:6 e 7).
Paulo estava tão certo do céu que desejava até ser desatado para estar
com Cristo onde havia uma habitação celestial (II Cor. 5:1-9,
especialmente o verso 8). Ora, isso só no espírito, porque o seu corpo
voltaria ao pá, de onde veio. Paulo acreditava na imortalidade da alma
como nós acreditamos; logo, temos uma alma imortal.
Entendemos mais que, se a alma humana não existe, tudo é apenas pá,
que veio do chão e para lá torna; então esta vida não significa nada em
termo de justiça, bondade, retribuição e maldade. Estamos todos
apercebidos de que aqui não se realiza ideal algum: os justos sofrem tanto
ou mais do que os iníquos; justiça não existe na terra; o bem e o mal
convivem e este supera aquele. O ideal científico fica por confirmar-se e o
ideal artístico não se realiza. Estamos numa escola sem sentido, sem
objetivo. Havendo alma a responder pelos caminhos da vida na matéria,
então esta alma espera a realização das suas aspirações na eternidade. É
isto que Paulo afirma quando diz: ... gememos angustiados, não por
querermos ser despidos, mas revestidos, para que o Imortal seja
absorvido pela vida (II Cor. 5:4). Noutra linguagem, os santos não se
conformam com esta vida como o fim de tudo, da complementação da
sua luta para viver bem. Que se diria dos milhares de mártires que, por
amor a Cristo, deram as suas vidas em testemunho da esperança? No
Coliseu, em Roma, podemos ver as marcas dos milhares que ali
entregaram seus corpos às feras, enquanto cantavam, até o último
suspiro, a sua esperança de sobrevivência e a segurança de que o seu
sacrifício não era vão. Como se podem entender fatos tais, se não há
alma, se tudo é pó do chão? João mesmo viu as almas dos que tinham
vindo da grande tribulação (Apoc. 7:14) e lhes disseram aguardassem por
um pouco, até que se completasse o número de seus irmãos (Apoc. 6: 11).
As almas dessa gente que estava ali clamavam por vingança contra os seus
opressores. Temos a idéia de que seria preferível tirar da Bíblia o
Apocalipse a tentar demonstrar que não há alma, não há nada.
Dessa vida nada se perde, nem mesmo os nossos corpo s desfeitos no pó,
de onde vieram. Estes são os veículos do espírito, e é por meio deles que
a nossa mente se projeta no mundo mental e espiritual. Portanto,
participam das atividades da pessoa humana, representada, em parte,
pelo corpo. Admitir uma ressurreição de corpos sem espírito ou sem alma
é qualquer coisa destituída de todo bom senso. Ressuscitar um corpo
para que, se não for para receber a outra parte da personalidade? Deus
criou o homem do barro; soprou em suas narinas e deu-lhe o espírito de
vida ou, se quiserem, o fôlego da vida. Só assim o homem ficou completo
em sua personalidade: corpo e alma ou espírito. Esta doutrina é tão clara
que, Insistir nela, parece até um desperdício de tempo e papel. Tudo
quanto fazemos nesta vida, o realizamos como pessoa moral. Todas as
nossas relações com o meio são feitas com o corpo e a alma, visto não ser
possível separar uma parte da outra. Somos, então, alma e corpo, e esta
admirável composição compreende a nossa personalidade, como Paulo
mesmo nos ensina em I Tess. 5:23. Segundo essa teologia, somos uma
personalidade tripartível. Quando uma parte, digamos, o corpo, pratica
qualquer ato, as outras duas partes participam, porque a matéria, como
tal, não pensa e nem decide, ela é apenas o meio veicular por onde o
espírito, a parte pensante do corpo, se manifesta. Quando proferimos um
discurso, valemo-nos da língua e dos lábios, porém as idéias vêm da
mente, onde está sediado o centro determinativo da vida. De lá é que
vêm os pensamentos, que, noutra linguagem, diz-se virem do coração. O
coração, todavia, é apenas um órgão muscular, que sofre as influências do
espírito, como, aliás, todo o corpo. Portanto, na ressurreição dos mortos,
seremos então completados outra vez, em corpo e alma, para viver a
segunda vida.
Parece óbvio que Deus não iria criar um homem apenas para uns poucos
dias na terra; não iria convocar a Santíssima Trindade, dizendo: Façamos o
homem à nossa Imagem, conforme a nossa semelhança (Gên. 1:26).
