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Anestesia

Pediátrica
© Todos os direitos reservados a Editora Atheneu Ltda.
ANESTESIOLOGIA,
REANIMAÇÃO E Outros livros
TERAPIA INTENSIVA de interesse
Almeida – Bloqueadores Neuromusculares em Terapia Intensiva Jatene – Medicina, Saúde e Sociedade
Almiro – Anestesia Regional Intravenosa – Nova Alternativa para Anestesia Regional Knobel – Condutas no Paciente Grave 3a ed. (Vol. I com CD e Vol. II)
Almiro – Dessangramento e Garroteamento dos Membros Inferiores – Suas Aplicações em Cirurgia Knobel – Memórias Agudas e Crônicas de uma UTI
Segmentar e Ortopédica Lopes – Clínica Médica – Equilíbrio Ácido-base e Distúrbio Hidroeletrolítico 2a ed.
Alves – Dicionário Médico Ilustrado Inglês-Português Lopes Guimarães – Parada Cardiorrespiratória
AMIB (Ass. Med. Int. Bras.) – Série Clínicas Brasileiras de Medicina Intensiva de Adultos e Pediátrica Lottenberg – A Saúde Brasileira Pode Dar Certo
Vol. 2 Gomes do Amaral – Sedação, Analgesia e Bloqueio Neuromuscular em UTI Mantovani – Suporte Básico e Avançado de Vida no Trauma
Vol. 4 Timerman – Ressuscitação Cardiopulmonar Marcopito Santos – Um Guia para o Leitor de Artigos Científicos na Área da Saúde
Vol. 5 Terzi – Monitorização Respiratória em UTI Marlus – Hipnose na Prática Clínica
Vol. 14 Terzi – Monitorização Hemodinâmica em UTI (Vol. 1) Básico Massafuni Yamashita – Anestesia em Obstetrícia
Vol. 15 Terzi – Monitorização Hemodinâmica em UTI (Vol. 1I) Avançado Moraes Passos – Hipnose – Aspectos Atuais
Vol. 16 Terzi – Equilíbrio Hidroeletrolítico e Reposição Volêmica em UTI Morales – Terapias Avançadas – Células Tronco
AMIB/Cruz – Neurointensivismo Negreiros – Manual de Anestesia em Obstetrícia – Teoria, Prática, Ilustrações, Questões Comentadas
APM-SUS – O Que Você Precisa Saber sobre o Sistema Único de Saúde e Referências
APM-SUS – Por Dentro do SUS Lopes Palandrini – Doença Coronária
Bonaccorsi – Disfunção Sexual Masculina – Tudo o Que Você Precisa Saber Nitrini – A Neurologia Que Todo Médico Deve Saber 2a ed.
Bonassa e Carvalho – Atualização em Ventilação Pulmonar Mecânica Nocite – Anestesiologia – Revisão e Atualização de Conhecimentos
Brandão Neto – Prescrição de Medicamentos em Enfermaria Novais – Como Ter Sucesso na Profissão Médica – Manual de Sobrevivência 3a ed.
Canetti e Santos – Manual de Socorro de Emergência OMS – (Organização Mundial de Saúde) – Alívio da Dor do Câncer
Cangiani – Anestesia Ambulatorial Pena Guimarães – Ressuscitação Cardiopulmonar
Carvalho – Ventilação Mecânica (Vol. 1) Básico Perrotti-Garcia – Curso de Inglês Médico
Carvalho e Barbosa – Ventilação não Invasiva em Neonatologia e Pediatria – Série Terapia Intensiva Perrotti-Garcia – Dicionário Português-Inglês de Termos Médicos
Pediátrica e Neonatal (Vol. 1) Perrotti-Garcia – Grande Dicionário Ilustrado Inglês-Português de Termos Odontológicos e de
Carvalho e Jiménez – Ventilación Pulmonar Mecánica en Pediatria (edição em espanhol) Especialidades Médicas
Carvalho, Proença e Hirschheimer – Ventilação Pulmonar Mecânica em Neonatologia e Pediatria 2a ed. Protásio da Luz – Nem Só de Ciência se Faz a Cura 2a ed.
Carvalho, Troster e Bousso – Algoritmos em Terapia Intensiva Pediátrica, Neurologia e Emergências Rocha e Silva – Série Fisiopatologia Clínica
Pediátricas Vol. 3 Carvalho – Fisiopatologia Respiratória
Costa Auler – Manual Teórico de Anestesiologia para o Aluno de Graduação Rotellar – ABC das Alterações do Balanço Hidroeletrolítico e Ácido-Base – Texto Ilustrado com
Costa Auler – Monitorização da Mecânica Respiratória Cartoons para os Estudantes de Medicina, Enfermagem e Nutrição
Costa Orlando – AMIB Russel – Pressão Venosa Central na Prática Médica
Costa Orlando – UTI: Muito Além da Técnica SAESP (Soc. Anest. Est. SP)
Decourt – A Didática Humanista de um Professor de Medicina TSA – Curso de Atualização/92
Delfino – Controvérsias em Anestesiologia Anestesiologia 93/94
Delfino – Anestesia Peridural – Atualização e Perspectiva Anestesiologia 96
Dias Rego – Reanimação Neonatal Anestesiologia 2000/2001
Drummond – Dor – O Que Todo Médico Deve Saber SAESP – Anestesia para Pacientes com Obesidade Mórbida (Vol. 10)
Drummond – Dor Aguda – Fisiopatologia, Clínica e Terapêutica SAESP – Tratado de Anestesiologia (2 Vols.)
Drummond – Medicina Baseada em Evidências 2a ed. Segre – A Questão Ética e a Saúde Humana
Feldman – Princípios de Ressuscitação Soc. Bras. Clínica Médica – Série Clínica Médica Ciência e Arte
Figueiró – Dor e Saúde Mental Lopes – Equilíbrio Ácido-base e Hidroeletrolítico 2a ed. revista e atualizada
Figueiró e Bertuol – Depressão em Medicina Interna e em Outras Condições SPSP Souza – Atualizações em Terapia Intensiva Pediátria
Médicas – Depressões Secundárias Timerman – ABC da RCP – Salvando Vidas
Fortuna – O Pós-Operatório Imediato em Cirurgia Cardíaca – Guia para Intensivistas, Timerman – Desfibrilação Precoce – Reforçando a Corrente de Sobrevivência
Anestesiologistas e Enfermagem Especializada Vilela Ferraz – Dicionário de Ciências Biológicas e Biomédicas
Galvão – O Choque – Etiofisiopatogenia, Clínica e Terapêutica Vincent – Internet – Guia para Profissionais da Saúde 2a ed.
Goldenberg – Coluna: Ponto e Vírgula 7a ed. Walter Tavares – Antibióticos e Quimioterápicos para o Clínico (Livro Texto e Livro Tabelas)
Gomes do Amaral – Medicina Intensiva para Graduação – UNIFESP/EPM Xenon – Xenon 2008 – O Livro de Concursos Médicos (2 vols.)
Gomide do Amaral e Costa Auler – Assistência Ventilatória Mecânica Yamashita – Anestesia em Obstetrícia
Gottschal – Do Mito ao Pensamento Científico 2a ed. Zago Covas – Células-Tronco
Hospital Israelita Albert Einstein – Protocolos de Conduta do Hospital Israelita Albert Einstein
Ivan Lemos – Dor Crônica – Diagnóstico, Pesquisa e Tratamento

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Anestesia
Pediátrica
Editores
José Otávio Costa Auler Junior
Professor Titular da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Diretor Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Suzana Barbosa de Miranda Teruya


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Coordenadora do Serviço de Anestesia do Hospital e Pronto-socorro Sabará.

Rosana dos Santos Machado Jacob


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Emília Aparecida Valinetti


Portadora do Título Superior em Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA).
Médica Anestesiologista e Supervisora da Equipe de Anestesia do Instituto da Criança do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Mestre em Anestesiologia pela FMUSP. Doutora em Ciências pela FMUSP
Co-responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
(CET-SBA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HC-FMUSP).
Membro do Comitê de Anestesia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).
Membro da Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP).

São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte


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EDITORA ATHENEU São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30
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Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — Conj. 1.104

Produção editorial: Sandra Regina Santana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Anestesia pediátrica / Editores José Otávio Costa Auler Junior, Suzana Barbosa de
Miranda Teruya, Rosana dos Santos Machado Jacob, Emília Aparecida Valinetti.
– São Paulo: Atheneu, 2008.

556 p. ; 21 x 28 cm

ISBN 978-85-7379-989-7
Vários colaboradores

1. Pediatria. 2. Anestesiologia. I. Auler Junior, José Otávio Costa (ed.). II. Teruya,
Suzana Barbosa de Miranda (ed.). III. Jacob, Rosana dos Santos Machado
(ed.). IV. Valinetti, Emília Aparecida (ed.). V. Título.

CDD 618.9296

Índices para catálogo sistemático:


1. Pediatria 618.92
2. Anestesiologia 617.96

Auler , J.O.C.; Miranda, S.; Jacob, R.; Valinetti, E.A.


Anestesia Pediátrica
©Direitos reservados à Editora atheneu — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2008

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Colaboradores

Adilson Hamaji
Médico Anestesiologista e Supervisor de Anestesia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC-FMUSP).
Coordenador do Núcleo de Bloqueios da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP).
Membro do Comitê de Subespecialidade de Bloqueio Regional da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).

Amélia Gorete Reis


Chefe do Pronto-socorro do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Mestre em Pediatria pelo Departamento de Pediatria da FMUSP.
Médica do Pronto-socorro do Hospital Albert Einstein.

André Luís Albiero


Mestre e Doutor em Medicina.
Médico Especialista em Hematologia e Hemoterapia da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo.
Médico Responsável pelo Banco Sangue do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Angélica de Fátima Assunção Braga


Livre-docente do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de
Campinas (FCM-Unicamp).

Anna Maria Falchetto


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Armando Fortuna
Livre-docente em Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (FCM-Santos).
Ex-professor Titular de Anestesiologia da FCM-Santos.
Ex-chefe do Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET-SBA) do Hospital
da Beneficência Portuguesa de Santos.
Bacharel em Direito pela Faculdade Católica de Santos.

Carla Marília Nogueira Magalhães


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Doutora pela FMUSP.

Carlos Alberto da Silva Junior


Professor Titular de Anestesiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Fellow of British Columbia’s Children’s Hospital em Vancouver – Canadá.

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Carlos Roberto Jorge
Especialista em Hemoterapia pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH).
Médico da Fundação Pró-sangue/Hemocentro de São Paulo.
Responsável pela Agência Transfusional do Centro Cirúrgico do Instituto Central do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

Charlize Kessin
Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP) e do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

Claudia Marquez Simões


Médica Anestesiologista do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (IC-HC-FMUSP) e do Hospital Sírio-Libanês (HSL).
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET-SBA) do HSL.

Cláudia Regina Flório


Médica Anestesiologista do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

Cristiane Freitas Pizarro


Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Médica Assistente do Centro de Terapia Intensiva Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Coordenadora da Pediatria e da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Estadual de Vila Alpina.

Daniela Bianchi Garcia Gomes


Portadora do Título Superior em Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA).
Médica Anestesiologista do Hospital Pequeno Príncipe.
Co-responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET-SBA) do
Hospital Universitário Cajuru.
Membro do Comitê de Anestesia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).

Débora de Oliveira Cumino


Portadora do Título Superior em Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA).
Médica Anestesiologista do Hospital Pequeno Príncipe.
Co-responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET-SBA) do
Hospital Universitário Cajuru.
Vice-presidente da Sociedade Paranaense de Anestesiologia (SPA).

Eduardo Juan Troster


Professor Livre-docente do Departamento de Pediatria da Universidade de São Paulo.
Coordenador das Emergências do Instituto da Criança.
Coordenador do Centro de Terapia Intensiva Pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein.

Eliana Laurenti
Médica Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
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Fernando Antoniali
Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

Fernando Bueno Pereira Leitão


Professor Associado da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Instrutor dos Cursos de ATLS e BLS.

Filomena Regina Barbosa Gomes Galas


Médica Anestesiologista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP).
Médica Supervisora da Unidade de Recuperação Pós-cirúrgica do InCor-HC-FMUSP.
Médica da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Sírio-Libanês (HSL).

Giselle Christine P. Villar


Fellow em Anestesia do Mount Sinai Hospital da University of Toronto, em Toronto – Canadá.
Ex-Co-responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET-SBA)
do Hospital da Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Glória Maria Braga Potérrio


Livre-docente do Departamento da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM-Unicamp).
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento (CET) da Unicamp.
Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP) – Gestão 2008.

Graziella Prianti Cunha


Médica Anestesiologista do Hospital Edmundo Vasconcelos (SAHGA) e do Hospital São Paulo.

Hermano Augusto Lobo


Médico Assistente da Equipe de Controle de Dor da Disciplina Anestesiologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP).
Chefe do Serviço de Anestesiologia, Dor e Gasoterapia do Hospital de Aeronáutica de São Paulo.

Hiroshi Ohira
Médico Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP) e do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Irimar de Paula Posso


Livre-docente em Terapêutica Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Associado da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP.
Professor Titular Disciplina de Anestesiologia da Universidade de Taubaté.

Jai Man Lee


Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Edmundo Vasconcelos (SAHGA).

João Gilberto Maksoud


Professor Titular de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
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José Reinaldo Franco Azevedo
Médico Anestesiologista do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

Jyrson Guilherme Klamt


Professor Assistente Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP).

Kátia Yukie Yamamoto de Souza


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Leila Adissy Ferrari


Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HCFMUSP).

Lourenço Sbragia Neto


Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de
Campinas (FCM-Unicamp).
Fellow Research do Fetal Treatment Center da University of California, em San Francisco – Estados Unidos.

Luís Vicente Garcia


Professor Assistente Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP).

Marcelo de Carvalho
Médico Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).
Farmacêutico.
Mestre em Farmacologia pela Universidade de Campinas (Unicamp).

Marcelo Luis Abramides Torres


Doutor em Medicina Anestesiológica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1995).
Professor Disciplina de Anestesiologia da FMUSP.

Mario José da Conceição


Professor da Disciplina Anestesiologia da Fundação Universidade Blumenau.
Anestesiologista em Pediatria do Hospital Joana de Gusmão.

Massako Ishimura
Médica Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Miriam Nóbrega Rodrigues Pereira


Médica Anestesiologista do Hospital de Base do Distrito Federal.

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Nelson Mizumoto
Mestre em Farmacologia pela Universidade de São Paulo.
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Médico Anestesiologista e Supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP).

Nilza Mieko Iwata


Professora Assistente da Disciplina de Anestesiologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de
Medicina da (Unifesp/EPM).
Médica Anestesiologista do Hospital Edmundo Vasconcelos (SAHGA).

Norma Sueli Pinheiro Módolo


Professora Adjunta Livre-docente do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Pércio Ramon Becker Benitez


Médico Anestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Railton César G. de Abrantes


Médico Anestesiologista do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HU-FMUSP) e do Serviço de Atendimento Médico de Urgência de São Paulo (SAMU).

Ricardo Antonio Guimarães Barbosa


Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (UNILUS)
Médico Anestesiologista e Supervisor do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (InRad-HC-FMUSP).

Ricardo Vieira Carlos


Médico Anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICr-HC-FMUSP) e do Pró-matre Paulista.
Membro do Comitê de Anestesia Obstétrica da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).
Membro da Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (SAESP).

Roberto Guarniero
Livre-docente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Chefe da Disciplina de Ortopedia Pediátrica do HC-FMUSP.

Sérgio B. Bezerra de Sousa


Médico Assistente da Equipe Médica de Anestesia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC-FMUSP).
Anestesiologista da Disciplina de Anestesiologia do HC-FMUSP.

Sérgio Bernardo Tenório


Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Preceptor da Residência de Anestesia Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe.
Silvia Corrêa Soares
Médica Anestesiologista do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (IC-HC-FMUSP).

Tânia M. Shimoda Sakano


Médica Pediatra do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (ICr-HC-FMUSP).

Valéria Baraldi Melhado


Médica Anestesiologista do Hospital da Beneficência Portuguesa de Santos.
Membro do Núcleo de Via Aérea Difícil da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (NVAD-SAESP).

Wagner Kuriki
Médico Assistente da Equipe Médica de Anestesia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT–HC-FMUSP).
Anestesiologista da Disciplina de Anestesiologia do HC-FMUSP.

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Agradecimentos

Às crianças, porque foram o mote na trajetória de cada um de nós que


culminou na publicação de um livro dedicado ao seu universo particular.
À Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo.
Aos membros da Equipe de Anestesiologia do Instituto da Criança da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
À Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Ao Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo.
Aos colaboradores desta edição e a todos que direta ou indiretamente
colaboraram na elaboração desta obra e a incentivaram.

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Prefácio

“O único lugar no mundo onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.”


Vidal Sassoon

A anestesia, e particularmente a anestesia pediátrica, apresentou grandes progressos nas últimas décadas,
podendo-se mesmo dizer que houve um divisor de águas na anestesia da criança.
O advento de novos agentes anestésicos, novos dispositivos para o manuseio da via aérea difícil,
incluindo a ventilação monopulmonar e equipamentos, que permitem a ventilação mecânica com
segurança no centro cirúrgico, foram fundamentais para o desenvolvimento da especialidade.
Paralelamente, o anestesiologista pediátrico acompanhou essa evolução aprofundando
seus conhecimentos técnico-científicos, que permitiram o manuseio com segurança
de crianças de diferentes graus de complexidade e gravidade.
A disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo alcança mais
um êxito na produção deste livro-texto dirigido aos anestesiologistas pediátricos e àqueles que pela arte
se empenham em realizar o melhor. Isto só foi possível pela dedicação desprendida dos colaboradores na
elaboração dos capítulos que compõem este livro.
Finalmente o sonho da equipe de anestesiologistas pediátricos do Instituto da Criança
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo tornou-se realidade.
Este sucesso, entretanto, deve ser compartilhado com vários outros especialistas que se empenharam
na construção desta obra.
Parabéns a todos os colaboradores e idealizadores que permitiram que essa publicação se tornasse possível; com
certeza o universo dos anestesiologistas ganhará mais um produto científico de grande valia.

São Paulo, maio de 2008.


Prof. José Otávio Costa Auler Junior

© Todos os direitos reservados a Editora Atheneu Ltda.


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Sumário

SEção 1 – Princípios da anestesia pediátrica


1 História da Cirurgia Pediátrica, 3
João Gilberto Maksoud

2 História da Anestesia Pediátrica, 7


Armando Fortuna
Valéria Baraldi Melhado

3 Responsabilidade Ética e Legal em Anestesia Pediátrica, 21


Irimar de Paula Posso

4 Pré-anestésico em Pediatria, 35
Suzana Barbosa de Miranda Teruya

5 Particularidades da Fisiologia Infantil, 43


Norma Sueli Pinheiro Módolo

6 Composição dos Fluidos Corporais e Reposição Hidroeletrolítica, 71


Emília Aparecida Valinetti

7 Coagulação e Hemocomponentes, 87
Carlos Roberto Jorge
André Luís Albiero

8 Agentes Inalatórios, 97
Miriam Nóbrega Rodrigues Pereira

9 Agentes Endovenosos, 113


Mario José da Conceição

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10 Relaxantes Musculares em Pediatria, 121
Leila Adissy Ferrari

11 Manuseio de Vias Aéreas e Ventilação, 137


José Otávio Costa Auler Junior
Marcelo Luis Abramides Torres
Ricardo Vieira Carlos

12 Acessos Venosos para Anestesia Neonatal, 181


Glória Maria Braga Potérrio
Angélica de Fátima Assunção Braga
Lourenço Sbragia Neto
Fernando Antoniali

13 Anestesia Regional, 199


Anna Maria Falchetto
Massako Ishimura
Ricardo Vieira Carlos

14 Recuperação Pós-anestésica e Manuseio da Dor, 233


Giselle Christine P. Villar

15 Implicações Anestésicas de Síndromes e Desordens Comuns na Anestesia Pediátrica, 249


Carla Marília Nogueira Magalhães
Charlize Kessin
Kátia Yukie Yamamoto de Souza
Marcelo de Carvalho

SEção 2 – Procedimentos anestésicos específicos


16 Anestesia para Emergências Neonatais da Cirurgia Geral e Prematuridade, 285
Pércio Ramon Becker Benitez
Hiroshi Ohira

17 Anestesia para Neurocirurgia, 311


Nelson Mizumoto

18 Anestesia para Otorrinolaringologia, 343


Eliana Laurenti
Suzana Barbosa de Miranda Teruya
Claudia Marquez Simões

19 Anestesia para Cirurgia Torácica, 357


Nilza Mieko Iwata
Graziella Prianti Cunha
Jai Man Lee

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20 Anestesia para Cirurgia Abdominal, 381
Sérgio Bernardo Tenório
Daniela Bianchi Garcia Gomes
Débora de Oliveira Cumino

21 Anestesia na Criança Queimada, 399


Luís Vicente Garcia
Jyrson Guilherme Klamt

22 Anestesia para Cirurgia Cardíaca Pediátrica, 411


Filomena Regina Barbosa Gomes Galas
José Otávio Costa Auler Junior

23 Anestesia para Procedimentos Ortopédicos , 427


Adilson Hamaji
Wagner Kuriki
Sérgio B. Bezerra de Sousa
Roberto Guarniero

24 Anestesia para Cirurgia Urológica, 437


Silvia Corrêa Soares

25 Anestesia para Procedimentos Diagnósticos e Terapêuticos Fora do Centro Cirúrgico, 451


Ricardo Antonio Guimarães Barbosa
Cláudia Regina Flório
José Reinaldo Franco Azevedo

26 Anestesia Ambulatorial, 461


Carlos Alberto da Silva Junior

27 Transplante de Fígado, 467


Rosana dos Santos Machado Jacob
Suzana Barbosa de Miranda Teruya

28 Traumatismo em Pediatria, 477


Fernando Bueno Pereira Leitão
Hermano Augusto Lobo
Railton César G. de Abrantes

29 Bases do Tratamento Intensivo e Choque, 509


Eduardo Juan Troster
Cristiane Freitas Pizarro

30 Ressuscitação Cardiopulmonar em Pediatria, 519


Tânia M. Shimoda Sakano
Amélia Gorete Reis

Índice Remissivo, 535

© Todos os direitos reservados a Editora Atheneu Ltda.


1
Seção

Princípios
da anestesia
pediátrica

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Capítulo 1
His tó r ia da C i r u r g i a P ed i á t r i ca

João Gilberto Maksoud

Muitos cirurgiões pediátricos consideram o fa- niente de Nova York, aguardava oportunidade para
tídico episódio ocorrido no porto de Halifax, na seguir para Bordeaux, na França. Durante a 1a
Nova Escócia, o marco histórico que deu origem Guerra Mundial, o porto de Halifax tinha posição
à especialidade da Cirurgia Pediátrica. Vale a pena estratégica para reforço de guerra, pois nele passa-
discorrer sobre esse evento, embora, como foi vam tropas, armamentos e grande quantidade de
posteriormente comprovado, o referido episódio material bélico provenientes dos Estados Unidos
apenas tenha permitido mostrar ao mundo, com com destino à Europa.
bastante dramaticidade, uma nova especialidade O navio francês, que desenvolvia pequena ve-
que estava nascendo no coração do seu mais im- locidade de navegação, estava à espera de um
portante protagonista, o Dr. William Ladd, jovem comboio de apoio para atravessar com seguran-
cirurgião de Boston. ça o Atlântico Norte. O S.S. Mont Blanc estava
No dia 6 de dezembro de 1917, ainda no curso carregado com 200 toneladas de TNT, 2.300 to-
da 1a Guerra Mundial, ocorreu um terrível aciden- neladas de ácido pícrico e 3,5 toneladas de ben-
te no porto de Halifax que vitimou milhares de zol, combustível de alta octanagem. Em tempo de
pessoas. Nesse dia, duas embarcações colidiram, paz, jamais teria sido permitida a ancoragem, em
um navio francês – o S.S. Mont Blanc – e o navio qualquer porto, de navio com carga tão perigosa.
S.S. Imo, de bandeira norueguesa. O S.S. Mont O S.S. Imo, que fazia escala técnica em Halifax,
Blanc, ancorado no porto de Halifax e transpor- era proveniente da Holanda e tinha como destino
tando pesada carga de munição, foi abalroado pelo final o porto de Nova York, onde deveria receber
o S.S. Imo, o que desencadeou uma catástrofe de suprimentos para serem transportados para a Euro-
enormes proporções. O S.S. Mont Blanc, prove- pa. Esse navio, em manobra até hoje desconhecida,

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colide com a lateral do S.S. Mont Blanc, onde es- na realidade, sua participação em Halifax não teve
tava armazenado o ácido pícrico, altamente infla- qualquer influência na escolha de sua nova espe-
mável, iniciando grande incêndio. A tripulação do cialidade, pois desde 1908 já vinha se dedicando
S.S. Mont Blanc, conhecendo sua perigosa carga e voluntariamente à cirurgia de crianças não só no
prevendo o iminente desastre, abandonou o navio. Children’s Hospital como no Boston City Hospi-
Outras embarcações e vários trabalhadores do por- tal2. Tanto isso é verdade que anos antes, em 1911 e
to vieram ao auxílio do navio em chamas, quando 1913, publicara dois artigos médicos sobre invagi-
ocorre a maior explosão não-nuclear da história da nação intestinal em crianças3,4. Embora o episódio
humanidade1. de Halifax não tenha sido decisivo na escolha da
Criou-se uma situação muito especial porque, especialidade, a campanha humanitária e heróica
enquanto várias pessoas se afastavam em pânico do do Dr. Ladd no local o colocou em grande evidên-
navio, outras a ele se dirigiam para auxiliar no com- cia e destaque na mídia. Por isso, no seu retorno
bate ao incêndio. Com a explosão foram destruídas a Boston, Dr. Ladd foi nomeado cirurgião-chefe
várias edificações portuárias numa área de 3 km2. do Children’s Hospital de Boston, onde passou a
Aproximadamente 1.700 edifícios foram instanta- desenvolver toda a sua atividade médica. Logo foi
neamente destruídos e 12.000 ficaram avariados. acompanhado pelo Dr. Robert E. Gross e, juntos,
Nesse fatídico dia houve a contabilização inicial de após anos de experiência, publicaram o primei-
2 mil mortos e 3 mil feridos, e a proximidade não ro livro da especialidade, que logo se tornou um
só de um orfanato como de uma escola fez com clássico, o famoso Abdominal Surgery of Infant and
que o número de crianças feridas fosse particular- Childhood, publicado pela Saunders em 1941.
mente alto. O Children’s Hospital de Boston torna-se o
Logo houve rápida resposta humanitária da centro da Cirurgia Pediátrica e logo jovens cirur-
população e do país vizinho. A Cruz Vermelha de giões vão conhecer a nova especialidade médica
Boston providenciou o envio de um grupo de cirur­ que despontava, passando a acumular experiência
giões e enfermeiras em auxílio às vítimas, entre no diagnóstico e tratamento das afecções cirúrgicas
os quais Dr. William E. Ladd, que se encarregou da criança. A partir daí, os hospitais universitários
notadamente do tratamento das crianças feridas. passam a adotar programas específicos de treina-
Esse médico permaneceu em Halifax até o dia 14 mento, o primeiro deles fundado em 1937, no
de janeiro de 1918, encarregado do hospital ins- Children’s Hospital de Boston, pelo próprio Dr.
talado no Colégio Católico, onde se concentrou Ladd. Segue-se o trabalho do Dr. Willis Potts, em
grande número de crianças feridas. Esse episódio 1945, em Chicago, e o do Dr. C. E. Koop, em
teve grande repercussão na imprensa mundial, no- 1946, no Children’s Hospital da Filadélfia. O Dr.
tadamente nos Estados Unidos. O papel do Dr. Koop, anos mais tarde, seria o ministro da Saúde
Ladd como cirurgião das crianças feridas foi am- dos Estados Unidos5.
plamente noticiado e ressaltado na imprensa, fato No Brasil, no início da década de 1950, o único
que o identificou com a cirurgia de crianças, tendo médico a se dedicar exclusivamente à cirurgia de
aí nascido aos olhos da população civil a caracteri- crianças foi o Dr. Auro S. Amorim. Talvez por ser
zação de nova especialidade. o primeiro, pouco se sabe a respeito de suas ati-
Algumas décadas depois, em 1963, o Dr. Ladd vidades e de suas realizações. Ainda nessa década,
recebeu uma carta indagando a respeito da influ- a especialidade ganha enorme impulso, acompa-
ência que o episódio de Halifax teve, efetivamente, nhando o grande entusiasmo internacional, quan-
na escolha da futura especialidade: a cirurgia pe- do cirurgiões de todo o mundo vão a Boston para
diátrica. O Dr. Ladd respondeu afirmando que, um primeiro contato com a Cirurgia Pediátrica.

4 An e s t e s ia Pe diátrica

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O mesmo ocorreu no Brasil, e o Dr. Virgílio Alves sobrevida no Brasil de criança portadora de atre-
de Carvalho Pinto, com bolsa da Rockfeller Foun- sia de esôfago por meio de anastomose primária.
dation, faz estágio com o Dr. Robert E. Gross na A individualização da especialidade torna-se cada
Harvard Medical School. Logo a seguir, o Dr. Fá- vez mais evidente, e esse simples feito traz grande
bio Dória do Amaral faz estágio em Seattle com o impulso conceitual para a Cirurgia Pediátrica bra-
Dr. Alexander Bill, da primeira geração dos discí- sileira.
pulos do Dr. Ladd. Hoje, passados vários anos, reconhecemos o
Isso permitiu que, em 1955, fosse criada a cá- quanto devemos a esses pioneiros que lutaram com
tedra de Cirurgia Pediátrica na Faculdade de Me- dedicação e entusiasmo para a caracterização, acei-
dicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Ca- tação e implantação da especialidade.
tólica de São Paulo, a primeira cátedra de Cirurgia Em 1964 foi fundada a Sociedade Brasileira de
Pediátrica do Brasil. No ano seguinte, em 1956, Cirurgia Pediátrica, tendo como seu primeiro pre-
foi criada a disciplina Cirurgia Pediátrica no De- sidente o Dr. Virgílio Alves de Carvalho Pinto, e
partamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina como sede da Sociedade uma sala no 5o andar da
da Universidade de São Paulo. Ambos os serviços Faculdade de Medicina da USP. Ali permanece por
foram inicialmente chefiados pelo Dr. Virgílio Al- vários anos até a aquisição de sede própria, na ges-
ves de Carvalho Pinto, que se destaca como verda- tão do Dr. Pinus como presidente da Sociedade.
deiro pioneiro da especialidade no Brasil. No ano Em 1966 foi realizado em São Paulo o I Congresso
seguinte, é criado o Serviço de Cirurgia Pediátrica Brasileiro de Cirurgia Pediátrica, ao qual se segui-
do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista ram vários outros, sem interrupção, com freqüên-
de Medicina sob a chefia do Dr. José Pinus, que, cia bianual.
com o Dr. Fábio Dória do Amaral na Santa Casa Em 1967 é criada, pelo Dr. João Gilberto Mak-
de São Paulo e o Dr. Vilhena de Morais no Hospi- soud, a primeira Residência de Cirurgia Pediátrica
tal da Cruz Vermelha de São Paulo, passa a cons- do Brasil, no Serviço de Cirurgia Pediátrica do De-
tituir focos de difusão da especialidade. O Serviço partamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina
de Cirurgia Pediátrica da Escola Paulista de Medi- da USP. Inúmeros ex-residentes ali formados hoje
cina, hoje Unifesp, ganha grande destaque no en- ocupam posição de destaque no ensino da especia-
sino e na difusão da especialidade. Vários médicos lidade, em várias universidades, serviços e estados
recém-formados ou cirurgiões já formados, pro- do país.
venientes de vários estados brasileiros, vêm fazer A regulamentação da residência em Cirurgia
estágios nesses centros de excelência e voltam aos Pediátrica foi outro passo significativo para a me-
seus estados de origem, onde criam serviços espe- lhoria do ensino da especialidade. Antes de 1968, o
cializados. Dessa forma, em todo o país são criados ingresso nos poucos programas de treinamento não
serviços para o tratamento cirúrgico da criança, os tinha qualquer regulamentação e era feito por resi-
quais conseguem reconhecimento dos médicos e dentes sem qualquer treinamento cirúrgico prévio,
das universidades pela crescente melhoria dos re- recém-graduados inclusive por médicos com está-
sultados obtidos, notadamente no tratamento das gio e treinamento prévio exclusivo em Pediatria.
malformações congênitas. Depois de muitos anos de discussão e embate po-
Antes dessa fase de consolidação da nova espe- lítico, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediá­trica
cialidade, em 1952, a equipe do Dr. Virgílio Al- conseguiu felizmente aprovar a obrigatoriedade do
ves de Carvalho Pinto, constituída por ele mesmo, pré-requisito de dois anos de residência em Cirur-
pelo Dr. Pinus e pelo Dr. Vilhena, consegue um gia Geral. Está hoje consolidada a regulamentação
feito inédito e expressivo: a obtenção da primeira de que o ingresso em residência de Cirurgia Pediá-

Hi s tór i a d a C i r u r g i a P e d i á t r i c a 5

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trica, com duração de três anos, só é possível após talidade no tratamento cirúrgico dessa anomalia
residência de dois anos em Cirurgia Geral, uma congênita em não-portadores de outra malforma-
grande conquista da especialidade na formação de ção grave associada. O megacolo congênito é atu-
profissionais competentes. Atualmente, todas as es- almente tratado com muito mais simplicidade do
colas médicas possuem em seu currículo o ensino que na década de 1990. As crianças portadoras des-
da Cirurgia Pediátrica, fato que consolida ainda sa afecção recebem alta em 2 a 3 dias após a cirur-
mais a especialidade. gia, ao invés de 30 a 40 dias. As cirurgias neo­natais,
Em 1974 foi realizado em São Paulo o V de modo geral, são realizadas mais precocemente,
Congresso Brasileiro, o IV Pan-americano e o com mais segurança e com melhores resultados
IIIo Simpósio Mundial de Cirurgia Pediátrica, reu- do que há poucas décadas. Muitas doenças cirúr-
nindo 1.285 participantes de 43 países, número gicas da criança e do recém-nascido são passíveis
impressionante para a época e para a especialidade. de serem tratadas pela cirurgia videolaparoscópica,
O destaque desse evento foi a fundação da World acompanhando a explosiva evolução que observa-
Federation of Associations of Pediatric Surgeons, mos com esse método cirúrgico. O transplante de
assumindo o Brasil a vice-presidência na pessoa do órgãos, notadamente o transplante de fígado, tem
então Prof. José Pinus, o qual permanece neste pos- na criança grande campo de aplicação e, na maioria
dos centros, a cirurgia é realizada por equipes de
to ainda hoje.
cirurgiões pediátricos.
Em 1975 é instalado o primeiro laboratório de
Toda essa impressionante evolução técnica no
pesquisa em Cirurgia Pediátrica, o Laboratório de
campo da Cirurgia Pediátrica só foi alcançada com
Investigação em Cirurgia Pediátrica, na Faculdade
a evolução simultânea e paralela de outras especia-
de Medicina da USP, por ocasião da gestão do Prof.
lidades, notadamente da Anestesia Pediátrica, que
Carlos da Silva Lacaz como diretor desta faculda-
permite a realização de procedimentos cirúrgicos
de. Nesse laboratório, foram concluídos inúmeros
extensos e complexos com segurança, e de outros
trabalhos de pesquisa, garantindo a conquista de
procedimentos técnicos realizados com qualidade
vários prêmios médicos. Também foram implan-
e eficiência, como a endoscopia digestiva, a radio-
tadas as bases técnicas, cirúrgicas e o treinamento
logia, os procedimentos de radiologia invasiva e o
intensivo do Programa de Transplante de Fígado
domínio da ventilação mecânica e dos cuidados in-
do Instituto da Criança (FMUSP), que contabili- tensivos na criança.
zou em, agosto de 2003, 219 transplantes de fíga-
do realizados.
Referências Bibliográficas
Do ponto de vista de evolução técnica, a Cirur-
gia Pediátrica teve um crescimento impressionante 1. Nance ML. The Halifax disaster of 1917 and the bir-
th of North American pediatric surgery. J Pediatr Surg
em pouco mais de 30 anos. A sobrevida na cirurgia
2001;36:405-8.
neonatal deu um salto significativo. Malformações 2. Zwiren GT. Correspondence to and reply from Dr.
congênitas, que há poucos anos apresentavam alto William E. Ladd. J Pediatr Surg 2001;36:1606.
índice de mortalidade, hoje têm excelente índice de 3. Ladd WE. Treatment of intussusception in children.
sobrevida. Por exemplo, há poucos anos uma única Bost Med Surg J 1911;164:712-14.
4. Ladd WE, Stone J. Progress and treatment of intussus-
sobrevida de recém-nascido portador de atresia do ception. Bost Med Surg J 1913;168:542-4.
esôfago era comemorada com destaque. Atualmen- 5. Fonkalsrud EW. Pediatric surgery advances into the
te, há consciência de que não deve ocorrer mor- university hospital. J Pediatr Surg 2001;36:409-15.

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Capítulo 2
Hist ó ria da A n es t es i a P e d i á t r i c a

Armando Fortuna
Valéria Baraldi Melhado

Anestesia Geral Pediátrica mão por oclusão intermitente do ramo expiratório


e, assim, realizar uma ventilação controlada15,16.
De 1846 a 1960

A técnica mais comum empregada em crianças


desde a introdução da anestesia, em 1846, foi a da
máscara aberta utilizando-se o éter1.
Mais tarde, para facilitar a indução, o cloreto
de etila e o éter divinílico10 foram usados, sendo o
cloreto de etila posteriormente abandonado pela
alta incidência de arritmias, muitas vezes fatais.
O “enterro” desse agente veio com o trabalho de
Bush et al.14, mostrando que a fibrilação ventricu-
lar e a parada cardíaca geralmente ocorriam antes
da apnéia.
A máscara aberta permitiu a evolução para a
anestesia endotraqueal, sendo o tubo colocado após
se atingir um plano anestésico com éter suficiente
para o relaxamento muscular. Sir Ivan Magill e
Rowbotham foram os pioneiros neste capítulo1,10.
Inicialmente se usou o “T” de Ayre (Fig. 2.1) na
parte proximal do tubo, que permitia inflar o pul- Fig. 2.1 – “T” de Ayre

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Gradualmente, esse método foi substituído por Com a introdução da cal sodada como absor-
sistemas contendo uma bolsa e válvula expiratória vedor do CO2 expirado, dos aparelhos de anestesia
(Fig. 2.2) do tipo Digby Leigh, Stephen, Frumin e portando medidores de gases, do tipo aquômetro e
Ruben, de mais fácil manejo5,7,10. rotâmetro, e especialmente depois do aparecimen-
to do ciclopropano, em 1934, o sistema dito “fe-
chado”, vai-e-vem, idealizado por Waters (1926),
tornou-se bastante popular1.
Em meados da década de 1950 apareceram fil-
tros circulares utilizando válvulas leves, do tipo de
Digby Leigh (Fig. 2.3) e Bloomquist (Fig. 2.4),
ideais para anestesias pelo ciclopropano e que po-
diam também ser utilizados com o éter e o óxido
nitroso sem problemas2,7,10,12.

Fig. 2.2 – Válvulas expiratórias.

Estes, por sua vez, cederam lugar, em sua quase


totalidade, à utilização do circuito originalmente ide-
alizado por Jackson Rees e suas modificações (Anis
Baraka, Bain) simples e sem válvulas, o que facilitou
sobremaneira o controle eficaz da ventilação em todos
os momentos, sem a complicação representada por
válvulas inspiratórias e expiratórias, sempre sujeitas a
dificuldades mecânicas inerentes ao sistema6.
No entanto, a poluição de ambientes cirúrgi-
cos por gases e vapores anestésicos passou a limi-
tar cada vez mais o uso de sistemas semi-abertos,
como Jackson Rees ou Baraka, em países desen-
volvidos. Somente na década de 1980 é que foram
criados dispositivos antipoluentes que resolveram
esse problema. Fig. 2.4 – Circuito circular infantil de Digby Leigh.

8 An e s t e s ia Pe diátrica

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tosh para o éter, representou um avanço significa-
tivo, além de permitir anestesias por éter/ar, ideal
para situações de guerra ou de catástrofes naturais1.
O uso de substâncias curarizantes foi também
um excelente acréscimo, ao permitir planos mais
superficiais de anestesia, uma vez que o relaxamen-
to muscular não dependia exclusivamente do anes-
tésico inalado6.
Com Gray e Jackson Rees, a escola de Liverpool
desenvolveu uma técnica que predominou por
muitos anos na Europa, onde os únicos agentes
Fig. 2.5 – Circuitos circulares Ohio e Bloomquist. empregados de modo universal em anestesia pe-
diátrica eram a d-tubocurarina, o óxido nitroso e
Foi nessa época, principalmente por causa das a indução com tiopental, por meio de ventilação
publicações de Digby Leigh e Robert Smith, que controlada e tubo endotraqueal. A aplicação desses
ficou bem evidente para todos que crianças não são métodos em cirurgia pediátrica foi um sucesso que
e não se comportam como “pequenos adultos”. Elas persistiu por um longo período6.
exigem uma série de cuidados e enfoques diferen- Ainda na década de 1950 foram populariza-
tes, que, graças aos ensinamentos desses autores, a dos respiradores mecânicos, leves e portáteis para
anestesia evoluiu para a criação de uma subespecia- adultos, logo adaptados para o uso de infantes e
lidade dedicada à anestesia pediátrica. Isso aumen- crianças. Devem ser salientados aqui o Bird Mark
tou sobremaneira a segurança dos procedimentos 7, o Takaoka, o Bennet e a válvula de Cardiff
quando aplicados nessa faixa etária5,10,13. (Minivent), que simplificaram bastante a ventila-
O óxido nitroso, associado ao éter e ao oxi- ção controlada, liberando as mãos do anestesista.
gênio, facilitou a manutenção e permitiu um O Baby-Bird, ciclado a tempo e com controle das
despertar mais rápido da anestesia. Os tiobarbi- concentrações inspiradas de oxigênio, foi uma das
turatos, como agentes de indução, substituíram máquinas pioneiras nesse campo11.
o ciclopropano e passaram a ocupar uma posição A intubação traqueal tornou-se praticamente
muito importante nessa fase fundamental do pro- uma rotina em anestesia pediátrica, pelas facilida-
cedimento anestésico1. des permitidas, especialmente após a introdução
Apesar de tudo, o problema representado pela da succinilcolina. Ao mesmo tempo, tínhamos
explosibilidade do éter veiculado por fluxos de oxi- também agora ao nosso alcance sistemas capazes
gênio era mais sério do que quando o ar era utili- de assistir ou controlar a ventilação, manual ou de
zado para esse fim. Tal fato aumentou o risco de modo mecânico, permitindo o uso de até 100% de
incêndio e explosões possíveis com esse agente, im- oxigênio na mistura inspirada. Esse quadro só foi
possibilitando ou tornando muito arriscado o uso modificado nos anos de 1980 com o aparecimen-
do bisturi elétrico na cirurgia. Do mesmo modo, to da máscara laríngea, idealizada por A. Brain, na
o ciclopropano, um excelente anestésico, tinha seu Inglaterra.
emprego restrito por também ser explosivo. Em meados da década de 1970, o éter pratica-
Novos vaporizadores foram idealizados, desde os mente deixou de ser utilizado em todo o mundo
de borbulha (Foregger) e de pavio (Ohio 8) até os com o advento dos halogenados, agentes não-ex-
calibrados, dos quais o EMO (Epstein, Macintosh, plosivos que praticamente revolucionaram a anes-
Oxford), idealizado pelo Prof. Sir Robert Macin- tesia em todas as idades.

Hi s tór i a d a A n e s t e s i a P e d i á t r i c a 9

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A potência desses fármacos exigiu o conheci- da anestesia, tornando-se comuns nas bombas de
mento da concentração inspirada do agente, o que infusão, nos aparelhos de anestesia e em respirado-
tornou obrigatório o desenvolvimento de vaporiza- res. Estes últimos apresentam agora funções múl-
dores calibrados, não se admitindo qualquer outro tiplas, como ventilação controlada ou assistida em
tipo desde os últimos 30 anos, especialmente nos diversos padrões, pois passaram a ser gerenciados
países mais desenvolvidos. por microprocessadores que os tornaram silencio-
Nesse mesmo período, o uso do material plásti- sos, eficientes e dotados de todos os dispositivos de
co se difundiu, sendo um dos maiores avanços da segurança imagináveis. A hiperpressão pulmomar
medicina. Foram desenvolvidos os produtos des- acidental tornou-se coisa do passado. A ventilação
cartáveis para punção venosa, bloqueios anestési- assistida automática, com controle volumétrico,
cos e todos os tipos de sondas, particularmente as pressométrico ou de tempo, passou a depender da
endotraqueais, atóxicas, maleáveis e pouco irritan- vontade do operador, que irá usá-las de acordo com
tes para as mucosas. as exigências do paciente. O controle da fração ins-
A aparição da quetamina, apesar das complica- pirada de oxigênio agora é uma regra, o que deu
ções ocasionais representadas por delírio e confu- fim às eventuais ocorrências de lesões pulmonares
são mental no pós-operatório, forneceu vantagens produzidas por altas concentrações de O2.
em pediatria, especialmente por seu poder analgé- Para o Brasil e a América Latina, o respirador
sico e por atuar rapidamente por via intramuscular, Takaoka representou um grande avanço na anes-
importante para o tratamento de queimados e na tesia e na reanimação. Idealizado como um ressus-
indução anestésica. citador neonatal, logo teve seu uso estendido para
Novos opióides, salientando o fentanil, o sufen- ventilação durante anestesia, especialmente depois
tanil e agora o remifentanil, tornaram-se impor- que foi acoplado a um sistema de fole e vaporizado-
tantes, juntamente com o propofol, em técnicas de res especiais de borbulhas, adaptados para trabalhar
anestesia venosa total, que também estão cada vez na alta pressão necessária a fim de fazer funcionar
mais sendo utilizadas em crianças. o aparelho quando usado em seu módulo original.
Oxímetros de pulso foram desenvolvidos e tor- Kentaro Takaoka realizou um trabalho pioneiro
naram-se quase obrigatórios, alertando para a pre- que ajudou a anestesia brasileira a ser conhecida
sença de hipóxia muito antes de sua detecção por em todo o mundo, especialmente na América La-
sinais clínicos. Analisadores de gases entraram no tina, onde as técnicas de anestesia que descreveu
mercado, o que permitiu um perfeito controle das tiveram um grande impacto.
concentrações anestésicas liberadas pelos vaporiza- Também a aparição da indústria de aparelhos
dores. Capnógrafos também foram introduzidos, médicos no Brasil, iniciada com a Narcosul (Afon-
registrando a concentração de CO2 expirado de so Fortis) e a Oftec (Hans Baulkeman), e logo se-
momento a momento. guida pela K. Takaoka, permitiu a disponibilização
Novos fármacos, como o sevofluorano e o des- de máquinas de anestesia que trouxeram uma me-
fluorano, foram adicionados ao nosso armamentá- lhora gradativa da qualidade, substituindo as im-
rio no fim dos anos de 1980. O sevofluorano se portadas na grande maioria dos hospitais do país.
tornou, atualmente, o agente mais empregado em No campo da anestesia geral pediátrica, o pri-
anestesia pediátrica, graças à sua segurança e rapi- meiro trabalho a tratar do assunto no Brasil foi pu-
dez na indução e no despertar. blicado por Zairo Vieira e Sinval Veras na Revista
O progresso dos computadores trouxe uma re- Brasileira de Anestesiologia em 1956, na qual rela-
volução nos sistemas e métodos para a condução taram uma experiência em 1.000 intervenções. Tal

10 An e s t e s ia Pe diátrica

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artigo sem dúvida teve uma grande influência na se necessitar de sedação profunda ou narcose su-
anestesia brasileira16. perficial para sua realização.
Infelizmente, um livro que poderia ter sido É interessante conhecer os detalhes dessa evo-
um grande marco em nosso país, pela experiência lução até os nossos dias, partindo do início da sua
que tinha seu autor, o Dr. Deyler Goulart Meira18 aplicação em cirurgia até a atualidade.
(1958), não obteve sucesso. Continha equívocos,
que foram objeto de severas críticas do editor da De seus primórdios ao fim da década de
Revista Brasileira de Anestesiologia na época, Zairo 1940
Vieira, e acabou sendo retirado do mercado. Con- A anestesia tópica teve início em 1884, quando
tudo, o Hospital Jesus, do qual o autor era che- Karl Koller, de Viena, demonstrou o uso da cocaína
fe, seguiu como um pólo em anestesia pediátrica, em cirurgia oftálmica19. Seguiram-se procedimentos
especialmente pela atuação de Ítalo Rodrigues e de anestesia regional introduzidos por Halstead e
membros da sua equipe, que treinaram residentes Hall que bloqueavam o nervo facial. Logo depois foi
de todo o país e difundiram técnicas seguras e con- descrita uma técnica de injeção do plexo braquial,
fiáveis de anestesia em crianças e infantes. por exposição direta dos nervos constituintes20.
Outros centros especializados em pediatria, ou A raquianestesia foi primeiro realizada por August
com grande movimento de cirurgia infantil, logo Bier em 189821. No início do século XX, Cathelin22
apareceram pelo Brasil, devendo-se citar o Hospital publicou o emprego da via caudal para atingir o espa-
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer- ço peridural. O uso desses procedimentos regionais
sidade de São Paulo (Ruy Vaz Gomide do Amaral e em anestesia pediátrica levou mais tempo para ser
Carmen Narvaes – ambos ex-residentes de Robert iniciado pelas dificuldades inerentes a realizar injeções
Smith, em Boston, nos Estados Unidos). Também em infantes e crianças, que, em sua grande maioria,
houve centros em Curitiba, no Hospital Pequeno necessitavam de sedação profunda ou anestesia geral
Príncipe (F. Sabbag, Porcídio D. O. C.Vilani e Sér- superficial para tornar essa ação possível.
gio B. Tenório), em Florianópolis (Carlos Alberto Em 1909, Tyrrel-Gray publicou 200 casos de
da Silva Júnior, Mario José da Conceição) e em raquianestesia em crianças com utilização da estovaí­
Santos (A. Fortuna e F. Brusarosco). na. Cinco tinham menos de 6 meses e não rece-
Em todas as grandes cidades do país se forma- beram nenhuma sedação, tolerando bem os proce-
ram outros pólos, graças à difusão provocada por dimentos. Foram relatadas quatro falhas, e o autor
utilizou brandy para tratar o desconforto da criança,
esses núcleos iniciais. Hoje, em todas as regiões,
apontado por ele, em uma incidência de 10%23.
encontram-se serviços de excelência nesse campo e
sem dúvida muito é devido à Sociedade Brasileira Em 1920, Farr relatou 129 intervenções em in-
de Anestesiologia, seus centros de ensino e treina- fantes e crianças, muitas em más-condições e que
mento, além dos pioneiros já citados. foram operadas sob anestesia local, sendo procaína
a 0,6% o agente escolhido. A série incluiu lábio le-
porino, cirurgia abdominal e estenose de piloro24.
Anestesia Regional Pediátrica
O próximo a publicar sobre raquianestesia foi J.
Ao contrário da anestesia geral, na qual os mé- Marian, de Bucareste, que em 1932 apresentou um
todos utilizados eram quase os mesmos em crian- estudo de 653 crianças operadas com esse método
ças e adultos, as técnicas de anestesia regional em (procaína a 4% foi o fármaco usado) e registrou
pediatria custaram a se tornar populares em âmbito apenas 15 falhas e algumas seqüelas que considerou
mundial, especialmente pelo fato de quase sempre de pouca importância, como suores frios, náusea,

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vômito e tendência para perder a consciência. Em pítulo sobre anestesia regional, relatando que tais
algumas ocasiões, o tratamento foi a cafeína25. métodos já eram utilizados em 10% dos pacien-
No mesmo ano, C. I. Junkin, de Toronto, re- tes de sua prática diária31. Mencionaram caudais e
portou raquianestesias, sem especificar o número bloqueios espinhais, citando inclusive exemplos de
de crianças envolvidas (incluiu na série quatro to- raquianestesia contínua com procaína para cirur-
racotomias e duas lobectomias). Quinze falhas fo- gias de longa duração, que abrangiam até proce-
ram corrigidas pela adição de anestesia geral. Como dimentos intratorácicos. A procaína e a tetracaína
complicações, notou duas ocorrências de cefaléia foram os agentes utilizados, e foram observadas
após punção lombar26. duas convulsões com procaína por superdosagem.
A anestesia caudal sacra, hoje talvez o método mais Interessante é que o tratamento utilizado foi anes-
utilizado de anestesia regional em cirurgia pediátrica tesia geral com ciclopropano, “com excelentes re-
em todo o mundo, foi iniciada em 1933 por M. F. sultados”. No sumário, acentuaram a segurança de
Campbell, urologista, que realizou 83 intervenções bloqueios centrais em infantes e crianças, baseados
na bexiga e uretra de adultos. Como agente usou nos dados obtidos.
procaína a 2%, citando 10% de falhas e nenhuma
complicação pós-operatória, uma cifra muito razoá- Em 1954, F. G. Ruston, do Canadá, publicou
vel para a procaína e para um trabalho pioneiro27. um estudo pioneiro de anestesia peridural lombar
em 76 infantes e crianças, com apenas um caso adi-
O passo seguinte, referindo uma experiência de
1.241 raquianestesias, foi feito por J. Balacesco, cional, no qual a via caudal sacra foi utilizada32. No
de Bucareste, utilizando estovaína com estricnina início, o fármaco escolhido foi a procaína, logo subs-
nos primeiros pacientes e, nos restantes, procaína tituída pela lidocaína. Não relatou complicações
a 4%28. De acordo com ele, os resultados foram nessa série, nem no período pré ou pós-operatório.
bons, sendo as únicas seqüelas cefaléias pós-opera- Como sinal de penetração no espaço peridural, deu
tórias em alguns pacientes acima de 15 anos. Ob- preferência à técnica da perda de resistência.
servou 25 falhas, resolvidas por meio de anestesia Em 1959, A. Fortuna, de Santos, São Paulo
geral pelo clorofórmio. relatou 38 casos de infantes e crianças em mau
Na década seguinte, em 1942, Rafael Vara Lopez estado geral, anestesiadas por bloqueios caudais
publicou 438 raquianestesias usando a dibucaína sacros33. Essa apresentação foi feita no Congresso
(percaína e nupercaína). Não mencionou falhas, mas Brasileiro de Anestesiologia, ocorrido em Belo Ho-
citou como complicações pós-operatórias 3,9% de rizonte, Minas Gerais. Seus resultados mostraram
náuseas e 1% de vômitos. Também não ocorreram que é uma técnica simples e segura, fato atestado
mortes nem problemas neurológicos nesse grupo29. por ser este método atualmente, o mais utilizado
No mesmo ano, W. Etherington-Wilson relatou em pediatria, superando de longe todos os demais
ter anestesiado 30 crianças, em um total de 1.600 tipos de anestesia regional pediátrica.
raquianestesias. O mais jovem tinha 16 dias e o
Em 1961, com maior número de casos, Fortuna
mais velho, 3 anos. O agente usado foi a dibucaí­
apresentou no 1o Congresso Belga e 3o Europeu de
na hipobárica (nupercaína), em uma diluição de
Anestesiologia sua experiência com caudal sacra,
1:2.000 a 1:1.250. Não relatou mortes ou compli-
acentuando ser essa uma técnica simples, eficiente
cações atribuídas ao método30.
e segura para o manejo de crianças em situações de
urgência ou de alto risco.
Da década de 1950 até a atualidade
Peter Spiegel, do Rio de Janeiro, seguindo as
O livro publicado em 1951 por Digby Leigh idéias de Fortuna, posteriormente publicou 128
e M. K. Belton, já citado, tem um excelente ca- casos de bloqueio caudal em crianças, na Anesthesia

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and Analgesia, uma das mais importantes revistas casos de anestesia regional em crianças, a maioria
da especialidade. Propôs também uma fórmula, delas caudais. Também não observou complicações
que calculava o volume de anestésico suficiente significativas nesses enfermos39.
para atingir um nível de analgesia em torno de T10, Dessa data em diante, inúmeros relatos com
muito bem recebida no Brasil e no exterior34. tal técnica apareceram nas principais revistas
Novamente Ruston, que sem dúvida abriu o ca- mundiais de anestesia. McGown, em 1982, em
minho para bloqueios peridurais torácicos e lomba- uma experiência com 500 caudais, citou uma es-
res em crianças, apresentou um estudo de 1964, com tatística desastrosa com quatro mortes e quatro
172 pacientes. Assim como outros autores, acentuou paradas cardíacas, além de falhas em 2,8% dos ca-
o fato de que pacientes nessa faixa etária geralmente sos40. Quantidades muito altas de lidocaína (27,8
não apresentavam hipotensão após o bloqueio sim- mg/kg) e de bupivacaína (41,1 mg/kg) foram in-
pático, ao contrário dos adultos. Como instrumento, jetadas, e parece evidente que estas foram as cau-
utilizou as agulhas de Wagner, calibre 20 a 22, com sas das complicações. Para se ter uma idéia, um
ponta de Huber (Tuohy curta), que hoje são de uso recém-nato de 3 kg em mau estado geral recebeu
rotineiro. A única diferença é que as da atualidade são 5 mg/kg de bupivacaína. Um outro, após 1 mg
descartáveis, tornando o seu uso bem mais seguro35. de midazolam, desenvolveu quase que imediata-
Ítalo Rodrigues, nesse mesmo ano, no Rio de Ja- mente depressão respiratória, regurgitação e as-
neiro, relatou 36 anestesias peridurais em infantes, sístole. No mesmo artigo, ele procurou desculpar
seguindo de perto o trabalho de Ruston. Essa série esse índice inadmissível de acidentes alegando
incluía pacientes de alto risco, e também não fo- serem aqueles os primeiros enfermos assim trata-
ram observadas complicações devidas à técnica36. dos, e comentou também que esse desastre não
Fortuna, em 1967, publicou seus resultados de se repetiu nos 400 casos seguintes. Sem dúvida,
bloqueios caudais em pediatria no British Journal teve muita coragem em continuar insistindo no
of Anaesthesia. Relatou que 91,7% dos casos tive- método depois das tragédias verificadas no grupo
ram analgesia adequada. Como complicações, ci- inicial.
tou duas convulsões por superdosagem de lidocaí- A era moderna de raquianestesia em pediatria
na, duas punções sanguinolentas e uma raqui total. começou com John Abaijian41, que, em 1984, re-
Todos receberam pronto e adequado tratamento, portou um grupo de 78 pacientes, a maioria pre-
não havendo seqüelas37. maturos, sendo a metade de alto risco. Apresentou
O primeiro autor a empregar a analgesia caudal um estudo mais completo oito anos mais tarde,
para tratamento de dor pós-operatória em crian- com uma série de pacientes em mau estado geral,
ças foi Kay, que, em 1974, na Inglaterra, repor- além de problemas respiratórios42. Até o ano 2000
tou o uso da técnica em 300 casos de circuncisões. sua estatística passava de 1.000 intervenções pediá-
O anestésico usado foi a bupivacaína a 0,5%, com tricas, sendo ele um firme defensor das vantagens e
adrenalina a 1:200.00038. Todos os pacientes eram segurança do método, superior a qualquer outro de
externos, liberados do hospital no mesmo dia. Ele anestesia geral, para esta faixa etária (comunicação
alegou bons resultados e considerou ser este um pessoal durante o Congresso Mundial de Montreal
método simples e eficiente para controle de dor em 2000).
após cirurgia pediátrica. Nenhum dos pacientes Tobias43 apresentou uma avaliação de 1.000
precisou permanecer internado e não apresentaram anestesias raquídeas em crianças, confirmando a
problemas de qualquer natureza. vantagem dessa técnica nos casos indicados, es-
Trabalhando no México, Estela Melman pu- pecialmente em prematuros. Em outro trabalho,
blicou em 1975, na Anesthesia and Analgesia, 200 apresentou dois casos de apnéia em pré-termos44.

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Rice44 avaliou a duração do bloqueio subarac- França, Claude Saint-Maurice e Schulte Steinberg
nóideo em infantes com menos de 1 ano, e Abejian editaram um excelente livro sobre o tema9.
relatou anestesias combinadas, raqui e peridural, Paulo Busoni, de Firenze, Itália, descreveu a via
para cirurgia abdominal extensa em crianças45. sacral para atingir o espaço peridural em crianças63.
Sethna relatou o uso de raqui contínua em dois Sua experiência atual em anestesia regional pediá-
adolescentes com função pulmonar diminuída trica está acima de 10 mil casos, associados a 7 mil
para tratamento cirúrgico de escoliose46. Payne pu- de bloqueios periféricos, incluindo os de nervos
blicou sobre o uso de microcatéteres para raquia- como o femural, o plexo braquial e os que inervam
nestesia contínua em crianças47. as estruturas inguinoescrotais. As complicações per-
operatórias foram em número de 173, sem seqüe-
Outros mostraram ainda as vantagens da ra-
las graves: várias punções acidentais da duramáter,
quianestesia quando utilizada em infantes pré-ter-
cinco casos de raqui total e quatro convulsões por
mo, em relação ao risco de apnéia48-51.
injeção intravascular inadvertida (comunicação
Também nos Estados Unidos, L. Broadman pu- pessoal, Congresso de Montreal, 2000).
blicou 1.154 caudais em crianças, com bons resulta- Desde o trabalho inicial de Ruston35, muitos
dos, sem mortes ou complicações neurológicas52,53. avanços importantes foram realizados. Para caudais,
Em Florianópolis, Santa Catarina, Carlos Alber- ficou estabelecida a vantagem do uso de agulhas
to da Silva Júnior apresentou seu relato de um grupo próprias com mandril, que permitem a introdução
muito maior, com 4.416 pacientes. Citou algumas mais fácil de cateteres e diminuem a incidência de
complicações: uma parada cardíaca, seis convulsões, punções sanguinolentas. Possuem também a pro-
seis punções acidentais da duramáter e cinco casos priedade de evitar que células epidérmicas sejam
de arritmias cardíacas transitórias. Também não ob- carreadas para dentro do espaço, com o potencial
servou casos de óbito ou seqüelas neurológicas54. de produzir mais tarde um tumor originado por
Uma experiência extensa, em anestesia peridu- esses elementos, um risco sempre presente quando
ral realizada em infantes e crianças, foi apresentada agulhas hipodérmicas comuns são usadas para esse
por Z. Zhan55, com excelentes resultados. Tivemos bloqueio62,64-72.
a oportunidade de visitá-lo em Beijing e ficamos O maior argumento contra o uso de bloqueios
impressionados com o seu trabalho. regionais em pediatria tem sido sempre o fato de
que tais pacientes devem ser anestesiados ou rece-
Poucos autores utilizaram dose-teste em aneste-
ber sedação pesada antes que o método regional es-
sia regional pediátrica e, quando o fizeram, empre-
colhido possa ser realizado. O receio estava ligado
garam soluções com adrenalina para a eventual de-
às circunstâncias de o indivíduo estar inconsciente,
tecção de uma injeção intravascular acidental56,57.
e que parestesias ou reações corporais não seriam
Do Japão, Masao Yamashita publicou vários tra- detectadas no caso de a agulha de punção atingir
balhos sobre a localização do espaço peridural, sua acidentalmente a medula, um nervo ou uma raiz.
anatomia e uma quantificação das doses de anesté- O argumento final contra esta suposição foi
sicos indicadas para atingir os níveis desejados58-60. dado por Krane et al., que, em um editorial muito
Talvez os melhores estudos sobre anestesia regio- claro e convincente, confirmaram em procedimen-
nal em pediatria tenham sido realizados por Bernard tos neurológicos que a medula é insensível e não
Dalens em Clermont-Ferrand, na França. Seus li- reage ao impacto de uma agulha ou um instrumen-
vros e artigos são de leitura obrigatória para quem to cirúrgico que a atinja. Outro argumento é que
realiza ou pretende fazer procedimentos cirúrgicos os nervos e as raízes “flutuam” no líquido cefalorra-
utilizando anestesia regional3,4,61,62. Também na quidiano e são muito móveis, e, dessa forma, seria

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muito difícil sofrerem uma lesão severa suficiente, No momento, ainda é cedo para termos uma con-
para mais tarde mostrar sintomas73. clusão definitiva sobre o assunto76-82.
A favor desse posicionamento, encontramos É preciso acentuar que a anestesia regional em
o relatório da Adarpef, a Sociedade Francesa de pediatria necessita, para sua execução, de uma
Anestesia Pediátrica, citando 84.412 intervenções, combinação segura com sedação ou anestesia geral
das quais 24.409 foram conduzidas com anestesia superficial.
local ou com um bloqueio regional. Destas, 50% Do mesmo modo que com os adultos, para es-
foram caudais, seguidas por peridurais lombares, ses procedimentos permanece uma regra absoluta:
torácicas e também anestesia raquídea74. As com- sem uma veia segura não se inicia qualquer técnica
plicações assinaladas foram oito casos de perfura- de anestesia regional83. Igualmente, uma seringa
ção acidental da duramáter, dois de convulsões e contendo succinilcolina e outra com tiopental de-
um de penetração do reto. As demais foram pouco vem estar sempre ao alcance da mão, para que se
significativas. Deve-se acentuar que nenhuma se- possa tratar um eventual acidente convulsivo, pro-
qüela neurológica foi observada nesse estudo. vocado por uma injeção acidental do anestésico na
corrente sangüínea83.
Como confirmação, Gunter, em 1991, fez um
levantamento de 158.228 caudais realizadas em Nos dias de hoje, seguindo a experiência do pas-
192 hospitais norte-americanos75. Não encontrou sado em anestesia regional pediátrica, a rotina para
a manutenção da via aérea durante a narcose asso-
mortes nesse grupo que pudessem ser atribuídas ao
ciada é utilizar máscara laríngea ou tubo endotra-
método. Alguns eventos adversos foram relatados:
queal, exceto para intervenções muito curtas, nas
dois casos de raqui total, duas trocas de seringa,
quais isso pode ser feito sob máscara facial8,9.
duas perfurações retais, dois episódios de arritmias,
seis casos de hipotensão, duas convulsões e uma Infelizmente alguns casos raros de acidentes
graves foram observados após o uso de anestesia re-
parada cardíaca. Nenhum incidente de hematoma
gional em pediatria, incluindo seqüelas neurológi-
epidural ou infecção foi observado. A incidência de
cas irreversíveis, como paraplegia ou tetraplegia84.
complicações foi de 1:10.000, independentemente
do uso ou não de dose-teste. Ruston32, em sua publicação de 1964, em uma
série de 172 casos, relatou a morte, precipitada por
Outros estudos também vieram confirmar a se- uma provável raqui total, de um infante moribun-
gurança da anestesia regional em infantes e crian- do com uma oclusão intestinal. Em outro caso,
ças45,70. Tobias apresentou uma extensa revisão so- houve um extenso hematoma epidural, causado
bre raquianestesia, utilizada em todos os tipos de pela progressão do cateter no espaço. O infante
cirurgias, deste ortopedia até operações cardíacas43. não sobreviveu e o sangramento foi um fator im-
Concluiu que este é um método confiável e seguro, portante para a sua morte.
especialmente para intervenções executadas em in- As dúvidas mais sérias que apareceram sobre a
fantes pré-termo, nos quais o aparecimento de uma segurança de bloqueios centrais em cirurgia pedi-
apnéia pós-operatória pode ser um problema sério. átrica foram descritas em uma pesquisa realizada
Recentemente, a utilização de anestesia regio- pela já citada Adarpef. O relato foi assinado por
nal em operações cardíacas pediátricas foi sugerida C. Flandin-Bléty e G. Barrier, analisando 24.005
como vantajosa nessa faixa de idade, de acordo com casos, coletados entre os anos de 1982 a 199185.
os artigos de Peterson77 e Hammer76. Um edito- A maioria dos bloqueios foi caudal, seguidos por
rial no mesmo número da Anesthesia and Analgesia epidurais lombares e raquídeas. Foram assinaladas
apresentou uma visão mais cautelosa sobre essa in- cinco complicações neurológicas graves, com três
dicação, mencionando a relação risco-benefício78. mortes, todas em infantes com menos de 2 meses

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de idade. Três apresentaram tetraplegia; um, lesão O uso da caudal e da epidural torácica e lombar
cerebral após uma parada cardíaca; e o último, pa- para o tratamento da dor pós-operatória vem cres-
raplegia. Algumas poderiam ter sido relacionadas cendo durante a última década53,87-91. Novas téc-
ao uso de ar para a pesquisa do espaço peridural nicas, com a adição de agentes como a clonidina,
utilizando a técnica de Dogliotti-Ciocatto. Dalens os opióides e a quetamina nas soluções anestésicas
foi o primeiro autor a assinalar o risco da injeção infundidas por meio de bombas, têm aumentado
de ar nessa região. Bolhas de ar podem causar em- nos últimos anos, fornecendo novas maneiras de
bolismo venoso, além de aumentar a incidência de diminuir o desconforto e o sofrimento após cirur-
“analgesia não-uniforme” (patchy) por estas se loca- gias longas e extensas realizadas no paciente pedi-
lizarem em volta das raízes nervosas, dificultando átrico92-94.
seu contato com o anestésico86. Sem dúvida, tais métodos podem ser muito
A incidência dessas complicações trágicas foi de úteis, mas seu uso demanda um protocolo rígido,
0,02%, número que representa 1:5.000 pacientes, equipamentos de ponta e um pessoal bem treinado
um resultado que alertou a comunidade de que tal- e sempre alerta.
vez o método não seja tão seguro quanto o que vinha Com base em tudo que foi dito e escrito no pas-
sendo mostrado em outras estatísticas extensas74,75. sado, e no que vem ocorrendo atualmente nesse
Afortunadamente, em mais de 200 mil casos de campo, a anestesia regional pediátrica veio para fi-
bloqueios centrais relacionados na literatura não se car e será ainda mais usada no futuro.
observa essa incidência74,75. Podemos esperar aumento na utilização de téc-
Têm sido relatados vários casos de troca de nicas regionais, especialmente nos bloqueios supra-
drogas nos bloqueios centrais. Em nosso depar- púbico peniano, axilar, femural, ciático, ilioingui-
tamento, há mais de 20 anos, nenhuma injeção é nal e iliocrural, pois são de fácil execução e apre-
feita sem que uma segunda pessoa presente confir- sentam um nível muito baixo de complicações.
me o rótulo do produto, na ampola ou no frasco. O risco-benefício para cada caso tem de ser pe-
É o único modo de evitar esse tipo de desastre, que sado cuidadosamente, considerando-se o indiví-
caracterizariam negligência indefensável83. É im- duo, a operação planejada, a condição do paciente
portante também assinalar que todas as ampolas e a habilidade e o treino do anestesista em procedi-
e frascos de agentes anestésicos devem se apresen- mentos regionais.
tar esterilizados em sua face externa (autoclave ou Novos agentes, como a ropivacaína, parecem
óxido de etileno) e o material utilizado, agulhas e apresentar algumas vantagens em anestesias cau-
cateteres, deve ser descartável83. dais, pelo menor bloqueio motor obtido com con-
Apesar dos acidentes raros descritos anterior- centrações em torno de 0,2%94-98. Esse é um dado
mente, muitas das publicações que tratam da anes- importante para a mais rápida recuperação de pa-
tesia locorregional em infantes e crianças demons- cientes ambulatoriais, que poderão se locomover e
tram que essa técnica pode ser considerada segura. deixar o hospital mais cedo.
Para tanto, necessita-se de atenção aos detalhes, Assim como nos adultos, quanto mais simples
uma disciplina rígida e uma habilidade razoável do a técnica, melhor ela se apresenta. É preferível exe-
anestesiologista. cutar um bloqueio dorsal do pênis do que realizar
Obedecendo a essas premissas, apresenta van- uma caudal sacra, quando a cirurgia programada
tagens na prática pediátrica, especialmente para for uma circuncisão99,100.
pacientes de alto risco ou em mau estado ge- A via caudal sem dúvida continuará sendo o
ral17,37,41,42,51,74,75. procedimento de escolha em infantes e crianças

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para cirurgias abaixo do nível de T10, pois é uma que a técnica tem muito a contribuir para a maior
técnica fácil de realizar e que não demanda um trei- segurança e conforto dos pacientes pediátricos.
no especial do anestesista, como as exigidas pelas
epidurais mais altas, lombares e torácicas. Procedi- Referências Bibliográficas
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um cateter. Ou seja, é para se pensar duas vezes an- 7. Jöhr M. Kinderanästesie. Sttutgart: Gustav Fischer Tas-
tes de empreender esta verdadeira aventura35. Um chenbuch; 1993.
outro aspecto a ser considerado é que cateteres cau- 8. Peutrel JM, Mather SJ. Regional anaesthesia for babies
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dais, se deixados em contato com o paciente por
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períodos longos, são facilmente contaminados por nale en pédiatrie. Paris: Arnette ; 1990.
sua proximidade com o orifício anal61. Nesse caso, 10. Smith R. Anesthesia for infants and children. London:
é melhor introduzi-los em um nível mais alto. The C.V. Mosby Co.; 1959.
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tesistas bem treinados, as punções para a execução don: Churchill-Levingstone; 1990.
de peridural lombar são seguras. As torácicas são 13. Wilton TNP, Wilson F. Neonatal anaesthesia. Oxford:
mais difíceis de serem executadas pela anatomia da Blackwell; 1965.
14. Bush OF, Bittenbender G, Adriani J. Electrocardiogra-
região e sempre encerram o risco de causar uma phic changes during ethyl chloride and vynil ether anes-
lesão medular84. Somente especialistas com práti- thesia in dog and man. Anesthesiology 1952;13:197-
ca nesse campo devem executá-las, após considerar 202.
bem os prós e contras dessa indicação. 15. Ayre, P. Endotracheal anesthesia for babies. With spe-
cial reference to Hare-lip and cleft palate operations.
Sem dúvida, um maior número de dados esta- Anesthesia and Analgesia 1937;16:330-33.
tísticos são necessários para se dispersar a nuvem 16. Vieira ZEG. Anestesia em cirurgia pediátrica. análise de
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cados na literatura médica foram provavelmente o 18. Meira DG. Anestesia geral na criança. Rio de Janeiro:
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Hi s tór i a d a A n e s t e s i a P e d i á t r i c a 19

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20 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 3
Res p o n s a b i l id a d e É t i c a e L e g a l
e m An e s t e s i a P e d i á t r i c a

Irimar de Paula Posso

introdução Para facilitar o entendimento dos vários aspectos


que envolvem a responsabilidade ética e legal na rea-
A responsabilidade ética e legal do médico anes-
lização de anestesia a um paciente pediátrico, inicial-
tesiologista quando realiza anestesia em um pa-
mente serão apresentados conceitos relacionados a
ciente pediátrico é algo distinta daquela a que ele
ética, responsabilidade, obrigação, contrato e culpa.
está sujeito quando atende ao paciente adulto, pois
o paciente pediátrico não é responsável e qualquer
A ÉTICA
procedimento anestésico nele realizado tem de ser
obrigatoriamente consentido por um responsável O conceito de ética sempre considerar a moral,
que normalmente é um dos pais e, em casos espe- pois ética é a ciência do comportamento moral do
ciais, uma autoridade judicial. homem em sociedade. A moral trata dos costumes e
Outro aspecto relevante para os anestesistas que dos deveres do ser humano para com os seus seme-
trabalham com crianças é a necessidade de equipa- lhantes e para consigo mesmo e se refere ao domínio
mentos especiais adequados à idade e ao peso destas, da alma e da inteligência ao físico e ao material1,2.
especialmente os ventiladores e alguns materiais de A ética procura sempre o fundamento dos valo-
consumo, como as sondas traqueais e os cateteres, res que orientam o comportamento, pois o caráter
sendo dever do anestesista que atende ao paciente ético da pessoa forma-se calcado especificamente
pediátrico utilizar-se de todos os meios legítimos nas experiências adquiridas durante toda a sua vida
para assegurar que equipamentos e medicamentos em sociedade, e particularmente ao ser responsável
adequados estejam disponíveis ao anestesiar um por si mesmo e ter plena e total consciência de suas
neonato ou uma criança maior já adolescente. ações1,2,3,4.

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O conceito de moral está sempre ligado às idéias de for obtido, responsabilizará o contratado pelos da-
liberdade e responsabilidade. O homem é livre para nos ou prejuízos para com aquele que o contratou.
poder escolher, mas é também totalmente responsá- A responsabilidade do médico é sempre uma
vel por suas ações e pelas conseqüências delas4,5. obrigação de meio e não de resultado, pois as varia-
ções biológicas, as alterações induzidas pelo passar
A RESPONSABILIDADE, A OBRIGAÇÃO E do tempo, os avanços da tecnologia e dos conhe-
O CONTRATO cimentos médicos em hipótese alguma permitem
garantir o resultado favorável7,8.
A responsabilidade é, portanto uma noção ine-
O médico pode, e sobretudo deve, utilizar de
rente à natureza humana, pois todos têm consigo
seu preparo técnico, estar atualizado, sempre atu-
que a pessoa é sempre responsável por algum prejuí­
ando com diligência, perícia e prudência para apli-
zo ou dano que tenha causado. A responsabilida-
car seus esforços, a fim de obter o melhor resultado
de também pode ser encarada juridicamente pelo
para o seu doente. Ao atender o paciente, o médico
não-cumprimento de uma obrigação decorrente de
deve esforçar-se para obter a cura, mesmo que não
lei ou de contrato6.
a consiga7,9.
Na vida em sociedade surgem continuamente
relações entre as pessoas, das quais resultam obri- A CULPA
gações, por exemplo, de fazer ou de deixar de fazer
algo. A responsabilidade do médico pelo mau resulta-
O contrato é tecnicamente um acordo de von- do somente poderá decorrer quando se caracterizar
tades, habitualmente relacionado a um evento eco- a culpa pela imperícia, imprudência ou negligên-
nômico, que produz obrigações para com as pessoas cia, ou então pelo dolo, caracterizado pela ação ou
envolvidas nele, embora existam contratos nos quais pela omissão voluntária de uma obrigação que lhe
a obrigação envolve apenas uma das partes. competia executar10,11.
Existem, no entanto, autores que entendem ser
A obrigação reduz-se em fazer determinado ato,
a obrigação do médico ao realizar uma anestesia
dar alguma coisa ou deixar de fazer algo adrede
uma obrigação de resultado, que entendemos não
estabelecido ou combinado. Se a pessoa deixa de
ter fundamentação jurídica, pois não somos e ja-
cumprir sua obrigação, surge como reação do di-
mais seremos senhores da vida e da morte6.
reito lesado uma nova obrigação, que é a respon-
sabilidade. O entendimento da jurisprudência é de que,
ao atender um enfermo, se estabelece entre ele e o
médico um verdadeiro contrato, um contrato de
OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO
responsabilidade médica, no qual o médico não se
A obrigação pode ser de meio ou de resultado. compromete a curar, mas sim a agir de acordo com
A obrigação de meio é aquela na qual o contratado as regras e os métodos de sua especialidade7,9.
se obriga a utilizar com diligência, perícia e pru- Embora se possa considerar como contratual a
dência todo o seu conhecimento, discernimento e atividade médica, ao contrário do que pode pare-
experiência para cumprir o objetivo do contrato, cer, não existe culpa presumida do médico, pelo
porém não se obriga a um resultado que favoreça fato de estar diante de um contrato.
aquele que o contratou. O médico está sujeito às prescrições do direito
Na obrigação de resultado, o contratado se obri- comum, como qualquer outro cidadão, porém o
ga a produzir um determinado resultado que, se não Código Penal e o Código Civil apresentam algu-

22 An e s t e s ia Pe diátrica

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mas disposições dirigidas especificamente para o d) conhecer, apreciar e decidir os assuntos atinen-
exercício da medicina. tes à ética profissional, impondo as penalidades que
Os médicos têm sua profissão regida pelo Có- couberem;
digo de Ética Médica, no qual as obrigações são Art. 17 – Os médicos só poderão exercer legalmen-
principalmente de escopo moral e até certo ponto te a medicina, em qualquer de seus ramos ou especia-
vagas, o que permite interpretações diversas, mui- lidades, após o prévio registro de seus títulos, diplo-
tas vezes distanciadas da realidade concreta. mas, certificados ou cartas no Ministério da Educação
e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de
Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua
RESPONSABILIDADE ÉTICA EM ANESTESIA
atividade.
PEDIÁTRICA
Art. 21 – O poder de disciplinar e aplicar pena-
A responsabilidade ética dos médicos, incluindo lidades aos médicos compete exclusivamente ao Con-
os anestesistas, está estabelecida no Código de Éti- selho Regional em que estavam inscritos ao tempo do
ca Médica e nas resoluções e pareceres elaborados fato punível ou em que ocorreu, nos termos do art.
pelo Conselho Federal e pelos Conselhos Regionais 18, §1o.
de Medicina, que impõem normas a serem cumpri- Art. 22 – As penas disciplinares aplicáveis pelos
das, pois caso contrário os infratores poderão rece- Conselhos Regionais aos seus membros são as seguintes:
ber penas de constrangimento ao exercício de sua §1o – Salvo os casos de gravidade manifesta que exi-
profissão. jam aplicação imediata da penalidade mais grave, a
Os Conselhos de Medicina foram criados pela imposição das penas obedecerá à gradação deste artigo.
Lei no 3.268 de 30 de setembro de 1957, que es- a) advertência confidencial em aviso reservado;
tabelece as atribuições dos Conselhos, as normas b) censura confidencial em aviso reservado;
para o exercício da profissão de médico e o poder c) censura pública em publicação oficial;
disciplinador destes, como pode ser evidenciado d) suspensão do exercício profissional até 30 (trin-
pelos artigos a seguir transcritos12: ta) dias;
Art. 2o – O Conselho Federal e os Conselhos Re- e) cassação do exercício profissional, ad referen-
gionais de Medicina são os órgãos superiores de ética dum do Conselho Federal.
profissional em toda a República e ao mesmo tempo O Código de Ética Médica, dos Conselhos de
julgadores e disciplinadores da classe médica, caben- Medicina do Brasil, foi elaborado pelo Conselho
do-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu Federal de Medicina e aprovado pela Resolução
alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e CFM no 1.246 de 8 de janeiro de 198812. O Có-
pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a digo de Ética Médica tem sido estudado por inú-
exercem legalmente. meros autores, o que permitiu a elucidação de seus
Art. 5o – São atribuições do Conselho Federal: aspectos mais relevantes13,14,15.
d) votar e alterar o Código de Deontologia Médi- O anestesista, como médico que é, tem sua pro-
ca, ouvidos os Conselhos Regionais; fissão submetida ao Código de Ética Médica e às
Resoluções e Pareceres elaborados pelo Conselho
Art. 15 – São atribuições dos Conselhos Regio-
Federal e pelos Conselhos Regionais de Medicina.
nais:
O Código de Ética Médica, embora formalmente
b) manter um registro dos médicos, legalmente ha- não seja uma lei, pelo fato de não ter sido elabo-
bilitados, com exercício na respectiva região; rada pelo Poder Legislativo, tem força de lei, uma
c) fiscalizar o exercício da profissão de médico; vez que sua aplicação é obrigatória e existem penas

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estabelecidas em lei para aqueles que não acatam Art. 24 – Suspender suas atividades, individual ou
suas prescrições. coletivamente, quando a instituição pública ou priva-
O Código trata, em seus vários capítulos, de da para a qual trabalhe não oferecer condições míni-
princípios éticos gerais e de aspectos específicos ao mas para o exercício profissional ou não o remunerar
exercício da profissão, como os direitos do médi- condignamente, ressalvadas as situações de urgência e
co, a responsabilidade profissional, a relação com emergência, devendo comunicar imediatamente sua
os pacientes e seus familiares e a relação entre os decisão ao Conselho Regional de Medicina.
médicos13,14. De modo similar aos artigos 8o e 17, os artigos
Alguns artigos do Código, por sua relevância 23 e 24 são de particular importância para os anes-
e pertinência às peculiaridades da especialidade tesistas que trabalham com crianças, pois para o
anestesia, são destacados a seguir, pois se aplicam atendimento destas são necessários equipamentos
ao anestesista, inclusive quando realiza uma anes- especiais adequados à idade e ao peso, especialmen-
tesia em paciente pediátrico: te os ventiladores e alguns materiais de consumo,
Art. 1º – A Medicina é uma profissão a serviço como as sondas traqueais e os cateteres.
da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser É vedado ao médico:
exercida sem discriminação de qualquer natureza. Art. 29 – Praticar atos profissionais danosos ao
Art. 5o – O médico deve aprimorar continuamen- paciente que possam ser caracterizados como imperí-
te seus conhecimentos e usar o melhor do progresso cia, imprudência ou negligência.
científico em benefício do paciente. Este artigo é de relevância, pois a imperícia, a
Art. 8o – O médico não pode, em qualquer cir- imprudência e a negligência são tratadas com des-
cunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua taque no Código de Ética Médica 12 e nos Códigos
liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer Civil e Penal.
restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e França13 entende que esse dispositivo trata espe-
correção de seu trabalho. cificamente do chamado erro médico, que concei-
Art. 17 – O médico investido em função de di- tua como “toda forma atípica e inadequada de con-
reção tem o dever de assegurar as condições mínimas duta profissional, caracterizada por inobservância
para o desempenho ético profissional da Medicina. de regras técnicas, capaz de produzir danos à vida
Os artigos 8o e 17 são de particular importân- ou à saúde do paciente, e de ser caracterizada como
cia para os anestesistas que trabalham com crian- imperícia, imprudência ou negligência”.
ças, pois para o atendimento destas são necessários Do mesmo autor são os conceitos para a impe-
equipamentos especiais adequados à idade e ao rícia, imprudência e negligência médica:
peso, especialmente os ventiladores e alguns ma-
A imperícia médica, entendem alguns, é a fal-
teriais de consumo, como as sondas traqueais e os
ta de observação às normas técnicas, por despreparo
cateteres.
prático ou por insuficiência de conhecimentos. Ou,
É direito do médico: ainda, a incapacidade ou a inabilitação para exercer
Art. 21 – Indicar o procedimento adequado ao a profissão. Outros não admitem que o médico habi-
paciente, observadas as práticas reconhecidamente litado, legal e profissionalmente, possa ser considerado
aceitas, e respeitando as normas legais vigentes no imperito, estando ele autorizado a exercer a profissão,
país. uma vez que o Estado lhe outorgou a competência des-
Art. 23 – Recusar-se a exercer sua profissão em ins- te mandato. De fato, o erro médico, de causa pessoal,
tituição pública ou privada onde as condições de traba- é sempre por imprudência ou negligência, jamais por
lho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente. imperícia13.

24 An e s t e s ia Pe diátrica

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Por imprudência médica registram-se os ca- Todo ato anestésico em paciente pediátrico deve
sos em que o profissional agiu sem a devida cautela, ser precedido do consentimento de seu responsável,
conduzindo seu ato pela inconsideração, leviandade, que deverá ser esclarecido do risco do procedimento.
irreflexão e inoportunidade, tendo sempre seu caráter O esclarecimento não pode e não deve ter um caráter
comissivo. A imprudência anda sempre com a negli- estritamente técnico, devendo a linguagem utilizada
gência, como faces de uma mesma moeda: uma repou- ser simples, clara e objetiva, além de permitir ao res-
sando sobre a outra13. ponsável pela criança uma tomada de posição cons-
ciente, salvo em situações de iminente risco de vida.
Por negligência médica entende-se o ato lesivo ao
paciente, consignado pela indolência, inércia e passi- É necessário, ao obter o consentimento para rea­
vidade do profissional que o assiste. Pode-se configurar lizar a anestesia em uma criança, saber quem pode
em várias situações, entre elas as seguintes: o abando- dar o consentimento e certificar-se de que seja um
responsável legal, pois nem toda espécie de paren-
no do doente sem justa causa e sem acordo prévio; a
tesco qualifica um indivíduo como responsável legal
omissão de tratamento necessário e imprescindível; a
daquele paciente pediátrico.
letra indecifrável no prontuário ou no receituário, ca-
paz de criar condições que prejudiquem o paciente; o Art. 61 – Abandonar pacientes sob seus cuidados.
esquecimento de corpo estranho em cirurgias, quando Art. 69 – Deixar de elaborar prontuário médico
isso constitui prova de descaso ou desatenção, e não para cada paciente.
uma conseqüência face ao tumulto e ao desespero de O Código de Ética Médica apresenta normas
uma operação; a negligência do médico pelo fato das que consubstanciam o processo ético-discipli-
coisas, quando por descuido deixa de certificar-se das nar, que apura a responsabilidade ética do médi-
condições dos seus instrumentais de trabalho, tendo co12,13,14,15.
em conta a teoria objetiva da guarda da coisa ina- Essa apuração é feita sob a égide do Código
nimada; deixar de comparecer a plantão em horário de Processo Ético-Profissional para os Conselhos
preestabelecido, salvo por motivo desculpável13. de Medicina, ratificado pela Resolução CFM No
Art. 30 – Delegar a outros profissionais atos ou 1.617/0116.
atribuições exclusivos da profissão médica. O processo ético-disciplinar, ao apurar a res-
ponsabilidade ética do médico, está protegido por
Art. 31 – Deixar de assumir responsabilidade
relativo sigilo, pois só têm acesso a ele as partes in-
sobre procedimento médico que indicou ou do qual
teressadas, seus procuradores legalmente constituí-
participou, mesmo quando vários médicos tenham as-
dos e peritos indicados pelas partes.
sistido o paciente.
O processo ético-disciplinar pode ser requisi-
Art. 35 – Deixar de atender em setores de urgên- tado por autoridade competente para integrar os
cia e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, autos do processo civil ou criminal.
colocando em risco a vida de pacientes, mesmo respal-
Se condenado em processo ético-disciplinar no
dado por decisão majoritária da categoria.
Conselho Regional, o médico poderá recorrer ao
Art. 36 – Afastar-se de suas atividades profissionais, Conselho Federal, de acordo com o estabelecido
mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encar- no artigo 50.
regado do atendimento de seus pacientes em estado grave. Os anestesistas em geral e os anestesistas que
Art. 46 – Efetuar qualquer procedimento médico realizam anestesia em pacientes pediátricos, em
sem o estabelecimento e o consentimento prévio do pa- virtude das peculiaridades de sua profissão, estão
ciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente também sujeitos a normas específicas editadas pelo
perigo de vida. Conselho Federal de Medicina, como a Resolução

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No 1.363/9317, que dispõe sobre as condições téc- Resolve:
nicas para a prática da anestesia; a Resolução No Art. 1o – Determinar aos médicos que praticam
1.404/9418, que especifica normas para cirurgia anestesia que:
ambulatorial; a Resolução No 1.536/9819, que dis- I – Antes da realização de qualquer anestesia é
põe sobre a anestesia em pacientes operados por indispensável conhecer, com a devida antecedência,
cirurgiões-dentistas; a Resolução No 1.670/03, que as condições clínicas do paciente a ser, submetido a
dispõe sobre a sedação20 e o Parecer No 56/9921, ela, cabendo ao anestesista decidir da conveniência ou
que dispõe sobre a remuneração da consulta pré- não da prática do ato anestésico, de modo soberano e
intransferível;
anestésica. Essas resoluções e pareceres oferecem
parâmetros a serem seguidos, com o objetivo de II – Para conduzir as anestesias gerais ou regionais
com segurança, assim como manter a vigilância per-
proteger a vida do paciente submetido ao ato anes-
manente ao paciente anestesiado durante o ato opera-
tésico em ambiente hospitalar ou fora dele. tório, o médico anestesista deve estar sempre junto a
este paciente;
Resolução No 1.363, de 12 de março de 199317 III – Os sinais vitais do paciente serão verificados
O Conselho Federal de Medicina, no uso das e registrados em ficha própria durante o ato anestési-
co, assim como a ventilação, oxigenação e circulação
atribuições que lhe confere a Lei No 3.268, de
serão avaliadas intermitente;
30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto
IV – É ato atentatório à Ética Médica a reali-
No 44.045, de 19 de julho de 1958, e considerando
zação simultânea de anestesias em pacientes distintos
que é dever do médico guardar absoluto respeito pela pelo mesmo profissional, ainda que seja no mesmo
vida humana, não podendo, seja qual for a circuns- ambiente cirúrgico;
tância, praticar atos que a afetem ou concorram para V – Todas as conseqüências decorrentes do ato
prejudicá-la; anestésico são da responsabilidade direta e pessoal do
Considerando que o alvo de toda a atenção do mé- médico anestesista;
dico é a saúde do ser humano, em benefício da qual VI – Para a prática da anestesia deve o médico
deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua anestesista avaliar previamente as situações de segu-
capacidade profissional; rança do ambiente hospitalar, somente praticando o
ato anestésico se estiverem asseguradas as condições
Considerando que não é permitido ao médico dei- mínimas para a sua realização, cabendo ao diretor
xar de ministrar tratamento ou assistência ao pacien- técnico da instituição garantir tais condições.
te, salvo nas condições previstas pelo Código de Ética Art. 2o – Entende-se por condições mínimas de
Médica; segurança para a prática de anestesia as a seguir rela-
Considerando que a Portaria No 400, de 6 de cionadas:
dezembro de 1977, do Ministério da Saúde, prevê I – Monitorização dos pacientes com esfigmoma-
sala de recuperação pós-anestésica para a Unidade do nômetro, estetoscópio précordial ou esofágico e cardios-
cópio;
Centro Cirúrgico;
II – Monitorização do CO2 expirado e da satura-
Considerando o que foi proposto pela Comissão Es-
ção de hemoglobina, nas situações tecnicamente indi-
pecial conjunta do Conselho Federal de Medicina e da cadas;
Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
III – Monitorização da saturação de hemoglobi-
Considerando, finalmente, o que ficou decidido na, de forma obrigatória, nos hospitais que utilizam
em Sessão Plenária de 12 de março de 1993, usinas concentradoras de oxigênio;

26 An e s t e s ia Pe diátrica

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IV – Deverão estar à disposição do anestesista equi- cadas em vários hospitais, como aqueles nos quais
pamentos, gases e drogas que permitam a realização um anestesista, geralmente estagiário, faz a visita
de qualquer ato anestésico com segurança, e desfibri- pré-anestésica, outro anestesista inicia e conduz a
lador, cardioscópio, sistema ventilatório e medicações anestesia durante o seu turno de trabalho, podendo
essenciais para utilização imediata, caso haja neces- caber a um terceiro o término desta e a um quarto
sidade de procedimento de manobras de recuperação anestesista a recuperação pós-anestésica.
cardiorrespiratória; As anestesias realizadas fora do ambiente hos-
V – O equipamento básico para administração pitalar estão regulamentadas pela Resolução CFM
de anestesia deverá ser constituído por seção de fluxo No 1.404/94.
contínuo de gases, sistema respiratório completo, tubos
traqueais, guia e pinça condutora de tubos traqueais, Resolução No 1.409, de 8 de junho de 199418
laringoscópio, cânulas orofaríngeas, aspirador, agu-
Considerando que o médico deve envidar o máxi-
lhas e material para bloqueios anestésicos; mo esforço na busca da redução de riscos na assistência
VI – Todo paciente após a cirurgia deverá ser re- aos seus pacientes;
movido para a sala de recuperação pós-anestésica, cuja Considerando as condições mínimas de seguran-
capacidade operativa deve guardar relação direta com ça para a prática da anestesia, previstas na Resolução
a programação do centro cirúrgico. CFM No 1.363/93, de 12/03/93;
VII – Enquanto não estiver disponível a sala de Considerando a necessidade de regulamentar a
recuperação pós-anestésica, o paciente deverá perma- prática da cirurgia ambulatorial, dos procedimentos
necer na sala de cirurgia até a sua liberação pelo anes- endoscópicos e de quaisquer outros procedimentos in-
tesista. vasivos fora da Unidade Hospitalar, com a utilização
VIII – Os critérios de alta do paciente no período de anestesia geral, sedação (venosa, muscular ou ina-
de recuperação pós-anestésica são de responsabilidade latória) ou anestesia locorregional com doses de anes-
intransferível do anestesista. tésico local superiores a 3,5 mg/kg de lidocaína (ou
dose eqüipotente de outros anestésicos locais),
Art. 3o – A presente Resolução entrará em vigor na
Resolve:
data de sua publicação, revogada a Resolução CFM
No 851/78, de 4 de setembro de 1978. Art. 1o – Determinar aos médicos que, na prática
de atos cirúrgicos e/ou endoscópicos em regime ambu-
Os preceitos contidos na Resolução CFM No latorial, quando em unidade independente do Hospi-
1.363/93 foram elaborados com o objetivo precí- tal, obedeçam às seguintes condições:
puo de melhorar a segurança do paciente quando
submetido a anestesia.
I – Condições da Unidade
Muitas das normas exaradas nesta resolução,
embora de cumprimento obrigatório, estão sendo a) condições estruturais higiênico-sanitárias do
habitualmente descumpridas por absoluta falta de ambiente e condições de esterilização e desinfecção dos
condições estruturais na maioria das instituições instrumentos de acordo com as normas vigentes;
onde se utiliza anestesia para procedimentos os mais b) registro de todos os procedimentos realizados;
variados, porque faltam drogas e equipamentos, es- c) condições mínimas para a prática de anestesia,
pecialmente oxímetros, capnógrafos e desfibrilado- conforme Resolução No 1.363/93 do Conselho Federal
res, além da sala de recuperação anestésica21. de Medicina;
Muitas vezes, as determinações dessa resolução d) garantia de suporte hospitalar para os casos que
não têm sido cumpridas, por produzirem drástica eventualmente necessitem de internamento, seja em
ruptura na rotina de trabalho, estabelecida há dé- acomodação própria, seja por convênio com hospital;

R e s p o n s a b i l i d a d e É t i c a e L e g a l e m A nestesia Pediátrica 27

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e) garantia de assistência, após a alta dos pacientes, As normas para a anestesia em pacientes que se-
em decorrência de complicações durante 24 horas por rão operados por cirurgiões-dentistas estão na Re-
dia, seja em estrutura própria ou por convênio com solução No 1.536/98.
unidade hospitalar;
Resolução No 1.536, de 11 de novembro de
199819
II – Critério de seleção do paciente
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atri-
a) paciente com ausência de comprometimento
buições conferidas pela Lei No 3.286, de 30 de setem-
sistêmico, seja por outras doenças ou pela doença ci-
bro de 1957, regulamentada pelo Decreto No 44.045,
rúrgica, e paciente com distúrbio sistêmico moderado,
de 19 de julho de 1958, e regido pela Lei No 9.649,
por doença geral compensada; de 27 de maio de 1998, e:
b) procedimentos cirúrgicos que não necessitem de Considerando que o alvo da atenção do médico é
cuidados especiais no pós-operatório; a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá
c) exigência de acompanhante adulto, lúcido e pre- agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capaci-
viamente identificado; dade profissional;
Considerando que as relações do médico com os de-
III – Condições de alta do paciente da Unidade mais profissionais em exercício na área da saúde deve,
buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente,
a) orientação no tempo e no espaço; basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na inde-
b) estabilidade dos sinais vitais, há pelo menos 60 pendência profissional de cada um;
(sessenta) minutos; Considerando controvérsias ainda existentes na
área de atuação de médicos e cirurgiões-dentistas no
c) ausência de náuseas e vômitos;
que diz respeito ao tratamento de doenças que acome-
d) ausência de dificuldade respiratória; tem a região cervical;
e) capacidade de ingerir líquidos; Considerando ser inquestionável em face da vigente
f ) capacidade de locomoção como antes, se a cirur- legislação de sua formação acadêmica, que o cirurgião-
gia o permitir; dentista não é habilitado, nem autorizado à prática de
anestesia geral, e nem à emissão de atestado de óbito;
g) sangramento mínimo ou ausente;
Considerando que as cirurgias craniocervicais são
h) ausência de dor de grande intensidade; realizadas por médicos especializados, aos quais é im-
i) ausência de sinais de retenção urinária; possível estabelecer restrições de qualquer natureza,
j) dar conhecimento ao paciente e ao acompanhan- salvo as de estrita competência do cirurgião-dentista;
te, verbalmente e por escrito, das instruções relativas Considerando a necessidade de se estabelecer nor-
aos cuidados pós-anestésicos e pós-operatórios, bem mas que visem proporcionar aos demais profissionais
e pacientes um maior grau de segurança e eficácia no
como a determinação da Unidade para atendimento
tratamento dessas doenças;
das eventuais ocorrências.
Considerando os resultados dos estudos a respeito
Esta resolução, além de englobar preceitos esta- da prática da cirurgia buco-maxilo-facial, realizados
tuídos na Resolução No 1.363/93, introduz ainda pela Câmara Técnica composta por representantes dos
uma série de exigências que devem ser cumpri- Conselhos Federais de Medicina e de Odontologia e
das também pelo anestesista, como aquelas que das Sociedades Brasileiras de Anestesiologia, Cirurgia
discriminam os critérios para a seleção e alta do Plástica Estética e Reparadora, Cirurgia de Cabeça, e
paciente. Pescoço, Ortopedia e Traumatologia, Otorrinolarin-

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gologia, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e do Art. 6o – Quando da internação de paciente sob os
Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco- cuidados do cirurgião-dentista não se aplica o disposi-
Maxilo-Facial; tivo da Resolução CFM No 1.493/94.
Considerando o que dispõem as Resoluções CFM Art. 7o – Revoga-se a Resolução CFM No 852/78.
Nos 1.363/93 e 1.409/94; Art. 8o – Esta Resolução entra em vigor na data
Considerando finalmente o que ficou decidido em de sua publicação.
sessão plenária do Conselho Federal de Medicina, em
11 de novembro de 1998, Resolução CFM No 1.670/03, de 11 de julho
Resolve: de 200320
Art. 1o – Em lesões de interesse comum à medicina
 O Conselho Federal de Medicina, no uso das
e à odontologia, visando a adequada segurança do re-
sultado, a equipe cirúrgica deve ser obrigatoriamente atribuições que lhe confere a Lei No 3.268, de 30
constituída por médico e cirurgião-dentista, sempre de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto
sob a chefia do médico. No 44.045, de 19 de julho de 1958, e,
Art. 2o – É da competência exclusiva do médico  Considerando a importância do ambiente e da
o tratamento de neoplasias malignas das glândulas qualificação do pessoal envolvido para a realização de
salivares maiores (parótida, submandibular e sublin- procedimentos diagnósticos e terapêuticos sob sedação
gual), o acesso pela via cervical infra-hióidea, bem ou analgesia, com uso de medicamentos para o confor-
como a prática de cirurgia estética, ressalvadas as esté- to, alívio da dor e abolição de reflexos indesejáveis;
ticas funcionais do aparelho mastigatório. Considerando o uso de drogas ou combinações de
Art. 3o – Os médicos anestesiologistas só poderão drogas que apresentam efeitos sobre o sistema nervoso,
atender às solicitações para a realização de anestesia cardiovascular e respiratório;
geral em pacientes a serem submetidos a cirurgia por
Considerando como prioritária a segurança do pa-
cirurgião-dentista quando esta for realizada em hos-
ciente durante o procedimento e após sua realização;
pital que disponha das indispensáveis condições de
segurança comuns a ambientes cirúrgicos, conforme Considerando a necessidade de se criar normas que
disposto na Resolução CFM No 1.363/93. definam os limites de segurança com relação ao am-
Parágrafo único – A realização de ato anestési- biente, qualificação do pessoal, responsabilidades por
co-cirúrgico ambulatorial deve obedecer aos critérios equipamentos e drogas disponíveis para o tratamento
contidos na Resolução CFM No 1.409/94; de intercorrências e efeitos adversos;
Art. 4o – Nas situações que envolvam procedimen- Considerando o que dispõem as resoluções CFM
tos em pacientes politraumatizados, é dever do médico N 1.363/93 e 1.409/94;
os

plantonista do pronto-socorro, após prestado o aten- Considerando, finalmente, o decidido na Sessão


dimento inicial, definir qual área especializada terá Plenária de 13 de junho de 2003,
prioridade na seqüência do tratamento.
Resolve:
Art. 5o – Ocorrendo o óbito do paciente submeti-
Art.1° – Nos ambientes em que se praticam proce-
do à cirurgia buco-maxilo-facial, realizada exclusiva-
dimentos sob “sedação consciente” ou níveis mais pro-
mente por cirurgião-dentista, o atestado de óbito será
fornecido pelo serviço de patologia, de verificação de fundos de sedação, devem estar disponíveis:
óbito ou pelo Instituto Médico Legal, de acordo com a I – Equipamentos adequados para a manutenção
organização institucional local e em atendimento aos da via aérea permeável, bem como a administração de
dispositivos legais. oxigênio em concentração superior à da atmosfera;

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II – Medicamentos para tratamento de intercorrên- tido com o uso de medicamentos, no qual o paciente
cias e eventos adversos sobre os sistemas cardiovascular responde ao estímulo verbal isolado ou acompanha-
e respiratório; do de estímulo tátil. Não são necessárias intervenções
III – Material para documentação completa do para manter a via aérea permeável, a ventilação es-
procedimento, devendo ficar registrado o uso das me- pontânea é suficiente e a função cardiovascular geral-
dicações, suas doses e efeitos; mente é mantida adequada.
IV – Documentação com critérios de alta do paciente. Sedação profunda/Analgesia é uma depressão da
§1°– Deve-se dar ao paciente e ao acompanhante, consciência induzida por medicamentos, e nela o pa-
verbalmente e por escrito, instruções relativas aos cuida- ciente dificilmente é despertado por comandos verbais,
dos sobre o período pós-procedimento, bem como infor- mas responde a estímulos dolorosos. A ventilação espon-
mações para o atendimento de emergências eventuais. tânea pode estar comprometida e ser insuficiente. Pode
§2°– Todos os documentos devem ser assinados ocorrer a necessidade de assistência para a manutenção
pelo médico responsável. da via aérea permeável. A função cardiovascular geral-
mente é mantida. As respostas são individuais.
Art. 2°– O médico que realiza o procedimento
não pode encarregar-se simultaneamente da admi- Observação importante: As respostas ao uso des-
nistração de sedação profunda/analgesia, devendo isto ses medicamentos são individuais e os níveis são con-
ficar a cargo de outro médico. tínuos, ocorrendo, com freqüência, a transição entre
Art. 3° – Todas as unidades que realizarem pro- eles. O médico que prescreve ou administra a medica-
cedimentos sob sedação profunda devem garantir os ção deve ter a habilidade de recuperar o paciente deste
meios de transporte e hospitais que disponham de re- nível ou mantê-lo e recuperá-lo de um estado de maior
cursos para atender a intercorrências graves que por- depressão das funções cardiovascular e respiratória.
ventura possam acontecer.
Art. 4° – Os anexos I e II fazem parte da presente Anexo II
resolução.
Equipamentos de emergência e reanimação
Art. 5º – Esta resolução entra em vigor na data de
sua publicação. Oxigênio – Sistema para fornecimento de oxigê-
nio a 100%.
Anexo I Aspirador – Sistema para aspirar secreções e son-
das para aspiração.
Definição e níveis de sedação
Manutenção das vias aéreas – Máscaras faciais,
 Sedação é um ato médico realizado mediante a máscaras laríngeas, cânulas naso e orofaríngeas, tubos
utilização de medicamentos com o objetivo de propor- endotraqueais e laringoscópio com lâminas.
cionar conforto ao paciente para a realização de pro- Monitores – Oxímetro de pulso com alarmes, mo-
cedimentos médicos ou odontológicos. Sob diferentes
nitor cardíaco e aparelho para medir pressão arterial.
aspectos clínicos, pode ser classificada em leve, mode-
rada e profunda, abaixo definidas: Equipamentos para reanimação e medica­
mentos – Balão auto-inflável (Ambu), desfibrilador
Sedação leve é um estado obtido com o uso de
medicamentos em que o paciente responde ao coman- e drogas para a reanimação.
do verbal. A função cognitiva e a coordenação podem
estar comprometidas. As funções cardiovascular e res- Parecer No 56/99, de 29 de setembro de
piratória não apresentam comprometimento. 199921
Sedação moderada/Analgesia (“Sedação cons­ A ementa do parecer CFM No 56/99, de 29 de
ciente”) é um estado de depressão da consciência, ob- setembro de 1999, diz:

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A avaliação pré-anestésica é direito do paciente e menos afortunadas, possui pleno conhecimento
dever do médico anestesiologista. As consultas anes- de que tem direitos. Tem ocorrido certa mudan-
tesiológicas realizadas em consultórios e/ou ambula- ça no comportamento dos familiares da criança
tórios devem ser remuneradas, mantendo tratamento em relação aos médicos, que, embora vistos como
isonômico com os demais médicos. benfeitores, não são mais acatados e reverenciados
Essas resoluções e esse parecer, que foram edi- como outrora foram, e têm cada vez mais procura-
tados para proteger o paciente e assegurar melhor do exercer seu direito quando entendem que hou-
condição de trabalho para o anestesista, têm gradu- ve descumprimento pelo médico da relação contra­
almente atingido o seu objetivo, porém têm criado tual6,7,23,24.
uma série de dificuldades, pois estão distantes da
A responsabilidade civil do médico anestesista
realidade social, econômica e cultural do país.
está fundamentada nos seguintes artigos do Códi-
As exigências, embora reais, são tantas que não são go Civil:
muitos os hospitais, ambulatórios e clínicas que têm
condições de atendê-las na íntegra, porém levanta- Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão vo-
mentos realizados pela Câmara Técnica de Anestesio- luntária, negligência ou imprudência, violar direito
logia do Conselho Regional de Medicina revelaram
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
que o número de instituições que estão se adequando
moral, comete ato ilícito.
a essas normas tem aumentado progressivamente21.
Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
RESPONSABILIDADE EM ANESTESIA 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
PEDIÁTRICA NO PLANO ADMINISTRATIVO A medida da reparação ou indenização é feita a
partir da avaliação dos danos, sejam eles materiais
No plano administrativo, a responsabilidade do ou morais. A indenização do dano moral, como o
anestesiologista que atende o paciente pediátrico é
sofrimento físico ou moral do paciente, o dano es-
regulada pelo Regimento do Hospital, pela CLT e,
tético e também a morte de menor que não exercia
nos hospitais públicos, pelo Estatuto do Funcioná-
atividade econômica, tem se constituído em objeto
rio Público.
de responsabilidade civil do médico, e a repara-
A responsabilidade no plano administrativo é
ção do dano considera a idade que tinha a criança
de particular importância para os anestesistas que
quando o fato lesivo ocorreu e a sua capacidade
trabalham com crianças, pois para o atendimento
destas são necessários equipamentos especiais ade- laborativa até a idade de 65 anos9,25.
quados à idade e ao peso, especialmente os ventila- Art. 949 – No caso de lesão ou outra ofensa à
dores e alguns materiais de consumo, como as son- saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do
das traqueais e os cateteres, sendo responsabilidade tratamento e dos lucros cessantes até o fim da conva-
do anestesista utilizar-se de todos os recursos legais lescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido
para conseguir que a administração do hospital as- prove haver sofrido.
segure as condições adequadas para o atendimento Art. 950 – Se da ofensa resultar defeito pelo qual
anestésico do paciente pediátrico22. o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão,
ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a in-
RESPONSABILIDADE CIVIL EM ANESTESIA denização, além das despesas do tratamento e lucros
PEDIÁTRICA cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão
Atualmente, o responsável pelo paciente pediá­ correspondente à importância do trabalho para que se
trico, mesmo que proveniente de camadas sociais inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

R e s p o n s a b i l i d a d e É t i c a e L e g a l e m A nestesia Pediátrica 31

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Art. 951 – O disposto nos arts. 948, 949 e 950 O delito culposo ocorre quando se age sem o
aplica-se ainda no caso de indenização devida por zelo devido, ou não se dispensa a atenção ou dili-
aquele que, no exercício de atividade profissional, gência devida, agindo-se sem a cautela necessária,
por negligência, imprudência ou imperícia, causar a e, portanto, não se percebe o resultado que poderia
morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão prever, ou, por levianamente que esse resultado não
ou inabilitá-lo para o trabalho. se concretizaria ou que poderia evitá-lo25,26,27.
Um grande número de ações reivindicando in- O delito pode ser agravado quando ocorrem
denização por dano material ou moral já tramitam circunstâncias que qualificam o crime como a pre-
na justiça comum, muitas delas tendo como auto- vista no artigo 61:
res os responsáveis por crianças que tiveram even- Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam
tos adversos durante o ato anestésico. a pena, quando não constituem ou qualificam o cri-
Finalmente, deve-se ter em mente que, no siste- me: (...).
ma jurídico brasileiro, a culpa não é presumida, ca- II – ter o agente cometido o crime: (...); g) com
bendo ao cliente, ao pleitear qualquer indenização, abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo,
o ônus de provar a culpa do médico. ofício, ministério ou profissão.
Nem mesmo o Código de Defesa do Consumidor, Se for considerado culpado e condenado em
que consagra a teoria da responsabilidade sem culpa, caso de crime culposo, as penas aplicáveis ao anes-
fugiu à regra. O tema é enfocado no artigo 14: tesista podem ser privativas da liberdade ou restri-
§ 4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais tivas de direito. A graduação das penas está prevista
liberais será apurada mediante a verificação da culpa. nos artigos que tipificam os crimes, como os arti-
gos 121, 129, 133 e 135:
RESPONSABILIDADE PENAL EM Art. 121– Matar alguém: Pena – detenção de seis
ANESTESIA PEDIÁTRICA a vinte anos. (...).
§3o – Se o homicídio é culposo: Pena – detenção,
Assim como o anestesista, ao realizar uma anes-
de um a três anos.
tesia em um paciente pediátrico, pode ser respon-
sabilizado civilmente por atos culposos, ele tam- §4o – No homicídio culposo, a pena é aumentada
bém está sujeito a responder criminalmente por de um terço se o crime resulta de inobservância de
seus atos. regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente
deixa de prestar imediatamente o socorro à vítima,
A responsabilidade criminal ou penal está fun-
não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou
damentada nos artigos a seguir:
foge para evitar prisão em flagrante.
Art. 18 – Diz-se o crime: (...); – culposo, quando
Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a
o agente deu causa ao resultado por imprudência, ne-
saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um
gligência ou imperícia.
ano.
O ato profissional do médico anestesista poderá
§1o – se resulta:
ser tipificado como um delito culposo, visto que a
própria atividade desse profissional tem como obje­ I – Incapacidade para ocupações habituais, por
tivo maior a vida ou a busca dela, e não o inverso – a mais de trinta dias;
morte. Há, outrossim, a necessidade de essa culpa II – Perigo de vida;
ser provada, pois vigora em nosso direito a máxima III – Debilidade permanente de membro, sentido
do direito romano “in dúbio, pró reu”26,27. ou função;

32 An e s t e s ia Pe diátrica

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IV – Aceleração de parto: Pena – reclusão, de um I – Prestação de serviços à comunidade;
a cinco anos. II – Interdição temporária de direitos;
§2o – se resulta: III – Limitação dos fins de semana.
I – Incapacidade permanente para o trabalho; Art. 44 – As penas restritivas de direito são autô-
II – Enfermidade incurável; nomas e substituem as privativas de liberdade quan-
III – Perda ou inutilização de membro, sentido do:
ou função; I – Aplicada pena privativa de liberdade inferior
IV – Deformidade permanente; a um ano ou se o crime for culposo;
V - Aborto: Pena – reclusão, de dois a oito anos. II – O réu não for reincidente;
§3o – Se resulta morte e as circunstâncias eviden- III – A culpabilidade, os antecedentes, a conduta
ciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu social e a personalidade do condenado, bem como os
o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a motivos e as circunstâncias indicarem que essa substi-
doze anos. tuição seja suficiente.
§6o – Se a lesão é culposa: Pena – detenção, de dois Parágrafo único – Nos crimes culposos, a pena
meses a um ano. privativa da liberdade aplicada, igual ou superior a
§7o – Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer um ano, pode ser substituída por uma pena restritiva
qualquer das hipóteses do art. 121, parágrafo 4o. de direitos e multa ou por duas penas restritivas de
direitos, exeqüíveis simultaneamente.
§8o – Aplica-se à lesão culposa o disposto no pará-
grafo 5o. do art. 121. Art. 47 – As penas de interdição temporária de
direitos são:
Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cui-
dado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qual- II – Proibição do exercício de profissão, atividade
quer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resul- ou ofício que dependam da habilitação especial, de
tantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a licença ou autorização do Poder Público;
três anos. Art. 56 – As penas de interdição previstas nos in-
§ 2o – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de qua- cisos I e II do artigo 47 aplicam-se para todo o crime
tro a doze anos. cometido no exercício de profissão, atividade, ofício,
cargo ou função, sempre que houver violação dos de-
Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando
veres que lhes são inerentes.
é possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abando-
nada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, A aplicação de pena restritiva de direito com a
ao desamparo ou em grave e eminente perigo; ou não proibição do exercício de sua profissão, ao anes-
pedir, nesses casos, o auxílio de autoridade pública: tisista, por parte do juiz, impediria o anestesista
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, de de exercê-la, pois, ao ser flagrado desrespeitando a
trezentos cruzeiros a dois mil cruzeiros. proibição, a pena poderia ser convertida em priva-
tiva de liberdade.
Parágrafo Único – A pena é aumentada de me-
tade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza
grave, e triplicada, se resulta a morte. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Lei No 7.209/84 dispõe sobre as penas res- 1. Lyons D. As regras morais e éticas. Campinas: Papirus;
tritivas de direito, que podem substituir em certos 1990.
2. Zajdsznajder L. É a ética uma ciência? In: Desafios éti-
casos a pena privativa da liberdade: cos. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1993, p.
Art. 43 – As penas restritivas de direito são: 15-9.

