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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
TODAPALAVRA EDITORA
Editor-chefe
Hein Leonard Bowles
Coeditor
José Aparicio da Silva
Conselho editorial
Dr. Alexandro Dantas Trindade (UFPR)
Dra. Anelize Manuela Bahniuk Rumbelsperger (Petrobrás)
Dr. Carlos Fortuna (Universidade de Coimbra)
Dra. Carmencita de Holleben Mello Ditzel (UEPG)
Dr. Christian Brannstrom (Texas A&M University)
Dr. Claudio DeNipoti (UEPG)
Dr. Constantino Ribeiro de Oliveira Junior (UEPG)
Dra. Divanir Eulália Naréssi Munhoz (UEPG)
Dr. Edson Armando Silva (UEPG)
Dr. Hein Leonard Bowles (UEPG)
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Dr. José Robson da Silva (UEPG)
Dra. Joseli Maria Silva (UEPG)
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Dra. Vera Regina Beltrão Marques (UFPR)
Dr. Vitoldo Antonio Kozlowski Junior (UEPG)
Dr. Wolf Dietrich Sahr (UFPR)
MARIA DAS GRAÇAS SILVA NASCIMENTO SILVA
JOSELI MARIA SILVA (ORGS.)
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
© 2014 Todapalavra Editora
CDD: 910.086
ISBN: 978-85-62450-37-2
Todapalavra Editora
Rua Xavier de Souza, 599
Ponta Grossa – Paraná – 84030–090
Fone/fax: (42) 3226–2569 / (42) 8424–3225
E–mail: todapalavraeditora@todapalavraeditora.com.br
Site: www.todapalavraeditora.com.br
Para Miguel Ângelo Ribeiro,
por ter tido a coragem
de abrir os caminhos
que hoje trilhamos juntos.
SUMÁRIO
Prefácio 11
Lynda Johnston
Apresentação 15
Maria das Graças Silva Nascimento Silva e
Joseli Maria Silva
PARTE I
ESPAÇO, SEXUALIDADES
E INTERSECCIONALIDADES
Interseccionalidad y malestares
por opresión a través de los Mapas
de Relieves de la Experiencia 39
Maria Rodó-de-Zárate
As relações homocomerciais
em um microterritório: o exemplo
de um clube de boys na cidade do Rio de Janeiro 117
Miguel Ângelo Ribeiro e
Rafael da Silva Oliveira
PARTE II
CONHECIMENTO, CORPO, ESPAÇO E
INTERSECCIONALIDADES
PARTE III
GÊNEROS EM MOVIMENTO:
ESPAÇO, RAÇA, IDADE E CLASSE
Lynda Johnston
Professor of Geography
University of Waikato
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NA ANÁLISE ESPACIAL
LYNDA JOHNSTON
REFERÊNCIAS
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APRESENTAÇÃO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
INTRODUZINDO AS
INTERSECCIONALIDADES
COMO UM DESAFIO PARA A ANÁLISE
ESPACIAL NO BRASIL: EM DIREÇÃO
ÀS PLURIVERSALIDADES DO
SABER GEOGRÁFICO
Joseli Maria Silva
Maria das Graças Silva Nascimento Silva
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1
Escolhemos utilizar a denominação ‘portadores de deficiência’. Esta expressão foi alvo de
debate pelos grupos sociais e, durante a Convenção Internacional para Proteção e Promoção
dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, ficou decidido que a denominação
correta seria ‘pessoas com deficiência’. Informação disponível em: http://www.senado.gov.
br/senado/portaldoservidor/jornal/jornal70/utilidade_publica_pessoas_deficiencia.aspx.
Acesso em: 4 jun. 2014.
2
O uso do ‘etc.’ reflete uma multiplicidade de situações interseccionais que são impossíveis
de nomear, como argumenta Platero (2012).
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AS ARTICULAÇÕES IDENTITÁRIAS:
PIONEIRAS VOZES FEMININAS NEGRAS
Aquele homem ali diz que as mulheres precisam de ajuda para su-
bir às carruagens, para passar as sarjetas e para ter sempre, em
qualquer lado, os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a
subir às carruagens, ou me dá o melhor lugar, e não sou eu uma
mulher? Olhem para mim, olhem para os meus braços. Eu lavrei,
eu plantei, eu armazenei, e nenhum homem me passava à frente.
E não sou eu uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto como um
homem, e comer tanto – sempre que eu arranjasse comida – como
um homem. E igualmente suportar o chicote! E não sou eu uma
mulher? Eu dei à luz treze filhos e vi a maioria deles ser vendida
como escravos, e quando eu gritei de tristeza com a dor de uma mãe,
3
Women’s Rights Convention, Akron, Ohio, USA.
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[…] That man over dar say that women needs to be helped into carriages, and lifted ober
ditches, and to have the best place every whar. Nobody ever helped me into carriages, or
ober mud puddles, or gives me any best place [and raising herself to her full height and her
voice to a pitch like rolling thunder, she asked], and ar’n’t I a woman? Look at me at me!
Look at my arm! [And she bared her right arm to the shoulder, showing her tremendous
muscular power.] I have plowed and planted, gathered into barns, and no man could head
me – and ar’n’t I a woman? I could work as much and eat as much as a man (when I could
get it), and bear the lash as well – and ar’n’t I woman? I have born thirteen children an seen
them most all sold off into slavery, and when I cried out with a mother’s grief none but
Jesus heard – and ar’n’t I a woman? (Trecho do discurso proferido por Sojourner Truth na
Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, em 29 de maio de 1851 e citado por Murphy
(2011, p. 64-65).
5
Criavam crianças de famílias brancas e muitas vezes eram afastadas de seus próprios
filhos. As mesmas configurações são evidenciadas no filme The Help (2011, Diretor: Tate
Taylor), baseado no romance de nome homônimo, de Kathryn Stockett. Este retrata as
relações racistas que mulheres negras vivenciavam como empregadas nas casas de mulheres
brancas nos idos de 1960, nos Estados Unidos, estando dentre estas a vivência específica da
maternidade.
6
Trata-se de: “A Red Record: Tabulated Statistics and Alleged Causes of Lynchings in the
United States 1892, 1893, 1894”. Disponível em: http://www. gutenberg.net. Acessado em:
10 jan. 2014. Para mais detalhes da vida de Ida Wells, ver: http://womenshistory.about.com/
od/wellsbarnett/a/ida _b_wells.htm.
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Angela Davis (2004 [1981]), feminista norte-americana, escreveu um capítulo intitulado
“Violación, racismo y el mito del violador negro”, no livro Mujeres, Raza y Clase, no qual,
a partir dos escritos de Ida Wells, argumenta que as leis contra o estupro foram produzidas
para proteger as esposas e filhas de brancos de classe média e alta e que, na maioria das vezes
em que negros foram acusados e condenados por estuprar uma mulher branca, as provas
eram insuficientes para condenação, havendo inclusive confissões de inocência de homens
negros pelas próprias mulheres brancas, supostas vítimas.
8
Título original: All the women are white, all the blacks are men, but some of us are brave:
Black women’s studies (HULL, SCOTT e SMITH, 1982).
9
Título original: Can the subaltern speak?
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Para mais informações sobre esse coletivo feminista de mulheres negras lésbicas que foi
criado em 1974, acessar: http://circuitous.org/scraps/combahee. html.
11
No original: “The major source of difficulty in our political works is that we are not just
trying to fight oppression on one front or even two, but instead to address a whole range of
oppressions. We do not have racial, sexual, heterosexual, or class privilege to rely upon, nor
do we have even the minimal access to resources and power that groups who possess any
one of these types of privilege have.” (Combahee River Collective, 1982, p. 214).
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Nós aprendemos que não temos poder para definir nossa própria
realidade ou transformar as estruturas de opressão. Nós aprendemos
a procurar naquelas pessoas empoderadas pelos sistemas de domi-
nação, que nos magoam e ferem, por alguma compreensão de quem
nós somos, que será libertador, e nós nunca encontramos isso. É ne-
cessário para nós que façamos o trabalho por nós mesmas se quiser-
mos saber mais sobre nossa experiência, se nós queremos ver essa
experiência a partir de perspectivas não moldadas pela dominação.12
12
We learn that we do not have the power to define our own reality or to transform oppressed
structures. We learn to look to those empowered by the very systems of domination that
wound and hurt us for some understanding of who we are that will be liberating and we
never find that. It is necessary for us to do the work ourselves if we want to know more
about our experience, if we want to see that experience from perspectives not shaped by
domination. (hooks, 1989, p. 150).
13
Interessante deixar claro que nem todas as intelectuais do feminismo negro eram mulheres
negras, embora a grande maioria fosse. Havia mulheres brancas com forte vínculo intelectual
e identitário com o feminismo negro, a exemplo de Carol Stack e Mercedes Fabardo.
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Título original: “White women, listen! Black feminism and the boundaries of sisterhood”.
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In questioning the application of the concepts of ‘the family’ and ‘patriarchy’ we also need
to problematize the use of the concept of ‘reproduction’. […] What does the concept of
reproduction mean in a situation where black women have done domestic labour outside of
their own homes in the servicing of white families? In this example they lie outside of the
industrial wage relation but in a situation where they are providing for the reproduction
of black labour in their own domestic sphere, simultaneously ensuring the reproduction
of white labour power in the ‘white’ household. The concept, in fact, is unable to explain
exactly what the relations are that need to be revealed. What needs to be understood is, first,
precisely how the black woman’s role in a rural, industrial or domestic labour force affects
the construction of ideologies of black female sexuality which are different from, and often
constructed in opposition to white female sexuality; and second, how this role relates to the
black woman’s struggle for control over her own sexuality. (CARBY, 1982, p. 217).
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As famílias negras chefiadas por mulheres moradoras de periferias precárias e violentas
foram consideradas como famílias anormais. A causa da violência e da pobreza de algumas
áreas urbanas era consequência da família negra chefiada por mulheres. Elas eram
culpabilizadas pela própria vulnerabilidade social e econômica a que estavam submetidas.
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A denominação “mulheres de cor” passou a ser utilizada no movimento de feministas
negras a fim de constituir uma diferença entre mulheres negras, brancas e as não brancas
que ainda não estavam contempladas nas discussões do movimento, em geral imigrantes de
ex-colônias asiáticas, latinas e africanas.
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A INTERSECCIONALIDADE COMO
POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA
COMPLEXIDADE DO ESPAÇO GEOGRÁFICO
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Várias produções do feminismo negro fizeram parte do Center for Contemporary Studies,
na Universidade de Birmingham, do qual Stuart Hall, um dos mais divulgados teóricos sobre
identidades pós-modernas no Brasil, era líder. Desse grupo também participou o estudante
de doutorado Paul Gilroy, autor da obra The Black Atlantic (1993) e coeditor de The Empire
Strikes Back - Race and Racism in ‘70s Britain, que trouxeram importantes contribuições
para os estudos das identidades, notadamente seu movimento relacional.
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PARTE I
ESPAÇO, SEXUALIDADES
E INTERSECCIONALIDADES
INTERSECCIONALIDAD Y
MALESTARES POR OPRESIÓN
A TRAVÉS DE LOS MAPAS DE
RELIEVES DE LA EXPERIENCIA
Maria Rodó-de-Zárate
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INTRODUCCIÓN
teórica más importante que los estudios de mujeres, en relación con otros
campos, han hecho” (McCALL, 2005, p. 1771). Y Davis: “La interseccio-
nalidad pone sobre la mesa la preocupación teórica y normativa más im-
portante de la producción académica feminista: el reconocimiento de las
diferencias entre mujeres. [...] Esto se debe al hecho de que toca unos de
los problemas más urgentes para el feminismo contemporáneo – el largo y
doloroso legado de sus exclusiones” (DAVIS, 2009, p. 70).
Pero también se han apuntado limitaciones conceptuales a la in-
terseccionalidad, especialmente a causa de su ambigüedad y vaguedad. Si
se entienden las categorías como opresiones separadas que se juntan, su
esencialización no se destruye por completo (BROWN, 2012; YUVAL-DA-
VIS, 2006; GARRY, 2011) y puede tener implicaciones políticas negativas.
Además, también se ha apuntado que la investigación sobre intersecciona-
lidad no tiene ninguna dirección metodológica, que no aporta parámetros
definidos sobre los que trabajar y que no deja claro cuántas categorías de-
berían tenerse en cuenta ni de qué forma (McCALL, 2005; DAVIS, 2009;
STOLCKE, 2010; McDOWELL, 2008; GARRY, 2011; VALENTINE, 2007).
¿Son estas limitaciones inherentes a la aproximación interseccional o res-
ponden a determinados tipos de investigaciones que se han llevado a cabo?
¿Podrían crearse nuevas herramientas metodológicas y propuestas concep-
tuales que minimizaran los riesgos y amplificaran sus virtudes? ¿Qué puede
aportar la geografía feminista a estos debates?
