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A partir do texto e de anotações de aula.

Em “O narrador”, Walter Benjamin declara que “ a arte de narrar está em vias de


extinção”. Discorra a respeito, em especial no que diz respeito à noção de
experiência e ao contraste entre a narrativa oral e o romance moderno.

Em O narrador Walter Benjamin apresenta a impossibilidade da experiência


transmissível no mundo contemporâneo, frente ao crescente e expressivo
desenvolvimento da técnica. Quando ele afirma que a arte de narrar está em vias de
extinção, está evidenciando a crise da arte de contar histórias, isto é, o declínio da
narrativa oral , que tem total relação à outra crise, a da noção de experiência. Elas
constituem o tema central do seu ensaio. Essa dupla crise vai de encontro aos
fundamentos de algo aparentemente inalienável , nossa faculdade de contar histórias
como forma de intercambiar experiências, e tem , segundo ele, um momento crucial
onde isso se consolida : a primeira guerra mundial. Dela provém uma série de
acontecimentos que culminam na decadência e morte da experiência comunicável, ou
seja, a experiência que passa de pessoa a pessoa , a qual recorreram todos os
contadores de histórias. Esses contadores, os primeiros mestres da arte de narrar
(p.199), são exemplificados e divididos entre: o camponês sedentário e o marinheiro
comerciante , assim como, os artífices, neles há a representação da figura plena do
contador de história, deles decorrem famílias de uma sociedade pautada pela tradição ,
pela ideia de permanência, ditada pelos ritmos do trabalho manual.
Benjamin propõe que as formas simbólicas e narrativas estão no centro da vida
social juntamente com trabalho humano manual/experiência manual, sendo assim, a
narrativa oral é, nessa mesma perspectiva, uma maneira artesanal de contar histórias. O
contador de histórias tem um completo interesse por essas questões de ordem prática e
do cotidiano do trabalho e , sobretudo, sabe dar conselhos, pois ao se contar uma
história ele está sugerindo aos seus ouvintes uma forma de continuar suas próprias
histórias. A narrativa oral tem essa dimensão utilitária que pode consistir seja num
ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de
vida (p.200). Desse modo, ele recolhe as experiências dos seus ouvintes e as traz para
um âmbito do saber tradicional como guia de existência, como forma de reger a
experiência individual, já que sua sabedoria, o lado épico da verdade (p.201), vem da
experiência acumulada pelas gerações anteriores , organizadas e centralizadas num
mesmo lugar , coletivo e tradicional .
Contudo, dar conselhos, constata o autor, se tornou algo inadequado,
ultrapassado , visto que as experiências estão deixando de ser comunicáveis. (p.200) . E
isso tem uma razão , o primeiro indício que vai resultar na morte da narrativa oral é o
surgimento do romance no início da era moderna. Com isso , ele instaura um exame de
contraste entre a era pré-moderna e a nova era moderna , fazendo uma relação distintiva
entre a narrativa oral e o romance. A sociedade tradicional marcada pelo trabalho
manual e pela permanência dará lugar a uma sociedade cada vez mais voltada à técnica
instrumental e utilitária , a qual orbitará em torno de uma ideia do novo , da
transformação/autotransformação. Diante dessa transição, a noção de experiência se
desvanece e traz consigo uma nova dinâmica de narrativa: o gênero literário romance.
Ele se distingue da narrativa oral pelo fato de não mais beber da fonte das experiências
coletivas e nem contribuir para elas. Sua origem vem do indivíduo isolado, que não
pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não
recebe conselhos e nem sabe dá-los. (p.201). A experiência é substituída agora pelo
experimento, regido não mais pelo coletivo, mas pelo o individual, disso resulta esse
indivíduo que não dá mais conselhos e também não tem onde encontrar. Sendo assim,
no romance, o protagonista por excelência será o indivíduo em sua singularidade e a
forma de se contar histórias será estritamente voltada para técnica. Ele não será mais
oral , mas sim, escrito para ser impresso e lido. Uma leitura em seu isolamento que
contribuirá somente para experiência individual do leitor e não mais para experiência
coletiva.
Em síntese , a sociedade tradicional que antes tinha como fonte da narrativa oral
as experiências intercambiadas ditadas pelo trabalho manual se vê em decadência com a
primeira guerra e o surgimento de uma sociedade capitalista dirigida pela técnica
industrial e pela junção do trabalho e ciência , da qual surge o romance , que em
contraponto à narrativa oral , se interessa pelas histórias do presente, pelo que é próximo
e recente. O que está posto em O narrador , ao se usar um marxismo singular, é que a
mudança nas forças produtivas (artesanal para industrial) foi crucial para a
transformação da dinâmica narrativa.
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