R e s p o n s a b i l i d a d e É t i c a e L e g a l e m A nestesia Pediátrica 33

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34 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 4
P r é - an e sté s i co em P ed i a t r i a
Suzana Barbosa de Miranda Teruya

Introdução Algumas variáveis, como o temperamento e a


idade da criança, assim como o estresse dos pais,
A avaliação pré-anestésica das crianças é marca- têm importante influência no grau dessa ansieda-
da por características singulares e deve considerar, de. Em muitas crianças, o pós-operatório imediato
além de suas particularidades clínicas, as implica- reflete a experiência da indução anestésica, portan-
ções psicológicas que o contexto cirúrgico cria para to aquelas que, ao dormirem, não se agitam acor-
toda a família. Assim, na avaliação da criança que dam tranqüilas e apresentam menos dificuldades
vai ser submetida a um procedimento cirúrgico,
na sala de recuperação (Fig. 4.1).
cabe ao anestesista pesar esses aspectos, equilibran-
do o tratamento. Se as queixas clínicas forem ex-
ploradas sem que a criança seja tratada de maneira
compatível com sua idade, então os cuidados pe-
rioperatórios não serão otimizados. No entanto, se
o estado psicológico e a condição clínica da criança
interferirem no julgamento clínico, o tratamento
pode ser ineficiente.

Encontrando a família e
diminuindo sua ansiedade
A ansiedade e o medo exagerados estão freqüen-
temente associados a uma indução anestésica agita-
da e prolongada1. Fig. 4.1 – Indução anestésica inalatória.

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A idade e o nível de maturidade afetam na quando é orientado pelo anestesista e não pelo ci-
compreensão e na resposta de cada criança à en- rurgião.
fermidade2. Durante a visita pré-anestésica, além No Instituto da Criança do Hospital das Clíni-
do questionário direcionado para os pais, deve-se cas, o grupo de anestesiologia criou o ambulatório
conversar com a criança, em uma linguagem apro- de pré-anestésico, onde as crianças são avaliadas e
priada para sua idade, e deixar que ela tome algu- as mães são orientadas antes do dia da cirurgia por
mas decisões que não irão interferir na anestesia. um anestesiologista do grupo. No mesmo dia em
O simples fato de perguntar se ela prefere o brace- que a criança é avaliada pelo cirurgião e a cirurgia é
lete de identificação no braço direito ou esquerdo marcada, a mãe é encaminhada para o ambulatório
tem uma influência importante em crianças peque- de pré-anestésico, evitando assim que ela precise
nas. Aquelas em idade escolar são relutantes em fa- novamente retornar ao hospital. Após a implanta-
zer perguntas apesar de terem medo de sentir dor ção desse ambulatório, o número de cirurgias sus-
ou acharem que alguém poderá machucá-las; vale pensas diminuiu, quer por jejum inadequado, quer
a pena gastar alguns minutos explicando minucio- por falta de exames ou por doenças associadas.
samente cada passo da indução anestésica, que ge-
ralmente é inalatória. Os adolescentes apresentam Avaliação Clínica
medo de acordar durante a cirurgia ou mesmo de
Alergias, medicamentos e tratamentos
morrer, e o dever do anestesiologista é tranqüilizá-
adjuvantes
los, garantindo que eles só irão acordar no final da
operação e que não sentirão dor. É importante que o anestesiologista questione
O estresse e a ansiedade dos pais geralmente sobre alergias a medicamentos assim como nos
estão associados tanto com a cirurgia como com a adultos. Alguns grupos da população pediátrica
anestesia (medo da morte da criança, seqüelas, dor apresentam risco aumentado de alergia ao látex, in-
pós-operatória etc.). Pais de crianças com menos cluindo crianças com espinha bífida e aquelas com
doenças urológicas que necessitam de cateterismo
de 1 ano mostram-se mais ansiosos do que pais de
intermitente. Reações adversas a alguns alimentos,
crianças maiores, principalmente quando se trata
como banana e abacate, e a produtos que conte-
do primeiro episódio cirúrgico, e geralmente a mãe
nham borracha, como balões e sandálias, alertam
tem mais ansiedade do que o pai3.
para a possibilidade de sensibilidade ao látex e de-
Com o intuito de minimizar essa ansiedade, vem ser mais bem investigados4. Apesar de saber-
podemos esclarecer algumas dúvidas, orientar o mos que as crianças não fazem uso de cigarros, o
jejum e fazer um pequeno questionário sobre o es- questionamento sobre o hábito de fumar de ou-
tado geral da criança, por meio de um telefonema, tras pessoas da casa deve considerado, pois existem
que pode ser realizado com 1 ou 2 dias de antece- evidências que sugerem que as fumantes passivas
dência à cirurgia, uma vez que a maioria das mães apresentam maior índice de complicações periope-
e crianças só conhece o anestesiologista momentos ratórias de vias aéreas5.
antes da cirurgia. Devemos salientar que em mo- Muitas crianças pequenas ainda não foram ex-
mento algum esse contato pelo telefone substitui postas a diversos medicamentos, porém um in-
a visita pré-anestésica, que deve ser realizada pelo terrogatório sobre todos aqueles já tomados ou
mesmo anestesista que obteve o primeiro contato ainda em uso deve ser feito, dando-se ênfase aos
pelo telefone e que irá realizar a anestesia.Temos antinflamatórios e aos que contenham ácido ace-
notado que as mães se sentem mais confortáveis tilsalicílico, pois estes podem interferir na agrega-
e que o tempo de jejum tem sido mais adequado ção plaquetária e aumentar o sangramento intra

36 An e s t e s ia Pe diátrica

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e pós-operatório, principalmente em cirurgias de crianças com e sem sintomas compatíveis com IVAS
adenóide e amígdala. Para facilitar a aceitação das submetidas a timpanotomia e não encontraram dife-
medicações, principalmente no pós-operatório, rença significativa quanto ao aumento da morbidade
devemos perguntar qual medicamento para dor a em crianças com IVAS6. Entretanto, outros autores
criança está acostumada a tomar e qual o tipo de demonstraram que existe uma maior incidência de
apresentação, lembrando que temos no mercado efeitos respiratórios adversos (broncoespasmo, la-
soluções para uso infantil com sabor mais agradá- ringoespasmo, hipóxia) em crianças submetidas a
vel e de melhor aceitação. Os tratamentos coad- procedimentos cirúrgico-anestésicos em vigência de
juvantes com me­dicamentos fitoterápicos também IVAS7. Nascimento et al. estudaram 84 crianças sub-
devem ser investigados. metidas à anestesia geral, estabelecendo uma relação
entre aquelas portadoras de sintomas compatíveis
Exame físico com IVAS e uma maior incidência de efeitos adversos
A avaliação física da criança é semelhante à do no sistema respiratório (secreção traqueobrônquica,
adulto, dando-se ênfase às vias aéreas e aos sistemas laringoespasmo, broncoespasmo e hipoxemia). Essas
respiratório, cardiovascular e neurológico. complicações foram mais freqüentes nas crianças sin-
tomáticas e abaixo de 1 ano8. Devemos ainda lem-
A avaliação das vias aéreas deve incluir:
brar que crianças com infecções de vias respiratórias
• identificação de anormalidades anatômicas apresentam diminuição no fluxo mucociliar, portan-
obviamente visíveis; to têm maior risco de desenvolver atelectasias.
• avaliação da abertura da boca e extensão do Na prática, há situações que não causam muita
pescoço; polêmica. Por exemplo, quando a criança apresenta
• tamanho da língua (geralmente maior em temperatura maior que 38oC, tosse produtiva com
portadores de Down); estertoração pulmonar, coriza purulenta e compro-
• observação de dentição “mole”. metimento do estado geral, devemos adiar a cirur-
Devemos avaliar também o tipo de respiração gia por 4 a 6 semanas ou até a melhora dos sinto-
da criança, pois bucal associada com dificuldade mas9. Existem algumas situações mais polêmicas,
de respiração nasal pode sugerir hipertrofia de nas quais a decisão de suspender ou não a cirurgia
adenóide e/ou amígdalas, o que pode dificultar a cabe ao anestesiologista envolvido no caso, junto
ventilação na hora da indução anestésica. Crian- com o cirurgião. Vale a pena lembrar alguns fatores
ças com outras patologias congênitas podem apre- que devem influenciar nessa decisão10:
sentar dificuldades de intubação e também estão 1. sempre devemos realizar as cirurgias de emer-
associadas a alterações em outros sistemas, como gência;
Pierre Robin e Treacher Collins, e devem ser mais
2. as crianças menores de 1 ano, por suas carac-
bem investigadas.
terísticas anatômicas, apresentam maior chance
de desenvolver complicações;
Infecções de vias aéreas superiores
3. toda criança desenvolve em média de 3 a 8
A criança com o “nariz escorrendo”, e possivel- episódios de IVAS por ano e, se respeitarmos
mente infecção das vias aéreas superiores (IVAS), re- o tempo de hiper-reatividade das vias aéreas (6
presenta um dilema: devemos ou não adiar a cirurgia? semanas), torna-se difícil remarcar a cirurgia;
Não existe uma regra ou conduta preestabelecida, 4. os sintomas iniciais de IVAS podem ser pró-
portanto devemos analisar cada caso separadamente. dromos de uma doença mais grave, portanto,
Na literatura encontramos uma divergência quando temos queda rápida do estado geral, a
de opiniões. Em 1987, Tait e Knight compararam cirurgia deve ser adiada;

Pr é-a nes tés i c o e m P e d i a t r i a 37

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5. os procedimentos ambulatorais são mais acon- qualquer sinal de infecção em crianças portadoras
selháveis, pois a criança tem menos risco de se de shunts ventriculares e, ao menor sinal, devemos
infectar com outro patógeno da enfermaria; adiar a cirurgia.
6. pesquisar sempre outro fator que possa aumen- As miopatias merecem uma atenção especial e
tar as chances de complicações, como asma e serão discutidas em capítulo a parte. Quando não
bronquite; foram previamente diagnosticadas, uma parada
7. a anestesia regional deverá, sempre que possível, cardíaca após o uso de succinilcolina pode sugerir
ser a técnica de escolha; hipercalemia e ser corrigida.
8. quando sob anestesia geral e intubação orotra-
queal, deve-se sempre manusear as vias aéreas Exames Laboratoriais
sob plano anestésico adequado;
Não existe uma uniformidade quanto a requi-
9. a monitorização dos sinais vitais, incluindo sa-
sição de exames laboratoriais no pré-operatório de
turação periférica da hemoglobina e monitori-
zação das vias aéreas, deve ser rigorosa, tanto no cirurgias ambulatoriais em crianças. Recentemen-
intra-operatório quanto no transporte e na sala te, o valor desses testes vem sendo reexaminado12.
de recuperação. Como rotina, não são necessários radiografia de
tórax, análise urinária, determinação da hemoglo-
Sistema cardiovascular bina e eletrólitos e testes de coagulação em crianças
sadias e sem sintomatologia. Porém esses testes de-
A presença de sopro cardíaco é um achado fre- vem ser solicitados em algumas situações, e a dis-
qüente, porém em sua maioria são denominados cussão a seguir pode orientar quanto a alguns testes
funcionais ou “inocentes”, sem qualquer reper- específicos.
cussão hemodinâmica. São mais comuns na faixa
etária dos 3 a 4 anos e tendem a diminuir sua inci- Concentração de hemoglobina
dência com o aumento da idade.
Se a criança apresenta algum sinal ou sin- A anemia já foi detectada em até 2% dos pa-
toma de anormalidade, cianose, dispnéia ou cientes pediátricos13, porém mais comumente ela é
se existe alguma dúvida quanto à origem desse reportada como anemia moderada (Hb > 9,5 g/dl),
achado, um ecocardiograma e a avaliação de um a qual não causa manifestação clínica, portanto só
car­diologista pediátrico devem ser solicitados no é detectada em testes laboratoriais, e não apresen-
pré-operatório11. tando impacto sobre a anestesia e o pós- operatório
de cirurgias de pequeno e médio porte.
Sistema neurológico A determinação da concentração da hemoglobi-
As crianças com anormalidade neurológica de- na deve ser solicitada no pré-operatório de crianças
vem ser avaliadas pelo neurologista antes da cirurgia. sintomáticas (taquicardia, cansaço) crianças com
Como regra geral, devemos manter as medicações patologias crônicas, ou como valor de referência
utilizadas pelo paciente no dia da cirurgia, princi- para cirurgias com potencial de sangramento im-
palmente os anticonvulsivantes, porém tendo em portante. Devemos ainda lembrar que a anemia
mente que tais medicações podem causar interações significativa (Hb < 9,0 g/dl) representa fator de
com as drogas anestésicas (por exemplo, aumento risco aumentado para apnéia pós-operatória em
ou diminuição do tempo de duração de alguns re- crianças prematuras, e isso sugere que devemos
laxantes musculares). Devemos estar atentos para adiar as cirurgias eletivas nessa situação.

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Testes de coagulação devem ser muito bem orientados e alertados so-
bre as alterações que as crianças sofrem durante
Os testes de coagulação são os que mais cau-
a indução anestésica, dos movimentos dos olhos
sam polêmica entre os testes laboratoriais. Uma
e dos membros, do choro e da irritação, para que
alteração no sistema de coagulação, não detectada
não haja decepções. A maioria das induções mal-
no pré- operatório, pode levar a sérias complica-
sucedidas na presença dos pais se deve ao mau
ções intra e pós-operatórias. Contudo, os testes
preparo da família durante a visita pré-operatória.
de screening comumente usados, como tempo de
Além dos pais, os profissionais que trabalham no
protrombina, tempo de tromboplastina parcial-
centro cirúrgico devem ser treinados para essa si-
mente ativado, contagem de plaquetas e tempo de
tuação, e o hospital deve incorporar uma rotina
sangramento e coagulação, não abrangem todas as
preestabelecida.
patologias associadas a uma maior probabilidade
de sangramento cirúrgico exagerado14. Na literatura ainda há muita diferença entre as
condutas nos vários serviços de vários países. Na
Uma história, tanto do paciente como de seus
Inglaterra, a indução anestésica acompanhada dos
familiares, é útil para selecionar aqueles que devem
ser submetidos aos testes de coagulação. Devemos pais é prática comum na maioria dos centros15, ao
questionar sobre hematomas freqüentes, sangra- contrário da França, onde ocorre em poucos cen-
mentos espontâneos, como epistaxes, e sangramento tros16. Nos Estados Unidos, cerca de 50% dos ser-
exagerado em pequenos traumas, como em extração viços adotam essa prática17. Já no Brasil não dispo-
dentária. Porém, existem algumas situações em que, mos de tal estatística, mas na cidade de São Paulo
mesmo com uma história negativa para sangramen- poucos hospitais oferecem essa oportunidade aos
tos, devemos considerar os testes laboratoriais: pacientes. No Instituto da Criança do Hospital das
Clínicas de São Paulo, os pais só acompanham as
1. pacientes que serão submetidos a cirurgias cujo
crianças até a porta do centro cirúrgico; por isso,
procedimento por si só pode levar a distúrbios
todas as crianças acima de 1 ano recebem medica-
de coagulação (por exemplo, bypass cardiopul-
ção pré-anestésica.
monar);
Estudos mostram que, apesar da presença dos
2. cirurgias em que o sistema de coagulação é par-
pais na indução anestésica diminuir o estresse cau-
ticularmente importante para uma hemostasia
adequada (por exemplo, amigdalectomia); sado pela separação, outros benefícios como a re-
dução da ansiedade da criança na indução ou no
3. cirurgias em que o mínimo sangramento pós- seu comportamento depois da cirurgia não estão
operatório pode ser crítico (por exemplo, neu-
comprovados18. Trabalhos recentes indicam que a
rocirurgia).
presença dos pais pode não ser benéfica19. Precisa-
mos de mais trabalhos prospectivos em que haja o
Indução na presença dos pais acompanhamento psicológico pré e pós-operatório
Outro tópico importante da avaliação pré- das famílias para alcançar conclusões objetivas em
operatória é o momento em que a criança é se- relação aos potenciais benefícios da indução anes-
parada dos pais para ser encaminhada ao centro tésica na presença dos pais, como a diminuição da
cirúrgico. Quando um dos pais acompanha a ansiedade da família e das crianças e a sua relação
criança até a sala de cirurgia, a medicação pré- com o prognóstico dos pacientes.
anestésica pode até ser suprimida. Esse acompa- Quando os pais demonstram o desejo de não
nhamento geralmente não é necessário para as acompanhar seus filhos ao centro cirúrgico, deve-
crianças menores de 10 meses, já que elas não se se respeitá-los. Uma alternativa para esta situa­ção é
incomodam com a presença de estranhos. Os pais a medicação pré-anestésica.

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Jejum pré-operatório vias aéreas, a necessidade desse tipo de medicação
pré-anestésica em crianças foi desaparecendo.
O jejum pré-operatório é requisito básico para
qualquer cirurgia eletiva. Nos últimos anos, o con- Hoje, apesar de a medicação pré-anestésica ain-
ceito de jejum para as cirurgias pediátricas vem da ter sua indicação por aumentar a segurança de
sofrendo alterações. A diminuição no tempo de je- uma anestesia, como a ranitidina em crianças com
jum tornou menos penoso o período pré-operató- risco aumentado de refluxo gastroesofágico, sua uti-
rio tanto para as mães quanto para as crianças, sem lização se dá muito mais em função de diminuir o
comprometer a segurança da anestesia. As crianças estresse e a ansiedade pré-operatórios.
ficam menos irritadas, normovolêmicas e com me- Crianças menores de 1 ano não desenvolveram
nor potencial para desenvolver hipoglicemia, prin- o medo de pessoas estranhas e geralmente não de-
cipalmente na idade neonatal20. monstram estresse quando separadas de seus pais,
O tempo necessário para manter o menor volu- por isso não é necessária a medicação pré-anestési-
me gástrico residual varia de acordo com a natureza ca. As mais beneficiadas por esse tipo de medicação
do alimento ingerido. A meia-vida de eliminação são as crianças em idade pré-escolar, pois ainda são
da água é em torno de 12 minutos, o que significa
incapazes de compreender a explicação dos médi-
que, após 1 hora, 95% dela já deixou o estômago.
cos e a separação de seus pais.
Nos lactentes, o leite materno apresenta uma meia-
vida de eliminação maior que os leites de fórmulas, Existem várias medicações que podem ser utili-
25 minutos e 51 minutos, respectivamente21. Com zadas como pré-anestésico e estão relacionadas na
base na literatura, podemos simplificar o tempo de Tabela 4.2. O midazolam tem-se tornado a droga
jejum pós-operatório como na Tabela 4.1. mais difundida entre os anestesiologistas de todos
os países, incluindo o Brasil. Em um questionário
enviado24 aos anestesiologistas nos Estados Unidos
Tabela 4.1 – Jejum pré-operatório
em 1997, 80% responderam que usam o midazolam
Tempo de jejum Horas (via oral), 4% usam a cetamina e 3% usam o fentanil
Idade Sólidos, leite Líquidos claros transmucoso (pirulito)23.
< 6 meses 4 2

6-36 meses 6 2-3 Tabela 4.2 – Medicação pré-anestésica

> 36 meses 6-8 2-3 Drogas Via de administrção Dose (mg/k)


Benzodiazepínicos
Midazolam Oral 0,25-0,5
Medicação pré-anestésica Intravenosa 0,05-0,15
Intramuscular 0,05-0,2
Historicamente, a medicação pré-anestésica foi
Opióides
introduzida na prática anestésica como uma medi-
cação coadjuvante e necessária para ajudar na se- Morfina Oral 0,2-0,5
Intravenosa 0,05-0,2
gurança durante a condução da anestesia22. Como
Meperidina Oral 1-2
exemplo, podemos citar o uso da hioscina, que tinha Intravenosa 0,5-2
como objetivo diminuir a secreção salivar, e a mor-
Fentanil Oral-transmucosa 15-20 mg
fina com o objetivo de diminuir a quantidade de Intravenosa 1-3 mg
anestésico inalatório necessário e conseqüentemente Cetamina Oral 4-10
manter uma melhor estabilidade hemodinâmica. Intramuscular 1-2
Retal 3-10
Com a chegada dos relaxantes musculares e de
Clonidina Oral 4 mg
novos agentes que causavam menor irritação das

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Devemos lembrar que as crianças não são “pe- Paulo: Sociedade de Anestesiologia do Estado de São
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Capítulo 5
P artic u l a r i d a d es d a
F isio lo g i a I n f a n t i l
Norma Sueli Pinheiro Módolo

SISTEMA CARDIOVASCULAR Durante a circulação fetal, ela é chamada de cir-


culação em paralelo, uma vez que ambos os ventrí-
O sistema cardiovascular da criança apresenta culos bombeiam o sangue simultaneamente para a
características próprias e limitações funcionais de- circulação sistêmica1-3.
terminadas pela etapa do desenvolvimento em que
Após o nascimento, a circulação que se estabelece é
ela se encontra.
em série, isto é, o ventrículo direito bombeia o sangue
Portanto, a administração da anestesia deve ser para a circulação pulmonar (uma vez que os pulmões
baseada no conhecimento desses fatores para que o assumem a função respiratória) e daí o sangue é drena-
atendimento à criança anestesiada seja otimizado e do para as câmaras esquerdas e bombeado para a cir-
ocorra de forma segura. culação sistêmica apenas pelo ventrículo esquerdo1-3.

Circulação fetal Anatomia funcional da circulação fetal


A circulação entre o feto e a placenta se esta- O sangue insaturado é levado à placenta para oxi-
belece como um mecanismo adaptativo para que genação pelas duas artérias umbilicais. O retorno para
o feto se desenvolva adequadamente no ambiente o feto, do então sangue com alto teor de oxigênio, em
fetal acidótico e relativamente hipoxêmico. torno de 80%, é realizado pela veia umbilical1,4.
Essa circulação tem vários canais de desvios in- Existe uma grande diferença entre a saturação
tra e extracardíacos, principalmente para assegurar por oxigênio do sangue trazido da placenta para
que o sangue, com conteúdo maior de oxigênio, o fígado pela veia umbilical (80% de O2) e a do
alcance o cérebro e o coração, que são órgãos com sangue que atinge o átrio direito (67% de O2). Isso
alta taxa metabólica. se deve ao fato de:

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• grande parte do sangue da veia umbilical passar do ao átrio direito pela veia cava inferior (31% de
pelo sistema porta intra-hepático, somando-se O2) é somado aos 30% do sangue da veia cava in-
ao trazido pela veia porta, com baixo teor de ferior que não passam para o átrio esquerdo e que
oxigênio, proveniente dos intestinos, estôma- vão para o ventrículo direito (VD) através da valva
go, baço e pâncreas, direcionando-se para a veia tricúspide. Os 70% do sangue que o átrio esquerdo
cava inferior pelas veias supra-hepáticas1-5. recebe da veia cava inferior, somados ao sangue que
• a veia cava inferior receber, também, sangue vem para ele dos pulmões não funcionantes, pelas
muito dessaturado de oxigênio dos membros quatro veias pulmonares, passam para o ventrículo
inferiores e dos órgãos retroperitoneais, princi- esquerdo (VE) pela valva mitral4,5.
palmente os rins; O fluxo de sangue da veia cava inferior vai de
• o átrio direito receber sangue muito pobre em encontro à crista dividens do forame de Botal, o
oxigênio (31% de O2) da veia cava superior, pro- que propicia essa divisão de 70% do sangue que
veniente principalmente da grande cabeça fetal; passa pelo forame para o átrio esquerdo e outra
• passar pouco sangue com saturação placentária porção de 30% que fica no átrio direito.
plena, da veia umbilical para a veia cava inferior, O forame de Botal possui na borda inferior a
através do ductus venosus de Arantius, provido valva de Vieussen, que, em virtude do potente flu-
de um esfíncter, sendo ele longo e estreito1-6. xo que passa do átrio direito para o átrio esquerdo,
O fato de o fígado fetal ser grande e avermelha- direciona-se para dentro do átrio esquerdo4,5.
do indica que a maior parte do fluxo venoso um-
Os ventrículos fetais recebem a mesma quan-
bílico-placentário passa por ele e que o esfíncter do
tidade de sangue e têm pressão quase igual (70%
sinus venosus de Arantius controla a passagem do
mmHg no VD e 65% mmHg no VE). Entretanto,
sangue oxigenado da veia umbilical diretamente
o ventrículo direito possui sangue com conteúdo
para a veia cava inferior e o átrio1-5.
menor de oxigênio – 50% de O2 (30% do sangue
Acredita-se que exista um mecanismo reflexo que
mais saturado da veia cava inferior e o sangue pou-
controla esse esfíncter quando o feto necessita de mais
co saturado da veia cava superior) – que o ventrí-
ou menos oxigênio e que esse mecanismo esteja sob o
culo esquerdo – 62% de O2 (70% do sangue mais
controle de um centro nervoso ou bioquímico5.
saturado da veia cava superior somado ao sangue
O fígado fetal necessita de muito sangue pro- que retorna pelas veias pulmonares).
veniente da placenta com substâncias nutritivas e
oxigênio para processar suas complexas funções Cerca de 80% do sangue de VD ejetado na
bioquímicas, síntese protéica etc. 1-5. artéria pulmonar passa pelo canal arterial (ductus
arteriosus de Botali) diretamente para a aorta des-
As substâncias que passam diretamente da veia
cendente. Somente 20% vão para os pulmões.
umbilical para a veia cava inferior, pelo ductus ve-
nosus de Arantius, não sofrem a ação das funções Quase todo o sangue oxigenado que o ventrícu-
hepáticas, mas também não prejudicam o organis- lo esquerdo ejeta na aorta vai para a grande cabeça
mo fetal4,5. fetal e os pequenos membros superiores.
Quanto aos rins fetais, eles têm sua função com- O sangue da aorta abdominal, pobre em oxigê-
partilhada com a placenta, e a função dos pulmões, nio, nutre os rins e intestinos, pouco funcionantes
é assumida pela completamente. ao nascimento4,5.
Cerca de 70% de sangue que entra no átrio di- A placenta recebe das artérias umbilicais volu-
reito são desviados para o átrio esquerdo, através moso fluxo de sangue para oxigenar, passando a ser
do forame de Botal (forame oval). O sangue trazi- de 80% a saturação nas veias umbilicais4,5.

44 An e s t e s ia Pe diátrica

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Circulação transicional neonatal permanente pela destruição endotelial e formação
do tecido conectivo demora de 2 a 3 semanas1-5.
No momento do nascimento, a circulação fetal,
com a oclusão e secção do cordão umbilical, passa
por súbitas mudanças: Fechamento do ducto arterioso (Ductus arterio-
sus de Botali)
• expansão do pulmão, com aumento da PaO2
para 60 mmHg e liberação de substâncias vaso- O ducto arterioso consiste em um canal que
ativas e metabólitos do ácido aracdônico, com conecta o tronco da artéria pulmonar com a aorta
diminuição da resistência vascular pulmonar1-5; descendente. Seu fechamento faz-se de forma fun-
• o fluxo sangüíneo pulmonar avoluma-se e au- cional, 10 a 15 horas após o nascimento, e, ana-
menta o sangue no átrio esquerdo, propician- tomicamente, completa-se em 2 ou 3 semanas de
do o fechamento do flap do forame oval, com vida. A diminuição da resistência vascular pulmo-
conseqüente aumento da pressão atrial esquer- nar e o aumento da sistêmica causam inversão do
da que excede a do átrio direito. Um pequeno fluxo, que, no feto, era da artéria pulmonar para
shunt esquerdo-direito persiste durante algumas a aorta (direita → esquerda). Após o nascimento,
semanas porque há fechamento incompleto do passa a ser da esquerda para a direita. Nas primei-
forame oval. Essa patência do forame oval está ras horas de vida, 30% a 50% do débito ventricu-
presente em 50% das crianças até 5 anos de ida- lar esquerdo circulam, através do ducto arterioso,
de e permanece assim em 25% a 30% de toda a da aorta para a artéria pulmonar. O fechamento
população adulta1-5; deste parece iniciar-se, principalmente, com o
aumento da oxigenação. O oxigênio aumenta a
• o circuito sangüíneo sistêmico-corpóreo conser-
velocidade da fosforilação oxidativa nas células do
va a sua volemia e, por deixar de submeter-se à músculo liso do ducto. A alta tensão de oxigênio
relativa baixa-resistência placentária com a inter- parece iniciar a síntese de ácidos graxos hidrope-
rupção do circuito umbilical, logo sua pressão róxidos, que suprimem a produção de prostaglan-
arterial e a do ventrículo esquerdo começam a dinas. As prostaglandinas na vida intra-uterina
elevar-se. Os ventrículos do coração fetal, por têm papel importante na patência do ducto. Este,
terem pressões quase equivalentes, possuem imaturo, é mais responsivo ao efeito vasodilatador
paredes com a mesma espessura e potencial de das prostaglandinas e menos sensível ao efeito va-
contração e ejeção que se igualam. A formação soconstritor do oxigênio. No último trimestre da
de miofibrilas no sarcômero de seus miocárdios gravidez, a sensibilidade ao O2 aumenta, ocorren-
é equivalente. Com o nascimento, entretanto, as do o inverso com as prostaglandinas. No recém-
paredes do ventrículo direito diminuem de es- nascido pré-termo, as prostaglandinas endógenas
pessura e as do ventrículo esquerdo aumentam. continuam atuando, podendo promover a patên-
As artérias dos circuitos pulmonar e sistêmico cia do ducto. A PGF2α e a alta tensão de oxigê-
passam a ter parede com espessura e musculatura nio têm efeito sinérgico, induzindo a contração.
lisa proporcionais às pressões correspondentes1-5; Na vida fetal, a PGF2α não tem ação eficaz em
• o ducto arterioso é composto de tecido sensível virtude da baixa tensão de O2. Outras variáveis
somente ao oxigênio, prostaglandinas e pH. Ele influenciam o fechamento do ducto, como altas
se contrai em 90% dos neonatos de termo nos concentrações de catecolaminas, que aumentam
primeiros três dias de vida com o aumento da ao nascimento (adrenalina e noradrenalina), bra-
PaO2, com a alteração do pH, que se torna me- dicininas e acetilcolina. O fechamento funcional
nos acidótico, e com o fato de cessar a liberação do ducto arterioso consiste na contração das cé-
de prostaglandinas pela placenta. O fechamento lulas musculares lisas, no edema subendotelial, na

Pa r ti cul a r i d a d e s d a F i s i o l o g i a In fa n t i l 45

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destruição do endotélio e na proliferação da ín- muito reativos. Por exemplo, hipóxia, hipotermia,
tima. No segundo estágio, fechamento anatômi- acidose, hipervolemia e profundidade inadequada
co, há pregueamento do endotélio do ducto, com de anestesia podem levar a aumento da resistência
ruptura, hemorragia e necrose da camada subínti- vascular pulmonar, com desvio de fluxo sangüíneo
ma. Forma-se tecido conjuntivo fibroso que sela da direita para a esquerda, através do ducto arterio-
permanentemente o lúmen. O vestígio estrutural so, forame oval ou ambos. A criança torna-se cia-
é o ligamento arterioso. nótica, taquipneica e, em geral, bradicárdica, com
débito cardíaco baixo. A circulação fetal persistente
Fechamento do forame oval (forame de pode-se perpetuar por vários dias, devendo-se res-
Botal) tabelecer as condições que otimizem novamente a
situação do recém-nascido.
O forame oval é uma válvula que se situa na
área central do septo atrial e se abre na direção do Outro problema grave, que também pode ocor-
átrio esquerdo. Esta válvula permanece aberta na rer, é relativo à passagem de cateteres centrais que
vida intra-uterina em virtude da pressão do átrio podem tornar patente o forame oval, devendo-se
direito, que normalmente excede a do átrio es- tomar precauções para que sangue ou ar adminis-
querdo, e porque há jato de sangue da veia cava trado acidentalmente não entrem na circulação sis-
que bate diretamente neste retalho. A mudança do têmica3.
fluxo D → E (pulmonar-aorta) para E → D e a
elevação do fluxo sangüíneo pulmonar aumentam Função sistólica
a pressão atrial esquerda, ocorrendo distensão do O coração fetal7,8 e, mesmo após o nascimen-
átrio que auxilia no fechamento do forame oval. As to, o coração neonatal têm limitada capacidade de
duas folhas do forame oval, que no útero arqueiam aumentar o débito cardíaco em resposta às altera-
para o átrio esquerdo, com as alterações descritas ções na pré-carga ou pós-carga7,9, provavelmente
(que causam distensão desta câmara – átrio esquer- pelo fato de já estarem no máximo da estimulação
do), empurram essas estruturas para o átrio direito, beta-adrenérgica. A reserva contrátil aumenta no
pressionando de fato as bordas das abas unidas e miócito maduro e o tônus basal beta-adrenérgico
fechando o orifício1-4,6. diminui. Existe controvérsia sobre qual mecanismo
básico seria o regulador primário do débito cardí-
Fechamento do ducto venoso (ductus aco no coração fetal ou no neonatal: a pré-carga
venosus de Arantius) (mecanismo de Frank-Starling) ou a freqüência
O ducto venoso conecta a veia umbilical do feto cardíaca. Sabe-se que ambos os mecanismos são
à veia cava inferior. O fechamento funcional, após funcionais ao nascimento7.
a remoção da placenta, ocorre 3 a 7 dias após o Estudos em animais de experimentação levam
nascimento. De 2 a 3 meses de idade ocorre fecha- a resultados conflitantes. Alguns investigadores
mento anatômico, e o ligamento venoso é o vestí- relatam que a freqüência cardíaca é o modulador
gio remanescente deste. Talvez a redução do fluxo primário do débito cardíaco no feto ou no coração
através do ducto venoso permita o colapso passivo do animal imaturo e que é mínimo o aumento do
e o fechamento. débito cardíaco devido ao aumento da pré-carga10.
Todas essas alterações que ocorrem ao nasci- Outros autores, entretanto, têm descrito o me-
mento podem ser reversíveis em algumas situações, canismo de Frank-Starling como determinante
que não são assim tão infreqüentes, principalmente primário do débito cardíaco, mesmo no coração
porque, no recém-nascido, os vasos pulmonares são imaturo11.

46 An e s t e s ia Pe diátrica

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Função diastólica Ambos os ventrículos interagem via septo ven-
tricular comum. O aumento na pressão do ven-
As características diastólicas do coração são rela-
trículo direito (VD) pode impedir o enchimento
tadas não somente pela função diastólica sarcomé-
diastólico ventricular esquerdo (VE). Diminuição
rica, mas também pelas propriedades de estiramen-
ou elevação na pré-carga do VD podem aumentar o
to passivo do citoesqueleto, da matriz intracelular,
enchimento do VE, afetando o débito cardíaco16.
da interação ventricular e do pericárdio. A com-
placência do miocárdio isolada e dos ventrículos
Consumo de oxigênio, metabolismo e fluxo
aumenta com o desenvolvimento10.
coronariano
A alteração pressão/tempo durante a diásto-
le (-dP/dt), a medida do relaxamento precoce, a O consumo de oxigênio pelo miocárdio neona-
constante de tempo do relaxamento isovolumétri- tal é muito maior do que do miocárdio adulto e
co (τ) e a medida do enchimento diastólico tardio está associado a um grande fluxo de sangue para
estão diminuídas no coração neonatal em relação esse miocárdio17,18,40.
ao coração adulto. Esses achados de diminuição da As mudanças estruturais do miocárdio durante o
complacência diastólica foram confirmados em fe- desenvolvimento ocorrem em paralelo com o subs-
tos de seres humanos em estudos com Doppler12. trato usado pelo miocárdio. A enzima responsável
Somando-se a isso, as propriedades intrínsecas dos por transferir ácidos graxos para a mitocôndria, que
miócitos e dos tecidos conectivos imaturos, a pare- é a maior fonte de energia do miocárdio adulto, é a
de do tórax e o pericárdio limitam o enchimento carnitina palmitoil-CoA transferase. Nos miócitos
dos ventrículos direito e esquerdo no feto13. imaturos, a atividade dessa enzima está diminuída
O relaxamento das células do miocárdio neces- e, assim, as fontes primárias de substrato energéti-
sita da saída do cálcio da troponina C. Se o cálcio co são o lactato e o carboidrato18.
sarcoplasmático não é rapidamente reduzido pelo
retículo sarcoplasmático (SR), o relaxamento será Eletrofisiologia
limitado. O SR pobremente desenvolvido no co-
Mudanças com o desenvolvimento acontecem
ração imaturo deve ser o ponto principal na piora
também no marcapasso e nas células do sistema de
do lusiotropismo (relaxamento do miocárdio) dos
condução.
corações fetais. O sarcolema deve ter papel impor-
tante na remoção do cálcio no coração neonatal, Os neonatos têm maior taxa intrínseca de au-
por meio do sistema de remoção por proteínas tomaticidade do nodo sinusal, menor tempo de
trocadoras Na+-Ca2+. Corroborando esse conceito, condução atrioventricular e aumento na condução
sabe-se que o miocárdio imaturo tem maior quan- intra-atrial e pelo feixe de His dos ventrículos19.
tidade dessas proteínas trocadoras14.
Histologia
Outros mecanismos alternativos de remoção do
cálcio são importantes no coração imaturo desde Durante a vida fetal e no período neonatal, o
que o SR é imaturo e não consegue remover este coração cresce por hiperplasia. Após esse período
íon adequadamente10. e pelo resto da vida, o coração pode aumentar
A afinidade da troponina C pelo cálcio deve ser a massa em resposta à demanda por mais pres-
fator determinante do relaxamento e existem mu- são ou volume somente pela hipertrofia das cé-
danças na troponina I e C durante a maturação. lulas miocárdicas20. A organização miofibrilar é
A recaptação mitocondrial do cálcio também é adquirida com o tempo. Nos miócitos imaturos,
maior nas células miocárdicas imaturas15. as miofibrilas são menos ordenadas, não tendo

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orientação e nem direção. No miócito adulto, as Componentes subcelulares
miofibrilas organizam-se em longas filas parale-
Mecanismos de transporte do cálcio
las, interespaçadas com fileiras de mitocôndrias.
Inicialmente, as miofibrilas estão em número re- A entrada de cálcio para as células, realizada
duzido e têm grande massa composta de núcleo, através dos canais do tipo L, no coração imaturo,
mitocôndria e ribossomas. Elas vão se tornando parece ativar a liberação do cálcio que estava ar-
longitudinalmente orientadas, até atingir a ca- mazenado no retículo sarcoplasmático, processo
racterística morfológica e organizada do adulto, chamado de cálcio induzindo a liberação do cál-
com suas células longas e ordenadas em fileiras cio. O coração neonatal é muito sensível aos efeitos
de sarcômeros21,22. depressores dos bloqueadores dos canais de cálcio,
A massa central de núcleos e mitocôndrias na provavelmente em virtude desse mecanismo. Ou-
célula imatura torna-se uma grande carga interna tra situação que se deve considerar é aquela após
que se contrapõe ao encurtamento do sarcômero, o bypass cardiopulmonar, quando os neonatos são
em contraste com a organização mecânica mais mais sensíveis aos efeitos depressores de infusões
eficiente do adulto. A pouca organização dos mió­ rápidas de plaquetas, plasma fresco congelado,
provavelmente pelo efeito quelante de cálcio pelo
citos imaturos impõe grande restrição à contração
citrato25.
do sarcômero, e, no repouso, produz um curto es-
tiramento23. Existem evidências de que o coração neonatal
necessita de fontes adicionais de cálcio, e não só
O citoesqueleto e a matriz extracelular provi-
corrente de cálcio através dos canais do tipo L, para
denciam suporte mecânico para o deslocamento
gerar tensão ativa.
do sarcômero, o qual desenvolve força contrátil
e estiramento, que aumenta a força de contração Portanto, uma alternativa para o suprimento e
passiva24. extrusão de cálcio, no coração neonatal, são os tro-
cadores de cálcio, que permutam três íons sódio
As mudanças que acontecem com o desenvolvi- por um íon cálcio.
mento na matriz extracelular e citoesqueleto con-
Nakanishi e Jarmakian26 demonstram que existe
tribuem para o aumento da contratilidade e com-
maior densidade das proteínas trocadoras Na+-Ca2+
placência do miocárdio21,22.
no coração imaturo. Uma variedade de outros sis-
Os discos intercalados e o sistema tubular trans- temas subcelulares mantém a condução do meio
verso estão ausentes ou pobremente desenvolvidos interno para que seja máxima a entrada de cálcio
e aparecem gradualmente com o avançar da ida- no sarcolema via proteínas trocadoras Na+-Ca2+ ou
de. As bandas A e I são irregulares no sarcômero pelos canais de cálcio do tipo L, para que exista
imaturo e regulares no adulto. O filamento grosso efeito máximo no acoplamento do cálcio na con-
da banda M também se adquire com o desenvolvi- tração-excitação. Como a troca do cálcio é feita
mento. A largura do disco da banda Z é mais variá­ pelo sódio, há necessidade de manter o gradiente
vel e grossa que no adulto21,22. de sódio apropriado.
A imaturidade do retículo sarcoplasmático é a Dessa forma, a bomba Na+-K+ usa energia do
principal responsável pela diferença na função sis- ATP para manter o gradiente apropriado de Na+
tólica e diastólica do miocárdio fetal e neonatal do através do sarcolema e propiciar a troca adequada
miocárdio adulto. com o cálcio7.
A mitocôndria se desenvolve em tamanho abso- Os glicosídeos cardíacos, por inibirem a bomba
luto e volume relativo intracelular21,22,24. Na -K+, aumentam o Na+ intracelular e então dimi-
+

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nuem a dependência do efluxo de cálcio dependente cimento, embora a inervação simpática seja in-
do sódio, resultando em aumento na concentração completa.
intracelular de cálcio e do inotropismo. O efeito ino- Os canais de cálcio do miocárdio neonatal res-
trópico desses agentes é maior no feto e neonato do pondem menos à estimulação beta-adrenérgica29.
que no adulto, consistente com o papel proeminente A resposta cardíaca mediada através do vago,
dos trocadores Na+-Ca2+ em modular o inotropismo em decorrência da hipoxemia e outros estímulos, é
no coração imaturo15,26,27. bem desenvolvida nos recém-nascidos.
As bombas de cálcio ATP-dependentes promo- A mielinização do vago progride durante o
vem a remoção do cálcio do citoplasma para man- desenvolvimento do feto e torna-se semelhante à
ter uma concentração citoplasmática extremamente mielinização da fase adulta em torno de 50 sema-
baixa (1/10.000 menor que o fluxo extracelular). nas de idade pós-conceptual.
A alta afinidade e a baixa capacidade das bombas
O número de receptores muscarínicos alcança
de cálcio do sarcolema fazem a extrusão do cálcio
o seu pico uma ou duas semanas antes do que o
da célula, e a alta capacidade e a baixa afinidade das
número dos receptores beta-adrenérgicos7,30.
ATPases localizadas nas membranas das organelas
internas, como o retículo sarcoplasmático, bom-
Interação com os anestésicos
beiam o cálcio para o lúmen do SR7. O número de
cálcio ATPases, a recaptação do cálcio, a liberação Os anestésicos voláteis e uma variedade de anes-
de cálcio e a atividade e eficiência das bombas de tésicos venosos afetam as correntes iônicas do mio-
cálcio aumentam durante o desenvolvimento15. cárdio voltagem-dependentes.
Muitos autores demonstram que o propofol
Proteínas contráteis inibe o influxo de cálcio nos cardiomiócitos. Es-
A miosina, a mais abundante proteína contrátil, tudos em outras células mostram que o propofol
perfaz 60% das proteínas miofibrilares. É respon- age como um bloqueador do canal de cálcio31-33.
sável pela transdução da energia química (ATP) Zhou et al.33 demonstraram, em coração de ratos,
em energia mecânica (contração). Toda miosina é que o propofol inibe a corrente de cálcio nos canais
composta por duas cadeias pesadas e dois pares de do tipo L por interagir com o sítio de ligação das
cadeias leves. dihidropiridinas.
As cabeças globulares das cadeias pesadas proje- Kanaya et al.34, após estudo em miócitos isola-
tam-se para formar a ponte de ligação com a actina dos de ratos, concluíram que o fentanil e a morfina
e necessitam da atividade do ATP para desencadear causam depressão direta do acoplamento excita-
o encurtamento e, portanto, a contração da fibra ção-contração em nível celular. O fentanil deprime
miocárdica. a contratilidade miocárdica por diminuir a dispo-
nibilidade do cálcio intracelular e a sensibilidade
O aumento da força contrátil desenvolvida pelo
dos miofilamentos ao cálcio. A morfina deprime a
miocárdio durante o desenvolvimento da criança
contratilidade miocárdica por diminuir a sensibili-
correlaciona-se com o aumento da atividade do
dade dos miofilamentos ao cálcio.
ATP da proteína contrátil, a miosina28.
Em 2000, Morray et al.35 publicaram artigo de
revisão com várias causas de parada cardíaca duran-
Regulação autonômica
te anestesia em crianças. Os problemas relaciona-
Os receptores beta-adrenérgicos e o sistema dos com medicações eram causa de 37% de todas
da adenilciclase são bem desenvolvidos ao nas- as paradas cardíacas em crianças, e entre as paradas

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cardíacas em crianças classificadas como estado fí- O coração em desenvolvimento é mais sensível à
sico ASA I e II perfaziam um total de 64%. O me- depressão na contração-relaxamento e na condução
canismo predominante dessa complicação, nesta atrioventricular pelo halotano. A freqüência cardía­
categoria, era depressão cardiovascular pelos agen- ca altera-se menos no coração neonatal do que no
tes inalatórios, usualmente o halotano, sozinho ou coração adulto tanto com o halotano quanto com
em combinação com medicação venosa. o isoflurano.
Entre as crianças que tiveram parada cardíaca por Kawana et al.41 investigaram em 38 crianças
depressão pelo halotano, 50% delas tinham 6 me- entre 1 e 6 anos os efeitos hemodinâmicos de 1
ses de idade ou menos e 50% inspiraram halotano e 2 CAM de sevoflurano e halotano. Os autores
em concentração de 2% ou menos. Algumas dessas encontraram diminuição no índice de resistência
crianças eram portadoras de doenças cardíacas. vascular sistêmica e na pressão de pulso. Quanto ao
Não está claro se o aumento da popularidade do índice cardíaco houve tendência à queda, embora
sevoflurano, como agente de indução em crianças, não significativa, em ambos os grupos. A freqüência
terá impacto no número de paradas cardíacas atri- cardíaca aumentou mais com o sevoflurano, e isso
buídas aos agentes inalatórios. Relatos com o sevo- atenuou a queda do índice cardíaco nesse grupo.
flurano demonstram que ele tem potencial menor Holzman et al.37 avaliaram a contratilidade do
para produzir bradicardia36 e depressão cardíaca miocárdio com o halotano e o sevoflurano, em 20
que o halotano37. Entretanto, ainda não se calculou crianças, pela ecocardiografia. A preservação da
a incidência de paradas cardíacas comparando-se contratilidade do miocárdio foi maior com o se-
os dois halogenados. voflurano.
Murray et al.38 utilizaram eletrocardiografia Wodey et al.42, comparando concentrações
e Doppler para determinar a função cardíaca em equipotentes de sevoflurano e de halotano em
20 crianças classificadas como estado físico ASA crianças, demonstraram que o sevoflurano não
I, com idade entre 9 dias e 32 meses, após doses alterou a freqüência cardíaca ou o índice cardíaco
equipotentes de isoflurano e halotano. Ambos os em todas as concentrações, em relação a valores do
anestésicos diminuíram a freqüência cardíaca, a paciente acordado. A contratilidade do miocárdio,
pressão arterial, o índice cardíaco e a fração de eje- determinada pelo índice de velocidade do estres-
ção. Entretanto, após sobrecarga de volume com se e índice do estresse de encurtamento da fibra
15 ml/kg-1 de Ringer lactato, a fração de ejeção cardíaca, diminuiu significativamente em todas as
aumentou no grupo do isoflurano e diminuiu no concentrações, mas não caiu abaixo da taxa normal
grupo do halotano, demonstrando que a reserva em qualquer concentração. O halotano determina
cardiovascular era maior no grupo do isoflurano. maior diminuição na freqüência cardíaca, na fra-
Murray et al.39 realizaram estudo ecocardiográ- ção de encurtamento, na velocidade de estresse e
fico em neonatos utilizando doses equipotentes de no índice cardíaco em todas as concentrações.
halotano e isoflurano. Ambos os anestésicos cau- Epstein et al.43 demonstraram que o uso de se-
saram diminuição no débito cardíaco, no volume voflurano na concentração de até 8% não ocasio-
sistólico e na fração de ejeção, mas a freqüência nou alterações hemodinâmicas importantes, não
cardíaca diminuiu de forma mais acentuada com havendo complicações relacionadas às vias aéreas
o halotano. durante a indução anestésica em pediatria.
Palmisano et al.40 utilizaram corações isolados Kanaya et al.44 demonstraram o efeito depres-
de coelhos adultos e neonatos (3 a 8 dias de vida) sor direto do miocárdio pelo sevoflurano, isoflu-
para demonstrar maior depressão na contratili- rano e halotano, em concentrações equipotentes,
dade com o halotano do que com o isoflurano. em cultura de miócitos ventriculares neonatais de

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ratos. Utilizando um agonista dos canais de cálcio Rivenes et al.50 estudaram os efeitos cardiovascu-
do tipo L (Bayk 8644), eles demonstraram que a lares do halotano, isoflurano, sevoflurano e do fenta-
depressão miocárdica foi maior com o halotano se- nil associado com midazolam em crianças com do-
guido do isoflurano e depois do sevoflurano e que ença cardíaca congênita. Encontraram preservação
essa depressão era revertida com este agonista em do índice cardíaco com o sevoflurano e o isoflurano
qualquer concentração dos anestésicos utilizada. e da contratilidade cardíaca com o isoflurano e com
Knobelsdorff et al.45 demonstraram, durante in- a associação de fentanil-midazolam. O halotano de-
dução anestésica em crianças com doença cardíaca primiu a contratilidade cardíaca e o índice cardíaco.
congênita, maior depressão do miocárdio com o Diante de todas essas considerações, devemos
halotano do que com o sevoflurano. lembrar que, na maioria das vezes, a punção veno-
Prakash et al.46 compararam os efeitos do halo- sa em pediatria é realizada na criança sob anestesia
tano e do sevoflurano (1 e 2 CAM) em músculo inalatória, administrada por meio de máscara fa-
cardíaco de ratos neonatos (0 a 3 dias de vida) e cial, com altas concentrações do anestésico inalató-
ratos adultos (84 dias de vida). Os músculos car- rio, o que também pode ocorrer durante a indução
díacos dos neonatos desenvolveram menor força anestésica. Portanto, devemos observar de modo
contrátil provavelmente pela alteração na ponte de contínuo os sinais vitais a fim de detectar preco-
ligação das proteínas contráteis actina-miosina. cemente qualquer sinal de depressão do sistema
cardiovascular.
Outros autores comprovaram que os halogena-
dos causam diminuição na sensibilidade ao cálcio
na geração de força contrátil tanto em corações SISTEMA RESPIRATÓRIO
adultos quanto em neonatais47. O sistema respiratório pediátrico apresenta
Estudos prévios relatam que os efeitos dos anes- um desenvolvimento contínuo, e até os 8 anos de
tésicos voláteis no miocárdio são mediados, em idade acontece a formação de vias aéreas e vasos.
parte, pela ação na ponte de ligação das proteínas A partir daí, essas estruturas aumentam em diâme-
contráteis actina-miosina, incluindo a diminuição tro, e não mais em número.
do número de pontes de ligação na geração da for- Fazem parte do sistema respiratório os centros
ça contrátil, ou na força produzida por uma única respiratórios centrais, os quimiorreceptores cen-
ponte de ligação. trais e periféricos, os nervos frênicos e intercostais,
Woytczak48 demonstrou, em embriões de fran- o hipoglosso (eferente) e o nervo vago (aferente),
gos, os efeitos hemodinâmicos do halotano e do a caixa torácica (incluindo os músculos do tórax,
isoflurano. Os embriões humanos e o das aves são abdômen, diafragma), as vias aéreas inferiores (in-
similares durante os estágios iniciais do desenvol- tratorácicas), os pulmões e os vasos do sistema pul-
vimento. O halotano, mas não o isoflurano, deter- monar. A função principal do sistema respiratório
mina diminuição no volume sistólico e no índice é manter o equilíbrio entre o oxigênio e o dióxido
de performance cardíaco, entretanto a freqüência de carbono. Os pulmões contribuem para a impor-
cardíaca não se alterou. tante regulação do equilíbrio ácido-base e para a
Russel et al.49 estudaram a eficácia e a segurança manutenção da temperatura corporal (pela perda
da anestesia com sevoflurano e halotano em crian- de água através dos pulmões), que é uma função
ças com doença cardíaca congênita. Os pacientes adicional sua. O pulmão também é órgão impor-
que receberam halotano apresentaram duas vezes tante para o metabolismo51.
mais episódios de hipotensão grave do que os que Para que a criança sobreviva no ambiente ex-
receberam sevoflurano. tra-uterino, várias mudanças devem acontecer nos

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sistemas respiratório e circulatório. O recém-nasci- A microanatomia vascular muda durante a vida
do deve ter controle neuronal eficaz dos músculos fetal e pós-natal. No adulto, as camadas musculares
respiratórios para expulsar o líquido amniótico e das artérias estão presentes até a pleura, enquanto,
permitir a entrada de ar nos pulmões. Ao mesmo ao nascimento, os músculos lisos estendem-se so-
tempo, os vasos pulmonares devem-se dilatar e au- mente até a altura do bronquíolo terminal. Du-
mentar o fluxo sangüíneo pulmonar, estabelecendo rante os primeiros anos de vida, o músculo liso se
adequada relação regional de ventilação-perfusão. afina e, como no adulto, estende-se distalmente da
Os pulmões desenvolvem-se na 4a semana da periferia para os ácinos53,54,56.
vida fetal. Inicialmente, dividem-se os brônquios
e depois os segmentos lobares e subsegmentares O pulmão pediátrico
das vias aéreas. Em torno da 16a semana, a geração
O pulmão pediátrico é menos complacente que
das vias aéreas é similar àquela que encontraremos na
o pulmão do adulto por diferenças na arquitetura
vida adulta52-54 e começa o desenvolvimento alveo-
alveolar, na elastina e no surfactante. A anatomia
lar. As vias aéreas terminais formam grandes sácu-
alveolar tem grande impacto durante o período
los, os quais, posteriormente, se tornam alvéolos
verdadeiros. Encontramos nos alvéolos dois tipos pré-natal, quando o alvéolo é pequeno e muitos
de células: pneumócitos dos tipos I e II. Os pneu- espaços aéreos estão no estágio pré-alveolar ou sa-
mócitos do tipo I revestem os alvéolos e constituem cular e têm paredes grossas54,56.
a maior parte da superfície alveolar. Os pneumóci- A quantidade de elastina nos alvéolos e nas vias
tos do tipo II surgem por volta da 24a semana de aéreas determina a elasticidade dos pulmões. Me-
gestação, são menos numerosos e produzem sur- nos elastina resulta em menor recolhimento elásti-
factante, que reduz a tensão da superfície alveolar, co e maior facilidade de colapso de vias aéreas e dos
mantendo a patência do alvéolo. A produção de alvéolos. Quando há pouca elastina, o colapso das
surfactante aumenta com a idade gestacional, atin- vias aéreas ocorre antes do final da expiração e de-
gindo volumes adequados para manter a insuflação termina volume de oclusão maior que a capacidade
pulmonar por volta da 34a semana de gestação. residual funcional e pressão intrapleural menor (0
O número de alvéolos aumenta rapidamente no a 2 cm de H2O). Essa maior capacidade de fecha-
período pós-natal, indo de 20 para 300 milhões, mento aumenta o shunt de sangue intrapulmonar e
número encontrado aos 8 anos de idade, quando o gradiente alvéolo-arterial de O2 e a probabilidade
então não se formam mais estruturas. Quando essa de desenvolvimento de hipóxia.
multiplicação se completa, o pulmão cresce, prin- Ao nascimento, a elastina estende-se até o bron-
cipalmente, porque ocorre aumento no tamanho quíolo terminal. A quantidade de elastina aumen-
dos alvéolos54,55. ta nos primeiros 18 anos de vida e gradualmente
A circulação pulmonar estabelece-se paralela- declina nas próximas cinco décadas. Conseqüen-
mente ao desenvolvimento das vias aéreas. O pa- temente, o pico da complacência pulmonar ocor-
drão adulto da árvore arterial está presente desde a re durante o final da adolescência e é relativa-
20a semana de gestação. Após 3 anos do nascimen- mente baixo no indivíduo muito velho ou muito
to, aproximadamente, o surgimento das novas ar- novo54,57,58.
térias segue o padrão de desenvolvimento das vias A imaturidade ou lesão no sistema que produz
aéreas terminais e dos alvéolos. As artérias supranu- o surfactante resulta em diminuição da complacên-
merárias, as quais suprem os alvéolos, continuam cia. A doença da membrana hialina ou a síndro-
a crescer em número em virtude do aumento na me do desconforto respiratório ocorre em crianças
quantidade de alvéolos. prematuras com produção inadequada de surfac-

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tante, sendo caracterizada por falência secundária vias aéreas ou de baixa complacência pulmonar,
à pequena complacência pulmonar e ao colapso existe a grande possibilidade de se provocar colap-
alveolar54. so da parede torácica com pouca entrada de ar. O
trabalho da respiração é muito maior nessa faixa
Resistência das vias aéreas etária comparado ao que se observa no indivíduo
adulto.
A resistência das vias aéreas é muito maior na
criança do que no adulto. Embora o número de Vias aéreas e os receptores pulmonares
gerações das vias aéreas esteja presente desde a 16a
semana de gestação, o calibre das vias aéreas é me- As vias aéreas, a traquéia, os brônquios, os pul-
nor que o do adulto. De acordo com a lei de Poi- mões e a parede do tórax têm receptores sensíveis
seuille, resistência = 8Ln/r4 L = comprimento e n = a estímulos mecânicos e químicos. Esses receptores
viscosidade; r = raio). Demonstra, portanto, que a afetam a ventilação, a circulação e outras funções
resistência é diretamente proporcional ao compri- não respiratórias.
mento das vias aéreas e inversamente proporcional No recém-nascido, os reflexos desencadeados
à quarta potência do raio. pela estimulação desses receptores são exacerbados,
A distribuição da resistência não é uniforme e pois durante a vida intra-uterina eles são importan-
muda com a idade. Hogg et al.55 demonstraram tes inibidores da respiração. Existem vários tipos de
que, enquanto a condutância das vias aéreas gran- receptores:
des e centrais permanecer relativamente constante, 1) receptores das vias aéreas superiores
a condutância das pequenas vias aéreas é baixa na Existem receptores no nariz, na faringe e na la-
criança jovem e aumenta muito após os 5 anos de ringe cuja estimulação pode desencadear espirros,
idade. A elevada na resistência das vias aéreas nas mudanças no tônus broncomotor, deglutição, tos-
crianças mais jovens resulta em aumento do traba- se, apnéia e mudanças no padrão ventilatório51,60.
lho respiratório e maior vulnerabilidade às doenças A ativação desses receptores pode desencadear la-
que afetam as pequenas vias aéreas54. ringoespasmo e bradicardia. Os reflexos desenca-
deados pela estimulação desses receptores influen-
Parede torácica ciam a patência das vias aéreas superiores e o pa-
drão ventilatório.
A parede torácica é altamente complacente no
Foram identificados três tipos de receptores da
recém-nascido. A configuração do tórax da criança
vias aéreas superiores:
é diferente da encontrada no adulto, apresentando
os arcos costais mais moles e não calcificados e ar- • receptores de pressão (mais comuns, em torno
de 60%, cuja atividade aumenta com a obstru-
ticulando-se com a coluna vertebral e o esterno em
ção das vias aéreas);
ângulo reto. A parede torácica do adulto é mais rí-
gida, tem arcos costais calcificados que se articulam • receptores de irritação (estimulados pela ativi-
com as vértebras e o esterno em ângulos agudos. dade dos músculos das vias aéreas superiores);
O tipo do tórax do adulto é mecanicamente • receptores de fluxo ou frio (são modulados com
mais eficiente e seu volume intratorácico pode a temperatura do ar inspirado e tornam-se silen-
ser aumentado quando se posiciona as costelas tes quando a temperatura do ar alcança a tem-
em posição horizontal54,59. Em virtude da grande peratura corporal ou 100% de umidificação)61.
complacência da parede torácica, a pressão negati- 2) receptores traqueobronquiais e pulmonares
va intrapleural e a presença de alta resistência das Foram identificados dois tipos de receptores:

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• os de adaptação lenta (que são os receptores de asma. Os mediadores endógenos da inflamação,
estiramento); histamina, prostaglandinas, serotonina e bradicini-
• os de adaptação rápida (que são receptores de na podem estimular esses receptores64.
irritação ou deflação). 4) receptores da parede torácica
Ambos possuem fibras mielinizadas aferentes Os músculos da parede torácica, incluindo o
vagais e terminações não mielinizadas da fibra C. diafragma e os músculos intercostais, contêm vá-
Os receptores de adaptação lenta, que são os de es- rios tipos de receptores que podem produzir refle-
tiramento, são mecanorreceptores e ativados pela xos respiratórios.
distensão das vias aéreas durante a insuflação pul- Portanto, durante a vida fetal, embora o feto
monar, inibindo a atividade respiratória (reflexo de exiba movimentos respiratórios tênues, parece ha-
insuflação de Hering-Breuer), enquanto mostram ver uma “preparação” para a respiração pós-natal.
pouca resposta nos estados de “equilíbrio” da insu- Se houver secção do nervo frênico bilateral, como
flação pulmonar60,61. Embora esses receptores sejam observado em fetos de ovelha, acontecerá hipopla-
essencialmente mecanorreceptores, a hipocapnía sia dos pulmões. Entretanto, a ventilação intra-ute-
estimula sua descarga e a hipercapnia a inibe62. rina é inibida pela presença do líquido amniótico
Os receptores de adaptação rápida, que são os de nas vias aéreas e pela atividade exacerbada desses
irritação, estão localizados superficialmente nas vias receptores, que fará com que não haja respiração
aéreas, em suas células epiteliais, principalmente na plena com gasto desnecessário de energia51.
região da carina e dos grandes brônquios60,62. Esses
receptores respondem a estímulos químicos e mecâ- Controle da respiração em recém-
nicos, e adaptando-se rapidamente a grandes insufla- nascidos (RN) e bebês
ções pulmonares, distorção ou deflação por possuí-
rem grande atividade dinâmica. São estimulados por Resposta à hipoxemia
cigarro, amônia, gases irritantes, inclusive anestésicos
Durante as primeiras 2 a 3 semanas de vida, tanto
inalatórios, histamina e prostaglandinas, sugerindo
o RN de termo quanto a criança prematura, em am-
seu papel nos estados patológicos. A ativação desses
biente aquecido, respondem à hipoxemia com au-
receptores nas grandes vias aéreas pode ser responsá-
mento transitório na ventilação seguido por depres-
vel por vários reflexos, como tosse, broncoconstrição
são respiratória sustentada65. Em ambiente frio, esse
e produção de muco. Estimular esses receptores da
aumento transitório da ventilação não acontece, indi-
periferia do pulmão pode produzir apnéia63.
cando a importância da manutenção da temperatura
3) terminais nervosos da fibra C ambiental neutra66. Após 3 semanas do nascimento,
Esses terminais da fibra C são estimulados por a hipoxemia induz hiperventilação sustentada como
congestão pulmonar, edema pulmonar, microêm- observada em crianças mais velhas e adultos51.
bolos pulmonares e gases irritantes, como os anes-
tésicos. A estimulação causa apnéia, hipotensão, Resposta à hipercarbia
bradicardia. Também é atribuída a essa estimu-
lação a grave contração da musculatura laríngea, Os recém-nascidos respondem à hipercarbia
devendo ser, em parte, responsável pelo laringoes- com aumento da ventilação, entretanto de forma
pasmo observado durante a indução da anestesia muito menos eficaz que crianças maiores e adul-
com anestésico inalatório51. Também a estimulação tos. Provavelmente, isso se deva a uma adaptação
dos terminais nervosos não mielinizados da fibra dos quimiorreceptores nos primeiros dias de vida,
C parece estar envolvida com situações patológi- pois durante a vida fetal eles estão sob influência de
cas, como edema pulmonar, embolismo pulmonar uma PaCO2 alta51.

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Aspectos anatômicos los da deglutição. A via aérea faríngea é facilmente
colapsada pelo deslocamento posterior da mandí-
Existem diferenças importantes entre a via aérea bula durante o sono, posição supina, flexão do pes-
normal pediátrica e a do indivíduo adulto. Os as- coço ou compressão externa sobre o osso hióide.
pectos anatômicos incluem diferenças no tamanho, Também entra em colapso facilmente quando um
na forma e na posição das vias aéreas, bem como no esforço respiratório cria pressão negativa no lúmen
seu epitélio e nas estruturas que as sustentam5;67,68. faringeal, especialmente quando os músculos que
As passagens nasais contribuem com aproxima- mantêm a via aérea estão com o tônus deprimido
damente 25% da resistência do sistema respirató- ou estão paralisados. Essa situação descrita é a que
rio do recém-nascido. acontece em anestesia. Os anestésicos deprimem o
A língua é grande e a inserção posterior próxima tônus muscular, aumentando a chance de obstru-
à abertura da laringe predispõe à obstrução respira- ção respiratória51,69.
tória, podendo ser difícil deslocá-la durante a rea- No neonato, a orofaringe e a entrada da laringe
lização da laringoscopia, principalmente se houver na altura das cordas ariepiglóticas são as áreas mais
hipoplasia da mandíbula5,67,68. facilmente colapsadas5,69.
As amígdalas e adenóides atingem o seu tama- O suporte mecânico que sustenta a patência da
nho máximo em torno de 4 a 7 anos de idade. faringe contra o colapso causado pela pressão nega-
Os primeiros dentes surgem por volta dos 6 me- tiva durante a inspiração é dado pela contração ou
ses de vida. Entretanto, a mineralização dos dentes tensão de vários músculos que circundam a farin-
primários começa no 4o mês de gestação, e as coroas ge, que são o genioglosso, genioióide, esternoióide,
dos incisivos estão completas no 6o mês de gestação. esternoióide e músculo tireóideos51,69.
No recém-nascido e lactente, uma leve compressão A laringe está localizada em posição mais cefáli-
na margem alveolar do maxilar durante a laringos- ca (C3 a C4) do que no adulto (C5 a C6). Com exce-
copia pode causar anomalias na mineralização dos ção da passagem nasal anterior, a laringe é a porção
dentes primários. Contudo, mesmo com sucessivas mais estreita das vias aéreas. A laringe é afunilada
laringoscopias, não foi demonstrada anomalia nos em crianças com menos de 8 a 10 anos de ida-
dentes secundários. de, com seu ponto mais estreito no anel cricóide.
O pescoço do recém-nascido é curto e associa- A cartilagem cricóide forma um anel cartilaginoso
se à abertura da glote na altura das vértebras C3 a completo, que protege as vias aéreas superiores da
C4, enquanto, no adulto, está situada na altura de compressão. O epitélio que recobre essas estruturas
C5 a C6. O osso hióide está próximo da cartilagem é o epitélio colunar pseudoestratificado, que tem
tireói­de e a distância entre esse osso e a base da um estroma frouxo e é muito vulnerável ao edema
língua é pequena. quando irritado ou traumatizado5,51,68.
A epiglote é uma estrutura cartilaginosa em for- Como o anel da cricóide é verdadeiramente
ma de U, que recobre a abertura glótica. É longa, cartilaginoso, sua mucosa, ao se edemaciar, cau-
flácida e projeta-se posteriormente, fazendo um sa obstrução importante das vias aéreas superiores.
ângulo de 45º com a base da língua do recém- É muito comum acontecer em pacientes nos quais há
nascido; no adulto, o ângulo é de 15o a 25o. Essas dificuldade de entubação e se realizam várias tentati-
diferenças dificultam visibilizar a glote quando a vas de laringoscopia e passagem de tubo traqueal.
laringoscopia é realizada51,67,68. O estreitamento assume importância especial
A faringe não é sustentada por rígida estrutura porque a resistência ao fluxo laminar é proporcio-
óssea ou cartilaginosa. Sua parede é constituída por nal ao raio elevado à quarta potência. Por exemplo,
tecidos que dão pouca sustentação e pelos múscu- 1 mm de edema circunferencial em uma criança

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com via aérea de 4 mm pode reduzir a área seccio- A diminuição da CRF tem como efeito adverso
nal em 75% e aumentar a resistência em 16 vezes. o fechamento das pequenas vias aéreas a piora da
O mesmo edema em um adulto com via aérea de distribuição da ventilação, a alteração da relação
8 mm pode reduzir a área em 44% e aumentar a ventilação/perfusão e a hipoxemia.
resistência em 3 vezes68,69. A capacidade residual funcional dinâmica em
O estreitamento das vias áreas ao nível da cri- crianças respirando espontaneamente é mantida
cóide e a angulação das cordas vocais geralmente em cerca de 40% da CPT (como no adulto em
desaparecem em torno de 10 a 12 meses. posição supina) em virtude de três mecanismos:
O tamanho do tubo endotraqueal (ETT) deve o fechamento da glote que provoca o fim da fase
ser selecionado de acordo com a abertura da carti- expiratória, pela expiração forçada contra a glote
lagem cricóide e, no adulto, o tubo endotraqueal parcialmente fechada, também referida como auto-
escolhido deve ser aquele que passa através das cor- PEEP, e pela manutenção do tônus dos músculos
das vocais. inspiratórios continuamente no diafragma e nos
intercostais, levando à rigidez da parede torácica
O ângulo agudo formado entre a laringe e a base
que se opõe ao recolhimento elástico dos pulmões,
da língua dá a falsa impressão de anteriorização e
o que melhora a complacência e diminui o fecha-
dificulta a entubação. A laringe não é anatomica-
mento das vias aéreas.
mente mais anteriorizada, mas é anterior à linha de
visão do laringoscópio. A pressão externa realizada
na laringe auxilia a visão esta5. Fechamento das vias aéreas e volume de oclusão
As cordas vocais são arqueadas e anguladas. Essa O colapso das vias aéreas pode ser devido ao vo-
anatomia predispõe a colocação da ponta do tubo lume ou ao fluxo. Os alvéolos e a vias aéreas são
traqueal na comissura anterior durante a entuba- menores nas regiões pulmonares dependentes do
ção. Girar o tubo endotraqueal 90º durante a entu- que nas regiões superiores. A capacidade de fecha-
bação melhora o ângulo de entrada na traquéia. mento é o volume acima do volume residual no
O tamanho aumentado da cabeça da criança e qual as vias aéreas das regiões dependentes come-
a curta distância das cordas vocais à carina (4 cm çam a fechar.
a 5 cm) podem causar movimentação do tubo en- Na maior parte dos pacientes, a capacidade de
dotraqueal com a flexão ou extensão da cabeça por fechamento aproxima-se da CRF, na posição su-
mais ou menos 2 cm5,69. pina, e sob anestesia geral. Quando o volume cor-
rente ocorre dentro dos limites da capacidade de
Volumes e capacidades pulmonares oclusão, o fluxo pulmonar é direcionado para áreas
de baixa ventilação, levando ao aumento do shunt
Capacidade residual funcional e da hipoxemia.
Capacidade residual funcional (CRF) é o volu- Em crianças, a capacidade de oclusão aproxi-
me de gás que fica nos pulmões no final da expira- ma-se do volume corrente, especialmente durante
ção quando o fluxo de gás é zero e a pressão alveolar a ventilação espontânea sob anestesia geral. A apli-
se iguala à pressão atmosférica. Preservar ou restau- cação da pressão positiva contínua nas vias aéreas
rar a capacidade residual e funcional é o objetivo durante a ventilação espontânea com a máscara
de toda intervenção clínica, como terapia torácica, facial auxilia a manter a patência das vias aéreas
diurético, broncodilatadores, PEEP/CPAP e venti- superiores e inferiores.
lação mecânica com pressão positiva, tanto quanto O tipo de fibra predominante na musculatura
analgesia adequada e deambulação precoce. respiratória (diafragma e intercostais), no neonato,

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é a fibra do tipo II, que não suporta esforço repeti- No final do 1o ano de vida, a configuração já é se-
do e entra em fadiga facilmente. Além disso, toda a melhante à do indivíduo adulto71,74.
musculatura que sustenta a via aérea fica com o tô- A punção lombar, nessa faixa etária, deverá ser
nus diminuído quando a criança está anestesiada, realizada abaixo da 4a ou 5a vértebras lombares (es-
levando ao colapso das vias aéreas superiores. paços L4-L5 ou L5-S1), para maior segurança, pelo
Todos esses fatores levam à diminuição da CRF, risco de se atingir a medula espinhal com a agulha.
ao maior volume de oclusão e à maior tendência à Ao se traçar uma linha imaginária entre as cristas
obstrução5,51. ilíacas do neonato, ela cruzará sua coluna vertebral
na altura do espaço L4-L5, enquanto no adulto será na
SISTEMA NERVOSO CENTRAL altura do espaço L3-L4.
A extensão da medula espinhal de um bebê, pe-
Ao nascimento, o desenvolvimento do sistema sando entre 3 e 4 kg, é de aproximadamente 20
nervoso central (SNC) é incompleto e não estará cm, enquanto a de um adulto é de 60 a 75 cm.
maduro até o final do 1o ano de vida70. Portanto, a relação entre peso corporal e extensão
O SNC neonatal é o órgão que se desenvolve de medula espinhal no RN é cerca de cinco vezes
mais rapidamente. O cérebro do RN de termo pesa maior que a mesma relação no adulto72,73.
335 g e equivale de 15% a 20% do peso corporal. Outro fator importante a se considerar é a
No segundo ano de vida, atinge 80% do peso do quantidade de líquor, que, no adulto, é de 140 ml,
cérebro do adulto. sendo 75 ml no espaço subaracnóideo. Na criança,
A ossificação incompleta de calota craniana, a quantidade total está entre 40 e 60 ml, e a metade
formando as fontanelas anteriores e posteriores, desse total encontra-se no espaço subaracnóideo.
permite a acomodação do cérebro em contínuo Logo, apesar de o volume absoluto ser reduzido na
crescimento. A fontanela posterior se fecha no 2o criança, o volume relativo é maior (2 ml/kg-1 no
mês, enquanto a anterior permanece aberta até o adulto e 4 ml/kg-1 na criança).
19o mês. Essas fontanelas servem de mecanismo- A medula espinhal da criança é muito vascu-
tampão para mudanças no volume intracraniano larizada e induz a rápida depuração do anestésico
e também proporcionam sítios de acesso para a local73.
monitorização intracraniana71. O paciente pediá­ A pressão intracraniana normal na criança está
trico, com fontanelas abertas, pode ser capaz de em torno de 2 a 4 mmHg70.
compensar o aumento lento e progressivo do volu- O conteúdo intracraniano do paciente pediátri-
me intracraniano pela expansão da calota craniana. co normal é semelhante ao do adulto. O tecido ce-
Entretanto, essa aparente complacência é limitada rebral e o líquido extracelular ocupam 80% do seu
e não acontece quando existe expansão aguda do volume, o fluido cerebrospinal, 10%, e o sangue,
volume intracraniano70. os outros 10%. Para manter constante o volume
A coluna vertebral tem crescimento mais rápido craniano, o aumento de um desses compartimen-
do que a medula. No recém-nascido, a medula es- tos deve ser compensado pela redução em outros,
pinhal termina na 2a ou na 3a vértebras lombares, sendo a alteração do volume do fluido cerebroespi-
enquanto no adulto o final desta é na borda infe- nhal o primeiro mecanismo-tampão.
rior da 1a vértebra lombar. O fluxo sangüíneo cerebral apresenta variação
O saco dural do recém-nascido se estende até a de acordo com a idade considerada: no recém-
2 ou 4a vértebras sacrais, enquanto, no indivíduo
a
nascido prematuro é de 12 ml/100 g/min; no RN
adulto se estende somente até a 2a vértebra sacral. de termo é de 23-40 ml/100 g/min, enquanto na

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idade adulta alcança 50 ml/100 g/min75,76. A regu- com conseqüente aumento do FSC. Isso acontece
lação do fluxo sangüíneo cerebral é realizada por entre 37ºC e 42ºC, entretanto, em temperaturas
vários mecanismos, como a taxa do metabolismo acima de 42ºC, ocorre dramática redução do con-
cerebral, a pressão parcial do dióxido de carbono sumo cerebral de oxigênio, indicando um potencial
(PaCO2), a pressão parcial de oxigênio (PaCO2), a efeito tóxico da temperatura que se traduz por de-
viscosidade sangüínea e pela auto-regulação, que é gradação protéica77,78. No entanto, em situações de
determinada pela relação entre a pressão de perfu- hipotermia, existe redução na taxa de consumo do
são cerebral e a pressão arterial. oxigênio cerebral, levando à diminuição do fluxo
O aumento da atividade neuronal resulta em sangüíneo cerebral, pelo mecanismo já abordado
aumento local do metabolismo cerebral, e este re- de acoplamento do fluxo-metabolismo. A taxa de
sulta em proporcional aumento do fluxo sangüíneo consumo cerebral de oxigênio diminui 6% a 7%
cerebral. para cada grau Celsius de redução da temperatura.
Roy e Sherrington, em 1980, foram os primei- A hipotermia causa redução tanto no metabolismo
ros a levantar a hipótese de que o principal deter- basal, que é necessário para a manutenção da in-
minante do FSC era a atividade funcional local. tegridade celular, quanto no metabolismo funcio-
Eles sugeriram que o cérebro tinha um mecanismo nal, isto é, consumo de oxigênio de acordo com a
intrínseco, por meio do qual o suprimento vascular função neuronal. Os agentes anestésicos afetam so-
poderia variar localmente em resposta a variações mente o componente funcional da taxa de consu-
da atividade funcional. O mecanismo mais prová- mo cerebral de oxigênio. Em animais com isquemia
vel para esta estreita correlação entre a demanda e global e lesão traumática do cérebro, a hipotermia
o consumo seria o mesmo que modula a resistência moderada (temperatura de 32ºC a 34ºC) reduz a
ao fluxo, por exemplo, o aparato contrátil das arte- lesão cerebral e melhora o comportamento, pos-
ríolas pré-capilares. teriormente79,80. Os efeitos da hipotermia incluem
O óxido nítrico e a adenosina são substâncias redução da isquemia cerebral, do edema, da lesão
propostas como mediadoras, que regulam o acopla- tecidual e a preservação da integridade da barreira
mento fluxo-metabolismo. A adenosina causa au- hematoencefálica81.
mento da produção do AMP cíclico, o que resulta Alternativamente, a hipotermia pode reduzir a
em vasodilatação cerebral. O óxido nítrico (NO) concentração de neurotransmissores excitatórios,
é um mensageiro intercelular que está presente na particularmente o glutamato82. Marion et al.83
circulação periférica e no sistema nervoso central, compararam os efeitos da hipotermia moderada
causando relaxamento do músculo liso e inibição da e da normotermia em 82 pacientes com lesão ce-
agregação plaquetária. Entretanto, outros mediado- rebral. Os pacientes selecionados para o grupo da
res, como os íons H+, nucleotídeos da adenina, K+, hipotermia foram resfriados a 33ºC, por 10 horas
prostaglandinas e peptídeos intestinais vasoativos, após a lesão, e mantidos a 32ºC-33ºC por 24 ho-
podem também estar envolvidos com a regulação ras, quando então foram reaquecidos. Os pacientes
do fluxo-metabolismo77. Os neurônios simpáticos e classificados, inicialmente, com escore de Glasgow
parassimpáticos podem contribuir para a regulação de 3 ou 4 não se beneficiaram com a hipotermia,
neurogênica do fluxo-metabolismo. Em ratos, esti- ao contrário daqueles enquadrados nos escores 5
mulação do SNS causa aumento do FSC e da taxa a 7, que tiveram uma boa recuperação. Entretan-
metabólica cerebral (CMRO2), enquanto a estimu- to, Hartung e Cottrell84 criticaram as conclusões
lação do SNPS causa somente aumento no FSC. de Marion et al.83 por julgarem a análise estatística
Durante períodos febris ou atividade convulsiva inapropriada. Esses autores, baseados na literatura,
ocorre um aumento da taxa metabólica cerebral, argumentaram que outros trabalhos encontraram

58 An e s t e s ia Pe diátrica

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melhora neurológica em pacientes, ou animais, Harolde, em 1988, demonstrou em 501 crianças o
com lesão cerebral sob hipotermia, somente no pe- aumento na velocidade do fluxo na artéria cerebral
ríodo da diminuição da temperatura. Após o rea- média que ocorria com a diminuição do hemató-
quecimento, nos grupos, tratados ou não, não mais crito. Vavilala et al.90 encontraram resultado seme-
se verificavam os benefícios da hipotermia. lhante. Esses autores demonstraram uma relação
linear entre o hematócrito e a velocidade do fluxo
Pressão parcial de oxigênio na artéria cerebral média. A diminuição do hema-
tócrito, de 38% para 22% (42% mais baixo), foi
A influência da PaO2 na circulação cerebral tem
associada ao aumento de 12% no fluxo sangüíneo
importância clínica relativa. Mudanças na PaO2,
cerebral. Tomiyama et al.91 encontraram aumento
de 60 a 300 mmHg, têm pouca influência no FSC.
de 35% no FSC quando o hematócrito diminuiu
Quando a PaO2 é menor que 60 mmHg, o FSC
de 44 para 17% (61% mais baixo). Os mecanismos
aumenta rapidamente e, com uma PaO2 tão baixa
quanto 30 mmHg, o fluxo sangüíneo cerebral do- atribuídos a essa alteração são o aumento reflexo
bra em relação aos valores basais71. do fluxo, para compensar a diminuição na capaci-
dade carreadora do oxigênio, e a mediação direta
A resposta à hipoxemia não é tão brusca quan-
da viscosidade no aumento de fluxo90.
to as alterações na PaCO2, e demora em torno
de seis minutos para que ocorram as alterações Aaslid et al., em 1989, demonstraram que o
no FSC. A hipoxemia pode induzir vasodilata- aumento do fluxo cerebral, secundário à anemia,
ção cerebral via glicólise anaeróbica e produção implica diminuição do tônus vascular e, talvez, da
do ácido lático, causando diminuição do pH ex- capacidade de auto-regulação, similar à causada
tracelular e subseqüente vasodilatação. Kochler e pela hipercarpnia. Outros trabalhos não demons-
Traystman85 demonstraram que as mudanças do traram a perda da auto-regulação cerebral quando
pH, durante a hipoxemia, não são inteiramente existe queda do hematócrito90,93. Entretanto, Vavi-
responsáveis pelo aumento no FSC. Muitos tra- lala et al.90 demonstraram que o limite inferior da
balhos têm proposto ser necessária a liberação da auto-regulação diminui com a transfusão sangüí-
adenosina para que ocorra a resposta vasodilata- nea. A importância clínica desse achado é que exis-
dora à hipoxemia86. te a necessidade de manter a pressão arterial média
O óxido nítrico também tem sido implicado alta quando o paciente está anêmico para manter o
como mediador, pois seus inibidores podem redu- FSC adequado.
zir aumentos no FSC que ocorrem durante a hipo-
xemia87. Pressão parcial do dióxido de carbono

A pressão parcial do dióxido de carbono é um


Efeitos da viscosidade no FSC
dos mais importantes reguladores da circulação
A viscosidade sangüínea é determinada pela vis- cerebral. No entanto, ao nascimento, a resposta
cosidade do plasma, agregação e flexibilidade dos dos vasos cerebrais às mudanças na PaCO2 não
eritrócitos, agregação plaquetária e, o mais impor- está completamente desenvolvida. A constrição e
tante, pelo hematócrito88. Em indivíduos saudá- a dilatação dos vasos cerebrais, em reposta a di-
veis, com variação do hematócrito dentro de uma minuição e aumento na PaCO2, respectivamente,
taxa considerada normal (33% a 45%), a alteração acontecem, embora não sejam tão efetivas, nesse
no fluxo sangüíneo cerebral é pequena89. período da vida, como no indivíduo adulto94.
A diminuição na viscosidade sangüínea, geral- Em indivíduos sadios, o FSC aumenta linear-
mente secundária à hemodiluição, aumenta o FSC. mente entre 2% e 4% por mmHg de PaCo2, que se

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altera, dentro de uma faixa de variação de 25 mmHg dos vasos cerebrais. Portanto, não só o CO2, mas
a 75 mmHg. Isso faz do CO2 o mais potente vasodi- também o bicarbonato, exercem seus efeitos na
latador cerebral77. vasculatura cerebral, por alterarem o pH do fluido
O ponto inicial para as mudanças no tônus vas- extracelular, e não por ação direta na musculatura
cular é a alteração no pH do líquido extracelular, lisa dos vasos97. Embora o CO2 seja um potente va-
causada pelo CO2. Quando o tônus vascular ce- sodilatador cerebral, os íons H+ arteriais não afetam
rebral é alterado por mudanças na PCO2, é pos- a vasculatura cerebral, porque eles não se difundem
sível que o CO2 sozinho, ou as mudanças no pH, através da BHE intacta e não podem, dessa for-
causadas pelo CO2, ou ambos, sejam sinalizadores ma, alterar o pH perivascular dos vasos cerebrais.
que desencadeiam as mudanças no tônus vascular. Conseqüentemente, a acidose ou a alcalose meta-
Soluções alcalóticas ou acidóticas, aplicadas no cé- bólicas não podem afetar o tônus vascular cerebral
na mesma magnitude que a alcalose ou a acidose
rebro, contraem ou dilatam as artérias, indicando
respiratória podem afetar esse tônus.
ação do pH no tônus vascular cerebral95.
Como o CO2 difunde-se livremente através das
No homem, Severinghaus et al.96 mostraram
membranas celulares, e o bicarbonato não, esses
que o FSC era normal durante a hipercapnia crô-
dados sugerem que o pH extracelular é mais im-
nica, o que sugere que o CO2, sozinho, não altera
portante que o pH intracelular no controle do tô-
o tônus vascular cerebral. Kontos et al.97 aplicaram,
nus vasomotor cerebral. Entretanto, outros autores
topicamente, fluido cerebroespinhal artificial no
sugerem que essa relação é difícil de ser estabeleci-
córtex cerebral de gatos anestesiados. O diâmetro
da com clareza, desde que exista completa intera-
das arteríolas cerebrais dos animais só respondeu ção entre o pH extra e intracelular102,103.
às mudanças no pH, não apresentando alterações
As mudanças no tônus do músculo liso vascular,
com as mudanças introduzidas na PCO2 do líquor
pelas alterações no pH, são realizadas por um se-
artificial. O efeito do pH no tônus vascular cere-
gundo sistema mensageiro e por alterar diretamen-
bral é mediado pelo óxido nítrico, prostanóides,
te a concentração do cálcio no músculo vascular
nucleotídeos cíclicos, canais de potássio e cálcio in-
liso. Vários mecanismos poderão estar envolvidos
tracelular, embora o mecanismo exato da interação
com as mudanças no tônus da vasculatura lisa in-
desses mediadores e o controle do tônus vascular
tracerebral, que são prostanóides, óxido nítrico,
cerebral não estejam totalmente esclarecidos98. As
nucleotídeos cíclicos, canais de potássio e a con-
mudanças no fluxo sangüíneo cerebral ocorrem
centração intracelular de cálcio98. Entretanto, em
após alguns segundos da alteração na PaCO2, e o animais recém-nascidos, danos no endotélio vas-
equilíbrio completo ocorre após 2 minutos99. cular previnem a mediação da resposta de aumento
Em animais adultos, a remoção do endotélio in do FSC pelo aumento na concentração de PGI2.
vivo e in vitro não altera a resposta das artérias ce- A inibição da fosfolipase, a qual previne a liberação
rebrais à hipercapnia. Isso sugere que, no adulto, do ácido aracdônico e a produção de prostanóides,
o endotélio não está envolvido com a resposta ao abole a resposta da circulação neonatal à hipercarp-
CO2; entretanto, no neonato, o endotélio contri- nia e à acidose extracelular. Os produtos da ciclo­
bui para o mecanismo de vasodilatação cerebral oxigenase são importantes reguladores da resposta
durante a hipercapnia100,101. à hipercapnia em recém-nascidos, mas não na cir-
A resposta da circulação cerebral às mudanças culação cerebral de adultos104,105.
na PaCO2 é causada pela rápida difusão arterial do O óxido nítrico é também um importante re-
CO2, através da barreira hematoencefálica, para o gulador do tônus vascular e é produzido por uma
fluído perivascular e para as células musculares lisas família de enzimas NO-sintase das células vascula-

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res cerebrais, em alguns nervos perivasculares, em cálcio quanto no tônus vasomotor. Durante a alca-
neurônios do parênquima cerebral e em células da lose, aumenta a concentração intracelular de cálcio
glia98,105. O óxido nítrico ativa a guanilate-ciclase no nas células do músculo liso vascular cerebral, com
músculo liso vascular, aumentando a concentração aumento do tônus. Do mesmo modo, as mudanças
intracelular de monofosfato cíclico de guanosina no pH extracelular afetam a concentração intrace-
(GNPc), causando relaxamento da musculatura lisa lular de cálcio e o tônus do músculo liso vascular
dos vasos106. Em neonatos, o NO não é mediador cerebral79.
da vasodilatação induzida pela CO2 elevada98,105. A acidose extracelular induz à dilatação das arte-
Em animais adultos, ainda não está claro, como ríolas cerebrais e isso pode ser prevenido pela eleva-
acontece também com o NO, se o GMPc funcio- ção do cálcio extracelular, sugerindo que a redução
na como um mediador da vasodilatação durante na entrada do cálcio no músculo liso é importante
a hipercapnia ou se os níveis basais de GMPc são na redução do tônus vascular pela acidose. Os nu-
necessários para permitir que ocorra vasodilatação cleotídeos cíclicos (AMPc e GMPc) afetam o tônus
cerebral provocada pelo aumento de CO2. Em por- vascular, em parte, por alterarem a concentração
cos recém-nascidos, a hipercarpnia causa vasodila- de cálcio do músculo liso. Tanto a AMPc quanto
tação cerebral e aumento na concentração cerebral o GMPc ativam suas respectivas proteínas quinases
da PGI2 e do AMPc. A inibição da ciclooxigenase e fosforilam os canais de cálcio, os quais reduzem
previne essas mudanças98,106. Portanto, em neona- a entrada de cálcio no músculo liso vascular. Os
tos, o AMPc faz a mediação da vasodilatação du- nucleotídeos cíclicos ativam, também, os canais de
rante a hipercapnia98,106. potássio, levando à hiperpolarização da membrana
e à ativação dos canais de cálcio voltagem-depen-
Canais de potássio dentes, reduzindo a concentração intracelular de
Os canais de potássio do músculo liso também cálcio107.
têm papel importante na regulação do tônus vas-
cular cerebral. No músculo liso, a abertura desses Auto-regulação cerebral
canais permite ao potássio se difundir para fora da
A pressão da perfusão (PPC) cerebral é, geral-
célula, tornando o interior desta mais negativo (hi-
mente, definida como a diferença entre a pressão
perpolarizada). Quando a célula está hiperpolariza-
sangüínea arterial e a pressão intracraniana. As
da, os canais de cálcio voltagem-dependentes redu-
crianças, como os indivíduos adultos, têm o meca-
zem o influxo do cálcio extracelular, diminuindo a
nismo de auto-regulação.
concentração intracelular de cálcio e reduzindo o
tônus do músculo vascular liso98. A auto-regulação se refere à capacidade de a cir-
culação cerebral ajustar sua resistência, para poder
Cálcio intracelular manter o fluxo sangüíneo cerebral constante, den-
tro da faixa de variação da pressão arterial média.
O tônus do músculo liso vascular é controlado Nos indivíduos sadios, os limites da auto-regulação
pela concentração do cálcio intracelular. Em con- ocorrem em PAMs de 70 mmHg a 150 mmHg.
dições basais, a concentração do cálcio intracelular Os valores previstos para que aconteça a auto-regu-
é, aproximadamente, 0,1 µm, ou seja, 10 mil vezes lação, em crianças, não são totalmente conhecidos.
menor que a do cálcio extracelular98. Em modelos experimentais, nos quais se utilizaram
Pequenas mudanças na condutância da mem- animais recém-nascidos, os limites superior e in-
brana plasmática ao cálcio podem ter um efeito ferior foram de 90 mmHg e 40 mmHg, respecti-
significativo, tanto na concentração intracelular do vamente108,109. Entretanto, neonatos submetidos a

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situações de estresse podem perder o mecanismo mecanismo. Assim, a concentração de adenosina
de auto-regulação110. aumenta no tecido cerebral quando a PAM cai
Dessa forma, as mudanças no FSC ocorrerão, pas- abaixo do limite inferior da auto-regulação. Após
sivamente, com as mudanças na pressão sangüínea sis- episódio de hipotensão, a concentração de adeno-
têmica70. Quando isso ocorre, existe o risco do desen- sina dobra em 5 segundos113.
volvimento da hemorragia intraventricular, lesão do Outra substância que tem sido considerada é o
SNC e morte111. Fog112 foi o primeiro a observar que óxido nítrico, embora com opiniões conflitantes.
os vasos cerebrais respondiam às alterações da pressão O mecanismo proposto para o óxido nítrico envol-
arterial média com vasoconstrição, ou vasodilatação, ve o monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) e a
para a preservação do fluxo sangüíneo cerebral. diminuição do cálcio intracelular77. Jones et al.114
O mecanismo de auto-regulação assegura que descreveram um aumento no limite inferior da
o aumento na PAM desencadeie aumento na re- auto-regulação com a administração de inibidores
sistência, com a redução no calibre das pequenas do óxido nítrico.
artérias e arteríolas cerebrais. Portanto, esse meca- Outras substâncias também foram propostas para
nismo protege as arteríolas cerebrais, e o cérebro, explicar esse mecanismo: proteína C quinase, mela-
da elevação da PAM, mantendo, ainda, o FSC ade- tonina, prostaclina e canais de potássio ativados77,114.
quado quando a PAM ou PPC diminuem. Além
destes limites de auto-regulação, o FSC é direta- Mecanismo miogênico
mente proporcional à PAM, ou pode ser descrito
como pressão-dependente ou pressão-passivo77. Bayliss, em 1902, foi o primeiro a propor essa
teoria, que não foi verificada experimentalmente
A auto-regulação é deteriorada ou abolida por
até 50 anos depois. A teoria miogênica propõe que
hipóxia, vasodilatação, trauma, tumores cerebrais,
o tônus basal dos músculos lisos dos vasos é afetado
abscessos, concentrações variáveis de anestésicos
por mudanças na perfusão ou na pressão transmu-
voláteis etc. Entretanto, assim como nos indiví-
ral, e o músculo contrai com o aumento da PAM e
duos adultos, o neonato tem a sua auto-regulação
relaxa com sua diminuição. Existem duas propos-
restaurada quando é ventilado71.
tas para explicar o mecanismo miogênico da auto-
regulação: reação rápida às pressões pulsáteis e re-
Mecanismos propostos para a auto- ação mais lenta às mudanças da PAM. A primeira
regulação
se inicia em 400 milissegundos e se completa em
O mecanismo fisiológico exato, responsável poucos minutos. A reação mais lenta parece ser o
pela auto-regulação, não é totalmente conhecido e componente dominante na regulação do FSC77.
pode representar uma combinação de mecanismos Alguns autores acreditam que o mecanismo
metabólicos, miogênicos e neurogênicos77. miogênico estabelece limites da auto-regulação, en-
quanto os mediadores metabólicos são os responsá-
Mecanismo metabólico veis diretos pela auto-regulação cerebral. Entretan-
to, elevação constante na pressão não é estímulo
Esse mecanismo estipula que a auto-regulação é suficiente para sustentar a contração vascular.
mediada pela liberação de substância vasodilatado-
ra, que regula a resistência cerebrovascular e man- Mecanismo neurogênico
tém o FSC constante. A adenosina, um potente
vasodilatador cerebral, é formada pela degradação A inervação perivascular dos vasos de resistência
do ATP, quando a demanda neuronal de oxigênio cerebral e o neurotransmissor contido nas fibras do
excede o suprimento, e tem sido implicada nesse nervo perivascular podem modular a resposta vas-

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cular às alterações da pressão arterial. Esse mecanis- Nos seres humanos, existe uma faixa interlimiar
mo de controle pelo SNC não é muito bem enten- de temperatura, situada entre 36,7oC e 37,1oC, na
dido. Embora a acetilcolina seja o mais abundante qual não ocorrem respostas efetoras124. Temperatu-
neurotransmissor perivascular, existe um número ras abaixo ou acima desses limiares desencadeiam
grande de neurotransmissores envolvidos com a as respostas efetoras (Fig. 5.1). Em condições nor-
resposta neural: norepinefrina, neuropeptídeo, co- mais, a faixa interlimiar não ultrapassa 0,4oC, po-
lecistoquinina, acetilcolina, peptídeo intestinal va- rém em pacientes anestesiados essa faixa pode che-
soativo e peptídeo calcitonina gene-relacionado115. gar a 4,0oC (Fig. 5.2). Os limiares de temperatura
podem ser influenciados por outros fatores, tais
TERMORREGULAÇÃO como ritmo circadiano, exercício, função tireoidia-
na e ação de drogas70.
As espécies animais homeotérmicas necessitam
manter a temperatura interna corporal constante No indivíduo consciente, a resposta comporta-
para preservar a fisiologia normal e a função meta- mental é a resposta termorreguladora quantitativa-
bólica. Nos seres humanos, a temperatura corporal mente mais eficaz. Entretanto, outros mecanismos
é mantida em torno de 37ºC, variando somente também são importantes, como a resposta vasomo-
0,4ºC acima ou abaixo desse valor70. tora, que se caracteriza pela vasodilatação e sudo-
rese em resposta ao calor e pela vasoconstrição e
A termorregulação é realizada por um sistema
piloereção em resposta ao frio; e o tremor, que au-
de controle fisiológico, que consiste em termorre-
menta o consumo de oxigênio e a taxa metabólica
ceptores centrais e periféricos, um sistema de con-
dução aferente, o controle central de integração em resposta ao frio125.
dos impulsos térmicos e um sistema de respostas Quando no hipotálamo há indicação de tempe-
eferentes levando a respostas compensatórias118. ratura corporal fria, impulsos desse local se dirigem
Os impulsos termais aferentes provêm de recep- para o córtex cerebral, dando ao indivíduo a sensa-
tores anatomicamente distintos ao frio e ao calor. ção de frio. O resultado é uma modificação com-
Esses receptores estão distribuídos pelo corpo e, portamental, com aumento da atividade motora,
embora vários tecidos contribuam para a determi- colocação de agasalhos e procura por ambientes
nação da temperatura, o neuroeixo, os tecidos ab- mais aquecidos. O controle das respostas compor-
dominais e torácicos localizados mais internamen- tamentais ao frio é baseado fundamentalmente nos
te, têm importância maior118-120. impulsos aferentes cutâneos126.
Os receptores para frio têm descargas de impulsos Em relação ao calor, as principais defesas autonô-
a temperaturas entre 25oC a 30oC e são inervados micas são a sudorese e a vasodilatação cutânea. A su-
por fibras Aδ. Os receptores para calor têm descargas dorese é mediada por inervação colinérgica pós-gan-
de impulsos a temperaturas entre 45oC a 50oC e são glionar nas terminações glandulares. A sudorese pode
inervados por fibras desmielinizadas do tipo C121,122. dissipar facilmente o calor em um ambiente seco,
As informações térmicas, ascendentes em sua pois cada grama sua evaporada absorve 584 calorias.
maioria, trafegam pelos tratos espinotalâmicos lo- A eficiência da sudorese é aumentada pela va-
calizados no corno anterior da medula espinhal, sodilatação pré-capilar termorreguladora, resposta
entretanto não existe um trato espinhal único e es- característica do homem, que é regulada por fatores
pecífico responsável por transmitir as informações como a bradicinina e o óxido nítrico. A vasodilata-
térmicas70. O hipotálamo anterior integra essas ção aumenta, em muito, o fluxo sangüíneo cutâneo
informações aferentes térmicas, e no hipotálamo para facilitar a transferência do calor central para a
posterior iniciam-se as respostas efetoras. pele e sua dissipação para o meio ambiente127.

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Paciente em vigília

Vasoconstrição
Vasodilatação ativa
Termogênese sem tremor Sudorese
Tremor

33 35 37 39 41

Temperatura corporal (oC)

Fig. 5.1 – Limiares termorreguladores em lactentes e crianças em estado de vigília. O eixo das ordenadas representa a intensidade máxima
das respostas efetoras. Adaptado de Bissonette70.

Paciente sob anestesia

Vasoconstrição
recém-nascidos
Crianças

Vasodilatação ativa
Termogênese sem tremor
Tremor > 6 anos Sudorese

33 35 37 39 41

Temperatura corporal (oC)

Fig. 5.2 – Limiares termorreguladores em lactentes e crianças sob anestesia. O eixo das ordenadas representa a intensidade máxima das
respostas efetoras. Adaptado de Bissonette70.

A resposta inicial ao frio é a vasoconstrição e que se liga aos receptores alfa-1 adrenérgicos.
cutânea. O fluxo sangüíneo digital total pode ser Embora o controle seja de origem central, o tô-
dividido em nutricional (capilar) e termorregula- nus vascular é modulado pela temperatura local.
dor (conexões arteriovenosas). A exposição ao frio Os receptores são sensibilizados pelo esfriamento
quase não altera o fluxo capilar, enquanto o das co- local e inibidos em temperaturas maiores ou iguais
nexões arteriovenosas das mãos, pés, lábios, nariz, a 37ºC70,120.
orelhas etc. diminui em até 100 vezes128. O tremor, atividade muscular involuntária que
O fluxo para curto-circuitos arteriovenosos é aumenta a produção metabólica de calor e o con-
mediado primariamente pela norepinefrina libe- sumo de oxigênio, somente ocorre após o desenca-
rada pelas terminações adrenérgicas pré-sinápticas deamento da vasoconstrição máxima, da termogê-

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nese sem tremor e das alterações comportamentais, rom, sendo a produção de calor um subproduto do
e quando essas respostas forem insuficientes para metabolismo dos ácidos graxos117. O aumento no
manter adequada a temperatura corporal129. metabolismo da gordura marrom causa elevação
A termogênese sem tremor é importante nos na proporção do débito cardíaco dirigido para essa
recém-nascidos e não acontece nos indivíduos gordura em até 25%, facilitando o aquecimento do
adultos. O recém-nascido pode duplicar a produ- sangue. A elevação da concentração sangüínea de
ção de calor pelo metabolismo durante a exposição noradrenalina predispõe à vasoconstrição pulmo-
ao frio. Essa resposta ao frio pode permanecer nos nar e periférica. No neonato, o aumento na pressão
primeiros dois anos de vida e é ativa mesmo nos da artéria pulmonar pode determinar abertura dos
prematuros130-132. canais de desvio (forame oval e/ou ducto arterioso)
com aumento do shunt direita-esquerda, desenca-
Os bebês não apresentam tremor provavelmen-
deando hipoxemia.
te pela imaturidade do sistema musculoesquelético
e porque sua massa muscular é pequena. No início de 1900, Budim135 correlacionou a
alteração na temperatura corporal com a mortali-
Durante a anestesia, é óbvio que a criança não
dade neonatal, evidenciando a importância de sua
pode aumentar sua produção de calor pelo au-
manutenção, principalmente nessa faixa etária.
mento da atividade. O tremor está praticamente
ausente nas crianças até os 3 meses de idade. Con- A diminuição da temperatura inicialmente
seqüentemente, o mecanismo mais importante de compensada pelo aumento do metabolismo pode
causar desvios regionais de sangue, provocar acido-
manutenção da temperatura na criança anestesiada
se e eventualmente apnéia (Fig. 5.3).
é através da termogênese sem tremor70,133,134.
A termogênese sem tremor aumenta a produção
de calor pelo aumento do metabolismo, e não pelo
Hipotermia
aumento do trabalho mecânico muscular. Esse fato
Norepinefrina Vasoconstrição
acontece, principalmente, pelo metabolismo da periférica
gordura marrom. A gordura marrom é um tecido
Vasoconstrição Acidose
altamente especializado com suprimento sangüí- pulmonar
neo abundante, grande número de células multi-
nucleadas e mitocôndrias, que são responsáveis por Metabolismo
sua coloração. Essas células têm pequenas vesículas Pressão da anaeróbico
artéria pulmonar
de gordura e terminações nervosas simpáticas em
Shunt Hipóxia
grande número133.
Direita-esquerda
Esse tecido se diferencia no feto humano na 26a
a 30a semana de gestação e é responsável por 2% a
Fig. 5.3 – Conseqüências da hipotermia no neonato. Adaptado de
3% do peso corporal da criança. Está localizado em
Klaus e Fanaroff136.
seis áreas: entre as escápulas, em pequenas aglome-
rações ao redor dos vasos sangüíneos do pescoço, Além disso, os neonatos apresentam perda de calor
em grandes depósitos na axila, no mediastino, em aumentada em relação ao indivíduo adulto, em virtu-
volta dos vasos mamários internos e em torno das de de sua grande superfície corporal quando compa-
glândulas adrenais ou rim133,134. rada à massa corporal. A combinação de perda de ca-
Quando a criança é exposta a ambiente frio, há lor aumentada, menor habilidade para produzir calor
aumento na produção de noradrenalina, que, por e menor eficácia da resposta termorreguladora tornam
sua vez, acelera o metabolismo da gordura mar- os recém-nascidos muito suscetíveis à hipotermia.

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Dessa forma, o neonato deve ser mantido em 2. Módolo NSP. O sistema cardiovascular da criança e a
ambiente com temperatura neutra para que se pos- anestesia. In: Braz JRC, Auler J JOC, Amaral JLG, Co-
riat P. O sistema cardiovascular e a anestesia. São Paulo:
sa minimizar a perda de calor e diminuir as altera- Unesp/Artes Médicas; 1997, p. 17-29.
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Temperatura neutra é aquela temperatura am- ma EK, Davis PJ. Smith’s anesthesia for infants and
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physiology. 9. ed. Philadelphia: W.B. Saunders; 1996, 136. Klaus M, Fanaroff A. Care of the high-risk neonate. 3.
p. 911-22. ed. Philadelphia: W.B. Saunders; 1986.
123. Frank S, Raja SN, Bulcão C, Goldstein D. Relative con- 137. Krishna G, Haselby KA, Rao CC, Wolfe TM, McNiéce
tribuition of core and cutaneous temperatures thermal WL. The Pediatric patient. In: Stoelting RK, Dierdorf
confort, autonomic and metabolic responses in humans. SF, eds. Anesthesia and co-existing disease. 3. ed. New
J Appl Physiol 1998;68:1588-93. York: Churchill Livingstone; 1993, p. 741-810.

70 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 6
Compo s iç ão d os Fl u i d os C o r p or a is
e Re po s iç ão H i d r oel e t r o l í t i c a
Emília Aparecida Valinetti

Introdução Composição e Distribuição dos


Líquidos Corpóreos
O conceito de movimento circular do sangue no
corpo iniciou-se em 1628, quando William Harvey Água corporal total e sua distribuição
descreveu e atribuiu ao coração o fundamento da compartimental
vida de um indivíduo, e do qual todo crescimento
O principal componente do corpo é a água. Ela
depende e todo vigor flui1. Esse relato simples parece
constitui aproximadamente 70% (78±5%) do peso
ter contribuído para a instituição da terapia paren- corporal do neonato de termo e 80% do neo­nato
teral, assim como pode ter sido o responsável pelo prematuro3-5 (Figs. 6.1 e 6.2).
interesse em conhecer os compartimentos líquidos,
A água está em equilíbrio termodinâmico atra-
sua composição, os mecanismos de regulação hidro-
vés das membranas celulares e se move somente
eletrolítica, os mecanismos de regulação osmótica, e
em resposta ao movimento do soluto contido nos
o equilíbrio ácido-base no homem.
compartimentos. O movimento da água através
Apesar disso, ainda hoje a mortalidade infantil das membranas segue a equação descrita pela lei de
por desidratação severa prevalece principalmente equilíbrio de Starling:
em países pobres ou em desenvolvimento2.
Assim, este capítulo tem o objetivo de abranger Qf = Kf[( Pc – Pi ) - σ ( πc - πi )]
tópicos sobre a distribuição corpórea dos líquidos na
criança, o mecanismo de regulação hídrica e eletro- onde Qf é o fluxo de líquido, Kf é o coeficiente de filtração líquida da
membrana, Pc, Pi, πc e πi são pressões hidrostática e osmótica em
lítica, a osmorregulação e as alternativas disponíveis cada lado da membrana, e σ é o coeficiente de reflexão do soluto e
para reposição de volume na população pediátrica membrana em questão.
durante procedimento anestésico-cirúrgico.