A pesar de que en otros campos de las ciencias sociales es un
concepto muy estudiado, la interseccionalidad se ha introducido solo muy
recientemente en la geografía feminista (véase VALENTINE, 2007; Mc-
DOWELL, 2008; BROWN, 2012). Como apunta Valentine, el hecho de que
la interseccionalidad pueda dar cuenta de la experiencia vivida tiene impli-
caciones muy importantes para los análisis de la producción del espacio y el
poder: “[la interseccionalidad] ofrece una herramienta potencialmente muy
importante para la geografía feminista para contribuir a la conceptualización
de las íntimas conexiones entre la producción del espacio y las producciones
sistemáticas de poder” (VALENTINE, 2007, p. 19). De hecho, el mismo nom-
bre de interseccionalidad se remite a una metáfora espacial y las autoras se
han referido a rotondas, cruces y otros elementos con una gran connotación
geográfica para referirse al hecho de que diferentes estructuras de poder nos
atraviesan al mismo tiempo y en direcciones diferentes, causando opresiones
específicas. Pero, a pesar de las importantes connotaciones espaciales que im-
plica la inteseccionalidad y el amplio debate que se ha dado a nivel feminista,
se le ha prestado poca atención en la geografía.
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Como se puede ver en esta figura, los Mapas son una imagen vi-
sual que muestra datos empíricos de una forma clara. Aunque a primera
vista puedan parecer un gráfico, los datos de las narrativas no se cuantifi-
can sino que simplemente se representan de forma visual y simbólica sobre
una distribución espacial. En este caso, pues, se mapifican las experiencias
interseccionales de las personas entrevistadas en base a cinco estructuras
de poder: el género, la sexualidad, la raza, la clase y la edad. La dimensión
geográfica responde a les los lugares que aparecen en la línea horizontal,
agrupados en cuatro grupos. La experiencia en base a las cinco estructuras
de poder (en diferentes colores) corresponde al nivel de bienestar o males-
tar que se tiene en cada lugar determinado (a mayor malestar, más hacia
arriba). Más adelante explicaré más detalladamente cada dimensión y el
significado de los puntos, las líneas y las flechas.
1
Se han mantenido las figuras del texto en el formato original ya que son ilustraciones
hechas por las personas entrevistadas durante el proceso de recogida de datos. Así, el idioma
que aparece es el original y las referencias a los colores (que no aparecen visibles en esta
edición) se han mantenido. Para hacer la figura comprensible, se ha añadido la información
necesaria o bien sobre la misma figura o bien el cuerpo del texto.
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IMPLICACIONES PARA LA
CONCEPTUALIZACIÓN DEL ESPACIO
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El trabajo de campo de esta investigación fue llevado a cabo durante la recogida de datos
de mi tesis doctoral “Geografías de la Interseccionalidad: el acceso al espacio público de
la juventud en Manresa” (2011-12) y durante una estancia pre-doctoral en Ponta Grossa,
Brasil (2013). Los datos que aquí se muestran como ejemplo para el desarrollo del concepto
de malestar se refieren a las entrevistas de lesbianas de entre 16 y 25 años, 7 de Manresa y 9
de Ponta Grossa.
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de las curvas que dibujan determinadas identidades. En este caso, las líneas
de la sexualidad dibujan una curva, es decir, determinan la clasificación de
los lugares. Así, los puntos acentuados que o bien son sistemáticos o son
sistémicos (o ambos) son los que apuntan hacia desigualdades y que son
evidencia de las restricciones al derecho al espacio.
Por otro lado, los malestares contextuales serían los esporádicos
que no están relacionados con posiciones de opresión. Un ejemplo sería el
caso de Clara. Clara es una chica blanca de 21 años de Manresa que dijo
sentir malestar (y lo dibujó en su Mapa) por causa de su color de piel en el
Barrio Antiguo de su ciudad, habitado mayoritariamente por personas pro-
cedentes de Marruecos. Expresó un fuerte malestar que atribuía a que por
el hecho de ser (una mujer joven) blanca los hombres les hacían comenta-
rios y se sentía agredida y con miedo. Algunos estudios han mostrado que
las mujeres blancas tienden a tener miedo en términos racializados (DAY,
1999; PAIN, 2001). Pero a pesar del imaginario cultural y racista que se
mezcla aquí en relación con los hombres no-blancos y la violencia sexual,
ella se siente de esa forma y así lo dibujó en su Mapa. Difícilmente podemos
afirmar que ella se sintió malestar por su color de piel y que esto apunta a
una situación de desigualdad. En el contexto Catalán, ser blanca es una
fuente de privilegios en general, como lo es el ser heterosexual, pero eso no
excluye que un hombre heterosexual pueda sentir malestar en un bar gay.
Estos malestares serían pues los contextuales, los que aparecen
por el hecho de sentirse diferente a causa de una identidad en un contexto
determinado. Aunque el sentimiento pueda ser parecido, estos últimos so-
lamente se viven en situaciones y lugares particulares (no son sistemáticos)
y no se relacionan con una posición de opresión en una estructura de poder
(no son sistémicos). Así que estos no apuntan hacia desigualdades u opre-
siones, sino solamente a malestares.
El hecho de definir el bienestar según la relación entre posiciones
en estructuras de poder, creo que puede ayudar a entenderlos como algo
sistemáticamente (re)producido, pero también como una experiencia inte-
gral, dependiente de los lugares y que solo es posible si ninguna identidad
produce malestar. Esta característica del bienestar como algo integral es
básica desde una perspectiva interseccional porque pone de relieve la com-
plejidad de las experiencias de opresión y privilegio.
Por ejemplo, en la Figura 5, aparece un lugar que parece que re-
duce de forma drástica el malestar por razón de sexualidad: Deck. Este es
un bar LGBT de la ciudad de Ponta Grossa y se ve claramente como la
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CONCLUSIONES
REFERENCIAS
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London: Routledge, 1995.
BINNIE, Jon. Coming out of geography: towards a queer epistemology?
Environment and Planning D: Society and Space, v. 15, n. 2, p. 223-237, 1997.
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STOLCKE, Verena. ¿Qué tiene que ver el género con el parentesco? In: FONS, V;
PIELLA, A.; VALDÉS, M. (Eds.). Procreación, crianza y género: aproximaciones
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everyday spaces. Environment and Planning D: Society and Space, v. 11, n. 4, p.
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YUVAL-DAVIS, Nira. Intersectionality and feminist politics. European Journal of
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POR UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL
(E MATERIALISTA) DA MIGRAÇÃO
QUEER: LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO
O PAPEL DOS REGIMES DE
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POR UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL (E MATERIALISTA) DA MIGRAÇÃO QUEER: LEVANDO EM
CONSIDERAÇÃO O PAPEL DOS REGIMES DE BEM-ESTAR SOCIAL
[...] jornadas pessoais (e, às vezes, coletivas, como no caso dos nacio-
nalismos) através do espaço e do tempo – material, psíquica, e em
uma variedade de escalas – que são construídas internamente como
sendo sobre a busca de um todo integrado na qualidade de seres hu-
manos individuais vivendo em algum tipo de comunidade (se não
sociedade). [...] Especificamente, é um esforço para criar ordem a
partir do caos que é a identidade fraturada combinada com estrutu-
ras de poder que disciplinam (e, muitas vezes, para inúmeros de nós,
oprimem) a identidade. (KNOPP, 2004, p. 122-123).
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
CESARE DI FELICIANTONIO
do espaço” (p. 111). Assim, o esforço teórico deve ser dirigido no sentido
de uma redução da escala dos fluxos migratórios em direção ao corpo, visto
que isso oferece a possibilidade “de reconhecer diversos caminhos de mi-
gração sem privilegiar uma trajetória à custa de outras” (p. 111). Isso remo-
dela a migração queer como “uma pesquisa corporificada por identidade
sexual – uma busca individual que pode ser materializada em diferentes,
múltiplas escalas e caminhos de realocação” (p. 111). Em termos geográfi-
cos, isso põe em questão a necessidade de reconhecer o corpo como uma
escala fundamental de análise, conforme já destacado por “geografias queer”
(por exemplo, LONGHURST, 1997; SILVA et al., 2013). Em um artigo se-
guinte (2009), Gorman-Murray estendeu a discussão sobre o corpo como
o principal vetor de deslocamento enfatizando o papel desempenhado por
(corporificados) afetos, desejo e acessórios íntimos na formação da migra-
ção queer.
Mais recentemente, Nathaniel Lewis (2012) promoveu este de-
safio à ideia da jornada de sair do armário como linear e como sempre
conduzindo a uma comunidade urbana, enfatizando quão central é a rela-
ção entre subjetividades interseccionais e contextos sociais para entender o
caminho migratório. Por exemplo, ele mostrou como homens gays negros
que entrevistou não sentiram qualquer concepção de emancipação urbana
ou exteriorização de sua sexualidade quando se deslocaram para as novas
cidades norte-americanas investigadas. Dessa maneira, “as supostas áreas
urbanas nas quais as jornadas de saída do armário poderiam ser normal-
mente imaginadas para serem enfim reveladas como respostas incompletas
a procuras por colocação” (LEWIS, 2012, p. 225]. De fato, Lewis aponta o
caráter relacional e contextual da migração queer: “a natureza segmentada,
descontínua da migração de ‘saída do armário’, então, é atribuível às nego-
ciações dos homens para as dinâmicas sociais encontradas em vários luga-
res – em oposição a trajetórias unilaterais em relação a ‘sair do armário’” (p.
226). Em um artigo seguinte (2013), enfocando as narrativas de migração
de 24 homens autodeclarados gays que vivem em Ottawa (Canadá), Lewis
promoveu a sua investigação sobre como a relação entre migração queer e
dinâmicas sociais enquanto laços relacionais embutidos no lugar desempe-
nharam um papel fundamental para os homens entrevistados ao decidirem
se mudar. Seu estudo então desafia uma visão monolítica dos fatores presu-
midos como influência às escolhas de migração (por exemplo, homofobia
ou intolerância), enquanto enfatiza o papel da dinâmica complexa de nego-
ciações dentro das redes e instituições. Conforme ele explica:
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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POR UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL (E MATERIALISTA) DA MIGRAÇÃO QUEER: LEVANDO EM
CONSIDERAÇÃO O PAPEL DOS REGIMES DE BEM-ESTAR SOCIAL
(SITUANDO) O SISTEMA DE
BEM-ESTAR SOCIAL ITALIANO
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
CESARE DI FELICIANTONIO
razões pelas quais tantas pessoas queer se mudavam para uma das cidades
mais pobres da Alemanha (DE ROSA et al., 2013). Embora Berlim incor-
pore várias imagens e posições possíveis dentro das redes urbanas transna-
cionais ligadas à globalização – por exemplo, uma cidade wannabe global,
cada vez mais coração da Europa continental, uma “cidade alpha da mídia
mundial”, uma “cidade de talentos”, uma cidade comum (BADER e SCHA-
RENBERG, 2010; COCHRANE e JONAS, 1999; KRÄTKE, 2004; WARD,
2004) –, é uma das áreas metropolitanas mais problemáticas da Alemanha
em termos de renda per capita e desemprego (KRÄTKE, 2011). No entanto,
continua a ser um dos destinos mais atraentes para pessoas queer transna-
cionalmente, por causa de sua fama como uma cidade transgressora, de
contracultura e vida noturna. Italianos seguem este caminho, conforme
mostrado pela proliferação de festas queer italianas na cidade. O que atrai
tantos queer italianos aqui? Qual é o papel desempenhado pelo desejo e
pela imagem na decisão de se mudar para cá? Foi tudo por causa da possi-
bilidade de encontros sexuais fáceis e por assumir-se? Esta última questão
parece particularmente problemática, pois, embora o contexto italiano seja
homofóbico, as principais cidades italianas (onde todos os nossos coparti-
cipantes da pesquisa viviam antes de se mudarem para Berlim) oferecem
múltiplas possibilidades para pessoas queer.
Entre as 15 que entrevistamos, apenas uma fez associação direta
entre a decisão de mudar-se para Berlim e o processo de assumir-se (gay,
neste caso específico). Nenhum dos outros sequer mencionou este aspecto,
pois todos eles já haviam se assumido de alguma maneira. Pelo contrário,
conforme destacado por Gorman-Murray e Lewis, que fizeram referência
a uma variedade de fatores que impulsionam a decisão de migrar: imagem,
desejo, aluguéis baratos, a possibilidade de trabalhar facilmente no setor
artístico e assim por diante. Para todos eles, Berlim expressa o símbolo de
um futuro pessoal possível à abertura de oportunidades que não pode nem
ser imaginado no âmbito italiano. Podemos considerar, por exemplo, o se-
guinte relato de Marco, 34 anos, pintor e joalheiro:
Quando decidi deixar Roma, escolhi Berlim porque, para mim, era
como se esta fosse a cidade onde eu tinha que estar se eu quises-
se, mesmo que sozinho, pensar em ter alguma chance! Em Roma,
pagava 800€ pelo aluguel, e o escritório onde desenhava era muito
pequeno, tinha que fazer um monte de trabalhos precários só para
conseguir pagar pelo escritório, mas não tinha tempo ou energia
para pintar! Na Itália, é impossível até mesmo pensar em ser capaz
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de viver de arte, a não ser que você tenha, antes de começar, uma
família ou amizades ou redes conhecidas que assistam e ajudem. Em
Berlim, pago 600€ por mês por um escritório que é muito confortá-
vel e grande o suficiente para viver! Ainda que eu precise trabalhar
nos mercados por um par de dias por semana, e é isso, todo o res-
to do meu tempo eu dedico à minha arte. Na verdade, em Berlim,
tenho redescoberto minha criatividade e vontade de produzir; em
princípio, foi um processo de descoberta, novas pessoas, novos luga-
res e muitas festas, muito sexo, mas já sabia que Berlim é uma cidade
onde existem infinitas possibilidades de encontros. A ideia que tinha
de Berlim? A cidade de oportunidades, sob qualquer holofote você
olha e a vê, e eu tenho que dizer que isto foi feito realmente para
mim. (Entrevista pessoal).
