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admirável doutor da igreja capadócia tinha, de fato, um coração de

pastor, por que deixaria de ouvir o balido da ovelha?

Em vez de criticá-lo, coloquemo-nos em seu lugar.

Estaríamos nós, realmente, dispostos a dispensar atenção e tempo a uma


única pessoa? Ou transformar-lhe-íamos a pergunta numa tese a ser
exposta no principal culto da igreja, buscando, assim, fugir ao estresse
de uma entrevista no gabinete pastoral?

ESTE LIVRO É DEDICADO AO ESFORÇO E Via de regra, preferimos tratar as necessidades humanas de forma
coletiva a dispensar-lhes um tratamento individual, diferenciado e
DEDICAÇÃO DO GRANDE CONSELHEIRO específico. Nosso Senhor, porém, insta-nos a agir como Ele agiu:
aconselhava tanto coletiva quanto individualmente. Assim deve atuar o
QUE RESISTIU E DEDICOU O SEU TEMPO conselheiro cristão. Se por um lado ministra os conselhos de Deus da
tribuna ao rebanho sempre nédio — onde dificilmente é interpelado —
AO ACONSELHAMENTO CRISTÃO EM por outro, não teme receber a ovelha ferida em seu gabinete — onde é
aparteado exaustivamente.
TEMPOS DEFICEIS, O DOUTOR E De qualquer forma, não haverá de fugir ele à sua vocação: é um
conselheiro pastoral; para esse mister Deus o chamou.
TÉCNICO ELECTRÓNICO CONSELHEIRO
“FILIMONE MOISES JUNIOR THUMBO”
I. O QUE É O CONSELHEIRO PASTORAL
Basta uma leitura de Atos para logo concluirmos: não há cristão que não
seja conselheiro. É o que afirma o apóstolo Paulo (Cl 3.16). No mesmo
Estudo Bíblico O Conselheiro Cristão livro, porém, constatamos que o Espírito Santo separa determinadas
pessoas, para que se consagrem ao ministério do aconselhamento. Nos
momentos de crise, requer-se a pronta intervenção de alguém chamado
O ministério do aconselhamento especificamente a essa tarefa.
Certa feita, um crente fiel e interessado em elucidar as dúvidas de sua fé,
abordou Gregório Nazianzeno com uma pergunta, que levou o teólogo a Todavia, o que é o conselheiro cristão? É um profissional? Um médico
sugerir-lhe: “Seria bem melhor responder-lhe do púlpito”. Se o de almas? Ou um ministro do evangelho?
não vim chamar os justos, mas sim os pecadores” (Mc 2.17).
1. Definição etimológica. A palavra conselheiro é oriunda do
vocábulo latino consiliariu, e significa “aquele que se assenta no concílio Não são apenas os incrédulos que se acham com a alma enferma. Os
ou assembléia”. Semelhante definição remete-nos às praças e aos crentes também enfrentam graves moléstias espirituais, conforme
palácios da antigüidade, nos quais congregavam-se os sábios para escreve Paulo aos irmãos de Corinto: “... há entre vós muitos fracos e
orientar os concidadãos a decidirem entre o certo e o errado. Haja vista doentes e muitos que dormem” (1 Co 11.30). Que terapia usaremos para
o episódio narrado no livro de Rute. No portão de Belém, reuniram-se restaurá-los? Existe apenas uma terapia realmente eficaz: a ministração
os anciãos, a fim de ajudar Boaz a obter o direito de ser o resgatador da da Palavra de Deus através do aconselhamento pastoral, pois nem
jovem moabita (Rt 4.1-12). sempre as pregações públicas são eficientes àquele que requer um
tratamento individual e diferenciado. Algumas doenças da alma não
2. Definição genérica. Conselheiro é aquele que ministra conselhos podem ser tratadas numa enfermaria coletiva.
seja na discrição de um gabinete, seja na efervescência da assembléia do
povo. Também é conhecido como conselheiro o ministro encarregado de
orientar o chefe de Estado. O pensador cristão Charles Colson, por
exemplo, atuou durante vários anos como conselheiro especial do
presidente norte-americano Richard Nixon. Em sua autobiografia, narra
a tensão e as dificuldades por ele enfrentadas no desempenho de sua
função. O conhecimento não lhe era suficiente; a sabedoria era-lhe
indispensável; a experiência, imprescindível. Ora, se para aconselhar
uma autoridade secular requer-se tamanha responsabilidade, como
portar-se ante as demandas da Igreja de Cristo?

3. Definição teológica. O conselheiro pastoral é alguém capacitado


pelo Espírito Santo para ajudar as ovelhas de Cristo nos momentos de
crise, mostrando-lhes, através da Bíblia Sagrada, a vontade de Deus e as
soluções apontadas pela Palavra de Deus.
II. O CONSELHEIRO NO ANTIGO TESTAMENTO
Ao romancear a biografia de Lucas, a autora canadense Taylor Caldwell Em Israel, os conselheiros eram bastante requisitados. Até mesmo
cognominou-o de médico de almas e de homens. Por que médico de Salomão, considerado o mais sábio dos homens, tinha-os em elevada
almas? Desde a sua chamada ao ministério cristão, tornara-se um estima (1 Rs 12.6). A palavra destes homens, nem sempre idosos, mas
especialista em curar as feridas do espírito. Eis por que todos o necessariamente idôneos, era consignada como a voz de um anjo de
chamavam de médico amado (Cl 4.14). Se nos empenharmos por seguir- Deus (2 Sm 16.23; Ec 4.13). A fim de aconselhar a sua geração, Salomão
lhe o exemplo, também seremos tidos na conta de médicos de almas. escreveu dois livros: Provérbios e Eclesiastes.
Não foi justamente para isso que nos convocou o Senhor Jesus? Quando
os fariseus o censuraram por dedicar-se aos pecadores, respondeu-lhes: Se os conselheiros, porém, viessem a desconsiderar a sabedoria de Deus,
“Os sãos não necessitam de médico, mas sim os que estão doentes; eu levariam todo um império à ruína. Haja vista a divisão das tribos de
Israel no tempo de Roboão (1 Rs 12.1-15). E o conselho de Balaão, filho se poste como um hospital de almas, cujos médicos acham-se em
de Peor? Instruído por sua cobiça, Balaque prontamente colocou permanente plantão para socorrer as ovelhas do Cristo. De João Batista
tropeços diante dos filhos de Israel, incitando-os a se prostituírem e a a João, o Teólogo, o conselho marca indelével e inconfundivelmente o
comerem dos alimentos oferecidos aos ídolos (Ap 2.14). Novo Testamento.