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O coeficiente de reflexão (σ) mede a permea-
bilidade de um soluto através de uma membrana,
contribuindo para a manutenção da força osmótica AJC AEC
após o equilíbrio estabelecido. O valor de σ para % 100 0 50 100 0 50 100
o sódio quando a membrana é a barreira sangue- Gordura
90 Sangue
cérebro se aproxima de 1,06, enquanto no músculo
80 Esqueleto
e outras membranas celulares é em torno de 0,15 a Tecido conectivo
0,37. Já o coeficiente de reflexão para a albumina é 70 Órgãos
parenquimatosos

Água em % ACT
em torno de 0,88, criando a assim chamada pressão 60 SNC
coloidosmótica intravascular, onde a albumina é o
50
maior contribuinte, em torno de 80%. A presença Pele
40
de uma membrana celular pressupõe a existência subcutânea
de dois compartimentos líquidos. Assim, as célu- 30
las estão suspensas, sustentadas e individualizadas 20
Músculo
pelo fluido extracelular. As interfaces extracelular e 10
celular estão em equilíbrio osmótico e elétrico. O
equilíbrio elétrico é mantido pela bomba de sódio-
10
potássio, que permite ao potássio ser o principal
% Gordura

20 Neonato
cátion intracelular e ao sódio predominar no espa- Adulto
ço extracelular9. 30

A distribuição de líquido nos compartimentos


varia com a idade. Contudo, a osmolaridade, que é
Fig. 6.1 – Proporção de água nos diversos tecidos intracelulares e
a concentração de soluto em uma solução por uni- extracelulares na criança e no adulto.
dade de solvente e expressa como osmóis por litro,
de cada compartimento líquido é constante (280-
300 mOsm/l) durante o desenvolvimento e nas di-
versas faixas etárias, mudando apenas a proporção
Comportamentos corporais
de volume em cada espaço compartimental10.
100

90 Água total
Líquido extracelular Água extracelular
80 Água intracelular
O compartimento líquido extracelular é funcio- 70
nalmente constituído pelos volumes intravascular
% peso corpóreo

60
(volume plasmático ou sangüíneo) e intersticial
50
(extravascular), que são anatomicamente separados
pelo endotélio capilar. O sódio e outros ânions são 40

determinantes do compartimento extracelular. 30

O espaço intersticial foi descrito como uma 20

matriz gelatinosa que permite acomodar líquidos 10


Idade em Anos
extravasados do espaço intravascular, em condições Meses lunares Meses Adultos

de aumento do volume plamático11. E, em condi- 0 3 6 90 3 6 9 1 3 6 7 9 11 13 15


ção em que existe redução do volume circulante, o
líquido intersticial é desviado para o intravascular, Fig. 6.2 – Proporção de água nos compartimentos corporais duran-
em uma tentativa de restabelecer o equilíbrio. te o desenvolvimento da criança até a idade adulta.

72 An e s t e s ia Pe diátrica

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No adolescente, o volume do espaço intersticial lutos que apresentam altos valores de coeficiente
gira em torno de 20% da massa corporal, enquanto de reflexão (σ) na membrana, assim como o só-
o volume plasmático fica em torno de 7%-10%. dio, o manitol e a albumina, promovem uma li-
Portanto, o volume do espaço extracelular (soma beração de HAD, que é diretamente proporcional
do intersticial com o plasmático) perfaz um volu- à velocidade de aumento da osmolalidade sérica, a
me que equivale a 27%-30% da massa corporal. partir do limiar de estímulo da secreção de HAD
Entretanto, nos lactentes e neonatos de termo o (280 mOsm/L). Assim, quanto mais rápido é o au-
volume do compartimento extracelular é de apro- mento da osmolaridade, mais intensa é a liberação
ximadamente 45% da massa corporal e, no prema- de HAD e, quanto mais lento é esse aumento, me-
turo extremo pode chegar a 60% do seu peso cor- nos intensa é essa liberação.
poral4-5. Apesar da grande variação de volume entre Apesar de a albumina normalmente estar presente
as diversas faixas etárias da população pediátrica, no intravascular, em pacientes críticos (trauma, por
a quantidade de água existente no compartimento exemplo), o valor do coeficiente de reflexão da albu-
extracelular é incapaz de suprir as perdas líquidas mina (na membrana alveolocapilar) está diminuído
que ocorrem no perioperatório. em torno de um terço do valor habitual. Nessa cir-
O volume sangüíneo circulante exibe um fino cunstância, a infusão rápida (bolus) de albumina fa-
controle, de maneira que o aumento do volume vorece o extravasamento protéico para o interstício,
intravascular resulta do aumento da retenção de limitando sua eficácia no tratamento. Greissman et
água e sódio, enquanto a diminuição do volume al14. comprovaram que a infusão lenta e contínua de
intravascular é conseqüência do aumento da excre- albumina é mais eficaz que quando administrada em
ção desses componentes. No entanto, a osmolari- bolus em pacientes pediátricos com hipoalbumine-
dade sérica deve ser mantida dentro de limites bem mia ou sepse. Esse fenômeno é atribuído à hipótese
estreitos, isto é, entre 280-300 mOsm/l. Variação de que diferentes populações de células secretoras de
tão pequena quanto 1% na osmolaridade sérica de- vasopressina são responsivas a informações mediadas
sencadeia mecanismos regulatórios como resposta por flutuação osmótica e barorreceptora.
a essa variação. A regulação da osmolaridade sérica Enfim, o volume de líquido intravascular, a
é realizada principalmente pelo hormônio antidiu- ingesta de água e sal, o balanço eletrolítico, a in-
rético (HAD), pela sede e pela capacidade de con- tegridade vascular e o estado de enchimento car-
centração renal. Esses mecanismos osmorregulató- diovascular são parte de uma engrenagem para a
rios sofrem influência de fatores como pressão san- manutenção da homeostase dos compartimentos
güínea, débito cardíaco e capacitância vascular12,13. líquidos no organismo. Quando o enchimento vas-
Porém, em condições patológicas como ascite ou cular e a pressão sangüínea sistêmica aumentam,
hemorragia, a preservação do volume intravascular a liberação de HAD é interrompida, ocorrendo
prevalece sobre a osmolaridade plasmática, o que então diurese e natriurese3 (perdas renais). As al-
geralmente causa um desequilíbrio no balanço de terações transitórias da pressão arterial secundária
soluto entre os compartimentos. a alterações da resistência vascular periférica são
É conhecido que a HAD (vasopressina argini- acompanhadas por mudanças opostas às descritas
na) é liberada pelos neurônios do núcleo supraó- em relação ao sódio e à água corporal total.
tico e paraventricular em resposta às variações de Diante de episódio de hipotensão arterial, me-
osmolaridade dentro da célula. Alguns solutos, canismos compensatórios são ativados, por exem-
como a uréia, atravessam as membranas celulares plo, o sistema renina-angiotensina. Em condições
e aumentam a osmolaridade sérica sem provocar de hipoperfusão renal, as células justaglomerulares
a liberação de HAD. Contudo, a infusão de so- liberam renina, que, por sua vez, converte o angio-

C om p os i çã o do s F l u i d o s Co r p o r a i s e Re po s iç ão Hidro e le t ro lít ic a 73

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tensinogênio para angiotensina I. A angiotensina nistração de solução hipotônica (livre de eletrólitos)
I é rapidamente convertida para angiotensina II para expandir o espaço extracelular favorece o des-
através da enzima conversora que está presente no vio de água livre para dentro da célula e o desenvol-
endotélio pulmonar. A angiotensina II mantém a vimento de hiponatremia dilucional. Essa é a res-
pressão arterial por três mecanismos: efeito direto posta alteração da osmolaridade no compartimento
causando vasoconstrição; aumento da retenção de extracelular associado a estímulo não osmótico para
sódio e água mediado pela vasoconstrição renal e produção de hormônio antidiurético (HAD), acar-
diminuição da filtração glomerular; e estimulação retando retenção de água livre e hiponatremia4,15.
da secreção de aldosterona (Fig. 6.3). Essa é, por- A administração de solução hipertônica (mani-
tanto, uma maneira que o organismo utiliza para tol, solução hipertônica de Na, bicarbonato de só-
reparar as perdas que ocorrem no compartimento dio) favorece o desvio de água do intracelular para
extracelular, isto é, expansão plasmática através de o extracelular, podendo desencadear hemorragia
retenção de água livre renal. intraventricular e desidratação hipernatrêmica4.

Alternativas para Reposição de


⇓ pressão arterial média
Perdas no Perioperatório

Renina 20-30 minutos As perdas ocorridas no perioperatório são refle-
↓ tidas basicamente sobre o compartimento extrace-
Angiotensina → Angiotensina I lular. E, apesar de muitas contribuições na litera-
↓ tura quanto a soluções disponíveis para reposição
Angiotensina II → Aldosterona plasmática, pouca contribuição houve em relação
↓ ↓
aos métodos que estimam as necessidades hídricas
Vasoconstrição Retenção água e sal
na população pediátrica.
50% da compensação de hipotensão Assim, dois métodos de estimativa das neces-
sidades hídricas diária estão disponíveis a partir
Fig. 6.3 – Respostas fisiológicas a hipotensão3.
de estudos realizados há muitos anos: derivado da
fração metabólica estimada16,17 e derivado da área
Contudo, as perdas decorrentes do perioperatório
de superfície corpórea18,19. É importante lembrar
são maiores e geralmente não são supridas somente
que os lactentes possuem área de superfície cor-
pela ativação desses mecanismos compensatórios,
pórea (ASC) relativamente maior que o pré-esco-
necessitando de reposição com fluidos isotônicos.
lar, o escolar e o adulto e, desse modo, a relação
entre a superfície corporal e o peso também di-
Líquido intracelular
minui gradualmente com aumento da idade (Ta-
O volume do compartimento intracelular é a di- bela 6.1).
ferença entre a água corporal total e o volume do Holliday e Segar16 estudaram crianças hospitaliza-
compartimento extracelular. O líquido intracelular é das com peso diferente para avaliar o gasto calórico
isotônico em relação ao intersticial, permitindo, as- destas em repouso no leito e correlacionaram com o
sim, o livre movimento água entre as membranas em gasto energético decorrido de atividade normal e com
ambas direções e a manutenção do volume celular. as perdas do metabolismo basal. Esses autores demons-
Esse equilíbrio dinâmico é alterado quando líqui- traram que o gasto energético daquelas crianças ficou
dos hipotônicos ou hipertônicos são administrados entre o das crianças com atividade normal, e o gasto
para a reposição de perdas do extracelular. A admi- energético com o metabolismo basal (Figs. 6.4 e 6.5).

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Tabela 6.1 – Peso corporal, área da superfície corporal e líquido corporal na criança e adulto
Prematuro RN 1 ano 3 anos 9 anos Adulto
Peso (kg) 1,5 3 10 15 30 70
Superfície corporal (m2) 0,15 0,2 0,5 0,6 1 1,7
SC/P 0,1 0,07 0,05 0,04 0,03 0,02
H2O total (%) 80 78 65 60 60 60
EC (%) 50 45 25 20 20 20
IC (%) 30 35 40 40 40 40
SC/P (relação entre área superfície corporal e peso corpóreo); EC (líquido extracelular exibido como porcentagem do peso corporal); IC (líquido
intracelular exibido como porcentagem do peso corporal). Reproduzido com permissão23.

Comparação do gasto energético nos estados basal e ideal


2.500
Talbot, 1949

3.000
Gasto estimado total 2.000
com atividade normal Atividade normal
2.500 2.600 Holliday e Segar,
2.300 1957
2.100
2.000 1.500 Necessidade energética para
Necessidade computada
Quilocalorias/dia

1.800 p/ paciente hospitalar crianças hospitalizadas


Calorias/dia

1.700 Estudo atual


1.500 1.500 Talbot, 1949
1.000 BMR

1.000 1.000
Ritmo metabólico basal BMR durante anestesia com
halotano
500 500

0
10 20 30 40 50 60 70 0
Peso (kg) 0 10 20 30
Peso corpóreo/kg

As linhas superior e inferior foram extraídas do estudo de Fig. 6.5 – Consumo de energia diária de acordo com o peso cor-
Talbot. Pesos no percentil 50 foram selecionados para converter póreo em crianças em atividade normal, em regime de internação
calorias em várias idades para as calorias relacionadas ao peso. hospitalar e em crianças anestesiadas.
A linha computada foi derivada das seguintes equações:
1. 0-10 kg: 100 kcal/kg
2. 10-20 kg: 1.000 kcal/kg + 50 kcal/seg para cada kg acima a 12% para cada grau acima de 37ºC, o volume
de 10 kg necessário para repor o consumo de energia com
3. Acima de 20 kg: 1.500 Kcal + 20 kcal/kg para cada kg a manutenção do metabolismo em repouso estão
acima de 20 kg
descritas nas Tabelas 6.2 e 6.3. É importante sa-
Fig. 6.4 – Gasto energético com o metabolismo basal em crianças lientar que esse volume não repõe as perdas pré-
com atividade normal e em crianças internadas no hospital16. operatórias, as perdas de translocação de líquido
(denominado 3o espaço) e as perdas transoperató-
Como 100 ml de água são normalmente perdi- rias (porte cirúrgico e sangüínea), de maneira que
dos para cada 100 kcal gastos e a presença de febre o volume para essas correções deve ser calculado e
aumenta o consumo energético em torno de 10% reposto adicionalmente.

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Tabela 6.2 – Necessidades diária e horária
Glicose: quando e como administrar?
de líquido de manutenção em criança
Em algumas situações, em anestesia pediátrica, tor-
Peso (kg) Diário Horário na-se imperiosa a administração de glicose no periope-
< 10 100 ml/kg 4 ml/kg ratório. Neonato prematuro (menos de 37 semanas),
10-20 1.000 ml + 50 ml/kga 40 ml + 2 ml/kga recém-nascidos cuja mãe é diabética ou que recebeu
> 20 1.500 ml + 20 ml/kgb 60 ml + 1 ml/kgb soluções contendo glicose, criança em regime de nutri-
ção parenteral total, portadora de diabete do tipo juve-
a
para cada kg acima de 10kg; b= para cada kg acima de 20 kg.
Reproduzido de Holliday e Segar16. nil e portadora de síndrome em que a hipoglicemia está
presente (S. Beckwith-Wiedman) – estas são as condi-
ções em que a reposição e a monitorização contínua
Recentemente, Lindahl17 propôs a seguinte fór- de glicose se faz rigorosamente necessária. Nishina et
mula para o cálculo do volume (ml)/hora necessá- al.20 recomendam que, para essas crianças que apresen-
rio para repor as perdas de manutenção: tam alto risco de hipoglicemia, a glicose deve ser admi-
nistrada na dose de 0,30 g/kg/h, o que corresponde a
4-6 mg/kg/min, através de infusão contínua.
V = 2.5 x peso +10,
onde v (ml/H) P (kg) Em procedimentos de pequeno porte cuja dura-
onde V e P são volume e peso, respectivamente. ção ultrapassa 90 minutos, esses mesmos autores20
recomendam 0,12g/kg/h para manter a normogli-
cemia e impedir aumento na mobilização lipídica.
A proposição dessa fórmula se deu em função
do conhecimento prévio de que a anestesia dimi- Contudo, estudo experimental em primata de-
nui o metabolismo e o gasto energético. monstrou que a administração de glicose antes da
lesão isquêmica cerebral prejudicou o prognóstico
Quando a área de superfície corpórea (ASC) é neurológico nesses animais21. E, nesse sentido, a lite-
utilizada para o cálculo do volume necessário para ratura tem sido concordante de que a administração
a manutenção do metabolismo basal, devem ser de glicose ou a hiperglicemia agravam a lesão neuro-
conhecidos o peso e a altura para construir um lógica após lesões isquêmicas cerebrais. A isquemia
normograma. O normograma usado para o cálculo produzida durante hiperglicemia na vigência de me-
da ASC foi descrito originalmente por Dubois e tabolismo anaeróbico acarreta aumento expressivo na
Dubois18 em 1916, e posteriormente uma equação produção de ácido lático com lesão celular intensa22.
simplificada com a mesma finalidade foi proposta
Atualmente, com as recomendações e orienta-
por Mosteller19: ções dada aos pais quanto ao tempo de jejum pré-
operatório, essa complicação tornou-se cada vez
A (cm) x P (kg) menos freqüente (Tabela 6.3).
SC (m2) =
3.600
onde A e P são altura e peso, respectivamente.
Tabela 6.3 – Tempo de jejum para crianças de acordo com
idade e tipo de alimentação
Uma vez calculado o volume a ser reposto para Idade Sólidos Líquidos sem resíduos
o gasto energético com o metabolismo basal du- < 6 meses 4 horas a
2 horas
rante procedimento anestésico-cirúrgico, devemos 6-36 meses 6 horas b
3 horas
nos perguntar qual a escolha da solução de acordo > 36 meses 8 horas c
3 horas
com a composição eletrolítica.
Sólidos: = leite materno; = fórmula; = leite de origem animal
a b c

e derivados. Líquidos sem resíduos: água, chá, sucos sem polpa,


gelatina e refrigerante.

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Acredita-se que essa orientação aos pais em re- de cada uma assegurar eficiência de expansão plas-
lação ao jejum, para procedimentos de pequeno mática, do período de permanência no vaso (meia-
porte e de caráter ambulatorial, contribuiu para vida plasmática), dos efeitos colaterais e da relação
que a reposição de glicose pelo tempo que a crian- custo-benefício de sua utilização23. Ainda há que se
ça permaneceu em jejum tenha sido praticamente considerar o porte, as perdas e a duração do pro-
abandonada, respeitando-se as exceções. A orienta- cedimento em questão, assim como o estado físico
ção dos pais ou responsáveis é realizada durante a pré-operatório da criança.
consulta no ambulatório de anestesia que antecede São muito raros na literatura estudos realizados
o procedimento cirúrgico. No Instituto da Criança em crianças que estabeleçam a melhor alternativa
do HC-FMUSP, as crianças são encaminhadas ao ou algum guia para reposição volêmica. Berry24 re-
ambulatório de anestesia de 36 a 48 horas antes do comendou a solução de Ringer lactato para reposi-
procedimento anestésico-cirúrgico. Nessa ocasião, ção volêmica em crianças, exceto naquelas portado-
além da história e exame físico, são avaliados o es- ras de insuficiência renal em virtude dos níveis plas-
tado de hidratação e a visualização dos membros máticos de K aumentado. Este autor defende ainda
para acesso venoso periférico no intra-operatório que as soluções hipotônicas devem ser evitadas pelo
(Tabela 6.4). risco de essas soluções produzirem uma expansão
hipotônica do extracelular, hiponatremia dilucio-
Tipos de solução de reposição plasmática nal, edema celular, liberação de HAD, aumento da
disponível reabsorção renal de água livre e conduzirem a um
círculo vicioso de difícil interrupção25. Além disso, a
Cristalóides
utilização de grandes volumes de solução fisiológica
De acordo com a explanação anterior, o com- 0,9% pode produzir acidose dilucional hiperclorê-
partimento que mais sofre alteração durante os mica, pela maior quantidade de cloreto presente na
procedimentos cirúrgicos é o extracelular. E, para solução, como pode ser visto na Tabela 6.5.
a reposição plasmática das perdas perioperatórias, De acordo com Hartmann e Senn27, o Ringer
possuímos a disponibilização de três tipos de solu- lactato foi utilizado como alternativa para a re-
ção em nosso país: cristalóides, colóides sintéticos posição do bicarbonato de sódio no tratamento
(derivado de amido, gelatina modificada) e albu- de crianças desidratadas com acidose metabólica.
mina. Entretanto, a escolha de qualquer uma das O lactato exógeno é metabolizado por duas vias: gli-
soluções será efetuada de acordo com a capacidade coneogênese ou oxidação. Em torno de 70% desse

Tabela 6.4 – Avaliação do grau de hidratação

Achados clínicos Leve Moderado Grave

Perda de peso 5% 10% 15%

Pulso normal ↑, fino ↑↑, muito fino

Pressão sangüínea normal normal ou diminuída diminuída

Respiração normal profunda profunda e rápida

Turgor de pele normal ↓ ↓↓

Mucosas úmidas secas muito secas

Urina reduzida oligúria acentuada oligúria


Retirado de Camboulives23

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Tabela 6.5 – Composição das soluções intravenosas disponíveis (cristalóides e glicosada)

Solução Glicose (g/l) Sódio (mEq/l) Potássio Cálcio (mEq/l) Lactato Cloro (mEq/l) Osmolari-
(mEq/l) (mEq/l) dade (mOsm/l)

SG 5% 50 – – – – – 253

RL – 130 4 3 28 109 273

SF 0,9% – 154 – – – 154 308

SF 3%* – 513 – – – 513 1.028

*Solução hipertônica de sódio.

lactato infundido sofre metabolização via gliconeo- Tabela 6.6– Esquema reposiçãp hidroeletrolítica
gênese, produzindo glicose. O restante (30%) desse per-operatória24, 25
lactato se transforma, por oxidação, em bicarbona- Solução SRL SRL
to de sódio. Portanto, a solução de Ringer lactato
Idade ≤ 3 anos ≥ 4 anos
pode ser considerada uma fonte de glicose e bicar-
bonato a partir do seu metabolismo, sendo benéfica 1 hora
a
25 ml/kg 15 ml/kg
a sua infusão em pacientes nos quais se sabe com Horas seguintes Holliday e Segar+ reposição de acordo
antecedência que irão desenvolver acidose metabó- porte trauma
lica28. A infusão de solução, como Ringer lactato, é Trauma leve Holliday e Segar + 2 ml/kg/h
vantajosa em procedimentos de grande porte, como Trauma moderado Holliday e Segar + 4 ml/kg/h
transplante hepático (Tx hepático), por exemplo,
Trauma severo Holliday e Segar + 6 ml/kg/h
pois antecipa o tratamento da acidose metabólica
que ocorre após a reperfusão do enxerto. E se por Adaptado de Berry 24,25
.
algum infortúnio esse enxerto apresentar disfunção
primária, o lactato presente na solução do Ringer O autor lembra que a reposição de perdas san-
não será mais deletério do que as outras drogas ou güíneas com cristalóides deve obedecer a proporção
agentes anestésicos que estão sendo utilizadas du- de 3:1, como a sugerida para trauma pelo PALS
rante o procedimento*. A reposição da volemia – Pediatric Advanced Life Support (Atendimento
com solução contendo potássio, como o Ringer ou Suporte Vida em Pediatria).
Ringer lactato, está contra-indicada em pacientes
portadores de insuficiência renal crônica. E, nessa Colóides
situação, a alternativa é a utilização de solução fi-
siológica 0,9%, que não contém potássio em sua Existe muita controvérsia sobre a superioridade dos
composição química. colóides, como albumina, colóides derivado do ami-
Berry25, em 1997, propõe um esquema útil du- do e gelatina modificada e de baixo peso molecular
rante a primeira hora do procedimento cirúrgico em relação à reposição de volume com cristalóides26.
visando atenuar a liberação de HAD e, nas horas Uma meta-análise29 publicada em 1989 compa-
subseqüentes, a reposição é realizada de acordo com rou a mortalidade observada pelos autores e con-
Holliday e Segar16, acrescida da reposição de acor- cluiu que a reposição com cristalóide é a melhor
do com o porte e perdas cirúrgicas (Tabela 6.6). escolha para trauma e ressuscitação, enquanto para

Gregory B. Hammer, 2002, em comunicação pessoal por e-mail. Ph.D., MD. Pediatric Anesthesia/Critical Care-Stanford
University Medical Center, Stanford, Califórnia, Estados Unidos.

78 An e s t e s ia Pe diátrica

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cirurgias eletivas de grande porte a mortalidade neiro, visto que nem sempre é possível retirar um
pode ser reduzida pelo uso de colóides. volume de sangue razoável que impeça a transfu-
Contudo, esse mesmo autor29 chama a atenção são de sangue alogênico. Isso porque a volemia da
para o fato de que os estudos, em sua maioria, são criança é pequena (em termos absolutos) e para
realizados em adultos e extrapolados para crianças, atingir um hematócrito aceitável permitido (25%-
necessitando de avaliação na população pediátrica. 30%) mediante hemodiluição, pode não exibir
vantagens como uma técnica alternativa única
As soluções coloidais são úteis porque elas
para não transfundir sangue estocado. Contudo,
permanecem no espaço intravascular por tempo
essa técnica pode ser útil quando atenua a mor-
maior, com a necessidade de menores volumes de
bimortalidade causada pela transfusão de grandes
cristalóides, promovendo menos hemodiluição
volumes de hemoderivados como os observados
quando comparadas com expansão plasmática so- em procedimentos ortopédicos extensos, correção
mente com solução cristalóide. Porém, apesar da de cranioestenose e cirugia cardíca. Porém, muitas
vantagem do colóide sintético permanecer den- vezes com o objetivo de impedir as complicações
tro do vaso por mais tempo, estes podem ter sua advindas da transfusão sangüínea, acidentalmen-
utilização limitada nos pacientes pediátricos pelos te o anestesiologista promove hemodiluição. Não
efeitos colaterais exibidos e pelo limite de volume raro, as crianças apresentam edema ao final de um
a ser infundido nas 24 horas com base no peso cor- procedimento, no qual a perda sangüínea foi re-
poral (Tabela 6.7). Sob este viés, a albumina não posta somente com cristalóide em proporção de
apresenta limitação do volume a ser administrado, 3:1. Na grande maioria das vezes, isso não cons-
constituindo atualmente a melhor alternativa entre titui um problema porque o rim se encarrega da
os colóides para a população pediátrica. excreção do excesso da água. Contudo, em situação
A hemodiluição intencional normovolêmica de exceção e intimamente relacionada à particula-
aguda em crianças não é um procedimento roti- ridade anatômica dessa população, como a presen-

Tabela 6.7 – Colóides disponíveis, expansão plasmática, tempo de permanência no vaso,


limite de volume permitido em 24 horas e efeitos colaterais

Colóides Expansão Duração ação (h) Limite infusão em Alergia Coagulação


plasmática (%) 24h (ml/kg)

Albumina 20% 90 8-16 - + Neutro

Albumina 5% 18-20 8 - + Neutro

HES 6% (200/0,6) > 100 12-24 30 + Neutro se


< 30 ml/kg

HES 6% (200/0,5) > 100 4-8 30 + Neutro se


< 30 ml/kg

HES 6% (130/0,4) >100 4-8 50 + Neutro se


< 50 ml/kg

Gelatina modificada 90* 4-6 - +++ Neutro

Dextran 40 180-200 3 20 ++ Adesão de


plaquetas

Dextran 40** 100 4 20 - Fibrinólise

*GFM (não contém potássio na composição); Dextran 40 (10%) e **Dextran 40 (3,5%) em glicose; HES 6% (diferente peso molecular/dife-
rente grau de substituição molecular). Adaptado de Pediatric Anesthesia23.

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ça de anastomose vascular, a hemodiluição e/ou o (SFAR), realizado em Paris em 2002, houve um
aumento da viscosidade sangüínea não são aceitos. simpósio-satélite para discussão de estratégias para
A hemodiluição parece induzir estado de hipercoa- reposição volêmica e o colóide de escolha para rea-
gulabilidade e ativação de fatores pró-coagulantes30 nimação e para o paciente de urgência33. A conclu-
em virtude de aumento da produção de trombina. são foi que em algumas circunstâncias a albumina
O aumento da viscosidade e a anastomose vascular apresenta efeitos benéficos na expansão volêmica,
per se constituem fatores que favorecem o apareci- principalmente nos pacientes portadores de insufi-
mento de trombose vascular, apesar de ambos pos- ciência renal, hepática, respiratória e naqueles em
suírem etiologia e mecanismo diferentes entre si. estado séptico33.
Atualmente, são poucas as alternativas para a es- Greissman et al.14 demonstraram que a albu-
colha do colóide adequado a ser utilizado em crian- mina, quando infundida continuamente, foi mais
ças para reposição de volume no perioperatório. vantajosa que quando administrada em bolus para
A albumina ainda hoje é a alternativa entre os manutenção dos parâmetros hemodinâmicos em
colóides disponíveis para a população pediátrica, crianças com sepse e internadas na UTI.
com vistas à reposição de grandes perdas de volu- A administração da albumina em bolus promo-
me no intra-operatório, e cuja permanência deste ve aumento rápido na pressão osmótica plasmática,
no vaso é prescindida. Entretanto, na publicação ocorrendo rápida expansão plasmática pela mobi-
de uma revisão em 1998, a utilização da albumina lização de líquido do espaço intersticial. Esse au-
como adjuvante na reposição plasmática foi muito mento rápido do volume plasmático desencadeia
criticada pelos autores, que não comprovaram sua a ativação de mecanismo regulatório, osmótico e
eficácia em diminuir a mortalidade em pacientes renal, que inibe rápida e intensamente o HAD,
criticamente doentes31. promovendo a excreção de água mediante diure-
Estes autores fizeram uma autocrítica da sua se. Entretanto, a infusão lenta e contínua impede
revisão em relação à gravidade de todos os pacien- as grandes variações na osmolaridade plasmática,
tes que estavam envolvidos no estudo e que por permitindo a utilização de volumes menores de
esse motivo talvez a albumina pouco ou nada con- cristalóides para a reposição de perdas sangüíneas
tribuiu para o aumento da mortalidade daqueles em procedimentos cirúrgicos de grande porte e du-
que estavam envolvidos nos estudos. Porém, em ração prolongada. Para monitorizar a infusão con-
2001, foi publicada uma meta-análise de estudos tínua de solução de Ringer e albumina (5% a 7%)
randomizados e ensaios controlados32 envolvendo em crianças, deve-se ter em mente que a osmolari-
55 estudos, na qual foi utilizada albumina como dade plasmática não pode sofrer variações maiores
terapia de reposição volêmica comparada com so- que a permitida (1%) dentro dos valores conside-
lução cristalóide. Os pacientes envolvidos nesse rados normais (280-300 mOsm/l). O aumento
estudo32 eram pacientes cirúrgicos ou de trauma, de proteína plasmática por infusão de albumina
queimados, neonatos de alto risco e pacientes com mobiliza o cálcio e, portanto, a fração ionizada do
ascite. A conclusão dos autores foi que a albumi- cálcio pode diminuir. Esses dois parâmetros, a os-
na não contribuiu para aumento da mortalidade, molaridade plasmática e cálcio ionizado, parecem
comprovando sua eficácia e segurança nos pacien- ser bons indicadores para manter, dimuinuir ou in-
tes e nas circunstâncias clínicas em que foi admi- terromper a infusão contínua de solução de Ringer
nistrada32. e albumina (5% a 7%) com o objetivo de reposição
Durante o 44o Congresso Nacional da Socie- volêmica no perioperatório de crianças submetidas
dade Francesa de Reanimação e Anestesiologia a cirurgias de grande porte.

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Um argumento pode constestar o uso da albu- para reposição volêmica. Jones et al.37 compararam
mina nessas situações especiais: o preço mais eleva- quatro tipos de fluidos para reposição volêmica du-
do quando comparado com as soluções cristalóides. rante a hemodiluição normovolêmica intencional,
A albumina disponível em nosso país é disponibili- na qual o valor da hemoglobina permitido foi de
zada ao SUS por algo em torno de R$ 50,00 o fras- Hb = 9 g/dl ao final da hemodiluição em pacientes
co contendo 50 ml de albumina 20%. Portanto, submetidos à prostatectomia radical. Foram utili-
para procedimentos específicos de grande porte e zadas as seguintes soluções: Ringer lactato, albumi-
duração, sua utilização sob regime de infusão con- na 5%, dextran 70% ou HES, e a tromboelasto-
tínua pode resultar em benefícios como diminui- grafia (TEG) também foi realizada antes, durante
ção de edema intersticial, melhor perfusão tecidual e após o procedimento. Nesse estudo, os pacien-
e cicatrização, redução de translocação bacteriana, tes que receberam dextran 70% e HES apresen-
melhor troca gasosa na membrana alveolocapilar taram diminuição da amplitude máxima do TEG
pulmonar e menor período de intubação tra­queal em relação aos valores obtidos no pré-operatório e
no pós-operatório. Gan et al.34, em seu estudo, houve redução do ângulo α no grupo que recebeu
concordam que para cirurgias de grande porte a dextran 70%. A redução dos valores de fator VIII
redução da administração de cristalóide é benéfica após a hemodiluição isovolêmica e o aumento do
em termos clínicos, além de diminuir o tempo de tempo de tromboplastina parcialmente ativada,
internação e reduzir o custo hospitalar. Recente- que ocorreram nos pacientes dos grupos HES e
mente, um estudo multicêntrico randomizado e dextran 70%, sinalizam que esses compostos po-
encoberto foi conduzido por vários investigadores35 dem atenuar a hipercoagulabilidade relacionada à
em oito hospitais da Dinamarca em pacientes sub- hemodiluição aguda realizada com solução crista-
metidos a dois regimes para reposição de líquidos lóide. Porém, esses mesmos autores advertem que
durante ressecção colorretal. A conclusão desses au- os pacientes desses grupos (dextran 70% e HES)
tores35 foi que a reposição de líquidos com derivado podem apresentar sangramento aumentado duran-
de amido 6% em solução fisiológica para esse tipo te o procedimento cirúrgico.
de cirurgia reduziu significativamente as compli- Contudo, é interessante ressaltar que esses es-
cações no pós-operatório quando comparada com tudos35-37 foram conduzidos em pacientes adultos
a reposição somente com solução fisiológica. Essas e que, em crianças, o limite máximo permitido de
complicações se relacionavam com cicatrização te- infusão de HES e dextran é muitas vezes o fator
cidual, complicação cardiopulmonar, deiscência de limitante de sua utilização. Além disso, um aumen-
anastomose, sepse e edema pulmonar. to potencial do sangramento intra-operatório pode
Vogt et al. concluíram36 que a reposição da constituir uma contra-indicação relativa ao uso de
perda sangüínea no intra-operatório com o colói- ambos os colóides sintéticos (HES e dextran) nas
de sintético derivado do amido (HES) foi eficaz crianças, particularmente as de baixo peso corporal.
e vantajosa em comparação com a albumina 5% Estudos utilizando HES que possuem moderado
(diluída em Ringer lactato), principalmente em peso molecular e médio grau de substituição molar
relação aos custos. Esses autores sugeriram o uso sugerem que a coagulação não se altera quando o
de HES como alternativa econômica à albumina, volume administrado não ultrapassa 20 ml/kg38.
reduzindo o custo da terapia de reposição volêmica A dificuldade em provar uma diferença clíni-
em torno de 33%, quando a dose de infusão diária ca nos resultados finais entre grupos de pacientes
desse colóide não ultrapassar o volume de 36 ml/ submetidos ou não à hemodiluição sugerem que,
kg. Quando o volume permitido foi atingido, esses para os pacientes submetidos a cirurgias de peque-
autores preconizaram a utilização da albumina 5% no porte, se deve ter atenção em não promover

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hemodiluição37,38. Entretanto, se necessária uma Recentemente, um estudo experimental41 com-
rápida infusão de líquidos para correção de grandes provou que uma nova solução de Ringer etil piru-
perdas, deve-se dar preferência a um colóide sinté- vato atenuou as lesões teciduais após isquemia e re-
tico de baixo peso molecular por meio de infusão perfusão mesentérica em ratos. Fink41 desenvolveu
venosa contínua. Nesse sentido, Javrin39 considera uma nova solução contendo etil piruvato dissolvido
que a administração indiscriminada de cristalóides em solução balanceada contendo cálcio, o que con-
no perioperatório é potencialmente perigosa, po- torna a desvantagem de sua instabilidade em solu-
dendo representar um risco de desenvolvimento de ção aquosa e possibilita sua infusão intravenosa.
trombose de vasos profundos no pós-operatório40. Os colóides sintéticos derivados de amido, por
possuírem baixo peso molecular e grau de subs-
Perspectivas tituição, apresentam algumas limitações em sua
utilização durante cirurgias de crianças. Entre
Espécies reativas de oxigênio (ROS) são respon- elas, o volume máximo permitido diário, que é de
sáveis pelo aparecimento de alterações teciduais, 50 ml/kg/24h, devido aos distúrbios na coagulação
estrutural e funcional, e estão associadas com uma sangüínea. Além disso, eles possuem metaboliza-
grande variedade de processos patológicos, como ção hepática, o que contribui para o aumento de
sepse e choque séptico, lesão térmica, choque he- enzimas hepáticas, podendo ser este, em algumas
morrágico, lesão de isquemia e reperfusão de ór- condições, um fator de confusão no diagnóstico de
gãos. ROS são produzidas nas condições citadas disfunção precoce de enxerto hepático42.
anteriormente, mediante reação catalizada pelo A gelatina fluida modificada não possui um
NADPH-oxidase no neutrófilo, pela xantina-oxi- valor-limite de infusão diária e é isosmótico, com
dase em vários tipos de células no meio extracelular tempo de permanência intravascular menor e mais
e na mitocôndria pela ligação de elétrons da cadeia previsível (em torno de 4 horas.) Assim, sob tal
de transporte de elétrons. A forma de oxigênio par- óptica, essa solução parece sinalizar positivamente
cialmente reduzida produzida nesses locais é o ânion para o uso em crianças como alternativa a fim de
superóxido, que está intimamente relacionado com repor grandes volumes durante procedimentos ci-
lesão celular. Esse ânion superóxido é convertido a rúrgicos. Entretanto, reações de hipersensibilidade
uma espécie mais reativa pela enzima superóxido não estão descartadas e ainda não está estabelecida
dismutase em peróxido de hidrogênio. Ambos, o sua utilização em crianças menores. Existem pou-
ânion superóxido e o peróxido de hidrogênio, po- cos estudos utilizando essa solução como alternati-
dem reagir com outro radical livre, o óxido nítrico, va de reposição volêmica, e os que estão publicados
para formar a espécie altamente tóxica de ROS e se restringem às cirurgias ortopédicas de grande
peróxido-nitrito (NOS). Além disso, também po- porte ou cirurgias cardíacas em pré-adolescentes ou
dem interagir para formação de uma outra espécie adolescentes42.
altamente reativa, o radical hidroxila. Outra questão, que deve ser inserida como alvo
O piruvato é um composto intermediário do para estudo na criança e que tem sido objeto de
metabolismo oxidativo ou anaeróbico da glicose e investigação em pacientes adultos, é a estratégia
também considerado um potente scavenger de ROS restritiva de reposição das perdas intra-operatórias.
e NOS, sendo capaz de limitar os efeitos citotóxi- Essa estratégia ainda é objeto de controvérsias no
cos das formas reduzidas de oxigênio e do nitrogê- adulto em relação aos benefícios, devendo ser vis-
nio. Infelizmente, o piruvato é um agente instável lumbrada com cuidados na criança43,44.
em solução aquosa, o que inviabiliza sua utilização Recentemente, na Inglaterra, um estudo retros-
intravenosa. pectivo colocou os anestesiologistas pediátricos em

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alerta em relação à reposição de volume no perio- que avaliam a diferença de pressão sistólica, PiCCO
peratório com soluções hipotônicas. Nesse estu- e flow-trech. Esses equipamentos possibilitam uma
do ficou comprovado que a adição de glicose às monitorização hemodinâmica e cardiovascular mi-
soluções para manutenção no perioperatório foi nimamente invasiva, e a população pediátrica não
responsável por aumento da morbimortalidade, o deveria ser privada dos benefícios que os avanços
que limitou a concentração da glicose nas soluções tecnológicos permitem aos adultos49,50.
usadas principalmente no intra e no pós-operató- Por fim, pode-se afirmar que a escassez de estu-
rio45,46. dos controlados e atualizados na literatura sugere
que estudos sejam incentivados com o objetivo de
Conclusões estabelecer diretrizes para reposição de líquidos no
período perioperatório nas crianças, já que os estu-
Certamente, a solução de Ringer etil piruvato41, dos atualmente disponíveis datam das décadas de
se viabilizados e comprovados clinicamente seus 1950 e 1970.
benefícios, poderá ser uma alternativa ao Ringer
lactato utilizado atualmente. A solução de gelatina
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Capítulo 7
Coag ulaç ão e H em o c o m p on en t e s

Carlos Roberto Jorge


André Luís Albiero

Introdução grupos sangüíneos, e são realizados procedimentos


complexos, como transplante de medula óssea, co-
A evolução da transfusão de sangue é uma his-
leta e transfusão de células progenitoras, aféreses e
tória fascinante, que vai desde o misticismo e a
transfusão autóloga, o que obriga o hemoterapeuta
pseudociência até a terapia racional realizada atual-
infantil a ter uma participação ativa na indicação dos
mente, além de envolver conhecimentos de várias
áreas como bioengenharia, fisiologia, imunolo- diferentes tipos de hemocomponentes e a estar capa-
gia, engenharia mecânica, bioquímica e genética1. citado a esclarecer dúvidas nas áreas de coagulação e
A primeira transfusão documentada em humanos de imunoematologia. Portanto, é fundamental uma
foi realizada por Blundell, em 1818. Somente em boa comunicação entre as equipes de anestesiologia
1900 a hemoterapia realmente teve início, com a pediátrica, cirurgia pediátrica e hemoterapia pedi-
descoberta do primeiro sistema de grupo sangüí- átrica, a fim de racionalizar o uso do sangue e dos
neo, o ABO, por Karl Landsteiner. hemocomponentes e explorar ao máximo os recursos
As primeiras referências de que se tem notícia hemoterápicos disponíveis atualmente para crianças.
sobre transfusões em crianças datam da década de Do ponto de vista hemoterápico, o anestesio-
1920, quando Diamond propôs a exsangüineo- logista terá duas preocupações básicas ao avaliar a
transfusão de recém-nascidos como forma de tra- criança que será operada: sua hemostasia e a ca-
tamento da incompatibilidade materno-fetal. pacidade que sua hemoglobina terá de transportar
O sistema de grupo sangüíneo Rh fora descrito oxigênio aos tecidos.
somente em 1940, por Landsteiner e Wiener. Atu- O sangramento em cirurgia pediátrica pode
almente, há cerca de 600 antígenos eritrocitários resultar em conseqüências graves2. Existem várias
descritos, distribuídos em mais de 28 sistemas de publicações excelentes que descrevem a avaliação

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pré-­operatória para o risco de hemorragia em crian- Com a finalidade de um melhor entendimento
ças, porém as fontes de informação mais confiáveis do significado desses exames, a Fig. 7.1 mostra es-
para se avaliar o risco de sangramento são história quematicamente a cascata da coagulação3.
clínica e exame físico. Pelo esquema, a chamada “via intrínseca” consta
Na história clínica da criança devem ser verifi- da ativação dos fatores XII, XI, IX e alteração do
cados: fator VIII, na presença de cálcio e fator plaquetário
• antecedentes pessoais de sangramento muco- 3, para estimular o fator X. Pela “via extrínseca”, o
cutâneo/hematomas, espontâneos ou des- fator X é ativado com a tromboplastina tecidual.
proporcionais à gravidade dos traumas;
• Tempo de protrombina (TP) – avalia a ativida-
• antecedentes familiares de diáteses hemor- de do fator VII e também os fatores II, V e X,
rágicas e discrasias sangüíneas, por exemplo, e pode também ser expresso em atividade (%).
hemoglobinopatias. O TP é um dos principais responsáveis pelo su-
• hemorragia não usual em mucosas, presença cesso e segurança da anticoagulação oral, porém,
de fluxo menstrual antes da puberdade ou nesse caso, pela não uniformidade dos materiais
hipermenorréia nas adolescentes; empregados, deve ser calculado o Índice de Sen-
• uso de drogas anticoagulantes e/ou antiagre- sibilidade Internacional (ISI) para cada lote de
gantes plaquetáríos. reagente fabricado; o valor do ISI é utilizado
O exame físico pode evidenciar a presença de para se calcular o INR (International Normali-
anemia e de um mau funcionamento da hemostasia: zed Ratio), que é a relação entre o TP da criança
• palidez cutaneomucosa, unhas frágeis e cabe- sobre o TP do pool normal do dia.
los quebradiços podem revelar anemia; • Tempo de tromboplastina parcial ativado
• petéquias, hematomas e equimoses podem (TTPa) – avalia a via intrínseca (fatores XII, XI,
indicar a presença de defeito de hemostasia; IX e VIII), particularmente indicado para se ve-
• deformidades articulares indicam anteceden- rificar o efeito da heparina.
tes de hemartroses recorrentes; • Tempo de trombina (TT) – avalia a última
• icterícia pode indicar anemia hemolítica; fase da coagulação e está prolongado em casos
• adenomegalia e hepatoesplenomegalia po- de hipo ou disfibrinogenemia, uso de heparina
dem indicar presença de doença oncoemato- presença de produtos de degradação da fibri-
lógica e sugerir como será o rendimento dos na; é o teste com menot probabilidade de estar
hemocomponentes transfundidos. anormal se os outros forem normais.
Além da história e do exame físico, os testes la- • Tempo de sangramento (TS) – teste que está
boratoriais indicados na Tabela 7.1 devem ser reali- alterado em casos de plaquetopenia, disfunção
zados para documentar a condição hemostática e a plaquetária congênita ou induzida por droga e
capacidade de transporte de oxigênio das crianças. na doença de von Willebrand. Pode ser avaliado
Tabela 7.1 – Avaliação laboratorial pré-operatória da criança
por duas técnicas: a de Duke e a de Ivy, que é a
mais recomendada.
• Hemograma completo
• Eletroforese de hemoglobina ou, no mínimo, teste de Além da hemostasia, nível e qualidade de he-
falcização moglobina devem garantir o aporte de oxigênio
• Tempo de protrombina (TP)
• Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa)
aos tecidos durante o ato cirúrgico. A presença de
• Tempo de trombina (TT) hemoglobinopatia deve ser afastada pelos antece-
• Contagem de plaquetas dentes pessoais e familiares (quando disponíveis),
• Tempo de sangramento (TS)
bem como pela determinação do nível sérico de

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ESQUEMA DA COAGULAÇÃO
F-XI F-XII
F-XIIa Complexo Superfície
Cininogênio de
Ca2+ alto PM
IX F-XIa

F-X F-VII
IXa Intrínseca Extrínseca
Fator tecido
F-VIIIc Ca2+
Ca2+
FP3
Complexo

Complexo
F-Xa
Proteína C V
FP3
Ca2+ Trombina

Fibrinogênio Fibrina
Efeito inibidor

Fig. 7.1 – Esquema da coagulação.

Hb/HT. Um hemograma completo é sempre de- aberto e cirurgias ortopédicas que requerem aplica-
sejável, porque, diante da presença de anemia, já se ção de torniquete por períodos prolongados.
pode saber, antes de transfundir, seu padrão (hipo- Em virtude da alta osmolaridade dos contrastes,
micro, normo­normo ou macrocítica) e sua relação a angiografia requer uma diluição maior da Hb S,
com alterações em outros elementos figurados do para menos de 20%.
sangue. Caso seja encontrada alguma anormalidade na
O teste de falcização é um teste fácil e rápido história, no exame físico ou nos testes de triagem,
que pode indicar a presença de hemoglobina S. Em a cirurgia deve ser adiada até que seja esclarecido o
caso de teste positivo, a eletroforese de hemoglobi- problema e a melhor conduta seja adotada.
na é altamente recomendável para se ter uma no- Para os anestesiologistas pediátricos é interessan-
ção da porcentagem em que se encontra presente. te o conhecimento da composição das soluções em-
Nesses casos, cuidados devem ser redobrados: evi- pregadas na anticoagulação e conservação do san-
tar hipoxemia, desidratação, acidose e hipotermia. gue/hemocomponentes5. As soluções ACD e CPD
Para anestesia geral4 prolongada, transfusão prévia estão atualmente em desuso, restando somente um
de hemácias é recomendada. Tal recomendação pouco de controvérsia sobre a segurança do uso das
inclui tonsilectomia/adenoidectomia. Não é neces- soluções aditivas para transfusões maciças e exsan-
sário para miringotomia e procedimentos odonto- güineotransfusão em Pediatria (Tabela 7.2).
lógicos. O nível sérico de Hb pré-operatório reco- Como qualquer outra medida terapêutica, a
mendado para essas crianças é entre 10 e 13 g/dl, prescrição de uma transfusão envolve riscos e bene-
com não mais que 30% a 40% de hemoglobina S. fícios que devem ser considerados com muita cau-
Os portadores de traço falciforme requerem tela, sempre priorizando a clínica da criança, com o
tais cuidados adicionais em cirurgia cardíaca a céu auxílio de exames laboratoriais complementares.

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Tabela 7.2 – Composição bioquímica das soluções anaerobiose/lactacidose em caso de grandes quanti-
anticoagulantes dades em pequeno período. Essa falta de 2,3-DPG
CPDA-1 Soluções torna recomendável a atenção quanto ao tempo de
aditivas estocagem (menos de 5 dias) das hemácias trans-
Tempo de estocagem dos 35 dias 42 dias fundidas maciçamente ou em caso de exsangüineo-
concentrados de hemácias transfusão, pois as hemácias transfundidas demoram
Ácido cítrico 3,27 g/l – 6 a 8 horas para recuperar sua concentração normal.
Essa preocupação não se estende a transfusões de pe-
Citrato trissódico 26,3 g/l –
quenos volumes, de 10 a 20 ml/kg.
Fosfato monobásico de sódio 2,2 g/l 0-23,0, mM
Adenina 0,27 g/l 2,0-2,22 mM
Tabela 7.3 – Lesões de estocagem das hemácias em CPDA-1
Dextrose 31,9 g/l 45,4-111,0 mM
Dia do estoque zero 35
Manitol – 41,2-45,4 mM
Cloreto de sódio – 70-154 mM % de células viáveis 100% 71%

pH (37° C) 7,6 6,7

Componentes eritrocitários A TP (% do inicial) 100% 45 ±12%

A atividade metabólica das hemácias continua 2,3-DPG (% do inicial) 100% < 10%
mesmo à temperatura de 4 ± 2°C, e a dextrose K+ plasmático (mmoI/l) 4,2 78,5
serve-lhes como fonte de energia. O tampão áci-
Hb plasmático (mg/l) 82 658
do cítrico/citrato bloqueia a cascata de coagulação,
quelando o íon cálcio. O excesso de fosfato e ade- Adaptado de Vengelen Tyler5
nina procura garantir os substratos necessários ao As indicações de sangue total (ST) são muito
metabolismo das hemácias. limitadas atualmente, restringindo-se a choque
As hemácias armazenadas sofrem alterações bio- hipovolêmico e exsangüineotransfusão. Mesmo as-
químicas chamadas de lesões de estocagem (Tabela sim, o ST pode ser substituído pela composição
7.3). As lesões de estocagem, que raramente têm sig- de concentrado de hemácias (CH)(Tabela 7.4) e
nificado clínico em adultos, podem trazer algumas plasma fresco congelado (PFC).
implicações em crianças. O excesso de K+ presente A maioria das experiências cirúrgicas sob ane-
nas unidades estocadas por longo período, que cos- mia grave ocorreu em testemunhas de Jeová. Assim,
tumava ser uma das maiores preocupações anos atrás, constatou-se que o transporte deficiente de oxigê-
nio afetou a mortalidade perioperatória7. Confor-
tem-se mostrado cada vez mais improcedente pelo
me dados do Congresso de Anestesiologia em San
fato de mesmo as quantidades mais elevadas serem
Diego, realizado em 1997, uma criança classificada
bem inferiores às necessidades diárias das crianças. como ASA-1 com Hb < 6,0 g/dl provavelmente re-
A transfusão de componentes eritrocitários é o ceberá transfusão. Esta raramente estará justificada
recurso mais freqüentemente utilizado para oferecer se a Hb ≥ 10,0 g/dl.
oxigênio aos tecidos6. O 2,3-DPG (di­fosfo-glicerato) O volume a ser transfundido varia de 10 a 20
é o metabólito responsável pela curva normal de dis- ml/kg de peso, conforme a solução anticoagulante/
sociação da oxiemoglobina, e sua presença em quan- conservante utilizada. Como os CH estocados em
tidades normais promove a oferta de O2 para os teci- soluções aditivas têm menos partículas em suspen-
dos. Sua falta, crítica a partir do 5o dia de estocagem, são que os estocados em soluções não-aditivas, re-
faz com que a hemoglobina perca suas propriedades comendam-se volumes maiores dos primeiros para
oxifóricas, prejudicando a hematose e favorecendo a obter rendimentos semelhantes aos dos últimos.

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Tabela 7.4 – Características do concentrado de hemácias (CH) de citomegalovírus (CMV) e a prevenção da aloi-
munização contra antígenos do sistema HLA. Na
Volume 250 ml (com 50-80 ml de plasma)
falta de filtros de leucócitos, CHL pode ser utiliza-
Hematócrito 65-75% do como alternativa.
Validade 35-42 dias (depende da solução) Somente os hemocomponentes celulares (hemá-
Temperatura 4 ± 2°C cias e plaquetas) devem ser irradiados. A irradiação
gama do hemocomponente protege a criança da re-
Testes pré- tipagem ABO/Rh (do receptor e da unida-
transfusionais de), pesquisa de anticorpos irregulares ação enxerto versus hospedeiro pós-transfusional em
(no receptor) e prova de compatibildade casos de transplante de células-tronco (ou medula
óssea), imunodeficiência congênita grave, transfusão
intra-útero, exsangüineotransfusão, transfusão entre
O tempo de realização dos testes pré-transfusio- familiares, portadores de doença de Hodgkin e re-
nais é de 30 a 60 minutos, porém, em casos graves, cém-nascidos de baixo peso (menos de 1.200 g).
com grande perda de sangue e com risco de vida
iminente, tais testes podem ser abreviados ou mes- Concentrado de plaquetas
mo suspensos. O banco de sangue deve liberar uma
unidade de CH do tipo sangüíneo “O” Rh negati- O concentrado de plaquetas (CP) (Tabela 7.5) é
vo ou positivo, dando continuidade aos testes. Para um hemocomponente que pode ser obtido de três
tanto, é necessária a ciência por escrito do médico formas: por dupla centrifugação do ST fresco, por
solicitante8. extração de buffy-coat e por aférese. É o segundo tipo
de hemocomponente mais utilizado em Pediatria.
Os CH, assim como alguns dos outros hemo-
As indicações de transfusão de CP dependem de vá-
componentes, podem ser modificados para melho-
rios fatores, como causa do sangramento, condição
rar sua performance e diminuir seus riscos e efeitos
clínica da criança, plaquetometria, função plaquetá-
colaterais.
ria e presença ou ausência de coagulopatia associa-
Há alguns anos era muito comum o uso de o da. Crianças com plaquetopenia e febre, infecção,
concentrado de hemácias lavadas (CHL). As CH esplenomegalia ou utilizando drogas que afetam a
são obtidas a partir de lavagens sucessivas do CH função plaquetária têm um maior risco de desenvol-
com solução fisiológica 0,9%. Nesse processo, é ver episódios significativos de sangramento.
removida quase a totalidade das proteínas plas- As indicações de CP podem ser classificadas em
máticas, microagregados e citoquinas, porém com profilática e terapêutica9.
risco de contaminação bacteriana com a abertura
São indicações profiláticas:
do sistema. As indicações de CHL repousam sobre
antecedentes de reação alérgica anafilática grave a • contagem de plaquetas inferior a 10.000/
transfusão de proteínas plasmáticas pobremente mm3 com falência medular;
responsivas ao tratamento medicamentoso com • contagem de plaquetas inferior a 50.000/
anti-histamínicos, corticoterapia e adrenalina. As mm3 em crianças que irão para cirurgia/pro-
crianças portadoras de deficiência congênita de IgA cedimento invasivo;
estão altamente sujeitas a esse tipo de problema. • contagem de plaquetas inferior a 100.000/
Os hemocomponentes leucorreduzidos (fil- mm3 em crianças que irão para neurocirurgia
trados e pré-filtrados) são pobres em leucócitos ou cirurgia cardíaca;
(< 5,0 x 106 leucócitos). Suas vantagens sobre os • recém-nascido prematuro estável: plaque-
não­leucorreduzidos são a prevenção de reações fe- tometria inferior a 50.000/mm3; com risco
bris não-hemolíticas, a prevenção de transmissão associado: inferior a 100.000/mm3.

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São indicações terapêuticas (criança com san- duto utilizado, vale 9,1 x 108 plaquetas/ml para CP
gramento): standard e 1,5 x 109 plaquetas/ml para CP de afé-
• plaquetometria inferior a 50.000/mm3; rese ou buffy-coat. Em geral, uma unidade de CP
standard/¼ kg de peso.
• apesar de controverso, na púrpura tromboci-
topênica imunológica (PTI), se houver san-
gramento intenso; VCP (ml) = D\ plaq (plaqs/ml) x 1.000 (ml/ml) x Vmia (ml)
C (plaqs/ml) x 0,80
• na coagulação intravascular disseminada
(CIVD).
A transfusão de CP é formalmente contra-indi- Componentes plasmáticos
cada em caso de:
O plasma é constituído de água, eletrólitos, albu-
• púrpura trombocitopênica trombótica;
mina, globulinas, fatores de coagulação e outras pro-
• síndrome hemolítico-urêmica; teínas. Há dois tipos de plasma hemocomponente, o
• plaquetopenia induzida por heparina. plasma fresco congelado (PFC), obtido de ST fresco
A transfusão de CP deve respeitar a compati- (coletado há menos de 6 a 8 horas), e o plasma sim-
bilidade ABO, especialmente em crianças, para o ples, pobre em fatores de coagulação (por terem sido
melhor rendimento transfusional e menor risco extraídos ou expirados), que serve somente como
de hemólise por incompatibilidade menor (exce- fonte de matéria-prima para a fabricação de hemo-
to se houver titulação de isoemaglutininas que o derivados como albumina e imunoglobulinas10.
autorize). A compatibilidade Rh também deve ser O PFC encontra suas principais indicações em
respeitada, pois apesar de as plaquetas não expres- criança com deficiência de múltiplos fatores, como
sarem antígenos desse sistema, a presença residual ocorre na coagulação intravascular disseminada
de hemácias com Rh incompatível na unidade de (CID) e transfusões maciças de CH. Costuma ser
CP pode ser suficiente para sensibilizar a criança. indicado em cirurgia se TP e TTPa > 1,5 vez o
Nesse caso, recomenda-se a imunoprofilaxia com normal, sangramento ativo em criança recebendo
imunoglobulina anti-D. anticoagulante oral (se não houver tempo para ser
O volume indicado para transfusão de CP antagonizado por vitamina K), na púrpura fulmi-
(VCP) depende da diferença entre a plaquetome- nante neonatal, causada por deficiência de proteína
tria vigente e a desejada (D plaq), da volemia da C, e outras síndromes trombofílicas.
criança (Vmia), da concentração de plaquetas no Também há indicação de PFC na púrpura
produto utilizado (C) e do rendimento plaquetário trombocitopênica trombótica (PTT) e na síndro-
“padrão” após 1 hora (0,80). “C” depende do pro- me hemolítico-urêmica (SHU).

Tabela 7.5 – Características dos CP

Standard Aférese Buffy-coat

Volume 50-70 ml 200-400 ml 50-70 ml

Partículas em suspensão 5,5x1010 3,0x1011 3,0x1011

Validade 3 a 5 dias (depende do plastificante da bolsa)

Condições de estocagem 22 ± 2°C, em agitação horizontal contínua

Testes pré-transfusionais tipagem sangüínea do receptor ABO/Rh

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O volume a ser transfundido é de 10-20 ml/kg Tabela 7.7 – Características do CRIO
de peso, e as características do PFC estão mostra-
Volume 10-20 ml
das na Tabela 7.6.
Validade 12 a 24 meses (dependendo da
temperatura de estocagem)
Tabela 7.6 – Características do PFC Testes pré-transfusionais Somente tipagem ABO
Volume 200 ml

Validade 12 a 24 meses (dependendo da


temperatura de estocagem) Técnicas de reposição alternativas
Testes pré-transfusionais Somente tipagem ABO
O reconhecimento do vírus da imunodeficiên-
cia humana (HIV) causou grandes mudanças na
O PFC deve ser ABO-compatível nas crianças, prática transfusional. Uma segurança substancial-
pois há risco de hemólise por incompatibilidade mente maior foi alcançada graças a testes soroló-
menor, posto que a determinação dos títulos de gicos cada vez mais elaborados, porém ainda não
iso-hemaglutininas não é obrigatória no Brasil. absolutamente seguros. Além da transmissão de
Os demais testes de compatibilidade não são ne- patógenos reconhecidos por sorologia, há o risco
cessários e o tempo de preparo, em torno de 30 a de transmissão de agentes raros, cuja sorologia não
45 minutos, corresponde ao tempo de descongela- é obrigatória (por exemplo, a babesiose) e de con-
mento. taminação bacteriana12. Os erros transfusionais po-
O PFC não deve ser usado como expansor de vo- dem contribuir também para resultados adversos.
lume ou como fonte protéica para acelerar processos Posto isso, diversas técnicas alternativas às trans-
ou de cicatrização, tampouco para neutralizar os efei- fusões de sangue/hemocomponentes homólogos
tos da heparina, pois é fonte de antitrombina III. vêm sendo desenvolvidas ao longo dos últimos 20
Não há correlação entre o número de CH trans- anos. O limiar de Hb sérica, que indica a necessi-
fundidos na transfusão maciça e o resultado do coa- dade transfusional, diminuiu consideravelmente, e
gulograma, desde que essas crianças tenham perma- os cirurgiões tornaram-se mais conscientes em re-
necido normovolêmicas e normoperfundidas, a cor- lação aos recursos disponíveis para incrementar a
reção com PFC deve ser ponderada caso a caso10. hemostasia local13:
O crioprecipitado (CRIO) (Tabela 7.7) é um • protamina – droga utilizada em cirurgia car-
hemocomponente plasmático composto de fatores díaca ou vascular para reverter os efeitos da
de coagulação de alto peso molecular que se pre- heparina;
cipitam pelo frio. Por muito tempo, o CRIO foi • desmopressina (DDAVP) – droga que pode
utilizado em crianças com deficiência do fator VIII ser útil em shunt porto­cava e não tem ativi-
(hemofilia A) e doença de von Willebrand. Atual- dade vasopressora, porém leva a um aumen-
mente, a disponibilidade desses fatores liofilizados to do nível de fator VIII circulante; tem sido
fez com que suas indicações tenham ficado restritas usada há algum tempo em crianças com coa-
a deficiência dos fatores I e XIII e para repor fator gulopatia.
de von Willebrand em crianças não-responsivas a • agentes antifibrinolíticos (ácido aminoca-
deamino-D-arginina vasopressina (DDAVP) na próico e ácido tranexâmico) – a diátese he-
falta do fator correspondente11. morrágica após cirurgias cardíacas tem sido
O CRIO serve como matéria-prima para a fa- atribuída, em parte, à hiperfibrinólise causa-
bricação de cola de fibrina. da por aumento do fator ativador de plasmi-

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nogênio; o ácido aminocapróico inibe esse do a última coleta, no máximo, 72 horas antes da
processo ao interferir na conversão de plasmi- cirurgia. Os níveis de Hb/HT pré-doação devem
nogênio para plasmina. O ácido tranexâmico ser ≥ 11 g/dl ou 33%, respectivamente.
tem sido utilizado com sucesso na redução Nos Estados Unidos cerca de 720 mil coletas
da perda sangüínea em cirurgias cardíacas; por ano são autólogas, mas no Brasil ela é pouco
• aprotinina – é um inibidor da protease. No freqüente, talvez por desinformação da população
passado foi utilizada no tratamento de pan- ou dos profissionais da saúde.
creatite e fibrinólise, e tem sido usada com A primeira utilização de DAPO em cirurgia pe-
sucesso durante cirurgias cardíacas, dimi- diátrica foi descrita no início da década de 1970,
nuindo a perda sangüínea, por um mecanis- em crianças que fizeram cirurgia ortopédica, cuja
mo ainda não totalmente conhecido, talvez idade variou de 7 a 20 anos de idade, com média
por preservar os receptores de adesão da de 14 anos.
membrana plaquetária (seu uso em Pediatria As crianças podem fazer doações semanais, e a
ainda é controverso)14; incidência de reações durante a coleta é de cerca
de 10%. Elas devem receber uma suplementação,
• agentes hemostáticos tópicos e cola de fibri-
de ferro desde o início e, se a programação é para
na: drogas aplicadas diretamente na ferida
várias unidades, pode-se associar a eritropoietina
cirúrgica para controlar o sangramento. recombinante humana (rHuEPO)16, apesar do alto
Há quatro tipos de utilização de sangue autó- custo. As reações adversas (hipertensão arterial e
logo em Cirurgia Pediátrica: doação autóloga pré- risco de trombose) são pouco freqüentes e não de-
operatória ou pré-depósito (DAPO), hemodilui- vem desencorajar seu uso.
ção normovolêmica aguda (HNA), recuperação A dose subcutânea de rHuEPO varia de 70-1400
de sangue intra-operatória (RSI), e coleta autóloga U/kg por semana, mais elevada, quanto menor a
pós­-operatória. Além dessas, há a possibilidade de criança. Após sua administração, um aumento da
transfusão de sangue autólogo de cordão em Neo- contagem de reticulócitos geralmente ocorre em 7-
natologia. 10 dias, e da Hb em 2 a 6 semanas, dependendo
Destas, a coleta autóloga pós-operatória é a me- dos estoques de ferro.
nos utilizada, sendo o procedimento que recupera A hemodiluição normovolêmica aguda (H NA)
sangue de drenos cirúrgicos, processado ou não, e e a recuperação de sangue intra-operatória (RSI)
reinfunde na criança. Está indicada em cirurgias são formas de autotransfusão perioperatória. A
cardíacas e ortopédicas quando outras fontes de HNA é definida como a coleta de sangue da crian-
sangue autólogo são limitadas, e há perspectiva de ça imediatamente antes ou logo após a indução da
grande perda sangüínea. anestesia, cuja bolsa pode permanecer na sala de
cirurgia até 8 horas e ser reinfundida durante ou
logo após o sangramento. A coleta é feita através
Doação autóloga pré-operatória ou
de bolsa plástica de coleta de sangue (com solução
pré-depósito (DAPO)15
anticoagulante CPDA 1), com seringa de 5 a 20 ml
Este procedimento é o mais benéfico para crian- e dispositivo de três vias (torneirinha descartável),
ças candidatas a cirurgia ortopédica, vascular, car- sendo feita infusão simultânea de solução cristalói-
díaca e torácica. Não está indicado em cirurgias de (3 ml para 1 ml de sangue retirado) ou colóide
com pouca chance de sangramento. Desde que a (1 ml para cada ml retirado).
criança tenha entendimento, a quantidade a ser A HNA se classifica em limitada quando a re-
retirada de sangue não deve exceder 10 ml/kg de dução do hematócrito é de aproximadamente 28%
peso por vez, semanalmente, duas a três vezes, sen- a 30%, e extrema quando se reduz o hematócrito

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para 20% ou menos. É um procedimento que re- Consideráveis progressos têm sido feitos no
duz a utilização de sangue homólogo de 18% a desenvolvimento de substitutos de hemácias na
90% em uma grande variedade de cirurgias17. A última década, com vários produtos já avançando
maior vantagem da HNA sobre a DAPO é o baixo do estágio pré-clínico para a fase III, como os per-
custo: não necessita de testes pré-transfusionais e fluorocarbonetos, a hemoglobina livre e a hemo-
sorologia, tampouco armazenamento no banco de globina encapsulada em vesículas lipossomais. Os
sangue. Pode ser indicada quando a perda esperada substitutos de plaquetas estão em estudo entre a
de sangue for ≥ 20% da volemia, a concentração de fase I e nível pré-clínico, apesar de ainda ser ne-
Hb pré­operatório de ≥ 12g/dl e não houver doen- cessário provar a ausência de efeitos potenciais de
ças graves (pulmonar, renal ou hepática), hiperten- incremento de trombose ou formação de anticor-
são grave ou infecção e risco de bacteremia. pos. Entre os substitutos do plasma há os fatores
de coagulação (VIII, IX e VIIa), albumina, imuno-
A RSI coleta e reinfunde o sangue perdido no
globulinas, proteína C, antitripsina e antitrombina
campo cirúrgico. Para isso utiliza equipamentos es-
III, já disponíveis e liberados para uso no hemisfé-
pecíficos do tipo Cell Saver®. A função desses equi-
rio norte.
pamentos é aspirar o sangue anticoagulado com
heparina, efetuar lavagem, centrifugar, concentrar e
Referências Bibliográficas
devolver CH autólogo com HT entre 50% e 60%.
A RSI está indicada em cirurgias com previ- 1. Oberman HA. The history of blood transfusion. In:
Petz LD, Swisher SN. 2 Clinical Pratice of Blood Trans-
são de perda de ≥ 20% da volemia da criança. O
fusion. 1. ed. New York: Churchil Linvingstone; 1981,
procedimento é considerado custo-efetivo quando p. 9-28.
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5. Vengelen-Tyler V. Technical manual. 12. ed.. Bethesda:
na ou colágeno) no campo cirúrgico, presença de American Association of Blood Banks; 1996, p. 135-
líquido ascítico e na presença de células tumorais 57.
e contaminação bacteriana. Há riscos de hemólise 6. Novaretti MCZ, Fontes BMO. Transfusão de concen-
do sangue aspirado (excesso de vácuo) e contami- trado de hemácias e sangue total. In: Chamone DAF,
Novaretti MCZ, Dorlhiac-Llacer PE. Manual de trans-
nação bacteriana. Nos procedimentos sem lavagem
fusão sangüínea. São Paulo: Roca; 2001, p. 35-52.
de hemácias pode ocorrer coagulopatia, fibrinólise 7. Spence RK, Jeter EK, Mintz PD. Transfusion in surgery
e até coagulação intravascular disseminada (CID). and trauma. In: Mintz PD, ed. Transfusion therapy:
Cristalóides e colóides são os medicamentos de clinical principies and practice. Bethesda: AABB Press;
1999, p. 171-97.
escolha para iniciar o tratamento em crianças com 8. Brasil. Ministério da Saúde – Secretaria de Assistência
perda sangüínea aguda, reduzindo a necessidade de à Saúde. Normas Técnicas para Coleta, Processamen-
transfusão. Têm função somente como expansores to e Transfusão de Sangue, Componentes e Derivados,
de volume, sendo bastante úteis no tratamento do RDC 343, Brasília, 2002.
9. Gomes EFP, Albiero AL. Transfusão de plaquetas. In:
choque hipovolêmico, porém não transportam Chamone DAF, Novaretti MCZ, Dorlhiac-Llacer PE.
oxigênio. O colóide mais utilizado em Pediatria é o Manual de transfusão sangüínea. São Paulo: Roca;
hidroxietil starch19. 2001, p. 53-65.

C oa g ul a çã o e H e m o c o mp o n e n t e s 95

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10. Novaretti MCZ, Jorge CR. Transfusão de plasma. In: Cha- transfusions in general pediatric surgery. Surg Today
mone DAF, Novaretti MCZ, Dorlhiac-Llacer PE. Manual 2000;30:773-7.
de transfusão sangüínea. São Paulo: Roca; 2001, p. 67-74. 16. Mintz PD. Erythropoietin. In: Mintz PD, ed. Transfu-
11. Brasil. Ministério da Saúde – Agência Nacional de Vi- sion therapy: clinical principies and practice. Bethesda:
gilância Sanitária. Aprovação de Regulamento Técnico AABB Press; 1999, p. 400-13.
sobre a Indicação de Uso de Crioprecipitado. Decreto 17. Stehling L, Zauder HL, Vertrees R. Alternatives to allo-
no 3.029, Janeiro, 2002. geneic transfusion. In: Petz LD, Swisher SN, Kleinman
12. Reading FC, Brecher ME. Transfusion-related bacterial S, Spence RK, Strauss RG. Clinical pratice of transfu-
sepsis. Curr Opin Hematol 2001,8:380-6. sion medicine. 3. ed. New York: Churchil Linvingsto-
13. Spence RK. Blood saving strategies in surgical patients. ne; 1996, p. 539-60.
In: Petz LD, Swisher SN, Kleinman S, Spence RK, 18. Jimenez DF, Barone CM. Intraoperative autogous blood
Strauss RG. Clinical pratice of transfusion medicine. 3. transfusion in the surgical correction of craniosynosto-
ed. New York: Churchil Linvingstone; 1996, p. 521-37. sis. Neurosurgery 1995;37(6):1075-9.
14. Greeley WJ. Trasylol pediatric investigational meeting. 19. Aly Hassan A, Lochbuehler H, Frey L, Messmer K.
Introduction. Ann Thorac Surg 1998;65(6):S29-30. Global tissue oxygenation during normovolaemic
15. Taguchi T, Suita S, Nakao M, Yamanouchi T, Ina- haemodilution in young chíldren. Paediatr Anaesth
ba S. The efficacy of predeposited autologous blood 1997;7(3):197 -204.

96 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 8
Age nte s I n a l a t ó r i o s

Miriam Nóbrega Rodrigues Pereira

Introdução O agente inalatório ideal para o uso em crianças


deverá preencher cinco requisitos básicos:
O uso de agentes inalatórios tem sido a base
fundamental da anestesia pediátrica por quase 150 1. mínimo desconforto na indução da anestesia;
anos1. Desde sua introdução, em 1958, o halota- 2. manutenção de um nível de anestesia sufi-
no é o principal anestésico inalatório usado para ciente para o procedimento cirúrgico;
a anestesia de crianças, tanto para a indução da 3. recuperação rápida e sem dor;
anestesia como para a manutenção. O mais difí- 4. segurança;
cil na clínica é conseguir um anestésico ideal, ou
5. redução da resposta ao estresse.
seja, aquele que, na prática anestésica reúna todas
as qualidades desejáveis para uma anestesia inala- O sevoflurano e o desflurano parecem preencher
tória em crianças. O que se procura é um agente muitos desses requisitos, resolvendo em parte os
inalatório que proporcione um início e um acordar problemas encontrados com o halotano e o isoflu-
rápido da anestesia, apresente um odor agradável, rano; entretanto, ainda não são os agentes ideais.
seja pouco irritante das vias aéreas, não apresen- A anestesia inalatória tem uma grande margem
te depressão cardiovascular e respiratória e tenha de atuação em pediatria, podendo ser empregada
pouca influência no fluxo sangüíneo cerebral e car- desde antes da colocação do cateter venoso, para
díaco. Além dessas propriedades, é importante que facilitar a punção venosa e, assim, dar maior con-
reduza o consumo do oxigênio cerebral e cardíaco, forto aos pacientes. Pode ser usada como técnica
e que tenha mínima interação com as catecolami- única ou associada com a anestesia regional ou
nas, com uma pequena taxa de metabolização, di- com fármacos venosos, com o objetivo de redu-
minuindo assim a formação de compostos tóxicos. zir os efeitos colaterais e as desvantagens do uso

97

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de grandes doses de um agente único. Os anesté- Tabela 8.1 – Efeito do óxido nitroso na redução da CAM
sicos inalatórios, com exceção do óxido nitroso, Halotano 60%
preenchem todos os requisitos da anestesia geral: Isoflurano 40%
inconsciência, analgesia, bloqueio das respostas Sevoflurano 24%
autonômicas e relaxamento muscular. Os anesté- Desflurano 20%
sicos inalatórios mais usados em anestesia pediátri-
ca são o halotano, o isoflurano e o sevoflurano. O tos com hipertensão pulmonar moderada, o óxido
enflurano nunca ganhou popularidade na anestesia nitroso aumenta a pressão capilar pulmonar e da
pediátrica por algumas características próprias que artéria pulmonar8. Nas crianças sadias e mesmo
o tornam pouco atraente para o seu uso em crian- naquelas com doença cardíaca com grau moderado
ças, como odor pungente que causa rejeição pelas de doença vascular pulmonar, 50% de óxido ni-
crianças na indução inalatória, além de ser muito troso não aumenta de maneira significativa a resis-
irritante das vias aéreas, com grande tendência para tência vascular pulmonar. O que foi observado, na
provocar laringoespasmo2. realidade, foi uma diminuição moderada no débito
Um aspecto preocupante para o uso do enflu- cardíaco e pressão arterial nessas crianças.
rano em anestesia pediátrica é o aparecimento de Esses efeitos do óxido nitroso na hemodinâmi-
atividade convulsivante epileptiforme, que pode ca sistêmica podem ser clinicamente insignificantes
ser notado desde um plano superficial de anestesia, nas crianças com moderada diminuição da reserva
tornando-se clinicamente evidente em níveis mais cardíaca, entretanto pode ser de maior repercus-
profundos. A ocorrência dessa atividade convulsi- são nas crianças com reserva cardiovascular muito
vante aumenta com a hiperventilação, principal- comprometida que estão dependentes de suporte
mente quando associada com hipocapnia3-5. Outro pressórico.9 A presença de 50% de óxido nitroso
anestésico inalatório muito utilizado em anestesia na mistura gasosa pode aumentar a afinidade da
pediátrica é o óxido nitroso, geralmente emprega- hemoglobina pelo oxigênio, causando um desvio
do em associação com os anestésicos inalatórios da curva do oxigênio para a esquerda, reduzindo a
potentes para indução e manutenção da anestesia, P50 em 1,06 kPa (8 mmHg) e, conseqüentemente,
proporcionando uma indução mais tranqüila e um a oferta do oxigênio para os tecidos.
acordar mais rápido. Essa associação do óxido ni- A afinidade normal do oxigênio pela hemoglo-
troso com agentes inalatórios, além de diminuir a bina é rapidamente restaurada quando o sangue é
excitação que pode ocorrer na indução da anestesia, exposto a uma mistura sem óxido nitroso10. Na vi-
dispensa o emprego de concentrações muito eleva- gência da necessidade da oferta de elevadas concen-
das dos agentes inalatórios potentes porque dimi- trações de oxigênio, como nas anestesias para bron-
nui a concentração alveolar mínima (CAM) destes, coscopias, nas grandes perdas sangüíneas, anemia,
evitando assim os efeitos indesejáveis de depressão choque e fluxo sangüíneo cerebral comprometido,
cardiovascular. A propriedade do óxido nitroso não é recomendado o uso de elevadas concentrações
de diminuir a CAM dos anestésicos inalatórios é de óxido nitroso. É também contra-indicado o uso do
menor para os menos solúveis (sevoflurano, desflu- óxido nitroso em cirurgias de obstrução intestinal,
rano) e maior para os mais solúveis (halotano)6,7. pneumotórax ou outras em que exista espaço aéreo
A Tabela 8.1 demonstra o efeito do óxido nitroso fechado pela difusão do óxido nitroso para esses
na redução da CAM do anestésico inalatório. espaços. O óxido nitroso aumenta a incidência de
Quando associado com os anestésicos venosos, náuseas e vômitos no pós-operatório, principal-
o óxido nitroso aumenta a potência analgésica dos mente em cirurgias de estrabismo, prolongando a
narcóticos e a amnésia dos hipnóticos. Nos adul- recuperação da anestesia e a alta hospitalar11.

98 An e s t e s ia Pe diátrica

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Propriedades Físico-Químicas dos propriedades físico-químicas e farmacológicas, que
Anestésicos Halogenados influenciam na aplicação clínica desses anestésicos
na anestesia pediátrica, como pode ser observado
As estruturas químicas dos agentes inalatórios na Tabela 8.212. Nota-se na tabela que a solubilida-
halogenados, usados na clínica, pertencem a uma de (λ) dos anestésicos no sangue e gordura diminui
de duas categorias, denominadas alcanos ou éteres. da esquerda para a direita, assim como a CAM au-
O enflurano, o isoflurano, o desflurano e o sevo- menta da esquerda para a direita.
flurano são éteres halogenados. Os três primeiros
são metil-etil-éteres, e o sevoflurano é um iso-pro-
Características Farmacocinéticas
pil-eter. Isoflurano e enflurano são isômeros, di-
dos Anestésicos Inalatórios em
ferindo apenas na posição de um único íon flúor.
Crianças
A substituição de um átomo de cloro no carbo-
no alfa por um flúor transforma o isoflurano no Muitos fatores determinam a captação e distri-
desflurano. Sevoflurano, um metil-isopropil-éter, buição dos anestésicos inalatórios no organismo:
difere do isoflurano pela substituição de um grupo concentração inspirada do anestésico, ventilação
trifluorometil por cloro no carbono alfa. Apesar da alveolar, capacidade residual funcional, débito car-
semelhança existente na estrutura química desses díaco, solubilidade do anestésico e gradiente de
quatro anestésicos inalatórios tipo éter, diferenças pressão parcial alveolar para venosa. A captação e a
singulares na cadeia lateral ou na substituição de distribuição dos anestésicos inalatórios em crianças
átomos proporcionam diferenças importantes nas são mais rápidas do que em adultos. Essa diferença

Tabela 8.2 – Farmacologia, solubilidade e concentração alveolar mínima (CAM) de cinco anestésicos inalatórios

Farmacologia Halotano Enflurano Isoflurano Sevoflurano Desflurano

F H F F Cl F  Cl   F F  CF3 F   F    F   F


Estrutura química                   
F–C–C–Br H–C–O–C–C–H H–C–O–C–C–F H–C–O–C – C–F   H–C–O–C–C–F
                   
F Cl F       F   F F  H  F H   H    F   F    H   F

Peso molecular 197,4 184,5 184,5 200,1 168   

Ponto de ebulição (ºC) 50,2 56,5 48,5 58,6 23,5

Pressão de vapor (mmHg) 244   172    240    185,0 664   

Odor Agradável Forte Forte Agradável Forte

Metabolização (%) 15-25 2,4 0,2 5 0,02

Solubilidade
λs/g, adultos 2,4 1,9 1,4 0,66 0,42
λs/g, neonatos 2,1 1,8 1,2 0,66 —
λg/s, adultos 51    — 45 48      27     

CAM (%)
Adultos 0,75 1,7 1,2 2,05 7,0
Recém-nascidos 0,87 — 1,60 3,3   9,2
Adaptado de Lerman12.
s/g =sangue/gás; g/s=gordura/sangue

A g entes I na l a t ó r i o s 99

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pode ser atribuída a vários fatores que são peculia- anos de idade, foi encontrada uma captação alve-
res às crianças: maior ventilação alveolar em relação olar mais rápida em crianças do que em adultos16.
à capacidade residual funcional, maior fração do É de importância clínica o conhecimento de que,
débito cardíaco que é distribuído para os tecidos para atingir o mesmo plano de anestesia, as crian-
ricamente vascularizados, menor solubilidade te- ças precisam de 30% mais anestésico inalatório do
cido/sangue e menor solubilidade sangue/gás12-14. que os adultos. Os coeficientes de partição tissular
Em estudo feito em crianças de 2 dias até 5 anos dos anestésicos nos recém-nascidos são menores do
de idade, Salanitre e Rackow15 demonstraram que, que os encontrados em adultos. A captação mais
com o halotano, a velocidade de elevação da pres- rápida dos agentes inalatórios é um dos fatores res-
são parcial alveolar para a inspirada é mais rápida ponsáveis pela rapidez com que acontece depressão
nas crianças do que nos adultos (Fig. 8.1). do miocárdio em recém-nascidos e lactentes e da
Os autores atribuem as diferenças encontradas maior ocorrência de paradas cardíacas em crianças
às peculiaridades fisiológicas dos recém-nascidos: quando comparadas aos adultos, especialmente na
maior relação ventilação alveolar/capacidade re- indução da anestesia inalatória17,18. A solubilidade
sidual funcional, maior fração do débito cardíaco dos anestésicos no cérebro, coração e fígado é me-
para os tecidos ricamente vascularizados e menor nor nos recém-nascidos e vai aumentando com a
solubilidade no sangue. O débito cardíaco e a ven- idade (aproximadamente 50%)19 (Fig. 8.2).
tilação alveolar dos recém-nascidos são aproxima-
damente duas vezes mais elevados do que nos adul-
tos. A menor solubilidade no sangue decorre da
diferença na composição sangüínea dos recém-nas- Coeficiente de partição cérebro/gás
6
cidos. Em estudo feito com halotano, enflurano,
isoflurano e metoxiflurano, em crianças de 0 a 12 5

Halotano
3 30
1,0

0,9
Crianças de 1 a 5 anos
0,8 2 20
Metoxiflurano
0,7 Enflurano
Adultos isoflurano
0,6

0,5
1 10
0,4 Halotano 0 20 40 60 80
Idade (anos)
0,3
0 10 20 30 40 50 60
Tempo (min)

Fig. 8.2 – O aumento da idade, especialmente entre o recém-nasci-


do e o adulto jovem, também eleva a solubilidade dos anestésicos
Fig. 8.1 – Velocidade de elevação da pressão parcial alveolar para a inalatórios no tecido cerebral. Os coeficientes de partição cérebro/
inspirada do halotano em crianças e adultos15. gás são colocados em escala logarítmica19.

100 An e s t e s ia Pe diátrica

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Esse aumento está relacionado com as mudan- pouco solúveis no sangue, cujo coeficiente de solu-
ças que acontecem na composição dos tecidos com bilidade é inferior a 1. O halotano, o isoflurano e o
o aumento da idade: os recém-nascidos têm maior enflurano são considerados de solubilidade média. 
quantidade de água e menor concentração de li- A pressão parcial alveolar de um anestésico ina-
pídios e proteínas12. Foi sugerido que o aumento latório se equilibra com sua pressão parcial arterial
na pressão parcial dos anestésicos nos tecidos em
e tissular, em particular com a cerebral. As varia-
recém-nascidos é aproximadamente 30% mais rá-
ções da concentração alveolar refletem as variações
pida do que nos adultos19. A quantidade de tecido
da concentração cerebral, portanto do plano da
visceral ricamente vascularizado, cérebro, cora-
ção, fígado e rins, nos recém-nascidos, é 22% da anestesia. Quando um agente halogenado é admi-
massa corporal em comparação com 10,2% nos nistrado em uma concentração inspirada constan-
adultos13. A Tabela 8.3 mostra a porcentagem do te, a relação FA/FI (FA = concentração alveolar, FI
volume dos tecidos dos vários compartimentos do = concentração inspirada) se eleva no início rapi-
organismo. Pode-se observar que os recém-nasci- damente, depois a inclinação da curva fica menos
dos e lactentes apresentam maior porcentagem do pronunciada, tornando-se quase um platô20.
grupo de tecidos ricamente vascularizados e menor A elevação da relação FA/FI é influenciada por
proporção do grupo de gordura e músculo quando dois fatores: aumento da ventilação, que diminui
comparado com crianças de mais idade e adultos. a capacidade residual funcional (CRF) e acelera
Isso significa que, nos recém-nascidos, o anestési- a elevação da FA/FI e pela captação contínua do
co será liberado mais rapidamente para o cérebro agente anestésico pelo sangue capilar pulmonar
e, em conseqüência, a indução e a recuperação da que diminui a elevação da relação FA/FI. Essa cap-
anestesia nessa faixa etária serão mais rápidas. tação dos agentes anestésicos aumenta quando a
solubilidade no sangue também se eleva ou quan-
Ventilação Alveolar e Capacidade do o débito cardíaco for maior. Todo aumento da
Residual Funcional captação tende a retardar a rapidez da indução e
O fator principal do aumento da concentração eleva o tempo de recuperação. A maior ou menor
alveolar, em relação à concentração inspirada, em velocidade de chegada de um anestésico inalatório
função do tempo, é a solubilidade do anestésico no aos pulmões está relacionado principalmente com
sangue. Os novos anestésicos empregados na anes- o binômio ventilação alveolar/capacidade residual
tesia pediátrica, o desflurano e o sevoflurano, são funcional (VA/CRF).

Tabela 8.3 – Volumes dos tecidos

Volume (% do volume total do corpo)


Grupo de idade
Grupo dos muito vascularizados Grupo muscular Grupo gordura

Recém-nascido 22,0 38,7 13,2

1 ano 17,3 38,7 25,4

4 anos 16,6 40,7 23,4

8 anos 13,2 44,8 21,4

Adulto 10,2 50,0 22,3

Reproduzido e Eger13.

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Quanto maior a ventilação alveolar em rela- Coeficiente de partição sangue/gás
ção à capacidade residual funcional, mais rápido 3
o equilíbrio dos anestésicos no alvéolo. A relação Halotano
VA/CRF dos anestésicos inalatórios em crianças é
maior que nos adultos. Nas crianças é de 5/1, en-
2 20
quanto nos adultos é de 1,5/121. A maior relação Enflurano
VA/CRF nos recém-nascidos em comparação aos Metoxiflurano
adultos pode ser atribuída a uma ventilação alve-
olar três vezes maior nos recém-nascidos e a uma
grande demanda metabólica. Os anestésicos mais
solúveis são mais dependentes da ventilação alveo- Isoflurano
lar e do débito cardíaco do que os pouco solúveis. 1 10
A velocidade de elevação das pressões parciais al- 0 40 80
Idade (anos)
veolar para inspirada do halotano, em crianças, é
mais rápida que nos adultos15.  Fig. 8.3 – Relação entre a idade e o coeficiente de partição sangue/
gás do isoflurano, enflurano, halotano e metoxiflurano. Os coeficien-
tes de partição dos recém-nascidos, crianças e adultos são signi-
Características especiais dos ficativamente diferente uns dos outros, entretanto não há diferença
entre o coeficiente de partição em crianças e adultos jovens. Não há
pacientes pediátricos e relação diferenças significativas do coeficiente de partição do enflurano em
com os anestésicos inalatórios recém-nascidos e crianças. Para isoflurano, enflurano e halotano,
use o eixo esquerdo. Para o metoxiflurano, o eixo direito22.
O débito cardíaco influencia a velocidade de
equilíbrio entre as pressões alveolar e inspirada
(FA/FI) dos anestésicos inalatórios de maneira in- Com os anestésicos pouco solúveis pode-se con-
versa: quanto maior o débito cardíaco, menor será trolar de maneira mais rápida o nível da anestesia
a velocidade de equilíbrio e vice-versa. Na queda do que com os mais solúveis. Os coeficientes de
do débito cardíaco, a velocidade de equilíbrio au- partição sangue/gás do isoflurano e do enflurano
menta porque a remoção do anestésico no nível correlacionam-se diretamente com as concentra-
dos pulmões diminui. A influência do débito car- ções plasmáticas de albumina e triglicerídeos, o ha-
díaco sobre a relação FA/FI é mais verdadeira para lotano diretamente com o colesterol, triglicerídeos
e albumina plasmática22.
os anestésicos muito solúveis. Nos pouco solúveis,
a retirada do agente anestésico pelo sangue capi-
lar pulmonar não é influenciada pelas alterações Concentração Alveolar Mínima
do débito cardíaco. Nos recém-nascidos, aconte- (CAM) dos anestésicos inalatórios
ce o inverso: o maior índice cardíaco encontrado A concentração alveolar mínima de um anestési-
nessa faixa etária acelera as pressões parciais alveo­ co inalatório é a concentração que previne a reação
lar e inspirada dos anestésicos. Isso é atribuído à motora a um estímulo doloroso (incisão cirúrgica)
distribuição preferencial do débito cardíaco para o em 50% dos indivíduos anestesiados. Essa CAM,
grupo de tecidos ricamente vascularizados nos re- na prática clínica, não tem muita aplicação. A con-
cém-nascidos. centração que suprime a reação motora em 90%
A solubilidade dos anestésicos inalatórios no dos pacientes está 10% a 20% acima da CAM.
sangue varia com a idade. Com o halotano, isoflu- A CAM varia inversamente com a solubilidade lipí-
rano e enflurano é 18% menor nos recém-nascidos dica. Quando a solubilidade lipídica diminui a po-
do que nos adultos (Fig. 8.3). tência, o faz em paralelo, e assim a CAM aumenta.

102 An e s t e s ia Pe diátrica

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Os valores da CAM estão muito relacionados recém-nascidos, 7,7% menor do que o maior valor
com a idade, por razões ainda não bem definidas. encontrado nas crianças maiores (Tabela 8.4).
A relação da CAM com a idade é a mesma para Estudos anteriores demonstraram que os anesté-
o halotano, o isoflurano e o desflurano. A CAM do sicos inalatórios diminuem a resposta dos barorre-
ha­lotano aumenta quando a idade diminui até o ceptores em recém-nascidos e lactentes. O halota-
valor máximo em crianças de 1 a 6 anos de idade. no causava um efeito depressor nos barorreceptores
Com o sevoflurano, essa relação com a idade não maior do que o isoflurano25,26. Descobriu-se nesses
existe, como acontece com os outros agentes inala- estudos com recém-nascidos e lactentes que uma
tórios. A CAM do sevoflurano não aumenta com a CAM do anestésico inalatório, antes do estímulo
diminuição da idade e consiste apenas de dois va- cirúrgico, causava diminuição significativa da pres-
lores em crianças: 3,3% de recém-nascidos até lac- são arterial sistólica, sem alteração da freqüência
tentes com menos de 6 meses de idade e 2,5% de cardíaca, demonstrando uma depressão do contro-
lactentes de 6 meses até crianças de 12 anos (Tabela le dos barorreceptores na freqüência cardíaca. Essa
8.4). A CAM dos agentes inalatórios em recém-na- depressão dos barorreflexores na freqüência cardía-
cidos pré-termos é menor do que em recém-nasci- ca durante a anestesia com isoflurano pode abolir
dos a termo21. Existe uma maior necessidade para a capacidade dos recém-nascidos para compensar
todos anestésicos inalatórios potentes, em crianças, as mudanças rápidas na pressão arterial, especial-
em relação aos adultos, para atingir o mesmo plano mente durante uma hipovolemia. Gregory et al.27
anestésico. Por esse motivo, nas crianças existe uma estabeleceram uma relação entre a idade e a neces-
estreita margem de segurança entre anestesia ade- sidade de halotano. Lerman et al.28 compararam a
quada e depressão cardiopulmonar grave14. necessidade do halotano em crianças de 0 a 1 mês e
de 1 a 6 meses de idade (Tabela 8.4).
A relação da CAM do desflurano com a idade
em lactentes e crianças até 12 anos de idade, quan-
CAM do isoflurano
do comparada aos adultos, é igual aos relatos ante-
riores para o isoflurano23 e halotano24. Entretanto, a A CAM do isoflurano é mais elevada em crian-
relação entre a idade e a CAM do desflurano difere ças do que nos adultos e vai diminuindo com o
daquela do halotano e do isoflurano em dois pon- aumento da idade, alcançando o valor máximo em
tos: a idade na qual atinge o valor máximo, enquan- crianças de 1 a 6 meses de idade. Nos recém-nasci-
to com o halotano e isoflurano é de 1 a 6 meses de dos de 0 a 1 mês é menor do que nos lactentes de 1
idade, com o desflurano é 6 a 12 meses de idade. a 12 meses de idade24. Nas crianças de 0 a 1 mês é
A causa para essa diferença ainda não foi esclarecida. de 1,60%, com 6 meses atinge 1,87%, com 1 ano
Outra diferença é o valor da CAM do desflurano em 1,80% e, aos 5 anos, 1,60% (Tabela 8.4).

Tabela 8.4 – Influência da idade na CAM dos anestésicos inalatórios

CAM(%) Halotano Isoflurano Sevoflurano Enflurano Desflurano

Recém-nascidos 0,87 1,6   3,3   — 9,2

1 a 6 meses 1,2   1,87 3,1   — 9,4

6 meses a 1 ano 0,97 1,8   2,7   — 9,9

1 ano a 12 anos 0,89 1,6   2,55 1,7 8,0 a 8,7

Adultos 0,77 1,15 1,71 1,6 7,3

Adaptado de Taylor et al. , Gregory et al. , Lerman et al. , Cameron et al. , e Inomata et al. .
23 27 28 29 30

A g entes I na l a t ó r i o s 103

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Demonstrou-se que a CAM do isoflurano foi CAM do halotano
significativamente menor em recém-nascidos pré-
A CAM do halotano varia com a idade. No
termo com menos de 32 semanas de idade gesta-
adulto de 40 anos, a CAM do halotano é de 0,75%,
cional do que em recém-nascidos pré-termo com
enquanto no recém-nascido é de 1%. O valor da
idade gestacional de 32 a 37 semanas12 (Fig 8.4).
CAM é maior entre 1 a 6 meses de idade em 1,08%
É desconhecida a razão pela qual os recém-nas- e diminui para atingir um valor de 0,91% na idade
cidos têm a CAM do isoflurano menor do que as de 4 anos e de 0,87% aos 8 anos. Aos 15 anos a
crianças até 1 ano de idade. Inomata et al.30 estabe- CAM se eleva para 0,92% e depois vai diminuindo
leceram a concentração final expirada do sevoflura- linearmente com o aumento da idade (Fig. 8.5)27.
no para a intubação traqueal e a CAM em crianças.
Nas crianças com paralisia cerebral e grau acentu-
Gregory et al.31 determinaram a CAM do halotano
ado de retardo mental foram demonstrados valores
em fetos de recém-nascidos de carneiros e encontra-
da CAM do halotano significativamente inferiores,
ram uma relação inversa entre a CAM e os níveis de
em comparação com crianças sadias do controle.
progesterona, isto é, uma CAM baixa estava asso-
Explicações para essa ocorrência incluem percepção
ciada com níveis mais elevados de progesterona31, o
central da dor diminuída ou uma interação neuro-
que foi confirmado por Palahnuik32. É também pos-
nal deficiente no nível da medula espinhal35.
sível que outros hormônios ou neurotransmissores,
como as prostaglandinas ou as endorfinas, possam
ser responsáveis pela redução da CAM nos recém- 1.1
nascidos33. Finalmente, as necessidades menores dos
Halotano alveolar - %

anestésicos durante o período neonatal podem ser 1.0

simplesmente devidas a imaturidade ou diferença 0.9


na composição do cérebro durante esse período34.
0.8

0.7

2.0 0.6
.3 .5 1 3 5 10 30 50 100
1.8 Idade – anos
CAM (% Isoflurano)

Fig. 8.5 – Concentração alveolar média do halotano versus idade27.


