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Palácio Monroe: trajetória e tragédia da memória nacional

Lucas de Souza Avelar

Em 1904, uma Exposição Universal aconteceria em Saint Louis, em


comemoração aos cem anos da compra da região de Louisiana pelos Estados Unidos,
aquisição que dobraria o tamanho do território estadunidense. A participação do Brasil
nestas exposições, que já vinham ocorrendo desde a metade do século XIX, respondia
aos interesses mercantis europeus, ao mesmo tempo em que se inscrevia neste cenário
intermediário entre o exotismo colonial, apreciado entre europeus, e o esforço por um
lugar entre as civilizações modernas. Para representar a cultura nacional, o Brasil
expunha elementos como o café, borracha, artesanatos indígenas, entre outros produtos
de consumo, que pudessem manifestar a nacionalidade brasileira – e acima disto, que
pudessem despertar o interesse econômico das outras nações industriais e capitalistas.
Na Exposição de 1904, as representações exóticas e coloniais saem de cena para
dar espaço a um Brasil republicano: um novo projeto de nação brasileira que objetivava
legitimar sua narrativa dentro e fora das fronteiras nacionais. O governo encomendou
um pavilhão a ser projetado pelo arquiteto Francisco de Souza Aguiar que pudesse ser
desmontado após o megaevento de Saint Louis e ser edificado na então Capital Federal,
Rio de Janeiro. Dois anos após a Exposição, posicionado ao lado da recém-construída
Praça Marechal Floriano Peixoto, atual Cinelândia, o pavilhão de São Luís integrou o
importante conjunto arquitetônico da Avenida Central, a atual Avenida Rio Branco,
construída na mesma época com as reformas urbanas de Pereira Passos. Segundo Sergio
A. Fridman, “o local designado foi o final da Avenida Central, que nem mesmo ainda
tinha sido inaugurada (...) A grandiosidade e a beleza arquitetônica do pavilhão fez com
que as autoridades determinassem o local nobre para a sua reconstrução.”
Ao final da década de 1910, a Praça Floriano Peixoto acaba cercada pela
suntuosidade dos prédios do Teatro Municipal, da Biblioteca Nacional, do Supremo
Tribunal de Justiça e do próprio pavilhão. Posteriormente, em 1923, o Palácio Pedro
Ernesto – no qual hoje se instala a Câmara Municipal do Rio de Janeiro – completaria o
conjunto considerado a verdadeira representação da Belle Époque carioca do início do
século passado.
A vinda do pavilhão para o Rio de Janeiro já pretendia torná-lo palco de grandes
eventos. O Palácio de São Luís abrigou a III Conferência Pan-Americana no mesmo ano
em que foi edificado na Capital. Neste evento inaugural, teve seu nome alterado para
Palácio Monroe, não pouco elucidativo sobre as intenções do Brasil em manter-se
constantemente aliado, política e economicamente, aos Estados Unidos. Sergio Fridman
fornece um amplo panorama dos eventos sediados no Monroe. Entre as funções mais
importantes, abrigou provisoriamente a Câmara dos Deputados, entre 1914 e 1922, ano
em que o Monroe seria requisitado para tornar-se sede da Comissão Executiva da
primeira e única Exposição Universal do Rio de Janeiro, em comemoração ao
Centenário da Independência brasileira, um dos mais importantes megaeventos da
capital “espelho e vitrine”. Logo após o evento, em 1923, passa a abrigar o Senado
Federal, reafirmando sua importância simbólica como alegoria da nação republicana e
da civilidade brasileira. Por outro lado, abrigou também o Departamento de Imprensa e
Propaganda do Estado Novo entre 1937 e 1945, com o fechamento do poder legislativo
e a centralização. Em 1946, abriga o Tribunal Superior Eleitoral durante a realização das
novas eleições e retoma as atividades legislativas logo em seguida.
Em Saint Louis, o pavilhão foi um dos maiores expoentes, se não o maior, do
ecletismo como forma arquitetônica e dos mais variados elementos nos quais se
materializava a identidade nacional. A edificação brasileira levava aos Estados Unidos e
ao mundo ocidental uma gloriosa representação do Brasil, com vastas possibilidades de
investimento para o capital estrangeiro, em especial, a mineração. Vencedor do grande
prêmio internacional entre os pavilhões das nações convidadas, o Palácio esteve
inserido na dramatização do real e na construção da “ilusão do progresso como
realidade tangível” ao participar da Exposição Universal de Saint Louis e retornar ao
Brasil. A ele foi atribuída a responsabilidade de alegoria da nação, com a missão
paradoxal de representar o moderno e a tradição em coisa única. Sua arquitetura, já nos
moldes do ecletismo classicizante, trazia o café como principal produto a ser
evidenciado, com “um pé de café carregado trazido de São Paulo e uma fonte que
jorrava grãos de café”.
Ao lado de outras construções alegóricas, como o Palácio Tiradentes, o Palácio
Monroe era a materialização do projeto republicano que, no início do século XX, ainda
procurava legitimar-se no imaginário social mobilizando signos que associassem o novo
regime à modernização e ao progresso da nação. O projeto de nação que vencia esta luta
entre representações era o de pátria republicana, federalista e presidencialista aos
moldes norte-americanos, alicerçada pelo positivismo e pelas noções de liberdade e
igualdade francesas.
Com a transferência da Capital para Brasília, uma pequena representação do
Senado Federal – o “Senadinho” – permanece no Palácio Monroe por mais de uma
década, demonstrando a persistência do que o professor Manoel Ferreira chama de
“duplicidade de capitais” em documento enviado ao General Ernesto Geisel, antes dele
assumir a presidência da República. Neste momento, abrigava, também, o Estado Maior
das Forças Armadas. Com a extinção do “Senadinho”, uma acirrada discussão entre
distintos grupos e sujeitos da sociedade inicia-se quanto ao destino da construção. Em
janeiro de1976, a antiga sede do Senado Federal é demolida e suas obras de arte e bens
luxuosos leiloados. O arrasamento do Monroe inscrevia-se no debate sobre os valores
históricos e arquitetônicos que deviam, ou não, serem preservados como o rosto da
nação brasileira, além de simular, ainda, a disputa entre Brasília e Rio de Janeiro pelo
título e poder simbólico de Capital da modernidade brasileira.

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