A função de conselheiro era de tal forma importante em Israel, que o 1. João Batista. Ao preparar o caminho do Senhor, João Batista
Messias foi assim descrito: “Porque um menino nos nasceu, um filho se santificou-se a aconselhar os filhos de Israel, pois só assim haveriam eles
nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será de alcançar o ideal que lhes traçara o Senhor na Lei de Moisés e nos
Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Profetas.
Paz” (Is 9.6). A expressão hebraica peleh yohets é particularmente
emblemática. Descreve alguém que, por seus atributos divinos, é a fonte Certa vez, João foi procurado por uns publicanos e soldados que
de todos os tesouros do conhecimento, segundo a descrição que faz buscavam uns conselhos práticos para o seu dia a dia. Refletindo a
Paulo do Senhor Jesus Cristo: “Para que os seus corações sejam justiça profética, assim o Precursor do Messias exortou-os: “Não peçais
consolados, e estejam unidos em caridade e enriquecidos da plenitude mais do que aquilo que vos está ordenado. A ninguém trateis mal, nem
da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus — Cristo, em defraudeis e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3.13,14). Ao censurar
quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl Herodes, veio a perder a vida (Mt 14.1-12). Seus conselhos, todavia, não
2.2,3). puderam ser calados; continuam a ecoar, mostrando-nos ser a ética e a
justiça o caminho trilhado pelos que temem a Deus.
É por isso que elegemos o Senhor Jesus como o paradigma do
conselheiro pastoral. Aliás, não poderia ser doutra forma; ninguém 2. Jesus Cristo. Jesus é o eterno, maravilhoso e infalível conselheiro.
falava e aconselhava como o nosso Salvador. Ele aconselha-nos através de seus sermões, por meio de suas parábolas,
através de seus pronunciamentos, mediante suas profecias; valendo-se
de sua própria vida, serve-nos de perfeitíssimo conselho.

No Sermão da Montanha, admoesta-nos a viver segundo a lei do amor.


Nas parábolas, exorta-nos a agir de acordo com o padrão divino,
III. O CONSELHEIRO NO NOVO TESTAMENTO comparando as coisas do céu com as da terra. E, em suas profecias, insta-
A Igreja de Cristo é a comunidade conselheira por excelência. Na Grande nos a proceder de conformidade com a vida futura. Ele não se atinha
Comissão, ela recebe tal incumbência do próprio Cristo: “Portanto, ide, apenas à vida no céu. Sabendo quão estressante é o nosso cotidiano,
ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do deixou-nos uma série de princípios, visando aliviar-nos da pressão do
Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho cotidiano. Seus conselhos e métodos continuam tão atuais, hoje, quanto
mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação há dois mil anos.
dos séculos. Amém!” (Mt 28.19,20).
3. Apóstolos. Através dos conselhos que diariamente ministravam, os
Enfocando tão importante faceta da Igreja, ponderou Fred Catherwood: apóstolos fizeram da Igreja Cristã uma comunidade orientadora. A
“A Igreja deve ser uma comunidade de estímulo”. Nesse sentido, que ela eloqüência de Pedro não era medida somente pelos discursos; mediam-
na, também, pelos consolos que o galileu ia dispensando às ovelhas de Além de seu labor teológico, Orígenes punha-se a instruir o rebanho do
Cristo. Senhor; compreendia que aconselhar era também fazer teologia.
Ambrósio, além dos hinos e instruções doutrinárias, entregava-se à
Tiago, o enérgico pastor de Jerusalém, não era conhecido apenas pelo edificação dos conversos. E, assim, edificou o caráter de Agostinho. E
rigor com que tratava as coisas de Deus; conheciam-no, de igual modo, este não se limitava a escrever obras como a admirável Cidade de Deus;
por sua palavra oportuna e conciliadora. E Paulo? Não era ele o grande santificava-se a ensinar os que para lá se dirigiam.
doutor dos gentios? Apresentava-se, igualmente, como o orientador da
gente simples quer entre os judeus, quer entre os gregos e romanos. Já E João Crisóstomo? Por que era tido como a boca de ouro do
no Apocalipse, deparamo-nos com João; se por um lado descerra ele os Cristianismo? Se por um lado sobressaía-se, no púlpito, a defender as
mistérios do futuro, por outro, mostra o amor e o desvelo de Cristo no grandes verdades das Sagradas Escrituras; por outro, no recôndito de
presente de suas ovelhas. seu ministério, onde somente Deus podia contemplá-lo, elaborava
solidários conselhos a ouvidos relegados ao abandono.
Sendo a Igreja de Cristo uma comunidade aconselhadora, somos
instruídos a buscar conselhos e a ministrá-los sempre que necessário. Martinho Lutero não era um herói apenas diante dos que oprimiam a
Assim, todos somos edificados em amor: “Pelo que exortai-vos uns aos Igreja de Cristo. No silêncio de seu ofício, era um titã na obra do
outros e edificai-vos uns aos outros, como também o fazeis” (1Ts 5.11). catecumenato.
Nessa passagem, o apóstolo destaca que o conselho, verdadeiramente
espiritual e amoroso, gera edificação. É o conselheiro, por conseguinte, O que diremos de Calvino? O autor das Institutas da Religião Cristã
um edificador de caracteres, de corações e de almas. mostrou, desde o início de sua obra, um redobrado zelo com o
aconselhamento pastoral. E, dispensando um zelo incomum pelas almas
que sequer podiam discernir a mão direita da esquerda, ele transformou
a cidade suíça de Genebra numa metrópole exemplar; depois de
quinhentos de anos de reforma, esta ainda exubera civilização e cultura.