1.6

32-37 semanas
1.4
de gestação CAM do sevoflurano
< 32 semanas
de gestação
Estudos prévios em crianças mostraram que a
1.2
CAM do halotano, isoflurano e desflurano aumen-
ta quando a idade diminui, alcançando um valor
1.0
0.5 1.0 5 10 50 100 máximo nos lactentes (1 a 6 meses de idade) e di-
Idade pós-conceptual (anos)
minui nos recém-nascidos. No estudo de Lerman
Fig. 8.4 – Efeito da idade sobre a concentração alveolar mínima do et al.36, a CAM dos sevoflurano foi semelhante em
isoflurano. A CAM aumenta quando a idade diminui, alcançando o recém-nascidos (3,3 ± 0,2%) e em lactentes de 1 a
valor máximo em lactentes de 1 a 6 meses de idade e reduzindo 6 meses de idade (3,2 ± 0,1%). A CAM em crianças
a partir daí quando a idade diminui até 24 semanas de gestação.
A idade pós-conceptual é a soma da idade gestacional e a idade mais velhas (6 a 12 meses) e crianças de 12 meses
pós-nascimento. a 12 anos foi constante, 2,5% (Fig. 8.6). Katoh et

104 An e s t e s ia Pe diátrica

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al.36 estudaram a CAM do sevoflurano em crianças anestésico inalatório pode ser avaliada por sua con-
de 3 a 5 anos de idade e acharam um valor de 2,5%. centração ao final da expiração, por isso a monito-
A CAM do sevoflurano em 60% óxido nitroso, em rização torna-se simples e habitual. O modo de ad-
crianças de 1 a 3 anos de idade, foi de 2,0, ou seja, ministração dos agentes halogenados modifica sua
24% menor do que a mistura com oxigênio. atuação. No sistema sem reinalação, a concentra-
ção liberada no circuito e a concentração inspirada
são iguais e constantes, e o crescimento de FA/FI
3.5 depende somente da ventilação e da captação pul-
monar do agente anestésico. Assim, a elevação da
concentração alveolar do anestésico é mais rápida
3.0
no sistema sem reinalação do que no sistema com
reinalação, conservando-se a mesma concentração
(%)

liberada nos dois sistemas. No sistema com reinala-


2.5
ção, alimentado por um baixo débito de gás fresco,
a elevação da concentração inspirada vai depender
2.0 do volume do circuito, do débito de gás fresco e da
.01 0.1 1.0 10 100 captação do anestésico. A captação do agente ha-
Idade (anos) logenado pelos componentes do circuito de anes-
tesia, ou da cal sodada, pode contribuir para um
Fig. 8.6 – Média (desvio-padrão) da concentração expirada final do crescimento mais lento em direção de sua concen-
sevoflurano em oxigênio desde recém-nascidos até crianças de 12
anos de idade36.
tração inspirada.
Os agentes inalatórios podem ser degradados na
presença dos absorvedores de CO2, formando vá-
rios compostos tóxicos. Enflurano, isoflurano e des-
CAM do desflurano
flurano reagem com a cal sodada ou baritada para
Assim como acontece com os outros anestési- formar monóxido de carbono, o que não acontece
cos inalatórios, a CAM do desflurano varia com com o sevoflurano ou o halotano21. O halotano e
a idade. Taylor e Lerman23 relataram que a CAM o sevoflurano com a cal sodada ou baritada podem
em recém-nascidos era de 9,2%; em lactentes de 1 produzir produtos tóxicos (olefin) com potencial
a 6 meses de idade era de 9,4%; de 6 a 12 meses, lesão renal. Fatores que aumentam a produção do
de 9,9%; em crianças de 1 a 3 anos de idade, de composto A incluem concentração inspirada eleva-
8,72%; de 3 a 5 anos de idade, de 8,62%; e de 5 a da de sevoflurano, uso de cal baritada e aumento
12 anos de 7,98%23.  da temperatura do absorvedor. O composto A é
nefrotóxico, e o sevoflurano é o único agente ha-
Anestésicos inalatórios: indução, logenado degradado pela cal sodada nas condições
de uso clínico. O halotano tem sido durante mui-
manutenção e recuperação
tas décadas o padrão-ouro da anestesia inalatória
É necessário haver um equilíbrio entre a pres- em crianças, sendo ainda o mais usado em muitos
são parcial alveolar de um agente inalatório e sua países. Entretanto, o sevoflurano tem substituído
pressão parcial arterial e tissular, em particular ce- o halotano em muitos centros de anestesia pedi-
rebral, para haver um estágio de anestesia cirúrgi- átrica, principalmente como agente de indução.
ca. As variações da concentração alveolar refletem O isoflurano tem sua limitação na indução inala-
as variações da concentração cerebral, ou seja, do tória por ser muito irritante das vias aéreas, pro-
plano da anestesia. A concentração alveolar de um vocando laringoespasmos freqüentes e dificultando

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a indução. O desflurano, cujas características leva- nor que nos adultos. Por isso a perda da consciên-
vam a crer que havia sido descoberto o anestésico cia é mais rápida que nos adultos com o halotano.
ideal para crianças, é muito irritante das vias aéreas A ação depressora do halotano no sistema cardio-
e necessita do uso de vaporizador especial. vascular é dose-dependente, sendo mais pronun-
Uma particularidade ainda não muito esclareci- ciada nos recém-nascidos e lactentes em virtude de
da na indução e manutenção da anestesia inalatória maior necessidade do anestésico, resposta diminu-
é o efeito shunt. O shunt esquerdo/direito, como ída dos barorreceptores e maior captação alveolar.
acontece na comunicação intraventricular, não Nos anestésicos de solubilidade média, como é o
interfere com a farmacocinética dos agentes ina- caso do halotano, a concentração alveolar se eleva
latórios desde que o débito cardíaco seja mantido. tanto mais rápido quanto a ventilação alveolar seja
Nos shunts direito/esquerdo, encontrados nas car- aumentada. Assim, a concentração alveolar do ha-
diopatias cianóticas congênitas, nas pneumonias lotano é mais modificada pela ventilação que aque-
e nas intubações brônquicas, o equilíbrio entre as la do óxido nitroso e do desflurano. Por exemplo,
pressões parciais inspirada e alveolar será retardado 20 minutos após o início de anestesia em um pa-
e muito mais lento com os anestésicos insolúveis ciente com ventilação alveolar de 2l/min, a relação
(óxido nitroso, desflurano e sevoflurano) do que FA/FI do halotano é 30%, porém, se a ventilação é
com os mais solúveis24. aumentada para 8 l/min, a relação passará a ser de
65%, o que corresponde ao dobro da quantidade
de halotano liberada para os tecidos.
Halotano
Existe o risco de depressão cardíaca grave nas
O halotano continua a ser o anestésico mais uti- crianças mantidas com elevadas concentrações de
lizado para pacientes pediátricos. Na indução da halotano em respiração controlada, muito maior
anestesia, apresenta a vantagem de ser pouco irri- do que as mantidas com a respiração espontânea.
tante das vias aéreas, de cheiro agradável e com boa O halotano tem um efeito depressor da ventilação
aceitação por parte das crianças. É considerado de a partir de uma certa concentração cerebral, provo-
solubilidade média, sendo mais solúvel, em ordem cando uma autolimitação do efeito anestésico até
decrescente, do que enflurano, isoflurano, sevoflu- uma parada respiratória. Com a respiração contro-
rano, desflurano e óxido nitroso. Como a veloci- lada, essa autolimitação é perdida, podendo haver o
dade de elevação da pressão parcial alveolar para risco de sobredose grave e até parada cardíaca. Esse
a inspirada é o inverso da solubilidade sangüínea, efeito não é rapidamente reversível, mesmo que a
a elevação da FA/FI é mais lenta com o halotano. concentração alveolar do anestésico seja reduzida
A CAM do halotano é a menor dos quatro anes- a zero, em virtude do baixo débito cardíaco. A hi-
tésicos inalatórios usados em anestesia pediátrica perventilação deveria acelerar a indução anestésica,
(Tabela 8.4). mas a vasoconstrição cerebral retardará o equilíbrio
Apesar de apresentar a maior solubilidade san- de pressão parcial entre o sangue e o cérebro, con-
gue/gás e tecido/gás dos anestésicos inalatórios trabalançando o efeito anterior20. 
mais usados em anestesia pediátrica, a captação do Friesen e Lichtor18 demonstraram que recém-
halotano é rápida em crianças em conseqüência da nascidos a termo e lactentes de 1 a 6 meses de ida-
elevada relação ventilação minuto/capacidade resi- de, anestesiados com halotano, apresentavam uma
dual funcional (5:1 versus 1.5:1 para adultos), do maior queda da pressão arterial média em compa-
maior índice cardíaco e da maior percentagem dos ração com outros grupos de crianças de maior ida-
tecidos ricamente vascularizados. A constante tem- de. Em estudos ecocardiográficos foi demonstrado
po do halotano no cérebro de crianças é 30% me- que a depressão cardiovascular do halotano era

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principalmente pela depressão da contratilidade O metabolismo do halotano pelo fígado é maior
cardíaca. Aumentando a concentração inspirada de dos anestésicos inalatórios: halotano até 20%, en-
halotano, deprime a função ventricular de maneira flurano 2,4%, isoflurano 0,2%, sevoflurano 3% e
significativa e é dose-dependente. Com halotano a desflurano 0,02%20.  Apesar de relatos de hepatite
2% foi observada diminuição do débito cardíaco, associada ao uso de halotano, na população pediá-
da pressão arterial sistólica e da freqüência cardí- trica, ainda não está bem comprovada a associação
aca. Medidas da função ventricular, da fração de do halotano como agente único na etiologia des-
ejeção e do volume diastólico final do ventrículo ta patologia14. Foram estudadas prospectivamente
esquerdo mostraram diminuição paralela. Após a 1.362 crianças submetidas à anestesia com halo-
administração de atropina 0,02 mg/kg-1 venosa, tano, sendo encontradas no pós-operatório 186
houve melhora de todos esses parâmetros. O me- crianças com pequenas alterações das enzimas he-
canismo da depressão do miocárdio pelo halotano páticas, nenhum caso de hepatite e níveis muito
ainda não está bem esclarecido. Foi sugerido que elevados das enzimas hepáticas naquelas crianças
o halotano deprime diretamente a contratilidade que já apresentavam elevação das enzimas no pré-
do miocárdio pela diminuição do fluxo do cálcio operatório41. Vários estudos retrospectivos relatam
intracelular. O halotano diminui o fluxo do cálcio uma incidência muito baixa de hepatite associada
por sua ação nos próprios canais de cálcio, na bom- ao halotano de 1/82.700 a 1/200.155 procedimen-
ba cálcio/sódio e no retículo sarcoplasmático38. tos anestésicos42. A verdadeira incidência de hepa-
Existe interação das catecolaminas com o halo- tite associada com halotano nas crianças ainda não
tano, com o aparecimento de arritmias, porém de está elucidada. Não existem dados convincentes na
menor intensidade nas crianças do que nos adultos. literatura que suportem a conduta de evitar anes-
Nos adultos, a dose de epinefrina para o apareci- tesias repetidas com halotano em crianças. Existem
mento de arritmias está acima de 2 mcg/kg-1, entre- relatos de óbitos43 por hepatite fatal em crianças
tanto nas crianças a epinefrina foi usada, concomi- submetidas à anestesia com halotano, mas a in-
tante com o halotano, nas doses de até 15 mcg/kg-1 cidência é muito baixa em relação a milhares de
sem o aparecimento de arritmias39. Arritmias podem anestesias realizadas com esse anestésico inalatório
também ocorrer em anestesias com halotano e respi- em crianças, sem a ocorrência de alterações da fun-
ração espontânea se associado à hipercarbia. Ritmos ção hepática14. 
juncionais, bigeminismo e bradicardia são achados
freqüentes nas anestesias com halotano. Tem sido Isoflurano
sugerido três mecanismos para explicar a origem
das arritmias: um efeito direto no nódulo sinoatrial, Isoflurano, um isômero do enflurano, possui
um efeito vagal e um predomínio do sistema ner- muitas propriedades físicas semelhantes este últi-
voso parassimpático sobre o simpático. Bradicardia mo e tem cheiro forte, causando muitas vezes tos-
é uma ocorrência freqüente em recém-nascidos, se e laringoespasmo durante a indução inalatória
em anestesia com halotano, em virtude do predo- quando a concentração é aumentada muito rapida-
mínio da inervação parassimpática sobre a simpá- mente. O acordar da anestesia com isoflurano, em
tica no miocárdio e é revertida com a atropina na crianças, é clinicamente semelhante à do halotano,
dose de 10 mcg/kg-1 restaurando o ritmo sinusal40. apesar da menor solubilidade do primeiro. Essa di-
O halotano deprime a resposta dos barorreceptores, vergência entre solubilidade e efeito clínico pode
tornando a criança mais vulnerável à ação depresso- estar relacionada à diferença na intensidade de
ra sobre o sistema cardiovascular. Aumenta o fluxo biotransformação desses agentes, que pode afetar a
sangüíneo cerebral, não sendo recomendado seu uso sua concentração alveolar e sua retirada do alvéolo
em crianças com pressão intracraniana elevada. durante o acordar. O isoflurano tanto em crianças

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como em adultos, em concentrações equipotentes do isoflurano pode ser recuperado como meta-
ao halotano, deprime mais a freqüência respiratória bólito na urina, sendo o ácido trifluoracético e o
e a ventilação minuto. Por seu potente efeito de- fluoreto inorgânico os produtos finais do metabo-
pressor respiratório, o isoflurano na anestesia deve lismo. A importância da taxa de metabolização dos
ser sempre administrado com ventilação controla- anestésicos inalatórios está ligada à toxicidade renal
da. A pressão arterial sistêmica diminui progressi- e hepática. A quase ausência de metabolismo do
vamente com o aprofundar do plano da anestesia, isoflurano sugere que não é nefrotóxico nem he-
pela redução da resistência vascular periférica, com patotóxico. O isoflurano diminui ou não altera a
mínimo efeito inotrópico negativo e com diminuí­ pressão intra-ocular em crianças. O isoflurano ofe-
do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Estudo rece uma maior margem de segurança do que o ha-
comparativo com o halotano sugere que ele está lotano. Em concentrações clínicas, mantém o dé-
associado com significativa depressão do miocárdio bito cardíaco e aumenta a freqüência cardíaca, mas
em crianças normais, enquanto com o isoflurano a não precipita as arritmias. Existe o risco potencial
função miocárdica era bem preservada44. de liberação de catecolaminas com o aparecimento
Isoflurano causa uma depressão do sistema ner- de taquicardia e hipertensão arterial quando há um
voso central dose-dependente. Uma alteração subs- rápido aumento na concentração inspirada de iso-
tancial ocorre com a CAM entre 0,25 e 0,5. O con- flurano. Essa intercorrência pode ser evitada pelo
sumo de oxigênio cerebral diminui verticalmente aumento mais gradual na concentração inspira-
com uma CAM de 0,4. Ao contrário do enflurano, da de isoflurano. Na ocorrência de hipertensão e
o isoflurano não produz atividade convulsivante. taquicardia durante a anestesia com isoflurano, é
Apesar de o isoflurano não diminuir o consumo melhor trocar para o halotano. Outro efeito colate-
de oxigênio cerebral com CAM de 0,6 a 1,1, em ral do isoflurano é sua interação com a cal sodada
normocapnia, dobra o fluxo com CAM de 1,6. desidratada para produção de monóxido de carbo-
O halotano e o enflurano em contraste dobra o no (CO), da mesma maneira que acontece com o
fluxo com a CAM de 1,1. Com a CAM de 1,1 o desflurano. Esse problema pode ser evitado com o
halotano triplica o fluxo. O halotano e o isoflurano uso de cal sodada nova.
diminuem o metabolismo cerebral. A menor ele-
vação no fluxo sangüíneo cerebral produzido pelo
Sevoflurano
isoflurano significa uma menor alteração na pres-
são intracraniana, condição muito significativa em O sevoflurano é um excelente agente de indução
crianças com pressão intracraniana elevada, como da anestesia em crianças, por seu aroma agradável e
nos tumores intracranianos nas hidrocefalias. Hi- mínima irritação das vias aéreas. Em concentrações
pocapnia pode prevenir ou abolir qualquer aumen- de 8% é bem tolerado sob máscara, com incidência
to na pressão intracraniana nas anestesias com iso- de tosse, laringoespasmo igual ou um pouco me-
flurano. O isoflurano deprime a transmissão neuro- nor que com halotano. A pressão arterial sistólica
muscular, evidenciada pela incapacidade de manter e a freqüência cardíaca pouco se alteram durante
uma resposta tetânica ao estimulo do nervo ulnar. a indução com sevoflurano. Com a maior expe-
Da mesma maneira que os outros agentes anestési- riência clínica adquirida com o sevoflurano, está
cos inalatórios, o isoflurano potencializa a ação dos substituindo o halotano na indução e manutenção
bloqueadores neuromusculares adespolarizantes. das anestesias pediátricas por sua grande margem
Aumentar a concentração do isoflurano dimi- de segurança, principalmente na anestesia dos re-
nui a necessidade dos bloqueadores neuromuscu- cém-nascidos e lactentes. Apresenta uma excitação
lares. A biodegradação do isoflurano é 1/10 à do desagradável na indução da anestesia atribuída à
enflurano e 1/100 do halotano. Menos de 0,2% lentidão da indução da anestesia. Para abreviar este

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efeito indesejável na indução, tem sido sugerido pela irritação profunda das vias aéreas. Nas crianças
aumentar rapidamente a concentração inspirada do sem pré-medicação que foram submetidas à indu-
sevoflurano, em doses crescentes de 4% em cada ção inalatória foi constatada a incidência de 73%
duas ou três respirações ou uma subida rápida de 0 de laringoespasmo6, sendo, por esse motivo, con-
a 8% em uma ou duas respirações. tra-indicado para indução inalatória. A indução e
Deprime a respiração em intensidade considerá- a recuperação da anestesia com o desflurano são
vel, sendo necessária a ventilação controlada em pla- mais rápidas do que com o halotano e o isoflurano.
nos mais profundos de anestesia45. O metabolismo Os efeitos cardiovasculares, incluindo interações
do sevoflurano produz fluoreto inorgânico, o nível com epinefrina, e seus efeitos no fluxo sangüíneo
do qual pode ser proporcional à duração e à exposi- cerebral e na pressão intracraniana são semelhan-
ção ao sevoflurano (CAM/hora). Não tem sido rela- tes àqueles do isoflurano. Um efeito cardiovascular
tada lesão renal pelo fluoreto em adultos e crianças. indesejável da administração do desflurano é a es-
É degradado pela cal sodada e em maior intensidade timulação simpática pelos receptores irritantes das
pela cal baritada, com produçao de pequenas quan- vias aéreas, causando excitação central do sistema
tidades de composto A (fluorometil-2-2, difluoro- nervoso simpático. Essa excitação é em grande par-
metil-2-2, difluoro-1-(triflurorometil)-vinil eter), te dependente da velocidade de elevação da con-
não sendo indicado seu uso em sistemas fechados centração inspirada do desflurano e é abolida pela
de anestesia, e o grau de degradação está relacionado administração de fentanil. O acordar da anestesia
com a elevação da temperatura da cal46. nas crianças é acompanhado de grande excitação
É aconselhado o uso com cautela do sevoflurano que necessita o uso de sedação com narcótico ou
em crianças com limitação da função renal. A recu- hipnótico, o que retarda a alta hospitalar49.
peração da anestesia com sevoflurano é mais rápida
que com o halotano, porém o tempo para a alta referências bibliográficas
hospitalar não é diferenciado porque muitas crian-
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A g entes I na l a t ó r i o s 111

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Capítulo 9
Age nte s E n d o v en os o s

Mario José da Conceição

introdução ra-ambiente. Não deveria produzir dor quando


injetado, induzir a perda da consciência no tempo
Muitos agentes endovenosos já foram utilizados de uma circulação e sem efeitos colaterais sobre a
no paciente pediátrico. Alguns foram abandonados, respiração, a circulação e outros sistemas orgâni-
por seus efeitos adversos, e outros mantidos até os cos. Poderia ainda ser capaz de produzir, de uma
dias de hoje, como o tiopental sódico e a cetamina. só vez, inconsciência, analgesia, amnésia e redução
Novos agentes endovenosos foram disponibiliza- do tônus muscular. Sua redistribuição deveria ser
dos no mercado para uso pediátrico, apresentando rápida e sofreria uma biotransformação para me-
rápido início de ação, fácil dosagem e meia-vida tabólitos inativos. Não poderia intervir no sistema
de eliminação curta, além de distribuição e meta- imunológico e possuiria um potencial baixíssimo
bolismo mais rápidos. Entretanto, os dados refe- para reações anafilactóides ou anafiláticas1. Vários
rentes a farmacocinética e farmacodinâmica desses agentes endovenosos podem ser utilizados em pa-
agentes são incompletos e, quando tratamos de cientes pediátricos, porém nenhum deles preenche
crianças menores de 1 ano de idade, tais dados são de uma vez todos esses requisitos.
praticamente inexistentes. Isso se deve, em parte,
aos problemas éticos envolvidos quando se trata de
pesquisa em pacientes pediátricos, o que nos leva Aspectos farmacocinéticos e
a aceitar os dados obtidos em pacientes adultos farmacodinâmicos nas crianças
como verdadeiros para crianças. Essa conduta to- Para cada agente a ser empregado, seja dose em
davia nem sempre pode ser considerada correta. bolus, infusão de manutenção ou ainda uma dose
O agente intravenoso ideal deveria ser hidros- em bolus seguida de uma infusão contínua, o cálcu-
solúvel estável por longos períodos à temperatu- lo deve ser feito e corrigido considerando a idade,

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o peso, a gravidade da doen­ça e/ou a presença de monitoramento rigoroso das funções do paciente
falha de funcionamento em algum órgão. Normal- para garantir uma técnica efetiva e segura5. Muitos
mente, as crianças têm um volume grande do com- estudos ainda precisam ser realizados para pacien-
partimento central e taxa de eliminação maior para tes pediátricos, principalmente reelacionados a far-
agentes venosos e opióides, bem como a capacida- macocinética e farmacodinâmica, considerando a
de de metabolização tende a ser um pouco maior, idade, o grau de maturidade gravidade das doenças
em parte por causa da perfusão hepática maior em e dos procedimentos. Todavia, de modo geral, as
conseqüência do débito cardíaco aumentado. Isso, drogas endovenosas disponíveis em nosso arsenal
porém, nas crianças menores de 1 ano de idade, terapêutico podem ser utilizadas com relativa segu-
pode ser anulado pela imaturidade hepática e renal, rança e vantagens no paciente pediátrico.
comprometendo a taxa de eliminação de agentes
endovenosos, fato agravado pela prematuridade2. Farmácos endovenosos de uso em
Há que se considerar também que a concentração
anestesia pediátrica
no sistema nervoso central (SNC) é clinicamente
mais importante que a concentração arterial e ve- Cetamina
nosa das drogas endovenosas. Pacientes menores
A cetamina foi usada pela primeira vez em hu-
de 1 ano de idade, especialmente prematuros, têm
uma barreira hematoencefálica também imatura, manos em 19666. Ela é o composto (R,S)-2-(O-
o que os predispõe a uma maior sensibilidade aos cloro fenil)-2-metilamino-cicloexanona, com peso
efeitos depressores desses agentes sobre o SNC. molecular de 238. A cetamina comercialmente dis-
ponível é uma mistura racêmica, solúvel em água,
O conceito da meia-vida contexto-sensitiva de-
com pKa de 7,5. A cetamina apresenta efeito anal-
terminou a reavaliação da duração do efeito dos
gésico tanto clínica como experimentalmente, mes-
fármacos endovenosos quando administrados por
mo em doses subanestésicas7. Seu efeito analgésico
infusão. A queda na concentração do fármaco no
está ligado ao seu mecanismo de ação nos recepto-
órgão efetor depende do tempo pelo qual o órgão
efetor ficou exposto ao fármaco, da rapidez da dis- res NMDA, dos quais é um antagonista8.
tribuição pela economia e da taxa de metabolização Por essa característica, vem sendo utilizada com
e excreção desse fármaco3. Por exemplo, apesar de se freqüência em estudos que visam avaliar sua efici-
pensar que o alfentanil é um agente de curta dura- ência no bloqueio dos estímulos aferentes das fibras
ção, se comparado ao fentanil ou ao sufentanil, sua tipo C que atuam via receptores n-metil-dimetil-
concentração no efetor cai mais lentamente após aspartato (NMDA)9. Inicialmente, a cetamina foi
infusão, porque ele se redistribui mais lentamente utilizada como anestésico venoso, tendo bom efeito
que os outros dois agentes, apesar de ser mais rapi- hipnótico e analgésico com duração variável. Seus
damente metabolizado e excretado. efeitos colaterais simpaticomiméticos (hipertensão,
O remifentanil tem uma meia-vida contexto- taquicardia e broncodilatação), parassimpaticomi-
sensitiva extremamente curta e meia-vida de eli- méticos (sialorréia) e psicomiméticos acentuados
minação também curta, por causa de sua rápida (euforia, pesadelos e discinesia) limitaram seu uso
metabolização pelas esterases e porque esses parâ- ou atrelaram-no à associação com outras drogas,
metros não são afetados pela idade, função hepá- como anestésicos gerais e benzodiazepínicos9 que
tica, função renal e duração da infusão4. Os dados pudessem controlar seus efeitos colaterais. A desco-
farmacocinéticos apenas fornecem as diretrizes berta mais recente do papel dos receptores NMDA
para a dosagem, porque a intervariabilidade entre na dor aguda e a propriedade da cetamina de blo-
os pacientes é muito grande e torna-se necessário o queá-los fizeram ressurgir o interesse pela droga, em

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doses baixas, com finalidade analgésica, tanto por nicamente, isso significa que necessitamos de do-
via venosa quanto por depósito no neuroeixo10. ses em bolus maiores para se atingir a concentração
No paciente pediátrico, a cetamina pode ser utili- sangüínea ideal para o efeito desejado (hipnose),
zada como agente único endovenoso para anestesia, bem como taxas de infusão também maiores para
em procedimentos de menor duração, ou repetiti- obtenção de concentrações sangüíneas-alvos ideais.
vos, como os banhos e curativos de pacientes quei- Após infusões prolongadas em crianças, a recupe-
mados. Pode ser utilizada como agente de indução ração poderá ser um pouco mais demorada que o
da anestesia geral em pacientes com falência hemo- esperado, em virtude da lenta eliminação da droga
dinâmica, em certas modalidades de cardiopatias por parte dos tecidos pobremente perfundidos14.
cianóticas, ou ainda como analgésico através do es- Em crianças menores de 1 ano de idade, existe o ris-
paço peridural ou por via venosa. Seus efeitos cola- co de hiperlipidemia quando se administra a solu-
terais e sua meia-vida de eliminação prolongada têm ção em infusão contínua e por tempo prolongado.
limitado seu uso a casos de indicação específica. Além disso, a farmacodinâmica e a farmacocinética
desse fármaco, em crianças dessa faixa etária, são
Doses: em bolus IV: 0,5 a 1 mg/kg; infusão con-
muito pouco conhecidas. Existem alguns relatos de
tínua: 1 a 2 mg/kg/h; por via peridural: 0,5mg/kg.
crises convulsivas em crianças com enfermidades
graves, em unidades de tratamento intensivo, após
Propofol uso prolongado de propofol com finalidade seda-
O propofol produz uma indução anestésica rá- tiva. Não são conhecidos, entretanto, casos seme-
pida e suave. Produz depressão cardiovascular e res- lhantes com o uso do fármaco em anestesia.
piratória, além de diminuição no tônus muscular Em virtude de suas características favoráveis,
dose-dependente11, e apresenta poder antiemético quando administrado em infusão contínua, o pro-
comprovado. Por ser um derivado fenólico, não é pofol tem sido o hipnótico de escolha para aneste-
solúvel em água, portanto sua formulação farma- sia venosa total em crianças. Em cirurgia ambula-
cêutica utiliza uma emulsão lipídica como diluente. torial, a rápida recuperação da consciência e suas
Essa emulsão contém extrato de soja e proteína de qualidades antieméticas têm tornado do propofol
ovos, produzindo dor forte durante a injeção, prin- o agente ideal, principalmente em cirurgia de es-
cipalmente em veias de pequeno calibre, que pode trabismo e otorrinolaringológicas. Infusões de pro-
ser atenuada pelo uso prévio de opióides em doses pofol têm sido utilizadas para controlar os efeitos
baixas ou misturando-se lidocaína (0,2 mg/kg) à so- hemodinâmicos, metabólicos e endócrinos da ci-
lução a ser injetada12. Nos pacientes pediátricos, re- rurgia cardíaca e da circulação extracorpórea. Po-
comenda-se uma dose de indução maior que aquela rém, sendo destituído de poder analgésico, quando
empregada para pacientes adultos: 3 mg/kg. A in- utilizado na técnica de anestesia venosa total, ele
jeção deve ser pouco demorada (em torno de 10 a necessita ser associado a agente que tenha poder
15s), pois, em virtude da redistribuição rápida da analgésico como o dos opióides.
droga, poderemos ter movimentos involuntários e o
despertar do paciente13. A farmacocinética do pro- Opióides
pofol em crianças pode ser descrita por um modelo Os opióides são fármacos de grande importância
tricompartimental. no controle e tratamento da dor de qualquer origem.
O volume de distribuição é 50% maior nas Assim sendo, são fundamentais nos procedimentos
crianças quando comparadas aos adultos (343 ml/ anestésicos. Eles podem ser empregados como adju-
kg e 228 ml/kg, respectivamente), e taxa de elimi- vantes (associados a outros anestésicos) na anestesia
nação é duas vezes maior em relação aos adultos geral bem como diretamente no SNC através do es-
(57 ml/kg/h e 27 ml/kg/h respectivamente). Cli- paço peridural ou subaracnóideo, associados ou não

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a anestésicos locais. Além disso, podem ser utiliza- critos até o momento: receptores mu, delta, kappa
dos no pós-operatório para o controle da dor. e sigma. Os primeiros são responsáveis pela ação
Os opióides, entretanto, podem apresentar efei- analgésica, depressão respiratória, euforia e depen-
tos adversos importantes, que serão mais intensos dência. Os receptores kappa concentram-se na me-
de acordo com a dose empregada. Todavia, mesmo dula espinhal e respondem pela miose e sedação,
em doses consideradas clínicas, podem surgir os além de analgesia espinhal. Os receptores sigma es-
seguintes efeitos: depressão respiratória (que pode tão relacionados aos efeitos psicomiméticos, como
chegar até a apnéia, hipotensão), bradicardia e li- a disforia e as alucinações.
beração de histamina (que pode desencadear desde Os opióides são metabolizados pelo fígado, e
pruridos até reações anafilactóides)15. muitos apresentam metabólitos ativos que serão ex-
cretados pela urina. Como exemplo temos a morfina,
Os opióides podem ser agrupado em três cate-
que sofre um processo de N-desmetilação e conjuga-
gorias:
ção glucurônica no fígado, produzindo o metabólito
1. naturais: morfina, tebaína e papaverina; 6-glucoronil-morfina, com algum efeito analgésico
2. semi-sintéticos: codeína, oxicodona, oximor- e depressor respiratório. Se o rim tem dificuldade
fona e hidromorfona; para eliminá-lo, como no caso dos nefropatas, pode
3. sintéticos: fentanil, sufentanil, alfentanil, re- ocorrer efeito acumulativo e problemas graves como
mifentanil (chamados de lipofílicos por sua depressão respiratória. A meperidina sofre processo
afinidade com lipídeas), meperidina, meta- de metabolização semelhante, produzindo-se como
dona e pentazocina. metabólito a normeperidina, capaz de causar excita-
ção no SNC e convulsões (Tabela 9.1).
Alguns outros opióides estão no mercado para uso
em analgesia, com nalbufina, tramadol e codeína. Os opióides podem agir como puros agonistas
dos receptores ou como agonistas/antagonistas.
Os opióides, principalmente os lipofílicos, po- No caso dos agonistas, eles se ligam igualmente aos
dem exibir um tipo de apnéia, com profunda ri- receptores mu e kappa. Os agonistas/antagonistas
gidez torácica, conhecida como “pulmão duro”, se ligam como agonistas aos receptores kappa, mas
na qual o paciente fica impossibilitado de respirar não ativam os receptores mu. O agonista/antago-
mesmo com ajuda de ventilação positiva, impon- nista mais usado no Brasil é a nalbufina.
do-se muitas vezes o uso de relaxantes neuromus-
culares. O problema está relacionado à dose e à
Tabela 9.1 – Potência relativa dos opióides
velocidade de injeção do fármaco. Entretanto, os
Opióide Potência Meia-vida Metabólitos
lipofílicos exibem uma boa estabilidade cardiovas- relativa
cular durante o transoperatório, apesar de provoca- Morfina 1 2-3h sim
rem bradicardia, que não chega normalmente a ser Meperidina 0,1 2-3h sim
clinicamente importante. Fentanil 100 20-40 min não
As diferenças clínicas mais relevantes entre eles Sufentanil 1.000 15-30 min não
são potência analgésica, duração do efeito e presen- Alfentanil 20 10-20 min não
ça ou ausência de metabólitos ativos. Metadona 1 12-24h não
Naldufina 1 5–h não
Como agem
Escolha do opióide
Os opióides exercem sua ação farmacológica so-
bre receptores específicos dentro e fora do SNC. Durante a anestesia, os opióides mais empre-
Quatro grupos de receptores para opióides são des- gados são os lipofílicos. Geralmente são utilizadas

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doses intermitentes do opióide ou uma infusão o emprego desses opióides por essa via permanece
contínua. Esta última é a forma mais adequada controverso e raramente utilizado no pós-operató-
do uso desses fármacos no transoperatório. Como rio; no entanto, a via oral é mais empregada nos
produzem uma analgesia potente, podem reduzir o pacientes com dor crônica. A codeína associada ao
consumo de outros anestésicos utilizados com eles. paracetamol é bastante empregada para o controle
Quando os opióides são selecionados para analge- de dores agudas de pequena e média intensidade
sia pós-operatória, três escolhas precisam ser feitas: em pacientes operados em regime ambulatorial.
o opióide a ser utilizado, o modo de administração
e a via de administração. Tratamento dos efeitos adversos
Não existe o opióide ideal para uso operató-
Diversos efeitos colaterais podem ocorrer após
rio, por isso muitas são as alternativas aceitáveis.
o emprego de opióides, prejudicando inclusive a
Se o opióide escolhido for um lipofílico, ele deve
analgesia. Diante dos efeitos adversos, o médico
ser administrado em infusão contínua, já que sua
tem de atuar de forma eficiente, pois, além do des-
meia-vida de eliminação é curta. Usando-se uma
conforto, como no caso dos pruridos, poderão ser
infusão contínua, mantém-se um bom nível san-
desencadeados outros probemas mais graves, como
güíneo do fármaco. Qualquer lipofílico poderia ser
a depressão respiratória. Os dois antídotos dos opiói­
empregado. A morfina, que não é lipofílico, mas
des mais empregados são a nalorfina e a naloxona,
sim hidrofílico, eficiente analgésico e barata, pode-
que normalmente revertem os efeitos colaterais dos
ria ser o primeiro opióide a ser escolhido para anal-
opióides, apresentando também efeito analgésico.
gesia pós-operatória, por exemplo16. A meperidina
Além disso, tanto a nalorfina quanto a naloxona
é associada a uma incidência relativamente alta de têm seus próprios efeitos colaterais. O efeito do
efeitos sobre o SNC, mas em doses de 0,5 mg/kg antídoto pode durar alguns minutos, como com a
pode ser útil. A metadona tem uma meia-vida lon- naloxona, e, após passar o efeito, voltam as compli-
ga, fornecendo até 24 horas de analgesia com uma cações iniciais dos opióides (Tabela 9.2).
única dose, porém os efeitos colaterais também po-
dem perdurar todo esse tempo. Prurido, náuseas e Tabela 9.2 – Efeitos adversos dos opióides
vômitos são outros efeitos adversos dos opióides. e tratamento sugerido
Sugestão de dosagem para morfina: Efeito adverso Opções de tratamento

Dose inicial na sala de recuperação: 0,01 a Depressão respiratória Interrupção do opióide


Oxigenioterapia
0,02 mg/kg a cada 5 minutos até analgesia Naloxona de 2 a 4 mg/kg
Após: Sedação Observação do paciente
Diminuição da dose
0,05 mg/kg de três em tres horas; ou
Disforia Troca do opióide
0,02 mg/kg/h em infusão contínua
Náuseas e vômitos Ondasentrona 0,1 mg/kg
O modo de administração do opióide também Clorpropramida 0,2 mg/kg
varia bastante. Eles podem ser empregados pelas Pruridos Naloxona
vias intravenosa, intranasal, peridural, subaracnói- Difenidramina 0,5 mg/kg

dea, transdérmica, transmucosa e oral. Por esta úl- Convulsões Suspensão do opióide
Benzodiazepínicos
tima são empregados alguns opióides, como a oxi- Controle da via aérea
codona, a codeína, a metadona e mesmo a morfi-
na. A via oral, entretanto, tem desvantagens como Os pacientes com maior risco de efeitos adver-
demora no tempo de ação e necessidade de doses sos de opióides são:
mais elevadas. Apesar de disponíveis para uso oral, • crianças menores de 6 meses e prematuras;

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• pacientes com problemas respiratórios; pode se acompanhar de períodos de apnéia, reque-
• pacientes com insuficiência hepática; rendo intervenção imediata. O tiopental tem poten-
• pacientes com insuficiênica renal; cial elevado para desencadear reações de hipersensi-
bilidade, ainda que casos graves sejam muito raros.
• pacientes com estado mental alterado;
Normalmente reações urticariformes são as mais
• pacientes em uso de outros medicamentos, freqüentes, porém broncoespasmo importante, ou
como barbitúricos, benzodiazepínicos e feno-
mesmo reações anafiláticas, já foram descritas.
tiazínicos.
As soluções de tiopental devem ser no máximo a
Tiopental
2,5% pois concentrações maiores podem desenca-
dear reações tóxicas locais. As doses quase sempre
O tiopental é o agente de indução intravenoso recomendadas para crianças são de 4 a 5 mg/kg.
mais utilizado em adultos e crianças, ainda consi- Recém-nascidos podem ter suas doses reduzidas
derado o padrão com o qual os outros agentes ve- para 2 a 4 mg/kg17,18.
nosos são comparados, apesar de ultimamente vir
sendo substituído pelo propofol de forma gradati- Etomidato
va17. É um barbitúrico com rápido início de ação
que atinge picos de concentrações cerebrais e car- O etomidato é um derivado imidazólico indica-
díacas no tempo de uma circulação, difundindo-se do para indução e manutenção da anestesia. Pro-
bem no SNC por sua lipossolubilidade. move depressão adrenocortical em uso prolonga-
Cerca de 87% da droga se liga à albumina do, porém esse efeito não é observado quando do
plasmática tanto em adultos quanto em crianças, uso em bolus. Entre todos os agentes endovenosos,
podendo essa concentração ser um pouco menor o etomidato é praticamente desprovido de efeitos
em pacientes menores de 1 ano de idade. O declí- depressores cardiovasculares, possui rápido início
nio inicial na concentração sangüínea ocorre em de ação e sua recuperação é rápida. Apresenta, po-
aproximadamente 2 a 4 minutos, seguido de uma rém, dor intensa durante a injeção e movimentos
fase de distribuição mais lenta de cerca de 40 a 50 mioclônicos, o que faz com que seja pouco usado
minutos, e esses dados parecem não ser afetados em pacientes pediátricos. Encontra indicação na
pela idade. O tiopental é quase completamente indução de pacientes neurocirúrgicos e pacientes
metabolizado pelo fígado, e a via principal de me- com instabilidade hemodinâmica. As doses reco-
tabolização é a oxidativa, produzindo metabólitos
mendadas são de 0,3 a 0,4 mg/kg. Em crianças que
inativos. Em crianças, a meia-vida de eliminação
receberam doses de opióides, a dose do etomidato
do tiopental é de 6h + 3.3h. Espera-se, para recém-
pode ser reduzida pela metade.
nascidos e lactentes, uma meia-vida de eliminação
um pouco maior.
Benzodiazepínicos
O tiopental causa depressão cardiocirculatória
e respiratória, e o grau de depressão é dose-depen- Esse grupo apresenta um mecanismo de ação
dente. Entretanto, hipotensão leve a moderada ob- complexo, porém provavelmente seus efeitos resul-
servada com o uso do tiopental não chega a ser cli- tem da potenciação da inibição sináptica do ácido
nicamente relevante em crianças saudáveis, porém gama-amino-butírico (GABA). Os representantes
pode se tornar especialmente comprometedora em desse grupo de drogas mais utilizados em anestesia
pacientes hipovolêmicos ou com outros problemas (midazolam e diazepam) têm propriedades anxio-
que cursem com distúrbios hemodinâmicos. A de- líticas, hipnóticas e amnésticas potentes. Eles tem
pressão respiratória dose-dependente, entretanto, sido utilizados de várias maneiras: na medicação

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pré-anestésica, na sedação, na indução da anestesia inicial. O diazepam deve ser utilizado apenas em
e como parte da anestesia venosa total. bolus e evitado em pacientes menores de 1 ano de
idade. Na dose de 0,3 mg/kg produz inconsciência
Midazolam em cerca de 1 minuto em crianças não pré-medica-
das. Como o midazolam, tem pouco efeito sobre o
O midazdam é utilizado em crianças para in- sistema cardiovascular19,20.
dução anestésica, como sedativo e principalmente
como medicação pré-anestésica. A droga liga-se à al-
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pediátricos. Encontra sua utilidade como medica- 11. Meakin G. Role of propofol in paediatric anesthetic
ção pré-anestésica e sedativo. Uma de suas desvan- practice. Paed Anaesth 1995;5:147-9.
tagens em relação ao midazolam é sua recuperação 12. Hiller A, Saarnivaara L. Injection pain, cardiovascu-
mais prolongada. Além disso, por ser insolúvel em lar changes and recovery following induction of ana-
esthesia with propofol in combination with alfentanil
água (ao contrário do midazolam), possui como
or lignocaine in children. Acta Anaesthesiol Scand
diluente solventes orgânicos com alta incidência de 1992;36:564-8.
dor à injeção. O diazepam é metabolizado por di- 13. Saint-Maurice C, Cockhott ID, White M, Kenny GN.
ferentes sistemas enzimáticos microssomiais no fí- Pharmacokinetics of propofol in young children after a
gado, produzindo uma série de metabólitos ativos, single dose. Br J Anaesth 1989;63:667-70.
14. Aun CST, Short TG, O’Meara ME, et al. Recovery af-
que são biotransformados mais lentamente. Meta-
ter propofol infusion anaesthesia in children: compa-
bólitos excretados pela bile e reabsorvidos do tra- rison with propofol, thiopentone or halothane induc-
to intestinal pela circulação enteroepática podem tion followed by halothane maintenance. Br J Anaesth
causar efeito-rebote algumas horas após a injeção 1994;72:554-8.

A g entes End o v e n o s o s 119

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15. Scholz J, Steinfath M, Schulz M. Clinical pharmakoki- 18. Russo H, Bressole F. Pharmacodynamics and phar-
netics of alfentanil,fentanyl and sufentanil: an update. macokinetics of thiopental. Clin Pharmacokinet
Clin Pharmacokinet 1996;31:275-92. 1998;35:95-134.
16. Dahlstrom B, Bolme P, Feychting H. Morphine kine- 19. Payne KA, Mattheyse FJ, Liebenberg et al. The phar-
tics in children. Clin Pharmacol Ther 1979;26:354-65. makokinetics of midazolam in paediatric patients. Eur J
17. Runcie CJ, Mackenzie SJ, Arthur DS et al. Compari- Clin Pharmacol 1989;37:267-72.
son of recovery from anaesthesia induced in children 20. Fell D, Gough MB, Northan AA et al. Diazepan preme-
with either propofol or thiopentone. Br J Anesth dication in children: plasma levels and clinical effects.
1993;70:192-5. Anaesthesia 1985;40:12-7.

120 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 10
Relaxantes Musculares
em Pediatria
Leila Adissy Ferrari

INTRODUÇÃO Modo de ação


Relaxantes musculares são drogas utilizadas A junção neuromuscular é uma estrutura que
para facilitar a intubação traqueal, prevenir mo- tem a finalidade de permitir a transmissão do po-
vimentos em cirurgias delicadas e facilitar o rela- tencial de ação do nervo para o músculo; é a uni-
xamento muscular necessário em várias cirurgias, dade que ativa a contração muscular.
bem como para intubar e ventilar pacientes em Quando o potencial de ação alcança a parte termi-
terapia intensiva. nal do nervo motor, centenas de vesículas liberam si-
Os efeitos dos bloqueadores neuromusculares multaneamente acetilcolina (ACh) para dentro da jun-
diferem no paciente adulto e no padiátrico, no ção neuromuscular1. A união das moléculas de ACh a
qual existem modificações nas diversas faixas etá- seus receptores pós-juncionais ligados a canais de íons
inicia uma despolarização local na placa terminal.
rias (neonatos até 1 mês, lactentes de 1 mês até 1
ano, e crianças maiores de 1 ano). O potencial de ação alcança o ramo terminal
do nervo motor e desencadeia a liberação do trans-
Foi em 1942, em Montreal, que um extrato pu- missor químico acetilcolina (ACh), a partir de
rificado do curare foi pioneiramente usado como vesículas, para dentro da fenda juncional. A ACh
adjuvante na anestesia geral durante uma apendi- combina-se, então, com os receptores nicotínicos
cectomia. A anestesia foi administrada por Harold colinérgicos que controlam o funcionamento dos
Griffith e Enid Johnson. Como eles haviam previs- canais específicos de íon. Esses canais iônicos, li-
to, o relaxamento musculoesquelético produzido gados ao receptor, são representados por uma rose-
pela administração intravenosa de BNMs acabou ta de cinco unidades de proteína transmembrana,
tornando-se uma prática padrão, poucos anos após duas das quais, as subunidades alfa, são os locais de
a Segunda Guerra Mundial. reconhecimento da ACh (Fig. 10.1).

121

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despolarização da placa motora terminal; e agentes
despolarizantes, que causam despolarização, além
de ocuparem os receptores. Agentes competitivos
não-despolarizantes, como a maioria dos BNMs
em uso clínico, ocupam pelo menos um dos dois
locais do receptor ligado a cada canal iônico pós-
juncional e evitam que ele se abra. Agentes des-
polarizantes como a succinilcolina a princípio ati-
vam o canal de íon, como faz a ACh, mas depois
bloqueiam a transmissão neuromuscular e iniciam
uma despolarização de longa duração. Sinais sub-
seqüentes chegam a uma placa motora terminal já
despolarizada e não podem disparar uma série de
potenciais de ação muscular propagados, que de-
pendem de mudanças de alta freqüência, repetiti-
vas, no potencial de placa terminal.
É interessante notar que o início do bloqueio
neuromuscular não é uniforme em todas as partes
Fig 10.1 – Receptor de acetilcolina com cinco subunidades. As subuni- da musculatura esquelética. Músculos pequenos e
dades alfa contêm os sítios de ação em que se ligam acetilcolina ou re-
laxantes musculares. No neonato, a subunidade ε é substituída pela γ.
de movimentos rápidos, como os músculos ocula-
res, são os primeiros a desenvolver paralisia, segui-
dos dos músculos dos membros, pescoço e tronco.
Finalmente os músculos intercostais e o diafragma
Os canais, ativados pela ligação da acetilcolina
são afetados, e a respiração normal pára. A recupe-
com os receptores, abrem-se por cerca de um milis-
ração é, em geral, na ordem inversa.
segundo para permitir a condução transmembra-
nosa de sódio Na+ e potássio K+.
Alterações fisiológicas da
Esse processo inicia a despolarização na área infância
da placa motora terminal. Quando um certo li-
miar de potencial na placa terminal (PPT) é al- O efeito dos BNM modifica-se do nascimen-
cançado, um potencial de ação é gerado, levan- to até a idade adulta. Essas diferenças de respos-
do à contração e à movimentação do músculo. tas entre as idades estão relacionadas, entre outros
A ACh é rapidamente hidrolisada pela enzima fatores, à maturação da junção neuromuscular, às
acetilcolinesterase, seguindo-se a produção de direrentes proporções de fibras de rápida e de len-
um PPT. Essa rápida ação enzimática é impor- ta contração e às diferenças na grandeza da massa
tante para a ACh funcionar apropriadamente muscular.
como um transmissor. As diferenças no grau de maturação dos rins e
Todo BNM usado durante anestesia geral blo- fígado devem ser consideradas na metabolização e
queia a atividade transmissora da ACh por com- depuração desses fármacos.
petitividade, ao ligar-se aos receptores nicotínico- A junção neuromuscular mostra-se totalmente
colinérgicos na junção neuromuscular. ramificada só aos 2 anos de idade.
Os BNMs usados em anestesia clínica podem A transmissão neuromuscular é imatura no ne-
ser divididos em dois grupos: agentes não-despola- onato e em lactentes até os 2 meses. A resposta à es-
rizantes, que bloqueiam a transmissão sem causar timulação tetânica e o grau de contração muscular

122 An e s t e s ia Pe diátrica

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são menores no neonato e em lactentes do que em Monitorização do Bloqueio
crianças. A fadiga pós-tétano em neonatos indica Neuromuscular
que eles depletam as vesículas de acetilcolina mais
rápido do que as crianças. Quando se aplica um estímulo elétrico com
corrente de intensidade máxima ou supramáxima,
A resistência de um músculo à fadiga corre- todas as fibras nervosas são estimuladas e, conse-
laciona-se com a proporção de fibras do tipo I, qüentemente, todas as fibras musculares de um
fundamentais para manutenção da atividade ven- músculo se contraem.
tilatória. O diafragma do prematuro tem apenas
14% de fibras do tipo I, do neonato, 26% e 55% Uma corrente supramáxima é geralmente 2,5 a
em crianças com mais de 2 anos, número igual 3 vezes maior que a menor corrente capaz de indu-
ao do adulto. Os músculos intercostais também zir uma resposta evocada.
têm fibras I, na proporção de 19% no prematuro
e 45% no neonato. A maturação desses músculos Padrões de estimulação
ocorre após 2 meses de idade. A musculatura do Em qualquer padrão de estimulação, os estí-
prematuro é mais propensa à fadiga por essas ca- mulos são realizados com corrente de intensidade
racterísticas2. supramáxima, com pulsos de ondas quadradas de
Os BNMs são moléculas ionizadas e pouco so- duração até 0,2 milissegundos. O que varia é ape-
lúveis em gordura que se distribuem principalmen- nas a freqüência do estímulo.
te no plasma e no líquido extracelular.
O fluido extracelular é grande no neonato (40% Estímulo simples ou isolado
a 44% de peso corporal), mas diminui rapidamen-
te, alcançando os valores do adulto (18% em torno É a forma mais simples de estimulação. Necessi-
de 12 meses de vida)3. ta de um estímulo-controle, portanto antes da ad-
ministração do relaxante muscular. Não distingüe
A presença de um volume extracelular expan-
o tipo de bloqueio, despolarizante ou adespolari-
dido significa que a concentração da droga na
zante. É insensível na detecção de bloqueio resi-
JNM é menor. Isso é compensado inicialmente
dual. A resposta à estimulação simples só começa
pelo aumento da sensibilidade da placa motora,
a diminuir quando 3/4 dos receptores estão blo-
de tal forma que o neonato necessita aproximada-
queados.
mente da mesma dose de BNM que a criança mais
velha para obter o mesmo efeito. Deve ser desta-
cado que essa compensação não ocorre de modo Seqüência de quatro estímulos (SQE)
uniforme em todos os lactentes, o que resulta em Também chamada de TOF (train of four), é a
grande variabilidade de resposta dos BNM entre monitorização mais utilizada.
eles, particularmente no período neonatal. Não necessita de valores pré-bloqueio4, uma vez
O sistema enzimático hepático no neonato é que utiliza a primeira resposta como referência.
pouco desenvolvido e a taxa de filtração glomeru- Pode ser utilizada desde o nascimento. Diferencia o
lar é equiparada a 40% do adulto. A maturação do tipo de bloqueio neuromuscular, despolarizante ou
rim iguala-se ao adulto ao redor de 12 a 18 meses. adespolarizante (Fig. 10.2). Permite detectar blo-
As diferenças farmacocinéticas entre neonatos queio residual. Não é dolorosa e pode ser repetida
e adultos decorrem de mudanças no volume de a cada 10 segundos, permitindo que mudanças no
distribuição e alteração no metabolismo e excreção bloqueio neuromuscular possam ser monitoradas
das drogas. rapidamente.

R el a xa ntes M u s c u l a r e s e m P e d i a t r i a 123

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Bloqueio não despolarizante T4/T1 - TR

Bloqueio intenso ou Bloqueio moderado Recuperação


período sem resposta ou cirúrgico

Bloqueio despolarizante T1 T2 T3T4

Fig 10.2 – Utilizando a succinilcolina como relaxante muscular, as quatro respostas do TOF têm a mesma altura.

Prematuros com menos de 32 semanas apresen- A capacidade de elevar as duas pernas da mesa
tam valores de TOF menores que recém-nascidos, nos lactentes é comparável à capacidade de man-
mais maduros em crianças com menos de 1 mês de ter a cabeça elevada, que no adulto corresponde a
idade e altura da quarta resposta do TOF é cerca de T4/T1 0,8. A dificuldade de deglutição desaparece
95% mesmo na ausência de BNM. Essas diferen- com T4/T1 0,9.
ças de valores no primeiro mês de vida indicam a O TOF tem como vantagem não necessitar de
maturação da função neuromuscular. valores pré-bloqueio e diferencia o tipo de blo-
A grande utilidade do TOF é guiar a dosagem queio. Não é doloroso.
do relaxante muscular no intra-operatório. E no fi- Quando utilizamos a succinilcolina como rela-
nal da cirurgia, se o bloqueio está muito intenso e xante muscular, as quatro respostas do TOF têm a
difícil de ser antagonizado. mesma altura, ao contrário do bloqueio não-des-
O grau de relaxamento muscular determina a polarizante. O TOF é a monitorização mais utili-
altura da resposta do segundo, terceiro e quarto es- zada, tendo como vantagem não necessitar de va-
lores pré-bloqueio, uma vez que utiliza a primeira
tímulos da seqüência de quatro estímulos. O grau
resposta para comparar com as demais.
de bloqueio é determinado entre a amplitude da
quarta e da primeira resposta da seqüência T4/T1.
Estimulação tetânica
A ausência de qualquer resposta significa blo-
queio total. A presença de apenas uma contração Estimulação tetânica é a estimulação seriada de alta
muscular significa 90% de bloqueio; de duas, 80% freqüência que determina ativação repetida do nervo
de bloqueio; e de três, 75% de bloqueio. e produção de vários potenciais de ação no músculo.

124 An e s t e s ia Pe diátrica

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Em geral, usamos um estímulo de 50 Hz em simples produza uma resposta mesmo durante um
5 segundos. A resposta à estimulação tetânica é bloqueio adespolarizante profundo.
principalmente usada para verificarmos se hou- A relação entre o número da CPT e o tempo
ve recuperação adequada. A estimulação tetânica para recuperação do blqueio neuromuscular varia
é dolorosa e não deve ser usada em pacientes não entre os BNMs. Utilizamos então a CPT quando
anestesiados. queremos avaliar o grau do bloqueio neuromuscu-
O fenômeno de fadiga pode ser observado, lar quando não há resposta à seqüência de quatro
mesmo na ausência de BNM, quando se utiliza estímulos ou para assegurar um bloqueio neuro-
neuroestimulação com freqüência igual ou supe- muscular profundo em que não ocorra nenhum
rior a 100 Hz. movimento; por exemplo, em procedimentos lapa-
Para evitar que um bloqueio seja superestima- roscópicos em crianças pequenas.
do, não se deve repetir a estimulação tetânica com
intervalos menores que 2 minutos. Estimulação double-burst ou dupla salva (EDS)
O grau de fadiga da contração muscular depende É utilizada para avaliar bloqueio residual. Con-
da extensão do bloqueio, da freqüência e da dura- siste na aplicação de dois estímulos tetânicos sepa-
ção da estimulação tetânica. Após uma estimulação rados por um curto intervalo de tempo. Os melho-
tetânica na presença de relaxantes musculares não- res resultados são obtidos com dois estímulos de 50
despolarizantes, ocorre um aumento da acetilcolina Hz com duração de 60 milissegundos, separados
na junção neuromuscular, havendo então maior por 750 milissegundos, e tem como inconveniente
resposta neuromuscular, o que causa a facilitação ser dolorosa no paciente não-anestesiado.
pós-tetânica. O aparecimento de fadiga e potencia-
ção pós-tetânica não ocorre com o bloqueio despo- Locais de estimulação6
larizante; portanto, é uma característica do bloqueio
O nervo ulnar e o músculo adutor do polegar
adespolarizante. A estimulação tetânica diferencia o
constituem a unidade motora mais utilizada: a es-
tipo de bloqueio neuromuscular e é dolorosa.
timulação desse nervo causa movimentação do po-
legar (adução) (Fig.10.3). Quando a cirurgia não
Contagem pós-tetânica (CPT) permite esse acesso, procuramos outros locais:
Permite quantificar a profundidade do bloqueio • nervo tibial posterior – eletrodos posteriores
quando não há resposta ao estímulo isolado ao TOF, ao maléolo medial da tíbia. Ocorre com a
ou seja, permite avaliar a profundidade do bloqueio estimulação a flexão plantar do hálux (Fig.
com mais de 95% dos receptores ocupados5. 10.4);
Podemos quantificar a intensidade do bloqueio • nervo facial – eletrodos 2 a 3 cm posteriores
neuromuscular observando a resposta pós-tetânica à borda lateral da órbita. Ocorre contração
a estímulos isolados de 1 Hz, aplicados após 3 se- do músculo orbicular (Fig. 10.5).
gundos do término de uma estimulação tetânica de Os diversos grupos musculares diferem entre si
50 Hz mantida por 5 segundos. O número de res- quanto à sensibilidade dos relaxantes neuromuscu-
postas pós-tetânicas é inversamente proporcional à lares (Fig.10.6).
profundidade do BNM – quanto mais intenso o As causas são multifatoriais, como fluxo san-
bloqueio, menor o PTC. güíneo diferente para os músculos, variação na
A potencialização pós-tetânica, que ocorre após temperatura muscular e densidade de receptores
a estimulação tetânica, permite que um estímulo variáveis.

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Fig 10.3 – Estimulação do nervo ulnar.

Fig 10.5 – Nervo facial estimulado.

MÚSCULO SENSIBILIDADE
Cordas vocais Mais resistentes
Diafragma
Orbicular
Retos abdominais
Masseter
Faringeal
Extraoculares Mais sensíveis
Fig 10.6 – Os diversos grupos musculares apresentam sensibilidade
Fig 10.4 – Estimulação do nervo tibial posterior. diferente e quanto à ação dos relaxantes musculares.

126 An e s t e s ia Pe diátrica

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Por essas diferenças, é preciso 1,7 vez mais re- Esses aumentos nas doses se devem a sua rápi-
laxantes para que ocorra bloqueio do diafragma da distribuição em um volume extracelular maior.
e de cordas vocais do que do adutor do polegar. Quando a succinilcolina é administrada conside-
A recuperação entretanto é 50% mais rápida nesses rando-se a área de superfície corpórea, a dose fica
músculos centrais. similar entre lactentes, crianças e adultos.
Sinais clínicos da recuperação do BNM7: Os níveis de pseudocolinesterase em lactentes é
• levantar a cabeça por 5 segundos; menor, mas o suficiente para metabolizar a succi-
• intensidade do aperto de mão; nilcolina a taxas próximas do adulto e crianças. Ele
• ausência de nistagmo e diplopia; é recomendado em situações de urgência, como la-
ringoespasmo, dificuldade para manter a via aérea,
• ampla abertura dos olhos;
estômago cheio ou quando precisamos utilizar a via
• voz normal; intramuscular. São contra-indicados em situações
• coordenação da deglutição; de rotina. Como alternativa para intubações temos
• protusão da língua; os BNMs adespolarizantes em doses altas ou o uso
• força inspiratória negativa > 55 cm H2O no de propofol, associado ou não ao alfentanil9.
adulto ou 32 cm H2O em neonatos e lactentes; Outras maneiras de encurtar o tempo de ação
• capacidade vital > 15 ml/kg; dos BNM adespolarizantes e a prática de priming
• levantar as duas pernas (neonatos e lactentes); ou timing:
• manter o braço levantado por 45 segundos. • priming – 1/3 da dose DE95 3 minutos antes
da dose de intubação. É possível diminuir este
Pacientes pediátricos não conseguem realizar a
tempo em torno de um minuto. Entretanto,
maioria desses comandos, portanto a monitoriza-
ção é o ideal. a sensibilidade de cada paciente é diferente, e
alguns ficam totalmente paralizados com essa
dose. Outros pacientes apresentam diplopia,
Relaxantes Musculares
disfagia e dificuldade respiratória. Devemos
Despolarizantes
realizar priming com pacientes sedados e em
O único relaxante despolarizante em uso é a condições de assistir a respiração.
succinilcolina, utilizada pela primeira vez em seres • timing – quando administramos a dose de
humanos em 1951. intubação de um BNM antes da indução da
Apesar de sua utilização por mais de 50 anos, anestesia. Essa técnica também encurta o tem-
seu uso vem declinando progressivamente por con- po para intubação, porém os pacientes apre-
ta de seus efeitos colaterais, sendo os mais graves as sentam a desagradável sensação de perda da
paradas cardíacas súbitas e a hipetermia maligna. força muscular antes da perda da consciência.
Em 1953 foi descrita parada cardíaca após uso Mas nenhuma droga tem um início de ação tão
de succinilcolina em paciente queimado. Apesar rápido e apresenta tão boas condições de intubação
disso a hipercalemia só foi descrita em 1967. como a succinilcolina.
Lactentes são mais resistentes do que adultos Uma das complicações com sua utilização, en-
aos efeitos da succinilcolina. tretanto, é o BNM prolongado, que pode ser re-
As doses para um DE95 em neonatos, lactentes sultado do uso de dose excessiva da succinilcolina,
e crianças são respectivamente 0,62, 0,73 e 0,42 conhecido como bloqueio fase II ou diminuição da
mg/kg. Esses valores ainda são mais altos do que o colinesterase plasmática e presença de colinesterase
do adulto, que é de 0,29 mg/kg 8. plasmática atípica.

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O bloqueio de fase II ocorre quando se usa dose malmente, eles não estão presentes e são suprimidos
muito grande de succinilcolina ou de forma con- pela atividade neural normal. Qualquer condição que
tínua. Não se sabe bem por que ele ocorre. Temos diminua a atividade do nervo motor causa a prolifera-
uma despolarização prolongada da placa motora ção dos receptores extrajuncionais, como queimadu-
com perda da resposta dos receptores nicotínicos ras, distrofias musculares, imobilização prolongada,
aos agonistas colinérgicos, que pode demorar al-
lesão medular, doença neuronal e grandes traumas.
guns minutos ou algumas horas. Uma inibição ou
diminuição da pseudocolinesterase plásmática na As fasciculações da succinilcolina podem ser preve-
doença hepática grave, distrofia muscular, desnu- nidas por pequenas doses de um relaxante muscu-
trição grave e queimaduras extensas, também leva- lar adespolarizante, anestesia inalatória ou opióide.
rá um bloqueio neuromuscular prolongado. A pré-curarização pode prevenir a mioglobinemia e
o aumento da creatinoquinase. Não previne o espas-
Pseudocolinesterase atípica mo de masseter e trismo, a hipercalemia, o aumento
A forma hereditária da deficiência da pseudoco- da pressão intra-ocular e da pressão intracraniana.
linesterase é doença autossômica recessiva que pode O espasmo de masseter e trismo é uma resposta
se apresentar com diversas combinações de genes, miotônica exagerada à succinilcolina, especialmente
resultando em variável incidência da doença10. em lactentes e crianças. Diversos autores associam
Os pacientes com completa deficiência da estes sinais a hipertermia maligna e aconselham in-
pseudocolinesterase, os homozigotos apresentam terromper a anestesia e encaminhar o paciente para
bloqueio neuromuscular maior que 3-4 horas e a biopsia muscular. Atualmente, a tendência é consi-
eliminação da succinilcolina faz-se por vias alterna- derar o espasmo isolado do masseter, que não preju-
tivas. Deve-se sedar e ventilar mecanicamente esses
dica a ventilação um fenômeno benigno.
pacientes até completa recuperação.
A anestesia deve continuar, com todos os cuida-
Alterações cardiovasculares dos para detectar hipertermia maligna; retirar os fa-
tores desencadeantes, como anestésicos inalatórios.
Podemos observar taquicardia ou bradicardia,
extra-sístoles ventriculares bigeminismo, ritmo no- Parada cardíaca pós-succinilcolina em criança,
dal, assistolia, com o uso da succinilcolina. devemos suspeitar do aumento do potássio. Es-
Parada cardíaca súbita pode ocorrer pois, em con- perar reanimação prolongada e tratar com hiper-
seqüência da despolarização da massa muscular, a ventilação com bicarbonato de Na 2,5 mmol/kg,
succinilcolina provoca grande mobilização de potás- cloreto de cálcio 2 a 4 mg/kg, glicose 0,5g/kg e
sio do intra para o extracelular com conseqüente hi- insulina 0,1u/kg11.
percalemia. Nos pacientes com potássio normal, essa Outro efeito colateral da succinilcolina é a mial-
situação não traz maiores conseqüências. Nos pa- gia pós-operatória, bastante desagradável para o
cientes com potássio elevado, essa hipercalemia pode paciente. É uma das conseqüências das fascicula-
atingir valores capazes de levar até parada cardíaca. ções desordenadas, mais pronunciada nas cirurgias
Isso pode ocorrer em crianças com miopatias não ambulatoriais em que a deambulação é precoce.
diagnosticadas, como a distrofia de Duchenne, que Muitas vezes, a dor de garganta atribuída à intuba-
ocorre em meninos na proporção de 1/3.500, distrofia ção traqueal é conseqüência das fasciculações dos
de Becker e outras inespecíficas. A maioria dessas dis- músculos laríngeos.
trofias vai se manifestar com a idade de 6 a 8 anos10. Hipertermia maligna, um dos grandes riscos da
A hipercalemia ocorre também nas situações em succinilcolina, é doença hereditária autossômica do-
que os receptores extrajuncionais proliferam. Nor- minante da musculatura esquelética que se caracte-

128 An e s t e s ia Pe diátrica

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riza por uma resposta hipermetabólica desencadea­ Neonatos e prematuros em UTI que utilizam
da por anestésicos inalatórios e succinilcolina. pancurônio para facilitar a ventilação devem ser se-
Existe uma anormalidade do receptor de ria- dados, pois o risco de hemorragia cerebral pode ser
nodina caracterizada pela dificuldade do retículo maior em virtude do aumento da freqüência car-
sarcoplasmático em reter o cálcio em seu interior, díaca, da pressão arterial e do nível de adrenalina
especificamente quando a membrana é estimulada e noradrenalina no plasma. Em neonatos e prema-
por despolarização, o que acarreta súbita elevação turos, o fluxo sangüíneo cerebral está diretamente
do cálcio sarcoplasmático, com ativação metabólica relacionado com a pressão arterial.
intensa, contratura muscular, aumento da produção A dose que produz 95% de bloqueio neuromus-
de calor e elevação aguda da temperatura corpórea. cular é 30% menor nos lactentes que nas crianças.
Com a facilidade de obtenção de dandrolene Em lactentes e crianças a DE95 é 30% menor
sódico e o tratamento adequado, a mortalidade di- quando se usa halotano.
minui para menos de 20%. Na dose de 0,1 mg/kg, 70% a 90% dos lacten-
tes e crianças apresentam boas condições de intu-
BNMs adespolarizantes bação em 150 segundos. Aumentando a dose para
0,15 mg/kg, o tempo cai para 80 segundos.
Os BMMs de longa duração são utilizados ape-
A recuperação do bloqueio é mais rápida nas
nas nas cirurgias longas, nas cirurgias cardíacas por
crianças que no adulto.
grande estabilidade cardiovascular, nos pacientes que
vão permanecer intubados, no pós-operatório, em Os neonatos apresentam grande variabilidade
pacientes de UTI. A monitorização é mandatória, de ação do pancurônio, portanto é recomendável a
em face do bloqueio residual que eles apresentam. dimimuição da dose em 30% para evitar bloqueio
residual12.
Pancurônio
Pipecurônio
O brometo de pancurônio foi sintetizado em
1964 e introduzido para uso clínico em 1967 com O pipecurônio é o resultado de modificação da
o nome comercial de Pavulon. molécula do pancurônio. É da família dos esterói-
des e não apresenta ação vagolítica, mesmo nas do-
Cerca de 80% da droga se ligam a proteínas plas- ses de 4x DE95, à semelhança do que ocorre com
máticas. O pancurônio é parcialmente (de 15% a outros BNMs. Com núcleo esteroidal, o pipecurô-
20%) desacetilado no fígado, produzindo metabó- nio apresenta baixa potência bloqueadora ganglio-
litos com alguma atividade relaxante. Uma grande nar e não libera histamina.
proporção, cerca de 40% a 60%, é excretada na uri-
Seu nome comercial é Arduan, tem forma de
na e 11% na bile. Portanto, pacientes com insufici-
pó branco e cada ampola contém 4 mg do sal. Vem
ência renal ou hepática têm sua ação prolongada8. acompanhado de 2 ml de solução isotônica para
Produz taquicardia e não apresenta liberação de diluição. Após o preparo, a solução resultante tem
histamina, mas ocorre aumento da pressão sistólica. pH de 6 e deve ser utilizada dentro de 24 horas.
Por isso ele é freqüentemente utilizado em cirurgias Os rins constituem a principal via de elimina-
nas quais são necessárias doses grandes de opióides. ção do pipecurônio (70% a 80%), e grande parte
A taquicardia causada por seu efeito vagolítico da dose pode ser recuperada na urina. É elimina-
contrabalança com o efeito vagotônico bradicardi- do em menor extensão na bile após metabolização
zante dos opióides. pelo fígado e em pacientes com função renal ínte-

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gra somente 5% da dose administrada são metabo- Durante anestesia venosa, a DE95 é de , 25 mcg/
lizados. Nos renais, essa taxa aumenta. kg em lactentes, 53 mcg/kg em crianças e 41 mcg/
O isoflurano potencializa a ação do pipecurô- kg nos adolescentes. Lactentes precisam de doses
nio, e o halotano apresenta mínimo efeito com 50% menores que as crianças.
isoflurano; a DE95 deve ser reduzida em 30% para Apresenta lento início de ação, o que limita seu
qualquer faixa etária do paciente. uso para intubação.
O pipecurônio não apresenta efeitos cardiovas- Após dose de 30 mcg/kg nas crianças, demora 7
culares mesmo com o emprego de doses 4 a 5 vezes minutos para agir ou 3 a 6 minutos após 50 mcg/kg.
maiores que DE95, portanto é uma boa escolha em
O isoflurano e o halotano potencializam o efeito
cirurgias de longa duração em que se procura boa
bloqueador do doxacúrio em crianças em compa-
estabilidade cardíaca.
ração com os opióides, mas não alteram a duração
Quando usado em crianças em dose única, o pi-
de ação.
pecurônio se comporta como um BNM de duração
intermediária, sendo mais potente em neonatos e lac- De maneira similar a outros relaxantes, a dose
tentes do que nas crianças maiores. Quando são ne- de doxacúrio é maior nas crianças que nos adultos.
cessárias doses repetidas ou quando é usado em infu- Seria um relaxante ideal para UTI, mas traba-
são contínua, não se verifica diferença quanto à idade lhos comprovam que, após infusão contínua por
e o bloqueio neuromuscular é de longa duração. vários dias, 40% das crianças apresentam fraqueza
A DE95 do pipecurônio em crianças é de 80 mcg/kg e incordenação por dias após infusão.
durante anestesia com fentanil e óxido nitroso e de
50 mcg/kg durante anestesia com halotano e óxido Alcurônio
nitroso. No lactente é de 35 mcg/kg na anestesia
com halotano e óxido nitroso. A recuperação es- É pouco utilizada nas crianças e sua excreção
pontânea não está prolongada nos lactentes. é principamente na urina (80%-85%), com uma
pequena parte biliar.
Em infusão contínua, a dose é de 32 mcg/kg/
hora em lactentes e de 38 mcg/kg em crianças du- Seu efeito é prolongado em pacientes com insu-
rante anestesia com halotano. ficiência renal pode causar liberação de histamina.
Seu início de ação é 40% a 50% menor em
Doxacúrio crianças com idade abaixo de 1 ano (1,5 minutos)
quando comparado a crianças maiores e adolescen-
É um relaxante muscular biquaternário bensi-
tes (2,2 a 2,9 minutos13).
lisoquinolínico de longa duração de ação, o mais
potente relaxante disponível.
Agentes de intermediária duração
É excretado pelas vias urinária e biliar, mas tam-
de ação
bém hidrolisado lentamente pelas colinesterases
plasmáticas. Seu efeito é prolongado na insufici- Esses relaxantes têm vasta utilidade na popu-
ência renal. lação pediátrica, pois uma grande porcentagem
Não causa alteração cardiovascular e libera pou- das cirurgias são procedimentos de curta duração
ca histamina. e ambulatorial. Foram desenvolvidos nos anos de
Há poucos estudos sobre esses relaxantes na 1980 e são indicados na maioria das cirurgias em
anestesia pediátrica por seu lento início de ação e que se quer um paciente extubado no pós-operató-
longa duração que limitam seu uso. rio e quase sem bloqueio residual.

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Após uma dose de 1,5x DE95, quase todos os Após uma dose inicial de 100 mcg/kg na crian-
pacientes apresentam uma recuperação espontânea ça, a segunda dose de 1/3 da dose inicial deve ser
em 30 a 60 minutos. dada após 20 minutos. Nos neonatos e lactentes,
após uma dose de 70 mcg/kg, a próxima dose deve
Vecurônio ser dada após 30 a 40 minutos.
Durante anestesia com óxido nitroso e opióide,
É um aminoesteróide, análogo do pancurônio.
o DE95 no neonato e lactente é de 47 a 48 mcg/
A grande vantagem desse composto é sua ex- kg, na criança de 81 mcg/kg e no adolescente, 55
trema estabilidade cardiovascular, mesmo em mcg/kg.
doses muito maiores que as habituais. Na ausên-
O DE95 em 10 diferentes grupos de idade foi
cia de liberação de histamina, ele é metabolizado
de 22 a 103 mcg/kg. Portanto, em crianças, não
pelo fígado e excretado pela bile. Apresenta me-
devem ser utilizadas doses fixas de vecurônio, pois
tabólitos com moderada ação relaxante. Cerca de
há risco de bloqueio muito prolongado.
30% são eliminados por via renal. Esse metabó-
lito parece ser o responsável pelo prolongamento Com tanta variabilidade de ação com idades di-
do bloqueio neuromuscular quando empregado ferentes, seria prudente monitorizar sempre.
em infusão contínua por tempo prolongado. Os halogenados intensificam a ação do vecurô-
Apresenta efeito prolongado em pacientes com nio na seguinte ordem: halotano, isoflurano e sevo-
insuficiência hepática. flurano. O sevoflurano e o isoflurano prolongam a
Sua potência é idade-dependente, sendo esta duração do bloqueio.
uma das características desse composto.
Rocurônio
Em crianças, a DE95 é de 33% a 40% maior
que a dos lactentes e adolescentes, e a duração do O rocurônio é um amisteróide monoquaterná-
bloqueio é menor. rio cujo nome comercial é Esmeron.
A duração da ação é mais curta nas crianças e A grande vantagem sobre todos os outros BNMs
muito mais longa nos neonatos e lactentes. é seu rápido início de ação. Em indução e intuba-
A dose de 100 mcg/kg comumente utilizada, ção em seqüência rápida, pode substituir a succi-
como dose inicial, é ideal somente nas crianças, de- nilcolina quando esta for contra-indicada.
vendo ser reduzida para 70 mcg/kg nos neonatos e Ele é metabolizado no fígado e 10% eliminado
lactentes. via renal. Seu principal metabólito apresenta efeito
A lactência é de 1,5 ± 0,6 minutos nos lactentes e prolongado.
2,4 ± 1,4 nas crianças com uma dose de 70 mcg/kg. Quando a dose é muito aumentada, temos um
Durante a anestesia com halotano, Fisher et al., pequeno aumento da freqüência cardíaca.
com dose única de 70 mcg/kg de vecurônio, ob- A DE95 em lactentes, crianças e adultos é respec-
tiveram duração total de ação de 73 minutos nos tivamente 251, 409, 305 mcg/kg durante anestesia
lactentes, 35 minutos nas crianças e 53 minutos no com óxido nitroso e opióide.
adulto14. Rocurônio é menos potente que o vecurônio
Uma dose de 100 mcg/kg dura 3 vezes mais nos e pancurônio, o que corrobora o trabalho de Bo-
neonatos em comparação com as crianças. wman, de 1988, que comprova que a velocidade
Com esses resultados, o vecurônio é considera- de início de ação dos BNMs é inversamente rela-
do um BNM de longa duração em crianças com cionada a sua potência. Outros fatores que podem
menos de 1 ano. contribuir para a curta latência do rocurônio são

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sua maior capacidade de difusão no plasma para de histamina principalmente quando usado em al-
os receptores pré e pós-sinápticos da junção neuro- tas doses ou injetado de forma rápida. Esse feito
muscular e a menor ligação protéica. pode ser minimizado com injeção lenta ou doses
Com doses correspondentes a 2x DE95 em lac- fracionadas. Reações anafilactóides foram descritas
tentes e crianças obtêm-se boas condições de intu- na mesma incidência que com os demais BNMs.
bação em 1 a 1,5 minuto. Neonatos e lactentes apresentam uma DE95
Dois estudos na população pediátrica demons- 30% menor que crianças e adolescentes15.
traram que 1,2 mg/kg de rocurônio é semelhante a A dose inicial de atracúrio preconizada em anes-
1,5 a 2 mg/kg de succinilcolina com um tempo de tesia pediátrica é de 1,5-2 vezes a DE95 e de 400 a
intubação de 30 segundos. No entanto, o tempo 500 mcg/kg para qualquer idade. Com essa dose
para recuperação do bloqueio fica muito prolonga- obtêm-se boas condições de intubação traqueal em
do. Essa dose, que corresponde a 4x a DE95, é mais 2 a 3 minutos.
uma alternativa para intubação rápida. Após a dose inicial, o bloqueio máximo ocorre
A duração da ação é bastante prolongada em mais rapidamente em neonatos e lactentes do que
pacientes com doença hepática quando doses repe- em crianças e adolescentes.
tidas são administradas. Após uma dose de 500 mcg/kg, o bloqueio
ocorre em 1,1, 1,2 e 1,7 minutos respectivamente
Atracúrio em neonatos, lactentes e crianças. A duração clíni-
ca com essa dose é de 29 a 37 minutos nos pacien-
É do grupo belzilisoquinolínico e foi o primeiro
tes pediátricos.
BNM não despolarizante com metabolização plas-
mática utilizado na prática clínica. Por suas características, é uma droga ideal para
infusão contínua. Para manutenção de 90% a 99%
Cerca de 80% se ligam a proteínas plasmáti-
de bloqueio neuromuscular durante anestesia com
cas, e sua degradação ocorre por reação química
opióides, os neonatos requerem taxa de infusão de
não-enzimática de Hoffmann. A reação de Hoff-
0,4 mg/kg/h, os lactentes de 0,52 mg/kg/h e crian-
mann foi descrita em 1951 e consiste na degra-
ças, 0,53 mg/kg/h.
dação espontânea do sal de amônio quaternário
para aminas terciárias em altas temperaturas e pH Halotano, isofurano e enflurano reduzem as taxas
alcalino. de infusão em 20%, 35% e 50%, respectivamente.
A reação análoga do atracúrio é observada a um A concentração de laudanosina tende a ser maior
pH de 7,4 e temperaturas de 37ºC. O processo de nos pacientes com insuficiência hepática. As crian-
degradação é marcadamente prolongado em hipo- ças apresentam menor liberação de histamina que
termia. os adultos, mas não devemos utilizar doses maiores
que 2,0 a 2,5 vezes a DE95. Reações anafiláticas não
Ele também é inativado por esterases plasmáti-
são comuns se observarmos dose e injeção lenta.
cas não-específicas. Portanto, sua eliminação inde-
pende do fígado ou do rim.
Cisatracúrio
A laudanosina representa o principal metabólito
e, em altas doses, pode levar à excitação do sistema O cisatracúrio é um bloqueador neuromuscular
nervoso central e até crises convulsivas. É é execre- adespolarizante do grupo belzilisoquinolínico.
tada pela urina e pela bile. Ele é um dos 10 estereoisômeros do atracúrio
O atracúrio não apresenta efeito vagolítico nem (1R-Cis, 1R-Cis presente em aproximadamente
atividade bloqueadora ganglionar, mas há liberação 15% da mistura racêmica que compõe o atracúrio).

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Apresenta menor tendência de liberação de hista- ração de ação e reversão espontânea de maneira
mina e maior potência quando comparado ao atra- rápida por hidrólise pela pseudocolinesterase. Pode
cúrio. Ele é degradado pela reação de Hoffman e liberar histamina, com manifestações cutâneas e
matabolizado por esterases não-específicas. cardiovasculares, quando utilizamos altas doses ou
Apesar de ser três ou quatro vezes mais potente injeção venosa rápida.
que o atracúrio, a concentração de seus metabóli- Na prática, as doses nas crianças não devem ul-
tos é bem menor, portanto há menos laudanosina. trapassar 2,5 vezes a DE9516.
Não libera histamina e apresenta maior estabilida- A duração clínica pode ser marcadamente pro-
de hemodinâmica. longada nos pacientes com colinesterase atípica.
A DE95 é de 41 mcg/kg nas crianças anestesia- Lactentes e crianças apresentam valores simila-
das com halotano na anestesia com óxido nitroso; res de DE95 de 103 a 139 mcg/kg durante a aneste-
opióide é de 55 mcg/kg. sia com óxido nitroso e opióde, e 85 a 95 mcg/kg
Nas crianças, o cisatracúrio tem uma potência na anestesia com óxido nitroso e halotano.
quatro vezes maior que o atracúrio. Essas doses são 30% a 40% maiores que no
Duas vezes a DE95 tem um início de ação de 2 adulto. Na dose de 0,25 mg/kg produz bloqueio da
a 2,5 minutos. Seu início de ação é um pouco mais primeira resposta à seqüência de quatro estímulos
lento que o atracúrio. Quanto maior a potência, mais de 2,4 ± 1,1 minutos; na dose de 0,2 mg/kg início
lento é o início da ação. Isso vale para todos os rela- mais lento, da ordem de 3,5 ± 1,4 minutos.
xantes. Duas vezes a DE95 80 mcg/kg apresenta uma
O início da ação é diferente, mas a recuperação
supressão completa dos estímulos em 2,5 minutos.
espontânea ocorre de maneira semelhante.
A recuperação de 95% de respostas ocorre em
Após doses de 0,2 a 0,3 mg/kg, a recuperação
53 minutos. Pacientes com insuficiência renal não
do bloqueio ocorre com 16 a 19 minutos em crian-
apresentam diferenças significativas na recupera-
ças e lactentes.
ção do BNM, apesar do aumento da meia-vida de
eliminação e do clearance reduzido em 13%. A recuperação da transmissão neuromuscular
parece ser mais rápida nos lactentes do que nas
Também não ocorrem diferenças farmacoci-
crianças e, nestas, mais rápidas que nos adultos.
néticas significativas com 2x DE95 nos pacientes
A rápida eliminação plasmática do mivacúrio, asso-
com insuficiência hepática grave. O halotano não
ciada à não-formação de metabólitos ativos, confe-
potencializa o bloqueio neuromuscular induzido
re-lhe efeito não-cumulativo, tornando-o propício
pelo cisatracúrio. O servorane usado na indução e
à administração contínua.
manutenção da anestesia potencializa o BNM com
prolongamento da duração clínica. O enflurano, o isoflurano e o sevoflurano, mais
que o halotano, intensificam os efeitos bloqueado-
O cisatracúrio é não-cumulativo mesmo com
res do mivacúrio.
doses repetidas, tendo portanto uma boa indicação
para uso contínuo. Como o mivacúrio apresenta uma rápida recu-
peração do bloqueio neuromuscular, não é necessá-
rio o antagonismo no final da cirurgia.
AGENTES DE CURTA DURAÇÃO DE
AÇÃO
Rapacurônio
Mivacúrio
Aminoesteróide, é um derivado do vecurônio. Apre-
É um agente benzilisoquinolínico bastante es- senta um bloqueio neuromuscular de início rápido,
tudado na população pediátrica por sua curta du- atribuído à sua baixa potência, e curta duração de ação.

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Tem início de ação semelhante ao da succinilcolina e A Tabela 10.1 mostra as doses dos relaxantes
tempo de ação um pouco mais prolongado17. musculares utilizadas em procedimento anestési-
Parecia ser uma droga promissora, mas apresen- cos em que há associação de opióide e óxido ni-
tou uma incidência alta de broncoespasmo grave e troso. Na Tabela 10.2, apresentamos o início de
o fabricante retirou a droga do mercado. ação destes.

Tabela 10.1 – DE95 doses de relaxante muscular durante anestesia com opióide e óxido nitroso em neonato, crianças e adultos

Relaxante Neonato (mcg/kg) Criança Adulto (mcg/kg)

Alcurônio 196 ± 28 271 ± 58 220

Atracúrio 231 ± 69 327 ± 55 210

Cisatracúrio - 55 48

Doxacúrio 25 ± 7 53 ± 10 41 ± 8

Mivacúrio 129 ± 48 139 ± 34 80

Pancurônio 66 ± 11 96 ± 19 67

Pipecurônio 48 ± 11 75 ± 30 59 ± 17

Rapacurônio 680 1540 1300

Rocurônio 251 ± 73 409 ± 70 350 ± 78

Tubocurarina 414 ± 126 499 ± 130 480

Vecurônio 47 ± 10 81 ± 12 43

Succinilcolina 700 410 ± 450 270

Tabela 10.2 – Início de ação dos relaxantes musculares em pacientes pediátricos

Início de ação (min)

Dose (mcg/kg) Neonato Criança Adolescente

Tubocurarine 400 1.7 2.7 2.5

Pancurônio 70 1.3 2.4 3.0

Cisatracúrio 150 1.9 2.9 3.7

Alcurônio 200 1.5 2.4 2.9

Vecurônio 70 1.5 2.4 2.9

Mivacúrio 300 1.6 1.8 2.9

Atracúrio 500 1.2 1.7 2.2

Rocurônio 600 1.1 1.3 -

Rapacurônio 2.000 0.3 1.0 2.2

Succinilcolina 1.000 - 0.7 0.9

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REVERSÃO DO BLOQUEIO grau de recuperação, os pacientes estavam aptos a
NEUROMUSCULAR uma maior proteção da via aérea respiravam sem
dificuldade e se sentiam melhor18.
A recuperação da função neuromuscular ocorre
paralelamente a diminuição da concentração plas- Nos lactentes, os sinais clínicos de recuperação
mática do relaxante muscular. Podemos utilizar me- do bloqueio são menos evidentes que no adulto.
dicamentos que aceleram a recuperação espontânea. Devemos observar o comportamento pré-bloqueio,
O consumo de oxigênios nos lactentes e crian- como tônus muscular, intensidade do choro, pro-
ças por quilo de peso é maior que no adulto. fundidade da respiração, capacidade de fletir os
Portanto, uma leve diminuição da força mus- braços e elevar as pernas de uma mesa cirúrgica19.
cular pode levar à uma hipoxemia e retenção de
CO2. apresentam ainda uma superficie pulmonar FUTURO
pequena, e uma capacidade residual pequena.
Desde 1942, quando a d-tubocuraniana foi intro-
Os pacientes pediátricos só devem ser extuba- duzida na prática clínica, até 1980, todos os bloque-
dos quando a função neuromuscular estiver bem
adores neuromusculares eram drogas de ação longa e
próxima do normal.
com excreção demorada, quase sempre por renal.
Os neonatos apresentam imaturidade da fun-
O bloqueio residual era extremamente fre-
ção neuromuscular, meia-vida de eliminação dos
qüente. Em 1960, Churchill-Davidson e Katz
BNMs mais prolongada, presença de poucas fibras
do tipo I na musculatura ventilatória e volume de introduziram a monitorização do bloqueio neu-
fechamento próximo ao volume corrente. romuscular que permanece até hoje. Em 1980,
foram introduzidos os relaxantes de ação inter-
Nos pacientes pediátricos, a dose de neostigmina
mediária e curta que vieram modificar a qualida-
é menor e a do edrofônio, maior que nos adultos.
de da anestesia, com tempo de ação mais previsí-
Doses de 0,01 mg/kg de atropina e 0,02 mg/kg
vel e pouco bloqueio residual. Eles possibilitaram
de neostigmina são suficientes para reversão.
o grande incremento das cirurgias ambulatoriais.
O principal efeito da neostigmina é a produção
Mas o que há de novo?
de um antagonismo competitivo do bloqueio neu-
romuscular por inibição da acetilcolinesterase. Temos duas drogas em fase final de testes que
A neostigmina produz aumento da secreção e mo- podem modificar muito a monitorização neuro-
tilidade intestinal aumentando o peristaltismo, con- muscular e a prática clínica.
trai a musculatura ciliar e o esfíncter pupilar, bronco- A primeira é um novo antagonista, mais especí-
constrição, secreção salivar e lacrimal aumentada. fico para o rocurônio, que pode também remover
A velocidade de reversão irá depender do grau o bloqueio residual de outros esteróides como o
de bloqueio antes do antagonismo. vecurônio ou o pancurônio.
Estudos em adultos voluntários demonstraram Esse composto é um polissacarídeo denomi-
que um TOF de 0,7 a 0,75 está associado com nado ciclodextrina, que quebra as moléculas dos
diplopia, dificuldade de segurar objetos, incapa- relaxantes esteróides. A reversão é rápida e com-
cidade de sentar sem auxílio, dificuldade de falar pleta, com mínimos efeitos colaterais, e ele é capaz
incoordenação da musculatura do esôfago durante de reverter mesmo bloqueios intensos. Portanto,
a deglutição. a monitorização com TOF de 1 ou 2 respostas
Esses efeitos perigosos e desagradáveis desapa- para posterior reversão do bloqueio não teria mais
receram com um TOF de 0,90 ou mais. Com esse necessidade.

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A segunda droga é um novo relaxante adespolari- 7. Sanford Jr TJ. Aspectos clínicos em monitorização do
zante de ação ultra curta, o GW 280 430A, que já se bloqueio neuromuscular.1994;2:227-50.
8. Charles JC et al. A pratice of anesthesia for infants and chil-
encontra na fase de testes em humanos voluntários3.
dren. 3. ed. Philadelphia: Saunders; 2001;10:196-215.
Apresenta as mesmas características da succinil- 9. McComaghy P, Bunting HE. Assessment of intubating
colina quanto ao início da ação, duração e reversão. conditions in children after induction with propofol and
varying doses of alfentanil. Br J Anaesth 1994;73:596-9.
Suas moléculas são destruídas por reações quími-
10. Jordan K, David SJ. Anesthesia and uncommon pedia-
cas, com uma meia-vida em torno de 2 minutos e tric disease. 2. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co.;
com poucos efeitos colaterias. Parece que a droga é 1993;19:672-94.
uma forte candidata à substituição da succinilcolina. 11. Gronert GA. Cardiac arrest after succinylcholine. Anes-
Pode ser usada em infusão contínua e, quando thesiology 2001;94:523-9.
12. Meretoja OA, Luosto T. Dose-response characteristics
desligada, a recuperação ocorre em 6 ou 7 minutos.
of pancuronium in neonates, infants and children.
A droga é destruída por reações químicas, não Anesth Intens Care 30;18:455-9.
necessita da pseudocolinesterase nem de enzimas. 13. Meretoja OA, Brown. Maintence requiremente of al-
curoniun in paediatric patients. Anesth Intens Cure
1990;18:452-4.
Referências Bibliográficas 14. Fisher DM, Miller RD. Neuromuscular effects of vecu-
1. Stoelting RK. Pharmacology and physiology in anesthe- ronium in infants and children during N2O, halothane
tic pratice. 3. ed. Philadelphia: 1999, p. 182-223. anesthesia. Anesthesiology 1983;58(6):519-23.
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mission in the infant. BRJ Anaesth 1980; 52:205. dose response relationship of atracurium in paediatric
3. Rodrigues RC, Tardellis MA. Relaxantes musculares patients. Acta Anesthesiol Scand 1998;32:614-8.
em pediatria. In: Gomés et al. Relajantes musculares 16. Goudsonzian MG, Alifimoff JK, Eberly C et al. Neu-
en anesthesia y terapia intensive. 2. ed. Barcelona: Àran romuscular an cardiovascular effects of mivacurium in
ediciones; 2000, p. 483-99. children. Anesthesiology 1989;70:237-42.
4. Hutton P, Prys-Robert C. Monitorização em anestesia 17. Goudsonzian MG. Rapacuronium and bronchospasm.
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Capítulo 11
Manuseio de Vias Aéreas
e V e n t i l a çã o
José Otávio Costa Auler
Marcelo Luis Abramides Torres
Ricardo Vieira Carlos

introdução
O controle da via aérea, na população pediátri-
ca, é procedimento amplamente utilizado durante
o ato anestésico. O surgimento de dispositivos e
métodos para esse controle, de maneira geral, deri-
va-se daqueles aplicados em pacientes adultos, com
variedade crescente desses aparatos. No mesmo sen-
tido, a ventilação mecânica em anestesia pediátrica
se desenvolve e merece, gradativamente, atenção
cada vez maior para sua correta e segura aplicação Fig. 11.1 – Comparação de máscara com amortecimento (esquer-
na prática clínica. Este capítulo objetiva revisar os da) e máscara de Rendell-Baker-Soucek (direita). O menor espaço
dispositivos para controle da via aérea e utilização morto da máscara de Rendell-Baker-Soucek é uma vantagem para
lactentes e crianças pequenas que estão em respiração espontâ-
de ventilação mecânica na anestesia pediátrica. nea, enquanto uma melhor vedação é obtida com a máscara com
amortecimento. Durante a indução inalatória da anestesia, o melhor
Máscaras Faciais Pediátricas ajuste tem prioridade maior que o tamanho do espaço morto. Além
disso, máscaras com amortecimento são as mais freqüentemente
Os dois tipos mais comuns de máscaras faciais utilizadas para a indução da anestesia.

pediátricas utilizadas atualmente são a máscara de


Rendell-Baker-Soucek (RBS), a qual tem um pe- amortecimento se traduz em poucas repercussões
queno espaço morto, e uma variedade de máscaras clínicas1. As máscaras pediátricas podem receber
com amortecimento inflável para melhor vedação perfumes ou aromas de acordo com a preferência
(Fig. 11.1). O espaço morto maior devido a esse da criança. Entretanto, o uso de extratos de frutas

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pode produzir leituras alteradas, por períodos tran- ou plástico. A seleção de tamanho apropriado não
sitórios, dos vapores exalados pela presença de eta- é tarefa simples: a escolha de um aparato muito
nol2. Máscaras transparentes são preferíveis, pois pequeno empurra a língua para trás e leva à obstru-
permitem a detecção precoce de cianose, secreções ção de orofaringe, ao passo que um muito grande
ou material regurgitado e para melhor acomodação empurra a epiglote para baixo, para a entrada da
de via aérea oral não invasiva. laringe (Fig. 11.3). O tamanho correto é estimado
As máscaras faciais são utilizadas para indução segurando-se o dispositivo próximo à região lateral
inalatória da anestesia, denitrogenação, ventilação da face da criança; enquanto uma extremidade se
controlada e assistida e administração de oxigênio localiza nos lábios da criança, a outra ponta deve
ao final do procedimento anestésico. Várias más- estar no ângulo da mandíbula (Tabela 11.1). Os
caras têm sido fabricadas para permitir intubação mais comuns dispositivos de via aérea orofaríngea
através de fibra óptica em pacientes anestesiados, utilizados são o Guedel (com lúmen central) e a via
em respiração espontânea ou recebendo ventilação aérea de Berman, que consiste de dois pilares liga-
com pressão positiva por máscara. dos entre si, de tal maneira a formar um sulco entre
eles. Um cateter de aspiração pode ser introduzido
Quando se adapta uma máscara facial em uma
entre os dois pilares. Essas cânulas orofaríngeas po-
criança, alguns cuidados devem ser tomados para evi-
dem ser modificadas para facilitar a intubação oral
tar: (1) pressão digital excessiva no triângulo submen-
por fibroscopia. Eles ajudam a manter o fibroscó-
toniano, o qual empurraria a língua contra o pálato,
pio na linha média, com a via aérea aberta e expo-
com obstrução de via aérea e (2) lesão ocular por
sição da entrada laríngea enquanto previne que o
compressão da borda superior da máscara. Durante
paciente morda o aparelho.
ventilação com máscara, a via aérea pode ser melho-
rada com a inclinação da cabeça para um lado.
Máscaras faciais reutilizáveis são geralmente
feitas de borracha, silicone ou plástico, que dete-
rioram rapidamente quando autoclavados em alta
pressão. Descontaminação e alto nível de desin-
fecção são geralmente suficientes para evitar con-
taminação cruzada. Isso é atingido pela imersão
da máscara em solução de sabão imediatamente
após o uso e, posteriormente, realizada desinfec-
ção química. Compostos fenólicos não devem ser
utilizados, pois podem ser absorvidos pelo mate-
rial e produzir dermatite de contato. Qualquer que
seja o método de limpeza empregado, as máscaras
devem ser cuidadosamente secadas antes de serem
novamente utilizadas.

CÂNULA OROFARÍNGEA
Os dispositivos de cânula orofaríngea são utili-
zados para manter a permeabilidade da via aérea ou
prevenir a oclusão do tubo endotraqueal devido à Fig. 11.2 – Via aérea oral de tamanho apropriado mantém espaço
mordedura (Fig. 11.2). Eles são feitos de borracha entre a língua e outras estruturas das vias aéreas.

138 An e s t e s ia Pe diátrica

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A B

Fig. 11.3 – (A) A ponta da via aérea oral, que é muito grande, empurra a epiglote para dentro da abertura glótica ou ultrapassa a epiglote e
obstrui a abertura glótica. (B) A ponta de uma via aérea que é muito pequena pode empurrar a língua para trás e causar maior obstrução.

tivo e os dentes. Uma cânula orofaríngea com ba-


Tabela 11.1 – Tamanho de via aérea orofaríngea
lonete, COPA, foi recentemente desenvolvida para
Tamanho Comprimento (mm) uso em adultos. O tamanho de 8 cm é adequado
000 35 para adolescentes entre 12 e 15 anos. A inserção é
00 50 fácil, mas ao menos uma manobra (levantamento
de queixo, rotação da cabeça ou extensão do pes-
0 60
coço) é geralmente necessária para obtenção de via
1 70 aérea sem obstrução3.
2 85

3 90 CÂNULA NASOFARÍNGEA
4 100 A cânula nasofaríngea promove um conduto
5 110 para o fluxo de gás entre a língua e a parede poste-
rior da faringe. A extremidade faríngea posiciona-
se acima da epiglote e abaixo da base da língua.
Com o objetivo de evitar laringoespasmo ou o É uma alternativa para a cânula orofaríngea e é mais
vômito, os reflexos laríngeo e faríngeo devem ser bem tolerada por pacientes despertos e sonolentos
deprimidos antes da inserção de uma das vias aé- (Fig. 11.4). A cânula nasofaríngea está disponível
reas orofaríngeas. Vários métodos de inserção têm nos tamanhos de 12 a 36 (diâmetro interno em
sido descritos. O método “clássico”, que consiste na milímetros). A borda de segurança ou o conector
inserção do dispositivo com a concavidade voltada do tubo inserido na extremidade nasal prevenirá a
para o pólo cefálico, para então realizar a rotação de migração para a nasofaringe. O diâmetro da cânu-
180o após a ponta passar a úvula, deve ser evitado la nasofaríngea deve ser o mesmo, ou até 0,5 mm
em crianças para prevenir trauma da mucosa oral. maior que o tamanho de tubo traqueal apropriado
Quando da utilização da cânula orofaríngea, deve- para a idade da criança. O comprimento adequa-
se tomar cuidado com trauma, queda de dentes ou do para esse dispositivo é estimado pela medida da
pinçamento dos lábios da criança entre o disposi- distância entre a ponta do nariz e o trago da orelha.

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ção pode ser necessária a rotação do dispositivo para
seguir o caminho de menor resistência. A cânula
nasofaríngea nunca deve ser introduzida com força
a fim de se evitar lesão de mucosa e ou epistaxe.
A patência dos modelos menores deve ser verifi-
cada com freqüência, pois ocorre obstrução facil-
mente devido a sangue ou secreções.

TUBOS TRAQUEAIS-PADRÕES
O tubo traqueal (TT) é uma ferramenta essen-
cial para o manejo da via aérea. A compreensão de
seu formato e função é importante para seu uso
seguro.
Os TTs atuais são feitos de cloreto de polivinil
(PVC) e são descartáveis (Fig. 11.5). São numera-
dos de acordo com seu diâmetro interno, diâmetro
externo e comprimento em centímetros. Além dis-
so, são biselados em ± 40° para a esquerda quan-
Fig. 11.4 – Via aérea nasofaríngea de comprimento apropriado se
do vistos com sua curvatura voltada para cima.
extende da região externa da narina até a faringe posterior sem tocar A maioria dos TTs contém uma linha radiopaca
a epiglote ou a abertura glótica. e são concebidos com um orifício em sua parede,
no lado oposto ao biselado, próximo à extremida-
Entretanto, especialmente em casos de dismorfis-
de, com o objetivo de promover via alternativa ao
mo orofacial, o comprimento correto da cânula
fluxo de gás caso a ponta se torne ocluída ou este-
nasofaríngea é aquele que promove bom fluxo de
ja muito inserida na traquéia. O menor TT sem
ar sem estridor.
balonete disponível é o de diâmetro interno de 2
Esse dispositivo é utilizado para: (1) promover mm. O tipo de tubo descrito anteriormente é o
pressão contínua de via aérea no pós-operatório;
(2) manter a patência de via aérea em neonatos e
crianças com apnéia obstrutiva (Pierre-Robin, Trea-
cher-Collins, síndromes de apnéia do sono ou após
cirurgias para correção de fenda palatina, atresia de
coana ou cirurgias palatofaríngeas); e (3) permitir
insuflação de oxigênio e halogenados durante en-
doscopia (por exemplo, intubação com fibroscópio
e cirurgia a laser na laringe)4. Contra-indicações in-
cluem alterações da coagulação, fratura de base do
crânio e doenças do nariz e nasofaringe. A cânula
nasofaríngea pode ser lubrificada com água, anes-
tésico local ou spray de silicone. A inserção deve ser
feita de maneira delicada, através da narina, em di-
Fig. 11.5 – Tubos endotraqueais sem balonete de diversos tama-
reção posterior, perpendicular ao plano coronal ao nhos (à direita, número 2,5; à esquerda, número 7,0; com variação
longo do assoalho da nasofaringe. Durante a inser- de 0,5 entre cada dispositivo).

140 An e s t e s ia Pe diátrica

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tubo de Murphy, os outros modelos são chamados com conseqüente edema de apenas 1 mm pode re-
tubo de Magill. Apesar de os TTs serem categorizados presentar um estreitamento significante da via aé-
de acordo com seu diâmetro interno, a espessura de rea infantil5. Isquemia da mucosa traqueal ocorre
suas paredes varia de um fabricante para outro e, quando a pressão exercida pelo TT excede a pressão
conseqüentemente, seu diâmetro externo também. capilar da mucosa, a qual se acredita estar entre 25 a
Os TTs são fornecidos com seu conector encaixado 35 mmHg ou 20 a 25 cmH2O, valores semelhantes
de maneira leve. Este deve ser ajustado firmemente aos adultos. Até recentemente, TTs sem o balonete
antes do uso sob risco de desconexão acidental. eram de uso quase obrigatório em pacientes pediá-
Quando se escolhe o TT, deve-se considerar sua tricos até 8 a 10 anos de idade. Isso se deve ao fato
influência no espaço morto, resistência à respiração de que a porção mais estreita da traquéia infantil
e potencial lesão da traquéia e laringe. A intubação está circundada pelo anel cricóide e de que o TT,
traqueal diminui o espaço morto da via aérea extra- cujo diâmetro externo é próximo ao diâmetro in-
torácica, mas aumenta drasticamente a resistência à terno da cricóide selará, a traquéia sem aplicar pres-
respiração. Se o fluxo de ar é laminar, a resistência são de risco à mucosa traqueal. A pressão aplicada
é proporcional ao comprimento do tubo e inversa- sobre a parede traqueal pode ser estimada por uma
mente proporcional à quarta potência do seu raio insuflação lenta do balão reservatório do circuito de
(lei de Hagen-Poiseuille). A resistência ao fluxo de anestesia e procurando por vazamentos (utilizan-
gás aumenta 50% quando o diâmetro interno di- do-se estetoscópio) no pescoço ou boca. Um TT
minui de 3,5 para 3 mm. Além disso, a mudança adequado, uma vez em posição, permite escapes de
no lúmen entre o conector e o TT favorece o fluxo gás com pressões de insuflação ao redor de 20-25
turbulento, o qual aumenta ainda mais a resistên- cmH2O. Entretanto, muitos outros fatores podem
cia. Por essa razão, deve-se selecionar o maior TT influenciar a pressão na qual o vazamento ocorre.
que, quando inserido na laringe da criança, não Mesmo que a inserção profunda do TT ou o flu-
exija força e não cause compressão da mucosa tra- xo de gases frescos (FGF) não tenham influência,
queal, para evitar qualquer dano, rouquidão pós- a pressão requerida para causar o vazamento é au-
operatória e potencial estenose traqueal. mentada quando a cabeça é virada para um lado ou
Razões adicionais para o uso de TTs maiores: quando a criança não está paralisada6 (Tabela 11.2).
Uma pressão elevada de escape pode ser deliberada-
• reduzir as chances de sua oclusão por secreção;
mente escolhida (ou um TT com um balonete pode
• permitir o uso de cateteres de sucção maiores, ser usado, veja a seguir) se o procedimento necessita
caso necessário; de altas pressões respiratórias ou ventilação minuto
• aumentar a proteção contra aspiração de mate- elevada (por exemplo, cirurgia em andar superior
rial regurgitado para os pulmões; do abdômen, toracotomia) ou quando os pulmões
• reduzir o vazamento ao redor do tubo, o qual estão com baixa complacência.
tem implicações para a qualidade da ventilação A importância da presença do vazamento quan-
e causa a perda de agentes halogenados caros; do TT são utilizados tem recentemente sido ques-
além disso, vazamentos significativos impedem tionada por Khalil et al.7. Eles constataram que a
o uso de baixo fluxo. presença ou ausência de escape ao redor do TT,
Enquanto a resistência à respiração depende com pressão de 20 cmH2O, não tem efeito signi-
do diâmetro interno e do comprimento do TT, a ficante na incidência de rouquidão pós-operatória
potencial lesão da laringe e traquéia está relacio- em população de 159 crianças, desde que nenhuma
nada ao diâmetro externo e à delicadeza durante resistência tenha sido encontrada em nível de carti-
a inserção do dispositivo. Trauma leve da via aérea lagem cricóide quando o TT foi inserido, a criança

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Tabela 11.2 – Fatores que afetam o escape de pressão ao redor de TTs sem balonete

Avaliação Inicial Modificação subseqüente Mudança no escape de pressão

Relaxamento muscular ausente Relaxamento muscular Diminui

Relaxamento muscular Reversão total Aumenta

Cabeça em posição neutra Cabeça para um lado Aumenta

Cabeça para um lado Cabeça neutra Diminui

não apresentasse história de rouquidão e a dura- estar disponíveis antes da indução da anestesia: o
ção da cirurgia tenha sido inferior a duas horas. tamanho obtido pela fórmula, um tamanho maior
A duração da anestesia foi, de fato, estatisticamente e outro menor. A profundidade que o TT deve ser
maior em cinco crianças (4/109 com vazamento e inserido varia com o cumprimento da traquéia (e,
1/50 sem vazamento) que desenvolveram rouqui- conseqüentemente, com a idade da criança). Mui-
dão, sendo necessário tratamento com adrenalina tos TTs sem balonete apresentam uma área ou uma
racêmica (87 ± 15 minutos versus 62 ± 17 minu- linha negra próxima à extremidade traqueal. Geral-
tos no grupo sem ou com leve rouquidão). Entre-
mente, avançando o tubo através das cordas vocais
tanto, como apenas 50 crianças deste estudo não
até esta linha ou ao final da área negra garante que
apresentavam o vazamento, e todas as avaliações
o TT está aproximadamente na metade da traquéia
foram realizadas pelo mesmo anestesiologista, mais
estudos controlados são necessários para confirmar (Fig. 11.6). Entretanto, deve-se tomar cuidado
esses achados. para garantir que o comprimento dessa área negra
seja apropriado para o tamanho da criança antes de
Vários métodos estão disponíveis para ajudar na
seleção do TT apropriado. Contudo, a estimativa usá-lo como referência para a inserção. Por exem-
mais acurada pode geralmente ser obtida utilizan- plo, essa área se prolonga 2,5 cm quando se com-
do-se fórmula baseada na idade8 e resulta nas re- para as sondas Portex Ivory® 4,5 e 6,0. No entanto,
comendações mostradas na Tabela 11.39. Porém, muitas fórmulas estão disponíveis, mas são acura-
essas são meras estimativas que devem ser confir- das somente nas crianças cujas dimensões das vias
madas em cada paciente pelo teste de escape por aéreas não diferem significativamente das outras de
pressão. Na prática, três tamanhos de TT devem mesma idade e tamanho. O comprimento de tubo

Tabela 11.3 – Tamanhos de TTs sem balonete recomendados


(DI em mm)

Idade do paciente Tamanho do tubo

Prematuro < 1.000 g 2

Prematuro > 1.000 g 2,5

RN de termo – 3 meses 3,0-3,5

3-9 meses 3,5-4,0

9-18 meses 4,0-4,5

Idade + 16
> 2 anos
4
Fig. 11.6 – Detalhe da área negra de tubo endotraqueal infantil.

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a ser inserido, para que a ponta deste esteja no meio te todos os fabricantes dispõem de TTs pediátricos
da traquéia, é estimado pela seguinte fórmula: com balonete.
Seu uso criterioso não está associado com o au-
comprimento (cm) = 3 X DI (mm) ou comprimento (cm) = mento de incidência de estridor pós-intubação ou
idade/2 + 12
outras seqüelas laringotraqueais13,14, e TT com ba-
lonetes são mais comumente utilizados para a pre-
Para cânulas nasais10, a fórmula é: venção de aspiração ou possíveis alterações intra-
operatórias da complacência pulmonar. Outra si-
comprimento (cm) = 3 X DI (mm) + 2
tuação seria o planejamento de anestesia com baixo
fluxo (para redução de custos). Esses dispositivos
Outro método de posicionamento do TT no permitem monitorização mais confiável dos gases
meio da traquéia é a palpação supra-esternal da e volumes exalados, redução da poluição do ar da
ponta do tubo. Com a cabeça da criança na posi- sala cirúrgica e diminuição do número de laringos-
ção neutra e o pescoço levemente hiperextendido copias para reposicionamento do pequeno TT15.
através de coxim sob os ombros, a polpa do dedo Quando se utilizar TT com balonete em criança,
indicador podem sentir quando o TT é delicada- deve-se ter em mente que a presença desse balonete
mente movido na traquéia, e a posição da ponta (em especial, de alto volume e baixa pressão) au-
do tubo deve ser próximo à incisura supraester- menta o diâmetro externo do TT em aproximada-
nal11. Independentemente do método utilizado, o mente 0,5 mm15. Dessa maneira, um TT 0,5 mm
posicionamento correto do TT deve ser verificado menor do que o calculado deve ser utilizado, ou a
cuidadosamente e por meio da ausculta de todos fórmula regra14 deve ser seguida:
os campos pulmonares. Esse posicionamento deve
DI (mm) = idade/4 + 3
ser verificado cada vez que a cabeça do paciente é
mobilizada, pois a extremidade distal do tubo se A pressão do balonete deve ser monitorada mes-
move em direção à carina durante a flexão e para as mo se N2O não for utilizado para prevenir lesão da
cordas vocais durante a extensão do pescoço12. mucosa traqueal.

TUBOS ENDOTRAQUEAIS PEDIÁTRICOS MÁSCARA LARÍNGEA


COM BALONETE25,33,34
A máscara laríngea (ML) é um dispositivo com
TTs com balonete de alto volume e baixa pressão sua periferia inflável conectada a um tubo de gros-
estão sendo cada vez mais utilizados por intensivis- so calibre pela região posterior (Fig. 11.7). Ela cria
tas pediátricos com o objetivo de manter adequada uma via aérea artificial entre a boca e a glote, sem
ventilação em pacientes com pouca complacência contato com as cordas vocais, e promove vedação
pulmonar. Na série de Deakers et al.13, não houve de baixa pressão ao redor da entrada laríngea. Bar-
aumento na incidência de estridor pós-intubação ras verticais na porção final do tubo previnem a
ou outras seqüelas laringotraqueais nas crianças in- epiglote de obstruir o lúmen. Quando a ML é po-
tubadas com TT com balonete (14,7% sem balo- sicionada corretamente, sua ponta se localiza no
nete versus 15,5% com balonete). Porém, a intuba- esfíncter esofágico superior, com a face inflável de
ção foi realizada com TT de diâmetro interno 0,5 frente para a fossa piriforme. O esôfago e a epiglo-
mm menor do que o indicado pela fórmula, e um te ficam excluídos; entretanto, broncofibroscopias
vazamento mínimo foi mantido no pico de pressão realizadas em crianças com ML bem posicionada
inspiratória necessário para a criança. Praticamen- clinicamente revelaram adequada abertura laríngea

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Tabela 11.4 – Especificações da máscara laríngea

Peso do paciente Volume máximo do


Tamanho
(Kg) balonete

1 >5 < 4 ml

1,5 5-10 < 7 ml

2 10-20 < 10 ml

2,5 20-30 < 14 ml

3 > 30 < 20 ml

4 Adulto < 30 ml

5 Adulto grande < 40 ml

Para se minimizar os riscos de hiperinsuflação


do balonete, recomenda-se:
• inspecionar cuidadosamente o balonete da ML
antes de cada o uso;
Fig. 11.7 – Máscara laríngea (tamanho 1,5) com o balonete de- • insuflar o balonete com o menor volume efeti-
sinsuflado (parte inferior) e balonete insuflado (parte superior). No
detalhe, extremidade da máscara laríngea mostrando as aberturas vo; se o volume de ar for maior do que o indi-
verticais no final da região tubular. cado pela Tabela 11.4 para se obter pressão de
vazamento ≤ 10 cmH2O, a ML deve ser reinse-
em apenas 27% delas; com a epiglote tocando as
rida ou deve-se tentar um tamanho maior.
barras de ML no 1, ou com a parte distal dobrada
com ML no 2, em 57% e 38% dos pacientes, res- Se N2O for utilizado, o balonete deve ser pe-
pectivamente16. A patência clínica da via aérea não riodicamente desinsuflado para o volume mínimo
garante posicionamento anatômico ideal. A ML é necessário, ou insufla-se o balonete com a mistura
feita de silicone (e, por isso, é livre de látex), sen- de gás inspirada ou mesmo com solução salina17,18.
do capaz de suportar uso repetido e esterilização Uma versão reforçada da ML foi desenhada
em autoclave. Uma linha negra ao longo da região para permitir o uso em cirurgias orais e de cabeça
posterior do tubo é utilizada como referência para e pescoço. O tubo, nessa versão, é constituído de
garantir adequado posicionamento. material metálico flexível que pode ser torcido sem
A pressão de vazamento da ML é a pressão me- se dobrar. Essa variedade está disponível nos tama-
dida no circuito respiratório quando o escape de ar nhos de 2 a 4, e tanto a versão convencional como a
começa a ser ouvido ao redor esta, variando, geral- reforçada têm se mostrado mais resistentes aos raios
mente entre 15 e 25 cmH2O. Entretanto, pressões laser de CO2, potássio-titanil-fosfato (KTP) ou Nd:
de insuflação do balonete apenas fornecem informa- YAG laser do que os TT de PVC19. ML para a in-
ções indiretas sobre a pressão aplicada pela ML sobre tubação (Fastrach®) foi concebida para permitir in-
a mucosa faríngea, pois essa pressão é determinada tubação traqueal às cegas. Consiste de um tubo de
pela pressão e volume do balonete, pela atividade aço inoxidável, curvado anatomicamente e conec-
muscular e elasticidade da parede faríngea e pelo tado à parte inflável ovalada semelhante ao mode-
recolhimento elástico da curvatura do tubo17. O vo- lo convencional (tamanhos 3,4 ou 5). O diâmetro
lume de ar máximo a ser injetado de acordo com o interno do tubo é maior e apresenta comprimento
tamanho da ML está exposto na Tabela 11.4. menor. A experiência com Fastrach® no 3 em crian-

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ças ainda é limitada. Quando comparado ao TT, a qual pode não ser detectado clinicamente. Em con-
ML convencional tem menor resistência ao fluxo, seqüência, pode haver retardo da progressão às cegas
enquanto a ML reforçada tem resistência similar20. do TT e até mesmo lesão tecidual.
A ML pode ser usada no lugar de máscaras fa- As contra-indicações para o uso da ML in-
ciais para cirurgias superficiais ou periféricas. Ela cluem:
“libera” as mãos do anestesiologista e reduz a polui- • qualquer condição com risco aumentado de as-
ção ambiental com agentes inalatórios. É também piração ou regurgitação (paciente de estômago
útil para fibroscopia diagnóstica da laringe, traquéia cheio, presença de refluxo gastroesofágico, obe-
e brônquios. Quando comparada ao TT (por seu sidade ou cirurgia em andar superior do abdô-
diâmetro maior), oferece menor resistência e pos- men), pois o selamento entre a ML e a laringe
sibilita melhor oxigenação e ventilação, enquanto não é à prova de líquidos e não protege o pa-
promove excelente visualização dessas estruturas, ciente da aspiração de conteúdo gástrico. Além
permitindo o exame sob condições dinâmicas se a disso, o uso da ML é associado com incidên-
ventilação espontânea for mantida20. cia alta de refluxo gastroesofágico, o que pode
A ML é uma ferramenta importante no manejo ocorrer por diminuição da pressão do esfíncter
de situações de via aérea difícil. Geralmente, é inse- esofágico inferior pela presença do balonete da
rida após indução anestésica, mas alguns autores in- ML na faringe;
troduzem-na em crianças acordadas com vias aéreas • condições que requerem altas pressões de insu-
superiores anormais após anestesia tópica da orofa- flação (pacientes com pulmões de baixa com-
ringe21. A inserção pode ser feita por técnica rota-
placência, toracotomia);
cional (Fig. 11.8) ou por progressão constante com
sua abertura voltada para região anterior (Fig. 11.9). • qualquer alteração oral, laríngea ou faríngea24;
Apesar de a introdução às cegas de TT através de ML • casos em que a via aérea pode se tornar difícil de
ter sido descrita em adultos e crianças22, é preferível o controlar rapidamente caso a ML seja deslocada
uso de broncofibroscopia para guiá-lo até a traquéia, (por exemplo, posição prona ou cirurgias orais
seja diretamente, ou após a inserção de fio-guia sob complexas);
a visão direta23. Isso se justifica pelo freqüente mau • casos com a abertura bucal limitada, o que re-
posicionamento da epiglote (veja anteriormente), o tarda a introdução da ML.

A B C

Fig 11.8 – A = A máscara laríngea (ML) é inserida com a região que contém o orifício ventilatório voltado para a orofaringe. A ML é, então,
empurrada para a faringe posterior. B = Enquanto a ML é impulsionada para a faringe posterior, deve-se girá-la 180o de maneira que sua
abertura se localize na abertura glótica. C = A ML pode ser usada para ventilação espontânea ou controlada.

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A B

C D

Fig 11.9 – A = Após teste e desinsuflação do balonete, a ML é inserida na boca de criança anestesiada com sua abertura voltada para a en-
trada da via aérea. B = A ML é impulsionada com pressão constante para a faringe posterior e guiada com o dedo do anestesiologista. C = A ML
é avançada até a abertura glótica. D = Com a insuflação, o balonete selará a região acima da abertura glótica. A ML será elavada sutilmente
enquanto se acomoda durante a insuflação.

LARINGOSCÓPIOS E LÂMINAS A lâmina de Miller é reta, com discreta curva-


tura para cima próximo à ponta (Fig. 11.10). Wis-
A variedade de lâminas pediátricas para larin- consin, Wis-Foregger e Wis-Hipple são os modelos
goscópios é extensa e sua seleção depende princi- de lâmina que não apresentam curvatura. Na sec-
palmente da preferência e familiaridade do usuário. ção transversa, com a visão pelo lado de conexão
Basicamente, existem as lâminas retas e curvas; a ao cabo, essas lâminas têm formato em “C”, o que
maioria dos livros recomenda o uso de lâmina reta proporciona o espaço suficiente para a intubação
em recém-nascidos e lactentes e a lâmina curva nas oral, mas nem sempre previne que a língua deslize
demais crianças e adolescentes. Na teoria, a lâmina por baixo dela. As lâminas Soper (reta) e Seward ou
reta é usada para levantar a epiglote anteriormente, Heine (curvadas próximo à ponta) têm área trans-
para a visualização das cordas vocais, e a lâmina versa em forma de “Z” invertido, o que mantém a
curva é colocada na valécula, anterior à epiglote. língua do paciente afastada da visão do anestesio-
Na prática, entretanto, a lâmina reta pode ser usa- logista e promove maior espaço na boca para o uso
da da mesma maneira que a lâmina curva25. do fórcipe de Magill. A lâmina de Robertshaw é

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curvada próximo à ponta, e sua secção transversa Lâminas de diferentes formatos e tamanhos de-
em forma de “C” é extendida para a esquerda a fim vem estar disponíveis antes da indução da aneste-
de melhorar o espaço a fim de o fórcipe de Magill sia. Cabos de laringoscópio também estão disponí-
(Fig. 11.11). A lâmina de Macintosh é a única cur- veis em tamanhos variados; um modelo leve e fino
va, sua secção transversa em forma de “Z” inver- é útil em recém-nascido e lactente. Nessa popula-
tido (Fig. 11.10). Uma desvantagem das lâminas ção, o laringoscópio deve ser empunhado na cone-
pequenas de Macintosh que são equipadas com luz xão entre o cabo e a lâmina, e não apenas no cabo
é o tamanho excessivo de sua conexão com o cabo; como é realizado em adultos. Dessa maneira, quem
ele é menor nas lâminas curvas com fibra óptica. realiza a intubação pode utilizar o quinto dedo da
Os modelos de Miller e Macintosh estão disponí- mão esquerda para pressionar a cartilagem cricóide
veis na versão oxiport (confeccionadas com tubo e trazer a glote para o campo de visão sem aplicar
que permite a administração de O2 ou gases anes- muita força à mandíbula da criança.
tésicos durante laringoscopia e intubação).
VENTILAÇÃO MECÂNICA
Um dos principais objetivos da ventilação me-
cânica é aliviar total ou parcialmente o trabalho
respiratório do paciente26,27. O trabalho respirató-
rio representa a energia necessária para movimen-
tar determinado volume de gás através das vias aé-
reas e expandir o pulmão, permitindo que ocorram
as trocas gasosas nos alvéolos28. O movimento de
gases pelas via aéreas, tanto durante a inspiração
como durante a expiração, irá gerar forças de atrito
opostas à direção do movimento. Durante a venti-
lação espontânea, o paciente deve desenvolver, por
meio dos músculos respiratórios, uma força ins-
piratória suficiente para vencer as forças de atrito
Fig. 11.10 – Lâminas retas de Miller (números 00, 0, 1 e 11/2) à
direita, em comparação com a lâmina curva de Macintosh número e viscoelástica. A ocorrência de doença pulmonar
2 à esquerda. invariavelmente representa um aumento das for-
ças que se opõe ao movimento dos gases, exigindo
níveis elevados de esforço por parte do paciente e
predispondo à ocorrência de fadiga muscular29.
Nessa situação, é indicado o uso de equipamen-
tos – ventiladores artificiais – capazes de “bombear”
os gases para dentro dos pulmões, de forma cíclica,
permitindo intervalos para que o volume inspirado
seja exalado passivamente30. Essa forma de ventila-
ção, utilizando pressão positiva para bombear o gás
para o interior dos pulmões, é a mais u­sual, embora
existam equipamentos capazes de gerar uma pres-
são negativa. Na ventilação com pressão negativa,
Fig. 11.11 – Detalhe de secção transversa em forma de “Z” da lâmina
a pressão é aplicada ao redor da caixa torácica do
de Macintosh em comparação com a forma de “C” da lâmina de Miller. paciente, através de coletes rígidos, promovendo a

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expansão do tórax e a inspiração, entretanto essa et al., em 1934, fez do circuito fechado com absor-
forma não será abordada neste capítulo. vedor de CO2 um aparato essencial35. A evolução
O objetivo desta parte do capítulo é apresentar levou, inclusive, ao aparecimento do circulador de
uma análise do ponto de vista funcional dos venti- Revell, que consistia em turbina de sucção locali-
ladores artificiais. Para tanto, serão apresentados os zada no ramo inspiratório de um circuito circular,
conceitos básicos envolvidos na ventilação mecâni- possibilitando a utilização de grandes reservatórios
ca e a descrição funcional dos ventiladores a partir de absorvedores de CO2 de uso adulto em pedia-
dos modos de ventilação. Por meio da utilização de tria, pois o circulador eliminava a resistência das
exemplos numéricos pretende-se fornecer ao leitor válvulas unidirecionais e oferecia fluxo de gás, livre
um guia para o entendimento dos modos de opera- de CO2, ao paciente36.
ção dos ventiladores modernos e sua inter-relação No Canadá, Digby Leigh, Stephen e Slater, em
com a mecânica respiratória do paciente. 1948, introduziram as válvulas unidirecionais37,38.
Elas foram criadas para evitar altos fluxos de gases
Histórico frescos necessários para prevenir a diluição com ar
ambiente quando se utilizava sistema com “peça
O desenvolvimento dos equipamentos para T” em crianças maiores. Fluxos de gases iguais ao
anestesia pediátrica tem passado por muitas fases, volume-minuto eram suficientes, mas as válvulas
influenciado pelas mudanças nos equipamentos acrescentavam resistência à respiração e não era fá-
disponíveis para anestesia em adultos e pelo apare- cil a assistência à respiração do paciente.
cimento de novos agentes anestésicos. Em 1950, Gordon Jackson Rees modificou o
O início remonta ao século XIX, quando Skin- sistema com “peça T” de Ayre com o aumento do
ner introduziu a máscara para anestesia com cloro- tubo reservatório e adicionando bolsa-reservató-
fórmio em 1862. Esta foi adaptada pelo cirurgião rio, que permitiu que a respiração da criança fosse
militar alemão Esmarch e posteriormente por Curt controlada pela compressão da bolsa39. Esse siste-
Schimmelbusch em 189031. Em 1909, Meltzer e ma foi classificado como Mapleson D ou F. Nessa
Auer, do Instituto Rockfeller de Nova York descre- mesma década, houve a introdução do halotano
veram um método para “respiração contínua sem na prática clínica, e sua ação depressora respira-
movimentos respiratórios” por meio da colocação tória fez da assistência respiratória um objetivo a
de tubo de vidro na traquéia de animais32. Esse mé- ser alcançado.
todo foi logo explorado e desenvolvido para apli- Quando a primeira edição de Ventilação Auto-
cação em seres humanos, das onde derivou o início mática para os Pulmões, de Mushin et al., apareceu
do controle das vias aéreas. em 1959, o paciente e os ventiladores pediátricos
Entre 1928 e 1932, Ivan Magill desenvolveu não foram mencionados40. Os modelos Bennett
seu sistema respiratório conhecido atualmente PR1A e BIRD Mark 7 com objetivos de terapia
como sistema de Mapleson A, para facilitar aneste- respiratória e controle da respiração do paciente
sia inalatória com éter/oxigênio/óxido nitroso em se tornaram disponíveis em 1957. Na ausência
caso de cirurgia maxilofacial33. Phillip Ayre promo- de equipamentos mais adequados, eles foram uti-
veu mudanças no sistema de Magill, removendo lizados como ventiladores no pós-operatório de
a bolsa-reservatório e a válvula expiratória, com o cirurgias cardíacas pediátricas para correções de
surgimento do que hoje é conhecido como sistema defeitos do septo atrial e ventricular. Esses venti-
respiratório com “peça T” Mapleson E34. ��������
A intro- ladores eram ciclados a pressão, então, conforme a
dução, na prática clínica, do dispendioso e explo- complacência pulmonar diminuía pela resposta in-
sivo gás anestésico ciclopropano por Ralph Waters flamatória da circulação extracorpórea, o aparelho

148 An e s t e s ia Pe diátrica

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diminuía o volume corrente administrado – o que níveis. Atualmente, esse número cresceu, mas não
não era fácil de detectar, pois não dispunham de há um consenso sobre o número exato de modelos
meios para determinar o volume corrente. Ajustes disponíveis no mercado, e os aparelhos de anestesia
regulares dos parâmetros do ventilador e ciclos ma- atuais se prestam para ventilar mecanicamente tan-
nuais para reexpandir os pulmões eram essenciais to RN quanto adultos.
para prevenir atelectasias.
Em 1962, Mushin et al. revisaram o problema Conceitos básicos
da ventilação automática em crianças41 e, em 1967,
quando a segunda edição de Ventilação Automática Sistema de ventilação
para os Pulmões apareceu, todo um capítulo foi re-
A partir de uma representação simplificada do
servado para problemas de ventilação automática
sistema respiratório e de um ventilador artificial
em crianças, com seis ventiladores pediátricos des-
(Fig. 11.12), é possível a descrição dos mecanismos
critos42. No momento da terceira edição de Ventila-
ção Automática para os Pulmões30, nove ventiladores básicos envolvidos na ventilação mecânica.
infantis ������������������������������������������
foram�������������������������������������
incluídos. �������������������������
Os parâmetros para venti- O modelo simplificado de ventilador é cons-
ladores pediátricos foram discutidos extensamente, tituído por uma válvula de fluxo, uma válvula de
e, em 1992, pelo menos 12 modelos de aparelhos exalação, transdutores de pressão e fluxo, painel de
para ventilação infantil e neonatal estavam dispo- controles e monitorização e circuito de controle.

