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MEIO-AMBIENTE

ALGAS
A problemática das eflorescências de algas marinhas nocivas

“19th Session of the Inter- pesca, é também limitante para a mitili-


governmental Oceanogra- cultura. Esse tipo de atividade comercial
phic Commission Assem- requer ambiente que contenha águas
bly (IOC/UNESCO)” ocor- isentas de organismos patogênicos e de
rida na Espanha em 1997, elementos químicos capazes de afetar a
estabeleceu que o ano de saúde dos moluscos e de seus consumi-
1998 seria o ano internacional dos ocea- dores.
nos. No Brasil, poucos foram os fóruns de Os mexilhões apresentam alta taxa de
debate sobre o aproveitamento dos re- conversão do seu alimento, transforman-
cursos dos oceanos como alternativa para do fitoplâncton em carne utilizável na
o desenvolvimento social, econômico e, alimentação humana. São de fácil diges-
principalmente, científico em nosso país. tão e absorção pelo organismo humano e
Em vista disso, estamos apresentando de grande valor nutritivo, superior, inclu-
nesta edição nossa contribuição científi- sive, ao de outros moluscos, como as
ca sobre a problemática das EFLORES- lulas e os polvos e ao de crustáceos,
CÊNCIAS DE ALGAS MARINHAS NOCI- como as lagostas. Devido à sua ampla
VAS e sua relação com a mitilicultura. distribuição geográfica, facilidade na sua
A importância que a aquicultura tem obtenção e coleta, seu elevado índice de
para o homem moderno baseia-se no fato retenção de nitrogênio e ao seu alto teor
desta servir como promissora alternativa de proteínas, esse molusco é considera-
da pesca extrativa, a qual, segundo diver- do uma importante fonte potencial de
sas previsões, estará chegando ao seu proteínas e vitaminas para muitas popu-
limite máximo sustentável na primeira lações, possibilitando, ainda, o incre-
década do século XXI. mento da economia interna e externa,
Uma das prováveis causas que contri- por meio da sua exportação por vários
buiram para se chegar ao “limite máximo países.
sustentável” sem dúvida apóia-se no Ligado ao desenvolvimento da mitili-
mecanismo de desenvolvimento, por- cultura estão as eflorescências de algas
que, nas regiões altamente urbanizadas e tóxicas. As eflorescências marinhas (ma-
industrializadas, no decorrer dos últimos rine algal blooms) têm sido estudadas
anos, ocorreu um aumento significativo nos últimos 200 anos. É um fenômeno
de produção, com acumulação e comple- ligado a microalgas produtoras de toxi-
xidade de elementos tóxicos (meio aqu- nas e tornou-se um grande problema
ático, terrestre e aéreo), que têm gerado ambiental, econômico e de saúde públi-
problemas sociais, econômicos e ambi- ca em diversas regiões do globo, por
entais de grande escala. O avanço tecno- exemplo, na Europa. Atividades huma-
lógico, o crescimento demográfico, a nas induzem “stress” em sistemas ecoló-
industrialização e o uso de novos ele- gicos por meio de importantes poluentes
mentos, principalmente na agricultura, que modificam os habitat, introduzindo
William Gerson Matias
têm contribuído para que entrem no espécies exóticas e removendo as espé-
Engenheiro sanitarista e ambientalista, doutor em ambiente, de maneira contínua, quanti- cies nativas. Isso sugere uma forte relação
Toxicologia Ambiental (Université de Bordeaux 2 - dades crescentes de grande número de entre as atividades humanas e a crescente
França). Professor do Departamento de Engenharia substâncias químicas, sintéticas e natu- freqüência das eflorescências de algas
Sanitária e Ambiental – UFSC e responsável pelo
Laboratório de Toxicologia Ambiental – UFSC. rais, cujas interações e efeitos adversos, marinhas em todo o mundo.
Foto cedida pelo autor tanto sobre o ambiente como sobre os Esse fenômeno é caracterizado por
seres vivos, em geral não são conhecidos uma intensa proliferação ou “eflorescên-
ou deles se conhece muito pouco. cias” periódicas e inexplicáveis de algas
A poluição dos recursos hídricos, produtoras de toxinas. De fato, certas
além de ser um fator limitante para a microalgas produzem toxinas que provo-