No século XVIII, quando a Reforma Protestante perdia terreno na


Inglaterra, Deus levanta um homem que, além das lides acadêmicas,
IV. O CONSELHEIRO NA HISTÓRIA DA IGREJA muito se dedicou ao aconselhamento pastoral. Contam seus biógrafos
Por que os primeiros teólogos do cristianismo eram conhecidos como que John Wesley montava em seu cavalo e, com a determinação de um
pais da igreja? Por haverem sistematizado a doutrina? Por terem cruzado, saía a confirmar as ovelhas do Senhor. Era um trabalho difícil,
construído uma irretorquível dogmática? Ou por se destacarem por uma penoso e sacrifical. Seus conselhos, entretanto, frutificaram toda uma
invulgar eloqüência? Não resta dúvida de que todos eles eram geração.
consumados doutores nas Sagradas Escrituras; pontificavam tanto
escrevendo quando falando. Todavia, foram assim cognominados por Os grandes teólogos americanos jamais deixaram de lado o ministério
apresentarem, através do amor, todos os conselhos de Deus às ovelhas do aconselhamento. Jonathan Edwards e Charles Finney, além de
de Cristo. erigirem grandes monumentos à doutrina cristã, legaram-nos um
exemplo singular de como os pastores devem proceder. Ao contrário dos
acadêmicos que, encerrando-se em suas clausuras, se esquecem da anonimato de seu gabinete, reconstrói vidas que, mais adiante,
teologia prática, eles colocavam na prática o que a verdadeira teologia reconstruirão outras vidas? Tenho certeza de que Billy Grahan tornou-
recomenda: o amor às ovelhas de nosso Senhor Jesus Cristo. se uma personalidade pública porque alguém, em particular, falou-lhe
dos mistérios de Deus.

Conselheiro, o seu ministério é mui importante. Sem ele, eu não estaria


V. O CONSELHEIRO NA ATUALIDADE escrevendo este livro, nem incentivando-o a prosseguir num mister tão
Infelizmente, o aconselhamento pastoral, a partir do século XX, foi glorioso.
tomado por um psicologismo doentio, irresponsável e antibíblico. | Autor: Pr Martins Amory
Recorrendo à falsa psicologia, alguns pastores intentaram resolver o
problema de suas ovelhas, utilizando-se das técnicas de Sigmund Freud
e Carl Jung. Destes, alguns se fizeram subservientes. Em vez do gabinete
pastoral, o consultório. Em vez da ministração dos meios da graça, o
divã. Em lugar da obra regeneradora do Espírito Santo, a hipnose.
Substituindo a Palavra de Deus, os compêndios desses sábios que, hoje,
já começam a ser seriamente questionados pela mesma comunidade
acadêmica que um dia os aplaudiu.

Insurgiram-se contra o psicologismo no aconselhamento pastoral dois


teólogos bastante conceituados nos Estados Unidos: Jay Adams e John
MacArtur Jr. Ambos são de opinião (e com eles concordo plenamente)
que a psicologia secular, tendo em vista seus fundamentos humanistas e
anticristãos, jamais poderá adequar-se às necessidades do verdadeiro Estudo Bíblico O Conselheiro Cristão -
aconselhamento bíblico, pois este tem como alicerce: 1) a soberania da
Bíblia Sagrada; 2) a regeneração em Cristo; 3) o amor a Deus e ao Parte 2
próximo; 4) o andar segundo a vontade de Deus; 5) a responsabilidade
pessoal; 6) o pecado como a causa de todos os males que atormentam o
ser humano; e 7) a existência das penalidades eternas. As qualificações do conselheiro
Quando trabalhava na Imprensa Metodista, na outrora pequena e
CONCLUSÃO encantadora São Bernardo do Campo, pus-me a ler, certa vez, alguns
Quem não se entusiasma em ouvir os chamados pregadores de trechos do Diário de Wesley. De início, não encontrei um teólogo;
multidões? Esses abençoados servos de Deus vêm divulgando deparei-me logo com um admirável condutor de almas. Naquele
massivamente o evangelho de Cristo, mostrando ser a mensagem da cruz cavalheiro inglês, destacava-se o amor daquele que se desfizera em
simplesmente irresistível. desígnios para reconduzir-nos a Deus; era um amor provado e sacrificial.

No entanto, quem haverá de observar o conselheiro pastoral que, no Em suas visitas pastorais pela Inglaterra do século XVIII, onde o
sofrimento humano era grande, aprumava-se Wesley em seu cavalo e, Como agia o Maravilhoso Conselheiro?
internando-se por aqueles sombrios condados, punha-se a confirmar as Se num momento pronunciava à multidão sequiosa o Sermão do Monte,
ovelhas do Cristo. Nesta casa, deixava um consolo; naquela, no outro, ei-lo a receber o confuso Nicodemos. Se agora acha-se a
administrava uma exortação; mais além, aplicava uma admoestação discursar no átrio do Santo Templo, daqui a pouco estará instruindo a
paterna; edificantes e amorosas palavras semeadas num campo já mulher pecadora. E se logo mais ocupará a tribuna de alguma sinagoga
exausto de esterilidades. para discorrer acerca das profecias messiânicas, depois, certamente,
haverá de se recolher com algum publicano para falar-lhe dos mistérios
Naquele cavalariano solitário, reuniam-se as qualificações todas de um do Reino de Deus.
conselheiro comprovadamente bíblico. Sabia ele que a saúde do rebanho
de Cristo somente seria possível se cada uma de suas ovelhas viesse a Com o Maravilhoso Conselheiro, aprendamos este princípio básico: Se
receber todo o bálsamo que nos proporciona a Palavra de Deus. aspiramos ao episcopado, aspiremos também ao ministério do
aconselhamento. Pois todo pastor é um conselheiro, apesar de nem todo
Se neste ministério quisermos ter êxito, cultivemos, diuturnamente, as conselheiro ser pastor. Há cristãos que, embora não hajam sido
qualificações que tornam o ministro um autêntico conselheiro. Caso chamados ao pastoreio, sentem-se vocacionados a administrar os
contrário, as almas que nos foram confiadas pelo Sumo Pastor jamais conselhos de Deus.
terão saúde espiritual.
Doutor dos gentios e mestre consumado das Sagradas Escrituras, sabia
Paulo que uma de suas missões era, justamente, o aconselhamento. Aos
presbíteros de Éfeso, protestou: “Nunca deixei de vos anunciar todo o
conselho de Deus” (At 20.27). Aliás, era o apóstolo um conselheiro que
gerava conselheiros. Na Macedônia, aconselhara Priscila, que
aconselhou o esposo Áquila. E já devidamente fundamentados na fé
cristã, vão ambos aconselhar o impetuoso e eloqüente Apolo: “E chegou
I. VOCAÇÃO ESPECÍFICA a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, varão
Afirmou Samuel Johnson que “a maioria dos homens possui fortíssimo eloqüente e poderoso nas Escrituras. Este era instruído no caminho do
e ativo preconceito em favor da sua própria vocação”. O que escreveu Senhor; e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as
Johnson cumpre-se na vida de muitos obreiros de Cristo. À semelhança coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João. Ele começou
de Gregório Nazianzeno, preferimos sempre a tribuna, mesmo que a a falar ousadamente na sinagoga. Quando o ouviram Priscila e Áqüila, o
circunstância nos reclame a privacidade do gabinete. Queremos ser levaram consigo e lhe declararam mais pontualmente o caminho de
pastores do rebanho, mas não da ovelha solitária e sofrida. Deus” (At 18.24-26).