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CONSIDERAÇÃO O PAPEL DOS REGIMES DE BEM-ESTAR SOCIAL
Olha, não é uma coisa forçada ou que te leva a escolher isto, mas
é uma escolha essencial toda tua, tua família te ajudou e manteve
por anos, também te oferece a possibilidade de ter um emprego bem
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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E sobre a sua vida sexual? Será que ele percebe este percurso
como um retorno ao armário limitado por condições materiais? Qual é o
impacto de uma trajetória de migração em direção a uma metrópole para
a criação de possibilidades de encontros ou dirigida a uma pequena cida-
de de vida sexual comum? Mais uma vez, o sistema de bem-estar social é
descrito como oferecendo novas possibilidades, e, a este respeito, deu a ele
a oportunidade de descobrir novos mundos, comunidades e sociabilidades
sexuais:
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POR UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL (E MATERIALISTA) DA MIGRAÇÃO QUEER: LEVANDO EM
CONSIDERAÇÃO O PAPEL DOS REGIMES DE BEM-ESTAR SOCIAL
CONCLUSÕES: COMPREENDENDO
A RELEVÂNCIA DA MIGRAÇÃO QUEER
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CONSIDERAÇÃO O PAPEL DOS REGIMES DE BEM-ESTAR SOCIAL
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INTERSECÇÕES DE PODER E
CIDADANIA QUEER NA BAIXADA
FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
Jan Simon Hutta
***
Evaldo: Nova Iguaçu tem esse lado meio que provinciano ainda, de
que todos se conhecem. Mesmo que você não tenha [... não inteligível
...] você conhece aquela pessoa há muitos anos de vista. Então tem
1
Gravação da oficina em grupo em Nova Iguaçu, 16 de julho de 2008. Os nomes dos
participantes da pesquisa foram alterados para preservar anonimato. Quando a fala de uma
pessoa é interrompida, vê-se o sinal “=”. Quando duas ou mais pessoas falam ao mesmo
tempo, a conversa dos respectivos falantes é marcada com “[]”.
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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INTERSECÇÕES DE PODER E CIDADANIA QUEER NA BAIXADA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
PERIFERIZAÇÃO, GOVERNAMENTALIDADE
E RELAÇÕES DE PODER INTERSECCIONAIS
NA BAIXADA FLUMINENSE
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NA ANÁLISE ESPACIAL
JAN SIMON HUTTA
2
A noção de coronelismo designa a situação em que os proprietários de terra são dotados
com hierarquia militar honorária, em troca de favores, permitindo que eles também
possuam (ou atribuam) os principais cargos políticos (ver BARRETO, 2006, p. 32).
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INTERSECÇÕES DE PODER E CIDADANIA QUEER NA BAIXADA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
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INTERSECÇÕES DE PODER E CIDADANIA QUEER NA BAIXADA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
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INTERSECÇÕES DE PODER E CIDADANIA QUEER NA BAIXADA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
PRÁTICAS HETEROGÊNEAS DE
CIDADANIA NA BAIXADA
3
A visita e as gravações a que me reporto aqui ocorreram em 2 de agosto de 2008, na
Baixada Fluminense.
4
Estou usando “el@”, “nel@” e “del@” para dar conta da simultaneidade de masculino,
feminino e outras, ou indetermináveis, identificações.
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JAN SIMON HUTTA
5
Gravação de 30 de julho de 2008, Nova Iguaçu.
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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6
Esta questão é ainda mais elaborada em Hutta e Balzer (2013) e em Hutta (2010).
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* 93
INTERSECÇÕES DE PODER E CIDADANIA QUEER NA BAIXADA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO
7
Dialogo aqui com a noção de Isin (2008) de “atos de cidadania” (ver HUTTA, 2010, p. 30-1,
166-7). Isin ressalta que a formulação clássica de Arendt da cidadania como “direito a ter
direitos” pode ser utilmente reformulada como um “direito de reivindicar direitos”, o que
coloca um foco sobre atos e contestações que são constitutivos da cidadania.
8
Refiro-me, em particular, a uma entrevista com o ativista Roxane (Rio de Janeiro, 11 de
novembro de 2007).
INTERSECCIONALIDADES,
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*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
JAN SIMON HUTTA
do desempenho contínuo e público de Sasha. El@ pode até ser vist@ como
alguém que precisa afirmar uma sensação de familiaridade e respeitabili-
dade, pois isso é o que torna possível para el@ “rir para que desapareçam”
ameaças potenciais, e o que impede os outros de virem nel@ alguém que
poderia ser atacad@ ou reprimid@. Enquanto a reação del@ no incidente
narrado é ativada por relações de familiaridade, respeito e aconchego com
a comunidade, ela é ao mesmo tempo dependente deles. As práticas de ci-
dadania de Sasha são, desta maneira, complexas e precárias.
Além disso, enquanto Jorge parece ter tido algumas experiências
positivas relacionadas a seu ativismo em segurança pública, Sasha mostra
uma desconfiança geral em relação à polícia, o que parece estar ligado a
uma diferença entre o bairro B, de periferia, em comparação a Nova Igua-
çu, mais metropolitana. Sasha tem pouca esperança na real democratização
ou humanização da polícia, mesmo que através de ativismo explícito e de
campanhas: “Você conta nos dedos quem dali [da polícia] respeita a gen-
te”, el@ diz, “porque, na madrugada, se eles podem fazer, eles fazem”. Por
“eles fazem”, eu interpreto Sasha falando do “abuso de pessoas queer”. Na
penumbra entre a noite e o dia, a polícia pode fazer o que quiser. Como
uma sinédoque, este momento da madrugada poderia se referir a toda uma
gama de situações entre as que escapam da responsabilidade oficial, indi-
cando arranjos paralegais que estão em marcha mesmo dentro das institui-
ções do Estado.
Não só parece difícil confiar na responsabilidade do Estado para
com o direito de se reivindicar direitos, bem como o “direito” concreto que
alguém pode ser capaz de reivindicar – ou que já tenha reivindicado –, em
nível formal, não se efetiva na prática. A mobilização da polícia poderia até
ser vista como problematizadora das relações comunitárias locais na me-
dida em que estas são baseadas precisamente em manter uma distância do
governo estadual (ver CHATTERJEE, 2004, p. 10). Em particular, quando
regimes de governo não legais ou paralegais estão ativos, alguém que re-
corre a regimes estatais formais de responsabilização e de intervenção para
lidar com questões “locais” pode ser visto como cometendo um ato de sub-
versão ou mesmo de traição (ver ALVES, 2003). Assim, não só as pessoas
queer na Baixada têm boas razões para estarem cansadas do contato com
a polícia, cujo papel histórico tem sido levar a cabo formas heteronormati-
vas e racistas de repressão. O problema é, aliás, que a própria soberania do
Estado está sendo desafiada por regimes paralegais de governo nos quais
a própria polícia está emaranhada. Como resultado, muitas pessoas queer
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REFERÊNCIAS
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NA ANÁLISE ESPACIAL
JAN SIMON HUTTA
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NA ANÁLISE ESPACIAL
OPOSIÇÕES E
COMPLEMENTARIDADES NAS
PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO:
INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’
E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
Benhur Pinós da Costa
Jasson Iran Monteiro da Cruz
Josevaldo Sousa de França
***
INTRODUÇÃO
1
Esta reflexão é parte da pesquisa “Cidades brasileiras, espaço público e diversidades
culturais: o caso das microterritorializações de expressões homoeróticas e/ou homoafetivas”,
financiada pelo CNPq.
2
O homoerotismo diz respeito à atração erótica entre pessoas do mesmo sexo.
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
3
Esses termos são de uso corriqueiro dos sujeitos investigados. Alguns deles preferem o
uso do termo “gaya”, ou “a gay”, para dar uma ênfase à feminilização do termo “gay”. Isto
funciona com um recurso linguístico de valorização do que é pejorativo e discriminatório.
4
Coletivo de sujeitos LGBT de luta pelo reconhecimento das diversidades sexuais na cidade
de Santarém, sem formalização de uma ONG.
5
Trata-se dos dois coautores deste texto.
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
são evidenciadas as práticas cotidianas entre homens que fazem sexo com
outros homens, criando ali uma possibilidade de expressão legítima de sua
sexualidade.
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
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*
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NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
**
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OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES
NAS INTERAÇÕES ENTRE BICHAS E BOFES E A
INSTITUIÇÃO DE TENSIONAMENTOS
À CIDADE HETERONORMATIVA
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
6
Sobretudo a Gaymada, versão homoesportiva da queimada, realizada apenas por times
de gays.
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NA ANÁLISE ESPACIAL
**
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OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
INTERSECCIONALIDADES,
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*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
**
* 109
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
INTERSECCIONALIDADES,
110 **
*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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* 111
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
INTERSECCIONALIDADES,
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*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
**
* 113
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
INTERSECCIONALIDADES,
114 **
*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
BENHUR PINÓS DA COSTA, JASSON IRAN MONTEIRO DA CRUZ E JOSEVALDO SOUSA DE FRANÇA
REFERÊNCIAS
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
**
* 115
OPOSIÇÕES E COMPLEMENTARIDADES NAS PRÁTICAS HOMOAFETIVAS DE
MICROTERRITORIALIZAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE ‘BICHAS’ E ‘BOFES’ NA PRAIA DO OSSO
EM SANTARÉM - PA
INTERSECCIONALIDADES,
116 **
*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS
EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 1
***
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Gostaríamos de agradecer ao mestrando Daniel Augusto de Oliveira Cavalcanti pela
digitalização do texto, além das discussões, críticas e sugestões, e a Maria Elaine Andreoti pelas
sugestões e revisão final. As ideias expressas são de exclusiva responsabilidade dos autores.
AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
INTERSECCIONALIDADES,
118 **
*
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS
EM UM MICROTERRITÓRIO DE
PROSTITUIÇÃO MASCULINA
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
**
* 119
AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
e a partir de relações de poder” (p. 78), onde relações sociais são realizadas,
no caso desta análise, entre boys/clientes/boys, além das teias de significa-
dos simbólicos. O território é definido por “campos de força, só existindo
enquanto durarem as relações sociais das quais eles são projeções especia-
lizadas” (SOUZA, 1995, p. 97).
Para Souza (1995, p. 87), os territórios são “no fundo, antes ralações
sociais projetadas no espaço, que espaços concretos”. Na verdade, estas rela-
ções de poder são espacialmente delimitadas e se realizam sobre um espaço
concreto que serve de referência, e, no caso em tela – representado pelo clube
de boys e seus diferentes ambientes –, travam-se relações que ora colocam o
cliente na margem, ora no centro (ORNAT, 2008) em relação ao boy, travan-
do um “campo de força” no qual as relações homocomerciais se manifestam.
A dimensão das relações sociais ocorre através do poder, espacial-
mente materializada no território, manifestando um processo de territoria-
lização em uma escala muito reduzida, mas plena de significados, que Souza
(2013, p. 105) denomina “nanoterritórios”, nos quais “as ‘fronteiras’ englobam
uma rua ou um trecho de rua, um prédio ocupado por sem-teto, uma prisão,
parcela das arquibancadas de um estádio de futebol” (p. 105), entre outros.
Esse nanoterritório é flexível, pois se desfaz e refaz regularmente
(SOUZA, 2013, p. 107) durante o período de funcionamento, dependendo dos
agentes que condicionarão a sua dinâmica social. Aqui temos como recorte um
nanoterritório fechado, privado, no qual o arranjo interno, ou seja, a disposição
de seus ambientes, está sujeito a um processo de territorialização a partir da
atuação e das relações de poder manifestadas pelos boys e seus clientes.
No processo de territorialização e na escala do nanoterritório,
não podemos deixar de abordar a motilidade discutida por Kaufmann
(2002), de boys e clientes nesse microespaço. Como aponta Oliveira (2014),
de acordo com aquele autor, a motilidade é entendida como o modo pelo
qual um indivíduo se apropria do que é possível no domínio da mobilidade
e coloca esse potencial para usar em favor de suas atividades. Assim, a mo-
tilidade abarca três elementos indissociáveis e interrelacionados: acessos,
habilidades e apropriações.
Transpondo esses três elementos que configuram a motilidade
para o nanoterritório analisado, podemos afirmar que os acessos corres-
pondem às diferentes formas e graus de deslocamentos potencialmente dis-
poníveis. Em nosso recorte espacial, o elemento físico é importante, prin-
cipalmente por conta da utilização do corpo através das performances, nos
diferentes recintos (Figura 1). Outro elemento importante corresponde à
rede social existente de amigos, colegas, entre outros, possuindo potencial
para a promoção do encontro, tanto no interior do clube, como no espaço
INTERSECCIONALIDADES,
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
[...] fui ousada diante desse mundo machista, mas tinha que ajudar
as pessoas a terem seu local de liberdade e trânsito livre. [...] Assim
2
Os autores preferiram preservar em sigilo o nome e o endereço do clube.