VENTILADOR
Válvula
de
fluxo CIRCUITO RESPIRATÓRIO

Ramo inspiratório
PACIENTE

Válvula
de Rte
exalação Ramo expiratório

Rva
Transdutor
de pressão Pva
Cp

CPU Fluxo
Transdutor
de fluxo Cct

PAINEL
MONITOR DE
CONTROLES

Fig. 11.12 – Representação esquemática de um ventilador conectado ao paciente. A partir dos controles efetuados através do painel de con-
troles e da monitorização realizada pelos transdutores de pressão e fluxo, é realizado o controle das válvulas de fluxo e exalação através do
circuito de controle do ventilador. O ventilador inicia a fase inspiratória abrindo a válvula de fluxo e fechando a válvula de exalação. O paciente
é representado através das vias aéreas, dos pulmões e da caixa torácica. Rte = resistência do tubo endotraqueal; Rva = resistência da via
aérea; Cp = complacência pulmonar; Cct = complacência da caixa torácica.

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A válvula de fluxo do modelo apresenta a via sobre um bocal controla a abertura e o fechamento
de entrada ligada a uma fonte de ar e/ou oxigênio. do ramo expiratório. O movimento do diafragma
A pressão de alimentação das válvulas de fluxo se também é realizado por um motor de passo con-
situa geralmente em torno de 1 a 1,5 atmosfera. trolado pelo microprocessador. Também no caso
Internamente, uma esfera atuando sobre uma sede da válvula de exalação, existem diversas possibilida-
controla a abertura da passagem do gás. A posição des construtivas, dependendo do ventilador (Fig.
da esfera em relação à sede define o fluxo inspira- 11.14).
tório. O movimento da esfera é realizado por um Os sinais de pressão e fluxo são medidos na saída
motor de passo controlado por microprocessador. do “Y” do circuito respiratório, onde é conectado
Existem diversos modelos construtivos de válvulas o tubo endotraqueal, que se constitui na interface
de fluxo disponíveis nos ventiladores modernos paciente-ventilador.
(Fig. 11.13). A medição de pressão é realizada por um trans-
A saída da válvula de fluxo é ligada ao ramo ins- dutor de pressão, que transforma o sinal pneumá-
piratório do circuito do paciente. tico em sinal elétrico. Os transdutores de pressão
A extremidade do ramo expiratório é conectada atuais incorporam sensores de silício cujas proprie-
à válvula de exalação. A atuação de um diafragma dades elétricas são sensíveis à pressão.

MOTOR DE PASSO NÚCLEO TUBO FLEXÍVEL


A. B. C.

PINÇA
CAME BOBINA
Articulação

SAÍDA SAÍDA
ENTRADA ENTRADA
CAME

ESFERA ESFERA MOTOR DE PASSO

D.
2 4 8 16 32 64
BOBINA l/min l/min l/min l/min l/min l/min

NÚCLEO

ENTRADA
SAÍDA

Fig. 11.13 – Representação esquemática de diversos modelos construtivos de válvula de fluxo: A = Um motor de passo atuando sobre uma
esfera controla a abertura da passagem do fluxo. B = O acionamento da esfera, nesse caso, é realizado por um solenóide proporcional. C =
Um mecanismo tipo pinça, acionado por motor de passo, atua sobre um tubo flexível, controlando a área de passagem do fluxo. D = Uma série
de solenóides, calibrados com fluxos discretos, obedecendo à relação 2n, ao serem acionados (abertos) na combinação apropriada, permitem
ajustar o fluxo requerido. Por exemplo: fluxo 6 l/min = solenóides 2 e 4 l/min acionados; 50l/min = solenóides 2, 16 e 32 l/min acionados.

150 An e s t e s ia Pe diátrica

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MOTOR DE PASSO
A. B. BOBINA C. PEEP

SOLENÓIDE
CAME ÍMÃ

SAÍDA SAÍDA PIP

SAÍDA
Fluxo Fluxo
expiratório expiratório

D. Fluxo
expiratório
TUBO FLEXÍVEL PINÇA

ÍMÃ
BOBINA
Articulação

MOLA

Fig. 11.14 – Representação esquemática de diversos modelos construtivos de válvula de exalação: A = Um motor de passo atuando sobre
um diafragma flexível controla a abertura do ramo expiratório. B = O acionamento do diafragma é realizado por uma bobina eletromagnética.
C = Um solenóide comuta as pressões inspiratória e expiratória, provenientes de válvulas pneumáticas, que atuam sobre o diafragma. D =
Uma bobina eletromagnética aciona um mecanismo do tipo pinça, que controla a área de passagem de um tubo flexível.

A medição do fluxo pode ser realizada em di- o volume deslocado entre os instantes considera-
versos pontos do sistema. Existem ventiladores que dos. A integração do sinal de fluxo pelo micro-
realizam a medida de fluxo na saída da válvula de processador fornece o valor dos volumes inspira-
fluxo (fluxo inspiratório) e/ou na saída da válvula do e exalado.
de exalação (fluxo expiratório). Outros utilizam um A partir dos controles efetuados pelo painel
sensor no paciente, medindo tanto o fluxo inspira- de controles e pela monitorização realizada pelos
tório como expiratório. Os tipos de sensores mais transdutores de pressão e fluxo, é realizado o con-
utilizados para medição do fluxo são pneumota- trole das válvulas de fluxo e exalação pelo circuito
cógrafos, turbinas e anemômetros de fio aquecido de controle do ventilador.
(Fig. 11.15). O paciente é representado por meio das vias
A medida de volume é obtida através do si- aéreas, dos pulmões e da caixa torácica, cujas pro-
nal de fluxo. O fluxo representa a velocidade com priedades mecânicas serão discutidas ao longo des-
que um determinado volume de fluído está sen- te capítulo.
do movimentado. Realizando-se o somatório dos A ventilação mecânica é realizada por meio de
fluxos a cada instante, ou seja, calculando-se a ciclos ventilatórios, apresentando duas fases: ins-
integral do fluxo em relação ao tempo, obtém-se piratória e expiratória. De forma bastante simples,

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A. Pneumotacógrafo do Tipo Fleisch B. Pneumotacógrafo de Área Fixa C. Pneumotacógrafo de Área Variável
P1 P2
P1 P2 P1 P2

Fluxo Fluxo Fluxo

P1-P2 P1-P2 P1-P2

∆P Fluxo
R
Fluxo Fluxo Fluxo

D. Sensor do Tipo Turbina E. Sensor do Tipo Fio Aquecido


Sensor
óptico

Fluxo Rotação Fluxo Fluxo


∆ Tempo Fluxo

Aletas Pás da Fio de


defletoras turbina platina

Fig. 11.15 – Representação esquemática de diversos tipos de sensores de fluxo: A = Nos pneumotacógrafos, a passagem do fluxo por uma
restrição calibrada ocasiona uma queda de pressão. Essa queda de pressão, proporcional ao fluxo, é medida por um transdutor de pressão
diferencial. Nos pneumotacógrafos tipo Fleisch, que utilizam um arranjo de tubos de pequeno diâmetro em paralelo, a relação entre o fluxo e
a queda de pressão P1-P2 é linear. B = Nos pneumotacógrafos que utilizam uma restrição fixa de maior diâmetro, a relação pressão x fluxo
aumenta com o fluxo e exige a linearização através de algoritmos e/ou circuitos eletrônicos. C = A utilização de uma lâmina flexível, resul-
tando em uma área variável, aumenta a sensibilidade do pneumotacógrafo para baixos fluxos. D = A passagem do gás através de pás fixas
direcionadoras de fluxo causa a rotação das pás rotativas da turbina. A rotação é proporcional ao fluxo e/ou volume deslocado. Os sensores
de turbina apresentam pouca sensibilidade para baixos fluxos, influenciados pelo atrito e inércia, sendo mais utilizados para espirometria. E. A
passagem do fluxo por um fio de platina aquecido promove uma troca de calor. Por meio de um circuito de controle, a corrente elétrica através
do fio é aumentada de forma a manter a temperatura constante. A corrente de realimentação é proporcional ao fluxo.

o ventilador inicia a fase inspiratória abrindo a Os sinais de pressão, fluxo e volume podem ser
válvula de fluxo e fechando a válvula de exalação. representados graficamente, permitindo uma análi-
Nessa fase ocorre o enchimento dos pulmões, se detalhada do funcionamento do ventilador (Fig.
com o ventilador exercendo a pressão necessária 11.16) com um exemplo numérico:
para vencer o atrito nas vias aéreas e expandir os a. fluxo (l/min) x tempo (s): a válvula de fluxo é
pulmões. O final da fase inspiratória irá coincidir aberta no instante 1 seg. – início da fase inspi-
com o início da fase expiratória, com o ventila- ratória – e o fluxo atinge o valor de 30 l/min.
dor fechando a válvula de fluxo e abrindo a válvula O valor positivo indica que o fluxo é inspirató-
de exalação. Nessa fase ocorre o esvaziamento dos rio. O fluxo é mantido constante em 30 l/min
pulmões, e a força motriz é a própria pressão no até o instante 2 seg. Nesse instante, a válvula de
interior dos pulmões, ou seja, geralmente, a exa- fluxo é fechada, e o fluxo cai a zero (eixo hori-
lação é passiva. zontal). Simultaneamente, a válvula de exalação

152 An e s t e s ia Pe diátrica

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A B C
60
Inspiratório

PFI
30
Fluxo (l/min)
Expiratório

-30

-60 PFE

0,50
Volume (l)

Vi nsp Vexp Vexp < Vinsp


0,25

50

40
Ppico
Pressão (cmH2O)

30

20

10
PEEP
0

-10

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
T empo (s)
Ti nsp. Texp.
Freq. = 60s / Tciclo
Tc iclo I:E = 1: Texp. / Tinsp

Fig. 11.16 – Traçados das curvas de fluxo, volume e pressão indicando os principais parâmetros que podem ser extraídos da leitura gráfica.
Os instantes A e B correspondem ao início da fase inspiratória (abertura da válvula de fluxo e fechamento da válvula de exalação) e expiratória
(fechamento da válvula de fluxo e abertura da válvula de exalação) respectivamente.

é aberta – início da fase expiratória – e o gás o pulmão esvazia, diminui a pressão no seu in-
no interior dos pulmões é exalado pela própria terior e, conseqüentemente, o fluxo expiratório.
pressão no interior dos pulmões. O fluxo atinge O fluxo expiratório zero indica o esvaziamento
o valor máximo de -40 l/min, e o valor negativo total dos pulmões no instante 3 seg. No instante
indica que o fluxo é expiratório. À medida que 5 seg. é iniciado um novo ciclo;

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b. volume (l) x tempo (s): no instante 1 seg. é inicia- • tempo inspiratório (Tinsp) = 2s - 1s = 1s
do enchimento dos pulmões por meio do fluxo • tempo expiratório (Texp) = 4s - 2s = 2s
inspiratório de 30 l/min. O volume é definido • relação I : E = 1: Texp/Tinsp = 1: 2/1 = 1 : 2
como a integral do fluxo em relação ao tempo e
• período do ciclo ventilatório (Tciclo = Tinsp +
pode ser representado graficamente como a área
Texp) = 1s + 2s = 3s
da curva fluxo x tempo. O volume inspirado é a
área definida entre a curva de fluxo inspiratório • freqüência respiratória (Freq.) = 60s / Tciclo =
e o eixo do tempo, e o exalado é a área definida 60s / 3s = 20 ciclos/minuto
pelo fluxo expiratório. Como nesse caso o fluxo • fluxo inspiratório máximo = 30 l/min
é mantido constante, o volume aumenta line- • fluxo expiratório máximo = 40 l/min
armente até o valor de 0,5 l no instante 2 seg. • volume inspirado (Vinsp) = 0,5 l
Nesse instante, com o fechamento da válvula de
• volume exalado (Vexp) = 0,5 l
fluxo e a abertura da válvula de exalação, inicia-
se o esvaziamento dos pulmões, com o volume • pressão inspiratória máxima (pico) Pico = 25
retornando a zero no instante 3 seg. Durante a cmH2O
exalação o volume diminui de forma exponen- • pressão expiratória PEEP = 5 cmH2O
cial. Caso o volume exalado seja menor que o A partir dessa descrição sucinta do funciona-
inspirado, a curva não irá retornar a zero, refle- mento do ventilador artificial podem ser detalha-
tindo a diferença entre os dois valores; das as propriedades do sistema respiratório e sua
c. pressão (cmH2O) x tempo (s): com o início do inter-relação com as variáveis envolvidas na venti-
fluxo inspiratório no instante 1 seg., ocorre um lação: resistência das vias aéreas e complacência do
aumento abrupto de pressão na via aérea, cor- sistema respiratório versus pressão, fluxo e volume.
respondendo à pressão necessária para vencer o
atrito e movimentar os gases pelas vias aéreas. Resistência das vias aéreas
À medida que ocorre a expansão dos pulmões Resistência através de um tubo
e a distensão das estruturas viscoelásticas, ocor-
re um aumento proporcional de pressão, ne- Para se movimentar um sólido sobre uma super-
cessária para vencer as forças viscoelásticas. A fície é necessária a aplicação de uma força suficien-
pressão atinge seu valor máximo no instante 2 te para vencer as forças de atrito. Da mesma forma,
seg., quando ainda existe fluxo inspiratório e os para que o ar e/ou oxigênio se movimente pelas
pulmões atingiram o volume máximo durante o vias aéreas é necessário que exista uma diferença de
ciclo. A pressão retorna ao valor inicial – linha pressão positiva na direção do movimento. O fluxo
de base – durante a exalação. A pressão da li- de gás irá se estabelecer em função dessa diferença
nha de base, durante a fase expiratória, pode de pressão, e seu sentido será do ponto de maior
ser mantida acima da pressão atmosférica, por para o de menor pressão. A pressão é a força motriz
meio do controle da válvula de exalação, ou do fluxo.
seja, a válvula de exalação pode permanecer par- A descrição de um experimento utilizando um
cialmente fechada, impedindo a saída de todo o tubo endotraqueal, um manômetro ou transdutor
volume de gás do interior dos pulmões. Nesse de pressão e um fluxômetro facilita o entendimen-
caso, a pressão expiratória é mantida positiva to do conceito da resistência (Fig. 11.17).
(PEEP – Positive End Expiratory Pressure). O fluxômetro está conectado ao tubo endotra-
Pela análise gráfica pode-se determinar, utilizan- queal, no ponto usualmente conectado ao ventilador.
do os dados do exemplo: Através de um “T” é realizada a medida da pressão

154 An e s t e s ia Pe diátrica

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A
Fluxo Entrada do tubo

Tubo
endotraqueal
120 B
PA Saídado
100 tubo

Fluxômetro 80 PB = Patm = 0
15
60 10 20
Pressão
40 5 25

0 30
20 cm H 2 O

Ar/oxigênio Manômetro
3,5 atm

Fig. 11.17 – Representação esquemática do arranjo para medida de resistência de um tubo endotraqueal. Para cada fluxo ajustado no fluxô-
metro, é realizada a medida de pressão na entrada do tubo endotraqueal (ponto A) utilizando-se um manômetro ou transdutor de pressão.

nesse mesmo ponto A, utilizando-se o transdutor de • as pressões medidas em dois pontos distintos do
pressão. A outra extremidade do tubo, ponto B, está tubo são diferentes quando existe um fluxo através
aberta, ou seja, a pressão no ponto B é a pressão at- do tubo. A pressão diminui no sentido do fluxo;
mosférica. O experimento é conduzido ajustando-se • a diferença de pressão entre dois pontos do tubo
diversos fluxos e medindo-se a diferença de pressão é maior para fluxos mais elevados.
entre os pontos A e B. Como a pressão no ponto B é A diferença de pressão entre os pontos A e B é
a pressão atmosférica (PB = 0), a diferença de pressão a força motriz que movimenta os gases pelo tubo,
entre os dois pontos (PA-PB) é a própria pressão me- vencendo as forças de atrito.
dida pelo transdutor no ponto A (PA). Foram obtidos
A relação entre a diferença de pressão entre dois
os seguintes valores experimentais (Tabela 11.5):
pontos de um tubo, ou via aérea, e o fluxo atra-
vés do mesmo representa a resistência da via aérea
Tabela 11.5 – Medida de pressão com diferentes fluxos (Rva) entre os dois pontos.
Fluxo (l/min) PA-PB (cmH2O)
Rva = (PA-PB)/Fluxo
20 0,5
PA: Pressão na entrada do tubo endotraqueal (cmH2O)
40 1,5 PB: Pressão na saída do tubo endotraqueal (cmH2O)
Fluxo: Fluxo (L/s)
60 3,0 Obs.: 60 l/min = 1 l/s
80 5,0
Para o tubo do experimento pode ser calculada
100 8,0 a resistência para cada fluxo ensaiado.
120 11
Rva = (PA-PB) /Fluxo
Para fluxo = 20 l/min; (PA-PB)= 0,5 cmH2O
Os dados obtidos com esse experimento reve- 20 l/min = 20/60 l/s = 1/3 l/s
lam que: Rva → 20 l/min = 0,5 cmH2O/0,33 l/s = 1,5 cmH2O/l/s

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Calculando-se Rva para os demais fluxos, ob- As constantes K1 e K2 representam os compo-
tém-se (Tabela 11.6): nentes da resistência para fluxo laminar e turbu-
lento.
Tabela 11.6 – Resistência de vias aéreas com
diferentes fluxos Para o caso do tubo endotraqueal do experimen-
to foram obtidos, por regressão linear, os seguintes
Fluxo (l/min) Rva (cmH2O/l/s)
valores: K1 = 0,6 e K2= 2.
20 1,50
Do ponto de vista prático, o mais usual é deter-
40 2,25 minar a resistência a um determinado fluxo. Ao se
60 3,00 proceder dessa forma, deve-se lembrar que o valor
80 3,75
da resistência relaciona exclusivamente a queda de
pressão ao fluxo utilizado. Não é correto determi-
100 4,8
nar-se o valor de resistência para um valor de flu-
120 5,5 xo e utilizá-la indistintamente para outros valores.
Conforme visto para o tubo endotraqueal, é ne-
cessária a utilização de diversos pontos na faixa de
Verifica-se que a resistência calculada não é
constante e aumenta com a elevação do fluxo. Esse fluxos possíveis para determinar-se uma equação
aumento de resistência em função do fluxo é ex-
plicado pela natureza do fluxo que se estabelece no
tubo (Fig. 11.18).
PA B
PB
Para fluxos menores, as moléculas dos gases
Fluxo laminar: PA -PB = Rva . Fluxo
movimentam-se em camadas concêntricas. A ca-
mada em contato com a parede do tubo apresenta
velocidade zero, e as demais deslizam entre si, em
um movimento ordenado, obedecendo ao mesmo
sentido e direção, alcançando velocidade máxima
no centro do tubo. Esse tipo de fluxo é denomi-
Aderência Velocidade das
nado laminar e, nesse caso, as forças de atrito são
moléculas do gás
resultantes do movimento relativo das moléculas
do gás, resultando em uma espécie de resistência Fluxo turbulento: PA -PB = k1 . Fluxo + k2 . Fluxo2
intrínseca do gás, em função de sua viscosidade.
Com o aumento do fluxo, as moléculas do gás
apresentam uma movimentação desordenada, em
trajetórias distintas. Nesse caso, além da viscosida-
de, também influem na resistência ao fluxo a den-
sidade do gás e o atrito com as paredes do tubo. Velocidade das
Esse é o caso mais comum, presente inclusive no moléculas do gás
sistema respiratório. Fig. 11.18 – Representação dos fluxos laminar e turbulento em um
tubo. No fluxo laminar, as moléculas dos gases movimentam-se em
No caso de fluxo turbulento, a equação que re-
camadas concêntricas. A camada em contato com a parede do tubo
laciona a queda de pressão entre dois pontos de um apresenta velocidade zero, e as demais deslizam entre si, em um
tubo e o fluxo através dela é dada pela equação de movimento ordenado, obedecendo ao mesmo sentido e direção,
alcançando velocidade máxima no centro do tubo, que apresenta
Rohrer:
um perfil parabólico. No fluxo turbulento, as moléculas do gás apre-
PA-PB = K1.Fluxo + K2 Fluxo sentam uma movimentação desordenada, em trajetórias distintas, e
o perfil de velocidades apresenta-se achatado.

156 An e s t e s ia Pe diátrica

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que descreva adequadamente o comportamento re- No paciente em ventilação mecânica a pressão
sistivo da via aérea. é medida antes do tubo endotraqueal. Portanto,
os valores medidos de resistência utilizando-se a
Resistência do sistema respiratório pressão inspiratória proximal, referida como pres-
são na via aérea (Pva), é na realidade a soma das
A mesma relação entre pressão e fluxo encon-
resistências do tubo endotraqueal e das vias aéreas
trada no tubo endotraqueal é válida para o sistema
do paciente:
respiratório, ou seja, para as vias aéreas naturais.
No caso do sistema respiratório, os pontos ex- Rva = Rva.tubo + Rva.paciente = (Pva-Palv)/Fluxo
tremos podem ser considerados como a pressão na
boca ou, no caso do paciente em ventilação mecâ- A soma das resistências do tubo endotraqueal
nica, a traquéia (Ptr) e a pressão intrapulmonar em e do sistema respiratório se constitui na própria
nível alveolar (Palv). Conhecendo-se as pressões resistência das vias aéreas (Rva). A diferença de
traqueal e alveolar para um determinado fluxo, é pressão entre a entrada do tubo endotraqueal e a
possível calcular resistência das vias aéreas do pa- alveolar (Pva-Palv) é denominada pressão resistiva
ciente. (Pres). A resistência das vias aéreas pode então ser
Considerando a fase inspiratória, com um fluxo simplificada:
inspiratório constante, pode ser utilizada a fórmula
da resistência do tubo endotraqueal, onde PA = Ptr Rva = Pres/Fluxo
e PB= Palv:

Rva = (Ptr-Palv)/Fluxo Complacência

Por exemplo, se durante a fase inspiratória, Complacência do sistema respiratório


com um fluxo de 30 l/min, a pressão traqueal fosse O aumento do volume pulmonar durante a fase
15 cmH2O e a pressão alveolar 5 cmH2O, resultaria: inspiratória ocasiona uma expansão dos pulmões e
conseqüentemente da parede torácica, distenden-
30 l/min = 30/60 l/s = 0,5 l/s
Rva = (15-5) cmH2O/0,5 l/s = 20 cmH2O/l/s do as estruturas elásticas do sistema respiratório.
Analogamente a um sistema de molas, essa estrutu-
As mesmas considerações feitas para o tubo en- ra elástica irá exercer uma força contrária e propor-
dotraqueal em relação ao fluxo laminar e turbulen- cional à deformação, por sua vez proporcional ao
to se aplicam para o sistema respiratório. Além dis- volume inspirado. Essa força elástica, distribuída
so, nem sempre dispomos de fluxo constante. Por pela superfície do pulmão, irá gerar uma pressão
exemplo, para estimarmos a resistência expiratória, intrapulmonar positiva. A relação entre o volume
dispomos de um fluxo decrescente, e conseqüen-
inspirado e a variação de pressão no interior dos
temente irão ocorrer alterações de resistência no
pulmões representa a complacência do sistema res-
decorrer da fase expiratória. Pela natureza elástica
piratório (Fig. 11.19).
das via aéreas, também irão ocorrer alterações de-
correntes da própria deformação das vias aéreas. Na presença de pressão expiratória positiva
Apesar da importância das considerações apre- PEEP, a variação de pressão resultante do aumento
sentadas, para os objetivos deste capítulo é suficien- do volume é a pressão alveolar subtraída do PEEP:
te entender a relação entre os gradientes de pressão
Csr = Volume/(Palv-PEEP) l/cmH2O
e o fluxo ao longo das vias aéreas.

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Volume (L)

Cp Complacência:
Cs r = tg α = Palv-PEEP
Palv Volume

Vo lume
Cct

α
Palv - PEEP

0 10 20 30 40 50
PEEP Pressão
1/Csr=1/C p + 1/Cct alveolar
30
(cmH2O)
20 40
Pressão
10 50

0 60
cm H 2 O

Fig. 11.19 – Representação de um arranjo para determinação da relação entre o volume inspirado e a variação de pressão no interior dos
pulmões, definida como complacência do sistema respiratório. A medida da pressão deve ser realizada em condições estáticas (fluxo zero). A
curva pressão x volume representa a curva de complacência do sistema respiratório (pulmão e parede torácica). A inclinação da curva em um
determinado ponto determina a complacência para o volume considerado. Pelo traçado do exemplo, observa-se que, para volumes baixos, a
inclinação da curva, ou seja, a complacência, é menor.

O aumento de pressão intrapulmonar (Palv- Ou seja, nesse caso, um aumento de volume de


PEEP) devido ao volume inspirado se constitui na 50 ml ocasiona elevação de 1 cmH2O no interior
pressão elástica (Pel), relativa ao volume. A com- dos pulmões.
placência do sistema respiratório pode então ser Inversamente, considerando a complacência de
simplificada: 0,05 l/cmH2O e PEEP 5 cmH2O, para um volume
inspirado de 0,75 l, a pressão no interior dos pul-
Csr = Volume/Pel
mões resultaria em:
Por exemplo, se durante a ventilação, com PEEP
de 5 cmH2O e volume corrente de 0,5 l, a pressão Palv = Vol (l) / Crs (l/cmH2O) + PEEP(cmH2O) = 0,75 l/0,05
l/cmH2O = 15 + 5 = 20 cmH2O
alveolar no final da inspiração fosse 15 cmH2O,
resultaria o seguinte valor de complacência: Da mesma forma que a resistência, a compla-
cência não apresenta um valor constante. Altera-
Csr = 0,5 l /(15-5) cmH2O = 0,05 l/cmH2O
ções da complacência podem ocorrer em função

158 An e s t e s ia Pe diátrica

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de um maior ou menor recrutamento alveolar, Ccirc = Volume/Pva = 100 ml/20 cmH2O = 5 ml/cmH2O
propiciado, por exemplo, pela utilização da PEEP.
A utilização de volumes elevados pode causar uma Isso significa que, durante a ventilação mecâni-
hiperinsuflação dos pulmões, com diminuição da ca, 5 ml de volume permanecerão no circuito para
complacência por restrição imposta pela parede cada 1 cmH2O de pressão na via aérea. Ou seja, se
torácica. durante a ventilação a pressão inspiratória atingisse
15 cmH2O, o volume perdido no circuito seria:
Complacência do sistema de ventilação
Volume perdido = Ccirc. x Pva = 5 ml/cmH2O x 15 cmH2O = 75 ml
Além da complacência do sistema respiratório,
incorporando a parede torácica e os pulmões, o pró- O efeito da complacência do sistema de ventila-
prio ventilador, juntamente com o circuito respira- ção deve ser avaliado principalmente na ventilação
tório, apresenta uma complacência intrínseca, cujo de pacientes com complacência reduzida, princi-
efeito poderá interferir na ventilação mecânica. palmente crianças. Nesse caso, o circuito deve ser
O circuito do ventilador é formado por tubos, aperfeiçoado, reduzindo-se o comprimento e diâ­
muitas vezes flexíveis, e volumes compressíveis, metro dos tubos, empregando-se materiais com
como os reservatórios de umidificação. Nos casos pouca distensibilidade e reduzindo-se os volumes
de ventiladores utilizados em anestesia, incorpo- compressíveis.
rando foles ou bolsas de reinalação, a complacên- Quando a medida da complacência é efetuada
cia do sistema de ventilação apresenta valores sig- no paciente conectado ao ventilador, é importan-
nificativos. O efeito dessa complacência intrínseca te verificar onde está sendo realizada a medida do
irá depender do modo de ventilação utilizado. Por volume.
exemplo, se a modalidade ventilatória empregada Se o volume considerado nos cálculos é o volu-
fornece um volume predeterminado ao paciente, me medido no ramo expiratório do circuito, então
parte desse volume pode ficar comprimido no pró- a complacência medida incorpora o circuito do pa-
prio circuito, não participando da ventilação, o ciente. Nesse caso, para determinar a complacência
que diminui o volume corrente efetivo. do paciente, deve-se descontar do valor obtido a
Para se calcular a complacência intrínseca do complacência do circuito.
sistema de ventilação é necessário insuflar um vo- Se o volume utilizado nos cálculos de com-
lume predeterminado no interior do circuito, obs- placência é medido por um sensor diretamente
truindo todas as suas saídas, e verificar a variação posicionado na entrada do tubo endotraqueal,
de pressão resultante. De forma prática, isso pode então o valor obtido é a própria complacência do
ser realizado obstruindo-se a saída do “Y” do cir- paciente.
cuito e certificando-se de que não existam vaza-
mentos, selecionando a modalidade ciclada a volu- Equação do movimento
me, ajustando-se um volume em torno de 100 ml e
um fluxo de 10 l/min, geralmente disponíveis nos A partir das definições de resistência e compla-
ventiladores. Deve-se então observar qual a pressão cência é possível relacionar as propriedades do sis-
inspiratória Pva obtida no interior do circuito e re- tema respiratório e do sistema de ventilação com as
alizar o cálculo da complacência. pressões, fluxos e volumes desenvolvidos durante a
Por exemplo, supondo que a pressão na via aé- ventilação.
rea ao final da inspiração fosse 20 cmH2O, a com- Retornando ao modelo do sistema de ventilação
placência do circuito seria: (Fig. 11.12), a pressão na via aérea (Pva) é medida

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na entrada do tubo endotraqueal. Durante a fase Paciente 1: Pva = 20 . 0,5 + 0,25 / 0,025 +5 =
inspiratória, considerando-se o paciente em venti- 10 + 10 + 5 = 25 cmH2O
lação controlada, sem esforço inspiratório, o valor Paciente 2: Pva = 40 . 0,5 + 0,25 / 0,05 + 5 =
20 + 5 + 5 = 30 cmH2O
da Pva irá incorporar tanto a componente resistiva
(Pres) como a componente elástica (Pel). Conside- 3. no final da fase inspiratória, no instante 2s, o
rando-se que o volume é medido na mesma po-
volume atingiu 0,5 l, e a válvula de fluxo ainda
sição, ou seja, é o volume efetivamente inspirado
está aberta:
pelo paciente, temos:
Pva = Pres + Pel + PEEP = Rva . Fluxo + Volume/Csr + PEEP Paciente 1: Pva = 20. 0,5 + 0,5/0,025 + 5 =
10 + 20 + 5 = 35 cmH2O
A partir dessa equação, a curva de pressão pode Paciente 2: Pva = 40 . 0,5 + 0,5/0,05 + 5 =
ser mais bem descrita utilizando-se os conceitos de 20 + 10 + 5 = 35 cmH2O
resistência e complacência.
Esse exemplo ilustra a situação em que dois pa-
Considerando como exemplo dois pacientes cientes com mecânicas respiratórias distintas apresen-
com mecânicas respiratórias distintas, temos:
tam o mesmo valor de pressão na via aérea (Pva) ao
final da inspiração, ou pressão de pico (Ppico). Entre-
Paciente 1: R1 = 20 cmH2O/l/s; C1 = 0,025 l/cmH2O
Paciente 2: R1= 40 cmH2O/l/s; C2=0,05 l/cmH2O tanto, no paciente 1, a pressão de pico (Ppico) é com-
posta de 10 cmH2O de pressão resistiva e 20 cmH2O
Utilizando os mesmos parâmetros ventilatórios de pressão elástica, além da PEEP, ou seja, a pressão
do exemplo (volume de 0,5 l, fluxo inspiratório cons- intrapulmonar no paciente 1 é de 25 cmH2O.
tante de 30 l/min e PEEP de 5 cmH2O), obtêm-se No paciente 2, a pressão resistiva é de 20 cmH2O
os seguintes traçados de pressão (Fig. 11.20): e a elástica é de 10 cmH2O, resultando em uma
1. no instante 1s a válvula de fluxo é aberta, li- pressão intrapulmonar de 15 cmH2O, inferior à do
berando um fluxo de 30 l/min pelas vias aéreas. paciente 1.
Nesse instante, o volume inspirado ainda é zero e a A simples verificação do pico de pressão (Ppico)
pressão na via aérea: não reflete corretamente os níveis de pressão a que
efetivamente estão submetidos os alvéolos durante
Pva = Rva.Fluxo + Volume/Csr + PEEP a ventilação.
Paciente 1: Pva1= 20 cmH2O/l/s . 0,5L/s +
0l / 0,025l/cmH2O + 5 cmH2O 4. o início da fase expiratória ocorre através do
Pva1= 15 cmH2O fechamento da válvula de fluxo e da abertura da
Paciente 2: Pva2= 40 cmH2O/l/s . 0,5l/s + válvula de exalação. Durante a fase expiratória,
0l/ 0,05l/cmH2O + 5 cmH2O supondo uma válvula de exalação ideal, que não
Pva2= 25 cmH2O ofereça resistência ao fluxo, ocorre uma rápida
despressurização do circuito, e a pressão na via aé-
2. no instante 1,5s a válvula de fluxo permanece rea se reduz ao valor da PEEP programada. Nesse
aberta. Nesse instante o volume inspirado atingiu instante, inverte-se o sentido do fluxo, ou seja, a
250 ml. Portanto, a pressão elástica Pel no interior pressão intrapulmonar é maior que a pressão na via
dos pulmões aumentou. Como o fluxo foi manti- aérea (Pva). A força motriz do fluxo expiratório é
do constante e considerando-se que não ocorreram a própria pressão elástica no interior dos pulmões.
mudanças nas resistências das vias aéreas, a pres- No caso do paciente 1, a pressão elástica atingiu
são resistiva Pres também permaneceu constante. 20 cmH2O e, no paciente 2, 10 cmH2O. Essa é a
Calculando-se a pressão na via aérea para essa nova pressão disponível para movimentar os gases pelas
situação, temos: vias aéreas. Supondo que a resistência expiratória

160 An e s t e s ia Pe diátrica

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Inspiratório 60 Paciente 1: R1 20; C10,025 Paciente 2: R2 40; C20, 05

30
Fluxo (l/min)

PFE2
Expiratório

-30

PFE1
-60
T1=R1.C1 T2=R2.C2
0,50
Volume (l)

0,25 36,8% Vinsp 36,8% Vinsp

50 Pres= Rva. Fluxo


Pel= Volume/Csr
40
Pressão (cmH2O)

30 Pres 1= 10 cmH2O Pres 2= 20 cmH2O


Pel 1= 20 cmH2O
20 Pel 2= 10 cmH2O
10
0
-10

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Tempo (s)

Fig. 11.20 – Traçados das curvas de fluxo, volume e pressão para dois pacientes com mecânicas respiratórias distintas. No exemplo foram
utilizados fluxo inspiratório (30 l/min) e volume (0,5 l) constantes. Pode-se observar que, apesar de apresentarem o mesmo pico de pressão,
as pressões alveolares nos dois pacientes são diferentes. Além disso, no paciente 2, em virtude de uma constante de tempo maior, a exalação
ocorre de forma mais lenta, com o pico de fluxo expiratório menor.

seja igual à inspiratória, a equação do movimento Paciente 1:


irá determinar o fluxo expiratório no início da ex- Fluxo exp1 = Volume/Csr/Rva = 20 cmH2O/20 cmH2O/l/s =
piração: 1 l/s = 60 l/min

Pva=Pres + Pel + PEEP Paciente 2:


Pres = Pel
Rva.Fluxo exp. = Volume/Csr Fluxo exp2 = 10 cmH2O/40 cmH2O/l/s = 0,25 l/s = 15 l/min

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Ventilação controlada à pressão e, em menor grau, da complacência da via aérea e
da parede torácica. Com a diminuição desta (en-
Debate-se, há muitos anos, os méritos da mo- rijecimento pulmonar), a pressão determinada é
dalidade de ventilação controlada a volume versus atingida mais rapidamente durante a compressão
pressão na ventilação mecânica de neonatos43. Ne- do gás, e o volume residual é liberado para a atmos-
nhum estudo, entretanto, demonstrou clara supe- fera. Como resultado, o volume corrente diminui
rioridade de uma forma de terapia sobre a outra e, se a ventilação está inadequada, deve-se compen-
para todos os tipos de doenças respiratórias neo- sar essa perda de volume pelo aumento do pico de
natais. Cada tipo de modalidade pode promover pressão inspiratório.
suporte apropriado se há compreensão dos prin-
cípios básicos de fisiologia que dão embasamento Vantagens da modalidade controlada a pressão
científico para a ventilação mecânica.
Como já citado anteriormente, a modalidade 1. Pode-se usar simples fluxômetros ou medi-
ventilatória controlada a volume oferta o mesmo dores de pressão para monitorizar a oferta de gás.
volume corrente a cada inspiração. Áreas pulmona- Ventiladores construídos para funcionar somente
res atelectasiadas por colapso ou obstrução de vias nessa modalidade apresentam maior simplicidade
no projeto, operação por meio de fonte de pressão
aéreas necessitam de altas pressões de abertura, as
em alguns modelos (sem partes elétricas) e custo
quais podem ser atingidas com esse modo ventila-
pequeno. Ventiladores que trabalham no modo de
tório. Porém, a maioria desse volume é direciona-
ventilação controlada a volume, em comparação,
da, preferencialmente, para segmentos pulmona-
necessitam de pistão ou ventilômetros para ajus-
res que permanecem parcialmente inflados e mais tar o tempo inspiratório, além dos medidores de
complacentes. Conseqüentemente, apesar de ofe- pressão. Esses aparelhos têm maior complexidade
recer volume corrente mais confiável, pode haver de suas partes, o que representa maior custo. Nas
distensão excessiva das áreas pulmonares saudáveis unidades mais modernas, com capacidade para
e escapes de ar. Além disso, nessa modalidade, pode trabalhar com os dois tipos de modalidades, além
haver perda de ar ao redor dos tubos endotraque- de algumas ainda com disponibilidade de SIMV
ais neonatais, pois estes, em sua grande maioria, (ventilação sincronizada mandatória intermitente-
não são dotados de balonetes para vedação. Novos mente), há um grande aumento da complexidade e
monitores ventilatórios podem medir a quantida- dos custos. A desvantagem na complexidade e nos
de desse volume perdido pela comparação do fluxo custos, entretanto, é compensada pela maior flexi-
respiratório e expiratório por meio de adaptador bilidade no uso clínico.
no tubo endotraqueal. Em adição, em doenças nas 2. A modalidade controlada a pressão apresenta
quais há mudança ou migração de atelectasias (por operação mais simples. Como resultado, toda equi-
exemplo, displasia broncopulmonar) com cons- pe pode ser treinada para compreender os princí-
tantes mudanças de complacência, a presença de pios básicos dessa terapia com maior facilidade.
volume corrente confiável pode prevenir episódios A pressão ofertada ao paciente pode ser prontamen-
de dessaturação de oxigênio que ocorrem com fre- te lida no medidor. Quando se utiliza a ventilação
qüência. Entretanto, existe grande dificuldade no controlada a volume, as complacências do ventila-
desenvolvimento de sensores de fluxo precisos o dor e dos tubos devem ser conhecidas e calculadas
suficiente para liberar volumes correntes tão baixos para o volume, ou deve ser feita uma estimativa
quanto os presentes em recém-nascidos. para se obter o volume selecionado e administrado
Com a modalidade de ventilação controlada a ao paciente. Os cálculos envolvidos são complexos
pressão, o volume de gás que atinge os espaços aé- e dificultam a compreensão rápida para os profis-
reos terminais depende da complacência pulmonar sionais em treinamento.

162 An e s t e s ia Pe diátrica

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3. A pressão de pico inspiratória está diretamen- com pressão muito menor. O medidor de pressão e
te relacionada com a possibilidade do aparecimen- a válvula pop off previnem que a pressão exceda 50
to de escape de ar e doença crônica pulmonar do a 70 cm H2O. O ventilador é ciclado pela abertura
recém-nascido44. O uso criterioso dessa pressão, e fechamento da válvula expiratória, a qual previne
em monitorização constante, pode ajudar na redu- o acúmulo de CO2 no circuito.
ção dessa complicação.
4. Como a mesma pressão é administrada à Controles do ventilador
criança em cada ciclo respiratório, não há necessi-
Os controles do ventilador, que são encontrados
dade de revisões constantes, pois o risco reside na
na maioria dos ventiladores controlados a pressão,
alteração da complacência durante a doença.
incluem:
Esquema básico do ventilador
1. concentração de O2 inspirado (FiO2);
2. pico de pressão inspiratória;
A Fig. 11.21 mostra o diagrama de um sistema 3. pressão positiva no final da expiração (PEEP);
básico utilizado em ventilador infantil controla-
4. freqüência respiratória;
do a pressão. A fonte de pressão é ar, oxigênio ou
ambos comprimidos, de uma fonte da parede para 5. fluxômetro;
câmara A. Um fluxômetro entre as câmaras A e B 6. tempo inspiratório, tempo expiratório ou rela-
regula o fluxo de ar para a câmara B, a qual opera ção inspiração/expiração.
Desses controles, a pressão média de vias aére-
as e curva respiratória podem ser selecionadas in-
Ar 50 PSI
diretamente. Ventiladores mais modernos podem
Câmara A
mostrar as curvas respiratórias e ter os seguintes
Oxigênio 50 PSI controles adicionais:
1. fluxo de demanda;
2. exalação assistida;
Controle 3. respiração manual;
de fluxo
Câmara B 4. modos pressão/volume;
5. controles de alarme;
Válvula
6. ventilação assistida (freqüentemente com ajus-
de exalação tes de sensibilidade).
Válvula pop-off

Ramo inspiratório Ramo expiratório FiO2

O uso apropriado de O2 é altamente terapêutico


Barômetro
Paciente
na maioria dos casos de doenças cardiopulmonares
neonatais. Além do alívio da hipoxemia, há o efeito
Fig. 11.21 – Diagrama de sistema básico utilizado em ventiladores de vasodilatação pulmonar em casos de hiperten-
infantis à pressão. A fonte de pressão é ar e/ou O2 comprimido,
da parede para a câmara A. O fluxômetro entre as câmaras A e B
são pulmonar persistente45. A administração de O2
regula o fluxo de ar para a câmara B, a qual opera com pressão excessivo pode resultar em retinopatia da prematu-
muito menor. O barômetro e a válvula pop-off previnem que a pres- ridade46,47, com subseqüente lesão retiniana e perda
são ultrapasse 50-70 cmH2O. O ventilador é ciclado pela abertura e
fechamento da válvula expiratória, a qual previne o acúmulo de CO2
da visão ou displasia broncopulmonar48, levando
nas traquéias. PSI = libras por polegadas quadradas. ao aumento do O2 ou dependência do ventilador.

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Medidas acuradas do O2 administrado são impor-
tantes para neonatos que necessitam de terapia 98% 99%

Mudança na pressão (%)


100 95%
com o mesmo. 86
%
80

%
Pressão de pico inspiratória

63
60

40
Nos ventiladores ciclados a tempo e limitados a
20
pressão, a pressão de pico inspiratória é o fator pri-
0
mário utilizado para determinação do volume cor- 0 1 2 3 4 5 Tempo
rente. Na maioria dos ventiladores modernos, essa Constantes tempo
pressão pode ser selecionada de maneira direta pelo
médico, mas deve-se ter atenção, pois a pressão de Fig. 11.22 – Porcentagem de mudança na pressão em relação ao
pico inspiratória pode mudar se houver alterações tempo (em constantes tempo) para equilíbrio. Quanto mais tempo
é permitido para equilíbrio, porcentagem mais alta de mudança na
na taxa de fluxo ou na relação I:E. pressão ocorre. A mesma regra é válida para mudanças de volume.
Quando níveis iniciais da pressão de pico inspi-
ratória são selecionados, vários fatores fisiológicos
devem ser considerados: peso da criança, idade ges- vistos em pulmões saudáveis. Quando a constante
tacional e pós-natal, tipo e gravidade de doenças tempo do pulmão durante a inspiração ou expira-
associadas, complacência pulmonar, resistência de ção, entretanto, torna-se tão curta que o equilíbrio
vias aéreas e constante tempo do pulmão. A cons- de pressão não ocorre, pode haver a administração
tante tempo, a qual é o produto da complacência e de volumes não adequados ou retenção de ar com
resistência, refere-se à unidade de tempo necessária distensão pulmonar durante a expiração. Esse últi-
para a pressão alveolar alcançar 63% do total da mo fenômeno pode ser importante para o desen-
mudança de pressão na via aérea durante ventila- volvimento de síndromes de perda de ar durante a
ção com pressão positiva. A constante tempo pode ventilação neonatal49.
ser medida durante a inspiração e expiração. Se a Antes da conexão de qualquer paciente ao ven-
duração da inspiração for igual a uma constante tilador, a pressão inspiratória deve ser cuidadosa-
tempo, significa que 63% da variação de pressão mente checada para certificar-se de que ela não es-
da via aérea alcançou os alveólos, com entrada pro- teja insuficiente ou excessiva. O adaptador que se
porcional de volume de gás para os pulmões. Com conecta ao tubo endotraqueal deve ser ocluído, e a
tempo adicional de inspiração para maior equilí- pressão a ferida pelo ventilador observada, com rea­
brio de pressão (2 constantes tempo), um adicio- lização de ajustes se necessário. Após a conexão do
nal de 63% da pressão restante se equilibra [total = paciente ao ventilador, o pico de pressão inspirató-
86% → 63% + 63% x 37% restante] e um volume ria deve ser novamente verificado para garantir que
adicional equivalente de gás se segue. Após 3 a 5 não houve mudanças significativas das que foram
constantes tempo, pequenas alterações de pressões observadas antes da conexão. Caso haja alterações
adicionais ocorrem, e então a entrega de volume de superiores a 2-3 cm/H2O, deve-se considerar a
gás está praticamente completa (Fig. 11.22). possibilidade de perda de ar ou oclusões no sistema
Com reduções da complacência, há diminui- respiratório.
ção da constante tempo, e então o equilíbrio de A Tabela 11.7 enumera vantagens e efeitos cola-
pressão ocorre durante curtas inspirações e expi- terais das diferentes faixas de pressão. Barotrauma
rações. Inspiração e expiração, com deslocamento pode ser reduzido com o uso dos menores picos de
de volumes de gás para dentro e fora dos pulmões, pressão inspiratória, e a incidência de perdas de ar
ocorrem em períodos de tempo menores do que os e doenças crônicas pulmonares pode ser diminuí-

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Tabela 11.7 – Pressão de pico inspiratória

Baixa (≤ 30 cmH2O) Alta (≥ 30 cmH2O)

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Poucos efeitos colaterais, • Ventilação insuficiente pode • Pode reexpandir atelectasias • Associado com DBP e EPA
especialmente DBP e EPA não controlar a PaCO2 • Aumenta a PaO2 • Pode impedir o retorno venoso
• Desenvolvimento normal do • Pode haver baixa PaO2 • Diminui a PaCO2 • Pode diminuir o débito
pulmão pode ocorrer mais • Atelectasia generalizada pode • Diminui a RVP cardíaco
rapidamente ocorrer
DBP = displasia broncopulmonar; EPA = escape pulmonar de ar; RVP = resistência vascular pulmonar.

da50. Desenvolvimento de pulmões saudáveis pode paciente, da fisiopatologia das doenças que podem
ser também beneficiado por baixos picos de pressão estar envolvidas e dos objetivos do tratamento. Na
inspiratória, entretanto evidências recentes sugerem maioria das situações clínicas, parece ser o PEEP
que mesmo a distribuição de gás pelo pulmão pode ideal a pressão que, abaixo os volumes pulmona-
ser mais importante que baixas pressões. Ventilação res não são bem mantidos, e acima, os pulmões se
com alta freqüência parece diminuir o barotrau- tornam demasiadamente distendidos53. O PEEP
ma em extensão pela mudança na distribuição do selecionado pode ser alterado por outras variáveis
gás51. Deve-se utilizar pressões de pico inspirató- ventilatórias. Por exemplo, se o tempo expiratório
rias adequadas para a geração de volumes correntes é muito curto ou se a resistência da via aérea está
apropriados. Baixo volume corrente conseqüente à aumentada, um grau inadvertido de PEEP pode
baixa pressão de pico inspiratória pode reduzir o ser gerado e adicionado ao nível selecionado54. Esse
volume minuto, ocasionando elevadas tensões de PEEP inadvertido em algumas situações pode con-
CO2 arterial (PaCO2) e hipoxemia. tribuir para a retenção de gás e aumento do poten-
Altas pressões de pico inspiratórias devem, ge- cial para escapes de ar.
ralmente, ser evitadas pelo risco de lesões, como O PEEP estabiliza e recruta volumes pulmona-
pneumotórax e enfisema intersticial pneumome- res, melhora a complacência (até determinado pon-
diastino52. Além disso, pressões intratorácicas ele- to, após o qual a complacência pode diminuir) e
vadas, quando transmitidas ao miocárdio, podem melhora a relação ventilação-perfusão pulmonar55.
reduzir o retorno venoso ao coração e diminuir o A Tabela 11.8 mostra os efeitos do PEEP em
débito cardíaco. Certas condições clínicas, entre- vários níveis. PEEP < 2 cmH2O não é recomenda-
tanto, podem autorizar o uso de pressões de pico do, exceto em raros casos, pois a presença de um
inspiratórias elevadas. Em pacientes com grande tubo endotraqueal anula a mecânica normal da
diminuição da complacência ou com a diminuição via aérea, que tipicamente promove baixo nível de
do volume pulmonar por atelectasia, altos picos pressão positiva ao final da expiração durante res-
de pressão inspiratória podem ser necessários para
piração espontânea56.
manter adequadas trocas gasosas ou reexpandir
áreas colapsadas pulmonares. Baixos níveis de PEEP (2-3 cmH2O) são geral-
mente usados durante fases de desmame da venti-
lação mecânica. Quando esses níveis são aplicados
Pressão positiva do final da expiração (PEEP)
em períodos precoces de uma doença pulmonar,
O uso de PEEP tem-se tornado técnica-padrão podem ocorrer atelectasias com retenção de CO2.
para o tratamento ventilatório do neonato. A sele- Na maioria das circunstâncias clínicas, a ventilação
ção do PEEP apropriado depende do tamanho do do PEEP de 4-7 cmH2O é apropriada. Essa faixa

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Tabela 11.8 – Pressão positiva no final de expiração (PEEP)

Baixo (2-3 cmH2O) Médio (4-7 cmH2O) Alto (> 8 cmH2O)

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Usado em desma- • Pode ser muito • Estabiliza volume • Pode hiperdisten- • Previne colapso al- • EPA
me baixo para manter pulmonar der pulmões com veolar em estados • Diminui a Cl se
• Manutenção do volume pulmonar • Recruta volumes Cl normal de deficiência de pulmão está hiper-
volume pulmonar adequado pulmonares em surfactante com distendido
em neonatos pre- • Retenção de CO2 estados de defici- grave redução da • Pode impedir o
maturos com baixa ência de surfac- CL retorno venoso
CRF tante • Melhora a distri- • Pode aumentar
• Melhora a relação buição da ventila- RVP
ventilação/perfu- ção • Retenção de CO2
são
CRF = capacidade residual funcional; Cl = complacência; EPA = escape pulmonar de ar; RVP = resistência vascular pulmonar.

permite manutenção apropriada dos volumes pul- que estão sendo utilizados naquele momento. Por
monares, além de minimizar os potenciais efeitos exemplo, FR muito elevadas podem ser utilizadas
colaterais associados com elevado PEEP e hiper- com sucesso se a pressão de pico inspiratória (e
distensão pulmonar. Níveis acima de 8 cmH2O conseqüentemente o volume corrente) e o tempo
são raramente usados em ventilação mecânica con- inspiratório puderem ser reduzidos simultanea-
vencional pelo risco de escapes de ar e redução do mente. Sem essas reduções, altas freqüências po-
débito cardíaco. dem resultar em graves complicações.
Na maioria dos casos, independentemente da
Freqüência respiratória da ventilação seleção de altas ou baixas FRs, o objetivo da terapia
Freqüência respiratória (FR) (Tabela 11.9) é é a redução do barotrauma associado à diminui-
um dos determinantes primários da ventilação ção de perdas de ar e doença crônica pulmonar. As
minuto na ventilação mecânica (ventilação minu- freqüên­cias respiratórias altas e baixas podem atin-
to = freqüência respiratória versus volume corren- gir esse objetivo se o manejo dos ventiladores for
te). Não há estudos conclusivos que demonstram realizado de maneira global. A maioria das com-
a FR ideal para o tratamento das doenças respira- plicações envolvendo a FR ocorre por falha em re-
tórias neonatais. Por exemplo, alguns estudos têm conhecer o impacto da mudança da FR em outros
indicado melhora da oxigenação em altas freqüên­ aspectos do ventilador. Por exemplo, se elevada FR
cias57(≥ 60 respirações por minuto), enquanto ou- for selecionada, um prolongado tempo inspirató-
tros estudos indicam maior sucesso com freqüên- rio e um inadequado tempo expiratório podem re-
cias menores58(≤ 40 respirações por minuto). As- sultar em diminuição da complacência e retenção
sim como outros controles do ventilador, a melhor de ar, se a constante tempo pulmonar não permite
FR em uma determinada situação depende de di- a adequada saída de gás.
versas variáveis, incluindo o tamanho da criança, Além disso, é essencial que a capacidade do ven-
tipo e estágios de doença pulmonares associadas, tilador em uso seja examinada para se certificar de
presença de complicações e resposta clínica. Além que o que foi selecionado para o paciente está, na
disso, com o surgimento dos ventiladores de alta verdade, sendo oferecido pelo aparelho. Boros et al.
freqüência, observa-se que a FR pode ser impor- mostraram que há uma grande variação entre os
tante somente como referência a outros controles ventiladores que trabalham nas modalidades con-

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Tabela 11.9 – Freqüências ventilatórias mecânicas neonatais

Baixa (≤ 40 resp/min) Média (40-60 resp/min) Alta (≥ 60 resp/min)

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Aumento da PaO2 • Pode aumentar a • Simula FR normal • Pode não pro- • Alto PaO2 (pode • Pode exceder a
com aumento da PPI para manter a • Trata efetivamente mover adequada ser resultado de constante tempo e
PMVA ventilação a maioria das ventilação em retenção de ar) levar à retenção de
• Útil em desmame • Aumento da PPI doenças neonatais alguns casos • Pode permitir ar
• Usado em venti- pode causar baro- • Geralmente não diminuição da PPI • Pode causar PEEP
lação com onda trauma excede a constante e VC inadvertido
quadrática • Pode requerer rela- tempo pulmonar, • Hiperventilação • Pode haver mu-
• Usado com rela- xamento muscular retenção de ar pode ser útil em danças na Cl
ção I-E invertida improvável HPPN • VC e ventilação
• Pode reduzir minuto inadequa-
atelectasias (por dos se somente
retenção de ar?) espaço morto é
ventilado

PMVA = Pressão média de vias aéreas; PPI = pressão de pico inspiratória; FR = freqüência respiratória; VC = volume corrente; PEEP =
pressão positiva no final da expiração; HPPN = hipertensão pulmonar persistente do neonato; Cl = complacência pulmonar.

troladas a pressão e a volume, especialmente em outros, o tempo de inspiração é escolhido e, em


altas freqüências59. Alguns ventiladores têm modos combinação com a freqüência, a relação I-E é au-
de exalação assistida para minimizar a retenção de tomaticamente determinada. Essa relação tem sido
ar nos tubos em altas freqüências, mas isso não ga- considerada uma importante variável nas estraté-
rante a oferta de volume corrente adequado. gias de manejo de ventilador.
Os grupos que preferem ventilação com baixa Selecionando duas das quatro variáveis envolvi-
freqüência constantemente citam os trabalhos de das (tempo inspiratório e expiratório, FR e relação
Haman e Reynolds58 e Boros60, que demonstram I-E), automaticamente se determinam as outras
que baixas freqüências, quando aplicadas com ele- duas restantes. Por exemplo, ao escolher um tem-
vada pressão média de via aérea, produzem melhor po inspiratório de 0,5 segundo com relação I-E
oxigenação. Novamente, baixas freqüências podem de 1:1, determina-se o tempo expiratório de 0,5
ser utilizadas com sucesso, com mínimas compli- segundo e FR de 60 respirações por minuto. Se
cações, se houver atenção para as fontes potenciais FR é reduzida para 30 respirações por minuto e a
de problema. relação I-E é mantida, então o tempo inspiratório
A freqüência respiratória pode ser controlada de aumenta para 1 segundo, possivelmente elevando
o risco de hiperdistensão das vias aéreas e perdas
maneira direta ou indireta, por meio de alterações
de ar.
no tempo inspiratório e expiratório ou na relação
inspiração-expiração. Considerações sobre o débito cardíaco en-
volvem a utilização de relação I-E invertida.
Relação inspiração-expiração (relação I - E) O prolongamento da inspiração aumenta a pres-
são intratorácica que é transmitida ao coração. O
Possíveis variações na relação I-E estão listadas retorno venoso pode ser comprometido e o débito
na Tabela 11.10. A seleção da relação I-E nos ven- cardíaco reduzido. Como resultado, a relação I-E
tiladores é variável. Em determinados aparelhos, os invertida tem-se associado com aumento do risco
tempos de inspiração e expiração são selecionados de hemorragia intraventricular no sistema nervoso
diretamente para produzir a relação desejada. Em central.

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Tabela 11.10 – Relação inspiratória-expiratória em ventilação mecânica neonatal

Invertida (>1:1) Normal (1:1 à 1:3) Exp. prolongada (<1:3)

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Aumento da PMVA • Pode haver • Simula padrão de • Esvaziamento • Útil durante o • Baixo TI pode
• Aumento da PaO2 tempo expiratório respiração natural insuficiente em desmame, quando diminuir VC
na SDR insuficiente • Pode ser a melhor altas FR a oxigenação não • Pode ser
• Pode melhorar a (retenção de ar) relação em altas é problema necessário alto
distribuição da • Pode impedir o FR • Pode ser útil em fluxo, o que pode
ventilação em retorno venoso doenças como a não ser ideal para
pulmões com • Aumenta a RVP SAM, quando a a distribuição de
atelectasias e piora doenças retenção de ar é ventilação
como HPPN e DCC parte da doença • Pode ventilar mais
• Piora EPA espaço morto
PMVA = pressão média de vias aéreas; FR = freqüências respiratórias; TI = tempo inspiratóri; VC = volume corrente; SDR = síndrome do
desconforto respiratório; SAM = síndrome de aspiração de mecônio; RVP = resistência vascular pulmonar; HPPN = hipertensão pulmonar
persistente do neonato; DCC = doenças cardíacas congênitas; EPA = escapes pulmonares de ar.

Fluxo inspiratória é maior, e a curva de pressão tem um


pequeno platô com aspecto similar a uma curva
Os fluxos utilizados na ventilação mecânica ne- sinusóide (Fig. 11.23). A respiração espontânea
onatal estão relacionados na Tabela 11.11. O fluxo normal de neonato apresenta também esse aspec-
é um importante determinante da capacidade do to sinusóide. Na ventilação com curva sinusóide,
ventilador em oferecer níveis desejados de pico de entretanto, se o fluxo é muito baixo com relação à
pressão inspiratória, curvas, relação I-E e, em al- ventilação minuto, a ventilação do espaço morto
guns casos, freqüência respiratória. Um fluxo míni- pode aumentar, pois a pressão de abertura efeti-
mo de pelo menos duas vezes a ventilação minuto va das vias aéreas não é mantida adequadamente.
infantil é geralmente necessário (ventilação minuto Como resultado, a hipercapnia pode ocorrer. Além
neonatal varia, aproximadamente, de 0,2 a um l/ disso, se altas freqüências ventilatórias são utiliza-
min, mas a faixa de operação durante a ventilação das na ventilação com curvas sinusóides, fluxos ina-
mecânica é geralmente de 4 a 10 l/min). dequados podem também resultar na ventilação do
Quando baixo fluxo de trabalho é utilizado, o espaço morto, pois o ventilador não alcança o pico
tempo necessário para se atingir o pico de pressão de pressão inspiratória no tempo determinado.

Tabela 11.11 – Ajustes de fluxo em ventilação neonatal

Baixo fluxo (0,5-3 l/min ) Alto fluxo (4-10 l/min ou mais)

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Lentifica tempo inspiratório • Hipercapnia, se o fluxo não é • Produz padrão ventilatório • Aumenta barotrauma
• Menos barotrauma às VAs adequado para remover o CO2 com curva quadrática • Em moderadas e graves
do sistema • Aumenta a PaO2 SDRs, pode produzir mais
• Em altas FRs, baixo fluxo pode • Necessário para manter alta lesões de VA
não permitir que a máquina PPI, com altas FRs
alcance PPI • Previne retenção de CO2
• Diminui a PaO2 em alguns
casos
FR = freqüência respiratória; PPI = pico de pressão inspiratória; SDR = síndrome do desconforto respiratório; VA = vias aéreas; PPI =
pressão de pico inspiratória.

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A. Baixo fluxo A. alto fluxo
(<3 l/min) (>5 l/min)
(curva sinusóide) (curva quadrada)

PPI PPI
30 30
Pressão

20 20

10 10

1 seg 1 seg 1 seg 1 seg

Fig. 11.23 – Comparação entre as formas de curvas do ventilador. A = forma sinusóide. B = forma quadrada.

Altos fluxos são necessários quando ventilação


com curva quadrática é desejada (Fig. 11.23). Tam- Ondas quadráticas melhoram a oxigenação,
bém, com altas freqüências, o elevado fluxo pode quando usadas com baixas FR e tempo inspirató-
ser necessário para atingir um alto ou adequado rio maior. Também promovem maior pressão mé-
pico de pressão inspiratória (e adequado volume dia de vias aéreas do que as curvas sinusóide se a
corrente) em virtude de o tempo inspiratório ser pressão de pico inspiratória idêntica for utilizada,
curto. A retenção de CO2 também é prevenida nas por que a pressão de pico é alcançada rapidamen-
traquéias com a utilização de altos fluxos. A com- te com ondas quadráticas60. Um tempo maior na
plicação mais comum com a utilização de alto flu- pressão de pico inspiratória com curva quadrática
xo é o aumento da incidência de perdas de ar, pois pode ajudar no recrutamento de áreas atelectasia-
a má distribuição da ventilação resulta em elevação das do pulmão, no entanto, hiperdistensão de áre-
rápido da pressão de vias aéreas e alvéolos não obs- as infladas e escapes de ar podem ocorrer. Com as
truídos e não atelectasiados. ondas quadráticas e a relação I-E invertida, o retor-
no venoso ao coração e o débito cardíaco podem
Curvas respiratórias diminuir.

As curvas respiratórias geralmente utilizadas Pressão média de vias aéreas


em ventilação mecânica neonatal são descritas na
Tabela 11.12. Essas curvas, geralmente, não são Apesar de nenhum ventilador mecânico permi-
selecionadas de maneira direta, mas, freqüente- tir a seleção da pressão média de vias aéreas, essa
mente, são o resultado de outros fatores, incluindo variável é considerada pela importância de sua
a construção do ventilador. Muitas considerações relação com a oxigenação61. Na terminologia das
com relação às curvas já foram discutidas na seção curvas respiratórias, a pressão média das vias aéreas
de fluxo. A curva sinusoidal se aproxima mais da é igual à área sob a curva de pressão para um único
respiração espontânea do que a curva quadrática. ciclo respiratório, dividido pela duração do ciclo,
O aumento mais suave na pressão inspiratória pode ou a integral da pressão durante o ciclo respiratório.
ser vantajoso para criança com ventilação mal dis- A pressão média de vias aéreas é maior na venti-
tribuída, o que é comumente visto na maioria das lação com curva quadrática do que na ventilação
doenças pulmonares neonatais. com curva sinusóide quando a pressão de pico ins-

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Tabela 11.12 – Curvas respiratórias em ventilação mecânica neonatal

Curva sinusoidal Curva quadrática

Vantagens Desvantagens Vantagens Desvantagens

• Aumento suave da pressão • Reduz a PMVA • Alta PMVA para equivalente • Com altos fluxos, a ventilação
• Mais parecido com padrão PPI pode estar aplicando altas
respiratório normal • Tempo maior em PPI pode pressões a VA normal e alvéo-
abrir áreas atelectasiadas e los
melhorar a distribuição da • Impede o retorno venoso se
ventilação longo TI é usado ou se a rela-
ção I-E está invertida
PMVA = pressão média de vias aéreas; PPI = pressão de pico inspiratória; VA = via aérea; TI = tempo inspiratório.

piratória e a duração destas são iguais. Nenhum Modalidade controlada a volume


estudo até o momento tem implicado a pressão
Ventiladores controlados a volume ofertam o
média das vias aéreas como determinante de esca-
mesmo volume de gás em cada inspiração, inde-
pes de ar e doença crônica pulmonar. Melhora na
pendentemente da pressão necessária para tal. En-
oxigenação, entretanto, tem sido diretamente rela-
cionada com o aumento da pressão média das vias tretanto, são desenhados para fornecer esse volume
aéreas. É evidente, porém, que algumas mudanças de gás até um limite de pressão determinado pelo
nessa pressão média, particularmente com tempo médico. O volume residual na unidade é liberado
inspiratório curto, podem não refletir aumento na atmosfera, e, como resultado, o volume corren-
de oxigenação. Os controles do ventilador que in- te que chega ao paciente pelos ventiladores con-
fluenciam a pressão média de vias aéreas são: pres- trolados a volume pode variar em cada inspiração.
são de pico inspiratória, pressão positiva ao final da Entretanto, o pico de pressão observado nas vias
expiração, relação I-E e curvas respiratórias. aéreas não irá ultrapassar o limite selecionado.
Como o barotrauma pulmonar pode ser correla- O melhor método de ventilar recém-nascidos
cionado com alta pressão de pico inspiratória que é permanece incerto e controverso. A habilidade em
distribuída desigualmente pelo pulmão62, esforços garantir ótima troca gasosa enquanto se evita danos
têm sido feitos para ventilar pacientes com baixas aos pulmões e via aérea ou interferência com circu-
pressões de pico e menor freqüência respiratória, lação persiste sem fundação teórica. Além disso, a
enquanto a pressão média de vias aéreas é mantida. ventilação mecânica não é um processo fisiológi-
Para suportar esse padrão de suporte ventilatório, co. Conhecimentos sobre freqüência respiratória
o tempo inspiratório deve ser aumentado, o que ótima, relação inspiração-expiração, curva respi-
muda a relação I-E. Ao passo que aumenta a pres- ratória ideal e pressão de via aérea aceitável estão
são média de vias aéreas, acredita-se que ocorra o incompletos.
recrutamento alveolar com aumento da oxigenação Como o desenho dos ventiladores tem-se tor-
arterial. Deve-se ter cautela após a administração nado mais sofisticado e complexo, a classificação
de surfactante em recém-nascidos de baixo peso da ventilação mecânica em um específico e bem
em virtude das mudanças na complacência e ca- definido sistema tem-se tornado gradativamente
pacidade residual funcional, que podem ocorrer de mais difícil. Controles por microprocessadores têm
maneira muito rápida63. Se medidas para reduzir permitido aos novos ventiladores ciclar de diversas
a pressão de pico e pressão média não puderem maneiras, e é esse fator primário que faz as gerações
ser feitas de imediato, pode ocorrer hiperdistensão mais recentes de ventiladores mecânicos se diferen-
pulmonar com riscos potenciais para perdas de ar. ciarem de gerações prévias.

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Durante a assistência ventilatória mecânica em volume está sendo aplicado em tempo razoável. Na
adulto, crianças e recém-nascidos, quatro variáveis maioria dos ventiladores, o controle de fluxo está
devem ser coordenadas (pressão, fluxo, volume e presente e promove os meios necessários para regu-
tempo) independentemente da abordagem especí- lar o comprimento da fase inspiratória.
fica utilizada. O fato de que todos os ajustes podem ser feitos
O ventilador pode ser classificado como ciclado antes da conexão do paciente ao ventilador é uma
a volume, quando a fase inspiratória termina no das grandes vantagens desse modo de ventilação.
momento que o volume predeterminado tem sido Recomenda-se, após a conexão, a verificação do
administrado no circuito do paciente (não necessa- volume administrado por meio de dispositivos de
riamente para o paciente). No momento de ciclar, medida. Nem todo o volume que foi selecionado
o tempo necessário para oferta do volume, a pres- chega ao paciente, pois parte dele é perdida no cir-
são desenvolvida no circuito do paciente e o fluxo cuito do ventilador como conseqüência da compla-
podem variar de um ciclo respiratório para outro. cência do sistema67-69. Para determinar o volume real
O único parâmetro que permanece constante é o que chega ao paciente, o ventilômetro deve ser co-
volume selecionado64,65. nectado entre a saída do ventilador e o paciente. O
O ventilador pode ser ainda classificado como volume perdido pode ser acessado pela subtração do
controlado a volume se há a análise e o controle do volume medido daquele selecionado no aparelho.
volume aplicado. O controle do volume pode ser Como já citado anteriormente, o único parâ-
obtido pela regulagem da distância percorrida pelo metro que permanece constante é o volume pro-
pistão ou pela excursão do fole durante a fase de duzido pelo ventilador. O tempo necessário para
enchimento. O volume administrado pode ser me- administração do volume e a pressão gerada duran-
dido diretamente na base da mudança de volume te o processo sofrem grandes influências das carac-
no compressor do ventilador (como o deslocamen- terísticas pulmonares do paciente.
to do pistão ou fole) ou por meio de dispositivos A maior efetividade da modalidade volume
que medem o volume (ventilômetros). controlada sobre a pressão controlada em ofertar
O mecanismo de ciclagem a volume pode ser volume corrente constante tem sido anunciada
operado de maneira pneumática ou eletrônica. como uma vantagem do primeiro, mas nenhum
estudo tem demonstrado isso efetivamente. Apesar
Considerações clínicas da falta de evidência, a modalidade volume con-
trolada permanece como o mais popular meio de
O passo inicial para utilização da modalidade ventilar recém-nascidos com tendência a alterações
controlada a volume é mais específico que as de- na complacência e resistência de via aérea.
mais. Deve-se determinar qual será o volume ad- A modalidade controlada a pressão perde volume
ministrado e então selecioná-lo nos controles do corrente em proporção direta à redução de complacên-
ventilador. Entretanto, a complacência do sistema cia ou ao aumento de resistência de vias aéreas – uma
(ventilador e circuito) deve ser considerada e adi- redução de 50% da complacência causa queda de
ciona certo grau de complexidade para a determi- 50% do volume corrente. Entretanto, uma das des-
nação do volume que na verdade está sendo oferta- vantagens da ventilação controlada a volume é que
do ao paciente. a diminuição de complacência ou o aumento de re-
Como regra prática, os ajustes iniciais para o sistência das vias aéreas freqüentemente significam
volume corrente estão entre 10 a 15 ml/kg de peso que altas pressões de insuflação são necessárias para
corporal66. Uma vez estabelecido o volume corren- atingir o volume desejado, o que eleva o risco de
te, devem ser feitas checagens para garantir que o barotrauma e suas conseqüências.

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Como a pressão de pico inspiratória é geralmen- Ventilação/perfusão durante cirurgias
te determinada, a modalidade controlada a volume torácica
é limitada à pressão. Além disso, como os tubos en-
A ventilação é distribuída, preferencialmente,
dotraqueais não dispõem de balonetes em crianças
para regiões dependentes do pulmão, o que leva
pequenas, podem ocorrer perdas de gás variáveis ao
a um gradiente progressivo de ventilação das áre-
redor destes tubos, as quais anulam a vantagem de
as não dependentes para as áreas dependentes dos
predeterminar o volume corrente.
segmentos pulmonares. Em virtude dos efeitos
gravitacionais, a perfusão segue uma distribuição
VENTILAÇÃO MONOPULMONAR EM similar, com aumento do fluxo sangüíneo para seg-
CRIANÇAS mentos pulmonares dependentes. Portanto, venti-
Antes de 1995, aproximadamente, todas as ci- lação e perfusão são normalmente mantidas.
rurgias torácicas em crianças eram realizadas por to- Durante cirurgias torácicas, vários fatores agem
racotomia. Na maioria dos casos, o anestesiologista para aumentar as alterações da relação ventilação/
ventilava os dois pulmões com tubo endotraqueal perfusão (V/Q): anestesia geral, bloqueio neuro-
convencional e cirurgiões afastavam o pulmão a ser muscular e ventilação mecânica levam à diminui-
operado para melhorar o campo cirúrgico. Desde ção da capacidade residual funcional (CRF) em
a última década, o uso de videotoracoscopia para ambos os pulmões. Compressão do pulmão depen-
cirurgia tem aumentado significativamente em dente na posição de decúbito lateral pode causar
adultos e crianças, e recentes avanços nas técnicas atelectasias. Retrações cirúrgicas e/ou ventilação
e instrumentos cirúrgicos (como câmeras de alta monopulmonar resultam em colapso do pulmão
definição e instrumentos endoscópicos menores) manipulado. Vasoconstrição pulmonar hipóxica
têm facilitado esse tipo de abordagem cirúrgica (VPH), a qual age para retirar o sangue de áreas
em pequenos pacientes. Esse método cirúrgico está pouco ventiladas e assim minimizar as alterações
sendo usado extensivamente para debridamentos de V/Q, pode estar diminuída pelos agentes anes-
pleurais em casos de empiema, biopsia pulmonar tésicos inalatórios e outras drogas vasodilatadoras.
para diagnosticar doença pulmonar intersticial e Esses fatores se aplicam igualmente para recém-
massas mediastinais, e ressecções em cunha para nascidos, crianças e adultos.
o tratamento de lesões metastáticas. Ressecções Em adultos com doença pulmonar unilateral, a
pulmonares maiores, incluindo segmentectomias oxigenação é ótima quando o paciente é colocado
e lobectomias, têm sido feitas para tratamento de em posição de decúbito lateral com o pulmão sa-
abscessos pulmonares, enfisemas lobares, malfor- dio dependente (para baixo) e o pulmão acometido
mações adenomatosas císticas, bolhas pulmonares não dependente (para cima)70. Isso ocorre, pois há
e neoplasias. Em alguns centros, procedimentos aumento do fluxo de sangue para a região depen-
mais avançados têm sido realizados por meio de ci- dente e diminuição deste nas áreas não dependen-
rurgia por videotoracoscopia, incluindo fechamen- tes (pulmão doente) em razão da diferença de pres-
to de canal arterial, hérnias hiatais e fusão espinhal são hidrostática (gravitacional) entre os pulmões.
anterior. Esse fenômeno favorece o paciente adulto que será
A videotoracoscopia pode ser praticada enquan- submetido à cirurgia torácica na posição de decú-
to ambos os pulmões são ventilados usando-se bito lateral.
insuflação de CO2 e colocação de retratores para Em crianças com doenças unilaterais, entre-
deslocamento do tecido pulmonar no campo ci- tanto, a oxigenação é melhorada no pulmão não
rúrgico. Entretanto, ventilação monopulmonar é dependente71. Vários fatores corroboram para essa
extremamente desejável nessa situação. discrepância entre adultos e crianças. Crianças têm

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caixa torácica maleável e mais facilmente com- problemas como falha na vedação do brônquio
pressível, que não pode suportar completamen- (principalmente com tubos endotraqueais meno-
te o pulmão adjacente. Além disso, a capacidade res), dificuldade no colabamento do pulmão a ser
residual das crianças é muito próxima do volume operado e na proteção do pulmão saudável contra
residual, ocasionando um possível fechamento contaminação com material do outro pulmão. Há
das vias aéreas no pulmão dependente mesmo ainda a impossibilidade de aplicar sucção ao pul-
durante respiração com volume corrente adequa- mão operado e o risco de hipoxemia por obstrução
do72. Quando o pulmão é colocado em posição do lobo superior, especialmente quando o brôn-
de decúbito lateral, o diafragma dependente tem quio direto (mais curto) é intubado.
uma vantagem mecânica, pois ele é comprimido
pelo gradiente de pressão hidrostática abdominal. Bloqueadores pulmonares por balonetes
Essa diferença de pressão hidrostática é reduzida
na criança, diminuindo a vantagem funcional do É o método no qual um cateter dotado de um
diafragma dependente. Finalmente, crianças pe- balonete em sua extremidade distal é utilizado para
quenas resultam em gradiente de pressão hidros- bloqueio de brônquio74,75. O brônquio do lado
tática reduzido entre o pulmão dependente e o a ser operado é inicialmente intubado com tubo
não dependente. Conseqüentemente, o aumento endotraqueal convencional. Um fio-guia é intro-
favorável na perfusão do pulmão dependente é duzido no brônquio através do tubo endotraqueal.
reduzido em crianças. Todos esses fatores levam Esse tubo é removido, e o bloqueador é avançado
os pacientes a ter um risco aumentado de dessa- através do fio-guia para o brônquio. O tubo endo-
turação de oxigênio durante cirurgia em posição traqueal é, então, reinserido na traquéia ao lado do
cateter com bloqueador. Esse cateter é posicionado
de decúbito lateral. Por isso, técnicas de ventila-
proximalmente no brônquio desejado por meio de
ção monopulmonar em crianças devem incluir a
broncofibroscopia. Com o balonete do bloqueador
opção de fornecimento de oxigênio ao pulmão
insuflado, a via aérea é completamente selada, pro-
operado.
movendo colapso pulmonar mais previsível e me-
lhorando as condições operatórias.
Técnicas para ventilação monopulmonar
em recém nascidos e crianças Podem ser citados alguns problemas com essa
técnica: o balonete pode se deslocar para a traquéia,
As técnicas para ventilação monopulmonar in- bloqueando a ventilação de ambos os pulmões ou
cluem tubo endotraqueal de via única, bloqueado- impedindo o colapso do pulmão desejado; a maio-
res bronquiais por balonetes, tubo Univent® e tubo ria dos cateteres é de baixo volume e alta pressão e
de duas vias. a distensão excessiva poderia lesar ou romper a via
aérea76; e os bloqueadores não possibilitam sucção
Tubo endotraqueal de via única ou instalação de pressão positiva contínua de via
aérea (CPAP) no pulmão operado.
A maneira mais simples de promover ventilação
monopulmonar é a intubação intencional do brôn­
Univent®
quio principal direito ou esquerdo com tubo en-
dotraqueal convencional73. Essa técnica é simples, O Univent® (Fuji Systems Corparation, Japão)
mas requer a utilização de broncofibroscópio. Pode é um tubo endotraqueal dotado de um segundo
ser a preferida em situações de emergência como lúmen e contém um pequeno tubo que pode ser
hemorragia de via aérea e pneumotórax hiperten- avançado para o brônquio77,78. Um balonete loca-
sivo contralateral. Em contrapartida, pode haver lizado na região distal desse pequeno tubo serve

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como bloqueador pulmonar. É necessário o uso de ser inserido é diretamente relacionada com altura
broncofibroscopia para sua correta colocação. do paciente. Nenhuma medida equivalente foi es-
Como esses bloqueadores são mais firmemente tabelecida para crianças.
inseridos no tubo endotraqueal principal, o des- Esses tubos oferecem as vantagens da facilidade
locamento é menos provável de acontecer do que de inserção, capacidade de sucção e oxigenação do
com a utilização de outras técnicas de instalação pulmão a ser operado com CPAP, além da capa-
de bloqueadores. O tubo com diâmetro interno de cidade de visualização do mesmo. As cânulas de
4,5 mm possui um pequeno lúmen que permite a intubação seletiva à esquerda são preferíveis que
passagem de gás, sendo possível aspiração ou admi- aquelas à direita em virtude do pequeno compri-
nistração de oxigênio. mento do brônquio principal direito84.
A desvantagem é a grande área de secção trans-
versal ocupada pelo bloqueador, especialmente Seleção de tubo para ventilação
nos tubos menores, o que promove desproporcio- monopulmonar em crianças
nal resistência ao fluxo de gás79. Além disso, esses A Tabela 11.13 mostra os tubos apropriados
bloqueadores têm características de baixo volume (ou cateteres) para ventilação monopulmonar em
e alta pressão que podem levar à lesão de mucosa criança. Crianças de mesma idade, e especialmente
durante insuflação normal80. na adolescência, apresentam significativa variação
nas dimensões das vias aéreas.
TUBOS DE DUAS VIAS
Todos os tubos de duas vias são, essencialmente, Ventilação líquida: um adjunto no manejo
respiratório
dois tubos de comprimentos diferentes moldados
juntos, como o tubo menor terminando na tra- A ventilação mecânica com gás tem se mostrado
quéia e o maior, no brônquio. Marraro descreveu uma desencadeadora ou mesmo agravante de doen-
um tubo de duas vias para crianças que consiste ças pulmonares, resultando em dano estrutural pro-
de dois tubos endotraqueais, sem balonete, de di- gressivo e liberação de medidores inflamatórios85,86.
ferentes tamanhos, ligados longitudinalmente81. Como uma nova abordagem para substituição do
Entretanto, esse dispositivo não está disponível em gás como um meio respiratório, a assistência ven-
grande escala comercial. tilatória líquida com líquidos perfluo­roquímicos
Os tubos de duas vias comumente disponíveis (PFC) tem sido investigada há mais de 30 anos87.
incluem os de tamanho adulto convencional com Por definição, assistência ventilatória líquida é a
balonete (35, 37, 39 e 41 Fr), nos tamanhos 28 troca do gás pulmonar com instilação traqueal de
e 32 Fr [Mallinckrodt Medical, Inc. (EUA) para PFC líquido para substituir o nitrogênio como car-
crianças ao redor de 10 anos e o tamanho 26 Fr reador de oxigênio e gás carbônico.
(Rusch, EUA) para crianças próximas a idade de 8 Os líquidos PFC disponíveis têm variações nas
anos. Esses tubos têm balonetes localizados nas vias propriedades físico-químicas que, em parte, são di-
traqueal e brônquica. tadas pelo arranjo nas ligações carbono-flúor. A es-
Nas crianças, o tubo de duas vias é inserido uti- trutura dos líquidos PFC determina suas caracterís-
lizando-se a mesma técnica que em adultos82. Se a ticas, incluindo solubilidade de oxigênio e gás car-
broncofibroscopia é utilizada para confirmar a loca- bônico, pressão de vapor, viscosidade e densidade.
lização do tubo, um aparelho de pequeno diâmetro Estas propriedades físicas dos PFCs podem ser
e comprimento suficiente deve estar disponível83. preditas baseando-se em algoritmos e, por sua vez,
Em adultos, a profundidade até a qual o tubo deve elas servem de base para a escolha do fluido apro-

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Tabela 11.13 – Seleção de tubos para ventilação monopulmonar em crianças e adolescentes

Idade (Anos) TET (DI em mm) BPB (Fr) Univent® TDV (Fr)

0.5-1 3.5-4.0 5
1-2 4.0-4.5 5
2-4 4.5-5.0 5
4-6 5.0-5.5 5
6-8 5.5-6.0 5 3.5
8-10 6.0 c/ balonete 5 3.5 26
10-12 6.5 c/ balonete 5 4.5 26-28
12-14 6.5-7.0 c/ balonete 5 4.5 32
14-16 7.0 c/ balonete 5 6.0 35
16-18 7.0-8.0 c/ balonete 5 ou 9 7.0 35
TET = tubo endotraqueal (Sheridan® Tracheal Tubes; Kendall Healthcare, Mansfield, MA, EUA); BPB = bloqueadores pulmonares por balo-
netes (Cook Critical Care, Inc., Bloomington, IN, EUA); TDV = tubo de duas vias (26 Fr = Rusch, Duluth, GA, EUA; 28-35 Fr = Mallinckrodt
Medical, Inc, St. Louis, MO, EUA); DI = diâmetro interno; Fr = numeração francesa; Univent = Fuji Systems Corporation, Japão.

priado para a técnica de assistência ventilatória lí- metem a essa modalidade ventilatória. Oclusões
quida escolhida. Por exemplo, a pressão de vapor do tubo endotraqueal por debris, interferindo com
dos fluidos influencia a taxa de evaporação nos as trocas gasosas e necessitando de aspirações vi-
pulmões, e a viscosidade, a distribuição e pressões gorosas, têm sido relatadas. Não está claro se esses
necessárias para as técnicas de assistência ventila- debris representam secreções alveolares e pulmona-
tória88,89. res profundas que não seriam mobilizadas ou uma
A combinação das propriedades físico-químicas resposta exsudativa ao líquido90. Doses e estratégias
dos líquidos PFCs e os efeitos biofísicos destes na de manejo ventilatório estão sendo refinadas para
mecânica pulmonar suportam as respostas fisioló- otimizar a resposta e melhorar o custo benefício do
gicas. Em virtude da relativamente baixa tensão su- tratamento91-93.
perficial, alta solubilidade dos gases respiratórios e Apesar dos resultados positivos de estudos recen-
altos coeficientes de dispersão, o líquido PFC subs- tes e da avidez dos pesquisadores em neonatologia
titui a interface gás-líquido pela líquido-líquido. em querer comparar a assistência ventilatória líqui-
Como a pressão transmural através da membrana da com outras intervenções terapêuticas, como te-
alvéolo-capilar é diminuída, o fluxo sangüíneo pul- rapia com surfactante exógeno, somente um estudo
monar é mais homogêneo nesse ambiente preen- com ventilação líquida em adultos está sendo feito
chido por líquido em comparação com o pulmão atualmente. Isso ocorre por causa dos requisitos da
preenchido por gás. indústria e das agências reguladoras para que a assis-
tência ventilatória líquida seja demonstrada como
As pesquisas têm conduzido o uso de líquidos
segura em grande número de adultos antes da pes-
PFCs em numerosas aplicações: assistência ventila-
quisa em crianças. Acredita-se que, uma vez provada
tória líquida parcial ou total, administração de dro-
a segurança e eficácia dessa modalidade ventilatória
gas, expansão e crescimento de pulmão hipoplási-
em adultos, estudos controlados em grande escala
co, estudos de imagem e citoproteção pulmonar.
serão iniciados em crianças e recém-nascidos.
Relatos do emprego clínico da assistência ven-
tilatória líquida têm descrito pouquíssimos efeitos Ventilação de alta freqüência
adversos. O preenchimento com líquido, e subse-
qüente ventilação, tem sido bem tolerado apesar Ventilação de alta freqüência (VAF) é uma for-
das condições instáveis dos pacientes que se sub- ma de ventilação mecânica que utiliza pequenos

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volumes correntes, freqüentemente menores que o Qualquer que seja o sistema VAF, a relação linear
espaço morto anatômico, e com freqüências respi- presumida entre freqüência respiratória e elimina-
ratórias extremamente elevadas. A vantagem dessa ção de CO2 não é definitiva94.
técnica sobre a ventilação mecânica convencional é A maioria dos dispositivos de VAF tem freqüên­
a habilidade em oferecer volume minuto adequado cias de operações ideais acima das quais a elimi-
com baixas pressões de vias aéreas, geralmente em nação de CO2 se deteriora. Essas situações podem
situações em que a ventilação mecânica conven- produzir um paradoxo, em que a diminuição da
cional não é eficiente. Além disso, o recrutamento freqüência respiratória aumenta a remoção de
de pulmão colapsado com pressões médias de vias CO2. De maneira geral, entretanto, durante VAF,
aéreas elevadas é mais bem tolerado durante a VAF. mudanças na freqüência respiratória têm menos
O conhecimento atual afirma que a quantidade impacto nas trocas gasosas que mudanças similares
de gás disponível para trocas gasosas, o volume al- feitas durante a ventilação mecânica convencional.
veolar (Va), é o produto do volume corrente (Vc) Em 1980, Slutsky et al.95 publicaram uma revisão
aplicado às vias aéreas menos o volume do espaço dos possíveis mecanismos de transporte de gás
morto (Vds), ou seja, Va = Vc – Vds. Se essa rela- durante VAF. A partir daí, muitas outras teorias e
ção é verdadeira, Vc próximo ao Vds deve produzir poucas revisões práticas têm sido aplicadas. Os me-
pouca ou nenhuma ventilação alveolar. O fato é canismos teóricos de trocas gasosas durante VAF
que a troca de gás ocorre, muitas vezes, com maior estão além dos objetivos deste capítulo.
eficiência que durante a ventilação mecânica con- O termo HFPPV geralmente se refere aos ven-
vencional. tiladores mecânicos que operam com freqüências
Há três tipos de VAF: ventilação com pressão de 60 a 150 respirações por minuto. A modalidade
positiva de alta freqüência (HFPPV), produzida HFJV aplica pequenos pulsos de gás pressurizado
por ventiladores mecânicos convencionais ou mo- diretamente na via aérea através de cânula de ca-
dificados que operam com altas freqüências; venti- libre estreito ou injetor a jato. Ventiladores a jato
lação a jato de alta freqüência (HFJV), produzida podem manter a oxigenação e a ventilação em uma
por ventiladores que proporcionam jatos de gás em faixa variada de tamanho de pacientes e valores
alta velocidade diretamente na via aérea; e ventila- de complacência pulmonar. Essa modalidade tem
ção oscilatória de alta freqüência (HFO), produzi- compressão de volume mínima e opera na faixa de
da por um dispositivo que move o ar para dentro 150 a 600 respirações por minuto. Os valores de
e fora das vias aéreas com mínimos deslocamentos volume corrente são difíceis de medir, mas parecem
de volumes de gás. Uma linha de pensamento su- se igualar ou ser um pouco superiores ao volume do
gere que HFPPV, devido à compreensão de volu- espaço morto96. Além do volume corrente ofertado
mes extremamente pequenos e altas taxas de fluxo, através do injetor a jato, gases que circundam esse
pode simplesmente ser mais eficiente em deslocar dispositivo são empurrados para a via aérea através
quantidades de gás para dentro e fora dos pulmões. do efeito Venturi. Ventiladores oscilatórios de alta
HFJV e HFO parecem melhorar a distribuição e freqüência (HFO) são essencialmente vibradores
difusão dos gases respiratórios. Muitos acreditam da via aérea, geralmente pistões ou diafragmas vi-
que HFJV e HFO mudam o ponto de transição bradores que operam com freqüência entre 400 e
entre o transporte de gás por convecção e difusão, 2400 respirações por minuto97. Durante a HFO,
com tendência cefálica, isto é, dos ácinos para as a inspiração e a expiração são ativas (a pressão de
grandes vias aéreas. O efeito resultante dessa mu- via aérea proximal é negativa durante a expiração).
dança é a eliminação eficiente de CO2, relativa- Osciladores produzem pouca ou nenhuma mo-
mente independente de volume pulmonar médio. vimentação de gás. Oscilações de pressões na via

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180 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 12
Ac e s s o s V e n o s o s p a r a
Ane s te s i a N eon a t a l
Glória Maria Braga Potérrio
Angélica de Fátima Assunção Braga
Lourenço Sbragia Neto
Fernando Antoniali


introdução metro, além da presença de acesso venoso, tubo tra­


queal, placa de bisturi elétrico e colchão térmico.
A obtenção de acessos venosos em anestesia
pediátrica envolve procedimentos de difícil reali- Diante do elevado número de acessórios que
zação, particularmente nas crianças menores, neo- deverão estar conectados ao paciente, o médico
natos e prematuros. Em comparação com adultos deve estar seguro quanto a fixação de todas as vias
e crianças maiores, os neonatos possuem vias respi- de conexão dos aparelhos ao neonato. Atuar pre-
ratórias de diâmetros menores: enquanto a cabeça ventivamente, fazendo uma checagem geral de to-
é proporcionalmente maior, a superfície corporal é das essas conexões, pode evitar falha da monitori-
grande, o centro termorregulador é imaturo, o vo- zação anestésica e dissabores durante a cirurgia.
lume de líquido extracelular é maior, a capacidade O grande desafio é o manuseio do bebê no
de concentração urinária é menor e os depósitos de transporte da unidade de internação para a sala de
glicose hepática são pequenos. cirurgia. Ao retirar o bebê do berço de transporte,
Essas características comuns aos neonatos a termo o médico deve checar se a temperatura do colchão
acentuam-se quando eles são prematuros. Nestes, os térmico está adequada, para evitar a perda de tem-
problemas pulmonares são mais freqüentes pela pre- peratura após o posicionamento na mesa cirúrgica,
sença da doença da membrana hialina e pela maior uma superfície mais fria. O posicionamento sobre
probabilidade de o canal arterial continuar aberto. o colchão térmico, previamente aquecido, facilita a
Além dessas peculiaridades neonatais, o anestesis- obtenção do acesso venoso, pois, enquanto aqueci-
ta depara com dificuldades decorrentes das pequenas do, o bebê se mantém vasodilatado1,2.
dimensões do paciente, que deverá ser monitorizado Outro desafio são os acessos venosos que podem
com cardioscópio, oxímetro, capnógrafo e termô- ser obtidos por meio de veia periférica ou central.

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Acessos venosos periféricos (lateralmente); 3) veias do antebraço: basílica, ce-
fálica e mediana.
O acesso venoso periférico é o mais comumente
Nos membros inferiores podem ser punciona-
utilizado em anestesia pediátrica. É um procedi-
das: 1) veias do pé: safena magna (medialmente)
mento de rápida execução, seguro e com baixo ris-
e safena parva (lateralmente); 2) veias da perna:
co de complicação quando realizado por profissio-
safena magna anteriormente ao maléolo medial e
nal experiente. Em neonatos muito pequenos ou
safena parva posteriormente ao maléolo lateral.
prematuros, o médico pode utilizar uma pequena
lanterna para transiluminar a mão ou membro do No pescoço a veia jugular externa é a opção uti-
paciente, medida que permite a melhor visão da lizada com maior freqüência. Quando são usados
veia antes da realização da punção. cateteres flexíveis com mandril metálico, pode ha-
ver dificuldade na progressão intravenosa, em vir-
Existe no mercado uma grande variedade de ca-
tude da angulação da veia proximamente à clavícu-
teteres de polietileno com fio-guia que permitem a
la, ao se tributar com a veia cava superior.
punção percutânea de uma veia. Após a punção, o
cateter permanece no lúmen da veia e o fio-guia é As veias da cabeça são utilizadas em caráter excep-
retirado. Comumente se utilizam cânulas venosas cional. O sistema venoso superficial da cabeça pode
de calibre 20 a 24 G. Apesar de seguros, o uso des- comunicar-se com o sistema venoso profundo, aumen-
ses cateteres pode estar associado ao risco de trom- tando o risco de trombose do seio cavernoso. Quando
bogenia. Uma alternativa, embora menos comum, indicada a punção dessas veias, as mais acessadas são as
é a utilização de agulhas tipo butterfly, cujo incon- veias temporal superficial e temporal média.
veniente é a permanência de uma agulha metálica, A escolha do acesso venoso periférico é definida
rígida, na luz da veia, que pode levar ao risco de em função do tipo e do porte da cirurgia e da po-
lesão da parede vascular e comprometimento de sição do paciente na mesa operatória. Essa escolha
estruturas vizinhas ao vaso. proporciona maior segurança durante a manipula-
Independentemente do tipo de cateter ou de ção cirúrgica do paciente com menor risco de per-
agulha utilizados, é de fundamental importância da de conexões e da monitorização (Tabela 12.1).
que a fixação seja feita de modo a permitir a mo-
nitorização do acesso venoso para a profilaxia de Tabela 12.1 – Local de acesso venoso periférico que permite
desconexões e/ou extravasamento de líquidos de melhor manuseio pelo anestesista durante o ato operatório
reposição e de drogas administradas durante o ato Defeitos Posição Local do acesso
operatório. operatória venoso periférico
A infusão de líquidos de manutenção contendo Gastrosquise e onfalocele DDH MM SS e pescoço
glicose acima de 10%, ou outras soluções hipertô- Atresias intestinais DDH MMSS e pescoço
nicas, deve ser evitada em uma veia periférica, pelo
Atresia de esôfago DLD MMSS
risco de irritação do epitélio venoso e posterior fle-
bite. As drogas devem ser administradas diluídas e Toracotomias DLD ou DLE MMSS
injetadas de forma lenta. Teratoma sacrococcígeo DV MMSS e pescoço
As veias periféricas mais utilizadas são as dos Anoplastias DV MMSS e pescoço
membros superiores e inferiores, do pescoço e ex-
Correção de meningo- DV MMSS e pescoço
cepcionalmente as veias da cabeça. Nos membros mielocele
superiores representam opções: 1) veias da mão:
DDH = decúbito dorsal horizontal; DLD = decúbito lateral direito;
basílica (medialmente) e cefálica (lateralmente); DLE = decúbito lateral esquerdo; DV = decúbito ventral; MMSS =
2) veias do braço: basílica (medialmente) e cefálica membros superiores.

182 An e s t e s ia Pe diátrica

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Acesso venoso central
m. esternocleidomastóideo
O procedimento para a obtenção de um acesso
venoso central não é tão seguro e isento de compli-
cações quanto o acesso venoso periférico. A utili-
zação de acesso central deve ficar restrita somente
àquelas condições nas quais as possibilidades de
acesso periférico estiverem esgotadas. clavícula
As principais indicações para acesso venoso cen-
tral são: cirurgias com previsão de grandes perdas
sangüíneas; monitorização do débito e das pressões
cardíacas; infusão de drogas e líquidos que podem
lesar o endotélio vascular; via de aspiração de êm-
bolo gasoso.
Fig. 12.1 – Pontos de reparo para a abordagem da veia jugular in-
O acesso venoso central pode ser obtido por terna.
meio de punção venosa de veias tributárias próxi-
mas ao coração, como a veia jugular interna e a A agulha deve ser apontada e inserida em di-
subclávia; punção da veia femoral; punção de veia reção ao mamilo do neonato, seguindo abaixo da
cujo trajeto é distante do coração, um procedimen- bainha muscular. Quando corretamente punciona-
to conhecido como percutaneous central venous ca- da, uma grande quantidade de sangue escuro flui
theters (PCVC); dissecção venosa3-5. pela agulha. Nesse momento o cateter, previamen-
te medido, deve ser inserido, a seguir conectado a
Acesso venoso de veias tributárias um soro basal e posteriormente fixado ao pescoço.
Veia jugular interna
Veia subclávia
Para a colocação de acesso venoso central em pa-
cientes pediátricos cirúrgicos, especialmente nos ne- Para a punção da veia subclávia adotam-se os
onatos e crianças menores, é fundamental que o pa- mesmos cuidados gerais descritos para a punção da
ciente esteja anestesiado, monitorizado, sobre colchão veia jugular interna, mas não há consenso quan-
térmico ou berço aquecido, na posição de decúbito to ao posicionamento da cabeça. Alguns trabalhos
dorsal horizontal. Preconiza-se a elevação do tórax que utilizaram imagens ultra-sonográficas para de-
com a colocação de um pequeno coxim de compres- terminar as dimensões da veia jugular mostraram
sas no dorso. Assim, com a cabeça pendente, ocorre que a rotação da cabeça provoca diminuição do
distensão venosa no pescoço, ao mesmo tempo em diâmetro da veia (cerca de 22%). A colocação de
que se diminui o risco de embolia aérea durante a coxim entre as omoplatas, para afastar os ombros
punção. Em alguns serviços recomenda-se a coloca- e anteriorizar a veia subclávia, manobra freqüente-
ção da mesa cirúrgica na posição de Trendelenburg mente associada à anterior, também provoca estrei-
para provocar o engurgitamento do território venoso tamento da veia (cerca de 18%). A maior redução
do pescoço e diminuir o risco de embolismo aéreo. ocorre nos diâmetros posterior e anterior, que são
A cabeça do bebê é virada a 45o para o lado opos- clinicamente relevantes durante a punção. Essas al-
to ao lado que vai ser puncionado. Após assepsia terações, de apenas alguns milímetros, tornam-se
rigorosa da pele, a punção é realizada no ponto mé- significativas nas crianças menores em função das
dio da borda do músculo esternocleidomastóideo, pequenas dimensões da veia em relação ao calibre
lateralmente à artéria carótida comum (Fig. 12.1). das agulhas utilizadas para a punção. Assim, a oti-

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mização do diâmetro da veia subclávia deve nortear ao pulso da artéria femoral e fazer progredir um
os cuidados com o posicionamento dessas crianças, cateter até o coração. A punção da veia femoral é
para diminuir a morbidade da técnica6-8. de fácil execução, rápida e segura, mas tem como
Em nosso serviço recomenda-se que a cabeça do desvantagens o risco de transfixação venosa e de
bebê seja posicionada a 45o, voltada para o mesmo posicionamento do cateter em sítios diferentes, co-
lado que irá ser puncionado, para evitar que o cate- mumente a veia renal ou ilíaca contralateral.
ter progrida para a veia jugular interna. A punção é
realizada no ponto médio da clavícula. A agulha é Percutaneous central venous catheters
apontada em direção ao nó esternal e inserida, se- (PCVC)
guindo tangencialmente o tórax (Fig. 12.2). A utilização do PCVC como via de acesso cen-
tral após cirurgias pediátricas tem crescido em
todas as UTIs do mundo. Trata-se da punção de
uma veia periférica, geralmente a veia basílica ou
cefálica, com uma agulha de grosso calibre. Pela
luz da agulha é introduzido um cateter de silicone
com um fio-guia, que se faz progredir lentamente
até alcançar o coração. É uma técnica de fácil exe-
cução, segura e muito utilizada para nutrição pa-
renteral e infusão de drogas. Não é adequada para
infusões rápidas de grandes volumes de soro ou
sangue, apresenta risco de trombogenia e a fixação
é precária, podendo haver escape do cateter com
facilidade. Embora PVCV tenha pouca utilidade
Fig. 12.2 – Pontos de reparo para a abordagem da veia jugular in- em anestesia, pode ser útil como via de infusão de
terna.
drogas.
Quando corretamente puncionada, uma gran-
Dissecção venosa
de quantidade de sangue escuro flui pela agulha, e
então se procede a inserção do cateter, previamente A dissecção venosa é, em geral, a última opção
medido. quando os demais acessos venosos periféricos ou
Em mãos habilitadas, a colocação do cateter ve- centrais falharem. Nos hospitais onde não existem
noso central tanto na veia jugular interna quanto médicos experientes para a obtenção de acesso ve-
na veia subclávia apresenta como vantagem ser um noso central em crianças, a dissecção venosa é a
procedimento seguro, de fácil e rápida execução. As segunda opção, após esgotarem-se as possibilidades
principais desvantagens são o risco de hematomas de uso de veias periféricas. As dissecções venosas,
cervicais graves, transfixação da veia, hemotórax, preferencialmente, são realizadas pelo cirurgião pe-
pneumotórax, lesão de válvulas cardíacas, trom- diátrico que irá operar a criança. Para a realização
boses e embolias, além de infecções como flebites, da flebotomia, é fundamental que o paciente esteja
celulites e endocardites. anestesiado, monitorizado, sobre colchão térmico
ou berço aquecido, em posição de decúbito dorsal
horizontal e sob condições assépticas. Preconiza-se
Acesso venoso pela veia femoral
a colocação de um pequeno coxim de compressas
Com os mesmos cuidados de assepsia, pode-se no local onde vai ser realizada a flebotomia a fim de
puncionar a veia femoral localizada medialmente aumentar a distensão venosa local.

184 An e s t e s ia Pe diátrica

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Os locais mais comuns da execução da fleboto- intravenosas periféricas. Essa técnica é usada em
mia são os membros superiores, pescoço e a crossa situações de emergência, quando não foi possível
da veia safena na região femoral, excepcionalmen- conseguir acesso venoso central ou periférico, e
te. Na região do pescoço, as veias mais comumente deve ser descontinuada tão logo se obtenha uma
utilizadas são a jugular externa, a jugular interna e via segura. As complicações atribuíveis ao método,
a facial, proximamente à inserção no tronco tireo- como celulite, abscesso e osteomielite, ocorrem em
lingocervical. uma freqüência menor que 1% dos casos e relacio-
O local de preferência e a veia a ser puncionada nam-se com a duração da infusão e com o estado
dependem de cada instituição. Diferentemente das clínico dos pacientes.
punções para acesso venoso central, um procedi- A maior restrição ao método deve-se à dificul-
mento no qual não se pode verificar o trajeto da dade no posicionamento adequado da agulha. A
agulha que está sendo inserida, a dissecção venosa punção deve ser efetuada em um ponto localizado
possui a vantagem de ser executada sob visão direta. cerca de 1 a 2 cm abaixo e medialmente à tuberosi-
Do ponto de vista de acesso venoso para a moni- dade tibial. A agulha utilizada deve ser curta, com
torização anestésica, quando o cateter inserido via um mandril, e inserida em um ângulo de 75o com
flebotomia alcança posição central, permite a rápi- a ponta dirigida para o pé. A posição adequada é
da infusão de volumes e de drogas, além da medida identificada pela perda da resistência. Quando ade-
da PVC durante a cirurgia. Como desvantagem, quadamente posicionada, é relativamente fixa e os
levam a perda completa da veia, altos índices de líquidos fluem livremente, sem extravasamento5.
flebite e impossibilidade de manter-se o cateter por
tempo prolongado.
Monitorização Clínica
Acessos venosos na emergência
Apesar do avanço tecnológico que colocou à
Outras possibilidades menos comuns de uti- disposição do anestesiologista uma gama de moni-
lização de acessos venosos para anestesia seriam tores específicos de grande precisão, a monitoriza-
aquelas de extrema urgência: veia umbilical, intra- ção clínica continua tendo um papel relevante du-
óssea e a traquéia. Tais situações ficam reservadas rante anestesias pediátricas. Esse tipo de monitori-
ao tratamento de emergência na sala de parto ou zação inclui manobras de inspeção e tácteis, como
pronto-socorro em que a via de acesso venoso pe- a avaliação da coloração da pele e das mucosas, das
riférico ou central é impossível. A veia umbilical é características dos pulsos periféricos e a avaliação
diretamente utilizada na sala de parto para a infu- do enchimento capilar nas pontas dos dedos. In-
são de líquidos de reposição volêmica ou aplicação clui ainda, além da ausculta cardíaca, a pesquisa
de drogas. A via intra-óssea é acessada por meio de de variações da temperatura corporal, da presença de
punção da tíbia proximal, em sua superfície ante- lacrimejamento e do tamanho das pupilas9-11.
rior, e está indicada principalmente para reposição As crianças em bom estado geral interagem bem
volêmica. Finalmente, a via intratraqueal permite com o meio ambiente, tem coloração das mucosas
somente a instilação de drogas. e do leito ungueal rosada, e a cor da pele do tronco
A infusão de líquidos de uso intravenoso na ca- e dos membros é mantida. A hipoxemia ou défi-
vidade medular de ossos longos é um método útil cits de perfusão, de qualquer origem, levam a palidez
para ressuscitação em crianças hipovolêmicas. Esse de mucosas e da pele. Essas mudanças precedem
método também pode ser utilizado para adminis- o aparecimento de cianose, que se instala quando
tração de drogas e é tão eficaz quanto as outras vias os níveis de saturação de oxigênio são menores de

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80%. A cianose pode ser indicativa de má perfusão com o auxílio de estetoscópio precordial ou esofá-
periférica e, nesse caso, a pele é tipicamente fria. Ao gico, a eletrocardiografia é monitorização conside-
contrário, nos casos de cianose por doença cardíaca rada mandatória.
congênita, a pele é quente. Os efeitos da hipoxemia O eletrocardiograma contínuo é um método
e/ou da má perfusão tecidual podem tornar a crian- pelo qual se pode avaliar a freqüência cardíaca e
ça irritada ou letárgica; assim, durante a visita pré- diagnosticar o surgimento de arritmias. Como as
anestésica, o nível de consciência deve ser avaliado alterações isquêmicas em crianças hígidas são raras
levando-se em conta a idade, o amadurecimento e como a derivação DII permite uma boa avalia-
psicossocial e a condição clínica da criança11,12. ção da atividade atrial e o diagnóstico de arritmias,
Os dados obtidos da observação clínica consti- esta derivação é recomendada para a monitorização
tuem a base auxiliar para a interpretação daqueles contínua durante anestesias pediátricas10,12.
obtidos com o auxílio de monitores. Os monito- A freqüência cardíaca varia inversamente com
res são ferramentas importantes que contribuem a idade. As crianças mais jovens têm menor com-
para melhor qualidade e segurança das anestesias placência miocárdica e, portanto, têm volume sis-
pediátricas e representam um avanço na busca de tólico relativamente fixo. Nessas crianças o débito
uma situação ideal com taxas de morbimortalidade cardíaco está na dependência da freqüência cardí-
iguais a zero9,13,14. aca e pode estar sensivelmente reduzido durante
episódios de bradicardia.
Ausculta torácica Nos neonatos, a relação entre o peso do ventrícu-
A ausculta com estetoscópio precordial ou eso- lo direito (VD) e do ventrículo esquerdo aproxima-
fágico fornece informações quanto a ventilação se de 1:1, relação que diminui com o crescimento,
pulmonar, a intensidade e as características das bu- atingindo valores de 0,4:1 no adulto. A predomi-
lhas cardíacas e a avaliação da freqüência cardíaca. nância relativa do VD manifesta-se pelo desvio do
O abafamento das bulhas é um indicador precoce eixo cardíaco para a direita, com valores entre 90o e
de hipovolemia e pode preceder as alterações da 180o no plano frontal. A onda R é sempre proemi-
pressão arterial e da perfusão periférica. Para otimi- nente na derivação DIII. O eixo frontal reverte para
zar a ausculta e diminuir o risco de deslocamento, 65o a 100o entre os 3 e 6 meses de idade15.
a extremidade do estetoscópio esofágico deve ser A bradicardia e a taquicardia sinusal são as al-
colocada no terço médio do esôfago. terações de ritmo mais freqüentes na criança. As
O estetoscópio precordial, um monitor simples, disritmias, quando ocorrem, raramente têm reper-
fornece boa indicação da contratilidade cardíaca e, cussão hemodinâmica e geralmente indicam oxi-
portanto, do estado hemodinâmico geral. Permite genação ou ventilação inadequadas. Em crianças,
também a monitorização da ventilação pulmonar o eletrocardiograma não detecta com facilidade as
e possibilita o diagnóstico de situações como intu- alterações decorrentes de distúrbios eletrolíticos.
bação endobrônquica, obstrução do tubo traque- A hipercalemia pode produzir onda T pontiaguda, e a
al, de broncoespasmo e de embolia gasosa durante hipocalcemia, o prolongamento do intervalo QT15.
neurocirurgias com a cabeça elevada, em um plano
superior ao coração12. Pressão arterial

Eletrocardiograma Durante anestesias, até mesmo nas crianças me-


nores, a pressão arterial guarda boa relação com a
Embora muitas arritmias possam ser diagnos- variação de volume sangüíneo circulante e, por-
ticadas por ausculta cuidadosa dos sons cardíacos tanto, é um bom guia para a reposição volêmica.