Eram Priscila e Áquila ministros formalmente reconhecidos pela


comunidade cristã? O que sabemos é que, chamados a ministrar
conselhos, foram imprescindíveis na formação de um jovem que seria
contado entre os campeões de Deus.
esperanças mesmo onde não há esperança alguma para reavivar. Não
analisa o aconselhado como se fora este uma cobaia; sintetiza o bálsamo
II. PREDISPOSIÇÃO PARA AMAR da fé e ministra-o ao enfermo. O amoroso conselheiro ama em conselhos
e em conselhos entrega-se às ovelhas de Cristo, pois amando-nos Ele
SACRIFICIALMENTE com um amor eterno, fez de seu apostolado um ministério de
Ao longo de minha vida, encontrei pessoas que — investindo em mim aconselhamento. Do início ao fim de seu sacerdócio terreno,
não somente o seu tempo, mas o próprio coração — aconselharam-me sacrificialmente aconselhou aqueles a quem Deus tanto ama.
nas crises e souberam como orientar-me nos dilemas e tormentas.
Minha mãe lia-me, todas as noites, os Provérbios de Salomão. Com uma
simplicidade que beirava a singeleza, mostrava-me que o êxito na vida
não é um simples acaso; é o resultado de uma existência comprometida
com Deus. Passados já todos estes anos, aquelas dissertações ainda me III. CONHECIMENTO BÍBLICO E TEOLÓGICO
norteiam, apontando-me o rumo a seguir. Num momento bastante confuso de minha adolescência, fui procurar o
maestro Walter de Morais que, naquela época, regia a orquestra da
Nem todos os conselhos de meu pai eram serenos. Às vezes, impunha- Assembléia de Deus em São Bernardo do Campo. Diante de minhas
me ele dura disciplina, dissuadindo-me a não seguir caminhos tortuosos. angústias, aquele homem calmo e sem pressa pôs-se a aconselhar-me
Se naquele momento o castigo parecia pesado, nos instantes de crise como se visse ali, bem à sua frente, um jovem que, sequer, sabia ler o
nem castigo parecia; era uma instrução sem palavras que, agora, ia interlúdio da vontade de Deus. No compasso certo, respeitando os
traduzindo-se em amorosas prevenções. Muito aprendi com aquele acidentes e pausas de uma vida ainda sem harmonia, ia o irmão Walter
homem que, prematuramente, foi recolhido pelo Senhor. Houvesse-lhe ajudando-me a solfejar aquele drama numa clave de sol, até que os raios
eu seguido todos os conselhos, certamente meus êxitos teriam sido bem da Palavra de Deus vieram a espargir-me a alma. Com a batuta de quem
maiores. sabe conduzir os mais diversos instrumentos, ensinou-me ele a andar no
ritmo que o Senhor Jesus prescreve aos seus filhos.
Até o dia de hoje, procuro minha mãe para buscar aquele conselho
natural e espontâneo, mas eficaz. Um conselho desprovido de Qual o segredo daquele conselheiro? Era um teólogo profundo
academicismos, porém carregado de sabedoria; um conselho sem e prático.
retórica, entretanto eloqüentíssimo; um conselho sem a tecnicidade de Hoje, infelizmente, valoriza-se muito mais a psicologia humanista do
uma psicanálise, todavia capaz de me ler o coração e decifrar-me os que a teologia. E nem por isso os problemas emocionais entre os crentes
enigmas da alma; um conselho gratuito, no entanto amorosamente diminuíram. Não pense você que estou abrindo uma guerra contra os
inestimável. psicólogos cristãos; reconheço o seu labor e o seu esforço como
auxiliares no aconselhamento; alguns problemas lhes reclamam a
Se você almeja aperfeiçoar-se no ministério do aconselhamento, ame intervenção. Não podemos esquecer-nos, todavia, de que, nesse
como o Senhor amou. O amoroso conselheiro não se limita a aconselhar; ministério, a Bíblia Sagrada é imprescindível como imprescindível é o
dá-se ele em prudências e encorajamentos. Não se enfada em ouvir conhecimento das doutrinas cristãs.
agruras alheias; toma-as para si. Não se perturba com as lágrimas;
ternamente as chora. Não alimenta falsas expectativas; aviva as
IV. EXPERIÊNCIAS RELEVANTES Por conseguinte, é imprescindível que o conselheiro conheça
Jesus era um homem de dores e que sabia o que era padecer. Com as experimentalmente a Cristo. Doutra forma, não será cristão nem
nossas angustias, amargurou-se Ele; com os nossos sofrimentos, foi a conselheiro. Haja vista Nicodemos. Embora mestre e orientador
sua alma profundamente lacerada. Ao descrever-lhe a paixão, profetiza espiritual em Israel, ignorava que, sem a genuína conversão, jamais
Isaías que os homens haveriam de esconder o rosto de nosso Senhor, poderia ensinar os judeus. Por isso exorta-o Cristo com uma pergunta
pois a sua face, embora divina, humanamente desfigurara-se. Todo esse intrigante: “Tu és mestre de Israel e não sabes isso?” (Jo 3.10). Não era
sofrimento, porém, proporcionou-lhe as necessárias condições para que Nicodemos uma perfeita figura dos psicólogos seculares que, apesar de
fosse reconhecido como o Maravilhoso Conselheiro. seus esforços, buscam curar as feridas de seus clientes, sendo que eles
mesmos são pacientes em estado terminal?
Como Deus, não carecia o Senhor de experiências humanas para
aconselhar os homens. No entanto, como homem, mostrou sua 2. Experiência de vida. A experiência de vida é a soma de todos os
divindade pelas experiências que teve de nossa humanidade. conhecimentos, vividos ou presenciados, que nos habilitam a agir de
Demonstra-nos isso que o conselheiro pastoral, para ter êxito em seu forma sábia e piedosa diante de Deus e dos homens. Ela é imprescindível
ministério, necessita de conhecimentos práticos e relevantes. Doutra ao conselheiro pastoral, pois não lhe basta a vocação; aliada a esta acha-
forma, ser-lhe-ão insuficientes as teorias; não poderá confirmar e se a experiência.
fortalecer as ovelhas de Cristo. Dirigindo-se aos coríntios, Paulo evoca-lhes os sofrimentos e angústias
da vida cristã. Se por um lado as angústias e sofrimentos trazem-nos
desconfortos, por outro, proporcionam aos atribulados um bálsamo de