Admitem os biologistas que a vida não pára, não pode parar. Portanto, a
vida que Deus colocou no corpo é a nossa alma, que tem de viver
perpetuamente. Aqui na terra, vive junto com o corpo; e depois da morte,
quando o corpo se desfaz no pá, a alma continua a viver, porque é a vida.
Na ressurreição, cada alma toma o seu próprio corpo, para continuar a
viver completa e eternamente. Para alguns, a ressurreição da matéria é
qualquer coisa inconcebível; entretanto, a ciência nos ensina que o fato do
corpo se desfazer no pó ou na água, nem por isso a matéria se destrói.
Acertou Pascal ao dizer: "Nada se cria e nada se perde; tudo se
transforma." O mundo material está em plena transformação. A
eletricidade é uma de suas formas de matéria; os vegetais, que comemos,
são uma transformação de matéria orgânica; e nosso corpo mesmo é uma
transformação dos alimentos ingeridos. Diz a Medicina que o conjunto de
células, num total de 26.000.000 se transforma e é substituído cada sete
anos, ou muito menos tempo até. Somos uma usina transformadora de
sais em carne, ossos, nervos e sangue. Por isso é que temos de comer
para manter esta transformação de matérias em outra espécie de matéria.
A conclusão é que se nossos corpos se desmancham no pá, nem por Isso
se perdem; apenas a matéria do corpo assume outras formas. Uma
bomba de átomos de hidrogênio explode, e um grande clarão sobe às
nuvens, um mundo de calor se decompõe e dissolve tudo ao redor. Nem
o átomo se destruiu; apenas se transmudou em energia. Segundo os
ensinos da física, tudo no universo se resume em energia, algo que não
vemos, mas admitimos. Portanto, não nos devemos surpreender que os
nossos corpos se desfaçam no pá, para um dia serem novamente
ajuntados e formados outros corpos gloriosos, como o de Jesus. O corpo
de Jesus não sofreu a corrupção, mesmo porque Isso estava previsto,
segundo Salmos 16: 10; Atos 2:27; 13:35. Todavia, quando saiu do
sepulcro era outro corpo, Isto é, a matéria havia passado por uma especial
transformação, de maneira que não estava mais sujeita às leis da física,
podendo entrar numa sala sem ser pela porta (João 20: 19). É claro o
ensino do Novo Testamento: como ele é o veremos; e isso não pode ser
com um corpo corruptível.
1. Que diz a Bíblia?
Nos tempos de Jesus havia uma seita materialista, a dos saduceus, que
não acreditava na ressurreição nem em espírito ou em anjo. Jesus os
contraditou, afirmando que Deus não é Deus de mortos, mas de vivos
(Mat. 22:31 e 32). Nisso ele ensinou que viveremos em nossos corpos.
Essa mesma doutrina é afirmada em Marcos 12:19-27 e Atos 23:8 e ss.
Jesus afirma que os que tiverem feito o bem ressurgirão para a vida, e os
que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo (João 5:29). A
palavra juízo aí significa o julgamento final, que noutras passagens é
interpretado como morte. Portanto, quer os justos quer os injustos, todos
serão ressuscitados para o galardão final. É aqui que se baseia a nossa
teologia de que bons e maus receberão, cada qual, o seu galardão
conforme o modo como viveram aqui na terra. Jesus Instituiu a
ressurreição da vida ao afirmar: Eu sou a ressurreição e a vida (João 11:
25). Os que crerem nele igualmente ressurgirão para a vida. A teologia de
Lucas, em Atos, não é diferente, quando se refere à ressurreição dos
mortos (At. 4:2), doutrina que muito escandalizava os judeus Incrédulos.
Paulo chegou ao ponto de afirmar que, se não havia ressurreição, tudo
quanto estava fazendo era em vão, porque, se não há ressurreição de
mortos, tampouco Jesus ressuscitou, e toda a nossa pregação é vã e fútil (I
Cor. 15:13 e 14), chegando ao ponto de dizer, seríamos falsas
testemunhas anunciando que os mortos ressuscitam, se Jesus não
ressuscitou. Toda a teologia paulina é pela ressurreição dos mortos.
Havia na igreja em Corinto alguns céticos, que poderiam acreditar na
ressurreição, mas não podiam entender como tal se realizaria. Então
Paulo ilustra a doutrina com a semente lançada na terra; se esta não
morrer, não germinará e não haverá nova vida; mas se morrer, então dará
o fruto conforme a natureza da semente, seja feijão, milho, trigo ou o que
for. É uma ilustração categórica, pois como é que uma semente de
mostarda, tão pequena, tem em si o poder de gerar uma planta grande,
como sucede? É a vida que está na semente. Nossos corpos, é certo, se
desfarão no chão, porém levam consigo a semente da vida, e no devido
tempo frutificarão.