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cam lesões cutâneas após o contato com a
pele de banhistas e principalmente pertur-
bações digestivas ou nervosas mais ou
menos graves devido ao consumo de frutos
do mar contaminados.
Essas proliferações causam contamina-
ções de peixes, mexilhões e ostras. Elas
constituem um problema de saúde pública,
que tem importantes repercussões econô-
micas ligadas à interdição da venda de
produtos contaminados em alguns países.
Em certas condições climáticas e ambi-
entais, essas algas podem produzir toxinas
que serão concentradas por peixes e maris-
cos que se alimentam do fitoplâncton. O
consumo desses frutos do mar pode acarre-
tar muitos tipos de patologias: a síndrome
da paralisia ou PSP (Paralytic Shellfish Poi-
soning), a síndrome neurotóxica ou NSP
(Neurotoxic Shellfish Poisoning), a síndro- Aspectos de uma eflorescência de algas - Litoral catarinense nov/98
me ciguatérico, a síndrome da amnésia ou
ASP (Aminesic Shellfish Poisoning) e a dos vasos do tubo digestivo, provocando é um inibidor da sínteses de proteínas em
síndrome da diarréia ou DSP (Diarrheic diarréias, vômitos e dores de cabeça. Uma um sistema acelular (cell-free system) com
Shellfish Poisoning). dezena de espécies do tipo DSP, que uma CI50 de 6.3x1012 M-1 (Matias e col.,
Muitos especialistas pensam que esses pertencem ao gênero Dinophysis, atingem 1996). Essa toxina marinha passa pela bar-
“blooms” ou eflorescências se tornam cada atualmente a França, Espanha, Itália, Portu- reira transplacentária (Matias e Creppy,
vez mais graves e freqüentes: o número de gal, Alemanha, Holanda, a Escandinávia, 1996a) e entra no ciclo enterohepático em
casos devidos a espécies nocivas, os danos Japão, Nova Zelândia, Estados Unidos, camundongos (Matias e Creppy, 1996b).
e os acidentes causados, os tipos de toxinas Canadá, Venezuela, Argentina e Chile. A Matias e Creppy (1998) mostraram que o
e de espécies tóxicas e o número de produ- identificação, a quantificação e a detecção AO altera a metilação biológica do DNA,
tos contaminados aparentemente aumenta- dessas toxinas no fitoplâncton marinho e induzindo uma hipermetilação da m5dC,
ram. nos moluscos bivalves foram estudadas elucidando um dos mecanismos de ação
Em um primeiro momento, uma prolife- por vários pesquisadores em diferentes dessa toxina marinha promotora de tumo-
ração de algas tóxicas pode causar uma países. res. Também foi mostrado que o AO induz
modificação de cor das águas, o que chama- Um exemplo dessas toxinas marinhas é a lipoperoxidação (Matias e Creppy, 1998),
mos de águas coloridas ou maré vermelha. o ácido ocadáico (AO), que vem sendo conhecida como uma manifestação de da-
O termo “águas coloridas” aplica-se exclu- estudado de maneira acirrada por diversos nos oxidativos e causadora de efeitos de
sivamente a proliferações, em zona costei- pesquisadores, em todo mundo. toxicidade e carcinogênese.
ra, de organismos fitoplanctônicos que per- AO foi primeiramente isolado de es- A UFSC, através do seu Laboratório de
tencem, em geral, à classe dos dinoflagela- ponjas negras Holichondria okadaii (Ta- Mexilhões, desenvolve desde 1985, pes-
dos, mas também a outros grupos de algas chibana e col., 1981) e Prorocentrum lima quisas e formação de recursos humanos
unicelulares. Recentemente, na Baia de (Murakami e col.,1982). Posteriormente, com o objetivo de incentivar o cultivo de
Sepetiba, litoral sul do Rio de Janeiro (31/ foi mostrado ser um poliéster de ácidos mexilhões. Os resultados dessas pesquisas
01/98), houve uma grande eflorescência de graxos produzido por microalgas que se são aplicados pelos produtores por inter-
algas tóxicas, aproximadamente 10 km de acumulam em esponjas negras e em maris- médio do serviço de extensão da EPAGRI.
extensão, que causou o aparecimento de cos, Mytilus galloprovincialis (Tubaro e Apesar de louvável a iniciativa do Labo-
queimaduras em banhistas e também a col., 1992). AO é a principal toxina produ- ratório de Mexilhões da UFSC, principal-
mortalidade de peixes e siris. zida por dinoflagelados, que acumulada mente no aspecto econômico-social, o con-
Os moluscos, os mexilhões em particu- nos hepatopâncreas de mariscos e ostras e trole da qualidade ambiental onde estão
lar, possuem mecanismos de bombeamen- causa a síndrome da diarréia “diarrhetic sendo implantadas as culturas são insufici-
to e filtração capazes de concentrar os shellfish poisoning” em consumidores. Ele entes para garantir um produto de boa
diferentes compostos e também os xenobi- é um potente promotor de tumor (Fujiki e qualidade para ser consumido pela popu-
óticos contidos na água. Esses moluscos col., 1987) e um específico inibidor da lação humana.
bivalves fixam em seus hepatopâncreas os atividade das proteínas fosfatasse 1 e 2A Nesse contexto, considerando os as-
organismos planctônicos e suas toxinas, (Bialojan e Takai, 1988). Até o momento, as pectos negativos que as eflorescências de
que o consumidor ingere ao se alimentar. propriedades tóxicas do AO foram atribu- algas tóxicas causam à saúde pública, ao
Seis grandes manifestações clínicas fo- ídas à sua capacidade de inibir a atividade meio ambiente, à economia e a grande
ram descritas. A síndrome da diarréia pro- dessas enzimas, que causam efeitos em dificuldade de redução da poluição dos
vocada por toxinas ditas DSP (Diarrhetic processos intracelulares e em diversos me- ambientes costeiros (inexistência de siste-
Shellfish Poisoning) apareceu, pela primei- tabolismos contrácteis, genes de transcri- mas de coleta e tratamento de esgoto na
ra vez, na França, na costa da Normandia, ção, estrutura de manutenção do citoes- maioria das cidades brasileiras), entende-
em 1983, onde ocorreram 3.300 intoxica- queleto, receptor intermediário de tradu- mos que um “Programa Nacional de Con-
ções. Em 1985, 400 casos de DSP foram ção do sinal e divisão celular. AO é uma trole da Eflorescências de Algas Tóxicas”
registrados na costa francesa mediterrânea. substância neurotóxica (Candeo e col., tem de ser estabelecido e implantado o
Essas toxinas modificam a permeabilidade 1992), recentemente foi mostrado que ele mais breve possível.

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