indescritível poder curador. Ouçamos o apóstolo:
Vejamos as indispensáveis experiências no ministério "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das
do aconselhamento. misericórdias e o Deus de toda consolação, que nos consola em toda a
1. A experiência com Deus. O verdadeiro teólogo não pode ser um nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem
mero teórico; ele é, acima de tudo, um homem que conhece a Deus de em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos
modo experimental. E se experimentalmente conhece a Deus, não consolados de Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes
haverá de ignorar a alma humana, pois esta carrega em si a imagem e em nós, assim também a nossa consolação sobeja por meio de Cristo.
semelhança do Criador. É exatamente aí que reside o requisito básico de Mas, se somos atribulados, é para vossa consolação e salvação; ou, se
um conselheiro pastoral. Mas em que consiste, exatamente, essa somos consolados, para vossa consolação é, a qual se opera, suportando
experiência com Deus? com paciência as mesmas aflições que nós também padecemos. E a
nossa esperança acerca de vós é firme, sabendo que, como sois
Se o psicólogo humanista presume cuidar da mente humana, participantes das aflições, assim o sereis também da consolação” (2 Co
prescindindo de sua experiência com Deus, o mesmo não acontece com 1.3-7).
o conselheiro cristão. O primeiro imagina ser a ciência a resposta para
todos os dramas humanos; o segundo está convicto de que somente Deus É por isso que o neófito não pode ingressar no ministério cristão. Não
é capaz de nos preencher o vazio da alma. lhe discutimos a conversão nem a chamada; questionamos-lhe,
entretanto, o tempo de investidura num cargo que requer experiências,
que demanda vivência com as dores alheias, que reivindica uma entretanto, diante de um tão elevado epíteto, respondeu: “Não sou um
parecença com aquele Homem de dores e que sabia o que era padecer. sábio; sou apenas um amigo da sabedoria”. Em termos mais específicos:
“Não sou um sofos; sou apenas um filosofo”.
A experiência não pressupõe necessariamente madureza biológica. Há
velhos inexperientes como há jovens experimentados e sábios. Em Se algum conhecimento temos, de Deus o recebemos. Do Senhor, e
Eclesiastes, afirmou Salomão: “Melhor é o jovem pobre e sábio do que o somente dEle, vêm-nos a iluminação: Ele é o Pai das luzes (Tg 1.17).
rei velho e insensato, que se não deixa mais admoestar” (Ec 4.13). O Confessemos, pois, nossas limitações como o fez Daniel diante do rei da
legítimo conselheiro, pois, é o que, antes de aconselhar, busca o conselho Babilônia: “E a mim me foi revelado este segredo, não porque haja em
na Palavra de Deus e com os que lhe são mais sábios e experimentados. mim mais sabedoria do que em todos os viventes, mas para que a
Sua pobreza material não lhe desmerece a riqueza do saber. Não é rei, interpretação se fizesse saber ao rei e para que entendesses os
mas a sua palavra impera nos momentos difíceis daqueles que lhe pensamentos do teu coração” (Dn 2.30). Não era Daniel o mais sábio
buscam orientação. conselheiro de Nabucodonosor? Não tinha ele conhecimentos e dons
sobrenaturais? Todavia, reafirma a sua completa dependência de Deus.
O pastor de minha infância não tinha ainda trinta anos quando foi
convocado para integrar o Conselho de Doutrina da Convenção Geral No ministério do aconselhamento, deparamo-nos com situações tão
das Assembléias de Deus no Brasil. Entre os mais velhos, portava-se ele difíceis e enigmáticas que, diante destas, nos faltam palavras. À
como discípulo, ainda que pudesse erguer-se como mestre. Foi assim semelhança de Eliseu, vemo-nos constrangidos a confessar: “Que te hei
que o pastor Roberto Montanheiro firmou-se como um grande pastor de de eu fazer?” (2 Rs 4.2). Naquele momento, não sabia o profeta como
almas; estava o conselho divino permanentemente em seus lábios. Se resolver o problema da pobre e endividada viúva que estava prestes a
por um lado buscava conselho, por outro, ministrava-o alegremente, perder ambos os filhos a um credor incompassivo. Todavia, Deus lhe
abrindo a Bíblia Sagrada que, sublinhada de várias cores, mais parecia o ilumina a mente e com a iluminação nasce o milagre.
arco de Deus numa permanente aliança com o seu povo.
Nem sempre receberemos a iluminação no desempenho do
aconselhamento pastoral. Nessas horas, tranqüilizemos o nosso
consulente: apesar de não termos condições de ajudá-lo, iremos orar e
V. HUMILDADE aconselhar-nos com outros colegas, a fim de termos uma imagem mais
Por seus contemporâneos, era Sócrates tido como o maior dos definida do problema. O bom conselheiro, quando necessário, busca
conselheiros. Ao contrário dos sofistas, que se interessavam apenas por conselho para ajudar aos que lho pedem. O reconhecimento de nossas
fama, riqueza e poder, punha-se o filósofo grego a discutir com os seus limitações não haverá de nos desmerecer diante das ovelhas. Pelo
interlocutores até que estes reconhecem a sua ignorância. Ele, porém, contrário! Devotar-nos-ão maior respeito; sabem elas que, como
não se considerava sábio. Modéstia? Hipocrisia? Ou apenas o homens de Deus, jamais iremos agir leviana e afoitamente.
reconhecimento de alguém que, diante da vastidão da alma humana, é
obrigado a admitir a própria insignificância? CONCLUSÃO
O que faz o conselheiro não é a erudição, é a sabedoria espiritual; não é
Conta-se que, certa feita, chamaram Pitágoras de sábio. O pensador, a eloqüência, é a palavra ungida; não é o domínio das línguas originais,
é o controle da própria língua e a discrição no falar; não é o brilho da
personalidade, é o caráter provado e íntegro. Sem a integridade de
caráter, o conselheiro bíblico inexiste.