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O tipo de monitorização e a freqüência das medidas A pressão arterial também pode ser monitori-
dependem das condições clínicas dos pacientes. zada de maneira invasiva por meio de cateteriza-
Nas crianças e neonatos hemodinamicamente ção intra-arterial. Esse método está indicado em
estáveis, os métodos não-invasivos fornecem valo- crianças submetidas a cirurgias de grande porte ou
res precisos de pressão arterial, representando uma hemodinamicamente instáveis, que necessitam de
opção confiável e segura de monitorização16 (Tabe- suporte com drogas vasoativas ou de coletas repeti-
la 12.2). das de sangue para gasometria arterial.
Para a precisão das medidas com métodos não- A artéria radial é o local preferencial de punção
invasivos, recomendam-se alguns cuidados em re- para a inserção do cateter. Nos neonatos, a punção é
lação à colocação e às dimensões do manguito do realizada na artéria radial direita porque nesse ter-
aparelho de pressão (Tabela 12.3). ritório a gasometria é representativa de fluxo san-
O manguito deve estar firmemente adaptado, güíneo pré-ductal5.
recobrir cerca de dois terços do comprimento e A punção da artéria radial é efetuada após a ve-
pelo menos a metade da circunferência do braço rificação da adequação da circulação da artéria ul-
da criança. O uso de manguitos mais estreitos ou nar pelo teste de Allen. Nos neonatos, o trajeto da
não colocados de forma adequada leva à leitura de artéria radial pode ser identificado com o auxílio
valores falsamente elevados. Já o uso de manguitos de um Doppler portátil. Utilizam-se cânulas com
mais largos fornece resultados falsamente meno- mandril metálico e calibres de 20 a 24 G. A punção
res. Durante episódios de hipotensão, as medidas deve ser realizada onde a pulsação é mais intensa,
de pressão obtidas com manômetro de mercúrio normalmente na segunda prega proximal do pu-
podem subestimar as pressões sistólica e diastóli- nho e com angulação de 15o a 20o. Após o retorno
ca, apesar da utilização de manguitos adequados e de sangue arterial, introduz-se a cânula plástica na
bem posicionados. Assim, nas crianças hemodina- artéria. O caráter pulsátil do sangue arterial con-
micamente instáveis, está indicada a utilização de firma o correto posicionamento da cânula, que é
monitorização intra-arterial16,17. então conectada a uma linha de extensão e a uma
torneira de três vias. Para a eliminação de bolhas
Tabela 12.2 – Valores normais de pressão arterial em crianças procede-se a aspiração do sistema e, a seguir, sua
Idade Pressão arterial Pressão arterial conexão ao transdutor de pressão. No local de pun-
sistólica (mmHg) diastólica (mmHg) ção é feito curativo que tem também a função de
Neonatos 60-90 20-60
fixação do cateter arterial5.
Crianças 95-105 53-66
Outras opções estão representadas pelas artérias
femoral, braquial e dorsal do pé. A opção de ca-
Escolares 97-112 57-71
nulação da artéria femoral é feita quando não for
Modificado de Hazinski16 possível a punção de nenhuma outra artéria peri-
férica. Fica reservada, portanto, às emergências em
Tabela 12.3 – Dimensões de manguitos recomendados para virtude da dificuldade de fixação e de imobilização
aferição de pressão arterial em crianças do membro inferior, além do risco de contamina-
Manguito Largura (cm) Comprimento (cm) ção do local da punção com fezes e urina16.
Neonatos 2,5-4,0 5,0-9,0
Independentemente do local de punção, as
complicações da cateterização arterial podem ser
Crianças 4,6-6,0 11,5-18
graves. Entre elas incluem-se obstrução arterial,
Escolares 7,5-9,0 17-19 embolização, trombose com necrose tissular e in-
Modificado de Hazinski .
16
fecção local ou sistêmica16.

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Pressão venosa central tamponamento cardíaco e morte. Durante a inser-
ção do cateter, a ocorrência de inspiração profunda
A monitorização da pressão venosa em crianças ou de movimentação da criança pode resultar em
está indicada nos cirurgias nas quais estão previstas embolia gasosa. Assim, recomenda-se que a in-
grandes perdas volêmicas ou formação de terceiro serção do cateter seja efetivada após a indução da
espaço (mais de 50% do volume sangüíneo calcula- anestesia geral.
do), durante hipotensão controlada e cirurgia car-
Antes da injeção de drogas vasoativas deve-se
díaca com circulação extracorpórea. Está indicada
proceder a aspiração do cateter para testar a correta
também nas cirurgias de pacientes com estado clí-
localização, no interior do vaso e para a profilaxia
nico deteriorado (insuficiência renal, insuficiência
de embolia aérea pela retirada de bolhas gasosas re-
cardíaca congestiva) mesmo que não se suponham
manescentes.
grandes perdas ou desvio de líquidos. Nos lactentes,
os valores normais de pressão venosa central variam A pressão venosa central é baixa durante epi-
entre 0 e 5 cm de água. Nas crianças entre 3 e 8 cm sódios de hipovolemia decorrente de desvio de lí-
de água (valor médio de 4 cm de água)15,18,19. quidos para o terceiro espaço ou por hemorragia
e de desidratação. Algumas situações que levam à
Nas crianças, a monitorização da pressão venosa
vasodilatação reativa, como ocorre com o reaque-
central é muito mais freqüente do que a monito-
cimento após cirurgia com circulação extracorpó-
rização da artéria pulmonar. Nas crianças sadias,
rea, podem causar diminuição da pressão venosa
as características anatômicas do coração, com sep-
central. No entanto, as elevações da pressão veno-
to interventricular de menor espessura e de massa
sa cen­tral ocorrem em crianças com insuficiência
muscular menos desenvolvida do que o do adulto,
ventricular direita, com taquicardia intensa, este-
tornam o desempenho dos dois ventrículos muito
nose ou insuficiência da valva tricúspide e duran-
semelhante e fazem com que as pressões das câma-
te ventilação controlada mecânica, especialmente
ras direitas possam ser representativas das pressões quando se adota PEEP16.
das câmaras esquerdas. Entretanto, nas crianças
com defeito cardíaco congênito que poderiam se
beneficiar das medidas obtidas da artéria pulmo- Temperatura
nar, a correta colocação do cateter é dificultada pe- As crianças e lactentes são capazes de manter a
las alterações anatômicas. Em certas condições com temperatura corporal por um mecanismo que asso-
grandes defeitos septais ocorre equilíbrio entre as cia a vasoconstrição periférica e a produção de calor
pressões das câmaras cardíacas e, assim, a monitori- pela metabolização de gordura marrom. Embora o
zação da pressão venosa central expressa as pressões mecanismo de vasoconstrição mantenha seu papel
medidas com cateter na artéria pulmonar18. termorregulador, diante de episódios de hipotermia
A inserção do cateter pode ser feita pela veia discreta esses pacientes não conseguem aumentar a
subclávia ou pela jugular, procedimento que não produção de calor por aumento da taxa de metabo-
é isento de risco. Uma alternativa seria a utilização lismo. Dessa forma, durante anestesias prolongadas
de uma veia periférica do membro superior. Há na desenvolvem hipotermia, em função da perda de
literatura alguns trabalhos mostrando que há boa calor que ocorre em maior grau do que a produção.
correlação entre os valores de pressão venosa obti- Nas crianças menores, a relação massa/superfície
dos na veia periférica e os medidos centralmente20. corporal é maior do que no adulto, o que as torna
A ponta do cateter deve ficar localizada na veia mais suscetíveis à perda cutânea de calor.
cava superior ou na junção da veia cava com o átrio A perda calórica ocorre, predominantemente,
direito. A colocação, de forma incorreta, no átrio di­ através da pele por irradiação, mas as perdas por con-
reito pode causar perfuração da parede do átrio, vexão e por condução, a partir de tecidos expostos,

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não devem ser negligenciadas. Nas cirurgias em que esôfago, o sensor pode ser influenciado pela tem-
são efetuadas grandes incisões a perda por evapora- peratura do gás inspirado presente na traquéia,
ção no campo cirúrgico torna-se relevante19. levando a erros de leitura. As temperaturas naso-
Para aumentar a produção de calor, as crian- faríngea e timpânica são as que melhor refletem a
ças que apresentam hipotermia no pós-operató- temperatura cerebral. Outras opções, usadas com
rio imediato tendem a desenvolver tremores. Esse menor freqüência, são a temperatura retal e a vesi-
mecanismo torna-se eficaz quanto à termogênese cal. Esta última é medida com o auxílio de sondas
somente a partir de 1 ano de idade. Durante as vesicais com dispositivos especiais para aferição da
cirurgias, o uso de bloqueadores neuromusculares temperatura.
competitivos bloqueia essa resposta, periferica- A temperatura axilar é geralmente 1ºC mais
mente. No pós-operatório, após a reversão me- baixa que a temperatura central. O sensor deve ser
dicamentosa do bloqueio neuromuscular, podem colocado sobre o trajeto da artéria axilar com o bra-
ocorrer tremores com aumento significativo do
ço discretamente aduzido.
consumo de oxigênio. Essa intercorrência é parti-
cularmente perigosa nas crianças anemiadas e em Além da monitorização da temperatura, é im-
estado crítico. portante a monitorização de qualquer equipamen-
to capaz de oferecer calor ao paciente, como col-
A hipotermia que se instala no período periope-
ratório de cirurgias de grande porte, com tempe- chões térmicos e umidificadores de gases inspira-
ratura corporal inferior a 34-36o, pode levar a dis- dos. A temperatura da sala cirúrgica também deve
túrbios de coagulação, prolongamento do tempo ser controlada com precisão19,21.
de recuperação anestésica e alterações respiratórias.
Nessas condições, as crianças tornam-se mais sus- Débito Urinário
cetíveis ao risco de infecções com prolongamento
O débito urinário fornece indícios da adequa-
do tempo de hospitalização e, em conseqüência,
ção do volume intravascular e do débito cardíaco.
maiores taxas de mortalidade. Esses fatores de risco
tornam mandatória a manutenção de normoter- A utilização de um cateter uretral permite a moni-
mia no intra-operatório à custa de cuidados como torização contínua do débito urinário, do estado
uso de colchões/mantas térmicos, umidificação e de hidratação e, indiretamente, do volume sangüí-
aquecimento de gases inalados, aquecimento de lí- neo circulante durante cirurgias de grande porte ou
quidos de reposição e diminuição das perdas por após traumas que levam a grandes perdas de sangue
evaporação19,21. ou de líquidos.
O local indicado para a monitorização da tem- Nas crianças, alguns mecanismos fisiológicos
peratura está na dependência dos objetivos. Naque- exercem impacto sobre o fluxo urinário. Durante a
las cirurgias nas quais há risco de mudanças bruscas primeira semana de vida, a taxa de filtração glome-
de temperatura, como na cirurgia com circulação rular e o fluxo sangüíneo plasmático representam
extracorpórea, o sensor deve ser posicionado em re- cerca de 25% dos valores do adulto normal. O rim
giões ricamente vascularizadas como o esôfago. do neonato é limitado em sua capacidade de con-
A temperatura esofágica é influenciada pelos centrar e excretar urina. Ao final da primeira sema-
grandes vasos e reflete a temperatura central. Du- na de vida, os rins adquirem limiares para o sódio
rante anestesias, o posicionamento do sensor colo- e a glicose semelhantes aos do adulto. A capacida-
cado na porção distal do esôfago permite detectar de de concentrar urina aumenta progressivamente
as variações de temperatura do compartimento nessa idade, embora a maturidade da função renal
central. Quando colocado na porção proximal do somente seja atingida aos 2 anos de vida15.

A ces s os V eno s o s p a r a A n e s t e s i a N e o n at al 189

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A cateterização uretral é recomendada em cirur- permanência na unidade de recuperação pós-anes-
gias com duração maior do que 3 horas e nos pro- tésica, perante o risco de dessaturação arterial de
cedimentos nos quais grandes desvios de fluidos e oxigênio22,23.
perdas de sangue ou alterações hemodinâmicas são A oximetria mede a saturação de oxigênio da
previstas. Essas situações incluem perdas sangüíne- hemoglobina por técnica espectrofotoelétrica, pela
as maiores do que 20% do volume sangüíneo esti- determinação da quantidade de luz absorvida pelos
mado, reposição do terceiro espaço maior do que tecidos humanos. A luz origina-se de um di-iodo,
50% do volume estimado, neurocirurgia, circula- uma fonte que emite dois comprimentos de onda
ção extracorpórea, hipotensão deliberada, uso de (660 nm e 940 nm) e é captada por um detector
diuréticos ou hemodiluição intencional. que permite o cálculo contínuo da saturação. Ao
O débito urinário deve ser mantido acima de passar pelos tecidos, a luz é absorvida de forma di-
0,5 ml/kg/hora e, nessa condição, indica manuten- ferenciada pelos ossos, vasos sangüíneos, líquidos
ção da perfusão renal. A capacidade limitada dos corporais, sangue venoso e arterial e, ainda, pelos
rins de neonatos de compensar o aumento ou a di- diferentes tipos de hemoglobina. Um microproces-
minuição de volume circulante torna mandatório o sador identifica o elemento pulsátil da luz absorvi-
manuseio preciso de hemocomponentes e de líqui- da e ignora o elemento não-púlsatil, corresponden-
dos de reposição volêmica no intra-operatório21. te ao sangue venoso e, ainda, o efeito dos tecidos.
Nos neonatos e crianças menores, a cateterização Durante a sístole existe maior volume de sangue
uretral pode ser feita com uma sonda gástrica nú- no leito arterial do que durante a diástole. Assim,
mero 5 ou 8, o que evita o trauma produzido pelo menor quantidade de luz é transmitida durante
balão de retenção que contribui para a irritação e es- a sístole, tornando possível a diferenciação entre
pasmo da bexiga. Nos prematuros menores de 1 kg, sístole e diástole, com um algoritmo sofisticado.
a conexão da sonda uretral em uma bureta milime- O cálculo da saturação correspondente à sístole,
trada permite melhor avaliação do volume urinário saturação arterial, é efetuado considerando-se a di-
e, em conseqüência, do estado de hidratação. ferença de quantidade de luz absorvida pelo sangue
Embora a cateterização uretral seja um proce- oxigenado e pelo não-oxigenado22,24.
dimento relativamente seguro, o risco de compli- A monitorização com oxímetro de pulso é em-
cações aumenta com o tempo de monitorização. pregada de forma contínua, e as leituras isoladas
Dessa forma, esforços devem ser feitos para encur- não têm valor prognóstico porque não refletem
tar esse tempo. o real grau de saturação ou dessaturação arterial.
Embora os equipamentos atualmente disponíveis
Oximetria sejam relativamente precisos (95 ± 4% quando a
saturação é superior a 70%) e capazes de forne-
As normas de segurança padronizadas, atual- cer leituras adequadas com níveis de saturação até
mente, determinam que a monitorização da satu- 50%, podem fornecer leituras errôneas durante
ração periférica de oxigênio seja utilizada em todos episódios de dessaturação rápida. Há uma discre-
os casos de anestesia geral e de sedação consciente. pância entre o tempo necessário para a dessatura-
Em Pediatria, algumas situações tornam a oxime- ção máxima (24 a 35 segundos) e o tempo para a
tria particularmente útil, por exemplo, nos lacten- ressaturação (19 a 30 segundos). Como a satura-
tes sob risco de retinopatia da prematuridade, ci- ção arterial se mantém mesmo diante de valores de
rurgias para cerclagem da artéria pulmonar e shunt PaO2 menores de 70 mmHg, a oximetria de pulso
sistêmico pulmonar. No período pós-operatório, a não alerta o anestesiologista até que a tensão de
oximetria é mandatória durante a transferência e a oxigênio alcance esse nível25,26.

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Nas crianças, a resposta fisiológica a baixos ní- empregados nos oxímetros, os erros nas medidas de
veis de oxigênio arterial inclui bradicardia, acidose saturação são considerados desprezíveis para crian-
e piora da perfusão tissular. Nos neonatos, níveis ças nessa faixa etária12.
de oxigênio menores que 45-50 mmHg desenca- Na avaliação da oxigenação em neonatos, o
deiam vasoconstrição da circulação pulmonar e di- local escolhido para a medida da saturação é im-
latação do ducto arterioso. Essas alterações geram portante. A medida efetuada nas mãos (pré-ductal)
hipertensão pulmonar, redução do fluxo pulmonar monitoriza a oferta de oxigênio para o cérebro, en-
e aumento do shunt da direita para a esquerda, o quanto as medidas efetuadas nos pés (pós-ductal)
que resulta em piora da hipóxia e da acidose. En- refletem de forma mais adequada a oxigenação de
tretanto níveis elevados de oxigênio são deletérios órgãos vitais como os rins12.
em neonatos pelo risco associado de toxicidade do A oximetria tem algumas limitações que decor-
oxigênio e retinopatia da prematuridade. Assim, as rem de fatores ligados aos pacientes e de fatores
vantagens da monitorização contínua da saturação ambientais23,26,27.
oxigênio tornam-se óbvias nessa população18,26.
Além dos fatores já citados, a coloração da pele
Além da saturação de oxigênio e da freqüência altera a precisão das leituras do oxímetro. As pe-
cardíaca, a oximetria pode fornecer outras infor- les escuras absorvem a luz de forma diferente da
mações. Em pacientes hipovolêmicos, podem ser pele branca, e os erros de leitura decorrem prova-
detectados pulso paradoxal e/ou a perda de pulso velmente do uso de equipamentos que foram ori-
periférico. Outros fatores que diminuem a perfusão ginalmente calibrados a partir de dados obtidos de
periférica, como baixas temperaturas ou baixo débi- voluntários de pele branca28.
to cardíaco, também podem levar à perda de pulso.
A movimentação dos pacientes é um fator que
Em crianças normais respirando ar ambiente, os se torna relevante durante o transporte de neonatos
oxímetros fornecem saturação de valores de 98% e lactentes e durante episódios de choro. A expli-
ou maiores, mas alguns fatores, como níveis de he- cação mais provável baseia-se nas modificações de
moglobina menores de 5g/dl, ou nos neonatos, a fluxo venoso durante o movimento. Os oxímetros
presença de carboxi e/ou de meta-hemoglobinemia convencionais interpretam o leito arterial como
podem resultar em leituras errôneas. sendo o único compartimento com fluxo pulsá-
A carboxi-hemoglobina causa superestimação til. No entanto, durante os movimentos, o sangue
da saturação de oxigênio porque o detector inter- venoso se move irregularmente e o oxímetro in-
preta a carboxi-hemoglobina como se fosse oxi-he- terpreta esse fato como um sinal pulsátil. Nessas
moglobina. A meta-hemoglobinemia resulta em condições, a magnitude do erro nas medidas da
dessaturação, mas a saturação registrada tende a saturação de oxigênio é influenciada pela saturação
leituras de valores mais altos do que a saturação venosa, pela amplitude do sinal arterial e pela am-
real. Na presença de altos níveis de meta-hemoglo- plitude dos movimentos29.
bina, durante episódios de dessaturação, essa dis- Entre os fatores ambientais incluem-se a ener-
paridade torna-se mais evidente. gia eletromagnética do bisturi elétrico, a presença
A hemoglobina fetal constitui cerca de 50%- de radiação infravermelha das lâmpadas de aque-
80% da hemoglobina total do neonato. Seus níveis cimento e ainda a iluminação das salas de cirurgia
caem para 15% ao final do primeiro ano, sendo a com lâmpadas fluorescentes. Esse problema, de
maior variação constatada nos primeiros cinco me- menor ocorrência com os equipamentos de última
ses de vida. Como a hemoglobina fetal se compor- geração, pode ser evitado envolvendo o sensor com
ta de forma semelhante à hemoglobina do adulto material opaco capaz de impedir a passagem de ca-
quanto à absorção de luz de comprimentos de onda lor e luz24.

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O tempo necessário para que o oxímetro detecte tante como causa de erro na aferição do PETCO2.
as flutuações de saturação varia ente 1 e 50 segun- Além disso, para a prevenção da condensação de
dos. Os sensores podem ser colocados no nariz, na vapor de água, o sensor deve ser aquecido.
orelha, nas pontas dos dedos, nas mãos e nos pés. O uso de capnógrafo do tipo aspirativo em
Quando colocados no nariz ou na orelha, as respos- pacientes pediátricos é controverso. Há dúvidas
tas dos sensores são mais rápidas do que quando co- quanto ao local ideal do circuito respiratório para
locados nos membros. Em qualquer dos sítios, os a coleta de gases. Quando a coleta é efetuada pro-
sensores devem ser colocados sem que exerçam pres- ximamente à carina, a possibilidade de que haja
são excessiva para evitar congestão venosa pulsátil ou diluição pelo gás fresco é menor. As amostras cole-
diminuição de fluxo arterial. Dessa forma, evitam-se tadas do tubo endotraqueal, especialmente quando
leituras de valores falsamente baixos e ameniza-se o se usa adaptador em T, podem levar à subestimação
risco de isquemia e necrose de dedos, complicações do CO2 expirado. Normalmente, a amostra gasosa
que podem ocorrer em crianças. O uso de oximetria é aspirada da via aérea do paciente, em um fluxo
por tempo prolongado pode causar queimaduras, que varia de 50 a 150 ml/min-1. No entanto, fluxos
especialmente quando o sensor é colocado nos de- de 50 ml/min-1, como recomendado em lactentes,
dos. A profilaxia dessa complicação implica inspe- podem resultar em valores subestimados do CO2
ção freqüente do local do sensor, que deve ter sua expirado. Valores mais fidedignos podem ser obti-
posição alterada a intervalos regulares9,22. dos com fluxos de 100 ml/min-1 18.
Apesar das limitações da oximetria de pulso em A capnografia representa um guia para a avalia-
anestesia pediátrica, seu uso diminui, consideravel- ção da produção de gás carbônico e de sua elimina-
mente a incidência e a duração dos episódios de ção pela ventilação. Representa também um auxi-
dessaturação25,30. liar eficaz na identificação de eventual desconexão
e obstrução do circuito respiratório, das mudanças
Capnografia súbitas do débito cardíaco, das alterações metabóli-
cas e de fluxos inadequados de gases frescos, além de
A capnografia está incluída entre a monitoriza- poder confirmar a intubação endotraqueal31,32.
ção básica da anestesia. A capnometria é a medida Para a análise do capnograma são levados em
instantânea do CO2 expirado (PETCO2), contido conta: a presença ou a ausência de CO2 na mistura
no circuito respiratório, e a capnografia é a repre- exalada, o padrão do gráfico obtido e a compara-
sentação gráfica, contínua, dessa informação. Os ção entre o CO2 expirado e o arterial, nos casos nos
capnógrafos atualmente em uso utilizam a absorção quais se conta com gasometria seriada. O padrão
de luz infravermelha e, de acordo com a localização normal do capnograma depende do metabolismo,
do sensor, podem ser classificados em aspirativos da circulação e da ventilação alveolar, ou seja, da re-
(sidestream) e não-aspirativos (sensor colocado no lação ventilação-perfusão pulmonar (Fig. 12.3). A
circuito – mainstream). Ambos estão disponíveis análise do traçado deve considerar quatro fases: 1)
em modelos adequados para uso pediátrico, e as di- a linha basal correspondendo à pressão parcial de
ferenças técnicas devem ser consideradas quando da CO2 no ar inspirado. Representa, primordialmente,
interpretação e da análise dos dados obtidos11. o gás do espaço morto anatômico; 2) uma linha as-
Embora os capnógrafos do tipo não-aspirativo cendente correspondente à fase inicial da expiração.
disponham de acessórios de baixo volume, a inclu- Traduz o aumento progressivo nas concentrações de
são do sensor no circuito respiratório representa CO2 no ar expirado em função do esvaziamento dos
sobrecarga de peso no circuito e ocasiona aumento alvéolos; 3) um platô expiratório que corresponde
do espaço morto, a variável fisiológica mais impor- à pressão parcial de CO2 no ar expirado. O valor

192 An e s t e s ia Pe diátrica

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máximo coincide com o final da expiração, é repre-
1
sentado pela sigla PETCO2 e reflete o nível de CO2

CO2 expirado
arterial; 4) por último, uma linha descendente cor-
respondente à inspiração. O valor mínimo de CO2
detectado ao final da inspiração corresponde à pres-
são parcial de CO2 no ar inspirado (PiCO2)31,32.
Em condições normais, a linha basal tem valor Tempo
zero. Nas condições que levam à reinalação de CO2,
como exaustão de cal sodada ou válvula expiratória 2
incompetente, ela se eleva (Fig. 12.4).
A linha ascendente que é normalmente verticali-

CO2 expirado
zada pode tornar-se inclinada nos capnogramas de
neonatos ou de crianças pequenas, que apresentam
freqüência respiratória alta. Essa inclinação é decor-
rente do tempo de resposta do capnógrafo em rela-
ção à freqüência respiratória elevada (Fig. 12.5). Tempo

A alteração do platô expiratório, normalmente Fig. 12.4 – Capnogramas indicativos de retenção de CO2. 1 = a
horizontal, pode ocorrer em situações de obstrução linha de base se mantém elevada entre as inspirações; 2 = traçado
do equipamento ou das vias aéreas. Nesses casos, os com as mesmas características e freqüência respiratória elevada.
Modificado de Steven e Cohen15.
valores de CO2 aproximam-se de zero rapidamen-
te. Níveis baixos de CO2 com traçado mostrando
platô expiratório de forma original preservada é
um achado indicativo de aumento súbito do es-
CO2 expirado

paço morto ventilatório, como ocorre na embolia


pulmonar, gasosa ou por trombo. Nos casos de pa-
rada cardíaca ou embolia pulmonar maciça, o platô
expiratório diminui progressivamente até o valor
zero (Fig. 12.6)15,22. Tempo

Fig. 12.5 – Capnograma representativo de paciente com freqüência


respiratória alta e linha ascendente inclinada.
PetCO2
Modificado de Steven e Cohen15.
CO2 expirado

b Nos traçados de neonatos com volumes expira-


c tórios muito pequenos, o CO2 da mistura exalada
a PiCO2 pode ser lavado pelo fluxo de gás fresco. Nos grá-
ficos, em tempo real o segmento correspondente
d
ao platô expiratório é curto e o traçado torna-se
Tempo
apicoado (Fig. 12.7)15.
Fig. 12.3 – Traçado capnográfico normal. a = linha ascendente Alterações do platô respiratório podem ser re-
– fase inicial da expiração; b = platô expiratório (PetCO2 – valor máxi-
mo de CO2, detectado ao final da expiração); c = linha descendente
sultantes da superposição de movimentos respira-
– inspiração (PiCO2 – valor mínimo de CO2, detectado ao final da tórios irregulares em função da superficialização do
inspiração); d = linha basal – início da expiração. bloqueio neuromuscular (Fig. 12.8).

A ces s os V eno s o s p a r a A n e s t e s i a N e o n at al 193

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1
CO2 expirado

CO2 expirado
Tempo
Tempo
2
CO2 expirado

Fig. 12.8 – Representação esquemática de capnograma representa-


tivo de superficialização do bloqueio neuromuscular.

Tempo
3

CO2 expirado
CO2 expirado

Tempo
Tempo
Fig. 12.9 – Representação esquemática de capnograma representa-
Fig. 12.6 – 1 = Redução abrupta do CO2 expirado indicativa de obs- tivo de alteração provocada pelos batimentos cardíacos
trução mecânica, desconexão acidental, extubação orotraqueal; 2 =
traçado com platô expiratório reduzido, compatível com embolia pul- A inclinação da porção descendente, normal-
monar; 3 = traçado com redução progressiva do platô expiratório, mente verticalizada, pode ocorrer em condições de
compatível com parada cardíaca. Modificado de Steven e Cohen15.
obstrução inspiratória ou na presença de válvula ins-
piratória incompetente e ainda pode ser decorrente
1
do tempo lento de resposta do capnógrafo em rela-
CO2 expirado

ção a freqüências respiratórias altas (Fig. 12.10).

Tempo
CO2 expirado

2
CO2 expirado

Tempo

Tempo Fig. 12.10 – Representação esquemática de capnograma represen-


tativo de paciente com freqüência respiratória alta e linha descenden-
Fig.12.7 – 1 = Representação esquemática de capnograma de ne- te inclinada. Modificado de Steven e Cohen15.
onatos, com pequeno volume expiratório, mostrando encurtamento
de platô expiratório e traçado apicoado; 2 = a linha interrompida
representa a projeção do gás expirado se o fluxo de gás fresco não Baixos valores de CO2 expirado podem estar
lavasse parte do CO2 expirado. Modificado de Steven e Cohen15. presentes nas condições de diminuição de produ-
ção de CO2, como ocorre durante episódios de hi-
Podem ser resultantes ainda de oscilações causadas potermia. Estão presentes também nas condições
pelos batimentos cardíacos ou movimentos irregula- que levam à redução do fluxo sangüíneo pulmonar,
res da caixa torácica. Essas alterações podem surgir como, estenose de artéria pulmonar, shunt direita-
também em outras fases do capnograma (Fig. 12.9). esquerda, tetralogia de Fallot e ainda durante hiper-

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ventilação. Valores elevados de CO2 expirado estão Cateterização da Artéria
presentes nas condições que levam ao aumento da Pulmonar
produção, como, transfusão sangüínea, acidemia,
sepse, elevação de temperatura, hipertermia malig- As medidas da pressão de oclusão da artéria
na e ainda ventilação alveolar inadequada. Aumen- pulmonar representam um parâmetro relativa-
tos esporádicos, súbitos, ocorrem após inspiração mente importante em terapia intensiva e durante
profunda ou como repercussões das variações de anestesias em um determinado grupo crianças. As
débito cardíaco. Pode haver elevação do CO2 expi- principais indicações são as mesmas adotadas para
rado na fase premonitória de hipertermia maligna, os adultos, ou seja, pacientes com doenças cardio-
achado que deve ser valorizado nas anestesias de pulmonares graves, reposição volêmica em pacien-
crianças suscetíveis (Fig. 12.11)25. tes em estado de choque (grave e prolongado) e
monitorização de cirurgias de grande porte. Está
indicada ainda para o diagnóstico e tratamento de
embolismo gasoso. As principais contra-indicações
1 são arritmias, grandes shunts intracardíacos e coa-
CO2 expirado

gulopatias, ou seja, condições nas quais o risco de


complicações sobrepuja os eventuais benefícios18.
A cateterização da artéria pulmonar fornece me-
Tempo
didas das pressões das câmaras direita e esquerda
2 do coração, do débito cardíaco e da tensão de oxi-
CO2 expirado

gênio no sangue venoso misto.


Os cateteres disponíveis para uso pediátrico são
de calibre 5 F-7,5 F. Os de calibre 5 F podem ser
Tempo
utilizados em crianças com menos de 15-18 kg, os
Fig. 12.11 – 1 = Elevação brusca, isolada, do CO2 expirado que
de tamanho 7 F são usados para crianças entre 18 e
pode ocorrer após o uso de bicarbonato de sódio; 2 = elevação de 20 kg, enquanto os 7,5 F ficam reservados para as
CO2 resultante de hipoventilação ou nos estados hipermetabólicos crianças maiores e os adolescentes18.
como na fase premonitória de hipertermia maligna. Modificado de
Amaral et al25. Para a colocação do cateter, utiliza-se a técni-
ca de Seldinger, recomendada para a punção de
Em crianças livres de shunts pulmonares, a di- outras veias de grosso calibre. Como preconizado
ferença entre a PaCO2 e a PACO2 deve estar entre para os adultos, nas crianças o cateter é colocado
2-3 mmHg. O diagnóstico ou a detecção do agra- através de um introdutor. Após a retirada do ar da
vamento de um shunt preexistente pode ser feito se via destinada à artéria pulmonar e de sua conexão a
essa diferença for maior do que 5 mmHg. Pacien- um transdutor, o cateter é introduzido até alcançar
tes com problemas pulmonares podem apresentar o átrio direito, quando então o balão é insuflado.
diferença significativa entre o CO2 expirado e o A progressão é então monitorizada para a detecção
arterial. Nessas condições clínicas, a monitorização da curva de pressão do ventrículo direito. A partir
com capnógrafo fica limitada ao seu valor indicati- desse ponto deve ser introduzido cerca de 2 a 3 cm
vo de desconexão do circuito respiratório23. até a obtenção da curva de pressão típica da arté-
A interpretação criteriosa do capnograma é um ria pulmonar, com elevação da pressão diastólica.
fator de segurança na anestesia e pode diminuir A progressão do cateter deve então ocorrer até a
significativamente a necessidade de coletas de san- curva de pressão diminuir de amplitude, caracte-
gue para a gasometria arterial. rizando a pressão de oclusão da artéria pulmonar

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ou pressão de capilar pulmonar. A desinsuflação do Em condições normais, os valores de SvO2 va-
balão do cateter deve ser realizada e, assim, obtém- riam entre 60% a 80%. A SvO2 pode ser influencia-
se o retorno à curva de pressão da artéria pulmonar. da pela concentração de oxigênio no ar inspirado,
A confirmação da posição de oclusão é feita por pela quantidade de oxigênio liberada pelos pulmões
radiografia de tórax e pela análise dos gases sangüí- durante a ventilação, pela quantidade de oxigênio
neos em amostras coletadas com e sem a insuflação transportada pelo sangue ou liberada aos tecidos
do balão. Com o balão insuflado, obtém-se sangue pela circulação e pela quantidade de oxigênio con-
arterializado. Se o padrão gasométrico não é com- sumida pelos tecidos. Nas crianças, qualquer con-
patível com sangue arterializado, pode significar dição que leve a uma diminuição na oferta ou a um
que o cateter está próximo da parede do vaso ou aumento do VO2 pode produzir hipóxia tissular
que o balão herniou para além da ponta do cateter, rapidamente. A diminuição da oferta de O2 ocorre
dando uma falsa impressão de pressão de oclusão durante anemia, hipoxemia ou diminuição do dé-
positiva. Pode significar ainda que o cateter esteja bito cardíaco. Os níveis baixos de hemoglobina ou
compactado na parede do ventrículo direito. O in- de saturação de oxigênio podem alterar a saturação
trodutor é retirado e somente a porção distal per- venosa de oxigênio na dependência da resposta do
manece na veia cava superior16,18. débito cardíaco. Quando o débito cardíaco aumen-
As principais complicações são arritmias, in- ta, a oferta tissular de oxigênio e a SvO2 não se alte-
clusive taquicardia supraventricular e ventricular, ram. Quando não ocorre aumento do débito cardía­
bloqueio de ramo ou bloqueio cardíaco completo e co, a oferta de O2 e a SvO2 diminuem16,26.
trombocitopenia. A incidência de arritmias é com- Quando o consumo de O2 aumenta, como
parável à do adulto e transitória em cerca de 70% ocorre nos estados febris, episódio de dor, tremo-
dos casos, desaparecendo após a retirada do cateter. res musculares e hipotermia em neonatos, sem um
Para a profilaxia de níveis críticos de trombocito- aumento correspondente na oferta de O2, a SvO2
penia, recomenda-se que o cateter seja retirado 48 diminui. Diminuições agudas de SvO2 podem ser
horas após sua colocação. Essa recomendação tam- produzidas por hipoventilação, obstrução da via
bém limita a ocorrência de trombose e de infecção. aérea, deslocamento ou acotovelamento do tubo
Outras complicações incluem a migração do cate- traqueal, pneumotórax hipertensivo ou descone-
ter para o canal arterial ou para o ventrículo direi- xão acidental do equipamento. Manobras de aspi-
to, o acotovelamento do cateter com dificuldade ração do tubo traqueal podem estar associadas com
na remoção, sangramento ou infarto pulmonar e a diminuição da oferta de O2, e conseqüentemente
hemorragia ou tamponamento cardíaco quando da SvO2. Alterações do débito cardíaco produzidas
colocado por via transtorácica. por arritmias também podem causar diminuição
aguda da SvO2.
Monitorização da saturação de
oxigênio do sangue venoso misto Monitorização do débito
(SVO2) cardíaco
Uma das vantagens da cateterização da arté- A monitorização do débito cardíaco durante anes-
ria pulmonar é a possibilidade de monitorização tesias de pacientes em bom estado geral não é um
da saturação de oxigênio do sangue venoso misto parâmetro decisivo quanto a modificações no trata-
(SVO2). Essa monitorização pode ser feita por dis- mento e/ou na definição de condutas. No entanto,
positivo especial de fibra ótica com leitura contí- nos pacientes críticos submetidos a cirurgias de gran-
nua da SVO2 ou de forma intermitente, pela coleta de porte, torna-se particularmente útil na otimização
de sangue venoso misto. do débito cardíaco e das variáveis derivadas16.

196 An e s t e s ia Pe diátrica

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Nas crianças, a monitorização desse parâme- 8. von Goedecke A, Keller C, Moriggl B, Wenzel V, Bale R
tro fica prejudicada pela inadequação dos equipa- et al. An anatomic landmark to simplify subclavian vein
cannulation: the “deltoid tuberosity”. Anesth Analg
mentos, com cateteres de tamanho relativamente
2005;100:623-8.
grande. Quando há indicação, os probes podem 9. Auler Jr JOC, Carvalho MJ. Monitorização respirató-
ser colocados na artéria pulmonar durante cirurgia ria. Rev Bras Anestesiol 1992;42:41-9.
ou cateterismo cardíaco. Para uso em crianças, há 10. Battersby EF Monitoring during paediatric anesthesia. In:
monitores cujos sensores podem ser localizados em Sumner E, Hatch DJ. Textbook of paediatric anaesthetic
practice. London: Bailliére Tindall; 1998, p. 152-77.
uma artéria periférica e, portanto, pode ser utili-
11. Nadkarni UB, Shah AM, Deshmukh CT. Non-invasive
zado em crianças de qualquer tamanho, submeti- respiratory monitoring in paediatric intensive care unit.
das a cirurgia cardíaca ou não. O monitor calcula J Postgrad Med 2000;46:149-52.
o débito cardíaco após a injeção de glicose a 5%, 12. Hughes DG, Thornton PGN, Stokes MA. Monitoring
gelada, em uma veia central. Como acontece com in young children. In: Hutton P, Prys-Roberts C. Lon-
don: W.B. Saunders; 1994, p. 365.
os demais monitores que empregam a técnica de
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termodiluição, o método produz resultados duvi- tient. Int Anesthesiol Clin 1992; 30:77-90.
dosos em pacientes com shunt intracardíaco direi- 14. Badgwell JM. Respiratory gas monitoring in the pedia-
to-esquerdo grave ou regurgitação tricúspide19. tric patient. Int Anesthesiol Clin 1992; 30:131-46.
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Atualmente, é possível a monitorização contí-
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nio arterial e venosa mista. Esse método utiliza um ring: invasive and non-invasive clinical application. 2.
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probe colocado na artéria pulmonar e seu uso fica
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198 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 13
An e ste s i a R e g i on a l

Anna Maria Falchetto


Massako Ishimura
Ricardo Vieira Carlos

Considerações Gerais em uma série de 83 crianças. Em 1936, Sievers pu-


blicou o uso de anestesia epidural lombar em uma
Histórico da anestesia regional
série de nove casos.
Diante da atual popularidade da anestesia regio- O uso da anestesia epidural lombar contínua foi
nal em pacientes pediátricos, tendemos a encará-la relatado por Ruston em 1959, e o uso do cateter
como técnica moderna. Na verdade, a primeira pu- epidural torácico para analgesia pós-operatória foi
blicação sobre o assunto foi feita em 1898. Estamos publicado por Isakob et al. em 1971. Schulte Steim-
nos referindo ao relato de August Bier ao descrever berg e Bussoni, em 1984, demonstraram o alcance
os efeitos da raquianestesia em um menino de 11 lombar e torácico de cateteres pela via caudal.
anos usando como anestésico a cocaína isobárica.
Nos anos seguintes, surgiram novas publicações so- As abordagens regionais fora do eixo neuraxial
bre o uso da raquianestesia em crianças, abrangendo em crianças tiveram seu primeiro relato com Farr,
inclusive lactentes. A anestesia espinhal conquistou em 1920, sobre anestesia do plexo braquial. Accar-
adeptos em inúmeros centros de atendimento pediá­ do e Adriani descreveram a técnica de bloqueio do
trico ao longo das décadas de 1920 e 1930. Em 1944, plexo braquial pela via axilar em 1949. A via inter-
foi publicado por Lemmon e Hager o primeiro estu- escalênica foi descrita por Winnie em 1970. Mais
do sobre anestesia espinhal contínua em crianças. recentemente, principalmente a partir da década de
Ao longo da década de 1930 surgiram publi- 1980, surgiram inúmeras publicações sobre o uso de
cações sobre novas técnicas de abordagem do eixo variadas técnicas de bloqueio de nervos periféricos
neuraxial em crianças. Em 1933, Campbell relata o em nível de membros, tronco ou segmento cefálico.
uso da via epidural caudal, descrita para adultos em A anestesia regional em crianças é uma técnica
1901 independentemente por Sincard e Cathelim, de difícil execução e condução do ato intra-opera-

199

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tório com o paciente consciente. Nessas circuns- cações em crianças que recebem bloqueios periféri-
tâncias, o procedimento pode se transformar em cos em relação às que recebem bloqueios centrais2.
uma experiência aterradora, tanto para o pequeno
paciente quanto para o anestesiologista. Durante Vantagens e restrições
as décadas de 1940 e 1950, surgiram novas drogas,
principalmente os anestésicos inalatórios haloge- A anestesia regional em crianças pode ser con-
nados e os relaxantes musculares. Também hou- siderada uma técnica restrita quando aplicada
isoladamente. Durante muito tempo houve certa
ve um incremento no desenvolvimento de novos
resistência quanto à utilização da anestesia geral as-
equipamentos para uso em anestesia. Esses avan-
sociada a um bloqueio regional. Havia o temor de
ços acarretaram a modernização da anestesia geral,
se submeter o paciente aos riscos de duas diferentes
que passou a ser a técnica de escolha para pacien-
técnicas. Porém, nas últimas décadas, surgiram inú-
tes pediátricos. Houve, com isso, grande perda do
meras publicações analisando múltiplas variáveis
interesse pela anestesia regional. Durante a década
relacionadas ao uso de anestesia regional em crian-
de 1950, Ruston publicou 170 relatórios sobre o
ças. Reuniu-se, assim, farto material documentan-
uso da anestesia regional para inúmeros tipos de
do a eficácia e segurança no emprego da anestesia
cirurgias pediátricas. Previamente ao bloqueio, regional na faixa etária pediátrica3,4. No âmbito da
seus pacientes foram intubados e mantidos sob anestesiologia pediátrica atual, pensamos em somar
anestesia geral leve com óxido nitroso, oxigênio e benefícios quando indicamos uma anestesia regio-
halotano 0,25% durante o procedimento. Seus re- nal suplementada por anestesia geral leve.
latos sugeriam uma evolução clínica muito boa dos
Logicamente o emprego da anestesia regional
pacientes tanto durante a cirurgia como no perío-
será indicado dentro de um contexto em que se
do pós-operatório. No entanto, na época, a técnica
analisem criteriosamente os riscos e benefícios para
combinada proposta pelo autor não foi aceita e até
o paciente. Devem ser levados em consideração a
criticada. Assim, a anestesia regional teve um perío­
faixa etária da criança, a duração e o porte cirúr-
do de relativo esquecimento, embora continuasse
gico, a dor pós-operatória esperada, as alterações
sendo usada em muitos centros, com publicações
decorrentes da patologia cirúrgica, as patologias
esporádicas na literatura1. associadas, a aceitação da técnica pelo paciente
A partir da década de 70 houve um resgate na ou familiares. As contra-indicações devem ser do
popularidade da anestesia regional. Esta passou a ser conhecimento do profissional e rigorosamente res-
amplamente utilizada, gerando com isso a pesquisa peitadas. Após a avaliação de todas essas variáveis,
de novos agentes anestésicos, mais seguros e com é feita inicialmente a escolha entre uma anestesia
longa duração. Também surgiram as agulhas e cate- geral ou locorregional. No caso da opção por uma
teres de pequeno calibre adequados a sua prática na anestesia locorregional, seleciona-se a técnica que
população pediátrica. Houve a reintrodução do es- melhor se adapte às necessidades específicas de
timulador de nervo, já descrito por Perths em 1912, cada caso. Também se deve analisar a necessidade
no cotidiano da anestesia. Com o estimulador de de suplementação com sedativos ou anestesia geral,
nervo, tornou-se possível a realização segura e eficaz intubação traqueal, uso de agentes adjuvantes ou
dos bloqueios periféricos em pacientes sob anestesia locação de cateteres, traçando uma estratégia clara
geral. Assim, a partir da década de 1990, ganharam para a realização do procedimento. Além do ma-
destaque as técnicas regionais menos invasivas utili- terial específico para a técnica selecionada, devem
zadas isoladamente ou, mais comumente, em asso- estar disponíveis na sala cirúrgica medicamentos e
ciação à anestesia geral. A literatura publicada nos equipamentos para a ressuscitação cardiopulmonar
últimos anos documenta menor índice de compli- e suporte ventilatório. A monitorização dos parâ-

200 An e s t e s ia Pe diátrica

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metros vitais e a vigilância clínica são indispensáveis se usa um bloqueio regional, provavelmente pela
tanto no intra quanto no pós-operatório imediato. melhor drenagem venosa.
O anestesiologista deve ter formação específica am- 5. Pacientes com histórico familiar de hiperter-
pla; além da capacidade para a realização do pro- mia maligna são beneficiados com uso de anestesia
cedimento técnico, deve ser profissional habilitado locorregional. Tanto os anestésicos locais ligados a
a diagnosticar e tratar eventuais complicações ou ésteres quanto os ligados a amidas podem ser utili-
falhas do bloqueio. zados com segurança.
6. Pacientes pediátricos sob anestesia regional so-
Vantagens e indicações frem pouca variação hemodinâmica. Como conse-
qüência, há a preservação do fluxo sangüíneo renal,
1. Analgesia intra-operatória e relaxamento
que beneficia pacientes com insuficiência renal.
profundo com menor uso de agentes anestésicos
gerais e relaxantes musculares. A acidose láctica 7. Pacientes com doenças crônicas como asma,
decorrente das altas concentrações de halogenados bronquiectasia, traqueomalácia e fibrose cística têm
(especialmente halotano) é reduzida, diminuindo sua patologia de base agravada com a manipulação
das vias aéreas. Minimizando a agressão às vias aére-
a incidência de vômitos pós-operatórios. O uso
as com intubação, aspirações e altas concentrações
de relaxantes musculares torna-se desnecessário na
de anestésicos inalatórios, preserva-se o equilíbrio
maioria das vezes. Evita-se assim o uso de agentes
da função respiratória durante e após a cirurgia.
reversores ou ventilação mecânica pós-operatória.
A menor necessidade de agentes opióides intra e 8. Crianças portadoras de patologias neuro-
pós-operatórios também concorre para uma me- musculares com reserva ���������������������������
respirat�������������������
ória reduzida. Eli-
nor incidência de náuseas e vômitos e menor risco minando uso de relaxantes musculares e opióides,
de depressão respiratória. Garante-se, assim, um cujo efeito residual pode comprometer o precário
equilíbrio da função respiratória, diminuímos o
despertar mais rápido, sem dor e sem a prostração
risco da necessidade de assistência ventilatória pós-
decorrente das náuseas e vômitos. A realimentação
operatória.
precoce do paciente minimiza os efeitos metabóli-
cos adversos decorrentes do ato anestésico cirúrgi- 9. Epidermólise bolhosa: pacientes portadores
co e diminui a ansiedade dos pais, que ficam extre- dessa patologia muitas vezes têm a via aérea prati-
mamente angustiados com o tempo de jejum ou a camente inacessível. As sinéquias em fossas nasais e
sonolência residual de suas crianças. boca, as anquiloses em articulações temporoman-
dibular e de coluna cervical ou as retrações cica-
2. Melhor controle das variações endócrinas triciais do pescoço tornam às vezes impraticável a
desencadeadas pela agressão anestésico-cirúrgica, intubação traqueal ou locação de máscara laríngea.
propiciando ao paciente uma recuperação mais rá- É difícil a adaptação de máscara facial ou fixação
pida e menor permanência hospitalar. de sondas sem causar lesões cutâneas. Esse grupo
3. Eliminação de reflexos autonômicos causado- de pacientes desenvolve lesões estenosantes de esô-
res de laringoespasmos e arritmias cardíacas. Esses fago e, com freqüência, têm indicação de gastros-
reflexos são comuns durante cirurgias de períneo, tomia para suporte nutricional enteral. A anestesia
anorretais e penianas. Necessitam de anestesia geral regional pode ser a alternativa que proporciona
profunda para serem abolidos e podem ser supri- maior segurança e menor sofrimento para a reali-
midos ou atenuados com uma anestesia regional. zação da intervenção cirúrgica.
4. Analgesia e relaxamento muscular adequado 10. Crianças prematuras são consideradas de
para redução e imobilização de fraturas nos mem- alto risco para apnéia pós-operatória até a 60a se-
bros. Também o edema tende a ser menor quando mana pós-concepção. Embora a anestesia regional

Anes tes i a R eg i o n a l 201

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não elimine totalmente o risco de apnéia tem sido atualmente não sejam neurotóxicos, nas concen-
preconizado seu uso para essa faixa etária. trações usuais, não está totalmente descartada a
11. Analgesia pós-operatória: esta é uma vanta- possibilidade de se desencadear ou mascarar uma
gem inquestionável da anestesia regional. Depen- crise evolutiva. Nos processos expansivos é preferí-
dendo do anestésico utilizado, técnica empregada ou vel evitar os bloqueios centrais devido ao risco de
associação com agentes adjuvantes, pode ser obtido hipertensão intracraniana. A hidrocefalia, com ou
um controle da dor pós-operatória com alto grau de sem derivação, e as patologias da medula espinhal
eficácia e segurança por períodos prolongados. em qualquer nível constituem contra-indicação
12. Anestesia ambulatorial: a anestesia regional relativa à realização dos bloqueios perimedulares.
está especialmente indicada para procedimentos Quadro inflamatório ou infeccioso do sistema ner-
ambulatoriais, pois combina analgesia prolongada voso central e meninges contra-indicam formal-
com poucos efeitos colaterais, abreviando o perío- mente os bloqueios centrais. Finalmente, qualquer
do de permanência hospitalar5. que seja a patologia neurológica, é importante
uma avaliação clínica criteriosa antes e depois da
Contra-indicações e restrições intervenção. Os pais devem ser informados obje-
tivamente sobre a segurança, assim como sobre as
1. Coagulopatias: as alterações de coagulação con- controvérsias relativas ao emprego da anestesia re-
gênitas ou adquiridas constituem contra-indicação gional nesse grupo de pacientes. Diante da recusa
formal à realização dos bloqueios centrais. As pun- ou hesitação dos pais, o anestesista deve optar por
ções nos compartimentos fechados levam ao risco de uma anestesia geral.
formação de hematoma compressivo que pode cau- 4. Pacientes oncológicos: com freqüências esses
sar dano às estruturas nervosas. Bloqueios periféricos pacientes estão em uso de agentes quimioterápi-
podem ser utilizados, porém sua indicação deve ser cos, que causam neoformação de pequenos vasos
criteriosa. Em pacientes hemofílicos, por exemplo, e fragilidade vascular e também podem causar pla-
os bloqueios periféricos só podem ser utilizados se quetopenia. Os bloqueios centrais estão, portanto,
houver correção da deficiência do fator VIII. contra-­indicados pelo risco de hemorragia e forma-
2. Infecção: processo infeccioso no local de in- ção de hematoma durante a punção.
serção da agulha ou cateter é considerado contra- 5. Anomalias de coluna ou sacro, que podem
indicação absoluta. Quanto às infecções sistêmicas, impossibilitar a abordagem do eixo neuraxial.
a postura é mais controversa. Os bloqueios centrais
em pacientes sépticos levam ao risco de introdução
Considerações anatômicas
de bactérias no sistema nervoso central durante a
punção. Nesses casos, só deve ser utilizada a aneste- Existem diferenças anatômicas entre o adulto
sia perimedular quando a antibioticoterapia estiver e a criança que devem ser do conhecimento do
estabelecida6. anestesiologista durante a execução da anestesia
3. Doenças neurológicas: na maioria das pato- locorregional na prática diária. Durante o desen-
logias neurológicas não há contra-indicação formal volvimento intra-uterino, a extremidade cefálica
para a realização da anestesia regional. As patolo- do embrião se desenvolve mais rapidamente. Ao
gias centrais altas decorrente de anóxia e as neu- nascimento, a criança possui uma cabeça relativa-
ropatias periféricas não contra-indicam nenhuma mente grande e membros pequenos em relação ao
técnica locorregional. Nas patologias caracterizadas tamanho do corpo. Com o desenvolvimento, essa
por episódios recorrentes e nas doenças desmieli- proporção se altera gradativamente até uma inver-
nizantes, embora os anestésicos locais disponíveis são total. No adulto a cabeça é proporcionalmente

202 An e s t e s ia Pe diátrica

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pequena e os membros são grandes em relação ao localizados um no corpo, um em cada arco e um
tronco (Fig.13.1). Esse é um dos fatores que pro- em cada pedículo da vértebra. Os núcleos dos arcos
porciona maior estabilidade hemodinâmica duran- direito e esquerdo desenvolvem-se progressivamen-
te um bloqueio regional em crianças. te até fundir-se dorsalmente, formando o arco neu-
A coluna vertebral do recém-nascido tem um ral, por volta do segundo ano de vida. Posterior-
comprimento de aproximadamente 20 centíme- mente, fundem-se com o núcleo do corpo, entre
tros. Desenvolveu-se rapidamente nos dois primei- os 3 a 6 anos de vida, soldando o arco posterior
ros anos de vida, atingindo cerca de 45 centímetros ao corpo vertebral. Durante a infância, as apófises
ao final do segundo ano. Após essa idade, o cres- transversas, as apófises espinhais e as faces superio-
cimento é mais lento e diminui gradativamente, res e inferiores dos corpos vertebrais continuam
atingindo cerca de 50 centímetros na puberdade. cartilaginosos. A partir da puberdade, aparecem os
O comprimento definitivo é atingido por volta dos centros de ossificação secundários localizados nos
22 ou 24 anos de idade. A coluna do adulto tem discos epifisários do corpo, processos articulares
em média 60 a 75 cm de comprimento. O com- superiores, processos articulares inferiores e extre-
primento relativamente grande da coluna no re- midades de cada uma das apófises transversas e es-
cém-nascido e em crianças explica a necessidade de pinhosa. Esses centros secundários se desenvolvem
volumes relativamente maiores para atingir o nível gradativamente até a fusão completa por volta dos
de analgesia desejado nos bloqueios perimedulares. 25 anos de vida. Nas vértebras sacrais e coccígeas,
A coluna vertebral do recém-nascido é basicamente os centros de ossificação primários se fundem com
cartilaginosa. Os primeiros núcleos de calcificação os das vértebras adjacentes formando uma massa
surgem no feto por volta da décima semana. São óssea única. O processo de ossificação do sacro só
chamados núcleos de calcificação primários e estão será completado tardiamente, em torno dos 25 a

Recém-nascido 2 anos 12 anos Adulto


Fig. 13.1 – Alterações na proporção corporal relacionadas à idade.

Anes tes i a R eg i o n a l 203

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30 anos de idade. Em crianças abaixo dos 8 anos de
idade é possível atingir o espaço epidural pela via
transacral, puncionando-­se através dos espaços in-
tervertebrais cartilaginosos do sacro. Embora não
exista análise estatística de lesões na estrutura óssea
da coluna, devemos ter em mente que o uso do
material inadequado ou abordagens intempestivas
podem lesar os núcleos de ossificação.
Também existe um risco maior de punção in-
tra-óssea ou mesmo de ultrapassagem do arcabou-
Adulto
ço cartilaginoso da coluna com lesão de estrutu- Criança
ras retroperitoniais, intra-­abdominais ou pélvicas. Neonatal
A posição da coluna vertebral ao nascimento é le-
Fig. 13.2 – Alterações nas relações da coluna terminal e crista ilíaca
vemente cifótica devido à postura intra-interina do de acordo com a idade.
feto. Os espaços entre as apófises espinhosas são
mais paralelos em relação aos do adulto e crianças
maiores em qualquer nível da coluna. Por volta dos altura da terceira vértebra lombar e o sacro dural,
3 meses de vida, quando ocorre a sustentação da na altura da quarta vértebra sacral. O processo de
cabeça, desenvolve-se a musculatura do pescoço e, distanciamento continua durante a vida extra-ute-
conseqüentemente, a convexidade anterior da co- rina, atingindo a posição definitiva por volta de 1
luna cervical. Entre os 12 e 18 meses, com a postu- ano de idade. Na criança após essa idade e no adul-
ra ereta e a deambulação, aparece a lordose lombar. to, a medula termina na altura da primeira vértebra
Os espaços entre as apófises espinhais sofrem, com lombar e o saco dural, da segunda vértebra sacra
essas modificações, uma verticalização no nível da I (Fig. 13.3). Portanto, em recém-nascidos o saco
coluna torácica. dural situa-se muito próximo ao hiato sacral, re-
Ao nascimento, o sacro ocupa grande parte da querendo especial atenção quanto ao avançamento
cintura pélvica e seu crescimento é acentuado até da agulha no canal sacro durante a punção caudal.
os 2 anos. Sua posição é relativamente mais alta O fluido cerebroespinhal é produzido no ple-
devido à ausência de desenvolvimento da muscu- xo coróide do 3o e 4o ventrículos cerebrais a uma
latura glútea, o qual ocorre com a deambulação. velocidade estimada de 0,35 m. Setenta por cento
A linha intercristal superior cruza a linha média do fluido produzido permanece preenchendo as
na altura da quinta vértebra lombar ou até mesmo cavidades dos ventrículos. O restante circula para
da primeira vértebra sacral (Fig. 13.2). Portanto, o fora através dos forames de Lushka e Magendie,
hiato sacral é mais cefálico e a projeção das apófises banhando outras estruturas cerebrais e medula.
vertebrais lombares e sacrais é mais distal em rela- Em crianças menores de 15 kg e recém-nascidos,
ção à crista ilíaca nos recém-nascidos e lactentes. o volume de líquidos cefalorraquidiano é aproxi-
No início do desenvolvimento fetal, a medula madamente 4 ml/kg enquanto no adulto é de ape-
ocupa toda a extensão do canal vertebral. Durante nas 2 ml/kg. Isso explica a necessidade de grande
a vida intra-uterina, seu crescimento é menor que quantidade de anestésico e a pequena duração dos
o da coluna, gerando uma verticalização das raízes bloqueios espinhais em crianças pequenas.
mais baixas e um distanciamento progressivo en- O espaço epidural estende-se do forame magno
tre o término da medula e do canal vertebral. Ao ao hiato sacro. Em seu interior estão contidos raízes
nascimento, o término da medula encontra-se na nervosas, tecido gorduroso, vasos linfáticos, artérias

204 An e s t e s ia Pe diátrica

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ter atenção redobrada ao avançar a agulha, testando
a perda de resistência a cada milímetro.

Fisiologia e farmacologia

Os mecanismos de percepção e resposta à dor


são um fenômeno altamente complexo que envol-
L1 1 ano ve receptores periféricos, vias de transmissão, vias
moduladoras e discriminativas e substâncias neu-
L3 3 anos rotransmissoras. O desenvolvimento e maturação
das vias e mecanismos da dor começam precoce-
mente durante a vida embrionária e se completam
muito após o nascimento.
Os receptores periféricos têm o início do desen-
volvimento, a partir de terminações nervosas livres,
durante a sétima semana de vida intra-uterina. Apa-
recem primeiro na região perioral, posteriormente
S2 1 ano nas extremidades e, por volta da vigésima semana,
S4 Recém-nascido estão em todo o tegumento.
A diferenciação das vias aferentes e cornos dor-
sais inicia-se por volta do trigésimo dia de vida em-
brionária e se completa em torno da 30a semana.
Fig. 13.3 – Variação do nível terminal da medula e saco dural em Ao nascimento, apenas o processo de mielinização
função da idade.
ainda não está completo.
Também nas vias intra-espinhais o processo de
e veias. A gordura epidural nos recém-nascidos existe migração e diferenciação é precoce durante a vida
em menor quantidade e possui um aspecto esponjoso embrionária. O processo de mielinização começa
por ser mais frouxa. A menor quantidade de gordura por volta da 20a semana. Completa-se por volta da
torna o espaço epidural relativamente grande, faci- 24a semana nas vias espinotalâmicas e por volta da
litando o avançamento de cateteres e a difusão das 28a semana nas vias espinocerebelares. Assim, por
soluções anestésicas. A distância entre a pele e o es- volta da 29a semana as vias espinhais longas já se en-
paço epidural já foi objeto de investigação por vários contram completamente diferenciadas e mieniliza-
autores. Existe uma variação muito grande de acor- das. As conexões sinápticas entre os interneurônios
do com a faixa etária e também entre indivíduos da parecem ser mínimas durante o período embrioná-
mesma faixa etária. Tanto as tentativas de correlação rio, porém a imaturidade não prejudica a transmis-
com o peso quanto com a idade mostraram dados são de estímulos. Aparentemente a pobreza de co-
muito precários em todas as faixas etárias estudadas. nexões sinápticas é compensada por fenômenos de
Bussoni estudou a distância em L2-L3 e propôs con- facilitação.
siderar a distância ao nascimento como sendo, em As estruturas supra-espinhais têm início de de-
média, de 10 mm. Para o cálculo nas demais faixas senvolvimento por volta da oitava semana de vida
etárias, propôs a seguinte equação: distância = (idade embrionária. O processo de migração neuronal
em anos) x 2 + 10 mm. Como as variações indivi- está concluído na 20a semana no córtex cerebral.
duais são muito grandes, na prática precisamos que A arborização dendrítica é inicialmente muito ati-

Anes tes i a R eg i o n a l 205

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va e estabelece numerosas conexões intracorticais e transmissão da antinocicepção não está completa-
talamocorticais. A mielinização, como nos níveis mente desenvolvido ao nascimento.
periféricos e espinhais, tem cronologia diferente Portanto, o recém-nascido, mesmo prematuro,
nas várias áreas e concluída nas vias talâmicas e sente dor. Apenas não tem os mecanismos prote-
reticulares por volta da 30a semana. Nas conexões tores da antinocicepção, tornando-se ainda mais
talamocorticais da cápsula interna e corona radiata, vulnerável às agressões nociceptivas. Os mecanis-
só se completa na 37a semana. O estudo de dados mos complexos de defesa contra a dor só se de-
anatômicos, biológicos e eletrofisiológicos sugere a senvolvem após o nascimento durante o segundo
existência de funções corticais que confirmam fa- semestre de vida.
culdades cognitivas e associativas desde a vida in- Os receptores opiáceos estão presentes ao nasci-
tra-uterina. mento, sendo o recém-nascido sensível à ação far-
Ao nascimento, as estruturas nervosas contêm macológica dos opióides.
substância P e receptores específicos superiores às A dor visceral é difícil de ser analisada, pois fal-
quantidades encontradas nos adultos. A concen- tam informações precisas sobre a distribuição das
tração de neuropeptídeos aumenta rapidamente fibras eferentes viscerais e suas ligações centrais. Os
até o quarto dia de vida, quando cai, também ra- estímulos viscerais estão basicamente ligados à dis-
pidamente, até níveis similares aos do adulto. Ao tensão das alças intestinais, aos espasmos viscerais,
nascimento, existe grande liberação de opiáceos tração e irritação ou inflamação peritoneal e preu-
endógenos provavelmente relacionados ao estresse ral. Manifestam-se de maneira difusa, sem elemen-
neonatal. Os níveis de beta-endorfina no recém- tos que identifiquem uma distribuição topográfica
nascido chega a ser três vezes maior que os da mãe7. precisa da origem dos estímulos nociceptivos.
Os níveis de opiáceos endógenos começam a se re- A percepção cognitiva da dor depende de fun-
duzir 24 horas após o nascimento, chegando ao ções cerebrais complexas que envolvem, por defi-
nível do adulto por volta do quinto dia de vida. nição o “conhecimento”. Sua percepção e expressão
No entanto, nas estruturas espinhais, as encefalinas são amplamente variáveis durante toda a infância
só começam a aparecer após a segunda semana de e vida adulta. Sofre profunda influência de fatores
vida extra-uterina. As vias inibitórias provenientes psicológicos relacionados às “vivências individuais”
do tronco não são funcionantes ao nascimento, e envolve afetividade, educação, valores sociocultu-
provavelmente porque seus neurotransmissores es- rais e ambientais. Muitas vezes a criança expressa
pecíficos (5-hidroxitriptamina e noradrenalina) só como “dor” qualquer sensação desconhecida ou de-
aparecem mais tarde. sagradável que lhe cause ansiedade. Diante do pro-
Assim, os dois eixos de nocicepção, ou seja, tan- cedimento cirúrgico, a criança tem apenas uma vaga
to o eixo espinotalâmico, que garante a percepção idéia dos eventos reais aos quais será submetida.
da dor discriminativa, quanto o eixo espinorreti- O impacto psicológico da internação hospitalar
cular, envolvido na transmissão protopática, se e a ansiedade dos pais podem despertar na crian-
tornam funcionais desde o terceiro trimestre de ça medos vagos que a levam a elaborar fantasias
vida intra-uterina. Mesmo no recém-nascido pre- aterradoras relacionadas ao ato de “cortar” e “dar
maturo a maturidade anatômica e neuroquímica pontos”. Essas fantasias evocam a idéia de perda da
é suficiente para que os influxos nociceptivos se- integridade física e mutilação dolorosa. Portanto,
jam normalmente transmitidos. Lembremos que a criança pode se tornar ansiosa e expressar como
a presença de mielina nas bainhas não condiciona “dor intensa” a percepção alterada ou ausente da
transmissão dos impulsos, mas somente aumenta a área anestesiada. Cabe ao observador a preocupa-
sua velocidade. Ao contrário, o eixo envolvido na ção de definir a sensação exprimida pela criança,

206 An e s t e s ia Pe diátrica

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identificar sua causa e tranqüiliza-lá quanto à inte- não sofrendo, portanto, os efeitos do bloqueio sim-
gridade física da área anestesiada. pático. Também contribuem para a estabilidade a
Os anestésicos locais exercem sua ação fisiológi- menor resistência vascular sistêmica e o menor se-
ca na membrana axonal, onde bloqueiam de ma- qüestro de volume nos membros inferiores propor-
neira reversível o início e propagação do potencial cionalmente pequenos nas crianças. O fluxo sangüí­
de ação. Uma elevação transitória da permeabili- neo regional sofre alterações paralelas ao declínio
dade da membrana nervosa ao sódio é necessária do débito cardíaco e pressão arterial, na circulação
para o início e propagação em potencial de ação. esplâncnica. Em adultos, nos membros inferiores
Segundo estudos de Hille8, os anestésicos locais anestesiados, ocorre aumento do fluxo sangüíneo
atuam reduzindo essa permeabilidade. Os anestési- com diminuição compensatória nas áreas acima do
cos locais, em sua forma não-ionizada, podem atra- nível de bloqueio. Estudos em crianças não detec-
vessar as barreiras que envolvem a fibra (epineuro, taram aumento do fluxo nos membros inferiores,
perineuro, endoneuro, mielina, bainha de Schwan) porém a diminuição compensatória nos membros
e alcançar os canais de sódio, onde impedem a pas- superiores foi significativa10.
sagem dos íons de sódio através do canal e, assim, Os efeitos sobre o sistema respiratório vão de-
o início e propagação do potencial de ação, blo- pender do nível e da densidade do bloqueio, assim
queando a passagem aos estímulos nociceptivos do como da idade da criança. Em recém-nascidos, as
local de origem ao cérebro. incursões respiratórias dependem basicamente do
Além dos efeitos fisiológicos diretos sobre a fibra trabalho diafragmático. Portanto, quanto mais
nervosa, os anestésicos locais desencadeiam efeitos jovem a criança, menor a repercussão da supres-
fisiológicos sistêmicos, secundários ao bloqueio são parcial da musculatura intercostal na função
dos estímulos nervosos. Durante os bloqueios cen- respiratória.
trais, ocorre o bloqueio do trato simpático lombar A abolição dos estímulos aferentes transmi-
superior e torácico inferior, causando vasodilata- tidos ao longo das vias autonômicas e sensoriais
ção nos membros inferiores. Nas anestesias mais tem importante função na prevenção da resposta
altas também são bloqueadas as fibras simpáticas neuroendócrina à agressão cirúrgica. A resposta
cardíacas originárias dos quatro segmentos toráci- neuroendócrina em recém-nascidos e lactentes é
cos superiores. Enquanto nos adultos ocorre que- mais acentuada e os bloqueios regionais são efi-
da da pressão arterial, declínio do débito cardíaco cientes em atenuá-la ou bloqueá-la11.
e vasodilatação periférica, na criança as alterações Após a injeção, a gordura local funciona como
hemodinâmicas são mínimas. Essa estabilidade he- depósito, retardando a absorção sistêmica e dimi-
modinâmica depende da idade: até a idade de 6 a nuindo o pico máximo12. Em recém-nascidos e lac-
8 anos a criança apresenta variação hemodinâmica tentes a absorção bifásica é praticamente ausente
insignificante e, após essa idade, a resposta hemo- e o pico sangüíneo maximo ocorre rapidamente13.
dinâmica se assemelha à do adulto, porém menos A absorção sistêmica é proporcional ao débito car-
pronunciada. Não está perfeitamente esclarecida díaco regional e à vascularização local. Nas crian-
a causa da maior estabilidade em crianças peque- ças, o débito regional é maior pela alta freqüência
nas. Experiências em animais demonstram que o cardíaca, levando a um aumento na velocidade
controle neuro-hormonal da pressão sangüínea e de absorção local e pico plasmático elevado. Para
a resposta a agonistas autonômicos são idênticas qualquer ponto de administração local, a absorção
em animais jovens e adultos9. Acredita-­se que nas sistêmica será tanto maior quanto mais jovem for a
crianças menores o controle hemodinâmico de- criança14,15. Na anestesia tópica das vias aéreas em
pende basicamente de fatores cardíacos intrínsecos, crianças menores de 3 anos existe uma absorção lo-

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cal muito elevada, pois, além do debito regional e aumenta gradativamente durante o primeiro ano
elevado, a vascularização da área é muito aumenta- de vida, paralelamente ao aumento do nível sérico
da nessa faixa etária16. de proteínas. A atividade da metemoglobino-redu-
No sangue, os anestésicos locais se fixam às pro- tase é baixa, contra-indicando o uso da prilocaína,
teínas plasmáticas e à superfície das hemácias ou cujos metabólitos ativos podem causar metemo-
circulam como fração plasmática livre. Nos recém- globinemia severa em recém-nascidos.
nascidos e lactentes, o nível sérico de proteínas é Os anestésicos locais do grupo amino-amidas
mais baixo e aumenta gradativamente até se igualar são metabolizados no fígado pelo sistema micros-
ao do adulto, entre os 6 e 12 meses. Isso determina somal hepático, que é funcionante desde o nasci-
um aumento da fração livre do anestésico17 e, con- mento, porém com atividade mais baixa em rela-
seqüentemente, do risco de toxidade sistêmica. As ção ao adulto18. O volume de distribuição maior
hemácias no recém-nascido são mais volumosas e é parcialmente compensado pelo aumento do cle-
o hematócrito mais elevado proporciona uma com- arance plasmático ligado à contribuição relativa do
pensação parcial quanto ao aumento da fração livre. debito sangüíneo hepático. Na criança, o fígado
A ligação protéica com a alfa-1-glicoproteína é ca- corresponde a 4% do peso corporal, enquanto no
racterizada por alta afinidade, porém atinge o limiar adulto é de apenas 2%.Os raros estudos relacio-
de saturação rapidamente. A ligação com a albumi- nados à farmacocinética dos anestésicos locais nas
na tem baixa afinidade, dificilmente atinge o nível faixas etárias mais jovens sugerem haver poucas di-
de saturação e torna-se mais vulnerável à inibição ferenças entre recém-nascidos e adultos19. Mesmo
competitiva com outros fármacos ou compostos en- assim, é recomendada prudência quanto ao uso de
dógenos, por exemplo, a bilirrubina. anestésicos locais no período neonatal. A atenção
Os efeitos tóxicos dos anestésicos locais estão di- deve ser redobrada quando se usam doses repetidas
retamente relacionados à fração plasmática livre, a ou infusão contínua, que predispõem a um efeito
cumulativo com maior risco de toxidade20,21.
qual se distribui pelos compartimentos hídricos do
organismo. Recém-nascidos e lactentes têm volu-
me de distribuição maior que os adultos pela maior Bloqueios Centrais em Pediatria
percentagem de água corporal. Após o nascimento, Introdução
a relação entre os compartimentos hídricos se al-
tera gradativamente até atingir a configuração do São chamados bloqueios centrais ou perimedu-
adulto em torno dos 2 anos de idade. O aumento lares as técnicas de anestesia regional que bloqueiam
no volume de distribuição tem como conseqüên- a condução nervosa no eixo neuraxial. As soluções
cia a atenuação dos efeitos tóxicos e um prolonga- anestésicas adequadas podem ser depositadas por
mento na meia-vida de eliminação dos anestésicos punção no espaço epidural, onde se difundem, ou
locais. A eliminação dos anestésicos locais é feita no espaço subaracnóideo, onde se dispersam mis-
por meio de biotransformação ou, em pequena turadas ao líquido cefalorraquidiano. O espaço epi-
percentagem, na forma não-modificada. Em crian- dural pode ser abordado em qualquer segmento da
ças abaixo dos 3 meses de idade a eliminação na coluna vertebral e o espaço subaracnóideo, no seg-
forma não modificada tende a ser mais significa- mento distal, após o termino da medula espinhal.
tiva tanto pela via renal como pela via digestiva. No passado, muitas vezes o bloqueio caudal
O ritmo de metabolização dos anestésicos locais do era realizado sem nenhum critério com relação à
grupo éster é mais lento nos recém-nascidos em re- utilização de técnica asséptica. Embora as com-
lação a crianças maiores e adultos. A concentração plicações infecciosas sejam pouco freqüentes, seu
de esterases plasmáticas é baixa no recém-nascido potencial de morbimortalidade justifica a preocu-

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pação em minimizar os riscos de contaminação. cateter deve ser o mais breve possível. Em nosso
Atualmente está universalmente estabelecido que serviço, temos usado a técnica para recém-nascidos
os mesmos padrões utilizados em adultos devem em cirurgias de maior porte, como, por exemplo,
ser adotados em crianças. Portanto, toda técnica de correção de atresia de esôfago e fístula traqueal.
abordagem central deve ser executada respeitando- Nessa população, teoricamente, a colonização da
se rigorosamente os critérios de prevenção do risco flora bacteriana intestinal ainda não se estabeleceu,
de introdução de microorganismos no sistema ner- diminuindo assim o risco de contaminação. Reco-
voso central, o que envolve uso de equipamentos mendamos o tempo de permanência apenas para
esterilizados, manipulação do material com luvas as primeiras 24 horas pós-cirurgia. A abordagem
esterilizadas, preparo exaustivo da pele com solu- do espaço epidural pela via caudal é feita através
ções anti-sépticas e isolamento da área com campos do hiato sacral. O sacro situa-se na extremidade
estéreis22. distal da coluna vertebral e é composto por cinco
Os riscos inerentes a cada técnica, as indicações, vértebras fundidas em uma estrutura óssea única.
as contra-indicações, a adequação ao porte cirúrgi- A parede anterior do sacro tem continuidade com
co, a analgesia pós-operatória e a idade da criança o cóccix, estrutura embrionária involutiva, sem
são fatores que devem ser criteriosamente analisa- função no organismo humano, que forma a termi-
nação distal da coluna vertebral. O hiato sacral si-
dos para a seleção da abordagem regional e solu-
tua-se na parte inferior da parede posterior do sacro
ções anestésicas que serão utilizadas.
e se forma ­pela ausência de fusão dorsal dos arcos
posteriores da quinta vértebra sacral. Pode ser facil-
Bloqueio epidural caudal
mente identificado pela palpação como uma fenda
O bloqueio epidural caudal simples ou por dose triangular, com forma de “v” invertido, acima da
única é a mais popular entre todas as técnicas de goteira sacrococcígea. As bordas laterais salientes
anestesia regional em crianças. Tem sido univer- são os cornos sacrais, formados pelos resquícios em-
salmente utilizado, para numerosos tipos de pro- brionários dos processos articulares da quinta vér-
cedimentos cirúrgicos, abrangendo diversas faixas tebra sacral. O hiato é recoberto por uma estrutura
etárias, inclusive recém-nascidos e lactentes23. fibrosa formada pelo entrelaçamento das fibras dos
ligamentos sacrococcígeo superficial e profundo.
Atualmente, a farta documentação publicada
Essa estrutura, denominada simplesmente mem-
consagra a técnica como eficaz e com baixo índi-
brana sacrococcígea, oblitera a extremidade distal
ce de complicações24,25. Também é considerada de do espaço epidural. As dimensões, forma e orienta-
fácil execução, mesmo quando praticada por prin- ção do hiato variam com o crescimento e individual­
cipiantes26. A abordagem pela via caudal também mente dentro de uma mesma faixa etária. Ao nas-
pode ser utilizada para a locação de cateteres até cimento, a parte posterior do sacro é praticamente
as regiões torácica e lombar, principalmente em plana e a angulação entre seu eixo longitudinal e
crianças menores de 1 ano. o cóccix é mais aguda, facilitando a localização do
No entanto, a utilização da via caudal para hiato sacral. Os cornos sacrais têm uma distância
analgesia contínua deve ser criteriosamente anali- látero-lateral variando aproximadamente entre 0,5
sada. Pela proximidade com o ânus, existe maior e 1 cm, tornando o ângulo de abertura do “v” mais
possibilidade de contaminação. Portanto, quando ou menos agudo. A ausência de fusão dorsal dos
indicada, devem ser redobrados os cuidados com arcos posteriores pode se prolongar até a quarta,
anti-sepsia, curativo oclusivo e vigilância quanto a ocasionalmente até a terceira vértebra sacral, pro-
contaminação, hiperemia ou infecção no sítio de longando o vértice do hiato no sentido cranial.
entrada do cateter. O tempo de permanência do Também pode ocorrer a continuidade do hiato

Anes tes i a R eg i o n a l 209

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com uma espinha bífida oculta que avança até a re- As patologias cirúrgicas mais comuns nessa faixa etá-
gião lombar. Essas variações anatômicas requerem ria englobam a correção de hérnias ingnais, orquido-
atenção especial, pois incorrem em uma aproxima- pexia, postectomia, cirurgias ortopédicas na pelve e
ção entre a membrana sacrococcígea e a extremida- membros inferiores, correção de anomalias do siste-
de do saco dural, aumentando o risco de punção ma urinário, cirurgias anorretais e tumores retroperi-
subdural acidental. É possível também a ocorrência toniais ou intra-abdominais. Na verdade, em crian-
de fusão completa dos arcos posteriores da quinta ças acima de 8 anos, apenas a relativa dificuldade
vértebra, com ausência do hiato sacral, tornando em localizar o hiato sacral limita o uso da epidural
impraticável a abordagem do espaço epidural pela caudal para procedimentos infra-umbilicais. Em ci-
via caudal. Essas anomalias são diagnosticadas pela rurgias acima de T10, seu uso é restrito em crianças
palpação durante o exame clínico. A habilidade em maiores, pois grandes volumes são necessários para
se atingir os dermatomos desejados. Porém, em re-
localizar o hiato e definir as variações anatômicas é,
cém-nascidos e lactentes, os dermatomos torácicos
portanto, o principal fator determinante do suces-
altos podem ser facilmente alcançados. Nessa faixa
so e segurança na execução do bloqueio epidural
etária, o bloqueio da condução nervosa pode ser fei-
pela via caudal. O hiato sacral abre-se diretamente
to com soluções menos concentradas, permitindo a
sobre o canal do sacro, extremidade distal do canal utilização de grandes volumes. Além das indicações
espinhal. As estruturas nervosas contidas no canal clássicas já referidas, a anestesia epidural pela via
sacral são as raízes espinhais inferiores, que formam caudal tem sido preconizada para algumas situações
a cauda eqüina e o filum terminal, resíduo do ca- especiais. Pode ser uma alternativa ao bloqueio espi-
nal ependimário, que liga a extremidade distal da nhal para cirurgias em recém-nascidos prematuros
medula ao cóccix. Além das estruturas nervosas com alto risco para apnéia28-30. Para esse grupo é uti-
mencionadas, estão contidos no canal sacro uma lizada isoladamente, pois a abordagem é mais fácil
rica rede vascular, vasos linfáticos, gordura e tecido do que a abordagem espinhal e tem a vantagem da
conjuntivo. A gordura nos recém-nascidos tem a analgesia pós-operatória prolongada.
aparência de uma esponja gelatinosa com pouco Em urgências, pode ser utilizada para redução
tecido conjuntivo de sustentação e torna-se mais de hérnias inguinal estrangulada, torção de testícu-
compacta a partir dos 6 a 7 anos. lo, onfalocele e tratamento de ferimentos extensos
Isso facilita a difusão das soluções anestésicas nos membros inferiores e pelve. Nos últimos anos,
e a progressão de cateteres no espaço epidural em com o incremento da cirurgia ambulatorial, tem
recém-­nascidos e crianças mais jovens. O plexo ve- sido preconizada para esse grupo de pacientes, pois
noso sacral, assim como o lombar, é um sistema tem a vantagem de combinar analgesia prolongada
avalvular, acarretando a distribuição sistêmica pra- com poucos efeitos colaterais31,32. As contra-indica-
ticamente imediata de soluções injetadas inadverti- ções específicas são infecção local, anomalias sacras
damente dentro de um vaso. que inviabilizam a técnica e as contra-­indicações
gerais aos bloqueios centrais.
Indicações, restrições e contra-indicações
Materiais e técnica
A anestesia epidural pela via caudal é geralmen-
te indicada para analgesia intra e pós-operatória em Alem das soluções anti-sépticas, bandeja, cam-
procedimentos que envolvem a área de distribuição pos e luvas estéreis, necessários para qualquer abor-
nervosa dos dermatomos entre T10 e S5, nas crian- dagem central, o material utilizado deve incluir os
ças abaixo de 8 anos de idade ou com peso inferior itens específicos para cada técnica.
a 30 kg. Quando utilizada dentro dessa faixa etária, A epidural caudal simples, no passado e mes-
proporciona um alto grau de eficácia e segurança3,27. mo nos dias atuais, tem sido amplamente praticada

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utilizando-se uma grande variedade de agulhas hi- Outra vantagem do cateter curto é que este pode
podérmicas, intravenosas, agulhas para raquianes- permanecer no espaço epidural, com a abertura
tesia e para punção epidural. A maioria dos autores externa devidamente ocluída e com curativo pro-
desaconselha a utilização desse material inespecí- tetor, durante o ato cirúrgico e permite uma dose
fico para a prática da abordagem epidural pela via suplementar após a cirurgia. As agulhas com bisel
sacral. tipo Tuohy, calibre 20 ou 22 gauge, preenchem as
A agulha ideal deve ter mandril obturador, bi- condições ideais, porém seu custo é elevado e nem
sel curto e calibre variando entre 20 e 23 gauge. sempre estão disponíveis em nosso meio.
Agulhas muito finas causam menor lesão tecidual, Para a realização do bloqueio caudal, a criança
porém dificultam a identificação de acidentes de deve ser previamente monitorizada com oxímetro
punção. As agulhas hipodérmicas, além da ausên- de pulso, cardioscópio, pressão arterial não-inva-
cia de mandril obturador, possuem bisel longo e siva e ter um acesso venoso estabelecido. É então
cortante. A penetração desse tipo de agulha é mais posicionada em decúbito lateral, preferencialmente
fácil, no entanto existe a secção de um número esquerdo, com as pernas fletidas a 90o sobre o qua-
maior de fibras e a percepção da passagem pela dril e 45o sobre os joelhos. O pocisionamento da
membrana sacrococcígea é atenuada. O bisel longo cabeça deve atender à preservação das vias aéreas
e cortante, principalmente em crianças menores, livres. Antes de dar início à execução do procedi-
pode ultrapassar os limites do espaço epidural, cau- mento, aconselha-se um exame clínico preliminar
sando lesão e sangramento do periósteo da parede para identificação do hiato sacral e possíveis ano-
anterior do sacro ou penetração intra-óssea. No in- malias, caso isso não tenha sido feito durante a
terior do canal sacral, ricamente vascularizado, é consulta pré-anestésica.
mais provável a lesão ou penetração de estruturas O hiato sacral pode ser identificado como o vér-
vasculares, aumentando o risco de toxicidade sistê- tice inferior de um triângulo eqüilátero projetado a
mica. As agulhas intravenosas tipo butterfly são de- partir das espinhas ilíacas pósteros superiores. Ou-
licadas, têm bisel curto e possuem extensão flexível tra referência é a crista sacral mediana, identificada
transparente que auxilia na detecção de refluxo de na parte proximal a partir da palpação do espaço
sangue ou líquor. Possibilitam a conexão da seringa intervertebral L4-L5. Prossegue-se com a palpação
contendo a solução anestésica previamente à pun- na linha média em direção caudal até encontrar
ção, evitando assim o deslocamento acidental da o hiato sacral. Outra manobra para identificação
agulha após seu posicionamento. A desvantagem do hiato consiste em posicionar o dedo indicador
das agulhas butterfly é a ausência de mandril obtu- na extremidade do cóccix, formando uma “pinça”
rador. Embora não exista na literatura relato de en- com o polegar. Mantendo-se o indicador firme-
xertos epiteliais no espaço epidural, utilizando-se a mente ancorado na extremidade do cóccix, deve-se
via caudal, existe a possibilidade de sua ocorrência. avançar o polegar com leve movimento em leque
Portanto, caso se utilize agulhas sem mandril ob- até encontrar os cornos sacrais 1 a 2 cm em dire-
turador, é importante efetuar um pertuito cutâneo ção cefálica. Após o exame preliminar, prossegue-se
com outra agulha previamente à punção. Os ca- com técnica asséptica, com o preparo do material
teteres intravenosos curtos de tipo jelco também de punção, da dose-teste e dose da solução anesté-
costumam ser utilizados. sica. A anti-sepsia da pele deve ser cuidadosa pela
Nesse caso, o guia metálico tem a função de proximidade com o orifício anal. Várias soluções
mandril obturador e o avançamento do cateter pelo anti-sépticas podem ser utilizadas, entre as quais
canal sacro oferece menor risco de penetração vas- povidina 10%, clorexidina 4%, tintura de iodo 2%
cular ou dural quando comparado à agulha metálica. ou álcool etílico 70%. Em recém-nascidos e lac-

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tentes recomenda-se a escolha de soluções menos cede-se então a injeção da dose-teste e, após 30 a
agressivas à pele e com menor possibilidade de rea- 60 segundos, a solução anestésica é injetada lenta-
ções de hipersensibilidade33,34. Geralmente se utiliza mente, com aspirações freqüentes e observando-se os
o álcool etílico a 70%, que possui latência de ação parâmetros da monitorização. A velocidade de in-
curta e evapora-se rapidamente sem deixar resíduos jeção deve se situar entre 0,25 a 0,7 ml por segun-
químicos na pele. Nas anestesias com passagem de do35,36, com um tempo de aproximadamente de 60
cateter o uso de clorexidina está indicado, pois esse a 90 segundos para finalizar a injeção do volume
agente possui ação germicida residual. A solução total. A utilização da dose-teste em crianças mui-
deve ser espalhada amplamente, com movimen- tas vezes não produz as mudanças cardiovasculares
tos no sentido craniocaudal e progressão lateral esperadas. Geralmente o bloqueio é realizado em
em relação à linha média, trocando-se a esponja crianças anestesiadas, as quais muitas vezes recebe-
a cada nova camada. Qualquer que seja a solução ram atropina endovenosa, mascarando o resultado
anti-­séptica utilizada, deve-se estar atento para não da dose-teste. Em crianças sob anestesia com ha-
contaminar a luva ou o material com resíduos quí- lotano, a dose-teste parece não ter eficácia37. Em
micos e secar com gaze o local da punção. pacientes sob anestesia com isoflurano, uma dose-
Após a anti-sepsia, localiza -se novamente o hia- teste contendo 0,5 ou 0,75 mcgl/kg de adrenali-
to sacro e penetra-se a agulha na linha média, na na parece proporcionar indicação relativamente
porção proximal do vértice do hiato, com um ân- confiável de injeção intravascular38. Porém, como
gulo entre 45o e 75o em relação à pele. Após sentir a resposta à dose-teste pode não detectar a punção
o “clique” característico de passagem pela membra- intravascular, a injeção do anestésico deve ser feita
na sacrococcígea, reorientar a agulha, diminuindo sempre lentamente, com aspirações intermitentes
o ângulo para 20o a 30o (Fig. 13.4), e avançar 2 a 3 e monitorização contínua dos parâmetros cardio-
mm no interior do canal do sacro. vasculares.
O posicionamento intravascular ou subaracnói- Com a punção do hiato sacral mais cefálica,
deo deve ser descartado mediante aspiração suave próximo ao vértice, evita-se a penetração da agulha
com uma seringa ou mantendo-se a agulha aberta na parede anterior do sacro. Nessa altura, o diâ-
para o ambiente durante 10 a 15 segundos. Pro- metro anteroposterior do canal do sacro é maior,
facilitando também a reorientação da agulha39. Os
vasos sangüíneos no interior do canal se distribuem
lateralmente, e a punção na linha média diminui
a eventualidade de uma penetração vascular. Os
erros mais comuns de posicionamento da agulha
durante a abordagem pela via epidural caudal estão
demonstrados na Fig. 13.5.
O erro mais freqüente, inserção da agulha no te-
cido subcutâneo, pode ser percebido pelo intumes-
cimento local durante a injeção da solução anes-
tésica. Também a punção vascular é um acidente
relativamente freqüente e pode ter conseqüên­cias
graves, caso não seja detectada. A ocorrência de
punção vascular está diretamente ligada ao tipo
Fig. 13.4 – Referências anatômicas e posição da agulha durante de bisel da agulha utilizada4,40. Se ocorrer refluxo de
abordagem epidural caudal. sangue, a agulha deve ser retirada, lavada com solu-

212 An e s t e s ia Pe diátrica

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1
4 3 2

5
6
7

1- Subcutâneo
2- Espaço epidural
3- Intra-óssea
4- Transsacral
5- Subperiostal posterior
6- Intravascular
7- Subperiostal anterior

Fig. 13.5 – Erros de posicionamento da agulha durante punção epidural caudal.

ção fisiológica ou substituída por outra e novamen- formação de abcesso ou meningite, nunca foram
te reposicionada. Nunca foram relatados na litera- relatadas após anestesia epidural por dose única.
tura hematomas epidurais pós-abordagem caudal. A ocorrência dessas complicações está relacionada
A perfuração da dura-máter é pouco freqüen- à permanência de cateter para analgesia pós-opera-
te quando a técnica é executada corretamente. A tória41,42.
maioria dos autores preconiza o abandono da téc- Para a punção com locação de cateter epidural,
nica pelo risco de passagem da solução anestésica o procedimento técnico é basicamente o mesmo
para o líquido cefalorraquidiano através da perfu- utilizado para a execução do bloqueio caudal sim-
ração na dura. A localização subperiostal ou nos li- ples. A punção pode ser feita com agulha de Tuohy
gamentos paravertebrais também pode ocorrer com 20 G ou com cateter venoso curto 20 G ou 18 G,
relativa freqüência e pode ser facilmente detectada através das quais possa ser introduzido um cateter
pela alta resistência a injeção da solução anestésica. de calibre adequado.
A punção intra-óssea também pode ocorrer, prin- A passagem de cateter pela via epidural caudal
cipalmente nas crianças mais jovens, nas quais o segue as mesmas normas de segurança preconizadas
processo de ossificação ainda é precário. A injeção para toda abordagem peridural, em qualquer nível,
da solução anestésica no interior da medula óssea como em adultos. Na abordagem caudal deve-se
leva ao risco de intoxicação, pois a distribuição sis- dar atenção especial a anti-sepsia pela proximidade
têmica do anestésico local equivale praticamente a com o orifício anal. Após a inserção da agulha ou
uma injeção intravenosa. Pode ser detectada por cateter venoso curto no espaço epidural, seu poci-
resíduos de sangue à aspiração e dificuldade para sionamento correto deve ser confirmado mediante
injeção da solução. Punção transfixante do sacro, a injeção de 1 a 2 ml de soro fisiológico. Duran-
com risco de lesão de vísceras intra-abdominais te a introdução do cateter, uma vez ultrapassado
ou estruturas vasculares pélvicas, constitui aciden- o bisel, este não deve ser tracionado isoladamente
te raro. Sua ocorrência possivelmente se relaciona para tentativa de reposicionamento. Isso pode oca-
a dificuldades técnicas, falta de perícia e material sionar a ruptura do cateter pela borda cortante do
inadequado. As complicações infecciosas, como a bisel, com permanência de corpo estranho no es-

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paço epidural. Em caso de dificuldade na progres- segurança. Muitos autores desaconselham a per-
são do cateter, todo o conjunto deve ser retirado manência dos cateteres epidurais pela via caudal
para nova tentativa. Caso a punção seja feita com pelo risco de infecção. Caso seja indicado, sua per-
cateter venoso curto, pode-se avançar ou recuar o manência deve ser restrita a períodos curtos de no
cateter epidural no interior do tubo plástico, sem o máximo 48 horas.
risco de danificá-lo. Durante a progressão do cate-
ter, algumas manobras podem ajudar a deslocar o Agentes anestésicos: dosagens e volume
cateter caso este encoste na parede ou outras estru-
turas do espaço epidural. Pode-se alterar a posição A busca pelo anestésico ideal para a execução de
das estruturas do canal mediante extensão e flexão um bloqueio regional procura aliar analgesia pro-
da coluna, liberando a passagem para o cateter ou longada com efeitos colaterais mínimos. Na verda-
injetar pequenos volumes de solução fisiológica de, não existe o agente que seja consenso universal
para deslocar a ponta do cateter das estruturas. Es- para utilização em anestesia regional pediátrica.
sas manobras devem ser executadas com delicadeza Portanto, para a seleção do anestésico, devem ser
e, diante da impossibilidade de progressão do ca- considerados o tempo de analgesia, a necessidade
teter, a técnica deve ser abandonada. O curativo ou não de bloqueio motor, a faixa etária e o es-
deve receber atenção especial quando se programa tado geral da criança. O agente anestésico, assim
a permanência do cateter epidural. A pele deve como a técnica, devem ser adaptados às necessida-
ser cuidadosamente limpa com tintura de beijoim des de cada procedimento. Em princípio, todos os
para facilitar a adesividade do curativo. A saída do anestésicos locais do grupo amino-amidas podem
cateter na pele deve acompanhar a trajetória do ser utilizados em crianças, com algumas restrições
orifício de entrada, fazendo retorno em direção ce- relativas à faixa etária. A prilocaína é contra-indi-
fálica com uma alça abaixo da emergência cutânea cada em crianças antes dos 6 meses de idade, pois
para evitar o acotovelamento (Fig. 13.6). É fixado pode levar a uma metemoglobinemia severa. Já a
então com curativo transparente do tipo Tegaderm mepivacaína não deve ser utilizada nas 3 primei-
para facilitar a vigilância subseqüente, permitindo ras semanas de vida por imaturidade do sistema
a detecção de hiperemia ou infecção local. Antes enzimático hepático. Na prática clínica diária, os
da utilização do cateter, é aconselhável a confirma- agentes anestésicos locais mais utilizados pela via
ção radiológica do posicionamento correto. Após caudal são a lidocaína, a bupivacaína e, mais recen-
aspiração delicada, descartando-se a presença de temente, a ropivacaína.
sangue ou líquor, injeta-se a dose-teste e a solução A Tabela 13.1 mostra as dosagens e concentra-
anestésica selecionada, seguindo-se as normas de ções comumente utilizadas.
A lidocaína é a amino-amida que apresenta a
menor toxicidade sistêmica. Sua eficácia e seguran-
ça já foram amplamente comprovadas43,44, porém
tem a desvantagem de proporcionar bloqueio com
duração limitada. Hoje é geralmente indicada em
procedimentos com duração inferior a 90 minutos
e que não causem muita dor pós-operatória, como
redução incruenta e imobilização de fraturas. As
concentrações utilizadas variam entre 0,5% e 2%,
Fig. 13.6 – Posicionamento do cateter para a fixação em anestesia e a adição de adrenalina prolonga significativamen-
epidural caudal contínua. te o tempo de bloqueio.

214 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tabela 13.1 – Anestésicos mais utilizados: dosagens e concentrações

Concentração Dose Dose max Dose max Latência Duração


Agente
(%) (mg/kg) (s/ adr) (c/ adr) (min) (horas)

Lidocaína 0,5-2 5-10 7 10 5 -15 0,75-2

Bupivacaína 0,125-0,25 2-3 2,5 3 15-25 2,5-6

Ropivacaína 0,2-1 2-3 3,5 - 5 -12 2,5-5

A bupivacaína tem sido amplamente utilizada da analgesia intra ou pós-operatória e com menor
pela via caudal para inúmeros tipos de procedimen- risco de toxicidade sistêmica. Na prática diária
tos cirúrgicos ou para analgesia pós-operatória, seja pode-se observar que, em recém-nascidos, concen-
por doses intermitentes ou por infusão contínua. trações a 0,1% são eficazes em produzir analgesia
A extensa literatura publicada nas últimas déca- cirúrgica, mesmo quando o bloqueio epidural cau-
das documenta múltiplos aspectos relacionados a dal é utilizado como técnica única. A bupivacaína
sua utilização em crianças. A concentração ideal é, entre os anestésicos do grupo amino-amida, o
para utilização pediátrica foi pesquisada por vários agente que apresenta a maior toxicidade sistêmica.
autores, e os resultados obtidos sugerem que con- Em recém-nascidos deve ser usada com prudência,
centrações entre 0,125% e 0,25% proporcionam principalmente quando se trata de administração
maior segurança e menores efeitos colaterais, sem de doses suplementares ou infusão contínua. Nes-
comprometer a qualidade do bloqueio. Utilizando-se ses casos, em virtude da meia-vida de eliminação
concentrações de 0,125%, obtém-se um período prolongada, corre-se o risco de toxicidade sistêmi-
de analgesia pós-operatória similar ao obtido com ca pelo efeito cumulativo das doses adicionais ou
concentração a 0,25%, porém menor do que com a infusão contínua. As soluções a 0,5% geralmente
concentração a 0,5%45-47. Durante o período intra- são pouco utilizadas na prática diária para blo-
operatório também não há diferença significativa queio pela via caudal. Embora essa concentração
na diminuição da concentração do agente inalató- proporcione um período de analgésica mais longo,
rio quando se comparam concentrações de bupiva- a incidência de bloqueio motor prolongado é mais
caína a 0,125% e 0,25%48. A adição de adrenalina elevada e, muitas vezes, crianças ficam angustiadas
para prolongar a duração do bloqueio caudal é um com a impossibilidade de movimentar os membros
pouco controversa. Para alguns autores, a adição inferiores51. Além disso, um dos critérios para alta
de adrenalina tem pouca eficácia em prolongar hospitalar em cirurgias ambulatoriais é a deambu-
o tempo de bloqueio49. Porém, em crianças mais lação autônoma, que pode ser comprometida pelo
jovens, nas quais geralmente se utilizam soluções bloqueio motor, aumentando o período de perma-
com baixas concentrações de anestésico local, está nência hospitalar. Quando se pretende bloqueio
demonstrado que a adição de adrenalina prolonga mais extenso, o volume necessário pode atingir ou
significativamente a duração do bloqueio caudal50. ultrapassar a dose máxima recomendada se a con-
Deve-se lembrar também que a adrenalina retar- centração utilizada for a 0,5%.
da a absorção local, diminuindo o pico plasmáti- A ropivacaína é um novo anestésico do grupo
co e conseqüentemente a toxicidade sistêmica da amino-amidas introduzido na prática clínica em
bupivacaína. A diluição da bupivacaína permite 1996. Tem estrutura química e farmacocinética se-
a obtenção de volumes adequados ao número de melhantes à da bupivacaína54, porém, enquanto a
dermatomos que se deseja bloquear, sem prejuízo bupivacaína é uma mistura racêmica, a ropivacaí-

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na é um enantiômero S puro, fato que lhe confere tanto o peso quanto a idade são bons parâmetros
potencial de cardio e neurotoxicidade muito infe- para o cálculo do volume de uma solução anestésica
rior ao da bupivacaína. Além da menor toxicida- a ser utilizada pela via epidural caudal. Embora os
de sistêmica, os efeitos colaterais de uma injeção diagramas de Bussoni sejam um guia muito preciso
intravascular acidental podem ser mais facilmente para prever o nível de analgesia, são de difícil aplica-
revertidos. O tempo de analgesia, em doses eqüi- ção. Na prática diária, a maioria dos autores indica
potentes, é similar, ligeiramente menor para a ro- modelos matemáticos de fácil aplicação, como os
pivacaína, quando se compara os dois agentes55,56. propostos por Armitage52 ou Takasaki et al53. Em
Outra característica da ropivacaína é um bloqueio nosso meio também é bastante utilizada a fórmula
motor menos denso e com menor duração, possibi- proposta por Varela e Reis.
litando deambulação mais precoce e amenizando o Fórmula de Armitag:
estresse decorrente da incapacidade de movimentar
os membros inferiores. A utilização da ropivaca- V= 0,5 ml x peso em kg para nível sacral
V= 1 ml x peso em kg para nível toracolombar
ína, em anestesia pediátrica é ainda recente, e os V= 1,5 ml x peso em kg para nível médio torácico
dados de literatura ainda são limitados. Não foram
realizados até o momento estudos que permitem a Formula de Takasaki:
análise de sua utilização em séries extensas como no
Volume (ml) = 0,05 x peso em kg x número
caso da bupivacaína2,3,4. Porém, possivelmente, sua de dermatomos a serem bloqueados
utilização clínica a longo prazo demonstre maior
segurança quando comparada à bupivacaína. A ro- Fórmula de Varela e Reis:
pivacaína é utilizada na prática diária como agente
v= Idade + 5 para nível em T12
de longa duração, que mantém as vantagens carac-
Para se obter analgesia acima de T12, acrescentar 10% do volume
terísticas do bloqueio com a bupivacaína, porém
inicial para cada segmento a ser bloqueado até atingir o dermátomo
com menor potencial de toxicidade sistêmica. A ro- desejado.
pivacaína tem sido especialmente recomendada para
analgesia pós-operatória, seja por doses intermiten- Independentemente do anestésico utilizado,
tes ou infusão contínua. Na analgesia contínua, tem as doses suplementares para a analgesia contínua
a vantagem de produzir menor bloqueio motor, não devem ser reduzidas à metade em relação à dose
comprometendo a deambulação, e menor risco de inicial. Geralmente se utilizam agentes de longa
toxicidade sistêmica por efeito cumulativo. duração, e o critério para a administração da nova
Enquanto a densidade e a duração do bloqueio dose pode basear-se nas características farmacoló-
são determinadas pelas características farmacológi- gicas do agente ou nos sinais clínicos sugestivos da
cas e concentração do agente utilizado, a extensão necessidade de analgesia suplementar.
do bloqueio é basicamente determinada pelo volu- No período pós-operatório, utilizando-se a bupi-
me de solução injetada. vacaína, geralmente se presceve a dose suplementar
Muitos autores já pesquisaram fórmulas que pos- selecionada, se necessário, com intervalo mínimo
sibilitem determinar a altura do bloqueio e o volu- de 3 horas entre as doses. Quando se opta pela in-
me necessário para bloquear um segmento espinhal. fusão contínua, esta deve ser iniciada 120 minutos
Já foram propostos inúmeros modelos matemáticos após a dose inicial e mantida por bomba de infusão,
correlacionando o volume necessário a altura, peso pelo período desejado. As soluções e doses para in-
e idade. Bussoni e Andreuccetti36 publicaram um fusão contínua sugeridas (Tabela 13.2) devem ser
diagrama que relaciona o volume e altura do blo- utilizadas sem adição de vasoconstritor e podem ser
queio ao peso ou idade da criança, concluindo que associadas a agentes adjuvantes.

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Tabela 13.2 – Anestésicos locais para infusão contínua dosagens é baixa, podendo ser revertida com ma-
loxona, e a criança deve estar com monitorização
Concentração Criança Recém-nascidos
Agente
(%) (mg/kg/hora) (mg/kg/hora) contínua por oxímetro de pulso.
Lidocaina 0,2-0,5% 1,6 0,8
Além dos opiáceos, outras substâncias já foram
utilizadas pela via epidural com o propósito de
Bupivacaina 0,05-0,1% 0,4 0,2
prolongar a analgesia pós-operatória. A adrenalina,
Ropivacaina 0,05-0,1% 0,4 0,2 utilizada há muitos anos, é um agonista alfa-adre-
nérgico não-específico. Sua ação está, sobretudo,
Agentes adjuvantes relacionada à vasoconstrição local com retardo da
absorção sistêmica do anestésico local. No entanto,
A associação de agentes adjuvantes que prolon- pode apresentar também um mecanismo de ação
gam o período de analgesia nos bloqueios regionais é sinérgico, exercendo seu efeito analgésico direto
relativamente recente, mesmo em adultos. Os opia- por ativação dos receptores alfa-2 nos cornos dor-
ceos são os agentes mais utilizados e suas indicações sais da medula.
e posologias para a criança já são bem conhecidas57.
Os agonistas alfa-2-adrenérgicos específicos já
Apesar da sua eficácia, seus efeitos secundários, de longa data são utilizados em medicina como
principalmente a depressão respiratória tardia, res- hipotensores, sedativos, analgésicos e como medi-
tringem sua utilização na prática clínica. Geral- cação pré-anestésica. A clonidina tem efeito anal-
mente são reservados às cirurgias de grande porte, gésico independentemente da via de administração
em crianças internadas e com monitorização pós- utilizada. Recentemente foi introduzida como me-
operatória contínua. Podem ser utilizadas em qual- dicação adjuvante nos bloqueios regionais. Prova-
quer uma das abordagens perimedulares, isolada- velmente seu mecanismo de ação, quando utiliza-
mente ou em associação com anestésicos locais. Na da pela via epidural, se relaciona à estimulação das
prática diária pediátrica, a utilização de opióides vias medulares descendentes noradrenérgicas, as
pela via epidural caudal, lombar ou torácica pode quais reduzem a atividade dos neurônios nocicep-
ser efetuada por dose única ou por infusão contí- tivos do corno dorsal da medula. A clonidina age
nua. Para a aplicação em dose única, o agente nor- sobre os receptores alfa-2-adrenérgicos específicos
malmente indicado é a morfina, sem conservante, situados na substância gelatinosa de Rolando e nas
na dosagem de 30 mcg/kg. Com essa posologia membranas pré e pós-sinápticas dos neurônios afe-
obtém-se analgesia tão prolongada quanto com a rentes. Estudos relacionados à utilização da cloni-
utilização de dosagens maiores, com menores efei- dina como adjuvante no bloqueio epidural caudal
tos colaterais. A depressão respiratória tardia é mais em crianças chegaram a resultados promissores58.
comum em crianças abaixo de 12 meses de idade e Quando é utilizada em associação com a bupiva-
pode ser revertida com maloxona. caina 0,25%, proporciona um tempo de analgesia
Outros opiáceos, como fentanil e sufentanil, cerca de duas vezes maior que o tempo obtido com
já foram utilizados em crianças e seus efeitos co- a bupivacaína associada a adrenalina. Embora a
laterais são similares aos da morfina. Sua utiliza- clonidina possua efeito hipotensor e depressor res-
ção em dose única não está indicada com o intuito piratório intrínseco, aparentemente sua utilização
de prolongar a analgesia, pois a duração de ação pela via caudal em crianças não acarreta mudanças
é inferior à dos anestésicos locais. No entanto, o hemodinâmicas e respiratórias significativas. Tam-
fentanil é indicado para utilização em infusão con- bém parece não haver diferença quanto a incidên-
tínua em uma dosagem de 0,1 a 0,5 mcg/kg/hora. cia de sedação residual, bloqueio motor ou reten-
A incidência de depressão respiratória com essas ção urinária quando comparada a epidural caudal

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sem adição de clonidina. A dosagem recomendada intra quanto no pós-operatório. Porém, a aneste-
é 1 a 2 mcg/kg em dose única ou 0,1 mg/kg/hora sia geral profunda ou o emprego de opiáceos para
para infusão contínua. A clonidina deve ser usada analgesia pós-operatória podem comprometer as
com cautela em recém nascidos e lactentes pelo ris- funções vitais do organismo, aumentando o ris-
co de depressão respiratória59. co para o paciente e acarretando a necessidade de
A quetamina também tem sido utilizada na uma estrutura de suporte técnico de custo elevado.
busca de adjuvantes que prolonguem o período A anestesia regional promove o bloqueio efetivo
de analgesia pós-operatória. Estudos em animais das vias nociceptivas da dor, com repercussão mí-
demonstram que sua utilização produz analgesia nima no organismo, proporcionando ao paciente
profunda sobre a medula espinhal. Em adultos os maior conforto e segurança com custo hospitalar
resultados de sua administração epidural parecem reduzido. Assim, diante da nova abordagem da dor
não comprovar a eficácia da analgesia. Em crian- aguda na criança, foram desenvolvidas agulhas e
ças a utilização de 0,5 mg/kg de quetamina pela cateteres específicos para a prática da anestesia epi-
via caudal proporciona analgesia pós-operatória dural em crianças. Com o material adequado a téc-
comparável à obtida com a utilização de 1 ml/kg nica torna-se mais segura, permitindo sua utiliza-
de bupivacaina 0,25%. Sua utilização pela via pe- ção em todas as faixas etárias. Nos últimos anos, o
rimedular aparentemente não apresenta nenhuma bloqueio epidural simples, por doses intermitentes
vantagem adicional. ou por infusão continua nos níveis sacral, lombar
ou torácico ganharam muitos adeptos entre os pro-
Outras abordagens do espaço epidural fissionais que trabalham com crianças.