3. Depois da Ressurreição
Com a ressurreição dos mortos, entra-se num capítulo difícil de
Interpretar, isto é, o período entre a primeira ressurreição e a segunda,
conforme o Apocalipse, já citado. Há duas teorias a respeito do milênio,
referidas em Apocalipse 20:6. Uma é que o milênio será realizado pela
pregação do evangelho, que, aos poucos, irá permeando o mundo, até se
realizar o que previu Isaías 11:6 e 65:25. Esta teoria chama-se pós-
milenista, isto é, que Cristo voltará depois do milênio. A segunda, que
Cristo em pessoa inaugurará o milênio, quando vier recolher os seus
escolhidos e com eles reinar mil anos na Cidade Santa que João viu descer
do céu (Apoc. 21:9-27). Essa teoria é a pré-milenista. Jerusalém é
chamada a cidade do grande rei (Sal. 48:1 e 2), e João a denominou a
Cidade Santa (Apoc. 21:2). Quaisquer que sejam os nossos pontos de vista
escatológicos, parece não haver dúvida, Deus escolheu a cidade de
Jerusalém para ser a Sua cidade no tempo dos reis, depois de conquistada
por Davi (II Sam. 5:6-10). De lá para cá, mil coisas agradáveis e
desagradáveis foram escritas a respeito da cidade, mas
Incontestavelmente ela permanece cidade do Grande Rei, que nela
reinará por mil anos, e depois... sejam as nossas teorias "pré" ou "Pós",
um fato parece lnconteste: Cristo ressuscitará os seus mortos e com eles
inaugurará o milênio, que, no pensamento de alguns, poderá ser apenas
um curto período, e não mil anos. Sejam quantos forem, Isso importa
pouco. Aqui não podemos entrar na polêmica existente a respeito, mas
apenas confessar o nosso ideal de um dia reinarmos com Cristo. Isso não
sofre dúvida aos pró ou pré-milenistas.
4. E Depois?
Parece que depois do milênio, durante o qual Satanás esteve preso, para
não enganar o povo (Apoc. 20:1-3), será solto e por algum tempo voltará
ao seu ofício de enganador. O que se realizará nesse lnterregno não
sabemos e a Bíblia não entra a fundo nesse problema. Apenas que serão
dias de tremenda tribulação, pois Satanás sabe que lhe resta pouco tempo
para seduzir o mundo e desenvolverá mui grande atividade (Apoc. 20:7-
10). Será um tempo de angústia e desolação. Os santos estarão livres
desse período, pois já estarão com o Senhor. Então virá o Dia Final,
quando todos, grandes e pequenos, comparecerão perante o Grande Juiz,
para cada qual receber o seu galardão. Os santos comparecerão a este
juízo não para serem julgados, mas para tomarem parte no julgamento
até dos anjos (I Cor. 6:2 e 3). Seremos então auxiliares do Grande Juiz. As
nossas culpas foram devidamente pagas e agora só nos resta receber o
galardão. Parece que será nessa ocasião que os santos receberão as suas
coroas, de acordo com os méritos de serviço prestado ao Rei durante a
vida. A partir dessa hora, a vida continuará eternamente, e AMÉM, tendo
sido devidamente ajustadas as contas de cada qual e tendo cada qual
recebido aquilo a que fez jus na vida do corpo. Os ímpios irão para a
perdição eterna; os santos para o galardão eterno (Mat. 25:34 e 46).
Como verão os leitores, o autor destas linhas apenas cita escrituras. Não
toma partido, pois isso não é assunto seu. o seu dever é Interpretar a
Bíblia até onde ele sabe e pode fazê-lo. Nada mais.
Em face das escrituras aqui citadas, que diriam os que advogam a extinção
das almas dos perdidos e a não existência da alma humana, fundados em
Ecl. 3:16-20? Sobre a queima das almas perdidas, efetivamente não há
qualquer termo na Bíblia que justifique essa doutrina, a não ser quando se
refere à destruição da alma, se bem que tais escrituras se referem ao
castigo que lhe está reservado e jamais e um processo crematório
qualquer. Fisicamente, parece que um espírito não pode ser queimado;
não tem matéria combustível. Se Deus pretendesse ensinar que os tais
espíritos seriam destruídos, Jesus o teria dito claramente, o que não fez.