Tem você essas qualificações? Sente-se habilitado a desempenhar Estudo Bíblico O Conselheiro Cristão -
semelhante tarefa? Se você foi, realmente, chamado para ser um
conselheiro pastoral, busque aperfeiçoar-se neste ministério. Ore. Parte 3
Consagre-se. Leia a Bíblia Sagrada. Estude as doutrinas bíblicas. Medite.
Procure entender o seu semelhante. Acima de tudo, ame; ame
sacrificialmente. Interceda por aqueles que buscam não somente o seu A vida espiritual do conselheiro cristão
conselho, mas um arrimo nos momentos de provações e amarguras.
INTRODUÇÃO
Você não foi chamado para ser um profissional do aconselhamento. Antes de seu real encontro com o Senhor Jesus, experimentou Martinho
Chamou-o Deus, a fim de que você atue como um ministro do conselho Lutero uma profunda crise espiritual. Assaltado por dúvidas, acometido
e da palavra da sabedoria. por uma forte convicção de pecado e já antevendo as penalidades
eternas, fechou-se em sua cela. E, ali, passou a penitenciar-se. Açoitava-
Obs.: Para outras informações sobre o ministério do aconselhamento se e oprimia-se. Sentindo a miséria de uma crença baseada em tradições
pastoral, leia o Manual do Conselheiro Cristão da CPAD. e viciada pela Escolástica, restava-lhe apenas uma expectativa terrível de
juízo. Foi nesse momento que Lutero buscou os conselhos de um piedoso
| Autor: Pr Martins Amory monge.

Diante da visão daquele jovem trancado em si mesmo e fustigado pelo


terror do inferno, Staupitz aconselhou-o a procurar a justificação através
dos méritos de Jesus Cristo. Já fortalecido por tão imprescindível
verdade, Lutero saiu a reformar a Igreja. E, assim, no dia 31 de outubro
de 1517, fixa as Noventa e Cinco Teses nas portas da Catedral de
Wittemberg, deflagrando um movimento, que, em breve, haveria de
mudar a configuração espiritual, política e cultural da Europa.

Jamais poderemos esquecer-nos da influência de Stauptz no ministério


de Lutero. Se este foi um gigante na vida espiritual, aquele fora um titã
na carreira cristã, pois soube como encaminhar um jovem confuso até
que este, alcançando a maturidade, viesse a destacar-se como o maior
homem de seu tempo.