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MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
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AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
Dias da Atrações
semana
Sábados Especiais
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AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
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MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
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AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
ARREMATES
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AS RELAÇÕES HOMOCOMERCIAIS EM UM MICROTERRITÓRIO:
O EXEMPLO DE UM CLUBE DE BOYS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
REFERÊNCIAS
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NA ANÁLISE ESPACIAL
MIGUEL ÂNGELO RIBEIRO E RAFAEL DA SILVA OLIVEIRA
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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PARTE IICONHECIMENTO,
CORPO, ESPAÇO E
INTERSECCIONALIDADES
CONTESTANDO O PRIVILÉGIO
ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS
DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
Katherine Browne
***
INTRODUÇÃO
1
Embora desajeitada, esta expressão engloba identidades, ativismos e exclusões trans
e genderqueer que foram importantes para esta área no Hemisfério Norte. Onde eu uso
Geografias das Sexualidades, refiro-me especificamente ao estudo das sexualidades.
CONTESTANDO O PRIVILÉGIO ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
2
Denominação que se refere a pessoas que têm identificação com o gênero atribuído
socialmente.
3
‘Perder o caminho’ neste contexto significa que os estudos das sexualidades modificaram
a rota até então estabelecida, de uma ciência objetiva e de pressupostos universalizantes. A
influência das sexualidades foi considerada positiva para a Geografia, mas para algumas
pessoas trouxe prejuízos, pelo fato de a Geografia não ter um único caminho a ser seguido.
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
KATHERINE BROWNE
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DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
PRIVILÉGIO EM GEOGRAFIAS
DAS SEXUALIDADES
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CONTESTANDO O PRIVILÉGIO ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
operam nas geografias das sexualidades. Mais do que isso, ver a questão
através das lentes do privilégio, em vez de produzir o ‘outro’, oferece uma
perspectiva diferente desses debates.
LOCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO,
LOCALIZAÇÃO: ONDE IMPORTA
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
KATHERINE BROWNE
4
Dentro desta linha de pensamento, podemos também incluir discussões de Puar
sobre homonacionalismos que mostraram como certos homens gays e mulheres lésbicas
americanas foram trazidos para a construção da nação de uma forma que demoniza os
outros ‘estrangeiros’. Por exemplo, a justificação para a guerra por motivos de ‘direitos
humanos’ pode enxergar o Hemisfério Norte como disposto a ‘salvar’ os homens gays e as
mulheres lésbicas que são ‘perseguidos’ em outros lugares. (PUAR, 2007).
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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CONTESTANDO O PRIVILÉGIO ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
países (ver BINNIE, 2004; ROBINSON, 2002, 2005). Tais suposições me-
tronormativas negligenciam as maneiras com que as áreas rurais, vilas e
cidades não metropolitanas e não gays podem permitir práticas sexuais
para além das normas heterossexuais (ver KRAMER, 1995). Halberstam
(2005) argumenta que histórias urbanas, particularmente de migração das
zonas rurais para as urbanas, e do Hemisfério Sul para o chamado ‘mundo
desenvolvido’, fazem suposições sobre as utópicas vidas urbanas euro-ame-
ricanas que contrastam com ‘vidas rurais, atrasadas e enrustidas’ de países
‘em desenvolvimento’.
A espacialização das teorias, desta forma, construiu a ideia de que
lugares do sul global podem se tornar fixos e que as teorias desenvolvidas
ali podem ser consideradas como específicas para essa região. Como Kulpa
(2014) observou, estudiosos no e do sul global são convidados a discutir o
lugar, a oferecer uma compreensão de suas ‘diferenças’ e sempre são identi-
ficados para discutir as especificidades de seus lugares em vez de serem ca-
pazes de desenvolver e discutir perspectivas teóricas de forma mais ampla
(ver também KITCHIN, 2005). Em contraste, no norte global estudiosos
falam em termos universais, gerando o pensamento que se presume ser
de aplicação universal, como a teoria do ‘homonormativo’ da qual Gavin
Brown discorda:
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DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
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DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
5
Trecho da palestra de Joseli Maria Silva proferida em 2011 em Bruxelas, na I Conference
on Geography and Sexualities.
6
Embora seja importante que as revistas publiquem em outras línguas e que os resumos
estejam traduzidos em várias línguas (ver KITCHIN, 2005), isso não necessariamente
contempla as relações de poder discutidas aqui.
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
KATHERINE BROWNE
Padrões são definidos por poucos, ou pior, por aqueles que têm o
poder de ditar os parâmetros que devem ser considerados para per-
mitir que aqueles que podem participar do seleto mundo da geogra-
fia sejam considerados como de ‘qualidade internacional’.7
7
Trecho da palestra de Joseli Maria Silva proferida em 2011, em Bruxelas, na I Conference
on Geography and Sexualities.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONTESTANDO O PRIVILÉGIO ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
nós decidir, nos anos a seguir. Isto significa que eu e outros precisamos
estar preparados para ter o nosso privilégio bradado, notado e nossas vozes
silenciadas.
No entanto, também fico muito preocupada com a possível cria-
ção de um binário, norteado pelos ‘novos conhecimentos’ do sul global, que
descarte conhecimentos desenvolvidos no âmbito das geografias das sexua-
lidades no norte. A forma como ‘suas’ epistemologias, ontologias e meto-
dologias podem retrabalhar geografias das sexualidades não pode e não
deve ser proibida, nem deve ser uniforme. Por vezes, talvez seja oportuno
ignorar o trabalho do norte e, em outras vezes, trabalhar juntos, criticando
e desenvolvendo o pensamento nesta área pode ser necessário. Há perdas e
ganhos nos diversos caminhos que podem ser tomados.
Não vejo isso como uma agenda do tipo ‘adicione o sul e mexa’,
tomando conhecimentos sobre outros lugares e tornando-os nossos pró-
prios (ver KITCHIN, 2005). De fato, o que espero ter deixado claro é que os
‘detentores’ das geografias das sexualidades têm que mudar, e a necessidade
dessa mudança surge do próprio posicionamento histórico e geográfico-
temporal da subdisciplina. Trata-se de reconhecer, e usar, o privilégio an-
glo-americano para reformular o sistema, para apoiar aqueles que são co-
locados em posicionamentos marginais e na condição de ‘outro’, para levar
em consideração nosso privilégio onde ele serve para promover outros e
inúmeras outras formas de desafiar o ‘centro’. Acredito que, como acadêmi-
cos desta área, todos nós tomamos parte, na verdade, da responsabilidade
de compreender e usar a pesquisa para trabalhar na direção de diversas e
múltiplas formas de libertações sexuais e generificadas.
Ao reconhecer meu privilégio e criticá-lo, quero terminar este
trabalho voltando aos que estão desempoderados e desfavorecidos por
causa do meu privilégio. Procuro seguir Silva (2011) na criação de diálo-
gos, para não falar sobre o ‘outro’, mas espero, em vez disso, que este traba-
lho promova ainda mais resistências, mais críticas e mais discussões. Por
fim, enquanto privilegiada do norte global, quero me remover do centro,
não para reescrever as histórias/pesquisas de vocês, mas para criar espaços
onde elas possam ser ouvidas/publicadas. Por essa razão, deixo-os com as
palavras de bell hooks:
Estou esperando por eles para parar de falar sobre o “Outro”, para pa-
rar até mesmo de descrever quão importante é ser capaz de falar sobre
a diferença. Não é importante apenas aquilo sobre que falamos, mas
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
KATHERINE BROWNE
como e por que falamos... Muitas vezes, esse discurso sobre o “Ou-
tro” aniquila, apaga: não há necessidade de ouvir a sua voz quando
eu posso falar de você melhor do que você pode falar de si mesmo.
Não há necessidade de ouvir sua voz. Só me conte sobre a sua dor.
Quero saber a sua história. E então vou dizê-la a você de volta de
uma maneira nova. Contá-la de volta para você de tal forma que
isso se tornou meu, meu próprio. Reescrevendo você, eu me escrevo
de novo. Eu ainda sou autor, autoridade. Ainda sou o colonizador,
o sujeito falante, e agora você está no centro da minha conversa.
Pare. Nós que habitamos um espaço marginal que não é um sítio de
dominação, mas um lugar de resistência. Entre nesse espaço. (hooks,
1990, p. 151-152).
REFERÊNCIAS
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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CONTESTANDO O PRIVILÉGIO ANGLO-AMERICANO NA PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
INTERSECCIONALIDADES,
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GÊNERO E SEXUALIDADES
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DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
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KATHERINE BROWNE
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DO CONHECIMENTO EM GEOGRAFIAS DAS SEXUALIDADES E DE GÊNEROS
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO
A PARTIR DO MICROCOSMO
INDÍGENA PAITER SURUÍ
Almir Narayamoga Suruí
Gasodá Suruí
Adnilson de Almeida Silva
***
1
Iaraei – não indígena (branco).
UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
CULTURA, GÊNERO
E TERRITORIALIDADE
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
A COSMOGONIA PAITEREY
E O GÊNERO
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
ficou grávida é que começou a nascer gente, pois antes não nascia
ninguém [...]. (MINDLIN et al., 2007, p. 122-125) (Grifos nossos).
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
2
Mamoa (pênis); manim (vagina).
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
3
Conhecida também como caissuma ou cauim, é uma bebida fermentada, de moderado teor
alcoólico, feita geralmente de raízes de mandioca (aipim ou macaxeira), cará, inhame, milho
ou pupunha – dependendo da etnia – e apreciada em ritos espirituais como o Mapimaih.
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
práticas dos ensinamentos transmitidos por seus pais. Assim, quando es-
tiverem na adolescência, poderão realizar as atividades de forma indepen-
dente, preparando-se para, na fase adulta, casar e constituir suas famílias
com consciência de suas responsabilidades.
Um momento muito significativo na vida dos Paiterey é a fase
em que os filhos atingem a idade de 10 para 11 anos, quando precisam ser
vigiados, orientados e acompanhados bem de perto.
Para as meninas essa fase é a época da primeira menstruação. É
preciso que elas sejam isoladas dos demais membros da família e da aldeia
por um determinado período de tempo, numa oca, onde só recebem a visi-
ta da família, principalmente do pai e da mãe. Durante esse tempo é preci-
so seguir vários preceitos, como, por exemplo: dieta alimentar controlada,
manter-se em silêncio, tomar banho várias vezes ao dia com água morna,
sentar-se na posição certa, etc.
Também são preparados artesanatos e tecidos de algodão, para
enfeite, para quando a menina for sair da maloca. Tudo isso para passar por
uma transformação e adquirir forma de waled e estar pronta para mostrar
os ensinamentos que foram passados durante a fase de infância. É a “fabri-
cação de corpo”. Quando chega a hora de sair da maloca, os pais chamam o
tio materno, que faz a pintura corporal nela e que a ajuda a sair da maloca
para ser entregue ao oy – para casamento – caso ela tenha seu prometido.
A saída da menina sempre tem recepção calorosa por parte dos
familiares, com bastante festa, e ela recebe presentes de seus familiares e
dos parentes de parte do seu agora marido, o que se caracteriza como uma
troca simbólica (LÉVI-STRAUSS, 1970, 1973, 1978).
Com relação aos meninos Paiter Suruí, quando eles chegam a
essa idade, os pais lhes dão atenção especial, porque, geralmente, quando
sua voz engrossa, é sinal de que estão passando da fase de adolescência para
se tornar oy. Nessa ocasião, eles têm que cumprir várias normas e também
ficam isolados por algum tempo. Nesse período, eles precisam se concen-
trar para a passagem do processo de transformação, para depois poderem
se sentir livres, independentes e preparados para encarar quaisquer obstá-
culos da vida, como, por exemplo, sustentar uma família, liderar e serem
os guerreiros do seu povo ou do clã a que pertencem. Quando é chegado o
dia da saída, os pais vão recepcioná-los, dando-lhes boas-vindas, para que
então possam se envolver nas lutas do dia a dia e sentir-se oy para buscar o
que almejam na vida.
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
O PÓS-CONTATO E OS NOVOS
SENTIDOS PARA O GÊNERO
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
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ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
NÃO CONCLUSIVAS
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
REFERÊNCIAS
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ALMIR NARAYAMOGA SURUÍ, GASODÁ SURUÍ E ADNILSON DE ALMEIDA SILVA
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UMA ABORDAGEM DE GÊNERO A PARTIR DO MICROCOSMO INDÍGENA PAITER SURUÍ
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
A SAÚDE DA MULHER NEGRA
SOB A PERSPECTIVA DE UM NOVO
MODELO DE COMPREENSÃO
Sônia Beatriz dos Santos
***
INTRODUÇÃO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
SÔNIA BEATRIZ DOS SANTOS
1
O termo ‘lesbofobia’ se refere ao preconceito contra mulheres lésbicas.