Durante muito tempo, a técnica consagrada e Abordagem intervertebral sacral


amplamente utilizada em crianças, praticamente
restringiu-se a abordagem caudal do espaço epi- A abordagem intervertebral sacral ou técnica
dural. Embora as punções a nível lombar60 e to- de Taylor modificada foi introduzida na prática
rácico tenham sido descritas há muitos anos, sua clínica mais recentemente62. Tem sido proposta
utilização na pratica diária, manteve-se limitada como alternativa a abordagem caudal, principal-
devido aos riscos potenciais da técnica. Nos últi- mente quando se planeja a passagem e permanên-
mos anos, com os novos conhecimentos sobre os cia de cateter epidural61. Esta via distancia o orifício
mecanismos de transmissão da dor e a constatação de entrada da agulha da região anal, diminuindo
dos benefícios intra e pós-operatórios obtidos com os riscos de infecção. Pode ser utilizada em crianças
o bloqueio profundo dos estímulos aferentes, hou- abaixo de 8 anos de idade, cujo sacro possui espa-
ve uma retomada no interesse pela anestesia epi- ços intervertebrais cartilaginosos que permitem a
dural. O controle da dor aguda na criança, antes passagem da agulha. A técnica também é defendi-
tratado com certo descaso, passou a ser encarado da como alternativa às punções lombar e torácica,
sob nova perspectiva. A concentração plasmática por oferecer menor risco de lesão medular direta,
dos hormônios do estresse, principalmente o cor- especialmente quando executada por profissionais
tizol, sofre um aumento significativo e prolongado pouco experientes63.
caso não se obtenha o controle efetivo da dor no A técnica consiste na abordagem do espaço epi-
período intra e pós-operatório. Estas respostas hor- dural através de punção nos espaços intervertebrais
monais, que levam ao catabolismo, estão presen- S1- S2 ou S2- S3, localizados no ponto de cruza-
tes desde o nascimento, mesmo em recém-nasci- mento da crista sacral mediana com a linha proje-
dos prematuros. Podem ser atenuadas ou abolidas tada entre as espinhas ilíacas posteriores. Os espa-
por agentes analgésicos de ação central tanto no ços intervertebrais são localizados por palpação e a

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punção pode ser feita, com técnica asséptica, com A posição da coluna curvada em arco aumenta o
agulha do tipo Tuohy, introduzida perpendicular à espaço entre os processos espinhosos das vértebras
pele. A identificação do espaço epidural é feita mais e desloca a medula em direção à parte ventral do
comumente através da técnica da perda de resistên- canal medular. O distanciamento da medula em
cia, utilizando-se seringa contendo solução fisioló- relação ao ligamento amarelo aumenta o espaço
gica, ar ambiente ou CO2 medicinal. A distância epidural e, portanto, a margem de segurança quan-
da pele ao espaço epidural varia com o peso, idade to a acidentes de punção da dura-máter ou lesão
e também com o estado trófico do paciente dentro medular direta64.
da mesma faixa etária. Normalmente é menor que As referências anatômicas de superfície são as
a distância encontrada na abordagem epidural lom- mesmas utilizadas para identificação dos espaços
bar. Os volumes, concentração e adição de agentes intervertebrais em adultos, lembrando-se as varia-
adjuvantes nas soluções anestésicas podem ser os ções anatômicas relacionadas à idade (Fig. 13.7).
mesmos propostos para a abordagem caudal. Em recém-nascidos, o sacro é mais alto em rela-
ção à crista ilíaca e o término da medula é mais bai-
Abordagem epidural lombar xo. Recomenda-se que a punção seja feita nos espa-
ços L4-L5 ou L5-S1, em recém-nascidos e crianças
A abordagem epidural lombar, amplamente uti- mais jovens. Nesses pacientes existe maior risco de
lizada em pacientes adultos, nas ultimas décadas, lesão medular direta ou punção acidental da dura-
passou a ser também muito utilizada em crianças. máter, em virtude do término mais baixo da medula
O conhecimento de que o efeito catabólico de- e saco dural, assim como pela pequena dimensão
corrente do estresse cirúrgico pode ser modificado das estruturas anatômicas. Deve-se dar preferência
com a utilização da anestesia e analgesia epidural70 a punção na linha média, pois é onde se encontra
fez com que ressurgisse o interesse por sua utiliza- a maior distância entre o ligamento amarelo e a
ção na prática diária. Na década de 1980 surgiram dura-máter e também menor quantidade de vasos
inúmeras publicações comprovando a eficácia e se- sangüíneos.
gurança na utilização da analgésica epidural contí- A técnica de anti-sepsia e proteção com campos
nua em crianças71-74. estéreis independe da idade e segue o mesmo pa-
Geralmente e indicada como técnica comple- drão, qualquer que seja a abordagem do eixo neu-
mentar à anestesia geral em cirurgias eletivas. No roaxial, como já mencionado em relação à epidural
entanto, deve-se lembrar que os riscos de uma abor- caudal.
dagem epidural lombar são maiores que os da clás- A punção é feita, no espaço selecionado, com
sica abordagem caudal ou dos bloqueios periféricos. a agulha perpendicular à linha das apófises espi-
Portanto, sua indicação deve ser reservada para ci- nhosas e o bisel orientado paralelamente ao sentido
rurgias de grande porte, especialmente quando se longitudinal das fibras que compõem os ligamen-
pretende a passagem e manutenção do cateter para tos. A escolha da agulha deve ser feita de acordo
analgesia pós-operatória. Nas anestesias por dose com a faixa etária da criança. Podem ser utilizadas
única, a abordagem lombar está indicada para as agulhas de Tuohy calibre 22 gauge e comprimen-
cirurgias abdominais altas ou na faixa etária em to 30 mm ate 1 ano de idade, calibre 20 gauge e
que a epidural pela via caudal é ineficaz. comprimento 50 mm entre 1 e 10 anos e calibre
A técnica de punção é similar à utilizada em 18 gauge e comprimento 90 mm acima de 10 anos
adultos. Nas crianças a punção é feita quase sempre de idade. O calibre da agulha deve ser adequado
com o paciente em decúbito lateral, pois normal- ao diagnóstico de eventual punção acidental de va-
mente a técnica é combinada com anestesia geral. sos ou da dura-máter, causar trauma mínimo e ao

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A maioria dos autores recomenda a identificação
do espaço epidural através da perda da resistência,
com detecção líquida ou gasosa. Para isso é neces-
sário seringa com êmbolo perfeitamente adaptado,
para que não ocorra vazamento ou atrito que preju-
dique a percepção nas variações da resistência rela-
cionadas à passagem das estruturas e entrada no es-
paço epidural. São confiáveis seringas de vidro ou,
quando disponíveis, seringas Portex de baixa pressão
específicas para a técnica. A detecção gasosa é mais
1
precisa e deve ser feita preferencialmente com CO2
medicinal, que é estéril e facilmente absorvido pelo
organismo. O ar ambiente, comumente utilizado
2 na prática, além de não ser estéril, pode permane-
cer durante semanas no espaço epidural, com risco
3 de compressão de estruturas nervosas, quando in-
jetado em grande quantidade. Independentemente
do gás utilizado, deve-se ter o cuidado de utilizar
4
pequenos volumes (aproximadamente 2 ml), sob
pressão intermitente, não injetando o conteúdo da
seringa no espaço epidural após a detecção da perda
da resistência. A injeção do ar pode formar bolhas
1 – Ângulo inferior da escápula ( T7 – T8)
que eventualmente comprimem ou isolam estrutu-
2 – Rebordo costal (L2) ras, impedindo o contato com o agente anestésico
3 – Crista ilíaca (L4) e também levam ao risco de embolia gasosa por in-
4 – Espinha ilíaca póstero-superior (S3)
jeção intravascular. Para detecção hídrica, utiliza-se
Fig. 13.7 – Referências anatômicas superficiais para localização dos pequeno volume de solução fisiológica (1 a 2 ml),
espaços intervertebrais.
sob pressão constante durante a progressão da agu-
lha. A técnica, embora confiável, é menos precisa
mesmo tempo permitir a percepção da passagem e pode diluir as soluções anestésicas e dificultar o
através das estruturas ligamentares. diagnóstico de punção acidental da dura-máter.
Contudo, o avançamento da agulha deve ser Após a identificação do espaço epidural, descar-
cauteloso, pois, além da pequena dimensão dos es- ta-se a punção venosa ou presença de líquor através
paços e estruturas atravessados, os ligamentos são de aspiração suave ou deixando-se a agulha aberta
menos densos e mais hidratados especialmente em para o ambiente durante 10 segundos. Em caso de
crianças abaixo dos 3 anos de idade. O compri- punção venosa, repetir o procedimento e, caso haja
mento da agulha deve ser adequado à distância que refluxo de líquor também se pode repetir a punção
a mesma percorre até o espaço epidural. As agu- no espaço intervertebral mais acima. A reorien-
lhas mais curtas facilitam o controle da progressão tação do bisel da agulha após o posicionamento
milimétrica através das estruturas e a manutenção no interior do espaço epidural é controversa, pois
do posicionamento correto durante a adaptação e acredita-se que possa aumentar o risco de lesão da
troca de seringas ou durante a injeção do volume dura-máter66. Caso seja feita a rotação da agulha
de solução anestésica. para reorientação do bisel, seu posicionamento no

220 An e s t e s ia Pe diátrica

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espaço epidural deve ser novamente checado antes
da injeção da dose-teste e volume da solução anes-
tésica. A velocidade de injeção da solução é dire-
tamente proporcional à extensão do bloqueio65 e
ao aumento de pressão no sistema nervoso central.
O tempo de injeção deve ter duração de aproxima-
damente 90 segundos, qualquer que seja o volume
total ou idade do paciente. Alto
A escolha dos agentes anestésicos, concentração
e adição de substâncias adjuvantes segue os mes-
mos parâmetros propostos para a anestesia epidural
caudal. Médio
O volume a ser injetado depende da extensão
do bloqueio que se pretende obter. Existe uma boa
correlação entre a extensão do bloqueio e a ida- Baixo
de, porém a variabilidade individual é grande. Na
prática diária pode-se tomar como guia a fórmula
proposta por Schulte-Steinberg74, onde V (ml-neu-
rômero = 1 – 10 x idade em anos).
A passagem e manuten����������������������
ção de cateter normal-
mente é indicada nas cirurgias de longa duração ou
quando se planeja a analgesia pós-operatória pela
via epidural. A técnica para a passagem de cateter é
similar à utilizada em adultos. As agulhas e catete-
res são selecionados de acordo com a idade, como
nas punções simples, e as soluções anestésicas para
Fig. 13.8 – Níveis de punção para anestesia epidural torácica.
doses intermitentes ou infusão contínua são as mes-
mas propostas para a analgesia epidural caudal67-69.
gem epidural. A vascularização da medula torácica
Abordagem epidural torácica é pobre, aumentando o risco de lesão medular is-
quêmica por traumatismo ou compressão vascular.
A abordagem do espaço epidural torácico pode Os ligamentos da coluna torácica são mais frouxos,
ser feita nos níveis baixo (T10-T12), médio (T6-T8) dificultando a percepção de sua passagem durante a
ou alto (T2-T4), como mostrado na Fig. 13.8. progressão da agulha. Os processos espinhosos têm
Embora essa abordagem permita que, com pe- uma posição verticalizada, com ângulo de abertu-
quenas doses de anestésicos e poucos efeitos co- ra limitado pela pequena mobilidade das vértebras
laterais, se obtenha excelente anestesia localizada, torácicas em virtude da inserção das costelas. Essas
basicamente restrita à zona dolorosa, seu risco po- particularidades anatômicas relacionadas à aborda-
tencial é muito elevado. gem epidural torácica tornam a técnica difícil ou
Em nível torácico, a medula ocupa praticamente mesmo perigosa, devendo, portanto, constituir
toda a luz do canal espinhal, reduzindo a distância uma técnica de exceção na prática diária. Muitos
entre o ligamento amarelo e a dura-máter, e con- autores recomendam que seja efetuada somente
seqüentemente a margem de segurança da aborda- em pacientes acordados ou sob sedação leve, que

Anes tes i a R eg i o n a l 221

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possam monitorar o aparecimento de percepções ção do volume a fórmula de Schulte-Steimberg,
dolorosas anormais sugestivas de lesão de estru- com a ressalva de que este pode ser reduzido em
turas nervosas. Sua indicação deve ser reservada 30% na abordagem torácica.
para casos em que os benefícios obtidos realmente
justifiquem os riscos próprios da técnica. É o caso Anestesia espinhal
das cirurgias intratorácicas, em que a analgesia
pós-operatória permite uma fisioterapia respira- A anestesia espinhal ou raquianestesia foi a pri-
tória adequada. Pacientes portadores de doenças meira técnica regional utilizada em crianças76. No
respiratórias submetidos a cirurgias abdominais passado, a técnica mais comum de anestesia ge-
também são beneficiados75. Por exemplo, a corre- ral era a administração de clorofórmio através de
ção de refluxo gastroesofágico é geralmente efe- máscara facial aberta. Diante da precariedade da
anestesia geral, a anestesia espinhal era utilizada na
tuada em crianças neuropatas, desnutridas e com
prática clínica com o intuito de diminuir a morbi-
complicações pulmonares que justificam o risco
dade e mortalidade pré-operatórias em adultos e
perante os benefícios obtidos com uma anestesia
também em crianças. A partir da década de 1950
localizada e preservação das funções vitais. No en-
houve uma modernização da anestesia geral com
tanto, existe consenso universal quanto à execução
o aparecimento de novos equipamentos, agentes
da abordagem epidural torácica somente por pro-
anestésicos e relaxantes musculares. O halotano,
fissionais experientes, familiarizados com outras
introduzido na prática clínica em 1956, contri-
abordagens epidurais em crianças.
buiu decisivamente para o aumento da segurança
A técnica de punção difere da abordagem lom- na anestesia inalatória. A anestesia regional na faixa
bar basicamente pela orientação da agulha em re- etária pediátrica foi sendo progressivamente aban-
lação ao eixo longitudinal da coluna. Enquanto na donada pela dificuldade técnica de sua aplicação
abordagem lombar a orientação da agulha é per- clínica em crianças conscientes.
pendicular, na abordagem torácica deve-se manter Paralelamente à modernização da anestesia, os
uma angulação cefálica de 45 a 60 graus em relação avanços em outras especialidades médicas, particu-
ao eixo longitudinal. O bisel da agulha de Tuohy larmente obstetrícia e neonatologia, promoveram
deve ser mantido em posição horizontal, pois, em- um aumento na sobrevida de bebês prematuros.
bora seccione um número maior de fibras durante A incidência de hérnias inguinais nessa população
a passagem pelos ligamentos, diminui o risco de pode chegar a 30%77, e o risco de encarceramento
lesão medular direta. A seleção do espaço desejado elevado (em torno de 31%) indica a correção cirúr-
deve ser feita, de acordo com a área de analgésica gica precoce78. Tradicionalmente as herniorrafias
que se pretende, utilizando-se as referências anatô- são feitas sob anestesia geral ou combinada. Porém,
micas de superfície (Fig. 13.7). tratando-se de bebês prematuros, o risco de apnéia
Os cuidados com anti-sepsia, escolha de agu- pós-operatória aumenta em 80% quando subme-
lhas e cateteres, técnica de identificação do espaço tidos a anestesia geral ou sedação, principalmente
epidural, injeção do volume anestésico e escolha quando a prematuridade está associada a outras pa-
das soluções podem ser orientados pelos mesmos tologias pulmonares e anemia79. A partir da década
critérios utilizados para a abordagem epidural de 1980, a busca por alternativas que pudessem
lombar. diminuir a incidência de apnéia pós-operatória em
Apenas o volume de anestésico pode ser menor recém-nascidos fez com que resurgisse o interesse
que o utilizado na via lombar, pois as dimensões pela raquianestesia80,81.
do espaço epidural torácico são menores. Normal- Nos dias atuais, a anestesia espinhal tem sido
mente se recomenda como guia para a determina- particularmente indicada como alternativa à aneste-

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sia geral para utilização em recém-nascidos prema-
turos, com o objetivo de diminuir o risco de apnéia
pós-operatória82-84. Quando comparada à anestesia
caudal, também indicada nesses casos, a raquianes-
tesia tem vantagem de produzir maior relaxamento
muscular e utilizar pequena dosagem de anestésico,
enquanto a abordagem caudal tem como vantagens
a analgesia pós-operatória e a facilidade técnica.
A estabilidade hemodinâmica é similar para am-
bas as técnicas. A raquianestesia também tem sido
proposta como técnica associada à anestesia geral,
para correção de cardiopatias congênitas em bebês,
visando à analgesia intra-operatória profunda com
estabilidade hemodinâmica preservada, assim como
menor necessidade de ventilação mecânica pós-ope-
ratória85. Para a prática da raquianestesia em crian-
ças, os princípios gerais, cuidados com anti-sepsia
e contra-indicações são os mesmos adotados para
adultos, qualquer que seja a faixa etária.
A técnica de punção também é basicamente a
Fig. 13.9 – Posicionamento de recém-nascido para punção espinhal.
mesma utilizada para adultos. Apenas se deve ter
em mente as variações anatômicas relacionadas ao
término da medula em recém-nascidos e lactentes utilizadas agulhas curtas, de no máximo 30 mm, para
ao se fazer a seleção do espaço a ser puncionado. facilitar a percepção da passagem dos planos e evitar
Em crianças abaixo de 3 meses recomenda-se a po- o seqüestro de volume anestésico no seu interior.
sição sentada (Fig. 13.9) para aumentar a pressão As seringas também devem ser pequenas, para
hidrostática e facilitar o refluxo do líquor. A pun- facilitar a precisão dos pequenos volumes utiliza-
ção deve ser feita em L4-L5 ou L5-S1, e a con- dos. As doses de anestésico utilizadas em crianças
firmação do posicionamento subdural é feita pela são elevadas quando comparadas às utilizadas em
observação do refluxo de líquor. adultos. Os agentes anestésicos, soluções, concen-
O material utilizado deve ser específico e adequa- trações e volumes mais utilizados na pràtica estão
do à faixa etária. Em crianças pequenas, devem ser demonstrados na Tabela 13.3.

Tabela 13.3 – Anestésicos locais utilizados para raquianestesia

Anestésico local Concentração Dose administrada Volume injetado

Bupivacaína 0,5%+ glicose 8% menor de 5 kg 0,5 mg/kg 0,1 ml/kg


entre 5-15 kg 0,4 mg/kg 0,08 ml/kg
maior de 15 kg 0,3 mg/kg 0,06 ml/kg

Tetracaína 0,5%+ glicose 5% menor de 5 kg 0,5 mg/kg 0,1 ml/kg


entre 5-15 kg 0,4 mg/kg 0,08 ml/kg
maior de 15 kg 0,3 mg/kg 0,06 ml/kg

Lidocaína 5% + glicose 7,5 % 1,5 a 2,5 mg/kg 0,03 a 0,05 ml/kg

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BLOQUEIOS PERIFÉRICOS EM PEDIATRIA alba. Nesse nível, o ramo terminal cruza a aponeu-
rose profunda do músculo reto abdominal, percorre
Técnicas de infiltração e bloqueios de
a massa muscular no sentido anteroposterior (emi-
compartimento
tindo ramos sensitivos e motores) e, finalmente,
T�����������������������������������������������
écnicas de infiltração e bloqueios de comparti- cruza aponeurose superficial no músculo reto antes
mento são procedimentos fáceis que não requerem de se dividir em vários ramos terminais subcutâneos
habilidades particulares, dispositivos sofisticados ou que inervam a pele ao redor do umbigo.
técnicas de localização complicadas. Seu sucesso de- A aponeurose do músculo reto determina um
pende da identificação do plano da fáscia, ao longo espaço fechado onde o nervo caminha. A injeção
do qual o anestésico local irá se dispersar para pre- de pequena quantidade de anestésico local nesse
encher o compartimento, circundado por essa fás- espaço resulta em um bloqueio completo do ramo
cia, e alcançar o nervo a ser bloqueado. Uma agulha terminal do 10º nervo intercostal ipsilateral, pro-
de bisel curto (sem custos) que permite adequada movendo anestesia da área umbilical (Fig. 13.10).
identificação do plano fascial (percepção da perda
de resistência ao cruzar a aponeurose) é o único Técnica
dispositivo necessário, enquanto a localização pre-
cisa do nervo a ser bloqueado não é necessária, até O paciente é posicionado em decúbito dorsal. As
mesmo indesejada, pois evita qualquer possível dano referências são o umbigo e a borda lateral do mús-
traumático. A taxa de falha dessas técnicas de infiltra- culo reto abdominal de ambos os lados, geralmente
identificáveis pela palpação e observação. Em lac-
ção é extremamente baixa, se for levada em conta a
tente com peso excessivo, a borda lateral freqüen-
realização de técnica adequada (por exemplo o plano
temente é difícil de localizar: nesse caso, uma linha
fascial foi claramente identificado e transposto).
desenhada 2 a 3 cm lateral à linha alba, em cada
lado, pode ser utilizada. O local da punção se locali-
Bloqueio paraumbilical ou bloqueio da za no cruzamento da borda lateral do músculo com
bainha do reto
uma linha horizontal que passa pela borda inferior
Indicações e contra-indicações do umbigo (Fig. 13.11). Uma agulha de bisel curto
é inserida obliquamente através da pele, em direção
O bloqueio paraumbilical ou bloqueio da bainha a borda superior do umbigo em um ângulo de 60°
do reto objetiva promover a completa analgesia da com a pele até que haja a penetração (com alguma
área periumbilical86,87. As principais indicações são dificuldade) da bainha do reto com um caracterís-
para promover alívio da dor durante e após cirur- tico e freqüentemente audível “clique”. O anestési-
gia de correção de hérnia umbilical. A técnica pode co local é, então, injetado de maneira circular nas
ser adaptada e utilizada para o tratamento de qual- bordas superior, lateral e inferior do umbigo. Uma
quer hérnia na linha alba com a aplicação sendo injeção subcutânea adicional na retirada da agulha é
realizada no nível da hérnia. Esse bloqueio não recomendada para melhorar a qualidade da analge-
tem nenhuma contra-indicação absoluta, desde sia87. A mesma técnica é repetida do outro lado.
que o músculo abdominal esteja presente e possa Anestésicos locais de longa duração, por exemplo,
ser identificado, o que, claramente, não é caso o de a bupivacaína 0,5% (com ou sem adrenalina) e a ropi-
neonatos com onfalocele ou gastrosquise. vacaína 0,75%-1%, são preferíveis por seu duradouro
Como considerações anatômicas, o umbigo e a (mais de 6 horas de alívio da dor). Um pequeno vo-
área umbilical são inervados pelos ramos terminais lume (0,2 ml/kg de cada lado) é suficiente para pro-
do décimo nervo intercostal de cada lado, após sua mover adequada analgesia. A adição de 1 mcg/kg de
emergência do espaço intercostal, próximo à linha clonidina melhora a qualidade do bloqueio e promo-

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A
B

1 9
2
3
4 5
6
7
8

Fig. 13.10 – Ilustração do curso do 10o nervo toracoabdominal: A e B são as possíveis posições e caminhos do ramo cutâneo do 10o nervo
toraco-abdominal. 1 = Umbigo; 2 = Bainha do reto, parede posterior; 3 = Bainha do reto, parede anterior; 4 = Músculo reto abdominal; 5 =
Linha alba lateral; 6 = Músculo oblíquo interno; 7 = 10o nervo intercostal toraco-abdominal; 8 = Músculo transverso abdominal; 9 = Espaço
subcutâneo; A = injeção subcutânea alcança o ramo subcutâneo que se eleva antes da bainha; B = infiltração sob a bainha se espalha ao
redor do ramo cutâneo se este perfura a bainha.

da agulha). Quando se emprega agulha de bisel


2 1 curto e se segue uma rota de inserção com ângu-
lo de 60° com a pele, a margem de segurança é
4
excelente, assim como a resistência de três planos
3 fasciais (superficial, aponeurose profunda do mús-
culo reto e peritônio) tem de ser superada antes
de se alcançar a cavidade abdominal. Quando a
técnica é introduzida na prática clínica, os cirurgi-
ões freqüentemente se queixam de algum grau de
“edema” na incisão da pele, mas, quando eles estão
acostumados a isso, pode se considerar esse efeito
uma vantagem, pois a identificação e dissecção dos
planos fasciais se tornam mais fáceis.

Bloqueio do nervo ilioinguinal e


ilioipogástrico

Fig. 13.11 – Pontos de punção. 1 e 2 = Linha alba lateral; 3 = Indicações, contra-indicações e complicações
Umbigo; 4 = Ponto de punção à direita (o do lado esquerdo está
localizado simetricamente). O bloqueio dos nervos ilioinguinal e ilioipo­
g������������������������������������������������
ástrico (e bloqueio do ramo genital do nervo ge-
ve alguma sedação por 1 a 2 horas, o que permite um nitofemoral) visa promover completa analgesia da
despertar tranqüilo da anestesia ao fim da cirurgia. A área inguinal ipsilateral. A técnica é recomendada
taxa de falha é extremamente baixa. para a maioria das operações da região inguinal
Essa técnica é muito segura desde que não seja (herniorrafia, orquidopexia, hidrocele), incluin-
utilizada agulha cortante e que não seja feita a in- do procedimentos de emergência88 (como hérnia
trodução perpendicular na parede abdominal (o encarcerada com obstrução intestinal). Por sua
que poderia resultar em penetração intraperitonial excelente relação risco-benefício, o bloqueio dos

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nervos ilioinguinal e ilioipogástrico tende, progres- O nervo ilioinguinal caminha paralelo ao nervo
sivamente, a substituir a anestesia caudal para a ci- ilioipog������������������������������������������
ástrico, mas mais caudalmente e em um pla-
rurgia da região inguinal. no fascial distinto; cruza obliquamente o quadrado
Essa técnica não apresenta contra-indicações lombar e o músculo ilíaco, penetra o abdominal
absolutas e a taxa de complicação é extremamente transverso (no nível da crista ilíaca), entra no mús-
baixa. Assim como o bloqueio da bainha do reto, culo oblíquo e finalmente alcança a borda inferior
dependendo da agulha utilizada e sua orientação do cordão espermático (ou o ligamento redondo do
durante a técnica de punção, há risco potencial de útero) com o canal inguinal. Supre a inervação sen-
penetração na cavidade abdominal, complicação sitiva da parte superior da coxa, cordão espermático,
recentemente relatada89. Além disso, dependendo escroto e pênis nos homens ou ligamento redondo,
do volume injetado e das particularidades anatômi- lábios maiores e monte pubiano nas mulheres.
cas do paciente90, bloqueios nervosos indesejáveis Um terceiro ramo contribui com fibras sensitivas
podem ocorrer, principalmente o bloqueio do ner- para o canal inguinal: o ramo genital do nervo
vo femoral, o qual pode impedir a alta hospitalar genitofemoral. Esse ramo tamb�������������������
ém precisa ser blo-
no mesmo dia91,92. A quantidade total de anestésico queado para garantir analgesia à região inguinal.
local tem de ser calculada com cuidado. Em con-
tradição a artigos publicados previamente93, Smith Técnica
et al.94 relataram um estudo pediátrico envolvendo
30 pacientes com concentrações plasmáticas ines- Classicamente, a técnica consiste de três injeções
peradamente elevadas de bupivacaína (sem sinais de anestésico local: 1) duas abaixo da aponeurose
clínicos de intoxicação) em pacientes do grupo superficial e profunda do músculo oblíquo respec-
mais jovem (peso de 10-15 kg), o que levou os tivamente; e 2) e uma no nível da sínfise púbica (a
autores a recomendarem que se evite a injeção de qual poderia lesar testículo que não migrou para a
doses maiores que 1,25 mg/kg de bupivacaína em bolsa ou uma alça intestinal herniada). Uma técni-
lactentes. A ropivacaína pode melhorar a margem ca simplificada96 pode ser utilizada com alto índice
de segurança do bloqueio95, mas os estudos ainda de sucesso. Consiste na injeção de anestésico local
são escassos. próximo ao canal inguinal, onde os nervos ilioin-
guinal e ilioipogástrico caminham na superfície in-
Considerações anatômicas terna da aponeurose externa do músculo oblíquo
externo. Nesse nível, o nervo genitofemoral libera
Os nervos ilioinguinal e ilioipog���������������
ástrico são ra-
o seu ramo genital no mesmo plano fascial, o qual
mos terminais do plexo lombar, ambos derivando
alcança o cordão espermático; então, com uma
das raízes de L1, as quais suprem a inervação sen-
sitiva da região inguinal, o cordão espermático e simples injeção, os três nervos que suprem a região
a parte superior do pênis e bolsa escrotal. Os dois são simultaneamente bloqueados.
nervos emergem da borda lateral do músculo pso- O bloqueio ������������������������������������
é realizado com a criança posiciona-
as e percorrem da região lateral para a parede an- da em decúbito dorsal. Traça-se uma linha que une
terior do abdômen. O nervo ilioipogástrico cruza o umbigo à espinha ilíaca ântero-posterior (locali-
o músculo abdominal transverso e faz um trajeto zada por palpação). O local de punção se localiza
oblíquo ao longo da parte posterior do músculo na união do 1/4 lateral com os 3/4 mediais dessa
oblíquo interno; em nível da crista ilíaca, se divi- linha. Uma agulha biselada curta é inserida em um
de em um ramo lateral que inerva o glúteo e um ângulo de 45o a 60° com a pele em direção ao pon-
medial que inerva a parede abdominal, acima da to médio do ligamento inguinal, até a aponeurose
região púbica. externa do músculo oblíquo externo ser perfurada,

226 An e s t e s ia Pe diátrica

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geralmente percebendo-se de um “clique”. Então, Bloqueio do nervo dorsal do pênis via
uma injeção única de 0,3 a 0,4 ml/kg de bupivaca- espaço subpúbico
ína a 0,25-0,5% (com volume máximo de 10 ml)
Indicações, contra-indicações e complicações
é feita de maneira circular. A taxa de sucesso dessa
técnica é maior que 95% e a distribuição da anes- Bloqueio peniano via espa��������������������
ço subpúbico é a me-
tesia permite o procedimento cirúrgico na região lhor técnica para promover analgesia intra e pós-ope-
inguinal (Figs. 13.12 e 13.13). ratória para cirurgias de superfície no pênis, como
prepúcio (circuncisão) e glande, as quais são muito
comuns em pacientes pediátricos do sexo masculino.
É indicado para gerar alívio de dor por longo perí-
odo após cirurgia de correção de hipospádia: nesse
caso, o bloqueio, geralmente, é realizado ao final da
cirurgia, enquanto a analgesia intra-operatória, a
qual requer uma distribuição maior da anestesia, ge-
ralmente é suprida pela anestesia caudal. Bloqueios
penianos via espaço subpúbico não apresentam con-
tra-indicações específicas, mas, como o nervo dorsal
caminha próximo da artéria terminal (artéria dorsal
do pênis), somente a quantidade correta de anestési-
cos locais deve ser administrada.
Complicações graves têm sido relatadas com
determinadas técnicas de bloqueio peniano que
não são mais utilizadas em grande escala. Técnicas
de punção mediana podem lesar a artéria dorsal
do pênis, levando a um hematoma compressivo,
possivelmente resultando em necrose da glande.
A utilização de anestésicos locais contendo adrena-
lina pode levar ao espasmo das artérias dorsais com
Fig. 13.12 – Local de injeção para o bloqueio de nervo ilioinguinal também subseqüente necrose da glande97.
ilioipogástrico.

Considerações anatômicas
O pênis é inervado principalmente pelos nervos
dorsais, um de cada lado, os quais são ramos ter-
minais do nervo pudendo. Logo após a emergência
desse nervo próximo à tuberosidade isquiádica, os
nervos dorsais passam sob o osso púbico, cruzam o
espaço subpúbico sagitalmente no sentido póstero-
anterior, entram no ligamento suspensor e no pê-
nis, onde caminham ao longo da superfície interna
da fáscia de Buck, acompanhados pelas artérias e
veias ipsilaterais. Durante seu curso, eles suprem a
Fig. 13.13 – Bloqueio ilioinguinal ilioipogástrico em criança de 18 inervação sensória do corpo cavernoso, a pele que
meses. reveste o pênis e o prepúcio, a glande e o frênulo,

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antes de terminarem na glande do pênis. Além dos subpúbico é dividido em dois compartimentos sem
nervos dorsais, o pênis é também inervado por al- comunicação pelo ligamento suspensor do pênis
guns ramos que se derivam dos nervos genitofemo- (Fig. 13.14). O anestésico local recomendado é a
ral e ilioinguinal e, ocasionalmente, nervos perine- bupivacaína 0,5% sem adrenalina, administrada na
ais, os quais contribuem para a inervação sensória dose de 0,1 mg/kg em cada lado (até o máximo de 5
de sua parte proximal, e algumas vezes, de sua face ml por lado). A duração do bloqueio sensitivo pode
ventral98. ser maior que 24 horas em virtude do seqüestro de
Os nervos dorsais podem ser facilmente blo­ anestésico local na gordura e no tecido pobremente
queados pela injeção de anestésico local no espaço vascularizado que preenche o espaço subpúbico100.
subpúbico. Esse espaço é revestido pela facilmente
identificável área membranosa profunda da fáscia A
superficial do abdômen, também chamada fáscia de
Scarpa, a qual é uma continuação da fáscia de Buck.
O espaço subpúbico é preenchido por tecido adipo-
so areolar frouxo e a vascularização local é pequena,
tornando a punção acidental de vaso algo pouco
freqüente. Medialmente, o ligamento suspensor do
pênis tende a dividir o espaço subpúbico em dois
compartimentos, os quais, ocasionalmente, podem
ser completamente separados, impedindo a disper-
são de anestésico local de um lado para outro.
A técnica consiste em, primeiramente, colocar
a criança�����������������������������������������
na posição supina, com o pênis traciona-
do para baixo para esticar a fáscia de Scarpa99. Os B

parâmetros são a sínfise púbica e a borda inferior


dos ramos ilíacos do osso púbico localizado pela
palpação. Dois locais de punção, simétricos, são
identificados logo abaixo dos ramos ilíacos, na dis-
tância de 0,5-1 cm da linha média. Uma agulha de
30 mm, com bisel de 45°-60° é inserida quase per-
pendicularmente à pele, com uma leve inclinação
em sentido caudal e medial, até sentir a penetração
da fáscia de Scarpa (freqüentemente, mas não cons-
tantemente, dependendo da tração aplicada à fáscia,
com uma característica perda de resistência), com a
distância da pele variando de 10 a 25 mm, de acordo
com a idade e peso do paciente. Quando a agulha é Fig. 13.14 – A técnica do bloqueio peniano em crianças é ilustrada
nas fotos A e B.
deixada livre, ela não deve se mover: se a fáscia de Scar-
pa não foi ultrapassada, esta retornará quando a pres-
são exercida sobre a mesma cessar. O anestésico local é Referências Bibliográficas
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Capítulo 14
Rec u p e r a ç ã o P ó s - a n e s t é s i c a e
M an u s ei o d a D o r
Giselle Christine P. Villar

Recuperação pós-anestésica • a permeabilidade das vias aéreas deve ser sempre


assegurada, bem como a respiração (ruídos res-
O pós-operatório inicial é um período crítico, piratórios, movimentação torácica e cor);
principalmente em crianças. Enquanto o índi-
• a monitorização mínima do paciente transpor-
ce de complicações intra-operatórias em crianças
tado deve ser um estetoscópio precordial. Se o
com mais de 2 anos de idade (9/10.000) é com-
paciente apresenta-se instável, recebendo drogas
parável ao índice dessas complicações em adultos
vasoativas ou foi submetido a um procedimento
(10.6/10.000), o índice de complicações pós-ope-
longo ou de maior risco, pode ser indicado o uso
ratórias é muito maior no grupo pediátrico, com
de monitorização mais extensa, como oximetria
complicações maiores que levam a risco de vida,
de pulso, eletrocardiografia e pressão arterial;
ocorrendo em cerca de 4% das crianças e 0,5% dos
adultos­1. • muitos anestesiologistas administram oxigênio
de rotina durante o transporte, em virtude da
comum ocorrência de hipoxemia.
Transporte e admissão na sala de
recuperação pós-anestésica (RPA)
Admissão do paciente na RPA
Transporte
A enfermagem ou o anestesista da RPA deve
O transporte do paciente da sala de cirurgia receber um relato completo sobre o paciente, que
para a RPA deve ser feito com segurança: deve incluir:
• a criança deve ser transportada na posição la- • história breve de antecedentes, doenças pre-
teral, para minimizar a chance de aspiração de existentes, uso de medicações, alergias e uso de
sangue, secreções ou conteúdo gástrico; medicação pré-anestésica;

233

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• informações quanto ao procedimento cirúrgico, tria de pulso. Pacientes estáveis não necessitam de
tipo de anestesia, agentes utilizados e doses, in- monitorização após deixarem o Estágio 1. A exis-
cluindo relaxantes musculares e o uso ou não de tência, nesse local, de uma área em que a criança
drogas para reversão do efeito destas drogas ao possa brincar facilita para a enfermagem e para o
final da cirurgia; anestesiologista a decisão sobre as condições de alta
• informações quanto ao balanço hídrico, incluin- do paciente para casa. Nessa fase, o acesso venoso
do perda sangüínea estimada e débito urinário; é descontinuado se o estado de hidratação for ade-
quado e náuseas e vômitos estiverem controlados.
• informações quanto à intensidade de dor espe-
rada devido ao procedimento, administração de
Recuperação após o uso dos diferentes
analgésicos no período peri-operatório e suges-
agentes anestésicos
tão de drogas para manuseio da dor;
• informações quanto a intercorrências ocorridas A recuperação e o despertar pós-operatório de
durante o período anestésico-cirúrgico em geral. cada paciente serão diferentes, de acordo com seu es-
tado físico basal, os tipos de drogas utilizados, a du-
Recuperação – Estágios 1 e 2 ração do procedimento, o uso ou não de medicação
pré-anestésica e o controle da dor pós-operatória.
O Estágio 1 da recuperação pós-anestésica re- A recuperação após o uso de agentes inalató-
cebe todos os pacientes diretamente das salas de rios depende muito do coeficiente de solubilidade
cirurgia ou dos locais onde o procedimento sob sangue-gás do agente utilizado. Quanto maior esse
anestesia foi realizado. Nessa unidade, os pacientes coeficiente, mais tempo o paciente vai levar para
devem receber cuidados intensivos e a relação ide- eliminar a droga do seu organismo, assumindo-
al enfermagem:paciente é de 1:1. A monitorização se ventilações alveolares equivalentes2. Os agentes
neste estágio deve incluir freqüência respiratória, mais solúveis no sangue saturam mais os diferentes
pressão arterial, oxímetro de pulso, ECG, balan- compartimentos corporais, levando mais tempo
ço hídrico e temperatura. O estado mental, nível para serem eliminados. Para esses agentes, a duração
de sedação e dor também devem ser avaliados. Se e a profundidade da anestesia são fatores importan-
necessário, também deve ser possível a monitori- tes na determinação do tempo de recuperação. Os
zação da pressão intracraniana, do débito cardíaco agentes inalatórios, em ordem crescente de coefi-
e do CO2 expirado. Se possível, os pacientes pediá­ ciente de solubilidade sangue-gás, são desflurano,
tricos devem ficar separados dos pacientes adultos, sevoflurano, isoflurano e halotano. Uma vez que os
para minimizar o medo da criança ao acordar, bem agentes inalatórios são eliminados primariamente
como permitir a entrada dos pais na RPA. O pa- pelos pulmões, qualquer problema respiratório po-
ciente permanece nessa unidade até demonstrar derá levar a uma recuperação mais demorada.
um adequado padrão respiratório, com saturação A recuperação após o uso de agentes intraveno-
de oxigênio normal em ar ambiente e retorno da sos é menos previsível do que após o uso de agentes
consciência. inalatórios. Isso porque a eliminação dos primeiros
Após o período inicial, as crianças são encami- depende do volume de distribuição da droga, bem
nhadas ao Estágio 2, um local onde elas já podem como da capacidade de metabolização hepática e
ficar sentadas, em geral no colo de um dos pais, da função renal (diminuídas em neonatos). Além
ainda sob supervisão da enfermagem, mas não disso, o tipo de droga, seu mecanismo de ação,
mais na relação enfermagem:paciente de 1:1. Neste sua potência e a quantidade utilizada durante o
estágio, os sinais vitais são avaliados intermitente- procedimento também são fatores determinantes
mente e ocasionalmente se pode utilizar a oxime- do tempo de recuperação. Portanto, a escolha dos

234 An e s t e s ia Pe diátrica

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mais adequados agentes para cada paciente, em levam ao aumento da incidência podem ser o uso
cada procedimento, baseando-se nas diferentes ca- de geléia para lubrificar o tubo, falta de umidifica-
racterísticas de cada droga, proporciona uma me- ção dos gases anestésicos ou presença de infecção
lhor recuperação. de vias aéreas superiores.
O tratamento na maioria dos casos se resume
Complicações pós-anestésicas à nebulização fria. Em casos mais severos, utiliza-
se nebulização com epinefrina racêmica (0,5 ml
Obstrução de vias aéreas superiores
da solução 2,25%), diluída em 3 a 5 ml de solu-
É comum a ocorrência de obstrução de vias aé- ção salina por 5 a 10 minutos. A epinefrina cau-
reas no período de recuperação imediata em crian- sa vasoconstrição, diminuindo o edema das vias
ças. Ao tentar respirar, na presença de obstrução, aéreas. Deve-se observar cuidadosamente os pa-
a criança apresenta um padrão paradoxal de res- cientes que recebem essa terapia, pois pode haver
piração (o tórax se retrai e o abdômen se expande um efeito rebote com retorno dos sintomas após
na tentativa de inspiração, diferente da inspiração a interrupção da epinefrina. A eficácia do uso de
normal, quando o tórax e o abdome se expandem). corticóides para evitar essa complicação pós-intu-
A queda da língua é comum na criança sedada, por bação é controversa4,5.
hipotonia faríngea. Esse tipo de obstrução inspi-
ratória é geralmente corrigido, com a extensão do Apnéia
pescoço e o levantamento da mandíbula. Se não
corrigido, pode-se tentar a colocação de uma câ- A apnéia pode ser central, obstrutiva ou mista.
nula oro ou nasofaríngea. Muito cuidado deve ser Clinicamente é definida como a ausência de respi-
tomado na colocação de uma dessas cânulas, uma ração por mais de 15 segundos ou por menos de
vez que elas são dificilmente toleradas pelo pacien- 15 segundos quando associada com bradicardia,
te parcial ou totalmente acordado, com reflexos cianose ou palidez6.
presentes, podendo piorar o estado das vias aére-
as. Se o quadro não melhorou com essas medidas, Apnéia do prematuro
pode-se tratar de um laringoespasmo ou espasmo
subglótico. No caso de laringoespasmo, o trata- A apnéia é observada em 50% dos recém-nas-
mento geralmente é eficaz apenas com a manuten- cidos prematuros e pode aparecer ou piorar em
ção de pressão positiva com máscara de oxigênio a prematuros após exposição a agentes anestésicos.
100%. Caso não seja, a administração de 0,5 a 1,0 Isso ocorre principalmente em pacientes com his-
mg/kg de succinilcolina resolve o problema. tória prévia de apnéia e naqueles com menos de
46 semanas de idade pós-conceptua7. Portanto,
Crupe pós-intubação recomenda-se a internação para observação e mo-
nitorização pós-anestésica de todos os recém-nasci-
A incidência dessa complicação está em torno dos pré-termo com menos de 46 semanas de idade
de 1%3. A crupe ou estridor é secundária ao edema pós-conceptual que forem submetidos a cirurgia
subglótico. A causa mais comum é a inserção de sob anestesia geral.
um tubo endotraqueal de diâmetro maior do que
o adequado para a traquéia da criança. Outras cau- Apnéia obstrutiva do sono
sas são tentativas repetidas de intubação, intubação
traumática, tosse quando a criança está intubada, Crianças com esse tipo de apnéia obstrutiva
mudança da posição da cabeça, cirurgia de pescoço crônica também apresentam risco aumentado de
e cirurgia muito demorada. Fatores adicionais que apnéia pós-operatória. A apnéia obstrutiva do sono

R ecup er a çã o P ó s - a n e s t é s i c a e M a n u se io da Do r 235

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melhora após correção cirúrgica de vias aéreas es- O edema pulmonar cardiogênico é incomum
treitas devido a amígdalas aumentadas, adenóides, no pós-operatório de crianças previamente sadias.
pólipos nasais, macroglossia ou micrognatia, mas O edema não-cardiogênico pode ocorrer na forma
o problema pode persistir apesar da cirurgia, em- de edema pulmonar pós-obstrutivo. Ele pode ocor-
bora com freqüência e severidade menores. Crian- re após o alívio de uma obstrução de vias aéreas
ças com trissomia do cromossomo 21 (síndrome superiores pós-extubação, como um laringoespas-
de Down) têm incidência aumentada deste tipo de mo8. Também pode ocorre após administração em
apnéia. No período pós-operatório recomenda-se bolus de naloxona9. Em casos de desconforto dis-
a administração de oxigênio, monitorização com creto, apenas a administração de oxigênio por más-
oxímetro de pulso e monitor de apnéia, devendo-se cara é suficiente. Em casos graves, intubação com
evitar o uso de opióides. pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP) e
até mesmo suporte ventilatório podem ser neces-
Apnéia por depressão respiratória sários. Esse tipo de edema pulmonar geralmente
se resolve rapidamente, e o paciente pode ter alta
A maioria dos agentes anestésicos (opióides, hospitalar no dia seguinte à cirurgia. Diuréticos
benzodiazepínicos, agentes inalatórios) causa de- estão indicados em casos de edema pulmonar car-
pressão dose-dependente do centro respiratório. A diogênico, ou por sobrecarga de volume. O pneu-
hipóxia secundária a essa depressão deve ser trata- motórax também pode ser a causa de desconforto
da. A estimulação do paciente e a oferta de oxigênio respiratório em uma criança que foi ventilada com
são geralmente suficientes. Em casos mais severos, pressão positiva durante a cirurgia. A radiografia
deve-se administrar o antagonista da droga depres- de tórax confirmará essa complicação, e deve ser
sora (naloxona 1 a 5 ug/kg/dose no caso de opiói- realizada drenagem e descompressão imediata no
des ou flumazenil no caso de benzodiazepínicos). paciente sintomático.
Em casos de depressão respiratória não relaciona-
da ao uso dessas drogas, a intubação e a ventilação Instabilidade Cardiovascular
mecânica podem ser necessárias.
Alterações do ritmo cardíaco ou da pressão ar-
Problemas do trato respiratório inferior terial são menos comuns em crianças do que em
adultos no período de recuperação pós-anestésica.
Em uma criança com desconforto respiratório e A taquicardia é a alteração mais comum e pode ser
ausculta pulmonar alterada na RPA, deve-se pen- devida a dor, hipovolemia e medicações anticoli-
sar em obstrução das vias aéreas inferiores, que po- nérgicas, devendo-se, portanto, tratar sua causa.
dem ser devidas a grande quantidade de secreção Bradicardia pode ser uma resposta a medicações,
pulmonar, material aspirado ou broncoespasmo. como alguns opióides ou agentes reversores do blo-
Deve-se sempre administrar oxigênio e, nos casos queio neuromuscular. Se for importante, pode ser
de broncoespasmo, um broncodilatador (inalação tratada com um anticolinérgico. Hipertensão pode
com fenoterol, 1 gota a cada 3 kg ou terbutalina, 1 ocorrer na presença de hipertensão intracraniana
gota a cada 5 kg. Terbutalina subcutânea até 25 ug/ (nesse caso, acompanhada de bradicardia) ou no
kg/dia pode ser usada em casos mais graves). Se não pós-operatório de cirurgias cardiovasculares e, nes-
houver melhora, pode-se administrar corticosterói- ses casos, terapia específica deve ser administrada,
des e agentes parassimpatolíticos (ipatrópio, por para que ocorra reversão do quadro. A presença de
exemplo). Nos casos de aspiração grave, pode ser dor, a própria agitação do despertar da anestesia, o
necessária a reintubação da criança, com aspiração uso de agentes parassimpatolíticos ou hipotermia em
e lavagem pulmonar guiadas por broncoscopia. crianças maiores podem levar à hipertensão. Deve-se

236 An e s t e s ia Pe diátrica

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tratar a causa para o restabelecimento de valores mia e orquidopexia10,11. Pacientes com história de
normais da pressão arterial. Hipotensão pode ser enjôo ao movimento (cinetose) também apresen-
um sinal tardio de hipovolemia, geralmente prece- tam maior incidência de náuseas e vômitos pós-
dido por taquicardia. Pode também aparecer após operatórios. O uso de opióides ou halotano pode
o aquecimento de uma criança que chegou fria e precipitar vômito no pós-operatório, enquanto o
vasoconstrita na RPA. Nos casos em que não há uso de propofol parece associar-se com menor inci-
resposta à administração de volume, deve-se pensar dência dessa complicação. Vômitos também ocor-
em disfunção cardíaca ou sepse. rem em virtude de dor pós-operatória não contro-
lada. Atualmente acredita-se que a oferta de líqui-
Instabilidade térmica dos para crianças que foram submetidas a cirurgia
ambulatorial, antes de sua alta hospitalar, leva ao
Hipotermia aumento da incidência de vômitos, principalmente
em crianças suscetíveis. Portanto, deve-se permitir
Mesmo com todos os cuidados na sala de ci-
a ingesta de líquidos, mas não oferecê-los de rotina,
rurgia para manter a temperatura da criança, esta
logo após a recuperacao anestésica.
pode chegar hipotérmica à RPA. Nos casos de hi-
potermia profunda (< 35°C) a criança deve perma- Medidas para a prevenção das náuseas e o vômitos
necer intubada e sedada. Neonatos hipotérmicos são a aspiração do conteúdo gástrico antes da criança
podem apresentar acidose, bradicardia, hipotensão acordar, o uso de propofol sempre que possível (subs-
ou apnéia. Há um aumento intenso do metabolis- tituindo o agente inalatório) e a administração pro-
mo corporal na tentativa de manter o calor nesses filática de antieméticos, nos casos de maior susceti-
pacientes. Medidas de aquecimento, como colchão bilidade do paciente ou cirurgias de maior risco para
térmico, berço aquecido e aquecedores, devem ser essa complicação. Em casos de náuseas e vômitos de
utilizadas. difícil tratamento, internação com hidratação intra-
venosa pode-se fazer necessária (Tabela 14.1).
Hipertermia
Tabela 14.1 – Tratamento de náuseas e vômitos
Hiperaquecimento iatrogênico na sala de ci-
rurgia é a causa mais freqüente dessa complicação Droga Dose

e, nesse caso, deve-se apenas observar a criança na Droperidol 10 a 100 ug/kg IV ou IM


RPA até que a temperatura volte ao normal. Nos Difenidramina 0,75 a 1 mg/kg IV ou IM
casos em que a temperatura continua subindo,
Metoclopramida 0,1 a 0,15 mg/kg
deve-se pensar em infecção intercorrente, sepse pe-
rioperatória, reação transfusional ou hipertermia Ondansetron 0,1 mg/kg (máx. 4 mg) IV
maligna. Neste último caso, diagnóstico e trata- IV = via intravenosa; IM = via intramuscular
mento imediatos devem ser realizados.
O droperidol e a metoclopramida podem cau-
Náuseas e vômitos sar sintomas extrapiramidais. O droperidol pode
causar sonolência e o ondansetron parece ser a dro-
São uma complicação relativamente freqüente ga com menos efeitos colaterais.
no pós-operatório de crianças, com sua incidência
variando de 10% a 50%, dependendo do tipo de
Agitação ou “delirium de emergência”
cirurgia, da idade e história do paciente e da técnica
anestésica. A incidência é mais alta após cirurgias Essa complicação é mais comum em crianças
como correção de estrabismo, adenoamigdalecto- de 3 a 9 anos e corresponde ao estado agitado em

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que algumas crianças acordam na emergência da uso atual de drogas de curta duração e o aumento
anestesia. de cirurgias em nível ambulatorial, não existe um
A adequação da analgesia e as drogas utilizadas tempo mínimo que a criança deve ficar na RPA,
influem na ocorrência dessa complicação. Parece e isso dependerá individualmente das necessidades
ocorrer mais após o uso de agente halogenados e de cada paciente. Antes da alta, um exame cuida-
menos após o uso de propofol e opióides. O uso de doso da criança deve ser realizado, e os seguintes
benzodiazepínicos cujo efeito ainda esteja presente critérios devem ser alcançados:
após o final da cirurgia (mesmo que administrado • sinais vitais estáveis;
no período pré-operatório) pode deixar a criança • criança totalmente acordada ou que desperta
desorientada, agitada e não cooperativa na RPA. facilmente ao ser chamada;
O delirium de emergência deve ser diferenciado da • vias aéreas pérvias com reflexos presentes;
agitação por hipóxia, hipercarbia, hipoglicemia,
• saturação de oxigênio > 95% em ar ambiente
convulsões e aumento da pressão intracraniana, e
(ou aos níveis pre-operatórios com ou sem
nesses casos o tratamento da causa é extremamente
oxigênio);
importante.
• temperatura controlada;
Desconforto devido à dor • dor, náuseas e vômitos controlados;
• ausência de sangramento ativo.
Detalhes sobre o controle da dor pós-operatória
são discutidos adiante neste capítulo. Deve-se levar em conta as condições basais pré-
operatórias da criança, não se esperando que os
mesmos critérios sejam atingidos na RPA em uma
Critérios de alta da RPA
criança totalmente sadia ou uma criança com pa-
Estão apresentados a seguir os critérios de alta tologia neurológica ou cardiológica de base. Assim
da RPA para crianças, segundo Aldrete na Tabela que a criança apresenta-se acordada o suficiente,
14.2 e, segundo Steward, na Tabela 14.3. Com o ainda no Estágio 1, pode-se permitir a entrada de

Tabela 14.2 – Critérios de Aldrete modificados

Capacidade de mover as quatro extremidades voluntariamente ou sob comando 2 ATIVIDADE


Capacidade de mover duas extremidades voluntariamente ou sob comando 1
Incapacidade de mover as extremidades 0

Capacidade de tossir e respirar profundamente 2 RESPIRAÇÃO


Dispnéia ou respiração limitada 1
Apnéia 0

PA ± 20% do nível pré-anestésico 2 CIRCULAÇÃO


PA ± 20-49% do nível pré-anestésico 1
PA ± 50% do nível pré-anestésico 0

Acordado 2 CONSCIÊNCIA
Acorda ao chamado 1
Irresponsivo 0

Mantém saturação > 92% em ar ambiente 2 SATURAÇÃO DE O2


Mantém saturação > 90% apenas com O2 1
Saturação < 90% mesmo com O2 0

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Tabela 14.3 – Sistema simplificado de critérios Um estímulo mecânico, térmico ou a ativação
de alta de Steward direta por mediadores químicos (bradicinina, íons
CONSCIÊNCIA
hidrogênio, serotonina, histamina, prostaglandinas,
Acordado 2 leucotrienos e tromboxanos) geram um potencial
Responde a estímulo 1 de ação que se propaga através dos neurônios no-
Irresponsivo 0
ciceptivos até o corno dorsal da medula espinhal.
VIAS AÉREAS Em torno de 25 semanas de gestação, as vias da
Tossindo ao comando ou chorando 2 dor no feto estão bem estabelecidas e funcionantes.
Mantém vias aéreas pérvias 1
Necessita de manutenção de vias aéreas 0 Acreditava-se que as vias da dor eram imaturas em
neonatos, devido à incompleta mielinização. Na rea­
MOVIMENTOS
Move os membros propositadamente 2 lidade, uma incompleta mielinização poderia levar
Movimentos sem propósito 1 à condução mais lenta dos estímulos, sem interferir
Sem movimentos 0 com a percepção da dor. Além disso, a condução
mais lenta seria compensada pelas distâncias inter-
um dos pais na RPA (isso obviamente depende da neuronais mais curtas a serem percorridas pelo estí-
organização de cada serviço) para diminuir a ansie- mulo. Hoje, acredita-se que os tratos nervosos no-
dade tanto da criança quanto dos pais. Após o es- ciceptivos para o sistema nervoso central e o tálamo
tabelecimento de condições satisfatórias, a criança são completamente mielinizados às 30 semanas de
passa para o Estágio 2 da recuperação. Antes da alta gestação, e as fibras talamocorticais (que são de im-
para casa, um profissional da enfermagem ou do portância crucial para a percepção cortical da dor)
corpo clínico deve instruir o acompanhante adul- são mielinizadas às 37 semanas (Tabela 14.4).
to responsável pela criança quanto a restrições de Alterações comportamentais, psicológicas e neu-
atividade física, medicações, cuidados com a ferida roquímicas secundárias ao estímulo doloroso em
cirúrgica, retorno e a quem recorrer em caso de in- crianças confirmam a existência de vias corticais
tercorrências. funcionantes.
Também se acreditava que crianças não tinham
Conclusão memória para a dor, e já foi indicado por vários
A recuperação pós-anestésica é uma parte im- estudos que a dor contínua e procedimentos cirúr-
gicos feitos sem analgesia (circuncisão, por exem-
portante do cuidado peri-operatório contínuo do
plo) têm efeitos deletérios e provocam alterações a
paciente. O anestesiologista é responsável pelo cui-
longo prazo no sistema nervoso.
dado apropriado da criança, até que ela recupere a
consciência e apresente estabilidade cardiovascular Ao contrário do que se imaginava, há evidências
e respiratória satisfatórias, além do controle da dor de que os neonatos têm sensibilidade aumentada
devida à cirurgia. para a dor. Explicações para isso seriam:
• imaturidade dos mecanismos supra-espi-
Manuseio da dor em crianças nhais descendentes de modulação da dor;
• expressão abundante e precoce da nocicepção
Fisiopatologia da dor em crianças mediada por neurotransmissores (substância
O mito de que crianças (principalmente neo­ P, L-glutamato,VIP, GCRP) no corno dorsal
natos) não sentem dor foi derrubado conforme da medula, com aumento da excitabilidade
foram sendo feitas pesquisas nessa área, levando ao somatossensorial da medula prematura;
melhor entendimento da fisiopatologia da dor no • os neurotransmissores das fibras descendentes
paciente pediátrico. inibitórias, a partir dos centros supra-espi-

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nhais, se expressam apenas no período pós-na- guir essas informações das crianças, deve-se usar lin-
tal, o que acarreta em mecanismos inibitórios guagem apropriada à idade e ao desenvolvimento e
da dor pouco desenvolvidos em prematuros; utilizar-se de palavras que a criança possa entender.
• a resposta endócrino-metabólica à dor após Com esse fim, foram criadas várias escalas de avalia-
procedimentos cirúrgicos semelhantes é ção da dor em crianças. Na fase pré-verbal (incluin-
muito mais intensa em neonatos do que em do-se os neonatos), a avaliação e a quantificação da
adultos, com liberação de catecolaminas 3 a dor devem ser feitas por um observador, utilizan-
5 vezes maior.; do-se uma escala objetiva. Para a avaliação do neo-
• durante períodos prolongados de hipersensi- nato, leva-se em conta os movimentos corporais, a
bilização (diminuição do limiar de dor após postura, o choro e as expressões faciais. Uma escala
um estímulo doloroso repetido), os neonatos muito utilizada é a Attia Infant Pain Scale14. As es-
podem interpretar qualquer estímulo tátil calas objetivas, como a CHEOPS (Children’s Hos-
como dor, desenvolvendo uma resposta sis- pital of Eastern Ontario Pain Scale)15 (Tabela 14.5),
têmica fisiológica ao estresse. baseiam-se em sinais físicos de atividade simpática,
combinados com a avaliação do comportamento
(verbal ou corporal), e são usadas para crianças de 0
Avaliação da dor
a 4 anos. A avaliação motora pode estar prejudicada
No passado também se pensava que crianças não no paciente que recebeu bloqueador neuromuscu-
sabiam explicar ou quantificar a dor. Hoje, sabe- lar durante a cirurgia, levando à avaliação errônea
se que crianças de 20 meses sabem dizer onde e o da dor com essas escalas. Uma escala simplificada
quanto dói, e o que faz a dor melhorar. Para conse- de 10 pontos está apresentada a seguir.

Tabela 14.4 – Os diferentes períodos de maturação e capacidade de produção dos neurotransmissores


e moduladores da dor no desenvolvimento normal do feto

Maturação de conexões superiores De 13 a 32 semanas de gestação

Substância P, CGRP, somatostatina (neurotransmissores excitatórios) De 8 a 10 semanas de gestação

Glutamato, VIP, neuropeptídeo Y (neurotransmissores excitatórios) De 12 a 16 semanas de gestação

Metaencefalina (modulação da dor) De 12 a 16 semanas de gestação

Dopamina e norepinefrina (modulação da dor) De 34 a 38 semanas de gestação

Serotonina (modulação da dor) Período pós-natal

Tabela 14.5 – Escala objetiva dor-desconforto de dez pontos

Pontos 0 1 2

PA 10% > pré-operatório 10% a 20% > pré-opearatporio 20% a 30% > pré-operatório

Choro Sem choro Chora, responde a carinho Chora, não responde a carinho

Movimentos Quieto Inquieto Agitado

Agitação Calmo Moderado Histérico

Avaliação verbal ou linguagem Dormindo ou sem dor Dor leve (não localiza) Dor moderada expressa
corporal verbalmente ou apontando
Adaptado de Broadman et al.16

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Sempre que possível, a dor deve ser quantificada a via parenteral, a via endovenosa é preferível à via
pela própria criança, por tratar-se de um parâmetro intramuscular, pois esta última é dolorosa e a bio-
subjetivo. Para crianças de 4 a 6 anos, utiliza-se uma disponibilidade da droga pode ser imprevisível por
das várias escalas de faces. A escala de Bieri (Fig. ela. Para a maioria dos pacientes, a infusão contí-
14.1) parece ser a mais adequada, por não apresen- nua endovenosa é preferível do que a administra-
tar a face sorrindo para caracterizar “sem dor”, e a ção intermitente em bolus, pois a forma contínua
criança sem dor não está necessariamente sorrindo. proporciona níveis sangüíneos mais estáveis, com
Para crianças com mais de 6 anos, além da escala de menor incidência de “picos” de efeitos colaterais,
faces, pode-se utilizar uma escala analógica visual, sendo mais fácil a titulação do efeito.
que pode ser de 0 a 5 ou de 0 a 10 (quanto mais in-
tensa a dor, maior o número). Diagramas corporais
Analgésicos não-opióides
podem ser utilizados para que a criança aponte na
figura do corpo humano a localização da dor. Este grupo inclui a dipirona, o acetaminofeno e
os antiinflamatórios. A dipirona e o acetaminofe-
no agem inibindo a síntese de prostaglandinas em
nível central, por inibição da cicloxigenase-2. Já os
antiinflamatórios, como a aspirina, o ibuprofeno,
o diclofenaco e o ketorolac, agem inibindo a ciclo­
Fig. 14.1 – Escala de faces de Bieri17.
oxigenase em nível periférico, levando à diminui-
ção da produção de prostaglandinas, prostaciclinas
Tratamento da dor e tromboxano. Isso diminui a sensibilização dos no-
Existem alguns grupos de drogas que podem ciceptores e a hiperalgesia. Os efeitos colaterais dos
ser utilizadas, separadamente ou associadas, para antiinflamatórios se relacionam à inibição das pros-
o controle da dor. Um esquema simplificado está taglandinas fora do local da inflamação e incluem
apresentado na Tabela 14.6. diminuição da função plaquetária, úlcera péptica,
aumento das enzimas hepáticas, diminuição da taxa
Tabela 14.6 – Esquema para tratamento de filtração glomerular e broncoespasmo.
da dor pós-operatória em crianças
Alteração da taxa de filtração glomerular é in-
Dor leve
Analgésicos não-opióides
comum, exceto em pacientes com disfunção renal
basal, uso concomitante de outro agente nefrotóxi-
Dor moderada
Analgésico não-opióide + opióide fraco (codeína)
co, presença de hipovolemia ou administração por
Opióide EV: tempo prolongado. Estudos sugerem que o uso de
PCA ketorolac está mais associado à nefrotoxicidade.
Infusão contínua com bolus s/n
Doses em intervalos fixos
Sugere-se que o uso dessa droga seja limitado a 72
Técnicas regionais horas. Sangramento também parece estar mais as-
Dor intensa
sociado ao seu uso, devendo-se portanto evitá-la
Opióide via PCA para procedimentos como adenoamigdalectomia.
Técnicas regionais Efeitos mais raros, como agranulocitose, anemia
aplástica e metaemoglobinemia, foram descritos.
Drogas de uso sistêmico A aspirina atualmente é raramente utilizada como
analgésico em crianças, por sua associação com a
Sempre que possível, a via preferencial de admi- síndrome de Reye. A aspirina também associa-se
nistração deve ser a via oral, pois é uma via fácil, a alta incidência de efeitos colaterais gastrointesti-
não dolorosa, com baixo risco de infecção. Quanto nais e disfunção plaquetária. O ketorolac foi intro-

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duzido nos Estados Unidos em 1991. Em crianças bolismo e clearance dos opióides pode ser espera-
é utilizado por via endovenosa e mostrou-se ser um da na população neonatal. Em geral, o clearance
excelente analgésico para dor leve a moderada e de diminui com a diminuição da idade gestacional.
grande valor na associação a opióides no tratamen- Um outro fator que leva à diminuição do clearance
to da dor severa, diminuindo-se a dose de opióide é o aumento da pressão intra-abdominal (pós-cor-
necessária e, conseqüentemente, seus efeitos cola- reção de gastrosquise ou onfalocele, por exemplo),
terais indesejáveis. ou outros procedimentos abdominais, o que leva a
A Tabela 14.7 mostra as doses de analgésico uma diminuição do fluxo hepático, diminuindo a
não-opióides recomendadas em crianças conjugação da droga. Mesmo em crianças que não
foram submetidas a cirurgia, o ritmo de filtração
Opióides glomerular reduzido na primeira semana de vida
leva a uma lenta eliminação da droga. A diminui-
Os opióides são utilizados para o tratamento da ção da ligação protéica, com maior concentração
dor em todas as idades. Os opióides agem por meio
de droga livre, associada à imaturidade da barreira
de receptores específicos no sistema nervoso perifé-
hematoencefálica nos neonatos, leva à potenciali-
rico (terminações nervosas livres) e no sistema ner-
zação dos efeitos dos opióides nesta população.
voso central (em nível espinhal e supra-espinhal).
Os receptores envolvidos no controle da dor são
principalmente do tipo u e k. Em virtude da apa- Opióides utilizados em crianças
rente ausência de toxicidade tecidual, mesmo em 1. Codeína
altas doses, os opióides são as drogas mais usadas
em crianças com dor moderada a severa. Na América do Norte é muito utilizada em crian-
ças pequenas, por via oral, em preparações em que
está associada ao acetaminofeno. É definida como
Farmacologia dos opióides em neonatos
um analgésico fraco com efeito teto. Não é recomen-
A farmacocinética dos opióides é peculiar nos dada por via parenteral e está associada à liberação de
neonatos. Uma grande variação quanto ao meta- histamina quando administrada por via intravenosa.

Tabela 14.7 – Doses de analgésicos não-opióides recomendadas em crianças

Droga Dose única (mg/kg) Número de doses diárias Dose máxima (mg/kg/dia)

Acetaminofeno 10-15 (oral) 4-6 60


35-40 (retal) na dose inicial 3-4 –
seguidos de 20 nas doses
subseqüentes

Dipirona 10-30 (oral ou retal) 4-6 ± 100


5-10 (IM ou IV) 4-6

Diclofenaco 0,5 a 1,5 (oral ou retal) 2-3 -

Aspirina 10-15 4-6 60

Ibuprofeno 5-10 3-4 40

Naprosyn 7 2 15

Ketorolac oral – Adolescentes 10 mg/dose 3-4 40 mg/dia

IV ou IM 0,5 4 2

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2. Meperidina 5. Fentanil e sufentanil
Devido ao metabólito ativo normeperidina, pro- Opióides sintéticos, o fentanil é 10 vezes mais
voca toxicidade no sistema nervoso central, podendo potente que a morfina, e o sufentanil é 5 a 7 ve-
levar a convulsões em neonatos e efeitos como agita- zes mais potente que o fentanil. A dose de fentanil
ção e disforia em crianças maiores, especialmente na por administração intravenosa é de 0,5 a 2 ug/kg/h
presença de disfunção renal. A dose recomendada (até 10 ug/kg/h). Estudos foram feitos com a ad-
em crianças maiores é de 1 a 1,5 mg/kg e pode-se ministração de fentanil intranasal em crianças, de-
utilizar infusão contínua de 0,5 a 0,7 mg/kg/h. monstrando analgesia efetiva, de rápida instalação.
O fentanil por via oral (na forma de pirulito) é uti-
3. Metadona
lizado em crianças como medicação pré-anestésica,
Apresenta biodisponibilidade de 70% a 90% mas também pode ser utilizado como analgésico
quando administrada por via oral e sua ação pro- pós-operatório. No entanto, observou-se depressão
longada promove excelente alívio da dor, quando respiratória com o uso dessa apresentação, reco-
administrada em doses de 0,05 a 0,1 mg/kg a cada mendando-se monitorização cuidadosa.
6 a 12 horas. Clinicamente causa menos náuseas e 6. Hidromorfona
vômitos do que outros opióides administrados por
É um opióide 5 a 7 vezes mais potente que a
via oral em crianças. Quando administrada em bo-
morfina, portanto deve-se usar 1/5 a 1/7 desta.
lus, por via intravenosa, promove analgesia prolon- A hidromorfona é uma boa escolha quando os efei-
gada. Apresenta meia-vida de 12 a 24 horas. tos adversos da morfina devido à liberação de hista-
4. Morfina mina (como o prurido) são muito intensos. Nesse
A morfina é um opióide que vem sendo larga- caso, a hidromorfona em doses equipotentes pode
mente utilizado por décadas, e é a droga analgésica substituir a morfina.
com que se tem maior experiência na população 7. Tramadol
pediátrica. A biodisponibilidade por administração O tramadol pode ser considerado um opióide
intravenosa, intramuscular ou subcutânea é seme- fraco, que, além do seu efeito por ação nos recep-
lhante. Quando administrada por via oral, a dose tores u, apresenta uma atividade inibitória da re-
deve ser 3 vezes maior (Tabela 14.8). captação de monoaminas, aumentando os níveis
de serotonina e noradrenalina. Causa tolerância
mínima quando comparado aos outros opióides.
Tabela 14.8 – Esquema de doses de morfina
Não deve ser usado em crianças com baixo limiar
Administração intravenosa convulsivo. A dose recomendada é de 5 mg/kg/
Dose inicial: 0,01 a 0,02 mg/kg a cada 5 minutos dia, no máximo 400 mg/dia.
Intervalo fixo ou S/N: 0,05 mg/kg a cada 3 horas
Infusão contínua: 0,01 a 0,03 mg/kg/h

PCA:
Efeitos adversos dos opióides
Bolus 0,02 mg/kg a cada 15 minutos
Infusão contínua: 0,005 mg/kg/h Apesar de a depressão respiratória ser o efeito
adverso mais temido, os outros efeitos são mais co-
Administração via oral:
0,2 a 0,5 mg/kg/dose 4/6 horas
muns (Tabela 14.9). A depressão respiratória pode
acontecer com qualquer dos opióides e sua ocorrên-
cia está diretamente relacionada à potência da dro-
Quando administradas em crianças com menos ga. Fatores predisponentes à depressão respiratória
de 6 meses de idade, as doses da Tabela 14.8 de- incluem extremos de idade, doenças preexistentes,
vem ser reduzidas em 50% e deve-se monitorizar estado mental alterado e associação com outras me-
as funções cardiorrespiratórias. dicações depressoras, como barbitúricos, fenotiazí-

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nicos e benzodiazepínicos. O uso de morfina em não está indicada. Já foi descrita sua utilização em
pacientes com disfunção renal também pode levar à crianças de 4 anos de idade, sendo mais indicada
depressão respiratória. Nesse caso, o uso de fentanil em torno dos 6 anos. A criança deve ser capaz de
ou hidromorfona promove maior segurança. quantificar a sua dor por meio de uma escala ana-
lógica visual (de 1 a 10 ou 1 a 5). Ela deve saber
Vias de administração dos opióides diferenciar a dor leve da dor moderada e da severa,
para poder ser capaz de manipular um aparelho de
Os opióides podem ser administrados na forma PCA. A criança deve entender que ela controla a sua
“se necessário”, em intervalos fixos (“de horário”), medicação, pressionando o botão. O método “anal-
em infusão contínua ou com um aparelho de PCA gesia assistida pelos pais”, sugerido por Broadman18,
(do inglês Patient Controlled Analgesia). Para se ob- envolve comunicação da criança com um dos pais e,
ter a melhor analgesia possível, o nível sangüíneo juntos, eles decidem se a dor é intensa o suficiente
do opióide deve ser estável. Com a prescrição “se para apertar o botão. Esse método mostrou-se útil
necessário” dificilmente o paciente receberá anal-
após as primeiras 24 horas de pós-operatório.
gesia adequada. Com essa forma de administração,
há uma certa demora desde o momento em que a A PCA pode ser administrada associando-
criança se queixou de dor até que a droga seja pre- se ou não uma infusão basal contínua da droga.
parada, administrada e seu efeito ocorra. A infusão A associação com a infusão basal mostrou melhor
contínua e a PCA são as formas de administração qualidade da analgesia quando comparada com a
mais adequadas para o máximo controle da dor. PCA isolada, e a criança não sente a necessidade
de pressionar o botão com tanta freqüência. Isso
fez com que vários serviços adotassem esse método
Anestesia controlada pelo paciente (PCA)
de analgesia, até que foram relatados episódios de
É uma das melhores formas de controle da dor, depressão respiratória durante o sono com seu uso.
nos casos em que a anestesia regional pós-operatória A partir daí tem-se preferido a associação com ou-

Tabela 14.9 – Efeitos adversos dos opióides e tratamentos sugeridos

Efeito adverso Tratamento

Depressão respiratória Opióide suspenso


Manutenção de vias aéreas
(Intubação, se severa)
Naloxona 2 a 4 ug/kg, até 0,2 mg

Disforia Troca do opióide

Constipação ou íleo Laxativos


Estimulantes da motilidade intestinal (metoclopramida)

Náusea ou vômito Fenotiazina (0,25mg/kg de prometazina, até 25 mg)


Droperidol (0,01mg/kg até 0,625 mg)
Ondansetron (0,1 mg/kg até 4 mg)

Prurido Difenidramina (0,5 mg/kg até 25 mg)


Troca por hidromorfona
Naloxona 0,1 a 2,0 ug/kg IV s/n se severo

Convulsões (meperidina) Opióide suspenso


Manutenção de vias aéreas
Benzodiazepínicos

244 An e s t e s ia Pe diátrica

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tras drogas (como antiinflamatórios) à PCA isola- Clonidina
da, reservando-se a PCA com infusão basal para os
casos de dor extremamante severa (como pacientes É uma droga alfa 2-agonista que vem sendo uti-
com câncer). Os outros efeitos adversos dos opiói- lizada para analgesia peri-operatória. Tem efeitos
des não se mostraram mais freqüentes com o uso sinérgicos quando utilizada em combinação com
de PCA do que com as outras formas de adminis- opióides (como a morfina), permitindo a diminui-
tração de opióides. ção da dose de opióide necessária e conseqüente-
mente dos seus efeitos adversos. A dose por via oral
A morfina é a droga mais utilizada em PCA, mas
também pode-se utilizar fentanil ou hidromorfo- é de 3 a 5 ug/kg. Os efeitos colaterais da clonidina
na, principalmente em casos de efeitos colaterais sao hipotensão, bradicardia e sedação.
intensos com o uso da morfina. Um esquema bas-
tante utilizado para essa droga pode ser observado Analgesia regional
na Tabela 14.10.
Técnicas regionais têm sido largamente utiliza-
das para o controle da dor no período pós-operató-
Tabela 14.10 – Um esquema para administração rio de crianças e adolescentes20.
de morfina via PCA
As técnicas epidurais contínuas promovem ex-
1. Morfina 1 mg/ml em seringa da PCA celente analgesia pós-operatória em crianças sub-
2. Bolus de 0,02 a 0,03 mg/kg/dose metidas a cirurgia torácica, abdominal, perineal e
de extremidades inferiores. Com a disponibilidade de
3. Intervalo de 7 a 15 minutos
materiais adequados, essas técnicas podem ser ad-
4. Se infusão basal: infusão de 0,01 a 0,02 mg/kg/h ministradas até mesmo em neonatos.
5. Avaliar a escala de dor Em crianças menores, o acesso lombar ou cau-
dal é preferível, mas pode-se realizar a epidural to-
rácica, se esta for realizada por um anestesiologista
Outros analgésicos de administração sistêmica com experiência na técnica. Mostrou-se que, em
crianças com menos de 5 kg de peso, a progres-
Quetamina são de um catéter peridural até a região torácica,
Utilizada como analgésico para a realização de por via caudal, é confiável. Nesses casos, é ideal a
procedimentos em que se deseja mínima depressão confirmação da localização do catéter por avaliação
respiratória e cardiovascular. Promove analgesia na radiográfica.
dose de 0,5 a 1 mg/kg e anestesia geral na dose Algumas regras devem existir se um serviço de
de 1 a 2 mg/kg. Leva a aumento de secreções e dor deseja incluir a prática de infusões epidurais
efeitos indesejáveis como aumento da pressão in- contínuas:
tracraniana, reações disfóricas e halucinações. Os • deve haver um médico do serviço de dor no
efeitos psicomiméticos podem ser reduzidos com a hospital por 24 horas para atender rapida-
pré-medicação com benzodiazepínicos (midazolam mente qualquer caso de complicação;
0,05 mg/kg IV). O enantiômero-(S+) da cetamina
foi demonstrado ser clinicamente superior à mistu- • o paciente é avaliado por um membro do
ra racêmica quanto a potência anestésica, extensão serviço de dor, pelo menos uma vez por dia;
da analgesia e amnésia, incidência de efeitos colate- • freqüência respiratória e nível de consciência
rais, reações psicóticas e agitação. Estudos com essa devem ser avaliados de uma em uma hora
droga têm sido realizados em crianças para promo- nas primeiras 24 horas e qualquer alteração
ver analgesia pós-operatória19. deve ser comunicada ao serviço de dor;

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• freqüência cardíaca, pressão sangüínea e escala nas primeiras 6 horas após o início da administra-
de dor devem ser verificadas a cada 4 horas; ção do opióide, podendo ocorrer em até 18 horas.
• deve haver treinamento e reciclagem da en- Está relacionada à administração de altas doses de
fermagem das enfermarias onde os pacientes opióides (> 50 ug/kg), idade menor do que 1 ano
ficarão internados; e associação concomitante de opióide por via sis-
• em casos de crianças com menos de 6 meses têmica. No caso de prurido intenso, pode-se subs-
e com problemas neurológicos,ou qualquer tituir o opióide por hidromorfona na via epidural
outro motivo que leve a risco aumentado de (uma solução de bupivacaína 0,1% com 10 ug/ml
depressão respiratória, aconselha-se o uso de de hidromorfona, na infusão de 0,1 a 0,2 ml/kg/h, é
um monitor cardiorrespiratório. adequada). Podem também ocorrer náuseas e vômi-
• não se deve prescrever opióides por outras tos (que podem ser controlados com antieméticos),
vias em pacientes recebendo opióides por via retenção urinária e infecção pelo uso de catéteres.
epidural. Outras técnicas de analgesia regional são utiliza-
Quando a extremidade do catéter está localiza- das no período peri-operatório. Algumas delas são
da no mesmo nível espinhal da inervação do lo- mostradas na Tabela 14.13.
cal da cirurgia, a solução de bupivacaína e fentanil
(opióide lipossolúvel) é preferível (Tabela 14.11).
Tabela 14.13 – Técnicas regionais,
Quando a cirurgia é muito extensa, atingindo di- drogas e doses recomendadas
versos dermátomos ou quando o cateter é lombar e
a cirurgia é abdominal alta ou torácica, uma solu- Bloqueio interpleural:
Bolus: 1 ml/kg bupivacaína 0,25% (máx: 30 ml)
ção com morfina (opióide hidrossolúvel) é a mais Infusão contínua: 0,125 ml/kg/h, bupivacaína 0,25%
adequada (Tabela 14.12). Bloqueio intercostal:
0,1 a 0,15 ml/kg/espaço intervertebral de bupivacaína 0,25%
(máx: 3 ml/espaço)
Bloqueio axilar:
Tabela 14.11 – Esquemas de doses para analgesia
Dose única: 0,5 a 0,75 ml/kg de
epidural com fentanil
bupivacaína 0,25% (máx: 30 ml)
Difusão contínua de bupivacaína a 0,1% com 2 a 5 ug/ml de fentanil Infusão contínua: 0,15 ml/kg/h de bupivacaína 0,2% ou
caudal ou lombar 0,3 ml/kg/h de bupivacaína 0,125 %
Neonatos 0,2 a 0,25 ml/kg/h Bloqueio íleoinguinal e Íloipogástrico
< 30 kg 0,3 a 0,4 ml/kg/h 0,5 a 1 ml/ano de idade de bupivacaína 0,25% (máx: 5 a 7 ml)
> 40 kg 15 ml/h Bloqueio do nervo dorsal do pênis
Bolus (lombar) – 1/3 da dose horária a cada 1 hora 2 injeções de 1 a 2 ml às 11h e à 1h
Torácica Bupivacaína 0,25% sem epinefrina
< 30 kg 0,3 ml/kg/h
> 40 kg 12 ml/h
Conclusão
Tabela 14.12 – Doses de morfina para administração
por via peridural O ideal para o adequado controle da dor pós-
operatória é o uso simultâneo de vários tipos de
Dose única
Cirurgia abdominal: 30 a 50 ug/kg drogas e técnicas, a fim de interferir e modificar a
Cirurgia torácica: 50 a 70 ug/kg transmissão nociceptiva em diferentes pontos das
Infusão contínua: bupivacaína a 0,1 % + morfina 0,1 a 0,2 mg/kg/24h
vias da dor. Dessa forma, também é possível di-
minuir-se as doses de cada droga utilizada, assim
As complicações dos opióides por via epidural como os efeitos indesejáveis destas. Além de dro-
são semelhantes àquelas por administração sistêmi- gas, também são importantes no controle da dor
ca. A depressão respiratória ocorre principalmente em crianças o carinho da equipe de enfermagem,

246 An e s t e s ia Pe diátrica

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a presença dos pais, técnicas de distração, brinque- 10. Abramowitz HD, Oh TH, Epstein BS et al. The antie-
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Capítulo 15
Im p l i c a ç õ e s A n e s t é s i c a s d e
S índ r o m e s e D e s o r d e n s C o m u n s
na A ne s t e s i a P ed i á t r i ca
Carla Marília Nogueira Magalhães
Charlize Kessin
Kátia Yukie Yamamoto de Souza
Marcelo de Carvalho

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS Distúrbios da coagulação

Uma variedade de alterações hematológicas pode Hemofilia A


ter impacto no perioperatório de um procedimento
cirúrgico de médio ou grande porte em pacientes pe- A hemofilia A é uma doença da deficiência do
diátricos. Neste capítulo serão revistos alguns concei- fator VIII (globulina anti-hemofílica), de herança
tos e destacadas algumas peculiaridades no manuseio recessiva, ligada ao cromossomo X, que acomete
anestésico de algumas dessas situações especiais. homens, sendo as mulheres portadoras assintomá-
ticas. O diagnóstico acontece nos primeiros meses
As anemias e as doenças hematológicas, em
de vida e a gravidade da doença depende dos níveis
geral, podem aumentar o risco de sangramento
de fator VIII. A hemofilia severa ocorre quando os
durante um procedimento cirúrgico e/ou interfe-
rir com a morbidade no pós-operatório imediato níveis de fator VIII estão abaixo de 1% do normal;
e tardio. Assim, a caracterização dessas doenças se essas crianças têm história de sangramentos desde
faz importante no período perioperatório. o início da infância e sofrem de hemartrose. Níveis
entre 1% a 5% do fator VIII ocasionam episódios
O diagnóstico deve ser precoce e a história so-
de hemartrose; níveis acima de 5% podem cursar
bre sangramentos pregressos, notificada cuidadosa-
assintomáticos até a adolescência.
mente. A intensidade, a freqüência e o tratamento
dos eventos devem ser especificados. Também im- Ao diagnóstico, o tempo de protrombina e o nú-
portante é a avaliação da necessidade de transfusão, mero de plaquetas apresentam valores normais, en-
incluindo a presença de doenças cardiopulmonares quanto o tempo de tromboplastina é prolongado.
associadas, o tipo de cirurgia e o risco de sangra- A fórmula para reposição do fator VIII se tra-
mento do procedimento1. duz pela relação entre peso do doente multiplicado

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pelo nível de fator VIII desejado, divididos por 1,5, que é seguida da formação de fibrina e da retração
que se iguala então ao numero de unidades de fator do coágulo. As plaquetas também são responsáveis
VIII necessárias. A vida média do fator VIII é de 8 pela integridade vascular. As doenças plaquetárias
a 12 horas; anticorpos antifator VIII desenvolvem- devem-se tanto pela redução de número quanto
se em 5% a 10% dos doentes. pela alteração de função destas2-10.

Doença de Christmas (hemofilia B) Trombocitopenia


Decorre da deficiência do fator IX e apresenta A contagem normal de plaquetas é de 150.000
herança recessiva ligada ao cromossomo X. Clini- a 350.000/ul. Hemorragia não ocorre com um nú-
camente não difere da hemofilia A e é manuseada mero de plaquetas menor que 100.000/ul. O tempo
da mesma maneira. O diagnóstico diferencial deve de sangramento, medida de avaliação da função pla-
ser realizado por imunoensaio para fator IX e este, quetária, está aumentado quando o número de pla-
transfundido quando necessário. quetas for menor que 100.000/ul. Nessa condição,
uma lesão vascular ou cirurgia podem provocar um
Doença de von Willebrand sangramento excessivo. O sangramento espontâneo
é raro e não ocorre com número de plaquetas supe-
Doença hemorrágica familiar, que ocorre em rior a 20.000/ul. Número menor que 10.000/ul está
ambos os sexos, em que há uma deficiência do fa- associado a um risco acentuado de sangramento.
tor von Willebrand (vW), uma glicoproteína sin- Exame da medula óssea mostra um número
tetizada por células endoteliais e megacariócitos. elevado de megacariócitos em doenças associadas
O fator vW serve como uma molécula carreadora a uma maior destruição de plaquetas. Número re-
de fator VIII:c e como mediador de adesão pla- duzido é encontrado em doenças com produção
quetária no endotélio vascular lesado. Os exames aumentada de plaquetas.
laboratoriais mostram diminuição da adesividade
As causas de trombocitopenia podem ser por de-
plaquetária, que causa um retardo na formação do
feitos de produção, lesão (radioterapia ou drogas),
agregado plaquetário primário, atividade reduzida
falência da medula óssea (anemia aplástica), inva-
do fator vW e alteração na via intrínseca da coagu-
são (carcinoma, leucemia ou fibrose), seqüestro na
lação. O tempo de sangramento e o tempo ativado
esplenomegalia e destruição acelerada (drogas, pro-
de tromboplastina estão prolongados e a atividade
cessos autoimunes, coagulação intravascular disse-
do fator VIII:c está reduzida.
minada, púrpura trombocitopênica ou hemorragia
O quadro clínico se caracteriza por sangramen- com transfusão excessiva)11,12.
to gengival, petéquias e epistaxes, enquanto hemar-
trose é de ocorrência rara.
Púrpura trombocitopênica idiopática
Doenças adquiridas Doença desencadeada por um fator antiplaque-
tário, que leva a uma maior destruição da plaqueta
Estas incluem a deficiência de vitamina K, do-
pelo baço, determinando trombocitopenia e san-
enças hepáticas e outras doenças.
gramento. Com uma incidência maior ao redor
dos 7 anos de idade, existem formas agudas e crô-
Doenças das plaquetas
nicas. As formas agudas, que duram cerca de um
A adesão e a agregação plaquetária refletem o mês, acabam em remissão espontânea, podendo
papel fundamental das plaquetas na hemostasia, apresentar complicações como hemorragia intra-

250 An e s t e s ia Pe diátrica

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parenquimatosa e volumoso sangramento digesti- res de 10 a 11 mg/100ml ou níveis ainda mais baixos
vo, porém a taxa de mortalidade é de 2%. A me- em prematuros. Essa queda traduz a transformação
lhora nessa fase pode ser obtida com corticóides da hemoglobina fetal em hemoglobina do adulto,
e/ou com esplenectomia, que pode ser também o falta de eritropoetina e medula óssea imatura.
tratamento efetivo para forma crônica.
Anemia hemolítica
Doenças na função plaquetária
Ocorre pelo aumento da destruição de hemácias
Decorrem da ação de drogas, uremia, cirrose, na presença de hiperesplenismo. As diversas causas
disproteinemia, doença de von Willebrand, doen- possíveis são:
ças mieloproliferativas e mielodisplásicas.
• anemia hemolítica auto-imune;
Anemia • efeito tóxico direto ou trauma mecânico;
• anormalidade da membrana interna da hemácia.
Anemia é definida como a presença de um hema-
tócrito de 30% a 35% ou menor. A reposição sangüí-
nea deve seguir alguns critérios enumerados na Tabela Talassemia maior
15.1. Os níveis de hemoglobina, ao nascer, estão em Doença hereditária em que a síntese da hemoglo-
torno de 18 a 20 mg/dl, aos 3 meses caem para 10 a bina do adulto (Hb) está lentificada e, por isso, há
11 mg/dl, e aos 6 anos aproxima-se de 14 mg/dl.
um aumento na porcentagem de hemoglobina fetal
Na avaliação da anemia, deve-se incluir o índice (HbF). As talassemias podem ser maior e menor.
de reticulócitos e a revisão de outras células perifé-
A talassemia menor se caracteriza por genes heterozi-
ricas. O índice de reticulócitos (IR = contagem de
gotos, Hb em torno de 9 a 12 g/dl, quase sem reper-
reticulócitos em porcentagem vezes o hematócrito
observado, divididos por duas vezes o valor normal cussão para a anestesia. A talassemia maior, também
de hematócrito) reflete o valor de produção, des- denominada anemia de Cooley, caracteriza-se por
truição ou perda de hemácias11-13. genes homozigotos, em que a vida média dos eritró-
citos é reduzida e a eritropoiese ineficaz causa anemia
grave, com necessidade de transfusões repetidas e
Tabela 15.1 – Reposição de concentrado de conseqüente quadro de hemossiderose e hiperesple-
hemácias em crianças
nismo. Pode apresentar comprometimento cardíaco.
Crianças com menos de 4 meses de idade
Hb < 10 g/dl-1 + cirurgia de grande porte
Hb < 8 g/dl-1 + anemia sintomática Anemia falciforme
Hb < 13 g/dl-1 + doença cardiopulmonar grave
Hb < 10 g/dl-1 + doença pulmonar moderada Caracterizada pela síntese de hemoglobina
Crianças com mais de 4 meses de idade anormal S (HbS), em que o ácido glutâmico subs-
Perda aguda > perda aceitável titui a valina na cadeia beta. A presença de HbS na
Hb < 6 g/dl-1 no periodo intra-operatório
Hb < 7 g/dl-1 no periodo pós-operatório
forma desoxigenada conduz a falcização, que tem
Hb < 13 g/dl-1 + doença cardiopulmonar grave duas conseqüências, a saber: captação esplênica e
destruição das hemácias falcizadas. Esses fenôme-
Fonte: Camboulives22.
nos provocam infartos e oclusões de vasos, princi-
palmente em rins, ossos e baço. Ao mesmo tempo,
Anemia fisiológica
a vida média dos eritrócitos está reduzida e há o
Ocorre em crianças de 2 a 3 meses de vida e se ca- aumento da hemólise, desencadeando anemia e
racteriza pela queda da hemoglobina além dos valo- aumento de bilirrubina sérica.

Im p l i ca ções A n e s t é s i c a s d e S í n d r o m e s e De s o rde n s 251

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O grau de falcização depende dos níveis de sín- mas, diferentemente das células normais, as células
tese de HbS. Em homozigotos, esse nível é de até leucêmicas não se diferenciam e a infiltração leucê-
75%, já em heterozigotos, menor que 50%. mica da medula óssea causa a falência desta.
A doença pode causar falcização, que resulta em As leucemias podem ser agrupadas, pelo tipo de
dor isquêmica. Outras conseqüências possíveis são células comprometidas, em leucemia linfoblástica
hemólise, responsável por anemia e aplasia medu- (linfóide) e leucemia mielóide. Podem se apresen-
lar, que pode levar ao óbito14-20. tar de forma aguda ou crônica.
Na leucemia crônica, as células são bem diferen-
Doenças da membrana eritrocitária ciadas e funcionais. Promovem inicialmente pou-
Esferocitose é uma condição hereditária domi- cos sintomas. Com o tempo, as células se tornam
nante, em que os eritrócitos anormais são prematu- menos diferenciadas e o número de células anor-
ramente removidos para o baço, causando anemia mais funcionantes começa a diminuir. A partir des-
hemolítica. A esplenectomia diminui a hemólise, se momento, os sintomas começam a se acentuar.
mas não corrige o defeito básico do eritrócito, e é Na forma aguda, a mais comum nas crianças, as
geralmente postergada até os 4 ou 5 anos de idade, células são pouco diferenciadas e se multiplicam de
para diminuir os riscos de infecções, principalmen- forma rápida, normalmente cursando com um qua-
te por pneumococos. dro clínico expressivo. Na leucemia aguda, os sin-
tomas resultam da diminuição das células normais
Outras anemias bem diferenciadas e da presença de um aglomera-
do anormal de células leucêmicas na medula óssea.
• Anemia por produção inadequada de hemácias Como resultado, as funções das hemácias, das pla-
• Anemia hipocrômica quetas e de outras células estão comprometidas. Os
• Anemia ferropriva sintomas incluem perda de peso, febre, fadiga, cefa-
• Anemia sideroblástica léia, infecções freqüentes, perda de apetite e anemia,
• Anemia das doenças crônicas que pode causar dispnéia, cansaço e palidez.
• Anemia normocrômica (normocítica e macro- O tratamento da leucemia ou linfoma é o trans-
cítica) plante de medula óssea, cuja recuperação é bastan-
• Policitemia ou eritrocitose te longa21.
• Aumento de hemácias na circulação
Considerações anestesiológicas
• Anemia megaloblástica (deficiência de ácido fó-
lico) Distúrbios de coagulação
• Anemia por deficiência de vitamina B12 (ane- Hemofilia
mia perniciosa)
O principal problema envolvido é o das transfu-
Doenças dos leucócitos sões repetidas e a possível sensibilização resultante.
Como novas transfusões são possivelmente neces-
Leucemia sárias, cuidados específicos com o nível de fator
Leucemia é definida como uma transformação VIII ou VIII:c da coagulação devem ser tomados:
hematopoiética ou acúmulo malígno de células • transfundir de 15 a 20 U/kg de fator VIII (pre-
sangüíneas progenitoras. As células blásticas leu- ferencialmente fator VIII recombinante), caso a
cêmicas mantêm a capacidade de auto-renovação, cirurgia seja de grande porte;

252 An e s t e s ia Pe diátrica

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• em casos de emergência, transfundir criopreci- • evitar sedação excessiva no pré-anestésico;
pitado 20 ml/kg; • oxigenar bem antes da indução;
• evitar medicações por via muscular e a utiliza- • usar uma fração inspirada de oxigênio alta (>
ção de ácido acetilsalicílico; 60%);
• avaliar o coagulograma antes de se optar por • sempre realizar a intubação traqueal;
bloqueios regionais;
• manter a fração expirada de gás carbônico em
• evitar intubação nasotraqueal e a intubação oro- valores normais (com ventilação controlada me-
traqueal deve ser realizada sem trauma;
cânica);
• transfundir no pós-operatório, para manter o
• atentar para a possibilidade de ocorrer depres-
nível de fator VIII 30% a 50% do normal;
são miocárdica;
• na doença von Willebrand, a administração de
DDVAP 0,4 a 0,5mg/kg IV, aumenta de 3 a 6 • evitar desidratação e hipovolemia;
vezes o fator VIII, com duração em torno de • não extubar até que a criança esteja bem acorda-
6 horas. Este não funciona em hemofilia A. da;
• ofertar oxigênio no transporte e na recuperação
Doenças das plaquetas pós-anestésica;
Púrpura trombocitopênica idiopática • Manter a normotermia.

Alguns aspectos são importantes nesses pacientes: Anemia falciforme


• transfusão de plaquetas não é efetiva antes da
esplenectomia. As plaquetas, com os concentra- Algumas considerações particulares da anemia
dos de hemácias, deverão ser solicitadas e trans- falciforme devem ser feitas, além dos cuidados ci-
fundidas, logo após a remoção do baço; tados com a criança anêmica:
• pré-tratamento com corticóides deve ser insti- • investigar história de acidentes hemolíticos ou
tuído; falcização pregressa.
• não deve ser administrada medicação por via • doentes esplenectomizados têm um risco maior
muscular; de infecção por pneumococos, o que justifica
• a intubação orotraqueal deve ser realizada sem vacinação antipneumocócica e antibioticotera-
trauma. pia profilática com penicilina.
• na presença de anemia, corrigir no pré-operatório.
Anemias em geral • evitar situações que precipitem a falcização:
Anemia em pacientes cirúrgicos é freqüente- – hipóxia;
mente resultado de perda sangüínea recente, que – acidose;
pode ser o motivo da cirurgia. Caso haja uma hipo- – anemia;
volemia importante, a ressucitação volêmica se faz – estase vascular, pela maior viscosidade sangü-
nessessária previamente ao procedimento cirúrgico ínea das células falcizadas.
(Tabela 15.1). É importante se ter o conhecimento
de doenças preexistentes e da história pregressa de • evitar:
sangramentos inesperados. – hipoventilação;
Algumas considerações gerais devem ser res- – desidratação (a criança deve ingerir água até
saltadas no manuseio anestésico de crianças com poucas horas antes do procedimento);
anemia: – hipotermia.

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• avaliar funções renal, hepática, cardíaca e pul- Uso de antifibrinolíticos
monar;
É usado para estabilizar o coágulo, inibindo o
• avaliar a atividade da colinesterase plasmática, processo normal de destruição deste, através do sis-
que pode estar diminuída. tema de fibrinólise. Nas doenças hemorrágicas, o
uso de ácido aminocapróico e ácido tranexâmico
Talassemia maior tem demonstrado diminuir a quantidade necessá-
ria de hemoderivados na reposição e propiciar he-
As principais alterações com a talassemia maior mostasia em procedimentos cirúrgicos, previnindo
são: hemorragias até o décimo pós-operatório. O ácido
• anemia pode ser grave, com valores de Hb entre aminocapróico é usado na dose de 200 mg/kg, se-
5 a 7 g/dl. guido de uma dose de 100 mg/kg a cada seis horas
• hemosiderose pode comprometer funções mio- (no máximo de 5 g/dose). O tranexâmico é usado
cárdica e hepática. em uma dose de 10 mg/kg por via venosa (máximo
de 1 g) a cada 8 horas.
• deformidade facial, com aumento de maxilas,
pode levar a dificuldade de intubação.
FIBROSE CÍSTICA
• a transfusão é necessária e deve corrigir a Hb
para valores abaixo de 10 g/dl. Fibrose cística (FC) é uma doença que acomete
• é importante o uso do filtro de leucócitos, para diversos órgãos, caracterizada por funcionamento
transfusão em crianças que já apresentaram rea- inadequado das glândulas exócrinas secretoras de
ção transfusional. muco. É a causa mais comum de DPOC (doença
pulmonar obstrutiva crônica) em crianças e é res-
• atenção na transfusão de líquidos cristalóides,
ponsável por alta porcentagem de morte infantil
pois o volume plasmático normalmente é ele- com falência respiratória24-26.
vado.
Fibrose cística tem caráter autossômico recessi-
vo, com maior freqüência entre a população branca
Doenças da Membrana Eritrocitária (1:20000). Está ligada à mutação do cromossomo
Na esferocitose, a transfusão pré-operatória ge- 7, que leva à alteração do canal de cloro, através
ralmente não é necessária. A anemia crônica dessa da alteração da proteína reguladora envolvida na
condição eleva os níveis de 2-3 DPG, o que libera condução transmembrana. Nessa condição, as
glândulas de suor secretam exageradamente sódio,
mais facilmente oxigênio para os tecidos.
potássio e cloro24,25,27.
DDAVP
Os sintomas e progressão da doença se devem
à obstrução, em vários sítios, das glândulas exócri-
DDAVP, 1-deamino 8-D arginina vasopressina, nas, determinando o acúmulo de muco. Os órgãos
estimula, de maneira transitória, o aumento do ní- mais seriamente comprometidos são pulmão e
vel do fator VIII no plasma. Embora o mecanismo pâncreas exócrino. Glândulas acometidas estão nos
de ação ainda não esteja completamente elucidado, brônquios pulmonares, salivares, seios paranasais,
é usado em doentes com hemofilia A leve. É admi- trato gastrointestinal, pâncreas, vias biliares e colo
nistrado por via venosa, na dose de 0,3 ug/kg de uterino. Além do aumento da secreção de muco, há
peso, em 30 a 40 ml de solução fisiológica, em 15 também maior absorção da água com conseqüente
ou 20 minutos. O pico de ação pode ser observado aumento da viscosidade24-29.
em 30 a 60 minutos. O maior efeito colateral do As manifestações mais freqüentes da FC são
DDAVP é rubor facial assintomático23. bronquite, bronquiectasia e pneumonia por obs-

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trução das pequenas e médias vias aéreas. A difi- O diagnóstico de FC é obtido pela dosagem dos
culdade de eliminar o muco, associada ao anormal valores do cloro no suor, acima de 60 mEq/l, cultu-
clearance mucociliar, leva à inflamação da parede ra positiva para Pseudomonas aeruginosa e azoosper-
bronquiolar, estabelecendo assim uma infecção mia. Como critérios menores pode-se citar história
crônica. Infecções e obstruções consecutivas levam familiar positiva para FC, presença de insuficiência
à destruição da estrutura dos brônquios e à forma- pulmonar e DPOC antes dos 20 anos. A expiro-
ção de cistos. metria demonstra alterações com redução da capa-
Outras manifestações clínicas possíveis são cidade expiratória máxima (VEF 25-75, VEF 50,
pansinusites (90%), pólipo nasal (20%), diabetes VEF 75) e aumento do volume residual em relação
por insuficiência pancreática (15%), íleo meconial à capacidade pulmonar total26.
(10% a 30%), falência hepática (5% a 20%), co- O tratamento está firmado no toalete pulmonar
agulopatia por deficiência de vitamina K, cirrose diário, drenagem postural, tapotagem e utilização
biliar (2%) e colelitíase26,27. de antibióticos, broncodilatadores e mucolíticos,
quando necessários. A falência respiratória deve
A FC pode ocorrer primariamente no pâncreas e
ter tratamento vigoroso, com intubação traqueal e
trato gastrointestinal. No pâncreas, a obstrução dos
ventilação assistida24-27.
ductos leva a perda de tecido pancreático e fibrose.
A insuficiência pancreática resulta em deficiência No cor pulmonale, com acometimento do lado
da enzima pancreática, associada à má absorção de direito cardíaco, há necessidade de restrição de sal e
gordura e proteína. do uso de diuréticos. A digitalização é utilizada na
falência do ventrículo esquerdo26.
Estágios avançados são caracterizados por hipe-
rinsuflação dos pulmões e enfisema. O tratamento cirúrgico também está indicado
em algumas situações (Tabela 15.2)27.
Clinicamente, os pacientes apresentam secreção
purulenta pela manhã. Com as repetidas infecções, Com diagnóstico precoce e tratamento agressi-
podem desenvolver hemoptise, emese e broncoes- vo, tem-se aumentado a média de sobrevida dos
pasmos, associados a taquipnéia, além de tosse e pacientes de FC. Em 1996, metade dos pacientes
com FC tinha uma expectativa de vida acima de 18
dispnéia.
anos de idade27.
Complicações pulmonares incluem26:
• hemoptise: veias brônquicas tornam-se largas e
Tabela 15.2 – Situações cirúrgicas possíveis nos
tortuosas, associadas à alteração da estrutura pul- doentes com FC
monar, podendo causar sangramento maciço30;
Condições Idade média
• pneumotórax: a presença de cistos pleurais está
Íleo meconial 1 dia a 3 anos
relacionada a essa intercorrência, que pode ne-
cessitar de intervenção de emergência; Pólipo nasal 10 a 18 anos

• atelectasia: acontece em virtude do colapso alve- Cirurgia para doença avançada: 10 a 18 anos
– Broncoscopia
olar, sendo necessária broncoscopia para o auxí-
– Gastrostomia
lio do tratamento31; – Passagem de cateter central
– Lobectomia ou toracoplastia
• falência respiratória: manifesta-se com hipoxe-
– Toracoscopia (para pneumotórax espontâneo)
mia progressiva e retenção de gás carbônico25; – Transplante de órgãos (pulmões, fígado e
pâncreas)
• cor pulmonale: seqüela tardia da FC, associada
– Cirurgia de urgência (drenagem de tórax)
a hipertensão vascular pulmonar e falência car-
díaca direita. Fonte: Katz26, Maxwell et al.27, Ozcan et al.32, Lilehei et al.33.

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Considerações anestesiológicas ções, além de dor crônica, principalmente toráci-
ca34, beneficiando-se da medicação pré-anestésica.
Na avaliação pré-anestésica dos doentes com
FC, deve-se levar em consideração uma provável Os benzodiazepínicos são a classe de escolha
hipoalbuminemia, que pode afetar a biodisponibi- para o pré-anestésico, caso não haja hipoxemia ou
lidade dos anestésicos. Avaliar o volume intravas- hipercapnia. A medicação pré-anestésica à base de
cular é imperativo, pelas possíveis perdas por diar- narcóticos deve ser evitada, pois pode levar a depres-
réia, uso de diuréticos e diminuição da ingestão são respiratória no perioperatório e hipoxemia. Há
oral, sendo necessária a correção volêmica prévia. diferentes situações que afetam a indução e a manu-
Pode estar presente alteração de eletrólitos, devendo tenção anestésica (Tabela 15.3), em que o anestesio-
ser esta corrigida. Reposição de vitamina K pode ser logista deve estar preparado para intervir22,27.
necessária para evitar distúrbios da coagulação25. A cirurgia deve ser agendada após o toalete ma-
Exames complementares devem ser realizados, tinal, diminuindo os riscos pelo acúmulo de se-
tais como expirometria, para verificar a função creções pulmonares. A atropina também deve ser
pulmonar; radiografia de tórax na observação da evitada por aumentar a viscosidade das secreções,
presença de cistos, pneumonia e cardiomegalia; dificultando a eliminação destas.
gasometria arterial pela possível hipoxemia, hiper- Na indução anestésica as drogas a serem evitadas
capnia e alteração de pH; glicemia caso o pâncreas são a cetamina, por aumentar a secreção de muco,
esteja acometido; teste de coagulação para verifi- levando a maior reatividade dos brônquios; óxido
car alteração hepática (fator II, VII, IX, X e defi- nitroso, em pacientes com cistos pulmonares; e o
ciência de vitamina K); ECG (eletrocardiograma) tiopental, por causar irritação de vias aéreas supe-
e ecocardiograma para avaliação da função mio- riores27. Deve-se ter acesso venoso calibroso, aces-
cárdica25. so venoso central e acesso arterial quando houver
Os doentes com FC apresentam, freqüentemen- comprometimento cardiopulmonar; na presença
te, quadros de depressão, pelas inúmeras interna- de hipoxemia, hipercapnia, cor pulmonale ou caso

Tabela 15.3 – Alterações que afetam a anestesia

Alterações que afetam a anestesia Fase de provável ocorrência

Disfunção pulmonar
Obstrução de vias aéreas Prolonga a indução com máscara
Desequilíbrio ventilação/perfusão
Secreção importante Laringobroncoespasmo
Vias aéreas hiperreativas
Pólipo nasal Obstrução de vias aéreas superiores
Secreção mucociliar viscosa Dificuldade de ventilação adequada

Desordem gastrointestinal e hepatobiliar


Diminuição da albumina sérica Aumenta a potência da droga
Diminuição da colinesterase plasmática
Diminuição da volemia (diarréia, vômito) Obstrução de vias aéreas (excesso de viscosidade)
Coagulopatia Aumento do sangramento
Diabetes Hiperglicemia e acidose

Secreção anormal das glândulas sudoríparas Desequilíbrio dos eletrólitos

Cor pulmonale Instabilidade circulatória


Fonte: Gregory et al. e Maxcuell et al.
25 27

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o doente seja submetido a grandes cirurgias, como dos, com fusão de órgãos. Pagos, em grego, significa
pneumectomias ou transplantes. “aquele que é fixado”. O primeiro caso reportado
A indução pode ser realizada por agentes ina- foi em 1100 na Inglaterra, sendo notório o caso dos
latórios, com altas concentrações de oxigênio, ou famosos irmãos siameses em 1811. Em 1689, Ko-
por agentes venosos como o propofol. Caso haja nig reportou a primeira separação com sucesso de
grande comprometimento pulmonar, será necessá- gêmeos onfalópagos, unidos por uma pequena pon-
ria a ventilação controlada, utilizando-se relaxantes te de tecido no nível do umbigo. Até 1998 foram
musculares. A intubação é prioritária na manuten- operados aproximadamente 150 casos com sucesso,
ção de vias aéreas, podendo ser oro ou nasotraque- com a sobrevivência de um ou ambos os gêmeos37.
al, e a presença de pólipos nasais pode dificultar a A incidência da doença é de aproximadamente
realização da última25. O tubo endotraqueal é pre- 1/50.000 nascimentos, existindo uma relação de 3 in-
ferencialmente com balonete, no intuito de facili- divíduos do sexo feminino para cada 1 do masculino.
tar a ventilação e a aspiração de secreções, evitando Estudos sugerem que os gêmeos conjugados resul-
assim atelectasias. Em doentes com pólipos nasais tam da divisão incompleta do embrião, entre o 13o
deve-se optar por indução venosa, pelo risco de e o 16o dia após a fecundação, estando associada à
obstrução das vias aéreas. inibição da diferenciação completa de vários sistemas
A manutenção anestésica deve se basear na orgânicos e, conseqüentemente, fusão de órgãos.
ventilação controlada mecânica com aspiração fre-
A classificação é baseada no sítio de união dos gê-
qüente, relaxamento muscular com utilização do
meos (Tabela 15.4), mais comumente encontrados
controle do bloqueio motor, hidratação adequada
(Fig. 15.1). Outra classificação muito utilizada é a que
para fluidificar secreções, antibioticoterapia, uso
combina os sítios de união mais comumente encon-
de agentes inalatórios com altas concentrações de
trados, como, por exemplo, os tóraco-onfalópagos37.
oxigênio, controle de glicemia e controle de pH.
O bloqueio anestésico pode ser utilizado caso a co- Toracópagos são unidos pelo tórax, tendo com
agulação esteja normal35. freqüência um pericárdio comum.
Há necessidade de se tomar cuidado com a pres- Xifópagos com fusão no abdômen e tórax infe-
são positiva durante a ventilação controlada mecâ- rior geralmente têm fígado único.
nica, pois pode ocorrer pneumotórax por excesso Pigópagos têm em comum a região anal.
de pressão. Isquiópagos são unidos pela pelve, comparti-
Com a utilização de bloqueio anestésico, tem-se lhando o mesmo trato geniturinário e intestino.
uma qualidade analgésica melhor no pós-operató- Craniópagos têm em comum meninges e partes
rio, o que facilita a extubação precoce, possibilitan- do cérebro36.
do a expectoração feita pelo próprio doente, com
O diagnóstico das malformações pode ser reali-
uma melhor recuperação26-29.
zado no pré-natal por ultra-sonografia, ecocardio-
O transplante pulmonar tem surgido nesta grafia e ressonância magnética. O ultra-som repor-
última década como tratamento definitivo para ta o tipo de junção dos gêmeos, aproximadamente
crianças no estágio final da doença, e a FC é a na 23a semana gestacional.
causa mais comum na indicação desse procedi-
A cesárea é o parto de escolha para a extração
mento36.
dos gêmeos conjugados37.
O estudo diagnóstico nos gêmeos conjugados,
XIFÓPAGOS
previamente à cirurgia de separação, deve ser reali-
Xifópagos ou onfalópagos são gêmeos com uma zado (Tabela 15.5), para avaliação dos riscos peri-
malformação congênita rara, que permanecem uni- operatórios.

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Tabela 15.4 – Sítios possíveis de união dos gêmeos

Tipo Incidência (%) Órgãos potencialmente envolvidos

Toracópagos 74 Coração, fígado e intestino

Onfalópagos (xifo) 1 Fígado, vias biliares e intestino

Pigópagos 17 Medula, reto e trato geniturinário

Isquiópagos 6 Pelve, fígado, intestino e trato geniturinário

Craniópagos 2 Cérebro

Fonte: O´Neill Jr.37

Fig. 15.1A – Toracópagos (órgão em comum: pericárdio). Fig. 15.1B – Onfalópagos ou tóraco-onfalópagos (órgão comparti-
lhado é o fígado, em geral).

Fig 15.1C – Pigópagos (região anal única, em geral). Fig. 15.1D – Isquiópagos (trato geniturinário e intestino comparti-
lhados).

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Fig. 15.1E – Isquiópagos. Fig. 15.1F – Craniópagos (meninges e cérebro unidos).