Mas, para que venhamos a aconselhar corretamente é urgente que


cultivemos a nossa espiritualidade. Desde já, comecemos por ler a Bíblia
Sagrada de maneira devocional, sistemática e ordenada. exegética e eruditamente. Aliás, os maiores teólogos foram homens de
comprovada piedade. Haja vista João Calvino. Lendo-lhe as Institutas
da Religião Cristã, deparamo-nos, em primeiro lugar, com alguém que
se curvava de contínuo diante do Senhor Jesus; somente, então, aparece
o erudito.
I. A LEITURA DA BÍBLIA
No desempenho do ministério cristão, somos tentados a ler a Bíblia com Infelizmente, nem sempre a pesquisa das Sagradas Escrituras conduz o
os olhos do erudito e com a mente do exegeta. Todavia, temos de homem à piedade. A história de Renan o comprova. O cético francês
encaminhar-nos às Sagradas Escrituras com a alma do peregrino que, empreendeu uma árdua viagem pelo Médio Oriente, tendo em mira um
orando e chorando, vai ao encalço do Grande Rei. Martin Anstey exorta- único objetivo: desmistificar o Cristo de Deus. Embora conhecesse
nos a aproximar-nos dos profetas e apóstolos de forma submissa e intelectualmente a Bíblia, desta nada conhecia espiritualmente. Em sua
profundamente consternada: “A qualificação mais importante exigida busca pelo Jesus histórico, acabou por perder o Jesus da história da
do leitor da Bíblia não é a erudição, mas, sim, a rendição; não é a perícia, salvação. Como pôde este erudito conhecer tanto a Palavra de Deus e ser,
mas a disposição de ser guiado pelo Espírito Santo”. Isto não significa, por Deus, tão desconhecido?
porém, que devamos desprezar as ciências bíblicas. Que a nossa leitura
prioritária, no entanto, seja a devocional. Como você pesquisa a Bíblia? Submisso a ela? Ou racionalizando seus
ensinamentos? Mesmo na pesquisa não haveremos de prescindir da
1. A leitura devocional da Bíblia. Ao cantar as belezas e as piedade que, conforme enfatizou Paulo, em tudo é proveitosa. Seja um
infinitudes da Palavra de Deus, o salmista humildemente confessa: “Oh! erudito. Entretanto, não se esqueça: a sua erudição tem de ser
Quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o dia!” (Sl 119.97). consagrada inteiramente ao Senhor Jesus.
Se o livro de texto do conselheiro é, de fato, a Bíblia, como poderá ele
exercer o seu ministério se com o Livro de Deus não tiver a necessária O conselheiro bíblico não pode, sob hipótese alguma, prescindir da
intimidade? Diante das urgências cotidianas de suas ovelhas, o leitura da Bíblia, porque, no desempenho de sua tarefa, haverá de buscar
conselheiro haverá de se privar diariamente com as Sagradas Escrituras. conselho na fonte de todos os conselhos: as Sagradas Escrituras. Em seu
último sermão à Igreja em Éfeso, afirma o apóstolo Paulo: “Portanto, no
Que ele, por conseguinte, consagre as primeiras horas de seu dia a ler, dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos; porque
meditar e inteirar-se das promessas da Bíblia. Você a lê e nela medita nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20.26,27).
todos os dias? Ou somente a abre para esboçar mensagens e sermões?
Considere a exortação de Oswald Chambers: “Cuidado com a Este é o nosso compromisso: ministrar à Igreja de Cristo todo o conselho
racionalização da Palavra de Deus”. A heresia começa quando o teólogo, divino. Doutra forma, jamais seremos tidos como conselheiros
deixando a devocionalidade das Escrituras, põe-se a racionalizá-las realmente bíblicos e relevantes. Sempre que se defrontar com uma
como se elas fossem obrigadas a conformar-se com a lógica meramente situação difícil, volte-se às Escrituras; estas o ajudarão a confirmar as
humana. ovelhas do Senhor. Você constatará que a Palavra de Deus é uma fonte
inexaurível de conselhos.
2. Pesquisa e erudição bíblicas. Se você consegue ler a Bíblia todos
os dias de forma devocional, já se encontra preparado para pesquisá-la
aconselhá-lo, estressando tanto a si próprio quanto à congregação.
Continuasse daquele jeito, acabaria por comprometer a qualidade de
seus conselhos. Não é o que estamos a constatar em nosso ministério?
Se até aquele momento, aconselhava, teria agora de ser aconselhado.
II. A ORAÇÃO Sugere-lhe, então, Jetro, seu paciente e observador sogro, a escolher
Pode haver algo mais doce que a oração? É o refúgio onde se esconde o varões de comprovada reputação e sabedoria para ajudá-lo naquele
peregrino em sua jornada à Cidade de Deus. Experimente orar pela mister.
madrugada quando o silêncio cobre a noite e abafa a agitação de um dia
que não mais voltará. Ao descrever a jornada do Cristão, o escritor inglês Em Israel, muitos podiam aconselhar como Moisés aconselhava; mas
John Bunyan descreve-o como alguém que, tendo na mão um livro, vai ninguém seria capaz de interceder como intercedia Moisés.
orando e chorando em direção à Nova Jerusalém.
Pecando os israelitas, o conselheiro dá lugar ao intercessor. E, pondo-se
Nas Sagradas Escrituras, os conselheiros tiveram uma vida de oração e já entre Deus e o povo, roga e arrisca-se por este. Num dado momento,
intercessões amorosamente sacrificiais. Abraão, Moisés, Samuel e ante a expectativa de o Senhor destruir a semente de Abraão, insta-lhe:
Jeremias não se agastavam pedindo coisa alguma para si; desgastavam- “Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro,
se rogando a Deus que tivesse misericórdia daqueles que, muitas vezes, que tens escrito” (Êx 32.32). Foi a mais ousada intercessão da História
rejeitavam-lhes os conselhos. Sagrada. E como era um homem que conversava face a face com o
Senhor, sua intercessão ultrapassou os limites da coragem e do amor.
1. Abraão. O patriarca intercedeu por duas das mais pecadoras e
impenitentes cidades de todos os tempos. Oraria você por Sodoma? Como intercede você em favor daqueles que lhe procuram os conselhos
Rogaria por Gomorra? Ele bem sabia que ambas mereciam apenas uma de Deus? Limita-se a dar-lhos? Ou coloca-se no ilimitado terreno da
coisa: a pena máxima. Porém, naquele momento teve a máxima pena intercessão onde nenhuma lágrima é demasiada e nenhum soluço é o
daqueles homens e mulheres que, estragados pelo pecado, eram bastante. Seja amoroso nos conselhos; na intercessão, ousado.
incapazes de diferençar sua destra da sinistra.
3. Samuel. Num momento em que Jeremias clamava em favor dos
O capítulo 18 de Gênesis é, sem dúvida, a passagem clássica da filhos de Judá, que, já adiantados em rebeliões e apostasias, não mais
intercessão. reconheciam a voz profética, responde o Senhor ao seu mensageiro:
“Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, não seria a
Portanto, mesmo que não haja mais esperança, intercedamos pelos que minha alma com este povo; lança-os de diante da minha face, e saiam”
caminham em direção ao inferno. Se fomos chamados a aconselhar, (Jr 15.1). Moisés e Samuel! Eis os dois maiores intercessores do Antigo
também fomos convocados a interceder, inclusive por aqueles que nos Testamento. Colocou-os Deus na História Sagrada, a fim de que
ignoram as advertências. mostrassem, aos santos de todas as épocas, o valor de uma intercessão
realmente amorosa.
2. Moisés. O legislador dos hebreus aconselhou o povo até consumir-
se no Sinai. Do nascer ao pôr do sol, punha-se à disposição do povo para Samuel era um intercessor tão cônscio de suas obrigações que supunha
estar pecando caso não rogasse a Deus por seu povo: “E, quanto a mim,
longe de mim que eu peque contra o Senhor, deixando de orar por vós; 5. Jesus. Como não ler o capítulo 17 de João sem derramar lágrimas?
antes, vos ensinarei o caminho bom e direito” (1Sm 12.23). Apresenta- Ali, o Filho de Deus, já vivendo a agonia e a dor de sua paixão, põe-se a
se, pois, o profeta não apenas como intercessor, mas também como interceder pelos seus discípulos, pela Igreja e por aqueles que a esta
conselheiro do povo hebreu. O que nos mostra esta passagem? Como viriam juntar-se. E a intercessão que fez em favor de Pedro: “Simão, eis
conselheiros, não nos restrinjamos ao gabinete; vamos além: avancemos que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo. Mas eu roguei por
sobre o altar da oração onde, diuturnamente, estaremos a rogar pelos ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma
que nos procuram uma palavra de orientação. Conselho sem oração teus irmãos”? (Lc 22.31.32).
pouco efeito tem; acompanhado de intercessões e súplicas, opera
maravilhas, mesmo restringindo-se a uma única palavra. Se Jesus, por um lado, foi o Maravilhoso Conselheiro, por outro,
mostrou-se como o inimitável intercessor.
4. Jeremias. Nenhum profeta sofreu tanto quanto Jeremias. Bem
jovem ainda foi chamado a profetizar aos filhos de Judá, que, à Tem você intercedido por aqueles a quem aconselha? Ou a sua obrigação
semelhança dos israelitas do Reino do Norte, haviam apostatado de sua termina justamente no final da sessão de aconselhamento? Você não é
fé e agora achavam-se prestes a ter um destino semelhante ao de seus um mero profissional do conselho. À semelhança daqueles médicos de
irmãos setentrionais. Deus haveria de desarraigá-los daquela boa e família, acompanhe a evolução espiritual e emocional de suas ovelhas;
pródiga terra, e metê-los num país dominado pela maldade e pelas mais não se descuide delas.
abjetas abominações.