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A SAÚDE DA MULHER NEGRA SOB A PERSPECTIVA DE UM NOVO MODELO DE COMPREENSÃO
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SÔNIA BEATRIZ DOS SANTOS
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A SAÚDE DA MULHER NEGRA SOB A PERSPECTIVA DE UM NOVO MODELO DE COMPREENSÃO
Amsterdam, Holanda, 1984; São José, Costa Rica, 1987; Manila, Filipinas,
1990; Uganda, 1993; Rio de Janeiro, Brasil, 1997. (ver OLIVEIRA, 1998, p.
23).
Finalmente, faz-se necessário compreender que, apesar de as mu-
lheres negras terem herdado os princípios do movimento feminista, e do
movimento de mulheres num sentido mais amplo, estas também os critica-
vam severamente por suas limitações em reconhecer a diversidade entre as
mulheres dentro do próprio movimento. Elas enfatizavam que esta realida-
de demandava um olhar para as necessidades específicas dentro da agenda
política estabelecida no interior do movimento; ou seja, elas denunciavam
a existência de um processo interno de discriminação e marginalização.
Assim, denunciava-se que questões que envolviam as mulheres negras e
indígenas, trabalhadoras rurais, trabalhadoras domésticas, mulheres lésbi-
cas, dentre outras, eram invisibilizadas. Esta situação levará ao surgimento
de vários grupos dissidentes, na busca de constituir uma agenda própria
que incorporasse as necessidades e especificidades de suas participantes.
Podemos tomar como exemplos a emergência de grupos e organizações de
mulheres negras e de mulheres lésbicas.
Esta postura crítica ao modelo tradicional de organização do mo-
vimento de mulheres pode ser observada mais substancialmente a partir do
surgimento da Terceira Onda Feminista, quando se intensificam as parti-
cipações de grupos de mulheres não brancas, trabalhadoras das classes po-
pulares, trabalhadoras rurais, mulheres lésbicas, dentre outros segmentos
marginalizados e atingidos pela exclusão social.
A luta feminista pela saúde da mulher no Brasil carrega, assim,
todas estas influências sociais e históricas, e tal herança vai se materializar
em algumas ações concretas e fundamentais que marcaram este campo de
luta como uma das principais bandeiras do movimento de mulheres em
geral, e em particular das negras. A seguir destacamos algumas das ações
fundamentais protagonizadas no país.
Em primeiro, a criação do Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher (PAISM), elaborado em 1983 e adotado pelo governo bra-
sileiro em 1985, cuja proposta se constituía no atendimento às mulheres de
modo integral, levando-se em consideração todas as fases de sua vida: in-
fância, adolescência, idade adulta e terceira idade. O programa significou a
reorganização da assistência à mulher no país e permitiu uma conceituação
crítica da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos (ver OLIVEIRA, 1998,
p. 30-31). Entretanto, como revela Oliveira (1998), o PAISM ficou na “boa
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E ela continua:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
OS EFEITOS SIMBÓLICOS E MATERIAIS
DAS DISCRIMINAÇÕES RACIAIS
E DE GÊNERO NA SAÚDE
DAS MULHERES NEGRAS
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2
“A incapacidade coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado ou
profissional às pessoas devido à sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou
detectado em processos, atitudes e comportamentos que contribuem para a discriminação
através de preconceito não intencional, ignorância, desatenção e estereótipos racistas que
prejudicam minorias étnicas.” (Commission for Racial Equality. The Stephen Lawrence
Inquiry. Implications for Racial Equality, 1999, p. 2).
3
“O sexismo é a ideologia que estrutura o patriarcado. Através dele, atitudes e políticas têm
sido elaboradas de modo a conferir o privilégio masculino tanto na condução da vida pública
quanto da vida privada. Às mulheres restariam as posições mais inferiores, traduzidas em
menor poder tanto na condução de sua vida sexual e afetiva, quanto no acesso a posições
de liderança e de reconhecimento no mercado de trabalho e na esfera política. Ainda hoje,
apesar das décadas de lutas das mulheres, o sexismo mantém sua força e ainda limita a
liberdade da maioria das mulheres.” (WERNECK, Jurema; DACACH, Solange. Cadernos
Criola 2: saúde da mulher negra: para gestores e profissionais de saúde, 2004.)
4
O responsável pela charge e o jornal foram acusados de Crime de Racismo (ARTIGO 20,
§ 2º, DA LEI N. 7.716/89) e levados a julgamento. Ver detalhes em: http://www.espacovital.
com.br/consulta/noticia_complemento_ler.php?id=2777¬icia_id=29655.
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REFERÊNCIAS
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A GEOGRAFIA DO GÊNERO E DAS
SEXUALIDADES NA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA DE REVISTAS
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INTRODUÇÃO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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É bem representativo o título do livro, Las Otras Geografías, como referência àqueles
temas não presentes na geografia acadêmica.
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* 211
A GEOGRAFIA DO GÊNERO E DAS SEXUALIDADES NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
DE REVISTAS ESPANHOLAS
permite afirmar que tão somente uma era geógrafa2, evidenciando mais
uma vez o escasso peso que o estudo das sexualidades tem na geografia.
Relativamente ao gênero, o seu protagonismo é maior na geogra-
fia espanhola. De fato, não é preciso fazer uma procura como no caso da
sexualidade. Entre outros autores, Ortega-Valcárcel (2000), em sua obra de
referência Los Horizontes de la Geografía, dedica um capítulo ao assunto, e
assinala que, sendo certo que se desenvolveu em datas remotas, esse desen-
volvimento foi limitado. Todavia, a sua visibilidade fez com que, no infor-
me La Investigación Geográfica en España (1990-2012) (LASANTA-MAR-
TÍNEZ e MARTÍN-VIDE, 2013), a geografia do gênero apareça como uma
das subdisciplinas da geografia. Como este último estudo coincide com as
datas temporais do nosso trabalho, utilizaremos os seus dados para a con-
textualização que vamos fazer.
Mas primeiro gostaríamos de incorporar os trabalhos pioneiros
anteriores ao ano de 1990. É na década de 1980 que encontramos as pri-
meiras referências à geografia do gênero na Espanha. Costuma-se dizer que
a obra inicial foi de García- Ballesteros (1982), professora da Universidade
Complutense de Madri; a ela se seguiram outras, como Sabaté-Martínez
(1984a, 1984b) e García-Ramón (1985a, 1985b), que abriram o caminho.
Estes trabalhos serviram não apenas para evidenciar o papel da mulher
relativamente à geografia, mas também para abrir as janelas aos novos ven-
tos chegados do mundo anglo-saxão. É relevante destacar o papel desem-
penhado por revistas de grande importância no âmbito acadêmico, como
Documents d’Anàlisi Geogràfica e Anales de Geografía de la Universidad
Complutense.
Também desta primeira etapa cabe salientar a obra dirigida por
García-Ramón (1985b), Teoría y Método en la Geografía Humana Anglosa-
jona, que tem uma ampla difusão na geografia espanhola e que incorpora
algum capítulo de geografia do gênero, contribuindo para a sua visibilida-
de. Igualmente, esta mesma autora, junto com Castañer e Centelles, fez em
1988 uma projeção exterior ao publicar na prestigiosa revista Professional
Geographer um artigo intitulado “Women and Geography in Spanish Uni-
versities”.
2
Foram consideradas todas as pessoas adscritas a uma universidade espanhola, ainda
que elas tivessem outra nacionalidade. Identificaram-se quase que todos os nomes, com a
exceção de dois.
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GÊNERO E SEXUALIDADES
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3
O artigo de Bowlby et al. (1982) foi posteriormente traduzido e apareceu no livro de
García-Ramón (1985b) Teoría y Método en la Geografía Anglosajona. Isto acontece com
outros artigos que na realidade são traduções de originais em inglês.
4
Todavia, merece destaque que o primeiro já foi criado no ano de 1987, segundo relata
Cànoves-Valiente (1999).
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NA ANÁLISE ESPACIAL
**
* 213
A GEOGRAFIA DO GÊNERO E DAS SEXUALIDADES NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
DE REVISTAS ESPANHOLAS
METODOLOGIA
5
Os sexênios constituem um sistema de avaliação da qualidade dos pesquisadores
espanhóis que se efetua a cada seis anos, a partir das cinco publicações que são consideradas
as mais relevantes. Nos critérios utilizados, as revistas têm um grande valor, especialmente
as de melhor indexação. Os sexênios, além do seu valor econômico, têm valor acadêmico,
se calhar mais importante.
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6
Disponível em: <https://www.educacion.gob.es/teseo/irGestionarConsulta. do; jsessionid
=BAED4585D32DD72FE87EEBE78BCB88AD>.
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A GEOGRAFIA DO GÊNERO E DAS SEXUALIDADES NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
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7
O número é 18+1 porque, após comprovar a listagem, no nosso entender faltava uma revista
importante, Polígonos, que é editada pelos departamentos de Geografia das universidades
de León, Valladolid e Salamanca. As outras 18 revistas analisadas foram: Scripta Nova
(Geocrítica), Boletín de la Asociación de Geógrafos Españoles, Investigaciones Geográficas,
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DE REVISTAS ESPANHOLAS
RESULTADOS
10
A título de exemplo, podemos citar García-Ramón e Luna-García (2007), com um artigo
na prestigiosa revista Gender, Place & Culture, ou García-Ramón, Simonsen e Vaiou (2006),
como editoras convidadas da mesma revista.
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11
Não fazemos comparação com o estudo realizado pela AGE sobre a investigação
geográfica na Espanha (1990-2012) (LASANTA-MARTÍNEZ e MARTÍN-VIDE, 2013),
porque a metodologia utilizada é diferente e, portanto, os resultados também o são. Ver
o capítulo desse informe elaborado por: Martín-Lou, Bodega-Fernández, Cebrián-de-
Miguel e Jiménez-Royo: “Las publicaciones de geógrafos españoles en revistas de geografía
españolas”, p. 235-248.
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12
A revista DAG tem volumes temáticos nos anos de 1995, 1999 e 2007; Cuadernos de
Geografía de la Universidad de Valencia, em 1998; finalmente, no ano de 2002 a Scripta Nova
publicou em número extraordinário os anais do IV Colóquio Internacional de Geocrítica,
com oito trabalhos na área temática de Trabalho e Gênero.
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DE REVISTAS ESPANHOLAS
Este conceito abrange os territórios de fala catalã, além da Catalunha, como o País Valencià
13
ou as Ilhas Baleares.
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DE REVISTAS ESPANHOLAS
Tema Valores em %
Teoria/metodologia 16,27
Demografia 9,88
Mercado de trabalho 22,09
Rural 23,25
Urbano 11,62
Educação 3,48
Meio ambiente 5,81
Outros 7,55
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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CONCLUSÕES
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DE REVISTAS ESPANHOLAS
14
Estes projetos são muitas vezes a base para a elaboração de artigos de revistas.
15
As publicações em revistas JCR são a maneira mais segura para obter um sexênio. Fora
das duas citadas, as demais têm valor menor. A outra alternativa é recorrer a revistas
internacionais, designadamente em inglês, incluídas no JCR, em que os processos de seleção,
além de outros problemas como o idioma, costumam ser muito rigorosos.
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
XOSÉ MANUEL SANTOS-SOLLA
REFERÊNCIAS
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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DE REVISTAS ESPANHOLAS
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DEMANDAS DE GÊNERO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ÂNGELA CÉLIA SACCHI
A questão das violações aos direitos humanos tem sido uma im-
portante reivindicação feminina. A violência tem aumentado, adquirindo
novas formas na atualidade, notadamente pela intensificação das relações
sociais, econômicas e políticas entre povos indígenas e a sociedade ambiente.
As violações são perpetradas pelo relacionamento com pessoas ocupantes de
áreas vizinhas, grupos não indígenas e também pelo próprio Estado, quando
implanta determinados programas de desenvolvimento que não contemplam
as especificidades dos povos indígenas. Além de violações de caráter externo,
elas também ocorrem nas relações internas dos grupos indígenas.
A instalação de grandes empreendimentos tem sistematicamen-
te resultado em violações às mulheres indígenas, particularmente expostas
a situações de violência moral e sexual quando homens não indígenas se
instalam dentro ou no entorno de seus territórios. A falta de meios de sub-
sistência para as aldeias estimula os processos de migração, principalmente
masculina, em busca de recursos econômicos. Isto faz com que a vulnera-
bilidade das mulheres seja dinamizada, já que elas se tornam as principais
responsáveis pelas famílias e comunidades, e nem sempre elas podem con-
tar com recursos para se contrapor a esse processo.
A falta de terra, de recursos naturais e de infraestrutura aos afa-
zeres cotidianos são fatores que expõem as mulheres a circunstâncias de
vulnerabilidade com relação a seus direitos e possibilidades de decidir com
autonomia. É diante das adversidades atuais que elas reivindicam o direito
à terra, o reconhecimento dos direitos coletivos dos povos indígenas e a
valorização das lideranças tradicionais e de aspectos da organização social,
como formas particulares de controle social e justiça, lutando também pela
implementação de políticas públicas que contemplem as especificidades de
gênero e étnicas.
Para o enfrentamento dessas violações, é fundamental que as mu-
lheres obtenham capacitação em direitos humanos, principalmente os das pró-
prias mulheres, e interação com a legislação indigenista, envolvendo a violência
em suas comunidades e os desafios em relação à juventude e aos homens.
