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FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado.

Niterói: Caderno de Campo n. 13: 155-161, 2005

Michel Willian Cler da Silva

Resenha Crítica

Esse artigo traz a luz uma nova abordagem sobre o desafio que se encontra
em aplicar o método de observação através de uma perspectiva imparcial e com
distanciamento cientifico. O primeiro desafio da autora é conseguir fazer um trabalho
antropológico de objetivo etnográfico a respeito da feitiçaria. Sua primeira limitação
esta em perceber um distanciamento exagerado da prática nos trabalhos produzidos
anteriormente, que visando manter distanciamento para uma perspectiva cientifica
comprometeram a integridade da analise por falta de informação descritiva dos
efeitos. A isso, levando o seu segundo desafio que é definir então uma metodologia
de observação que seja capaz de analisar de forma mais precisa possível os afetos
que a prática de feitiçaria resulta, ao mesmo tempo a imparcialidade de qualificar os
dados obtidos.

Por perceber que a linguagem por si é um fator limitante pra narrativa da


experiência de ser afetado, ela conclui o que podemos alegar ser o mesmo que
Albert Mehrabian conclui ao categorizar 93% da comunicação como comunicação
não verbal. Essa limitação provém de dois fatores, primeiro a cultura estabelecida
em Bocage, local onde acontece seu experimento, onde não se fala da feitiçaria
para aqueles que não participaram dos ritos ou quando se consegue obter alguma
narrativa ela cai no segundo fator limitante, a linguagem não compõe riqueza
simbólica o suficiente pra descrever os acontecidos efeitos.

Com isso em mente sobra a ele a experimentação dos efeitos, ou seja, se


deixar ser afetada. Para isso, se entrega ao processo não tentando entende-lo por
empatia, pois é justamente porque não se está no lugar do outro que se tenta
representar ou imaginar o que seria estar lá, e quais “sensações, percepções e
pensamentos” ter-se-ia então. Deixando então que a analise e o senso crítico de
etnográfica aparecesse apenas posteriormente, revendo os seus relatos de diário.
Diário esse, escrito sem nenhuma restrição ou percepção científica, apenas
buscando relatas os resultados de ser afetada, da maneira mais fiel aos
acontecimentos experimentados.

Ocupando então o lugar do nativo, pode afirmar com convicção que é preciso
estar la, se deixar ser afetado e não tentar imaginar-se lá, pois assim como a
linguagem não pode traduzir o evento e seus efeitos, o distanciamento do
cientificismo não permite a percepção plena dessa experiência. A complexidade de
separar o experimento do afeto é tão complexa que Jeanne alguns momentos
desconfia não estar exercendo com fidelidade sua posição de antropóloga.

Ao observar seu diário ela pode concluir a veracidade de seu questionamento


inicial, as palavras ali não permitem a descrição plena do evento, limitadas pela
narrativa linguistica, as frases não traduzem com congruência os eventos vividos por
ela, isso percebe-se quando comparando o que escreveu com as percepções,
sensações e pensamentos que tem na memória, sente a ausência de uma
especificidade que não pode ser relatada.

Assim, o fato de permitir ser afetada também não lhe possibilita discorrer
sobre os efeitos e acontecimentos de outrem, mas é através dessa conclusão que é
possível abrir o precedente pro conhecimento que ela procura defender, que é o fato
de ao se permitir ser afetada, ela abre um canal de comunicação com os nativos.
Um canal que inicialmente vem daquilo que ela é impelida a relatar sobre os efeitos
de ser afetada pela feitiçaria e posteriormente a observação que os outros fazem
sobre esses efeitos.

Aceitar ser afetado então é por em cheque os seus conhecimentos científicos,


permitindo a eles a possibilidade de serem não só questionados, mas quebrados,
por essa experiência que acontece individualmente de forma inenarrável. Nos
abrindo o precedente de um questionamento sincero a respeito das publicações que
envolvem uma observação distante sem a pratica de por a pele em jogo.

Conclui observando quatro pontos de sua etnografia, são esses: a


comunicação verbal, intenciona; e voluntária não é o bastante para a narrativa dos
fatos, o pesquisador deve tolerar assumir uma posição der ver e ser visto (schize), o
fato de participar da experiência impede a narrativa da mesma e narrar a experiência
não permite experiência-la, por fim a densidade dos materiais recolhidos é singular e
a análise faz com que inevitavelmente as certezas científicas mais estabelecidas
podem ser quebradas.

A perspectiva de um envolvimento com a experiência colocando a pele em


jogo, abrindo precedentes para que o efeito de ser afetado desafie até as convicções
mais bem estabelecidas do próprio conhecimento é muito evidente no experimento
de Jeanne e também nas obras de outro autor, Nassim Taleb. Assim como Taleb
defende a necessidade do retorno as praticas de obtenção do conhecimento que
provém de arriscar a própria pele, a observação de Jeanne permite perceber que
sem essa postura fica impossível o conhecimento dos fatos.

Por mais que o vocabulário possa ser rico e as narrativas amplas, ser afetado
é um fator evidente da sinceridade e autenticidade na formação do conhecimento. A
critica a observação imparcial com distanciamento científico tem não só uma razão
de ser como um peso para a própria ciência. É preciso que a produção do
conhecimento tenha a sinceridade de entender que sem o envolvimento da própria
pele, mesmo a observação mais rica de narrativa é especulação.

É perceptível que falta a narrativa dos detalhes que levaram as experiências


de Jeanne, por mais que saibamos que seus relatos não podem condizer com a
riqueza de sua experiência pessoal, uma abordagem mais detalhada dos ritos, de
quais ritos específicos e quais os caminhos tomou para ser participante desses ritos
de feitiçaria, mesmo não passando o objetivo final do experimento, permitiria que
fossem replicados, de maneira individual e gerando assim experiências que também
teriam um limite narrativo, mas ao menos teriam uma direção por onde começar.

Essa direção de início tem importância além do que as conclusões


observadas, pois sem se colocar em posição de observar e ser observado é
impossível que se compreenda as conclusões dela. Mesmo decidindo acreditar que
de fato essas conclusões tem peso e razão, o enfrentamento do conhecimento
científico pede um convite a prática de arriscar a própria pele. Também convidando a
uma aceitação de que a ciência não pode absorver-se em dogmas, admitindo que
suas certezas e produções são inquestionáveis, pois tem sido comum, infelizmente
que o apreço pela autoridade da produção tenha mais valor do que a própria
produção científica.
Arriscar a própria pele traz autoridade que vem da autoria, da autenticidade,
da riqueza além da narrativa dos símbolos, mas a experimentação do resultado
simbólico. É provável que a mais eficiente conclusão do artigo seja que não há
produção de conhecimento sincera sem arriscar ser afetado e não há maneira de ser
afetado sem arriscar a pele, as percepções e as certezas científicas.

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