O profeta, no entanto, embora soubesse ser o castigo divino inevitável,


põe-se a interceder pelos filhos de Judá. Ele de tal forma perturba os
céus, que leva o Senhor Deus a repreendê-lo por aquele impertinente III. A FIDELIDADE À SÃ DOUTRINA
rogo: “Não rogues por este povo para bem. Quando jejuarem, não ouvirei Ao contrário dos psicólogos meramente humanistas que optam por esta
o seu clamor e quando oferecerem holocaustos e ofertas de manjares, ou por aquela escola, o conselheiro cristão tem de estar plenamente
não me agradarei deles; antes, eu os consumirei pela espada, e pela fome, comprometido com a sã doutrina. Afinal, de sua teologia é que serão
e pela peste” (Jr 14.11,12). erguidas as bases das orientações que haverá de ministrar às ovelhas de
Cristo. Escrevendo ao jovem pastor Timóteo, o apóstolo Paulo
Intercederia você por alguém que já estivesse prestes a ser rejeitado por prescreve-lhe: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina; persevera
Deus? nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como
aos que te ouvem” (1Tm 4.16).
Que o Senhor julgaria o Reino de Judá, não havia qualquer dúvida.
Jeremias, porém, insta-lhe em favor dos judeus e por eles derrama a sua Se o conselheiro não acreditar em Deus, como haverá de assegurar a
alma. Interpõe-se ele, aliás, entre um Deus irado e um povo impenitente. alguém desesperado que o Todo-Poderoso está no comando de todas as
Falhou o intercessor? Ignorou-o Deus? Passados setenta anos, eis que coisas? Se não crer na infalibilidade das Sagradas Escrituras, como
volve o Senhor a sua misericórdia a Judá, trazendo-o de volta à terra que poderá recomendar-lhe a leitura àqueles que necessitam de se alimentar
mana leite e mel (Jr 25.11). Nenhuma intercessão é inútil. diariamente com a Palavra de Deus? Se não professar a Jesus Cristo
como o único e suficiente Salvador, como terá condições de prescrever
esperança aos que se acham à beira do abismo? Se não estiver convicto
a respeito da vida eterna, como lidará com a alma humana, que, à
semelhança da corça, suspira pelas correntes das águas? E, se não
acreditar no céu, como haverá de ministrar o alento de vida eterna aos
que estão prestes a deixar a terrenal? V. A VIDA FAMILIAR
Não são poucos os conselheiros que vivem um ministério hipócrita e
Antevendo o ministério de Timóteo nessa área tão delicada do ofício desprovido de resultados concretos. Ensinam o amor entre os cônjuges,
pastoral, Paulo insiste: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina”. O que mas tratam a esposa com rispidez e tirania. Prescrevem a fidelidade,
significa esta recomendação? Em primeiro lugar, que temos de porém são infiéis à companheira de sua mocidade. Exortam os pais a que
dispensar à doutrina o mesmo cuidado que dedicamos ao nosso bem- façam o culto doméstico, contudo raramente estão em casa para cultuar
estar físico. Se não o fizermos, jamais teremos condições de exercer o a Deus em família. Afinal, sua agenda requer que estejam sempre
ministério do aconselhamento cristão. ausentes da esposa e dos filhos.
Já imaginou um conselheiro desprovido de doutrina? Sem o alicerce da Que condições reúne tal conselheiro para socorrer as famílias alheias?
verdadeira teologia? O que esperar de tal obreiro? Um ministro assim, Se alguém não cuida de sua própria casa terá cuidado da Casa de Deus?
perdido em si mesmo, precisa ser rapidamente aconselhado a que
busque urgentemente o Senhor, e mergulhe nas Sagradas Escrituras, a Ouvi, certa vez, a história de um conselheiro, que, para os de fora, vendia
fim de compreender todo o conselho de Deus. a imagem de um marido honrado, de um pai extremoso e de um
sacerdote que jamais se descuidara do bem-estar moral e espiritual de
sua família. Sua esposa, porém, confidenciou a uma amiga estar cansada
de tanta brutalidade. No púlpito, um santo; no gabinete pastoral,
principalmente quando atendia as irmãs, gentil e cavalheiro. Todavia,
IV. A FIDELIDADE À IGREJA não passava de um engodo. Ao invés de aconselhar, carecia de conselhos.
Deve o conselheiro conscientizar-se de sua responsabilidade não apenas
diante da Bíblia Sagrada, mas também ante a sua convenção e igreja Um conselheiro pastoral não haverá de descurar-se quanto à sua
local, pois estará trabalhando preciosas vidas que, restauradas, por-se- reputação doméstica, porque o Senhor Jesus requer estejamos nós em
ão a serviço do Corpo de Cristo e não à sua mercê. perfeita sintonia com Deus e com a sua Palavra. Sem tais requisitos, pode
haver tudo, menos conselho.
Se você foi chamado para o serviço de aconselhamento, exerça
humildemente o seu ministério e jamais presuma, de si mesmo, ser É a vida familiar do conselheiro o seu cartão de visitas, o seu melhor
alguma coisa. Tem você experiência? Demonstre-a através de uma vida marketing. Se a esposa e os filhos dão-lhe testemunho, todos poderão
fiel e dedicada à sua igreja. Jamais deixe de ser leal ao seu pastor. depositar nele irrestrita confiança.
Conselheiro, tenha-o por conselheiro.
CONCLUSÃO
Se você deseja, de fato, dedicar-se ao aconselhamento pastoral, busque
aprimorar-se espiritualmente; ore, leia a Bíblia, tenha os seus momentos
devocionais; adore a Deus com o seu trabalho, e não somente com a sua
voz. Em santidade, entregue-se ao serviço das ovelhas de nosso Senhor.

Agindo assim, você será bom ministro de Cristo Jesus. Não importa quão
erudito e culto seja você; não importam os seus diplomas nem as suas
credenciais; o mais importante é que todos o reconheçam como um
autêntico homem de Deus. E, como Josué, possa você afirmar
ousadamente: “Eu e a minha serviremos ao Senhor”.

| Autor: Pr Martins Amory|

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