As transformações das sociedades indígenas também têm pos-
sibilitado às mulheres a ocupação de novos espaços políticos, com a ins-
tituição de associações próprias. As mulheres indígenas têm discutido
problemas e demandas específicas que afetam a elas e a seu povo. As reivin-
dicações femininas estão relacionadas às necessidades cotidianas, como as
condições de trabalho e o acesso aos meios de produção, a comercialização
dos produtos e a participação da juventude na reprodução e fortalecimento
da cultura. Por meio das novas formas de inserção no mundo da política, elas
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
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* 233
MULHERES INDÍGENAS E SUAS DEMANDAS DE GÊNERO
1
De acordo com Segato (2012, p. 126), na modernidade há a transformação do dualismo,
como variante do múltiplo, em binarismo do Um (universal, canônico, neutral) e seu
outro (resto, anomalia, margem), que passa a clausurar a disponibilidade de circulação das
posições, colonizadas pela lógica binária, o gênero de maneira ocidental. Para a autora, é
necessário entender o esquema binário da colonial/modernidade, para encontrar brechas e
inserir lutas próprias deste mundo moderno, como a busca por direitos e políticas públicas
inclusivas e de promoção da igualdade.
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MULHERES INDÍGENAS E SUAS DEMANDAS DE GÊNERO
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MULHERES INDÍGENAS E SUAS DEMANDAS DE GÊNERO
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ÂNGELA CÉLIA SACCHI
REFERÊNCIAS
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
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* 241
PARTE III
GÊNEROS EM MOVIMENTO:
ESPAÇO, RAÇA, IDADE
E CLASSE
NARRATIVAS DE VIAGEM,
ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE:
UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
María Dolors García-Ramón
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MARÍA DOLORS GARCÍA-RAMÓN
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GEOGRAFIA FEMINISTA
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* 249
NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
falava francês, alemão e italiano, e mais tarde aprendeu persa, árabe e turco.
Sua primeira viagem ao Oriente foi em 1892, quando visitou seu tio, em-
baixador britânico em Teerã. Ela teve várias relações amorosas durante sua
vida, mas nunca se casou e, assim, desfrutou de grande liberdade para suas
viagens.
Gertrude Bell publicou vários livros, escreveu inumeráveis cartas
dirigidas à sua família e a amigos (BELL, 1987), bem como um diário que
não foi publicado. Também redigiu vários informes políticos confidenciais
para as autoridades britânicas sobre a situação na Mesopotâmia. Todo este
material pode ser consultado no Fundo Gertrude Bell da Universidade de
Newcastle.
Em 1893, Gertrude realizou uma viagem para Há’il, atualmente
norte da Arábia Saudita, partindo de Damasco e passando por Palmira e
Bagdá, entrando em Nefud e regressando a Damasco pelo sul, através do
atual deserto jordaniano.
Esta viagem conferiu muita notoriedade a Gertrude Bell, porque
durante a Primeira Guerra Mundial o Arab Bureau do Serviço Britânico de
Inteligência Militar no Cairo lhe propôs que colaborasse com esta agência.
Posteriormente, foi nomeada Secretária para Assuntos Orientais do Alto
Comissariado Britânico no Cairo, Bassora e, finalmente, em Bagdá. Mas
seu posto era semioficial, e com um salário simbólico. Sua posição social
e econômica na Inglaterra e as suas conexões familiares lhe ajudaram a al-
cançar estes postos, como se deduz de uma carta de recomendação de 1915,
de Lord Cromer, um dos homens mais influentes em tudo o que se referia
ao Oriente Médio:
INTERSECCIONALIDADES,
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MARÍA DOLORS GARCÍA-RAMÓN
AVENTURA E EXPLORAÇÃO
NOS TERRITÓRIOS DO ORIENTE MÉDIO
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NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
IDENTIDADE E GÊNERO NA
PERSONALIDADE DE BELL
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MARÍA DOLORS GARCÍA-RAMÓN
Permita-me que lhe peça quatro blusas, por favor, de Crepe da Chi-
na. Se possível, duas de cor marfim e duas de cor rosada. Envio com
esta uns anúncios da Harrods que são elegantes, especialmente as
que assinalei. Agradeceria também muito se pudesse encontrar e en-
viar a mim uma jaqueta verde de seda com botões prata […]. (BELL,
1987, p. 340).
INTERSECCIONALIDADES,
GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
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NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
INTERSECCIONALIDADES,
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MARÍA DOLORS GARCÍA-RAMÓN
[...] sempre que posso lhes explico [...] a meus amigos nativos que a
dominação francesa é muito melhor de ter do que a dos Turcos ou a
de qualquer outro poder estrangeiro [...]. (EBERHARDT, 1988, p. 87).
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
INTERSECCIONALIDADES,
258 **
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
MARÍA DOLORS GARCÍA-RAMÓN
Mas seu travestismo tem raízes em sua infância, quando foi fo-
mentado por Trophimowsky, e já se disse também que era fruto das necessi-
dades de sua vida nômade, o que complica ainda mais a questão. Eberhardt
não apenas se vestia como um homem, mas também como árabe, subver-
tendo outra forma de hegemonia e transpassando assim uma fronteira cul-
tural: um homem europeu podia ocasionalmente vestir-se como um árabe,
mas não uma mulher europeia. O travestismo de gênero e de cultura de
Isabelle provocava aberta hostilidade dos colonizadores franceses. Entre os
árabes essas transgressões eram recebidas com indiferença, já que ela era
europeia, e este era o único fato fundamental do ponto de vista dos nativos.
INTERSECCIONALIDADES,
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NA ANÁLISE ESPACIAL
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* 259
NARRATIVAS DE VIAGEM, ENCONTRO COLONIAL E ALTERIDADE: UM OLHAR A PARTIR DA
GEOGRAFIA FEMINISTA
REFLEXÕES FINAIS
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caso para escapar das estreitas margens da vida de uma jovem de alta classe
na Inglaterra em seu tempo. Mas essa liberdade foi apenas a de converter-
se em uma versão singular do Englisman imperial. Gertrude aproveitou do
império para desfrutar de forma especial o poder que não havia podido
ter na Inglaterra, e ela o fez sem questionar nenhuma superioridade im-
perial na Grã-Bretanha. Em contraste com sua atividade ‘masculina’ no
Oriente, em seu país Bell se manteve dentro das barreiras de gênero mais
convencionais. Contudo, e, ao mesmo tempo, aproveitou-se dessas mesmas
feminilidades para estabelecer uma aproximação pessoal com muitos dos
árabes com quem trabalhou, e deu uma publicidade entusiasta para sua his-
tória passada. Sua atitude e seu comportamento, que podemos ler em seus
textos, são muito diferentes dos que são observados nos relatórios mais
objetivos de funcionários coloniais, estes preocupados com suas carreiras
administrativas e/ou políticas.
Para Isabelle Eberhardt, o Oriente (em seu caso, a África do Nor-
te) foi também um lugar de emancipação pessoal e um meio de fugir das
convenções rígidas da sociedade europeia. E não apenas fugir do papel de
gênero, mas também de seu particular problema de sobreposição de identi-
dades e nacionalidades (era russa, francesa, suíça ou magrebe?).
Ao contrário do caso de Bell, o discurso de Eberhardt constante-
mente distorce as fronteiras entre o colonizador e o colonizado. Ela é uma
dissidente frente ao estereótipo colonial predominante. Contudo, sua vida e
seus escritos mostram que uma mulher que havia sido indesejável pela admi-
nistração colonial francesa podia chegar a ser instrumentalizada para efetivar
a penetração colonial. Eberhardt transgrediu as normas europeias de gênero
e identidade e, em geral, seus valores culturais, mas a autoexploração íntima
que em realidade constitui suas viagens pelo deserto só foi possível sob
condições coloniais. Ao cruzar e voltar a cruzar fronteiras, entre gêneros,
idiomas, religiões e culturas, atesta sua capacidade para desafiar posturas
patriarcais, feministas, coloniais ou pós-coloniais. Mas os últimos escritos
de Eberhardt e suas atividades no deserto do sul argelino sugerem que sua
nunca satisfeita realização pessoal no espaço colonial a levou a posturas
cada vez mais ambíguas até se identificar com um dos aspectos do proje-
to colonial, aquele que encarnava o General Lyautey com seus planos de
penetração pacífica no Saara. Suas origens nacionais e de classe, tão com-
plicadas, devem ser levadas em conta para a compreensão de suas ansieda-
des, e elas explicam muitos traços de sua postura diante do conflito entre
colonizadores e colonizados, um conflito em que ela era tanto testemunha
como agente.
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INTRODUCIÓN
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METODOLOGÍA
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a las mujeres; las relaciones laborales, en donde las mujeres son sometidas
a los peores trabajos y las desigualdades son desfavorables para ellas; las
relaciones políticas, en donde los hombres dominan las instituciones polí-
ticas y dictan las leyes de manera desventajosa para las mujeres; la violen-
cia machista, en donde la violencia hacia las mujeres se ha naturalizado;
la sexualidad, en donde los hombres controlan la sexualidad y el cuerpo
de las mujeres; en la esfera cultural, a través del dominio de los medios, las
representaciones y la educación que estos ofrecen de las mujeres (WALBY,
2000).
Esta categoría del régimen patriarcal permite analizar de manera
integral la violencia feminicida, a diferencia de como generalmente se la
observa o se pretende que sea vista, como un problema personal de com-
portamiento individual. Por tanto, para oponerse a esta visión, es necesario
recuperar el circuito espacial de la violencia. Aquí es pertinente subrayar la
mirada estructural de la violencia.
Hablamos de violencia estructural hacia las mujeres justamente
porque
[...] todo el orden social está orientado para operar oprimiendo a las
mujeres y reproduciendo regularmente esta opresión […] hablamos
entonces de violencia estructural hacia las mujeres porque en todos
y cada uno de los ámbitos de la sociedad se ejerce y se reproduce la
dominación sobre ellas, y porque el origen de las diversas formas
concretas de violencia (física, sexual, emocional, patrimonial, entre
otras) contra ellas se puede rastrear hasta el nivel de realidad). (RIS-
MAN, 2004 apud CASTRO, 2012).
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ESTUDIO DE CASO
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Ellos y ellas son los trabajadores que deben poner en acción toda
la reglamentación elaborada en el poder legislativo federal y local, así como
las políticas públicas elaboradas desde el gobierno de la entidad y del mu-
nicipio con perspectiva de género. Se trata de abogadas y abogados que
trabajan en los ministerios públicos, enfermeras, médicos y médicas, psi-
cólogas, administradores, policías, camilleros, entre otros; es decir se tra-
bajó con personal con nivel educativo medio superior y diversos perfiles
profesionales.
Al analizar la constitución de la RED, se puede notar que predo-
minan las instituciones médicas. De hecho la institución oficial que lleva la
presidencia de la RED es el Hospital General de Irapuato bajo la dirección
de la Secretaria de Salud del estado de Guanajuato. También la integran los
ministerios públicos, el DIF, el Desarrollo Social, Trabajo Social y el Direc-
tor de Salud Pública, en consecuencia se puede observar que entre la visión
preventiva y la correctiva, predomina esta última, en ese sentido destaca la
ausencia del sector educativo.
Esta conformación de la RED demuestra cómo se observa la vio-
lencia, y por lo tanto cómo se atiende. Predomina una visión médica y po-
liciaca, que es reactiva a la problemática, pero no se observa un trabajo de
prevención de la violencia feminicida además la RED carece de una visión
estructural social y de aquello que para lo que resulta necesario transfor-
mar en la sociedad misma la cual replica a la violencia de las estructuras de
poder sobre las que se sustenta el Estado. Por ejemplo los ámbitos de la eco-
nomía (los poderes fácticos), la educación y los medios de comunicación,
forman parte de la violencia estructural que se debe atender, si se la quiere
erradicar. Ya que una verdadera prevención pasa por una desnaturalización
de la violencia hacia las mujeres, así como por una mejor remuneración en
su trabajo y un cambio en los usos y costumbres que promueven la discri-
minación hacia las mujeres en todos los ámbitos de la sociedad
Hay que pensar incluso en transformar aquellas dependencias
que operan con lineamientos acorde con el régimen de género. Otro ejem-
plo para el caso mexicano, es aquel que tiene lugar dentro del municipio y
en el que se inicia el circuito espacial de la violencia con una institución de
origen tradicional. Se trata de la Oficina del Desarrollo Integral de la Fami-
lia (DIF) que tiene un claro origen familiarista, y que con gran frecuencia
propone la conciliación entre víctima y victimario, y es que generalmente
es al primer lugar que acuden las mujeres para buscar orientación en casos
de violencia feminicida.
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REFERENCIAS
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1
Esta subsecretaria pertence à Secretaria Especial de Direitos Humanos, que apresentou
informações do levantamento Murad, 2004.
2
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) é apresentado em um
caderno publicado pelo Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes
(CONANDA), com o apoio da UNICEF. O caderno revela dados importantes sobre os
adolescentes em conflito com a lei no Brasil, referentes ao início do século XXI.
3
Este documento, acessado por meio do buscador Google, é nomeado com os seguintes
caracteres: [PDF] 090122 levantamento 2008.
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4
De acordo com o Art. 155, § 4º e incisos do Código Penal Brasileiro, o furto qualificado é
aquele em que ocorre uma, ou mais, das seguintes situações: 1) destruição ou rompimento
de obstáculo para a subtração do objeto; 2) emprego de chave falsa; 3) mediante concurso
de duas ou mais pessoas. O furto qualificado envolve contextos em que o agente utiliza
métodos astuciosos para a execução do delito. Portanto, é o método que qualifica o furto.
Por conseguinte, o furto simples não ocorre em nenhuma das situações. (http://www.dji.
com.br/codigos/ 1940_dl_002848_cp/cp157a160.htm). Acesso em: 12 fev. 2009.
5
De acordo com o que estabelece o Art. 157 do Código Penal Brasileiro, roubo significa
subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de qualquer
resistência. (http://www.dji.com.br/codigos/1940_dl_002848_cp/cp157a160.htm). Acesso
em: 12 fev. 2009.
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6
O ‘espaço espiado’, segundo Rocha (2014), se faz por meio de imaginações e
comportamentos desenvolvidos pelos sujeitos sob o efeito do crack. A expressão surgiu dos
relatos dos usuários de drogas que colaboraram com a pesquisa.
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esquinas, praças, margens de linhas férreas, debaixo das pontes, nas vilas
vizinhas e, com menor frequência, em vilas distantes e no centro da cidade,
entre outras inúmeras áreas do espaço urbano.
Na sanha de frequentar cotidianamente espaços de encontro com
quem compartilha do mesmo sentimento de exclusão, os homens jovens
em conflito com a lei demonstraram embarcar quase rotineiramente na
chamada ‘vida louca’, caracterizada pelo uso cotidiano do álcool e outras
drogas.
Tipo nós não samo daqueles que andam com os cara que não conhe-
ce muito bem, maioria dos cara aqui que andam com nós aqui, é nós
aqui, os piá, que a gente conhece de anos já [...] nós sabemo qual que
é quando os cara fazem alguma, conhecemo já da correria os cara.
E é difícil rolar treta entre nós, se bem que às vezes rola umas, umas
desavença assim, mas nada a ver, depois a gente sempre se acerta.
Nunca tamo ali ‘de cara’, nunca tamo ali sem usar uma droga, nunca
sem tomar um gole, nunca sem fumar um cigarro, nunca sem usar
nada. Sempre na vida loca! Gorpo.7
7
As citações de entrevistas preservam a linguagem coloquial do grupo, e os entrevistados
são identificados por meio de pseudônimos.
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Quando cada um entra com certa quantidade de dinheiro para fazer uma compra coletiva.
9
Na linguagem dos adolescentes, ‘alugar’ significa ‘convencer’, ‘ludibriar’.
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táticas em outras espacialidades, tais como andar rápido, quase nunca parar
e, a mais importante, dialogar para não se saírem lesados. Este processo
institui o saber/poder dos adolescentes em entrar e sair ‘de boa’ em várias
‘quebradas’ do espaço urbano. Ao mesmo tempo, constituem-se como ma-
trizes fundamentais para a instituição de territórios.
Muitos dos que buscam na ‘correria’ um sentido para a ‘vida lou-
ca’ destacam a presença da inibição de uns grupos diante de outros pelo
espaço público. Isso se deve ao fato de que entrevistados que partilham das
mesmas ‘rodas de crack’ se encontram num estágio mais avançado em rela-
ção ao sentido da ‘vida louca’, mais ardiloso e destrutivo. Nesses espaços, os
elementos de coesão são muito flexíveis e giram principalmente em torno
do desejo de consumo repetitivo e ao custo, não apenas da simples ‘corre-
ria’, mas de variados riscos que envolvem a adoção de estratégias de furtos,
roubos e comércio e troca ilícita de objetos.
A coesão instituída nos territórios das ‘rodas de crack’ envolve,
obviamente, o uso compartilhado de crack nas ‘cracolândias’10 e, em menor
escala, nas ‘rodas de crack’. Tais espaços de adicção são rodas de convívio
que geralmente se encontram em locais de difícil acesso e longe de vigilân-
cias, tais como os fundos de vale, alguns capões de mata, linhas férreas, bai-
xadas próximas de rodovias, casa, garagem, cômodo, esquinas, praças, pon-
tos de ônibus, ao lado de lixeiras de condomínios, campinhos de futebol,
escolas durante a noite ou em finais de semana, etc. Geralmente em locais
não muito longínquos ao ‘canal’ em que há venda da substância, esses terri-
tórios assumem caráter nômade e podem localizar-se furtivamente. Trata-
10
As ‘cracolândias’, como espaços apropriados por usuários de crack, vêm ganhando destaque
no cenário nacional midiático nos últimos anos. Em telejornais e programas televisivos de
rede aberta, é comum aparecerem cenas e reportagens feitas nesses espaços, mostrando
crianças e mulheres grávidas usuárias, em estágio avançado de degeneração devido ao
contato com a substância tóxica, muitas vezes prostituindo-se para consumir, entre outros.
Atualmente, não há uma definição de proporção em relação ao que pode ser considerado
‘cracolândia’; contudo, a palavra sugere a aglomeração em torno do uso de crack, próxima
aos locais de sua venda. Em 20/05/2010, em matéria veiculada pelo site R7 Notícias, 58
pessoas foram detidas numa das linhas de trem da cidade do Rio de Janeiro, ocasião em que
nove quilos da droga foram apreendidos. In: http://noticias.r7.com/rio-e-cidades/noticias/
operacao-policial-no-rj-apreende-drogas-na-cracolandia-da-linha-do-trem-20100520.
html. Acesso em: 20/5/10. O site de notícias da G1, em 08/04/09, destaca uma ação no
Rio de Janeiro que deteve 47 menores de idade na Favela do Jacarezinho, local que já teria
recebido a denominação ‘cracolândia’. Acesso em: 8 jul. 2010: http://g1.globo.com/Noticias/
Rio/0,MUL10785145606,00OPERACAO+NA+CRACOLANDIA+APREENDE+MENORES+
DE+IDADE.html.
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se de ‘espaços espiados’, tal como propõe Rocha (2014), e que são constituídos
a partir de eixos de desigualdade vinculados à renda ou à posse de objeto que
permite uma troca satisfatória por dada quantidade de crack. Participar por
um longo tempo dessas rodas ou submeter-se ao uso prolongado do crack são
significados pelos entrevistados como ‘internar-se na pedra’.
Quando nós descemo ali, fica uma galera, um monte de ‘nóia’ uma
vez de cada, pra ir buscar o bagulho! Não faz mais nada da vida e
ninguém inventa de aparecer ali! Ah, nem são louco de aparecer,
quem flagra já não aparece. Teve uma vez que tava um pai de um
piazinho, assim, tava andando com o piazinho, ali de boa, e nós tava
tudo na nóia! Fazia dias já, coitado do hóme. Nós levamo tudo dele,
e o piazinho ficou chorando do lado, o cara dizia pra não encostar a
mão no piá. Sorte que ninguém meteu o dedo nele, mas o pai dele,
nós que tava ali vimo, o cara ficou sem nada, de cueca assim. Só que
nós também tivemo que sair dali, né? [...] Que nem, de rolar de pas-
sar alguém quase num tem, mas se é desconhecido, é direto, ali no
nosso mocó: vai pra fita. Zeca.
[...] o cara era daqueles que comprava de mim quando eu vendia
o bagulho, né cara? E fumava comigo, assim, e os chegado. Nós se
internava na pedra, né mano? Se internava memo! Violento o bagu-
lho! De ficar dias só internadão, sem comer, não dormia, nós tava só
na função do bagulho! Só que o cara ficou me devendo, né mano!
E era umas quinze grama, tá ligado? E eu fiquei com rancor! Tava
bem louco, trincado de gole, eu tinha fumado altas, altas memo! Mas
sabe que me deu assim, tipo, eu vi que tava sem o bagulho [...] E o
cara, tipo, tava me devendo uma pedra, assim [...] Foi me dando um
‘sangue ruim’ memo cara! Saí bem louco na quebrada e nessa, o cara
me atravessou a rua, né mano! Já era! Eu puxei o cano memo! Tentei
fazer o ‘cara’. [...] Pegou dois, mas nem consegui. O cara tá guarda-
do, lá no Cadeião, mas por causa de outra ‘patifaria’. Tô jurado pelo
cara11, tá ligado? Dedinho.
11
Significa que o adolescente foi jurado de morte.
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TOPOGRAFIAS DA VIOLÊNCIA
E AS PERFORMANCES DE
MASCULINIDADE DE JOVENS DO
SEXO MASCULINO COM
ENVOLVIMENTO COM AS DROGAS
EM PONTA GROSSA - PR
Fernando Bertani Gomes
***
1
A pesquisa de Gomes (2013) elabora uma análise das vítimas e as características dos
homicídios ocorridos entre 2010 e 2011 em Ponta Grossa - PR. O levantamento se deu por
meio da 13a Subdivisão Policial de Ponta Grossa e pelas Varas Criminais Federais de Ponta
Grossa, onde foram analisados 79 inquéritos policiais.
2
Para preservar a identidade dos entrevistados, criamos os seguintes nomes fictícios: 1.
Polaco Bala, 16 anos, usuário de cigarro, álcool, maconha, cocaína e crack; 2. Palhaço Zóio,
16 anos, usuário de maconha, cocaína e crack; 3. Bola Magrão, 15 anos, usuário de cigarro,
álcool, maconha, cocaína e crack; 4. Severino Espiado, 15 anos, usuário de cigarro, álcool,
cocaína, crack e oxi; 5. Ribeiro Loco, 17 anos, usuário de cigarro, álcool, maconha e crack; 6.
Jason Rim, 17 anos, usuário de maconha e crack.
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3
Existem alguns trabalhos específicos sobre os limites e as contribuições do conceito
de assemblage, como: Delanda (2006), Marcus e Saka (2006), McFarlane (2009, 2011),
Anderson et al. (2012) e Greenhough (2012).
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FERNANDO BERTANI GOMES
4
As espacialidades vivenciadas pelos entrevistados foram organizadas da seguinte maneira:
Rua (22,4%); Vila (17,7%); Casa (16%); Instituição de tratamento (14,8%); Rua-Instituição
de tratamento (7,2%); Mocó (6,7%); Tráfico (6,7%); Centro (3,2%); Escola (2,5%); Outros
(2,8%). As espacialidades Instituição de tratamento e Rua-Instituição de tratamento,
respectivamente quarta e quinta evocações mais frequentes, não serão analisadas de maneira
específica. A espacialidade Instituição de tratamento diz respeito a evocações referentes à
Comunidade Terapêutica Marcos Fernandes Pinheiro, e a espacialidade Rua-Instituição
de tratamento representa evocações em que os meninos ressignificam a rua, posicionados
dentro da comunidade terapêutica. É a rua, mas com a intersecção com a instituição de
tratamento.
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[...] cara, tipo assim, tem uns camarada que falam: ói, a minha mãe,
se eu tivesse ela, olhe cara, não ia fazer isso, e não sei o quê, tem mui-
tos cara que é por causa da mãe morta, né? Tem uns aí, uns dois cara
que eu conheço, foi por causa da mãe. [Por causa da mãe?] Perdeu a
mãe e... É tipo assim, cabeça, né cara? (Severino Espiado)
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Termo utilizado pelos jovens entrevistados para designar trajetórias espaciais que se
destinam à compra de drogas, como maconha, cocaína e crack. Essas trajetórias estão
sempre ligadas a práticas de furto e roubo, ou práticas alternativas, na busca de recursos
para o uso de drogas e para a quitação de dívidas de drogas.
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de fogo, como conta Jason Rim: “Eu vendia umas pedra pra esse cara lá, o
cara que me deu um tiro”.
Um conceito que podemos aproximar dessa espacialidade é o de
“parresía”, trabalhado por Michel Foucault (2011). O filósofo francês, ao
analisar formas de dizer-a-verdade nas sociedades greco-romanas clássi-
cas, identifica na parresía cínica uma forma de coragem da verdade. Um
‘parresiasta’ é aquele deslocado, de linguagem áspera, de ataques verbais
virulentos, preleções violentas. A parresía, como comenta Portocarrero
(2011, p. 427), é uma “atitude de franqueza e não de persuasão; de verdade
e não de falsidade; [...] de crítica ou julgamento de alguém mais poderoso e
não de lisonja” e, sobretudo, uma atitude de coragem e risco de vida, como
exemplifica Foucault (2011) ao analisar as últimas palavras de Sócrates. São
todas essas características presentes nos entrevistados.
Os meninos participam da espacialidade das drogas, compõem
‘espacialidades espiadas’ e expressam-se através de uma masculinidade
agressiva, em que as formas de dizer-a-verdade acontecem por meio da
prova e da disputa de coragem. Lembrando as noções de espaço perfor-
mático (ROSE, 1999), o sujeito é composto somente na interação, não de
essências, mas de performances. Para Rose (1999), podemos compreender
o espaço na tríade desejo, fantasia e corpo.
Através das relações socioespaciais se instituem os sujeitos simul-
taneamente ao discurso e suas normas regulatórias presentes na sociedade,
mas, além disso, há o ‘desejo’, não de ser o outro, mas de ser frente ao outro,
e a ‘fantasia’ pode ser caracterizada como a mise-en-scène do desejo, espaço
fantasia onde o desejo é colocado em cena, arranjado e disposto espacial-
mente. Teremos então um espaço corporalizado não sob as formas sólidas,
com limites e fixidez, com atributos e finalidades de si e dos outros.
É no corpo “que os processos de afirmação ou transgressão das
normas regulatórias se realizam e se expressam” (LOURO, 1999, p. 83), e
se há transgressão, é porque a imanência dos acontecimentos no mundo é
para a diferença (DELEUZE, 2000). Dessa forma, as regras que codificam,
as normas que regulam, os saberes que ‘transcendem’ são realizados por
meio de práticas repetitivas de poderes disciplinadores e normalizadores,
como afirma Michel Foucault (1987), e também em suas discussões sobre
“biopoder” (1988), “governamentabilidade” (2008) e “dispositivo” (1988).
Mas Foucault (1988) também lembra que o poder, antes de ser repressivo,
é produtivo, “as relações de poder emanam de um mundo de forças em
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[...] eu passei, assim, tinha uns cara sentado lá no Boa Vista lá, atra-
vessando a linha. Cheguei, perguntei: qual que é a dos negócio aí?
Eles viram que eu tava com bicicleta, roupa, assim, celular, dinheiro.
Não, é bom cara, quer fumar? (Severino Espiado)
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Onde que eu moro é muito cara, e fuga geográfica não adianta, en-
tendeu? Porque onde você for você vai ter droga, né, cara, indepen-
dente de onde você for. Se for lá nos cafundó do Juda, vai ter droga,
né, cara. Então, eu acho que esse que é o verdadeiro tratamento que
você tem que viver, né, cara. (Ribeiro Loco)
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Os diagramas da obra de Deleuze (2008) sobre Michel Foucault estão trabalhados no
terceiro capítulo.
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Ah, trocar tiro com os cara, nós vinha na vila dos cara dar tiro, de-
pois o carinha lá já vinha dar tiro. [Qual que era a vila que dava
mais problema?] Tinha parque, tinha um monte de vila, uns cara do
Mezomo, daí depois os cara tava andando com nós. (Palhaço Zóio)
Teve um cara que hoje... Hoje ele tá na Igreja e tal, até desde quando
eu saí e tal. Ele já levou 17 facada e não morreu, cara. Sério mesmo.
Ainda ele levou 17 facada assim na valeta. Caído na valeta. Ele levou
17 facada do cara, ele levantou assim e o cara chegou e deu um chu-
tão na cara dele ainda. Pow! O cara caiu assim, doideira mesmo. Daí
ele... Pá, não morreu, tá ligado? (Ribeiro Loco)
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Só que daí chegou a mão, que ela tinha pegado acho que cigarro e
tal, meu, na mochila, assim, daí eu apanhei. Nossa, apanhei na boca,
assim, com chinelo, tá ligado? Foi bem paia, só que, tipo assim, depois
que tinha acontecido, não precisava mais bater, né cara? Já era. Daí
foi uma revolta maior, né? Falei: é que... E tipo, minha mãe não tinha
muito o que falar, porque ela usava álcool dentro de casa, meu padras-
to também e tal. Bebiam e brigavam e tal, tá ligado? (Ribeiro Loco)
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Esta expressão diz respeito à execução de roubos e assaltos, à cobrança de dívidas, a
assassinatos, enfim, a atitudes-limite.
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Foucault (2003), que ressalta que um dos defeitos graves daquilo que ele
denomina marxismo acadêmico é compreender que as condições econô-
micas de existência encontram na consciência dos homens o seu reflexo e
expressão. Contrário a isso, Foucault (2003) afirma que um tipo de saber
não se impõe, nem se imprime de maneira definitiva a ele; contudo, um do-
mínio de saber faz aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas
e novas formas de subjetividade.
O tráfico de drogas faz produzir formas e técnicas de comerciali-
zação e dispositivos econômicos. Através disso, regula e disciplina determi-
nado conjunto das relações de poder. Dessa forma, o platô do ‘tráfico’ está
agenciado à territorialidade do tráfico de drogas. Sobre essa espacialidade,
estão dispostas as seguintes evocações:
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Com quinze anos, eu era bem dizer o flanela que diziam, até esperar
o povo eu cortava droga, ia e buscava. Fui crescendo, aí os cara fala-
ram: ó, quando você tiver com uns dezoito, o Comando Vermelho já
tá pronto pra te aceitar. Beleza, ali eu já fui crescendo, querendo ser
mais. (Severino Espiado)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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GÊNERO E SEXUALIDADES
NA ANÁLISE ESPACIAL
FERNANDO BERTANI GOMES
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GREENHOUGH, Beth. On the agencement of the academic geographer. SAGE -
Dialogues in Human Geography, Jul 10, 2012, p. 202.
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GÊNERO, RAÇA E ESPAÇO:
UMA ABORDAGEM DA TRAJETÓRIA
DE MULHERES NEGRAS 1
Alex Ratts
***
1
Este ensaio se origina da comunicação Gênero, raça e espaço: trajetórias de mulheres negras,
apresentada no GT Relações Raciais e Etnicidade, no XXVII Encontro Anual da ANPOCS,
em 2003, que reapresentei no I Simpósio Latino-Americano de Geografia e Gênero (Rio de
Janeiro, PUC-Rio, 2011) e revisei para este livro.
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ALEX RATTS
2
“Houve um crescimento expressivo no número de mulheres chefiando domicílios. A
proporção foi maior entre as mulheres negras, principalmente no caso de arranjos com
filhos residentes. No entanto, o aumento foi mais expressivo entre as brancas. Esses fatores
provocaram algumas mudanças nas características dos domicílios brasileiros, alterando as
relações tradicionais de gênero: mulher cuidadora e homem provedor, mas, também, de
forma diferenciada. Por exemplo, a contribuição das mulheres brancas no total da renda das
famílias foi de 36,1% e a das negras, de 28,5%. As mulheres negras se envolviam mais nas
atividades domésticas, mesmo na condição de ocupadas, do que as brancas, o que sugere
uma relação de gênero mais desigual entre as negras. Isto se verifica quando se considera
tanto a proporção de mulheres ocupadas que se dedicavam a afazeres quanto o número
médio de horas trabalhadas nesses afazeres.” (p. 18).
3
Foucault (2004), em entrevista à revista geográfica francesa Herodote, aponta que várias
destas noções advêm de outros campos anteriores à formação disciplinar desta ciência: do
pictórico (paisagem), administrativo-militar (região) ou jurídico-político (território).
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GÊNERO, RAÇA E ESPAÇO: UMA ABORDAGEM DA TRAJETÓRIA DE MULHERES NEGRAS
sociais”, ou, ainda, dito de outra maneira pelo mesmo autor, um conjunto
de “sistema de objetos” e “sistema de ações”, cada vez mais artificiais. No
campo das relações sociais, do sistema de ações, Santos, lembrando a limi-
tada margem de escolha humana no capitalismo, aponta que “é sempre pela
corporeidade que o homem participa do processo de ação” (p. 65).4
O espaço é adjetivado como público ou privado, distinção que
permeia as relações sociais no Brasil, expressas em termos de oposição e
complementação entre a casa e a rua (DAMATTA, 2000). É sabido o quan-
to as mulheres ainda são consideradas como mais afeitas ao espaço domés-
tico que ao público.
A raça, pedra de toque da formação sociocultural e socioespacial
brasileira, foi vista por diversos cientistas sociais com horizontes acadêmi-
cos e políticos distintos. Para além das teorias raciais e, sobretudo, racistas
do período entre 1870 e 1930 (SCHWARCZ, 1987), a raça tem seu estatuto
revisto entre intelectuais como Gilberto Freyre, sendo associada ao sexo, à
classe e à espacialidade. No segundo pós-guerra do século XX, a raça este-
ve quase ausente das reflexões de geógrafos(as), urbanistas, arquitetos(as)
e outros(as) espaciólogos(as), e, praticamente, foi posta em último plano
pelos(as) antropólogos(as). No entanto, ela ficou presente na Sociologia
das relações raciais devidamente contextualizada e conceptualizada. Na
contemporaneidade, a raça se mantém ou reaparece como questão para os
cientistas sociais, devido à continuidade (móvel e mutante) do racismo que
porta e exige uma referência a algo que se chame de “raça” e no seu duplo, o
antirracismo que engloba o pensamento de intelectuais ativistas negros(as)
e brancos(as).
Sem almejar fazer uma longa narrativa desta noção, corroboro o
viés que desnaturaliza a raça e a define como “um conceito que denota tão-
somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa
frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de
natureza, como algo endodeterminado” (GUIMARÃES, 1999, p. 9).
No Brasil, no campo das relações raciais, predomina o preconcei-
to de marca (aparência) em relação ao de origem (descendência), dirigido
para uma leitura dos traços físicos das pessoas. É necessário pontuar os
marcadores da diferença como a cor da pele, a textura do cabelo e outros
4
O autor chama atenção para o crescimento deste tema nas ciências humanas e o retoma
em artigos e entrevistas (SANTOS, 1999). Para uma abordagem da corporeidade na obra e
na trajetória deste geógrafo, consultar: CIRQUEIRA, 2010.
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Sexo, para o autor, pressupõe uma base biológica, mas ele argu-
menta que era o “regime social” (p. 95) que moldava os corpos e a relação
entre homens e mulheres, o que permite entrever em seu pensamento acer-
ca desse tema certa desnaturalização das diferenças. Em um dos capítulos
centrais de sua referida obra, Gilberto Freyre relaciona a influência diferen-
ciada da casa sobre os sexos, recaindo sobre a mulher a marca de ser mais
“caseira” que o homem:
5
É possível inferir que “menino de sobrado” pode corresponder a “menino branco” e
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É necessário afirmar que corroboro as críticas feitas a Freyre de uma análise do passado
brasileiro, sobretudo da escravidão, fechada em si e idealizadora (IANNI, 1978, p. 83-100).
Destaco também os laivos de racismo e sexismo perpetrados por sua escrita.
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Nas casas classe média as empregadas foram para os porões ditos ha-
bitáveis, como já observamos. Praticamente todas as casas novas ti-
nham porões. Foram raros os quartos de empregada nos quintais, só
mesmo nas velhas moradas. Nas moradias abastadas, os arquitetos,
principalmente os estrangeiros, projetavam quartos de criada dentro
de casa com comunicação interna, como se elas fossem, na verdade
agregadas à família, e não simples serviçais de convívio muito limi-
tado, e para alguns até desagradável. É que as famílias ricas tinham
já empregadas de fora, sempre brancas. (p. 140).8
8
Lemos registra quartos de criada com mais espaços que os habituais em residências
projetadas por arquitetos estrangeiros, mas também brasileiros. (LEMOS, 1976, p. 140).
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ALEX RATTS
DESLOCAMENTOS SOCIOESPACIAIS
DE MULHERES NEGRAS
(1870-1930)
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Constam na bibliografia de Lemos várias obras que abordam as relações raciais, de autores
como Gilberto Freyre, Roger Bastide e Florestan Fernandes.
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ALEX RATTS
Esse fato foi indicado numa entrevista com uma senhora negra que finaliza os depoimentos
10
do livro Memória e sociedade: lembrança de velhos, de Ecléa Bosi (1997, p. 378), notado na
pesquisa de Raquel Rolnik (1997).
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11
Há uma correlação iconográfica entre essas descrições e as fotografias de mães-de-santo
que chefiavam terreiros em São Luís e Salvador, compostas hegemonicamente por mulheres
ou não. (PIERSON, 1971; NUNES PEREIRA, 1979).
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NA ANÁLISE ESPACIAL
ALEX RATTS
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REFERÊNCIAS
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SOBRE AS AUTORIAS
Adnilson de Almeida Silva (adnilsonn@gmail.com)
Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. Atua
nos programas de pós-graduação Mestrado em Geografia e Mestrado e
Doutorado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Universi-
dade Federal de Rondônia. É vice-coordenador do grupo de pesquisa GEP-
CULTURA/UNIR e atua como colaborador na ‘Kanindé’ Associação de
Defesa Etno-Ambiental, bem como no Centro de Estudos da Cultura e do
Meio Ambiente da Amazônia - Rioterra.
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Interseccionalidades, gênero e sexualidades na análise espacial foi
organizado por Maria das Graças Silva Nascimento Silva e
Joseli Maria Silva e editado por
TODAPALAVRA Editora, em Ponta Grossa, Paraná,
no ano de 2014.
Dados técnicos
ISBN: 978-85-62450-37-2
Formato fechado: 160 x 230 mm
Fontes utilizadas: Minion Pro, Britannic Bold
Revisão por Hein Leonard Bowles
Capa, projeto gráfico e diagramação por Dyego Marçal
Impressão por Pallotti Gráfica e Editora
Distribuição: Todapalavra Editora
Tiragem: 500 exemplares
Miolo: com 360 páginas em papel ofsete 90 g/m²
Impressão 1x1 em cor preta
Capa: cartão supremo 240 g/m²
Acabamento: costurado, laminação fosca