Tabela 15.5 – Estudos diagnósticos no pré-operatório dos gêmeos

Tipos Estudos diagnósticos

Toracópagos Radiografia de tórax, ECG, ECO, RMA, cateterização cardíaca, gases sangüíneos e diferencial de oximetria

Onfalópagos Radiografia tóraco-abdominal, função gastrointestinal superior, análise de função e anatomia hepática

Pigópagos e Isquiópagos Radiografia tóraco- abdominal e membros inferiores

Estudo gastrointestinal superior e inferior seriado, cistoscopia, cistografia, TC com contraste, pielografia,
estudo renal, vaginografia, RM de coluna, aortografia

Craniópagos TC tridimensional com reconstrução, RMA, USG

Heterópagos Radiografia tóraco-abdominal, estudo gastrointestinal com contraste


ECG = eletrocardiografia; ECO = ecocardiografia; RMA = ressonância magnética com arteriografia; TC = tomografia computadorizada; RM =
ressonância magnética; USG: ultra-som.
Fonte: O’Neill Jr.37

Cirurgias eletivas de separação têm melhores re- rados, além das condições gerais dos gêmeos, deven-
sultados se realizadas entre o 9o e 12o mês de vida; do haver duas equipes cirúrgico-anestesiológicas.
antes do 6o mês, o prognóstico é reservado. Pelo risco de hemorragia e hipovolemia, deve-se
Condições de emergência podem forçar a an- ter à mão acesso venoso periférico e central de gros-
tecipação da cirurgia de separação, como a morte so calibre, além do acesso arterial, em ambos os gê-
de um dos gêmeos, obstrução intestinal, ruptura meos. A maior dificuldade para os anestesiologistas
de onfalocele, falência cardíaca ou respiratória e/ou envolvidos nessa operação é avaliar a extensão da
obstrução de vias urinárias37. circulação colateral entre os dois gêmeos.
É complexa a seqüência de indução e manuten-
Considerações anestesiológicas ção anestésica36-38.
No pré-operatório é necessário o estudo da ana- Um importante ponto relatado por Aird (1954) e
tomia e do funcionamento dos órgãos a serem sepa- Allen (1959) é a necessidade de administrar corticói-

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de antes, durante e após o procedimento de separação rer alterações metabólicas, que serão corrigidas
dos gêmeos, em virtude de um defeito de desenvolvi- com bicarbonato de sódio37,39.
mento da adrenal, associado ao estresse cirúrgico37. Quando há alteração na resistência vascular dos
O maior perigo da separação é quando um dos gêmeos, resultando em dessaturação importante em
gêmeos recebe a drenagem sangüínea em detrimento ambos, deve-se administrar prostaglandina E1, na
do outro, devido à circulação anômala existente36,37,39, dose de 10-40 ng/kg/min, pelo acesso central, na-
sendo necessário o controle dinâmico do sangramen- quele que tiver a pior oxigenação. A prostaglandina
to e reposição adequada para cada um dos gêmeos. atuará dilatando as veias pulmonares e diminuindo
O uso contínuo de oximetria, capnografia, a resistência pulmonar. A fenilefrina 0,1 a 0,3 ug/
pressão arterial invasiva, pressão venosa central, kg/min pode ser administrada no outro irmão, para
cardioscopia e temperatura retal ou esofágica é in- aumentar a resistência vascular periférica deste, com
dispensável para cada um dos gêmeos. o mesmo intuito da terapêutica anterior37,39,40.
A dose de relaxantes musculares e sedativos a ser
ALTERAÇÕES DO SISTEMA
administrada depende da circulação existente entre os
NEUROMUSCULAR
irmãos, pois há a possibilidade de a intubação ocor-
rer em tempos diferentes para cada gêmeo. O’Neill As alterações do tônus muscular na criança po-
reporta a anestesia inalatória, combinada a altas con- dem ser de origem central e sistêmica ou neuro-
centrações de oxigênio, como de fácil manejo37. muscular; acometem desde o neurônio motor pe-
Há descrição de uso das mais diversas drogas riférico até o músculo. Entre as causas neuromus-
na indução e manutenção na cirurgia de separação culares, que são as mais raras, a distrofia muscular
desses doentes, como o tiopental, o propofol, o mi- progressiva tipo Duchenne é a mais comum, segui-
dazolam, o sevoflurano, a succinilcolina, o atracú- da pela amiotrofia espinhal infantil43,44.
rio, o pancurônio e o fentanil37,39,40-42. As causas neuromusculares de alteração do tô-
Greenberg et al. descrevem boa experiência na nus muscular na infância englobam um grande
separação de onfalópagos utilizando técnica com- número de doenças (Tabela 15.6). A cronologia do
binada de anestesia geral e epidural sacra, na qual surgimento dos sintomas, exame físico e exames
o cateter epidural proporcionou melhor controle complementares (eletromiografia, biópsia muscu-
analgésico no intra e pós-operatório, além de extu- lar e dosagens enzimáticas) ainda hoje é o principal
bação precoce41. meio de se fazer o diagnóstico diferencial43,44.
Seefelder et al. reportam outro caso com sucesso,
Doenças neuromusculares
no qual somente um dos gêmeos onfalópagos foi
operado de hérnia inguinal, este submetido à anes- Doenças do neurônio motor
tesia caudal, sendo ambos sedados com midazolam;
a separação foi considerada inviável42. Amiotrofia espinhal infantil
Pela complexidade do procedimento, a separa- Doença degenerativa dos motoneurônios do
ção é uma cirurgia de longa duração, tendo me- corno anterior da medula espinhal e dos núcleos
lhores resultados quando são gêmeos onfalópagos motores de alguns nervos cranianos. Apresenta
e sem intestino curto. comportamento genético variável43,44.
Há alta mortalidade intra e pós-cirúrgica nos Ocorre perda neuronal nos cornos e raízes an-
casos de separação de craniópagos e toracópagos teriores, nos diferentes níveis medulares, principal-
(com coração único), sendo necessário avaliar e mente de fibras mielinizadas grossas, e conseqüente
alertar aos riscos desse procedimento. Podem ocor- fraqueza muscular43,44.

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Tabela 15.6 – Doenças Neuromusculares na Infância

Doenças do neurônio motor Amiotrofia espinhal infantil

Poliomielite

Polineuropatias Adquiridas

Congênitas

Doenças da junção neuromuscular Botulismo

Miastenia gravis

Miopatias congênitas

Distrofia muscular congênita


Miopatias degenerativas
Distrofia muscular progressiva

Distrofia miotônica

Mitocondriais

Glicogenoses
Doenças musculares
Miopatias metabólicas Ligadas à anormalidade Hipocalemia secundária
do metabolismo do
potássio Paralisias periódicas Hipercalêmica
familiares
Hipocalêmica

Miopatias endócrinas, ligadas à osteomalácia e medicamentosas

Infecciosas
Miosites
Idiopática

Osteogênese imperfeita

Doenças do esqueleto, tendões e Síndrome de Marfan


tecido conectivo Síndrome de Ehlers-Danlos

Flacidez congênita dos ligamentos

Fonte: Reed44.

Clinicamente há três formas43,45: das cinturas pélvica e escapular. Alguns doen-


• tipo I (grave), ou doença de Werdnig-Hoff- tes evoluem com pequena limitação da muscu-
mann, com início até o 6o mês de vida e óbito latura acometida e vida praticamente normal,
ocorrendo nos primeiros 18 meses, por infecção enquanto outros, durante a adolescência, vão à
respiratória, em conseqüência da paralisia dos invalidez.
músculos intercostais ou bulbares. Há outras formas, não classificáveis, cujo prog-
• tipo II (intermediária), com início antes dos 18 nóstico é ditado pela idade de início e comprome-
meses de vida, progressão lenta, fraqueza mus- timento da musculatura respiratória, além de casos
cular, contraturas, deformidades esqueléticas e raros e graves com comprometimento diafragmáti-
conseqüentes alterações respiratórias. co e com cardiopatia congênita43.
• tipo III (benigna), iniciada após os 18 meses, O tratamento geralmente é de suporte.
com acometimento da musculatura proximal

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Poliomielite As toxiinfecciosas devem-se à produção de neuro-
toxina pelo agente infeccioso. Desenvolvem quadros
Enterovirose que raramente acomete recém nas- paralíticos e progressivos, acometendo musculatura
cidos, sendo 70% os casos com crianças acima de respiratória e, no caso da doença de Lyme, pode apre-
10 anos. sentar também alterações cardiovasculares. O trata-
No recém-nascido, traduz-se como quadro mento normalmente é de suporte e dirigido ao agente
difuso e simétrico. O vírus raramente acomete o etiológico, possibilitando um bom prognóstico44,47.
miocárdio, originando miocardites focais44,46. As polineuropatias idiopáticas (síndrome de
Nas crianças maiores, geralmente dá origem a pa- Guillain-Barre) são as mais freqüentes na infância.
ralisias de localização assimétrica, podendo acometer De origem desconhecida, são caracterizadas por
alguns pares cranianos e tronco encefálico, com con- desmielinização primária. A diminuição de força
seqüentes alterações cardíacas e respiratórias44,46. muscular normalmente vem acompanhada de quei-
xa inespecífica de dores no corpo, com possibilidade
Polineuropatias de apresentar dificuldade respiratória por compro-
metimento da musculatura intercostal e/ou diafrag-
Adquiridas mática. Raramente há distúrbios neurovegetativos,
Ao contrário do que ocorre nos adultos, somen- com variações pressóricas e arritmias. O prognósti-
te a minoria (30%) das afecções que acometem co normalmente é bom e o tratamento, baseado na
os nervos periféricos é de origem adquirida44,47.As corticoterapia, plasmaférese e de suporte44,48.
principais causas estão na Tabela 15.7. Os quadros de origem alérgica geralmente se
As polineuropatias tóxicas por ingestão de me- instalam alguns dias após vacinação ou picadas de
tais pesados, em crianças, geralmente vêm acom- inseto, são variados e vão desde encefalites e me-
panhadas de encefalopatias e, no caso do arsênio, ningites até diminuição da força muscular44.
pode ocorrer comprometimento renal. As decorren- Os de origem metabólica são raros na infância
tes de intoxicação medicamentosa dependem, normal- e se limitam a diminuição pouco significativa da
mente, da suscetibilidade individual44,47. força muscular44,47.

Tabela 15.7 – Polineuropatias adquiridas: principais etiologias


Metais pesados Pb, As, Ta e Hg
Medicamentos Isoniazida, nitrofurantoína, cloranfenicol,
Tóxicas vincristina, piridoxina e fenitoína
Substâncias de uso industrial e doméstico Tricloroetileno, tetracloroetano, benzeno,
metilbrometo e triortocressilfosfato
Toxiinfecciosas Difteria, infestação por carrapatos, doença de Lyme, mononucleose
Idiopáticas Polirradiculoneurite aguda inflamatória desmielinizante
Alérgicas Picadas de insetos e inoculações profiláticas
Metabólicas Diabetes, amiloidose secundária, uremia e outras
Por deficiência nutritiva Tiamina (beribéri), anemia perniciosa e síndrome de má absorção
Associadas a doenças sistêmicas Colagenoses, leucemias, linfomas e sarcoidoses

Fonte: Reed44.

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A diminuição da força muscular por deficiência pré-sináptica, inibindo a liberação de acetilcolina
nutritiva produz quadro neurológico variável na de- e acarretando um quadro de paralisia flácida, com
pendência de fator nutricional diminuído. A defici- possível acometimento autonômico. O tratamento
ência de tiamina pode vir acompanhada de encefa- é de suporte e o prognóstico é bom44,49.
lopatia de Wernicke e insuficiência cardíaca44,47.
As polineuropatias associadas a doenças sistêmi- Miastenia gravis
cas são raras na infância e normalmente se tradu-
zem em mononeurite44,47. Pode-se manifestar no recém-nascido de mãe
miastênica como miastenia gravis neonatal ou tran-
Congênitas sitória, por provável passagem de anticorpos anti-
receptor colinérgico através da placenta. É caracte-
Doenças com diminuição da força muscular rizada por quadro de fraqueza muscular ao nasci-
e da sensibilidade obedecem a diferentes tipos de mento, com dificuldade respiratória em 70% dos
herança, acompanhadas de incoordenação na de- casos. Persiste de duas a quatro semanas43,44.
glutição de alimentos, desconforto respiratório e
Outra forma é a síndrome miastênica congê-
artrogripose43,44.
nita não autoimune, que tem subtipos na depen-
Os principais tipos estão na Tabela 15.8. dência da alteração encontrada, como deficiência
Tabela 15.8 – Polineuropatias congênitas
de acetilcolinesterase na placa mioneural e defici-
ência de receptor colinérgico na placa mioneural,
Tipo I como na síndrome do canal lento, por defeito no
Hipertrofia, primariamente desmielinizante
tempo de abertura do canal de íon do receptor
Tipo II colinérgico, resultando em influxo aumentado de
Neuronal, primariamente axonal
cálcio iônico. Há ainda o subtipo infantil fami-
Tipo III liar, que pode ter causa tanto na ressíntese como
Hipomielinizante (Déjérine-Sottas e forma congênita severa)
na mobilização inadequada da acetilcolina ou li-
Neuropatias hereditárias com anormalidade bioquímica específica beração desta43,44. Nos diferentes subtipos, a hi-
Fonte: Reed44 e Ouvrier47.
potonia pode ficar localizada em alguns grupos
musculares ou, como ocorre durante a infância,
Ainda em relação ao último tipo, a doença de pode se generalizar44.
Refsun, que decorre de uma deficiência na oxida- Há ainda a forma juvenil da miastenia gravis,
ção do ácido fitânico e cujo tratamento consiste em que acomete os músculos torácicos em 40% das
dieta livre deste ácido e em plasmaférese, para di- vezes. Ela apresenta diminuição do número de re-
minuir os níveis circulantes, pode vir acompanha- ceptores colinérgicos na junção mioneural, pela
da de manifestações cardíacas raras44,47. presença de anticorpos anti-receptor colinérgico44.
Há também neste último tipo a porfiria aguda
O tratamento de todos os tipo é baseado em
intermitente, que, além do quadro muscular, pode
drogas anticolinesterásicas e, nas crianças com ida-
apresentar dores abdominais, alterações psíquicas,
de mais avançada e na forma juvenil, pode-se pen-
convulsões e urina escura44.
sar na corticoterapia, plasmaférese e timectomia,
que é controversa na infância43,44.
Doenças da junção neuromuscular
Botulismo Doenças musculares
A toxina produzida pelo Clostridium botulinum Entre as afecções musculares (Tabela 15.9), en-
se liga aos terminais colinérgicos da membrana contramos miopatias degenerativas hereditárias,

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que englobam as miopatias congênitas, distro- glicogenoses, miopatias mitocondriais e paralisias
fias musculares congênitas, distrofias musculares periódicas familiares, além das miopatias endócri-
progressivas e distrofias miotônicas. Há ainda as nas e miosites, tanto de etiologia infecciosa quanto
miopatias metabólicas, que são constituídas pelas idiopática44.

Tabela 15.9 – Afecções musculares na infância

Central core disease e variações

Miopatia miotubular

Miopatias congênitas Miopatia nemalínica

Desproporção congênita das fibras musculares

Outras

Distrofia muscular congênita

Ligada ao sexo Forma severa (Duchenne)

Forma benigna (Becker)


Miopatias
Forma de Emery-Dreyfuss

Infantil autossômica recessiva

Distrofia muscular progressiva Síndrome das cinturas

Forma de escápulo umeral

Forma ocular

Forma oculofaríngea

Outras

Síndrome miotônica (moléstia de Steinert) e outros tipos de síndromes miotônicas

Tipo II (Pompe)

Tipo III (Forbes-Cori)

Glicogenoses Tipo IV (Andersen)

Tipo V (Mc Ardle)

Miopatias metabólicas Tipo VII (Tarui)

Miopatias mitocondriais

Miopatias ligadas à anormalidades Hipocalêmica secundária


no metabolismo do potássio
Paralisias periódicas familiares Hipercalêmica

Hipocalêmica

Miopatias endócrinas, ligadas a osteomalácia e medicamentosas (corticosteróides e cloroquina)

De etiologia infecciosa provada ou provável


Miosites
De natureza idiopática: polimiosite e dermatomiosite
Fonte: Reed .
44

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Miopatias degenerativas hereditárias miopático característico é grave, com CPK elevada
e intensas retrações; esses doentes dificilmente de-
Compostas por inúmeras doenças de diferentes
ambulam43,50.
características clínicas, anatomopatológicas e evo-
lutivas, identificadas pelo quadro clínico específico Há ainda as formas autossômicas dominantes,
e pelo reconhecimento de padrões histológicos es- que podem constituir várias doenças ou fazer parte
pecíficos à biopsia muscular. As alterações envol- de diferentes estágios de um mesmo quadro noso-
vem diferentes grupos musculares (tônus, estado lógico43,50.
trófico e características funcionais específicas)44,50. As diferentes distrofias musculares progressivas
As miopatias congênitas são afecções muscula- são quadros miopáticos caracterizados pelas parti-
res primárias, geralmente hereditárias, que se ca- culares evoluções ao longo dos anos. São classifica-
racterizam por início precoce, curso benigno, não- das de acordo com o tipo mais provável de heredi-
progressivo ou lentamente progressivo e alterações tariedade e quadro clínico.
anatomopatológicas características de cada doença Entre as formas ligadas ao sexo, a doença neuro-
ou inespecíficas. Normalmente se manifestam des- muscular mais comum na infância é a de Duchenne.
de o nascimento até o 1o ano de vida com hipoto- Todas essas crianças evoluem com comprometimen-
nia e retardo do desenvolvimento neuropsicomo- to cardiovascular e respiratório50.
tor43,50. O tratamento geralmente é de suporte, e Já entre as de herança autossômica, o caráter
o prognóstico é determinado pelo quadro motor, clínico é diverso, podendo ser benigno, como a
pelo surgimento de cifoescoliose e pela eventual li- miopatia distal, ou extremamente limitante, como
mitação da capacidade respiratória43,50. a forma infantil autossômica recessiva50.
As distrofias musculares congênitas são doen- As síndromes miotônicas são doenças que
ças com heterogeneidade genética e clínica que apresentam o fenômeno miotônico, caracterizado
apresentam fraqueza muscular, hipotonia, retardo pela persistência da contração ativa de um mús-
do desenvolvimento neuropsicomotor e retrações culo, após ter cessado o esforço voluntário ou a
fibrotendíneas, com ou sem comprometimento estimulação elétrica que lhe deu origem; é um
do sistema nervoso central. A histopatologia apre- fenômeno indolor. As doenças exibem quadro
senta alterações distróficas da fibra muscular, com muscular e evolução diversa, e os portadores da
variabilidade desordenada do tamanho, aspecto distrofia miotônica (doença de Steinert) morrem
degenerativo aumento do tecido periendomisal, por comprometimento respiratório ou cardíaco,
com substituição do músculo por colágeno e gor- com arritmias ou alterações da condução, normal-
dura43,50. mente com bloqueio atrioventricular do 1o grau
Entre os diferentes tipos de distrofia muscular que pode evoluir para total. Esses doentes, quando
congênita há aquelas sem acometimento do sistema submetidos à anestesia, podem desenvolver inú-
nervoso central com CPK (creatininofosfoquinase) meras complicações50,51.
leve ou moderadamente elevada. O quadro clínico O tratamento geralmente é de suporte para to-
não é característico, com prognóstico dependente das as doenças, e o medicamentoso normalmente
do grau de cifoescoliose, de alterações respiratórias envolve a corticoterapia50,51.
decorrentes e de alterações cardíacas presentes em Todos os miopatas de caráter degenerativo
um dos subtipos (espinha rígida)43,50. têm risco de desenvolver hipertermia maligna, em
Nas com acometimento do sistema nervoso cen- maior ou menor grau, especialmente os do tipo
tral, há as formas oculares, com alteração da subs- central core. Assim, esta deve ser sempre considera-
tância branca com e sem déficit mental. O quadro da e prevenida50.

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Miopatias metabólicas Tabela 15.10 – Sinais e sintomas das mitocondriopatias

Englobam as glicogenoses, além das miopatias Músculo Oftalmoplegia


por acúmulo de lípides, descritas na década de Intolerância aos exercícios
Fraqueza
1970. Atualmente, em virtude dos avanços dos Emaciação
métodos histoquímicos e de microscopia eletrôni-
Estatura pequena
ca, aquelas por acúmulo de lípides são englobadas
em outro subgrupo das miopatias metabólicas, o Cardiopatia Bloqueio cardíaco
Cardiomiopatia hipertrófica
das mitocondriopatias44,52,53.
Tubulopatia renal
Há ainda as miopatias ligadas a anormalidades
do metabolismo de potássio. Endocrinopatias Puberdade atrasada
Hipoparatireoidismo
As miopatias mitocondriais advêm de possí- Diabetes
veis alterações em qualquer ponto do metabolis- Cérebro Ataxia
mo mitocondrial. Podem originar-se de alterações Degeneração retiniana
na utilização do substrato (catabolismo protéico, Surdez neurossensorial
Deficiência mental ou deterioração
beta-oxidação ou deficiência múltipla de acil-CoA- Atrofia óptica
desidroginase), no ciclo de Krebs, na ligação oxi- Crises convulsivas
dação-fosforilação ou por defeitos na cadeia res- Mioclonias
Episódios semelhantes ao A.V.C.
piratória44,53. As mitocôndrias estão presentes nos
diferentes tecidos, porém é nos sistemas renal, ce- Hepatopatia Aumento das transaminases
Falência hepática
rebral e muscular que se encontram em maior con-
centração, determinando alterações mitocondriais Fonte: Diament53.
multissistêmicas (Tabela 15.10)53-55. Por meio de
biópsia muscular é que se consegue identificar a
anormalidade morfológica das mitocôndrias repre-
mulo deste nos órgãos-alvo e conseqüente hipogli-
sentada pelas ragged red fibers44,56.
cemia. A estrutura molecular do glicogênio nessa
As afecções mitocondriais podem se manifestar condição pode ser normal ou anormal. O quadro
desde o nascimento e são caracterizadas por hete- clínico das glicogenoses resulta da exposição crô-
rogeneidade clínica. Embora a manifestação mus- nica a baixos níveis circulantes de glicose, bem
cular seja quase uma constante, podem apresentar como pelo acúmulo de glicogênio nos seus locais
ou não mioglobinúria e estarem associadas a alte- habituais de depósito. Esse acúmulo desencadeia
rações cardíacas. Há, paralelamente, uma heteroge- alterações cardíacas, hepáticas, deficiência mental,
neidade genética, mas com predomínio da herança síndrome convulsiva e miopática, atraso do desen-
autossômica43,44,57-59. volvimento neuropsicomotor, câimbras e fraqueza,
O tratamento dos diferentes quadros visa atu- entre outras44,52. O tratamento visa evitar a hipogli-
ar sobre a alteração metabólica característica, pela cemia e o acúmulo do glicogênio nos órgãos-alvo,
administração de altas doses de vitaminas ou co- por dietas adequadas, uso de hormônios hipergli-
fatores em proporções variáveis, além do tratamen- cemiantes e tratamento de suporte, que tenta mini-
to de suporte para alterações ventilatórias decorrentes mizar a evolução das possíveis lesões teciduais52.
de fraqueza muscular ou para as alterações cardía- Entre as anormalidades ligadas ao metabolismo
cas presentes43,44. de potássio, a hipopotassemia secundária à desidra-
As glicogenoses são doenças decorrentes de al- tação é o quadro mais comum de paralisia flácida
terações no metabolismo do glicogênio, com acú- do lactente44. Já as paralisias periódicas familiares,

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que estão incluídas entre as miopatias metabólicas, • infecções provadas ou prováveis;
decorrem de anormalidades dos canais iônicos. O • natureza idiopática.
quadro clínico é caracterizado por episódios recor- As infecções normalmente são virais ou bacte-
rentes de surtos de fraqueza muscular, com gravi- rianas e podem ter início intra-uterino44,63. Menin-
dade e duração variáveis, relacionados aos níveis gite e pericardite podem estar presentes, e o prog-
séricos de potássio. Há basicamente duas formas: nóstico é favorável.
• a hipercalêmica, benigna, que dura algumas As miosites de natureza idiopática são doenças
horas e não acomete musculatura pulmonar; sistêmicas denominadas polimiosites, quando aco-
• a hipocalêmica, que pode durar de 2 até 24 metem o tecido muscular esquelético, ou dermato-
horas e desencadeia insuficiência respirató- miosites, quando também acometem a pele. Podem
ria. Nesse caso, o óbito ocorre com incidên- estar associadas a outras doenças (10% a 20% dos
cia de 10% e a fraqueza muscular pode ser casos nos adultos, com neoplasias não-diagnostica-
permanente após alguns episódios. das), o que é raro nas crianças, ou surgir após a inges-
O tratamento da forma benigna é de suporte tão de diferentes fármacos62,64. Na polimiosite, o me-
e orientação quanto à atividade física, implicada canismo imunopatológico envolvido é mediado por
como deflagradora dos surtos, além da administra- defeito celular, enquanto na dermatomiosite há uma
ção de diuréticos tiazídicos e de glicose em soluções alteração do mecanismo de imunidade humoral44,51.
polarizadas. A forma mais grave é tratada com so- Predominam sintomas constitucionais como fadiga,
luções polarizantes ou pela administração de hor- mal-estar, febre, anorexia e perda de peso. Há ainda
mônios hiperglicemiantes43,44,60. manifestações extramusculares, como gastrointesti-
nais, cardíacas (miocárdio e distúrbios da condução)
Miopatias endócrinas, ligadas à osteomalácia e e respiratórias. A fraqueza muscular normalmente
medicamentosas acomete a musculatura proximal. Por causa do aco-
metimento faríngeo ou dos músculos respiratórios,
As miopatias endócrinas decorrentes de altera- pode exibir disfagia e levar à aspiração pulmonar,
ções da função de glândulas como a tireóide e a com conseqüente pneumonia44,51,64,65. Na infância,
supra-renal são quadros raros na infância. O trata- pode estar associada com uma vasculite necrotizante
mento da doença de base normalmente é suficien- disseminada. O tratamento é feito à base de cortico-
te para o desaparecimento dos quadros muscula- terapia, e o prognóstico é melhor nas crianças (5%
res44,61,62. de quadros complicados contra 27% nos adultos),
A osteomalácia pode desencadear quadros de porém habitualmente são quadros arrastados44,51. Há
fraqueza inicialmente na musculatura proximal, e associação com hipertermia maligna66.
até se generalizar44.
As miopatias medicamentosas podem ocorrer Doenças do esqueleto, tendões, ligamentos e teci­
após o uso de fármacos como corticosteróides ou do conectivo
cloroquina. São quadros de início na musculatura
Este grupo engloba diferentes doenças, como
proximal, autolimitados após a corticoterapia ou
osteogênese imperfeita, síndrome de Marfan, sín-
não, como ocorre após o uso da cloroquina44.
drome de Ehlers-Danlos e flacidez congênita dos
ligamentos.
Miosites
Além das características específicas de cada do-
A etiologia inflamatória das miopatias pode ad- ença, apresentam hipotonia muscular e, em alguns
vir de: casos, hipoplasia44,51.

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Na osteogênese imperfeita a fragilidade óssea doenças chama a atenção para a existência de um
propicia fraturas freqüentes, com deformidades do tempo de esvaziamento gástrico aumentado, sina-
esqueleto e cifoescoliose. Pode ainda ocorrer altera- lizando para um maior risco de aspiração durante a
ção da função plaquetária44,51. indução anestésica44,50,51,70-72.
Na síndrome de Ehlers-Danlos, a alteração do Além das causas habituais que podem levar
colágeno propicia alterações em diferentes teci- uma criança a ser submetida a um procedimento
dos, especialmente nos vasos, com possibilidade cirúrgico, o portador de doenças neuromusculares
de rupturas vasculares e sangramentos. Nos pul- muitas vezes depara com outros procedimentos.
mões, pode ocasionar maior incidência de pneu- É o caso do tratamento das seqüelas da doença de
motórax. No coração, pode cursar com alterações base, como cirurgias ortopédicas, gastrostomia,
valvares (regurgitação mitral) e do sistema de con- traqueostomia, cirurgias cardíacas, transplantes e
dução44,51. biópsia muscular, ainda necessária no diagnóstico
da doen­ça50,53,68,69.
Na síndrome de Marfan e na flacidez congênita
dos ligamentos, os pacientes apresentam aumento Como a maior parte das doenças neuromus-
da mobilidade das articulações, o que pode acarre- culares, especialmente as doenças musculares, está
tar luxações articulares. Nos pacientes portadores associada à deflagração de quadros de hipertermia
de Marfan, pode ocorrer ainda alteração da caixa maligna, o mais prudente é a indicação de técnicas
torácica (pectus excavatum e cifoescoliose), enfise- anestésicas que incluam a anestesia venosa total e
ma precoce alterações do sistema cardiovascular bloqueios regionais, evitando-se os halogenados e
(prolapso valvar, aneurisma e ruptura da aorta e al- a succinilcolina50,53,68,73-76. A preferência é sempre
terações na condução elétrica), entre outras44,51. pelos bloqueios regionais, evitando-se a anestesia
geral, pelos inconvenientes que a ventilação me-
cânica gera em um paciente com pneumopatia
Considerações anestesiológicas
prévia50,68,69. Quando a anestesia geral se faz neces-
Boa parte das doenças neuromusculares é evolu- sária, deve-se considerar sempre drogas de rápida
tiva, portanto geralmente quanto mais jovem for o metabolização e fácil titulação, especialmente nos
paciente, menor será o comprometimento sistêmi- pacientes com cardiopatia associada50,69,73,77.
co que apresentará67-69. Em relação aos fármacos a serem utilizados,
A hipotonia e a menor força muscular caracte- deve-se optar por relaxantes musculares adespo-
rísticas de cada doença podem acometer a muscu- larizantes de curta duração, particularmente nos
latura respiratória, dificultando eliminação de se- portadores de miastenia gravis67-69. Os opiáceos de
creções e trocas gasosas. Nos casos mais arrastados, curta duração, como o alfentanil e o remifentanil,
podem alterar as forças às quais a caixa torácica está parecem ser uma boa opção para esses doentes,
normalmente submetida. Dessa maneira, a altera- pois a facilidade de titular doses possibilita a admi-
ção da morfologia e a piora das condições de elimi- nistração da menor dose analgésica possível, com o
nação de secreções e trocas gasosas configuram um menor risco de depressão ventilatória no periope-
quadro de pneumopatia grave44,51,69. Sob esse pris- ratório67-69. O uso de hipnóticos como barbitúricos
ma, a pré-medicação anestésica, independente do e propofol é largamente indicado, especialmente o
fármaco e da via administrada, pode criar condições último, pela curta duração e ausência de efeitos na
que levam a hipoventilação e conseqüente hipóxia. transmissão neuromuscular, porém algumas consi-
Por ser um período não-monitorado, a medicação derações necessitam ser feitas67,68,69,77-79.
pré-anestésica deve ser repensada44,51,67,68. O com- O ritmo de infusão deve ser considerado, pelos
prometimento da musculatura lisa em algumas efeitos cárdio e vasodepressor do fármaco, espe-

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cialmente naqueles portadores de lesões cardíacas. Dependendo da intensidade do acometimento
Há ainda a associação da utilização prolongada do das polineuropatias, os doentes podem necessitar
propofol com efeitos colaterais não totalmente ex- de assistência ventilatória e apresentar neuropatia
plicados, como rabdomiólise, acidose, alterações autonômica, com labilidade pressórica e arritmias
cardíacas como bradiarritmias e morte80,81, porém cardíacas. Especial atenção deve ser considerada na
a utilização em doentes não excessivamente debili- escolha do relaxante muscular, pela maior sensibi-
tados por períodos de tempo não excessivamente lidade aos adespolarizantes. Estes podem induzir a
longos, como para a maioria dos procedimentos hipercalemia e, portanto devem ser evitados72,89.
anestésicos, parece não estar associada a tais com- Os indivíduos com comprometimento da jun-
plicações82,83. ção neuromuscular devem ter condições clínicas
No planejamento do período pós-anestésico otimizadas, anteriormente aos procedimentos anes­
deve estar incluída a necessidade de suporte venti- tésico cirúrgicos, especialmente os miastênicos,
latório, hemodinâmico e controle da dor, em uni- pelo tratamento com fármacos anticolinesterásicos
dade de terapia intensiva. A minimização de riscos ou imunossupressores90. Os miastênicos têm um
pode ser feita com preparo adequado do paciente, número reduzido de receptores funcionantes para a
otimizando suas condições ventilatórias e cardíacas, acetilcolina, mostrando resistência aos bloqueado-
por meio de fisioterapia respiratória, de adequação res musculares despolarizantes. Quando tratados,
do tratamento clínico pré-operatório e pela escolha esses doentes exibem duração prolongada ao blo-
de uma técnica anestésica que melhor se adapte a queio despolarizante, em decorrência da menor ati-
cada paciente em particular67-69,84. vidade da colinesterase plasmática, além de serem
extremamente sensíveis aos adespolarizantes91,92,93.
Para cada doença neuromuscular, pode-se sa-
lientar cuidados anestésicos específicos. Genericamente, as miopatias degenerativas he-
reditárias têm uma forte associação com hiperter-
Em relação à amiotrofia espinhal, deve-se evitar
mia maligna, portanto succinilcolina e halogena-
relaxantes musculares despolarizantes, pelo risco dos devem ser evitados50,94-96. O uso de relaxantes
do desenvolvimento de hipercalemia. A instalação musculares adespolarizantes deve ser criterioso,
precoce de fisioterapia respiratória evita complica- haja vista a maior sensibilidade que esses doentes,
ções respiratórias após a extubação85. exceto aqueles com fenômenos miotônicos, apre-
Na poliomielite, a conduta anestésica deve ser sentam; deve-se optar preferencialmente pelos de
norteada pelo quadro clínico vigente, de acordo curta duração50,95,97. Normalmente apresentam
com a fase da doença (aguda ou crônica). Du- alterações cardíacas, respiratórias e do trato gas-
rante a primeira fase é importante a observação trointestinal, orientando para avaliação cardíaca e
da extensão das alterações clínicas, com especial respiratória pré-operatória, além de atenção para
atenção ao comprometimento da musculatura o risco de aspiração durante a indução anestésica.
da deglutição, das vias respiratórias e pulmonar. Cuidados hemodinâmicos e ventilatórios devem
O acometimento bulbar pode levar a alterações ser considerados no pós-operatório72,95,97-100.
ventilatórias, cardíacas e pressóricas46,86-88. Após a Dentro do grupo dos miopatas metabólicos,
instalação das seqüelas, quando o acometimento aqueles portadores dos diferentes tipos de glico-
é basicamente muscular, os receptores de acetil- genoses devem ter avaliação pré-anestésica cui-
colina sofrem um processo de up-regulation com dadosa, identificando as alterações pelo acúmulo
conseqüente aumento da sensibilidade aos rela- de glicogênio, como as cardíacas, hepáticas, de
xantes musculares despolarizantes e adespolari- coagulação, convulsivas e metabólicas, tratando-
zantes46,87,88. as quando possível e evitando períodos de jejum

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prolongado, com conseqüente hipoglicemia e aci- tabloqueadores108-110. Nos pacientes com Marfan,
dose101,102. Os portadores de mitocondriopatias, deve-se ponderar a anestesia geral, pois se trata de
dentro da ampla gama de manifestações clínicas, pneumopatas enfisematosos, que podem facilmen-
podem-se apresentar desde normais até com am- te desenvolver pneumotórax quando submetidos à
plo comprometimento metabólico (acidose), nu- ventilação com pressão positiva108,111,112.
tricional, pulmonar e cardiovascular. Apesar de
halogenados, especialmente o isoflurano, serem ALERGIA AO LÁTEX
indentificados como seguros, há relato de caso de
hipertermia maligna com uso de relaxante mus- O látex é uma substância natural, extraída da
cular despolarizante73. Aqueles com anormalida- seringueira (Hevea brasiliensis), com adição de di-
des ligadas ao metabolismo do potássio podem ferentes produtos químicos113,114.
entrar em contato tanto com relaxantes muscula- Nos últimos 20 anos a alergia ao látex se tornou
res adespolarizantes como despolarizantes, porém a segunda causa de anafilaxia em ambientes cirúr-
há necessidade da monitorização cardíaca, para gicos (16,6% dos casos), em virtude do uso de lu-
identificação de arritmias, com especial atenção vas cirúrgicas contendo látex, o que aumentou 20
para a onda T, paralelamente aos níveis séricos vezes nesse período, em decorrência das precauções
de potássio67,69. Na forma hipercalêmica, deve-se universais, na prevenção de doenças infectoconta-
evitar o uso de succinilcolina e quetamina, pelo giosas115,116.
risco de elevarem ainda mais os níveis séricos de Diferentes alérgenos do látex, polipeptídeos
potássio103. com peso molecular variado, foram identificados
Os portadores de miopatias de origem endócri- e a eles atribuídos os quadros de hipersensibilidade
na, ligadas à osteomalácia e medicamentosa, de- de Gell e Coombs do tipo I, que são os mais gra-
vem, quando possível, ter a doença de base tratada ves, com alta morbimortalidade e que necessitam
previamente ao procedimento anestésico-cirúrgico, de exposição prévia e produção de IgE117-119. Outra
pois podem regredir quase totalmente do ponto de reação possível é a do tipo IV, mediada pelas cé-
vista clínico, possibilitando o uso de diferentes fár- lulas T, de menor gravidade que a anterior e com
macos, especialmente os bloqueadores neuromus- início mais demorado, cerca de 48 a 72 horas após
culares, além de uma recuperação pós-anestésica a exposição; esta se deve ao contato com os diferen-
tranqüila44,104-106. tes produtos adicionados ao látex, como antioxi-
A experiência anestésica com os portadores de dantes e carbamatos, entre outros117,119,120. O talco,
miosite limita-se a casos isolados. Parece haver, presente em muitas luvas, age como carreador dos
em alguns relatos, sensibilidade aumentada aos alérgenos do látex, sendo responsável pelos sinto-
relaxantes neuromusculares, sendo necessária mo- mas respiratórios121.
nitorização da função ventilatória, previamente à Uma característica importante, que parece dis-
extubação66,107. tinguir a reação alérgica ao látex das demais subs-
Os doentes com osteogênese imperfeita de- tâncias, no período perioperatório, é o tempo de-
vem ser manipulados cuidadosamente durante o corrido entre a exposição aos alérgenos e o início
ato anestésico-cirúrgico e ter avaliação da função desta, que é maior que 30 a 40 minutos119,122.
pulmonar prévia, especialmente aqueles com ci- Os sintomas vão desde reações como urticária,
foescoliose108. Nas síndromes de Ehlers-Danlos rinite, conjuntivite e asma, decorrentes da inalação
e Marfan, deve-se evitar que os pacientes, princi- ou contato cutâneo com os alérgenos, até as mais
palmente durante a intubação e a extubação, de- graves, pela exposição parenteral ou mucosa, com
senvolvam picos hipertensivos, com o uso de be- alterações cardiopulmonares de risco122.

270 An e s t e s ia Pe diátrica

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A exposição crônica ao látex e a história de SÍNDROME DE DOWN
atopia parecem aumentar o risco de sensibiliza-
ção aos componentes do látex. Pacientes, como A incidência de 1 para cada 600 nativivos ca-
portadores de espinha bífida e alterações do tra- racteriza a síndrome de Down (trissomia do cro-
to geniturinário, cuja terapêutica envolva conta- mossomo 21) como a malformação congênita mais
to freqüente com material contendo látex, além freqüente na espécie humana. Cerca de 80% das
de profissionais com exposição freqüente, como gestações com trissomia do cromossomo 21 aca-
os da saúde, apresentam 40% de sensibilizados bam em abortamento espontâneo27,38,137,138.
no primeiro grupo e cerca de 10% no segun- São várias as características fenotípicas de interes-
do27,119,122,123. Entre os anestesiologistas, 12,5% se para o anestesiologista. São indivíduos com pre-
apresentam sensibilização ao látex e 2,4%, reações disposição à obstrução de vias aéreas superiores, pois
alérgicas124. Aqueles que trabalham com adultos apresentam hipoplasia mandibular, hipotonia de fa-
parecem trocar luvas mais freqüentemente que os ringe, estenose subglótica, nasofaringe estreita e as
anestesiologistas pediátricos, mostrando uma sen- tonsilas palatinas e faríngea são proporcionalmente
sibilização maior ao látex125. maiores. Nascem com a língua em tamanho normal,
O látex compartilha antígenos com alguns ali- porém esta cresce além do esperado, pela hipertrofia
mentos, como abacate, banana, manga, kiwi, me- das papilas. Compensatoriamente, mantêm a boca
lão, figo, tomate, melancia, pêra, pêssego e castanha. parcialmente aberta, com a língua levemente protu-
O quadro alérgico desenvolvido pode se caracteri- sa27,38,138. Apresentam aumento da resistência vascular
zar por prurido, urticária e dificuldade respiratória. pulmonar com propensão a desenvolver lesões e alte-
Enquanto indivíduos alérgicos a esses alimentos rações do parênquima, com diminuição dos alvéolos
apresentam 11% de probabilidade em desenvolver e, conseqüentemente, da superfície de troca27,38. Em
alergia ao látex, a recíproca é de 35%126-132. 40% encontram-se malformações cardíacas, especial-
mente defeitos septais e atrioventiculares27,38,137,138.
Considerações anestesiológicas No trato gastrointestinal, podem apresentar fístula
traquioesofágica, hérnia diafragmática e estenose de
Doentes com risco de desenvolver reações alér- piloro, entre outras38,137. Há várias alterações muscu-
gicas quando expostos ao látex devem ser cuidado- loesqueléticas possíveis, porém a de maior interesse é
samente triados, porém parece não haver consenso a frouxidão do ligamento atlantooccipital, presente
quanto a realização de testes alérgicos em indivídu- em 20% das crianças, que possibilita, mesmo que
os sem passado de anafilaxia113,119,122,133,134. É con- excepionalmente, o deslocamento de C1 sobre C2 e
troversa a administração prévia de antagonistas H1 possível lesão medular27,38,139.
e H2 da histamina e corticosteróides27,119,123.
A mortalidade é superior à da população geral,
As recomendações da ASA (American Society of e o pior prognóstico está associado à presença de
Anesthesiologists) para pacientes sensíveis ao látex é cardiopatias e malformações digestivas137.
que este seja agendado para cirurgias no primeiro
horário, evitando a alta contaminação ambiente Considerações anestesiológicas
crescente dos aeroalérgenos ao longo do dia, além
da utilização de produtos sem látex, como luvas es- A combinação da obstrução crônica de vias aé-
peciais sem talco, tubos endotraqueais, máscaras, reas superiores com as alterações do parênquima
seringas de vidro, fármacos acondicionados prefe- e vasculatura pulmonar criam condições para o
rencialmente em ampolas e sistemas ventilatórios fácil e rápido desenvolvimento de hipoxemia. A
sem borracha, entre outros27,119,123,135,136. medicação pré-anestésica deve ser cuidadosamente

Im p l i ca ções A n e s t é s i c a s d e S í n d r o m e s e De s o rde n s 271

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pensada, evitando-se essa situação e visando dimi- da número da dibucaína, que é proporcional à fun-
nuir as secreções de vias aéreas, especialmente nas ção da enzima e independe da quantidade143,144.
crianças com história de apnéia do sono27,38, apesar O bloqueio neuromuscular prolongado pode
de indivíduos com déficit mental, pesadamente se- também se originar de episódios de hipotermia,
dados, serem mais facilmente manipulados27. que diminuem a atividade hidrolítica da enzima e
O tipo de anestesia geral empregada ou a utilização de baixos níveis de pseudocolinesterase, presentes
de bloqueios estará basicamente na dependência da na gestação, durante terapia com ecotiofato, ne-
presença de cardiopatias27,38. A intubação traqueal ha- ostigmina, piridostigmina, trimetofano, ciclofos-
bitualmente não é difícil, porém um tubo endotraque- famida, insuficiência renal e hepática143-145, porém
al menor que o calculado deve ser considerado27,38. bloqueios muito prolongados não devem ser atri-
Cuidado extra deve ser tomado na hora da la- buídos, em pacientes hepatopatas, à insuficiência
ringoscopia e na mudança de decúbito, pela possi- do órgão; deve-se considerar um quadro de pseu-
bilidade de deslocamento atlantooccipital e conse- docolinesterase atípica143,145.
qüente lesão medular27,38. Não se pode esquecer que as crianças apresen-
No período pós-operatório, a atenção deve ser tam pseudocolinesterase com atividade 50% me-
redobrada, durante a recuperação, pois há o risco nor que jovens e adultos, o que parece não alterar
da obstrução das vias aéreas e rápido desenvolvi- o resultado dos bloqueios neuromusculares despo-
mento de hipóxia, pelas alterações tanto das vias larizantes e adespolarizantes com mivacúrio; isto
aéreas como pulmonares e/ou cardíacas, ainda sob se dá pelas diferenças no volume de distribuição e
influência dos depressores anestésicos27,38. sensibilidade dos receptores138,146.

Considerações anestesiológicas
PSEUDOCOLINESTERASE ATÍPICA
Independentemente da utilização de succinilco-
O bloqueio neuromuscular prolongado após a lina ou mivacúrio em doente com pseudocolineste-
utilização de mivacúrio ou succinilcolina pode ad- rase atípica, a melhor conduta é aguardar o retorno
vir da deficiência da pseudocolinesterase140-143. da atividade muscular ao normal, fornecendo su-
A colinesterase plasmática ou pseudocolines- porte ventilatório143,144,147.
terase é uma proteína plasmática produzida pelo Uma alternativa terapêutica é a utilização de
fígado, que, na dependência da expressão gênica, plasma fresco congelado ou preparações de plasma
pode configurar indivíduos normais, heterozigotos humano contendo pseudocolinesterase normal, po-
que manifestam bloqueios neuromusculares com rém os riscos de contaminação por diferentes agen-
duração pouco acima do esperado (por volta de 20 tes praticamente invalida essa conduta143,144,148.
a 30 minutos após a utilização de succinilcolina)
e homozigotos atípicos, cuja pseudocolinesterase ASMA NA CRIANÇA
tem 1/100 da atividade da normal, proporcionan-
Asma é uma condição inflamatória crônica das
do bloqueios com duração de 6 a 8 horas, após a vias aéreas, resultando em episódios de obstrução
utilização da succinilcolina143,144. ao fluxo de ar. Essa inflamação crônica aumenta a
O anestésico local dibucaína inibe a atividade contratilidade e hiper-reatividade das vias aéreas,
da pseudocolinesterase normal em 80%, a do hete- desencadeadas pela exposição a alérgenos. Outras
rozigoto em 40% a 60% e a do homozigoto atípico anormalidades histopatológicas das vias aéreas in-
em 20%. A porcentagem de inibição da atividade cluem dano epitelial e deposição de colágeno su-
da pseudocolinesterase pela dibucaína é denomina- bepitelial, com espessamento da membrana basal,

272 An e s t e s ia Pe diátrica

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hipertrofia das glândulas mucosas e do músculo Epidemiologia
liso. Essas mudanças contribuem para a inflamação
persistente da via aérea e hiper-reatividade. Asma é uma doença crônica comum que leva a
uma considerável morbidade em todo o mundo.
As manifestações clínicas da asma são inter- Aproximadamente 80% dos asmáticos referem iní-
mitentes, com tosse seca, respiração difícil, peito cio da doença antes dos 6 anos de idade.
apertado e dispnéia. Tais alterações são provocadas
por esforço físico e exposição a irritantes das vias Há dois tipos de asma na criança:
aéreas, como frio, ar seco e cigarro149. • dificuldade respiratória: no início da infân-
Os sintomas da asma estão usualmente asso- cia, primariamente desencadeada por infec-
ciados à difusa, porém variável, obstrução das vias ções virais comuns ao trato respiratório;
aéreas, que geralmente são reversíveis espontanea- • asma crônica associada à alergia: persiste até
mente ou com tratamento150. o final da infância e muitas vezes até a idade
adulta.
Exacerbações de asma por períodos prolonga-
dos, por dias ou semanas, geralmente são indu- Um terceiro tipo de asma, que surge na infân-
zidas por infecções virais respiratórias comuns e cia, ocorre em meninas que desenvolvem obesida-
por exposição a alérgenos inalatórios. Essas exa- de e entram cedo na puberdade (em torno dos 11
cerbações são caracteristicamente piores à noite e anos de idade). Asma desencadeada por exposição
podem progredir para grave obstrução ao fluxo de ocupacional não é considerada149.
ar, respiração curta, dor e insuficiência respiratória.
Raramente ocorrem quadros de ataques hipóxicos, Fisiopatologia
falência respiratória e morte149. As alterações anatomopatológicas que se jun-
O alvo do tratamento da asma, atualmente, é a tam à inflamação persistente das vias aéreas, além
redução da inflamação da via aérea, pelo uso diário de da hiper-reatividade, são as bases da asma crônica.
medicações antiinflamatórias, minimizando a exposi- A obstrução das vias aéreas na asma é o resultado
ção a agentes pró-inflamatórios e controlando as con- de numerosos processos patológicos. Nas pequenas
dições de co-morbidade que podem piorar a asma. vias aéreas, o fluxo de ar é regulado pela contração
do músculo liso que circunda o lúmen; broncocons-
Etiologia
tricção resultante nesses bronquíolos restringe ou
Embora a causa da asma em crianças não esteja bloqueia o fluxo de ar. No asmático, esse processo
bem definida, pesquisas demostraram uma correla- está exacerbado. Um infiltrado inflamatório celular
ção entre fatores genéticos e ambientais. caracterizado pela presença de eosinófilos, ou ainda
de outras células inflamatórias, como neutrófilos,
Em relação aos fatores genéticos, estudos em gê-
monócitos e linfócitos, pode ocupar a via aérea e in-
meos têm revelado uma concordância de 0,74% en-
duzir a dano epitelial e descamação no lúmen da via
tre gêmeos monozigóticos e uma concordância de
aérea. A produção em excesso de muco e edema, ao
0,35% entre gêmeos dizigóticos, implicando contri- redor do tecido, também contribui para a obstrução
buição genética para o desenvolvimento da asma149. das vias aéreas. O tecido das vias aéreas de asmáticos
Já em relação aos fatores ambientais, infecções tem aumentado número de mastócitos, eosinófilos
virais comuns ao trato respiratório, como as cau- ativados e linfócitos T helper ativados149.
sadas pelo vírus sincicial respiratório, podem levar
a bronquiolite nas pequenas vias aéreas. A exposi- Manifestações clínicas e diagnóstico
ção das vias aéreas a alérgenos, além das infecções
virais, pode exarcerbar a inflamação e aumentar a O aspecto principal para o diagnóstico de asma
gravidade do quadro asmático. é a presença de sintomas crônicos. Tosse seca inter-

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mitente e chiados expiratórios são os mais comuns pitalizadas, deve-se administrar metilprednisolona
sintomas crônicos da asma. Sintomas respiratórios 1 mg/kg/dose a cada 6 horas por 48 horas, com um
são caracteristicamente piores à noite, especialmen- máximo de 1 a 2 mg/kg/24 horas149.
te na presença de infecções do trato respiratório e Os agentes antiinflamatórios não-esteroidais,
de alérgenos inalatórios. como cromolin e neodocromil, são indicados para
asma leve a moderada. São drogas de escolha para
Tratamento crianças com asma persistente leve151.
A maioria das crianças com asma tem um
componente alérgico em sua doença. Vários es- Considerações anestesiológicas
tudos têm demonstrado que asmáticos sensibili- O período anestésico mais crítico para o pacien-
zados, que reduziram a exposição aos alérgenos, te asmático é durante a manipulação da via aérea.
podem diminuir os sintomas da asma sem a ne- Anestesia geral por máscara ou anestesia regional
cessidade de medicações e sem hiper-reatividade podem se constituir em um problema, pela ne-
da via aérea. cessidade de se evitar um broncoespasmo. Alguns
Rinites, sinusites e refluxo gastroesofâgico co- clínicos acreditam que a anestesia peridural ou
mumente acompanham a asma e podem piorar a espinhal alta podem agravar a broncoconstricção,
gravidade da doença. Portanto, é necessário o tra- pelo bloqueio simpático da via aérea baixa (T1-T4),
tamento das condições de co-morbidade. permitindo a livre atividade parassimpática.
Os beta-2-agonistas de curta ação têm início de A escolha do agente de indução não é tão im-
ação rápido, são efetivos, com duração de ação de portante quanto é a profundidade da anestesia an-
4 a 6 horas. São as drogas de escolha para episó- tes da intubação e antes do estímulo cirúrgico. Pro-
dios agudos de broncoespasmo e para prevenção de pofol e etomidato podem ser usados para a indução
broncoespasmo induzido por exercício. Entre eles, da anestesia. A cetamina é um agente venoso com
tem-se o albuterol, o levalbuterol, a terbutalina e o propriedades de broncodilatação, uma boa escolha
pirbuterol. A broncodilatação se deve à indução do para pacientes com instabilidade hemodinâmi-
relaxamento da musculatura lisa da via aérea, à re- ca. O halotano possibilita indução inalatória com
dução da permeabilidade vascular com conseqüen- broncodilatação em crianças asmáticas. Isoflurano
te diminuição do edema das vias aéreas e à melhora e desflurano, apesar de poderem levar à broncodi-
da atividade mucociliar. latação, não estão indicados na indução anestésica
Os agentes anticolinérgicos, como o brometo de asmáticos, por suas propriedades irritativas das
de ipratropium, são menos potentes que os beta- vias aéreas.
2-agonistas como broncodilatadores. Ipratropium O reflexo de broncoespasmo pode ser evitado,
inalatório é usado no tratamento da asma aguda antes da intubação, ventilando-se o doente com 2 a
grave. É a droga anticolinérgica de escolha porque 3 CAM do agente volátil, por 5 minutos150,152,153.
tem poucos efeitos colaterais no sistema nervoso Broncoespasmo pode ser tratado com um ago-
central. nista beta-adrenérgico. Extubação profunda previ-
A terapia com glicocorticóide sistêmico está re- ne broncoespasmo na emergência anestésica150,152.
comendada para uso em exacerbações de asma mo-
derada a grave, pois previne a recorrência de sin- DIABETES MELITo
tomas. A administração tanto oral quanto venosa
de glicocorticóides tem demonstrado ser efetiva no O diabetes melito é uma síndrome crônica, me-
controle dos quadros asmáticos. Para crianças hos- tabólica, comum e caracterizada por hiperglicemia

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como característica bioquímica principal. O diag- lulas beta, com diminuição da secreção de insulina.
nóstico está baseado na elevada taxa de glicose no É estimado que cerca de 80% a 90% das ilhotas
plasma (> 140 mg/dl) ou no sangue (126 mg/dl) pancreáticas são destruídas.
e tem sido classificado em tipo I (insulino-depen-
dente) e tipo II (não-insulino-dependente). Cetoacidose diabética
A cetoacidose diabética está associada com dia-
As manifestações clínicas da cetoacidose diabé-
betes melito do tipo I, porém há indivíduos com
tica incluem taquipnéia na tentativa de compensar
diabetes melito do tipo II que podem apresentar
a acidose metabólica decorrente, dor abdominal
cetoacidose diabética.
simulando um abdômen agudo, náusea, vômitos e
Diabetes melito do tipo I é a mais comum desor- mudanças no sensório152.
dem endocrino-metabólica da criança e da adolescên-
O tratamento da cetoacidose diabética depende
cia, com importantes consequências para o desenvol-
da correção da hipovolemia, da hiperglicemia, que
vimento físico e emocional. Mecanismos autoimunes
raramente ultrapassa 50 mg/dl, e do déficit de po-
são fatores de origem do diabetes melito149.
tássio corporal, com infusão contínua de insulina,
As complicações, em longo prazo, do diabe- potássio e fluidos isotônicos149.
tes incluem hipertensão, infarto do miocárdio,
doença vascular cerebral e periférica, neuropatias A meta para diminuição da glicose no sangue,
autonômicas e periféricas e falência renal. As três na cetoacidose diabética, está em torno de 75 a 100
complicações agudas do diabetes são cetoacidose mg/dl/hora ou 10%/hora. A terapia pode ser ini-
diabética, coma não-cetótico hiperosmolar e hipo- ciada com infusão venosa de 10 UI/hora ou 0,1
glicemia150. UI/kg/hora de insulina regular, dobrando a dose
a cada hora, até que a glicose no sangue comece a
Diabetes melito do tipo I
cair. Esses pacientes são freqüentemente resistentes
à terapia com insulina, e pode ocorrer hipercalemia.
Formalmente chamado de diabetes melito in- Níveis extremos de potássio representam a causa
sulino-dependente, ou diabetes juvenil. É caracte- mais comum de morte durante o tratamento da ce-
rizado pelo nível baixo ou ausente de produção de toacidose diabética, portanto os níveis de potássio,
insulina endógena. Depende de insulina exógena a glicose no sangue e cetonas no soro devem ser
para prevenir o desenvolvimento de cetoacidose monitorados nas primeiras horas. Vários litros de
diabética, e ocorre predominantemente em crian- soro fisiológico nas primeiras horas são necessários
ças com idade entre 7 e 15 anos, porém pode apa- para correção da desidratação, cerca de 1 a 2 litros
recer em qualquer idade. Esse tipo de diabetes é ca- na primeira hora, seguidos de 500 a 2.000 ml/hora.
racterizado pela destruição auto-imune das células Esses pacientes podem precisar de um tubo naso-
beta do pâncreas. Tanto a suscetibilidade genética gástrico para descompressão gástrica e cateterização
quanto fatores ambientais contribuem para o sur- vesical para monitorar o débito urinário151.
gimento desse tipo de diabetes. O diabetes melito
Muitas vezes é necessária a correção de acidose
do tipo I está associado com outros tipos de do-
severa (pH < 7,1) com bicarbonato.
enças autoimunes, como tiroidites, doença celíaca,
esclerose múltipla e doença de Addison.
Considerações anestesiológicas
A predisposição genética e fatores ambientais
levam ao desencadeamento de um processo auto- A meta primária no intra-operatório é controlar
imune contra as ilhotas pancreáticas. Esse processo os níveis de açúcar no sangue para evitar a hipogli-
leva a uma gradual e progressiva destruição das cé- cemia. Enquanto a tentativa para manter a euglice-

Im p l i ca ções A n e s t é s i c a s d e S í n d r o m e s e De s o rde n s 275

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mia é imprudente, níveis altos de açúcar no sangue magnesemia e saturação de oxigênio muito baixa.
(> 180 mg/dl) também podem levar a riscos. Hi- Concentração de cálcio ionizado pode inicialmente
perglicemia tem sido associada com hiperosmola- aumentar antes de sua queda. Podem também estar
ridade, infecção e dificuldade na cicatrização de fe- aumentados os níveis de mioglobina, creatinofosfo-
ridas, além de também acarretar piora neurológica quinase (CPK), desidrogenase lática e aldolase. Os
após um episódio de isquemia cerebral. Portanto, níveis de CPK usualmente excedem 20.000 UI/L.
deve ser tratada agressivamente no diabetes meli- Parte da dificuldade no diagnóstico da hiperter-
to do tipo I. Nestes doentes o controle metabólico mia maligna está na variedade de sinais presentes
pode ser perdido, particularmente em cirurgias de durante ou após a anestesia. Febre é um sinal in-
grande porte ou sepse. consistente e com freqüência de aparecimento tar-
Há várias condutas de controle da glicemia no dio. O aumento do dióxido de carbono, duas ou
perioperatório de doentes diabéticos. A mais usada três vezes o valor inicial, é um dos primeiros e mais
baseia-se na administração de metade da dose to- sensitivos indicadores de hipertermia maligna. Fi-
tal de insulina, pela manhã, na forma de insulina brilação ventricular pode ocorrer e é a causa mais
de ação intermediária, com uma infusão contínua de comum de morte. Caso o paciente sobreviva nos
solução de glicose a 5%. Glicose suplementar pode primeiros minutos, falência renal aguda pode se
ser administrada se o doente desenvolver hipogli- desenvolver rapidamente. Outras complicações da
cemia (< 100 mg/dl). Entretanto, hiperglicemia hipertermia maligna incluem edema cerebral e fa-
intra-operatória é tratada com insulina regular in- lência hepática. O teste de contratura com cafeína-
travenosa150,152. halotano tem sido a base para identificar indivídu-
os que são suscetíveis a hipertermia maligna150,154.
HIPERTERMIA MALIGNA
Fisiopatologia da hipertermia maligna
É uma miopatia rara em pacientes pediátricos
(1:15.000), caracterizada por um estado hiperme- Em 80% dos casos relatados de hipertermia
tabólico agudo, dentro do tecido muscular. Pode maligna utilizou-se succinilcolina ou um agente
aparecer desde o nascimento, normalmente após a anestésico halogenado. Cerca de 50% dos pacien-
indução da anestesia geral, mas também pode estar tes com um episódio de hipertermia maligna teve
presente no período pós-operatório. Os sinais des- exposição prévia a um agente anestésico. A origem
critos durante a anestesia são rigidez do músculo celular precisa da hipertermia maligna permanece
masseter, taquicardia e hipercarbia por aumento desconhecida, e investigações revelam um aumen-
da produção de gás carbônico (CO2). Taquipnéia to incontrolado no cálcio intracelular no músculo
é observada quando relaxante muscular não foi esquelético. A súbita liberação de cálcio do retículo
usado. O sistema simpático ativado produz taqui- sarcoplasmático leva à inibição da troponina, resul-
cardia, arritmias, hipertensão e cianose. Hiperter- tando em intensa contração muscular. A atividade
mia pode ser um sinal tardio, porém, quando ela do trifosfato de adenosina visivelmente aumenta-
ocorre, a temperatura pode subir 1oC a cada 5 mi- da e sustentada leva ao aumento do metabolismo
nutos. Hipertensão pode ser rapidamente seguida aeróbio e anaeróbio. O estado hipermetabólico
de hipotensão, e também pode ocorrer depressão rapidamente progressivo, marcado pelo aumento
cardíaca. Urina de coloração escura reflete mioglo- do consumo de oxigênio e aumento na produção
binemia e mioglobinúria150,152,153. Exames laborato- de CO2, leva a acidose lática severa e hipertermia.
riais revelam uma mistura de acidose metabólica e A membrana muscular fica esgotada, e um efluxo
respiratória, excesso de base, hipercalemia, hiper- de potássio da célula muscular, junto com acidose

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sistêmica, produz hipercalemia. O tônus simpático noso a cada 5 minutos até o fim do episódio. A dose
aumentado, a acidose e a hipercalemia predispõem limite de dantrolene é de 10 mg/kg. Após o con-
o paciente a fibrilação ventricular e morte súbita, trole inicial, dantrolene é recomendado na dose de
que pode ocorrer nos primeiros 15 minutos150,152. 1 mg/kg intravenoso a cada 6 horas, por 24 a 48 ho-
ras, na prevenção de recaídas, pois a hipertermia ma-
Tratamento ligna pode recorrer em 24 horas. Dantrolene é uma
droga relativamente segura, mas pode causar flebite
O tratamento está direcionado para o término
do episódio e para o tratamento das complicações em veias periféricas pequenas; pode ser administrado
como acidose e hipercalemia. O agente desencade- por uma linha venosa central se necessário150,153.
ante deve ser retirado e administrar-se dantrolene
imediatamente. A mortalidade, mesmo com trata- Considerações anestesiológicas
mento imediato, costuma ser alta, em torno de 5% Cirurgias eletivas não são contra-indicadas em
a 30%.
pacientes suscetíveis a hipertermia maligna.
Desde que a succinilcolina e os anestésicos vo-
Tanto a anestesia regional quanto a geral podem
láteis são considerados os principais agentes desen-
ser administradas com segurança, usando-se anes-
cadeantes, eles devem ser retirados imediatamente.
tésicos seguros, ou seja, evitando-se succinilcolina e
Os pacientes podem ser ventilados com oxigênio
a 100% para minimizar os efeitos da hipercapnia, halogenados, em doentes suscetíveis a hipertermia
acidose metabólica e aumento do consumo de oxi- maligna. Qualquer tipo de anestesia condutiva,
gênio. Caso a febre esteja presente, medidas devem com qualquer tipo de anestésico local, é aceitável.
ser instituídas. Lavagens do estômago e das cavida- Tiopental e pancurônio parecem ser fármacos se-
des corpóreas devem ser feitas com soro fisiológico guros. Outras drogas seguras incluem óxido nitro-
gelado. Diálise e bypass cardiopulmonar podem ser so, propofol, etomidato, benzodiazepínicos, ceta-
realizados caso outras medidas falhem153. mina, opiáceos e droperidol. O uso profilático de
Uma linha arterial irá permitir a monitorização dantrolene venoso, na indução da anestesia geral,
da pressão sangüínea e também possibilitará aces- em doentes suscetíveis, não é necessário se forem
so ao sangue arterial para medidas da gasometria. usadas drogas seguras. Tem sido recomendado para
Acidose pode ser tratada com bicarbonato de sódio pacientes suscetíveis a hipertermia maligna perma-
intravenoso na dose de 1 a 2 mEq/kg. Já a hiperca- necer na sala de recuperação anestésica por um mí-
lemia pode ser tratada com soluções contendo in- nimo de 4 horas150,152.
sulina e glicose, além do estímulo da diurese. Cál-
cio venoso pode ser administrado continuamente Referências Bibliográficas
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282 An e s t e s ia Pe diátrica

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2
Seção

Procedimentos
anestésicos
específicos

283

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Capítulo 16
An e s t e s i a p a r a E m e r g ê n c i a s
Ne o natais d a C i r u r g i a G er a l e
P re m a t u r i d a d e
Pércio Ramon Becker Benitez
Hiroshi Ohira

INTRODUÇÃO
PRÉ-NATAL Obstetrícia
Idealmente, a atuação do anestesiologista neo- Genética
Medicina fetal
natal deveria ocorrer dentro do contexto amplo e Laboratório
multidisciplinar da perinatologia, que reúne o con- Imagem
junto de ações dirigidas ao bem-estar do ser huma- ALTA
no desde sua concepção até o final do primeiro mês Obstetrícia
PARTO Anestesia
de vida (Fig. 16.1). Neonatologia
A morbimortalidade anestésico-cirúrgica é
maior em recém-nascidos (RN) que não receberam BERÇÁRIO UTI NEONATAL: Neonatologia
atendimento pré e pós-operatórios adequados. Os • Especialidades: cardiologia,
neurologia, oftalmologia
cuidados pré-natais com relação ao feto permitem etc.
prever a saúde e maturidade do concepto1. Gesta- • Enfermagem – Nutrição
ções com diagnóstico precoce de alterações gené- CIRURGIA
– Fisioterapia
• Laboratório – Imagem
ticas, malformações e patologias cirúrgicas devem ANESTESIA
• Hemoterapia
ser orientados para hospitais especializados2.
Nas unidades neonatais, as melhorias dos cuida- Fig. 16.1 – Ciclo de atendimento perinatal de excelência

dos básicos, manutenção da temperatura corporal,


políticas de prevenção de infecção, monitoração óxido nítrico e de novas modalidades de assistência
mais sensível das condições vitais e bioquímicas, ventilatória melhoraram significativamente a so-
ultra-sonografia à beira do berço, protocolos nu- brevida de RN enfermos, seja de termo (RNT) ou
tricionais, introdução do surfactante exógeno, do pré-termo (RNPT)1,2-5.

285

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REVISÃO DE CONCEITOS água. A expansão pulmonar estabelece a capacida-
ANATOMOFISIOLÓGICOS PERINATAIS de residual funcional (CRF), vital para a manuten-
RELEVANTES PARA A ANESTESIA ção da respiração espontânea.
Concluído o ciclo embrionário, por volta da 9a A drástica redução da resistência vascular pul-
semana de gestação, inicia-se o período fetal que monar aumenta o FSP e dá início à hematose.
culmina com o parto. Durante a 36a e 37a semanas O aumento do retorno venoso ao AE eleva sua
de gestação é que a maturação orgânica e funcional pressão interna empurrando as valvas do forâmen
tem o acabamento ajustado para a aventura crucial oval contra o septo interatrial, fechando funcional-
do nascimento. RN que não completa o processo mente a CIA. A pO2 do sangue, que perfunde o ca-
nasce em condições desfavoráveis, pois o feto se nal arterial, torna-se maior que 50 mmHg e, junto
desenvolve em um ambiente hipóxico e acidótico. da supressão das prostaglandinas placentárias e a
A placenta é responsável pela depuração do meio melhora da acidemia, levam ao fechamento do CA.
interno fetal, e o sistema cardiocirculatório organi- O VD ejeta a maior parte do seu débito para o
za-se engenhosamente para transportar nutrientes a pulmão; o VE ejeta seu volume sistólico para a circu-
todas as células de acordo com suas necessidades. lação sistêmica, e a circulação passa a ser em série.
Coração, cérebro e membro superior direito são nu- Desvios bidirecionais importantes através do
tridos por sangue pré-ductal mais bem oxigenado FO e do CA podem ocorrer em RN normais, nas
(saturação da Hb = 70%)8-21. primeiras 24 horas de vida. Gradualmente o desvio
Diz-se que a circulação fetal é feita em paralelo, torna-se preferencialmente E/D até o fechamento
porque tanto o VE como o VD (através do CA) eje- definitivo das duas comunicações.
tam seu volume sistólico para a circulação sistêmica. Os vasos pulmonares neonatais são muito reati-
A hemoglobina fetal (HbF), com sua elevada vos a hipóxia, acidose, hipotermia, hipervolemia e
afinidade pelo oxigênio (curva de dissociação des- planos anestésicos inadequados, podendo elevar a
viada para a esquerda e P50 = 18 mmHg), é outra resistência vascular pulmonar e reinstituir o shunt
solução inteligente da natureza para captar o máxi- D/E pelo CA, FO ou ambos. Hipoxemia, acido-
mo de O2 em um meio hipoxêmico. se, cianose, traquipnéia e geralmente bradicardia
O surfactante começa a ser produzido pelos e diminuição do DC podem culminar em asfixia
pneumócitos do tipo II em torno da 20a semana neonatal.
de IG, mas só na 36a e 37a semanas atinge seu má- O coração neonatal apresenta maior tensão de re-
ximo. Com 26 a 28 semanas a sobrevida neonatal pouso das fibras cardíacas, menor complacência dias-
com cuidados intensivos é bastante factível. No RN tólica, menor contratilidade, mecanismo de Frank
a termo (RNT), o número de alvéolos é de aproxi- Starling limitado, volume sistólico relativamente
madamente 20 milhões, com 150 µ de diâmetro. fixo, DC dependente da FC, restrita tolerância a so-
Ocorrerão ainda sete subdivisões até atingir-se 300 brecarga volêmica e a aumentos de demanda21.
milhões com 250 a 300 µ de diâmetro1,2,5.
Embora os receptores beta-adrenérgicos e o sis-
Durante e logo após o nascimento, ocorrem tema da adenil ciclase estejam bem desenvolvidos,
modificações radicais, simultâneas ou em seqüên- a resposta à estimulação simpática máxima é in-
cia muita rápida23-25. completa.Tem menores reservas de catecolaminas
A expressão do tórax no canal do parto elimina endógenas, limitada resposta a drogas vasoativas,
grande parte o fluido pulmonar. principalmente aos alfa-adrenérgicos, e resposta
O primeiro esforço inspiratório é capaz de criar barorreceptora diminuída, por isso hipovolemia se
pressão negativa intrapulmonar de 40 a 100 cm de acompanha de queda da PA sem taquicardia adi-

286 An e s t e s ia Pe diátrica

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cional compensatória. Em contrapartida, o paras- RNPT 19%, RNT 46% e lactentes maiores 65%
simpático é extremamente funcionante. A predo- de fibras musculares do tipo I23,25,26.
minância vagal pode ser observada clinicamente na Três estratégias colaboram para a manutenção
bradicardia profunda em resposta à hipoxemia e no da CRF neonatal. Primeiro, o surfactante “deter-
intenso laringo espasmo produzido por estímulos gente” tensoativo especialmente eficiente nos alvé-
físicos ou químicos das vias aéreas superiores8. olos menores e durante a expiração, situações em
RN e lactentes doentes são especialmente pro- que o raio das unidades respiratórias é menor e a
pensos a bradicardia, hipotensão e morte periope- tendência ao colapso é maior. Segundo, o fecha-
ratória. Tratamento imediato da hipoxemia e da mento ativo da laringe antes do fim da expiração
gerando um PEEP laríngeo natural, abolido du-
bradicardia são essenciais em anestesia e reanima-
rante o sono ativo ou paradoxal, durante anestesia
ção. Hipovolemias devem ser compensadas antes
e pela entubação traqueal. Terceiro, manutenção
da indução anestésica e hipervolemias evitadas por- de um tônus da musculatura intercostal durante a
que podem conduzir rapidamente à insuficiência expiração com a finalidade de estabilizar a parede
cardíaca23,25,26. torácica. Esse tônus é abolido pela anestesia inala-
Após o nascimento, o miocárdio neonatal se tória e exacerbado pelos opióides.
hipertrofia e organiza rapidamente. Com três se- Volume de fechamento (VF) é o volume pulmo-
manas de idade, o VE triplica seu volume e sua nar no qual a pressão transpulmonar é suficiente
maturidade. para colabar as pequenas vias aéreas antes do final
A configuração estrutural respiratória tem vários da expiração, fazendo com que parte do ar alveo-
aspectos desfavoráveis para o RN. A complacência lar fique aprisionado distalmente. Em RN, o VF é
pulmonar (variação de volume em ml produzida muito alto, podendo ser maior que a CRF1,2,5.
por uma variação de pressão em cm H2O) é menor A eficiência das trocas gasosas depende do equi-
que o adulto, pela alveolização incompleta, com líbrio da relação ventilação/perfusão. Em um sis-
unidades menores e epitélio mais espesso, maior tema ideal, essa relação deveria ser 1. No adulto
necessidade de surfactante e menor quantidade de saudável a média é de 0,8 a 0,9. No RN, a média
tecido elástico1,2,5,10,18. é de 0,4 ou seja, predominam áreas perfundidas e
mal ventiladas (shunt intrapulmonar). Essa relativa
Em contrapartida, a complacência torácica é ineficiência ventilatória se traduz por PaO2 de 50 a
muito elevada, a ponto de tornar-se instável, ofe- 70 mmHg25.
recendo pouca oposição à retração pulmonar. O Para superar essas dificuldades, o RN realiza
tórax do RN tem forma de barril, costelas horizon- maior trabalho respiratório com maior consumo
talizadas, arcabouço cartilaginosos e menor tônus de O2, que em condições normais corresponde a
muscular. O diafragma mais cefálico e o abdômen 10% do metabolismo. Uma forma de economizar
protuberante impõem dificuldades adicionais. A energia é aumentar a freqüência ventilatória. Míni-
resistência ao fluxo aéreo é cinco vezes maior que o mas dificuldades obstrutivas ou restritivas podem
adulto, em virtude do pequeno raio das vias aéreas, conduzir a falência e necessidade de assistência
porém a condutância é semelhante. O diafragma ventilatória26.
de RNT tem apenas 26% de suas fibras do tipo I Por último, o controle neuroquímico da respi-
(ricas em mioglobinas, e mitocôndrias, altamente ração é imaturo. A hipóxia acompanha-se de breve
oxidativas, de contração lenta e resistentes à fadi- traquipnéia seguida de rápida depressão. A hipóxia
ga); o do RNPT, 14%; e adultos, 55%. Os mús- também não potencializa a resposta hiperventilató-
culos intercostais têm composição semelhante: ria à hipercabia23.

A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 287

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Conclusão Reações fetais diferenciadas a um mesmo tipo de
estímulo sugerem um aprendizado individual com
A reserva respiratória do RN é mínima, e a de-
as experiências dolorosas, portanto um componen-
manda basal de O2 é duas a três vezes maior que o
te cognitivo, que altera o comportamento neona-
adulto. A desaturação da Hb instala-se mais rapi-
tal. Se o estímulo exceder um tempo e uma intensi-
damente. Há maior predisposição à fadiga, obstru-
dade crítica, poderá alterar mecanismos sinápticos
ções das vias aéreas e depressão do SNC durante
e bioquímicos e “modular” a plasticidade neuronal
a anestesia. A função respiratória é o calcanhar de
neonatal, influindo na arquitetura final do sistema
Aquiles do RN. A intubação traqueal e a respira-
nervoso3.
ção controlada ou assistida mecânica ou manual é
obrigatória em procedimentos que durem mais de
Conclusão
alguns minutos.
Todos os aspectos desfavoráveis da função respi- RN de termo ou PT precisam da anestesia efe-
ratória neonatal se acentuam e agravam nos RNPT tiva no trans-operatório e de adequado controle da
em intensidade proporcional ao grau de prematu- dor pós-operatória.
ridade1.
TERMORrEGULAÇÃO
A DOR NO PERÍODO FETAL E NEONATAL O RN normal é capaz de manter a temperatu-
O sistema nervoso é formado muito cedo no ra corporal apesar das variações térmicas ambien-
período embrionário, e a organização nociceptiva tais, porém essa capacidade é restrita se comparada
acontece muito precocemente no período fetal. ao adulto. Quando a temperatura ambiental cai,
responde com vasoconstrição musculocutânea para
A mielinização incompleta não serve mais como
confinar o calor ao compartimento central, mas sua
argumento para negar a dor em neonatos. Hoje se
principal resposta consiste na termogênese estática
sabe com certeza que RNs, mesmo PT extremos
sem espasmo ou sem tremor que ocorre principal-
(16 < 30 semanas), têm todas as condições ana-
mente na gordura marrom (GM), tecido especiali-
tômicas, fisiológicas e neuroquímicas para sentir
zado que se diferencia entre a 26a e 30a semanas de
dor. Estudos recentes sugerem que o feto é capaz
gestação e constitui entre 2% a 6% do peso corporal
de sentir dor mesmo antes da 13a semana de vida
do RNT. Em RNPT e PIG, a GM é mais escassa23.
intra-uterina2,3,16.
O RN tem maior propensão a perdas, por sua
A dor no RN produz reações endocrinometabó-
superfície corporal relativamente grande com re-
licas (aumento de catecolaminas, cortisol, glucogon, lação ao volume e ao peso, amplo raio de curva-
hormônio do crescimento, testosterona e diminui- tura da cabeça, abdômen globoso, extremidades
ção da utilização da insulina), manifestações cardio- abertas que aumentam a superfície de exposição e
vasculares (taquicardia, hipertensão arterial, aumen- a camada isolante de pele e tecido celular subcutâ-
to da pressão intracraniana, maior risco de hemor- neo delgada com menor quantidade de gordura.
ragia perintraventricular) e aumento da morbidade A todo RN cirúrgico devemos procurar oferecer
(hipercoagulabilidade, maior suscetibilidade a infec- um ambiente térmico neutro (ATN), temperatura
ções, aumento da condução térmica, diminuição da ambiente (TA) na qual a taxa metabólica e o con-
saturação da hemoglobina e da cicatrização)7,16. sumo calórico são mínimos. Quanto menor o RN,
Embora o componente protopático possa pre- maior a temperatura ambiente (TA) necessária para
dominar, o componente epicrítico existe e reação preservar o ATN. Nessas condições, o RN apresen-
dolorosa não é apenas um fenômeno subcortical. ta temperatura cutânea entre 36 e 36,5ºC1,2,5,9,17.

288 An e s t e s ia Pe diátrica

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A anestesia induz hipotermia mesmo em adul- Tabela 16.1 – Modelo de aviso de cirurgia neonatal
tos voluntários não-operados. Não foi demons-
I. Dados maternos:
trado que alguma droga ou técnica anestésica seja • Nome – idade – no de gestações
superior a outra na preservação da temperatura • Tipo de parto (vaginal normal; fórceps; cesárea)
corporal17. • Tipo de anestesia
• Patologias e antecedentes obstétricos: DHG, diabetes,
Na sala de operação, o RN perde calor para toxicomania, outros
o ambiente por condução, convecção, radiação e II. Dados do neonato:
• Idade gestacional – peso ao nascimento
evaporação. A hipotermia neonatal produz vaso- • Apgar no 1o e 5o minutos – asfixia – reanimação
constrição periférica e pulmonar, shunt D/E, hi- • Idade pós‑natal – peso atual
póxia, aumento do metabolismo e acidose. Tam- • Patologias associadas (cardiopatias, infecções, convulsões,
icterícia, alterações respiratórias, hidroeletrolíticas e
bém está associada a hemorragia intrapulmonar metabólicas etc) laudos de radiografia, ECG, ultra‑sonografia.
e intracraniana, apnéia, sepse, maior dificuldade • Evolução e complicações na unidade de origem
para a reparação das feridas cirúrgicas, diminui- • Indicação e proposta cirúrgica
• Última refeição oral ou enteral: tipo de alimento e horário
ção da imunidade, diminuição da função plaque- • Exames complementares: Hb, Ht, plaquetas, coagulograma,
tária e desvio da curva da dissociação da Hb para Na, K, gasometria
a esquerda9,17,24. • Medicamentos sendo administrados: antibióticos, drogas
vasoativas, surfactante exógeno, xantinas, indometacina etc.
• Intubação traqueal: se instalada, tempo de intubação, no do
PLANEJAMENTO DA ANESTESIA tubo
• Modalidade da assistência ventilatória: CPAP, VC convencional
Uma vez que a equipe cirúrgica tomou a de- etc.
• Parâmetros ventilatórios utilizados na UTI: p. inspiratória, PEEP,
cisão de operar o RN, a unidade de origem deve FiO2
comunicá-la ao centro cirúrgico. Na Tabela 16.1 • Cateter venoso: tipo – no – localização, solução infundida,
sugerimos um modelo de aviso de cirurgia. volume-horário

Essas informações, escritas de forma clara, têm


extrema importância para dar idéia do estado de O jejum pré‑operatório de RNs e lactentes até 6
saúde do RN e planejar a melhor técnica anestésica meses de idade para líquidos claros sem resíduos é
possível para cada caso. O deslocamento do anes- de 2 horas, para leite materno 3 horas, e para leite
tesista até a unidade neonatal para a avaliação pré- de fórmula e outros alimentos 4 horas.
anestésica irá complementar as informações.
Em uma avaliação rápida podemos prever o PREPARAÇÃO DA SALA E DO MATERIAL
grau de dificuldade de intubação, o grau de dificul- DE ANESTESIA
dade para punção lombar ou caudal, a intensidade
A anestesia começa bem antes da chegada do RN
do comprometimento do parênquima pulmonar
ao centro cirúrgico. A sala deve ser aquecida entre
na imagem radiológica e assim por diante. Con-
cluída a avaliação pré‑anestésica, recomenda-se 26 e 32ºC. É necessária uma fonte de calor radian-
que a impressão clínica geral, a conduta anestési- te, um colchão ou uma manta térmica por convec-
ca planejada, as dificuldades previstas, as compli- ção (o meio mais eficiente de prevenir hipotermia).
cações possíveis e os riscos sejam comunicados ao Gases anestésicos, líquidos endovenosos e de assepsia
responsável pelo RN. A instituição hospitalar deve devem ser aquecidos. Cobertura de polietileno trans-
prover um documento legal no qual os familiares parente do tipo filme pode ser utilizado para envolver
diretos (pai e mãe) expressem seu consentimento as áreas não-cirúrgicas, inclusive a cabeça, pois é efi-
pós-informado para os procedimentos terapêuticos ciente e permite observar a cor da pele e auscultar o
necessários23. precórdio. Todas as fontes de calor devem possuir um

A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 289

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sistema de monitoração e controle para evitar supe- Monitoração neonatal
raquecimento e queimaduras. Os principais proble-
• Estetoscópio precordial ou esofágico.
mas da monitoração da temperatura são a precisão
dos aparelhos e a colocação correta dos sensores. O • Pressão arterial não invasiva.
local de monitoração deve refletir a temperatura cen- • Oxímetro de pulso.
tral e ter morbidade mínima. A temperatura axilar • Cardioscópio.
não reflete exatamente a temperatura central, mas em • Temperatura corporal.
RNs, com menos gordura, pode ser uma alternativa
• Capnografia – ETCO2.
na impossibilidade de mensuração esofágica. O man-
guito de PA e o cateter de infusão venosa devem estar • Pressão das vias aéreas
em outro membro. Uma vez colocados os campos ci- • Analisador de gases. Opcionais: PVC diurese
rúrgicos, a temperatura da sala pode ser diminuída a • PAM invasiva – gases sangüíneos.
níveis mais amenos. • Bloqueio neuromuscular – Bis espectral.
O aspirador deve estar funcionante e sondas de as- A ausculta cardíaca antes da indução serve como
piração oral no 8 e 10 disponíveis. O funcionamento parâmetro comparativo do estado hemodinâmico
correto do aparelho de anestesia e seus componentes, durante a anestesia.
fluxômetros, vaporizador, circuitos de tubos corruga- A oximetria em RN deve ter probe específico e
dos, assim como os monitores, devem ser conferidos plestismógrafo de qualidade, pois a observação das
previamente. O respirador com padrão ventilatório ondas dá idéia de débito cardíaco, depressão car-
de pressão, PEEP, e freqüência preestabelecidos para diovascular e volemia. Seu alarme deve estar fixado
o paciente deve ser testado antes. entre 89% e 95%, o que corresponde a uma pressão
É interessante calcular em uma folha extra to- transcultânea de O2 de 60 a 80 mm/Hg.
das as doses das drogas que poderíamos precisar. Saturação de 100% por longos períodos é inde-
Aquelas que efetivamente iremos utilizar devem sejável em RNPT pela toxidade dos estados hipe-
ficar diluídas e identificadas em seringas de volu- róxicos.
me apropriado. O transporte do RN da unidade A largura do manguito da PAM deve ser igual
de origem até o CC deve ser feito com os cuidados a 40% da circunferência do membro, e o compri-
proporcionais à gravidade e necessidade de cada mento o deve corresponder ao dobro da largura
caso. Os RNPT são geralmente conduzidos em (pode ser colocado na panturrilha). A cateteriza-
isolete aquecida, com fonte de O2 portátil, respi- ção arterial é indicada (após teste de perfusão dis-
rador mecânico ou manual, sob monitorização de tal) quando o paciente está hemodinamicamente
pulso oxímetro, recebendo líquidos por meio de instável, a cirurgia é muito extensa ou se grandes
bureta ou bomba de infusão, acompanhados pelo perdas sangüíneas são esperadas. Neonatos hipo-
neonatologista, enfermeira e auxiliar da unidade. volêmicos devem ser previamente expandidos.
Na sala de operações o RN é colocado delica- A artéria radial direita é preductal, reflete o esta-
damente na mesa cirúrgica e monitorizado com a do ácido básico do sangue que perfunde o cérebro
ajuda do cirurgião ou de outro auxiliar. O sensor do e é preferível quando há shunt D‑E importante e
oxímetro deve ser protegido por um anteparo con- hipertensão pulmonar. A linha arterial deve ser
tra os cotovelos e apoios da equipe cirúrgica para perfundida com SF heparinizado (1 u por ml com
evitar interferências na leitura. Um estetoscópio fluxo de 1 ml/h). Alguns valores de referência são
precordial deve ser fixado de preferência no hemitó- ilustrados na Tabela 16.2.
rax esquerdo para monitorar as bulhas cardíacas e o A medição da PETCO2 na extremidade proxi-
MV do pulmão homolateral. mal da sonda traqueal sofre diluição pelo fluxo de

290 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tabela 16.2 – Parâmetros fisiológicos do RN

Idade FC (bat/m) PA mmHg F. respiratório


Sistólica Diastólica Média (ciclos/min)

RNPT 44 24 33

RNT 120 (100-170) 60 35 45 30 - 40

Nos RNPT podemos utilizar a regra PAM= IG em semanas. Por exemplo, PT com IG de 30 semanas: PAM = 30 mmHg.

admissão dos gases frescos, referindo valores muitos os valores de proteínas plasmáticas totais for menor
inferiores a PaCO2. Para maior fidelidade, são ne- que 5 g/dl ou a albuminemia menor que 2,5 g/dl,
cessárias sondas provistas de canal lateral como as pode-se cogitar administração de albumina a 5%
usadas para administração de surfactante, possibili- em SF na dose de 2 g/kg em 5 a 10 min.
tando amostras do ar da traquéia. Nessas condições, No extremo oposto da desidração, a hiperhidra-
o capnóqrafo, além de refletir o estado respiratório, tação de causa geralmente iatrogênica se manifesta
fornece valiosa informação hemodinâmica8,10,21,31. por veias proeminentes, pele ruborizada, aumento da
PA, diurese maior que 2 ml/kg/h, perda das dobras
PROGRAMANDO A FLUIDOTERAPIA palpebrais, edema de conjuntiva ocular e das alças in-
TRANSOPERATóRIA testinais visíveis durante as laparotomias e nos casos
extremos, sinais de ICC e edema agudo de pulmão.
A água corporal total (ACT) no feto com 25
Os parâmetros que orientam a fluidoterapia
semanas de idade gestacional representa 85% do
transoperatória são pressão arterial, diurese e micro-
peso corporal, em RNT, 80% a 78% e em lacten-
hematócrito mostrados na Tabela 16.3. Em casos
tes, 75%. Ao nascimento, a maior parte da ACT
mais complicados podem ser solicitadas a dosagem
está no compartimento extracelular. Quanto me-
de eletrólitos, a densidade plasmática e urinária,
nor o RN, mais facilmente perde água. As perdas
PVC e PAM invasiva.
insensíveis, principalmente por evaporação em
RNPT extremos, pode chegar a ser 15 vezes maior
Tabela 16.3 – Volemia e hematócrito no RN
que em RNT. Devemos procurar sinais de desi-
Volemia Ht Ht mínimo
dratação: mucosas secas, pele fria e pálida, olhos
aceitável
opacos e encovados, fontanelas deprimidas, oligú-
RNPT 90 a 100 ml/kg 45 (40-60) 35 a 40
ria e hipotensão. Mãos e antebraços frios com a
ausência do pulso radial indicam depleção volêmica RNT 80 a 90 ml/kg 54 (45-70) 30 a 35
de 5% a 10%, toda a extremidade fria e ausência 3 meses 75 ml/kg 35 (28-40) 25
de pulso braquial, déficit de 10% a 15%, tronco
frio e pulso femural impalpável indicam colapso Como referência, é bastante utilizada a padro-
vascular iminente. RN que chega ao CC nessas nização da reposição volêmica transoperatória ba-
condições não deve ser induzido. Precisam inicial- seada nas necessidades basais, no déficit de jejum,
mente de reanimação volêmica de 10 ml de Ringer nas perdas para o 3o espaço, na oferta calórica e na
lactato ou solução fisiológica em 5 a 10 minutos. reposição do sangue perdido.
Se o quadro persistir ou não apresentar uma me- A oferta calórica transoperatória em RN é con-
lhora consistente, a tentativa de expansão volêmica troversa. Os contrários ao fornecimento sistemático
pode ser repetida. Se houver anemia concomitante, de glicose argumentam que as respostas endocrino-
deve-se administrar concentrado de hemácias. Se metabólicas do estresse anestésico cirúrgico predis-

A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 291

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põem à hiperglicemia. Os favoráveis argumentam Bancos de sangue de UTI berçário geralmente têm
que a incidência de hipoglicemia é alta em RN, programa de doador único, com o sangue conser-
particularmente os PT e PIG que têm metabolis- vado em meios e que preservam as hemácias por até
mo cerebral e miocárdico elevado e quase exclusi- 35 dias. A doação autóloga programada não é feita
vamente dependente da glicose. Baseados nos da- em RN e lactentes com menos de 8 kg e o Cellsaver
dos de literatura, parece-nos, mais prudente ofertar não compensa em volemias tão reduzidas19.
uma dose basal de 4 a 8 mg/kg-1/min-1 de glicose Cuidados adicionais na fluidoterapia:
diluída na solução isotônica transoperatória20.
• o calibre do cateter venoso deve ser proporcio-
Com relação a reposição das perdas sangüíneas, nal às perdas operatórias previstas;
cada ml de sangue perdido deve ser reposto com
3 a 4 ml de RL ou SF, ou 1 ml de albumina a 5% • a cânulas de três vias para administração de me-
em SF. Porém o elevado custo, a possibilidade de dicamentos deve estar o mais próximo possível
reações imunológicas e de transmissão de doenças, da veia para diminuir o espaço morto;
embora mínimas, e o aumento da morbimortalida- • em RN deve evitar‑se a mínima entrada de ar; 1
de neonatal associadas ao uso da albumina devem ml EV pode produzir embolia paradoxal com a
restringir sua administração aos casos específicos instalação aguda de desaturação da Hb, arritmias
de hipoproteinemia concomitante. A principal graves, colapso cardiocirculatório e necessidade
função do sangue é o transporte de O2 aos tecidos. imediata de reanimação cardiorrespiratória;
Em condições normais, a taxa de extração tecidual • as medicações EV devem ser diluídas em SF e
de O2 é de 15% a 33% e depende do DC, da re- computadas nos cálculos da reposição.
serva cardíaca da quantidade, do tipo e da satura-
ção da Hb. O valor crítico da Hb que compromete INDUÇÃO ANESTÉSICA
a oxigenação tecidual não é conhecido. Ht e Hb,
embora não sejam o melhor guia de reposição, são A indução anestésica neonatal tem por finalidade
usados na prática para a indicação de transfusão de oferecer condições seguras para a intubação traque-
concentrado de hemácias. Para cirurgias de grande al, fator fundamental para escolher a melhor técni-
porte, principalmente em cardiopatas cianóticos ca de indução e o estado clínico. Em um extremo,
e pneumopatas, recomenda-se um Ht mínimo de RN em péssimo estado geral ou moribundo precisa
40%. Para as cirurgias de médio porte, Ht mínimo de intubação imediata sem droga anestésica e rea-
de 35% e para procedimentos cirúrgicos pequenos nimação cardiorrespiratória e volêmica, com suave
e rápidos Ht de 30% é permissível. Tais valores são introdução dos agentes anestésicos à medida que o
aceitos para RNT. Os RNPT e doentes necessitam estado hemodinâmico for melhorado. No extremo
de Ht mínimo permissível mais elevado, em torno oposto, RN ativos e vigorosos precisam de indução
de 35% a 40%1,5,19. A transfusão sangüínea pode efetiva para evitar picos hipertensivos. Entre esses
ser orientada pela fórmula de Gross modificada, dois extremos, como regra geral, a indução EV (opi-
para estimar a perda máxima permissível de sangue óide, hipnótico e relaxante muscular) oferece maior
(PMPS): estabilidade cardiocirculatória e confiabilidade.
PMPS = Volemia Hti ‑ Htmip Doses habitualmente recomendadas são mostradas
Hti nas Tabelas 16.4, 16.5 e 16.6. Porém, na escolha,
Hti = hematócrito inicial; Htmp = hematócrito mínimo permissível. devem ser considerados outros fatores, como expe-
riência do serviço e do anestesista, disponibilidade
3 ml/kg de concentrado de hemácias transfundido de linha venosa prévia, tempo de jejum, previsão
aumenta em média o Hto em 3% e a Hb em 1 g/dl. de intubação difícil, intenção de evitar a respiração

292 An e s t e s ia Pe diátrica

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controlada sob máscara (HDC e AEFTE) e pro- qüentemente, a metabolização e a depuração das
gramação de extubação ou não no final da cirurgia. drogas podem ser diferentes em cada fase. Apesar
A maioria dos autores recomenda a administração dos conhecimentos científicos ainda incipientes,
prévia de 10 a 20 ug/kg‑1 de atropina. O principal principalmente em prematuros, os agentes EV são
argumento para a administração profilática da atro- utilizados clinicamente em doses semelhantes às
pina é que, uma vez estabelecida a bradicardia, a administradas em crianças maiores com resultados
latência da ação terapêutica é maior10,24. farmacológicos também semelhantes10.
Dos opióides, a morfina não é utilizada rotineira-
mente em RN e o remifentanil ainda precisa ser mais
Tabela 16.4 – Drogas na indução neonatal EV bem estudado nessa população. A administração dos
Droga Dose (mg/Kg) narcóticos em bolus EV pode ser seguida de grave bra-
Propofol 2-5 dicardia, por isso é necessária a administração prévia
ou concomitante de drogas vagolíticas como atropina
Tionembutal 3-7
ou pancurônio. A reversão do bloqueio neuromuscu-
Cetamina 1-2 lar é feita com atropina (20 ug/kg-1) e neostigmina
Etomidato 0,2-0,4 (30 a 70 ug/kg‑1). A monitoração do bloqueio neuro-
Midazolam 0,2-0,3 muscular ainda não é consenso em RN.
O óxido nitroso deve ser evitado nos RNs por-
Tabela 16.5 – Relaxantes musculares tadores de hérnia diafragmática congênita, atresia
Agente Dose EV (mg/kg) de esôfago com fístula, pneumotórax , enfisema lo-
Succinilcolina 2
bar congênito, enterocolite necrosante, onfalocele,
gastroquise e obstruções intestinais.
Venurônio 0,1

Pancurônio 0,1
MANUTENÇÃO DA ANESTESIA
Rocurônio 0,6- 1
Como regra geral, pode ser obtida com a asso-
Atracúrio 0,3-0,5
ciação balanceada de um agente inalatório entre 1
Cisatracúrio 0,1 a 0,5 CAM, mais pequenas doses intermitentes ou
Mivacúrio 0,2 contínuas de opióide ou de um bloqueio espinhal
preferencialmente epidoral, lombar ou sacral. O
Tabela 16.6 – Opióides uso de relaxantes musculares está indicado quan-
Drogas Infusão contínua EV (ug/kg-1/h-1) do um melhor relaxamento abdominal for neces-
Fentanil 1-4 1a3
sário ao bom andamento cirúrgico e a respiração
controlada mecânica.
Sufentanil 0,2-0,1 0,05
A indução inalatória é uma opção quando o RN
Alfentanil 5-15 0,016-0,05
está sem linha venosa estabelecida e a manutenção
Naloxona 0,01-0,1 3-5 da respiração espontânea seja indicada, como nas
deformidades craniofaciais ou situações semelhan-
Os RNPT constituem compartimentos farma- tes que façam prever intubação difícil. Valores da
cocinéticos em constante evolução e modificação. CAM e da concentração inspirada segura durante
Um RNPT de 1.000 g é muito diferente de outro a indução estão ilustradas na Tabela 16.7
de 2.500g e este, de um RNT de 3.200 g. Da mes- Para iniciar a indução, devemos posicionar o RN
ma forma, a maturação hepática e renal e, conse- corretamente e escolher a máscara facial adequada.

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Tabela 16.7 – Agentes anestésicos inalatórios em RN o miocárdio, acelerando o equilíbrio das pressões par-
ciais do agente no sangue arterial, tecidos e sangue ve-
Agente CAM CI máxima durante indução (%)
noso misto e coeficientes de solubilidade sangue/gás
Halotano 0,87 3 tecido/sangue menores em aproximadamente 18% e
Isoflurano 1,6 4 50%, respectivamente, em RN comparado aos adul-
Sevoflurano 3,3 8 tos, devido à maior quantidade de água corporal e à
menor concentração de proteínas e lipídios no san-
gue e nos tecidos. Além de acelerarem a indução, es-
As máscaras muito grandes comprimem os ses fatores diminuem o tempo necessário para que as
olhos e permitem vazamentos. As máscaras peque- altas concentrações administradas durante a indução
nas comprimem o nariz e dificultam a respiração atinjam mais rapidamente concentrações tóxicas no
nasal preferencial em RN. Não devemos apertar miocárdio, conduzindo à profunda depressão cardio-
exageradamente a máscara sobre a face para evitar circulatória4. Para evitar esta grave intercorrência, é
marcas ou hematomas e lesões oculares6. prudente iniciar a indução com baixas concentrações
Os dedos do anestesista não devem pressionar e ir aumentando lenta e gradualmente, observando
as partes moles abaixo da mandíbula, como nos com atenção a FC, a qualidade das bulhas e a satura-
adultos, pois causará obstrução laringotraqueal. ção da Hb. A FC próxima a 100 bpm, bulhas abafa-
das e discreta desaturação da Hb mesmo com FiO2 >
Geralmente na indução inalatória é utilizado o
0,4 indicam perigosa redução do DC. A CI do agente
duplo T de Ayre em posição de Mapleson D, FAG de
halogenado deve ser diminuída imediatamente e a in-
3 a 4 l/min de uma mistura de O2 com óxido nitroso
dução, prosseguida mais lentamente.
ou ar medicinal. Esse sistema permite RE e ventila-
ção assistida ou controlada. Se, durante o processo, Devemos lembrar que todos os halogenados são
houver obstrução das vias aéreas, acusada pela des- depressores cardiocirculatórios dose-dependen-
coordenação dos movimentos da caixa torácica com te, diminuem a FC, a PA, a fração de ejeção e o
o balão reservatório, a oclusão parcial, do orifício de debito cardíaco mais rápida e profundamente em
escape do T distal, cria uma pressão positiva dentro RN. Estudos experimentais e clínicos sugerem que
do sistema. Esse “CPAP” geralmente é suficiente para a cardiodepressão ocorra na seqüência halotano >
restituir a permeabilidade das vias aéreas23. isoflurano > sevoflurano; por sinal, seqüência se-
Os halogenados mais adequados para a indução melhante à potência anestésica11,12,23.
ina!atória são o halotano e o sevoflurano, por seu O halotano predispõe a arritmias ventriculares
odor agradável e não irritante. Com os demais éteres, graves em situações de hipercabia e excessos de ca-
enflurano, isoflurano e desflurano, a ocorrência de tecolaminas circulantes23.
tosse, salivação, laringo e broncoespasmo é significa- O sevoflurano é o agente com menor potencial
tivamente maior. A CAM desses agentes em RNPT arritmogênico21.
é menor que em RNT e nestes, menor que no lac-
tente de 6 meses. As concentrações alveolares (CA) INTUBAÇÃO TRAQUEAL (IOT)
dos anestésicos inalatórios em RN aproximam-se das
concentrações inspiradas (CI) mais rapidamente que A IOT é sistemática em RN e lactentes menores,
em adultos, o que se traduz clinicamente por induções nos quais as características anatômicas dificultam a
mais rápidas11,12,22,23,25. Isso se deve à concomitância de manutenção da permeabilidade das vias aéreas sob
quatro fatores: maior relação ventilação alveolar/CRF máscara facial, a não ser para procedimentos de al-
(5:1 no RN x 1,5:1 no adulto), maior fração do DC guns minutos. A ventilação controlada sob másca-
aos tecidos ricamente vascularizados como o SNC e ra facial inevitavelmente insuflará ar no estômago,

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aumentando assim a pressão intrabdominal e difi- Tabela 16.8 – Escolha da cânula traqueal
cultando as incursões diafragmáticas.
Peso do RN (g) Diâmetro interno Marca até o lábio
Na técnica inalatória pura, o RN em plano ade- (mm) superior (cm)
quado de intubação respira regulamente com tênue Abaixo de 1.000 2,5 7
dissociação tóraco-abdominal (respiração paradoxal
Entre 1.000 e 2.000 3,0 8
externa devido a relaxamento intercostal e predomi-
nância diafragmática). Nessa circunstância apresen- Entre 2.000 e 3.000 3,5 9
tam pupilas centralizadas discretamente mióticas e Acima de 3.000 3,5-4 10
musculatura esquelética relaxada. Em uma das na- Diâmetro interno aproximado do tubo em mm e distância da
rinas podemos introduzir um cateter de nelaton no extremidade distal do tubo até o lábio superior em RN.
8 até a rinofaringe (distância tragus‑narina homola-
teral) ligado a uma fonte de O2 (2 a 3 l/min) para O objetivo da inserção da lâmina do laringos-
manter uma FiO2 elevada durante a laringoscopia. cópio é deslocar a língua para trás e posicionar sua
ponta na valécula, para visualizar a glote após uma
Durante a anestesia venosa obtém‑se o relaxa-
discreta elevação.
mento muscular com o uso de relaxantes muscula-
res e discreta hiperventilação alguns segundos antes A manobra incorreta em alavanca, além de não
da laringoscopia. A lâmina utilizada preferencial- permitir a visão ideal, pode lesar as gengivas e os
mente é a reta de Miller 00 para RNPT extremos e alvéolos dentários, afetando a futura dentição6.
0 ou 1, para RN com mais de 1.000g e lactentes. Em RNT e particularmente RNPT com a larin-
A cânula traqueal deve ser estéril, descartável, ge mais cefálica e anteriorizada, uma discreta pres-
fabricada em material não irritante e possuir diâ- são externa pode auxiliar na visualização.
metro interno uniforme sem qualquer afunilamen- A não-visualização da glote possui três causas.
to em sua extremidade distal. Primeiro, introdução da lâmina além da valécula;
Cânula com diâmetro não uniforme, tipo Cole, segundo, introdução insuficiente, visualizando ape-
pode dificultar a visualização da glote e criar tur- nas a língua, e terceiro, localização lateralizada da
bilhonamento do ar inspirado com aumento da lâmina. O posicionamento correto do RN e a boa
resistência dinâmica6. noção de linha média são necessárias para a IOT.
As cânulas neonatais devem ter uma marca escu- As tentativas devem restringir‑se a 20 segundos ou
ra para ficar localizada no nível das cordas vocais. menos se o oxímetro acusar desaturação. Então,
O comprimento da traquéia no prematuro (cer- deve-se parar, ventilar, adequar o plano anestésico
ca de 3 cm) é menor do que no recém-nascido a e proceder nova tentativa ou solicitar ajuda.
termo (5‑6 cm). Dessa maneira, à medida que au- Visualizada a glote e reconhecida suas estruturas
menta o diâmetro da cânula, a distância entre o anatômicas, deve-se introduzir a cânula pelo lado
marcador das cordas vocais e a extremidade distal direito da boca, até o marcador de cordas vocais,
das cânulas também torna-se maior6. mantendo o olhar fixo na glote6.
A extensão da cânula (em cm) que deve ser in- Completada a intubação, fixar firmemente a
troduzida ate o nível do lábio superior pode ser cânula com os dedos polegar e indicador direito
obtida somando-se 6 ao peso do RN em kg (Ta- contra a gengiva superior e retirar cuidadosamente
bela 16.8). a lâmina da boca. Conectar a cânula ao duplo T de
Cortar a cânula na marca dos 13 cm facilita a Ayre e ventilar suavemente.
manipulação e a fixação e diminui a resistência ao A boa saturação da Hb, a curva de CO2 expira-
fluxo aéreo e a possibilidade de acotovelamento. tório e a expansão torácica simétrica são sinais de

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intubação correta. A confirmação é feita pela aus- sem sedação EV ou então substituir o aparelho da
culta pulmonar de hemitórax e simetria bilateral UTI pela ventilação controlada manual ou pelos
do MV. Para a fixação da cânula, usamos material modernos ventiladores microprocessados adaptados
aderente confiável. A confirmação auscultatória bi- ao paciente neonatal. Esses aparelhos são capazes de
lateral deve ser repetida após a fixação do tubo e liberar concentrações constantes e conhecidas do
de mudanças do posicionamento cirúrgico, pois a agente em volumes correntes diminutos, freqüên-
traquéia muito curta predispõe tanto a extubação cias elevadas e baixos fluxos de admissão com discre-
acidental quanto a intubação seletiva, preferencial- ta conservação da umidade e calor do ar expirado e
mente do broquiofonte direito. menor poluição. Em RN e lactentes com menos de
As complicações imediatas da manobra de intu- 10 kg, recomenda‑se fluxo de admissão entre 150
bação traqueal são desaturação do Hb, bradicardia, a 250 ml/kg/min com a modalidade de ventilação
taquiarritmias, pneumotórax, contusões e lacera- controlada a pressão, na qual o VT não é predeter-
ções da cavidade oral, laringe, faringe, traquéia e minado, e sim a pressão inspiratória, com a vanta-
esôfago, além de contaminação. Todas elas são evi- gem teórica de fazer chegar um fluxo de gazes mais
táveis por uma técnica correta6. homogêneo para todas as unidades alveolares apesar
das resistências e complacências diferentes. Deve-se
A cânula de Guedel é raramente utilizada em RN.
adicionar um PEEP de 4 a 8 cm de água e FiO2
Podem ser úteis quando houver obstrução na- menor possível para manter a saturação da Hb entre
sal, atresia de coanas ou deformidades craniofaciais 89% e 95%, principalmente em RNPT.
de Pierre Robin ou Treacher Collins. A inserção
Os ajustes de tempo inspiratórios e expiratórios,
da cânula bem lubrificada direta é feita sem a ne-
platô e pressões inspiratórias devem ser feitos indivi-
cessidade de ser invertida dentro da cavidade oral,
dualmente, de acordo com os recursos de cada apa-
como nas crianças maiores e adultos6.
relho e a condição fisiopatológica de cada pulmão.
VENTILAÇÃO INTRA‑OPERATÓRIA Em RN vigorosos que respiram espontaneamen-
te, que receberam anestesia condutiva e anestesia
O conjunto de fatores anatomofisiológicos des- inalatória superficial sem relaxantes musculares nem
favoráveis com relação a respiração neonatal impõe opióides endovenosos, pode ser utilizada a moda-
a obrigatoriedade de ventilação assistida ou contro- lidade SIMV‑P, na qual, por meio de um gatilho
lada durante anestesia geral. O duplo T de Ayre, predeterminado, o próprio RN dispara o ciclo res-
avalvular conhecido como sistema de Baraka, é sim- piratório, em sua freqüência fisiológica. Se no trans-
ples, barato, eficiente, com baixa resistência interna, correr da anestesia ocorrer depressão respiratória, o
mas com desperdício de calor, umidade e vapores aparelho mantém uma freqüência basal preestabe-
anestésicos e conseqüente poluição ambiental. Na lecida. Essa modalidade acelera a transição VCRE
configuração “D” de Mapleson, semelhante ao de extubação em RN ativos, estáveis e acordados.
Jackson‑Rees, a entrada do FAG se faz pelo T pró- Entretanto, os RN que já estavam intubados
ximo ao doente e deve corresponder pelo menos ao na UTI, aqueles que receberam altas doses de opi-
dobro do volume-minuto alveolar, para evitar reina- óides no transoperatório e que tenham menos de
lação de CO225. 44 semanas de IPC, assim como qualquer RN he-
Os RN já intubados, na UTI, são geralmente modinâmica, infecciosa, hematológica, metabólica
ventilados por aparelhos sem entrada para os vapo- ou neurologicamente instável, devem ser mantidos
res anestésicos. As opções, nesses casos, são conti- intubados e sob assistência ventilatória mecânica,
nuar com o mesmo aparelho e administrar aneste- para ser extubados posteriormente na UTI neona-
sia venosa total, realizar anestesia espinhal com ou tal, de acordo com protocolos que levem em conta

296 An e s t e s ia Pe diátrica

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estado clínico e gasométrico (PaO2 > 60, PaCO2 e de aumentar discretamente a reduzida pressão li-
< 50, PH > 7,25) após período de suporte respira- quórica, facilitando o escoamento do LCR. O ri-
tório mínimo (FiO2 = 0.4, Pins > 20 cm de água, gor da anti‑sepsia deve ser redobrado. A punção é
PEEP ≤ a 4 e freqüência > 20)1,2-5. realizada entre L4‑L5 ou L5‑S1, de preferência com
Também fazem parte do protocolo de extuba- agulha Quincke no 25G de 2,5 cm de comprimen-
ção pausa alimentar prévia, aspiração gástrica, ad- to. O calibre relativamente grande é para facilitar o
ministração de corticosteróide, cafeína e instalação gotejamento do LCR. Em RN, o liquor pode ser
de CPAP nasal logo após a extubação. O objetivo levemente xantocrômico por ter mais elementos
dessas medidas é diminuir a necessidade de reintu- celulares. Segundo a literatura mais recente, o AL
bação1. mais utilizado é a bupivacaína hiperbárica a 0,5%,
na dose de 0,5 a 1 mg/kg, previamente preparada
ANESTESIA REGIONAL NEONATAL em seringa milimetrada de insulina. A dose de AL é
mais elevada, porque é diluída em um volume liquó-
A anestesia condutiva por meio de um anesté- rico maior (4 ml/kg) e removida mais rapidamen-
sico local (AL) corretamente depositado no trajeto te pela circulação hiperdinâmica do RN. A injeção
das vias aferentes nociceptivas em nível periférico deve ser lenta (20 segundos); uma vez concluída,
ou central é a forma mais eficiente de impedir a deve‑se esperar 5 segundos antes de retirar a agulha.
dor, operatória e suas conseqüências neurovegeta- Esse tempo é necessário para que o AL se dilua ho-
tivas e endocrinometabólicas. mogeneamente no LCR e se evite perda do agente,
A colocação de uma pequena quantidade de por refluxo através do pertuito da agulha. A seguir,
EMLA restrito ao local da punção e tamponado deixar o RN em DD com discreto céfalo-proclive
por 60 a 90 minutos de antecedência, a adminis- entre 10 e 30 graus, dependendo do nível anestésico
tração oral de 2 ml de glicose a 12,5% de glicose 3 desejado. Nos primeiros 5 minutos, evitar manipu-
minutos antes da punção e a contenção firme para lações que possam favorecer a difusão rostral do AL.
a realização de anestesia locorregional pode ser a Nesse intervalo, podemos completar a monitoriza-
solução mais simples e segura para muitos casos. ção colocando o sensor do oxímetro e manguito da
A raquianestesia (RA) em RN ganhou grande PA nos membros inferiores e instituir outra linha
popularidade após os relatos de Abajiam em 1984. venosa se for necessário. A principal desvantagem
É indicada para cirurgias infradiafragmáticas e da RA é a sua curta duração (em torno de 70 minu-
mais especificamente infra-umbilicais com dura- tos) e a ausência de analgesia pós‑operatória residu-
ção prevista inferior a 60 minutos. É especialmente al3,7,13,15. Mais recentemente, para grandes cirurgias
interessante em RNT, RNPT e ex‑prematuros com tóraco-abdominais tem sido administradas doses
idade pós concepcional (PC) menor que 44 sema- de 2 mg/kg de bupivacaína e 7 mg/kg de morfina
nas, que tenham algum grau de comprometimento com bons resultados intra e pós-operatórios em RN
respiratório, nos quais a RA pura diminui signifi- e lactentes sob rigorosa observação em unidades de
camente, mas não suprime a ocorrência de apnéia terapia intensiva neonatal.
pós‑operatória. Existem também relatos de RA em O reconhecimento dos espaços intervertebrais
RN e lactentes anestesiados intubados e ventilados em RN é facilitado pela curvatura única de conve-
para toracotomias e cirurgia cardíaca. xidade posterior da coluna, pelas apófises espinho-
A posição para a punção pode ser em decúbito sas mais horizontalizadas e pela escassez de gordu-
lateral, ou sentada, com uma máscara de O2 perto ra e músculos. A abordagem do espaço peridural
do rosto do RN. A posição sentada tem a vanta- pode ser em nível sacral ou caudal (mais popular
gem de melhor exposição e noção de linha média e recomendada), intersacral (graças à não-com-

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pactação dos corpos vertebrais sacrais) e lombar. ções de AL (por exemplo, bupivacaína a 0,125%) e
A anestesia peridural torácica é técnica de exceção a notável cardioestabilidade, mesmo com bloqueio
e requer experiência, habilidade e indicação clínica simpático extenso. As causas da boa preservação da
precisa3,7. Na realização da anestesia peridural em PA, FC e DC são tônus simpático basal menor, cir-
RN e lactentes, utilizamos o dispositivo neonatal culação do tipo central com menor represamento
peridural desenvolvido em nosso meio por Kataja- da volemia nos membros inferiores anestesiados e,
ma e Benitez, indentificamos o espaço pelo perda segundo estudos eletrofisiológicos de Oberlanden et
de resistência com ar, administramos bupivacaína a al., a uma inibição reflexa do sistema parassimpático
0,125% com adrenalina 1:800.000 e adicionamos vagal na vigência de bloqueio simpático3,7.
10 a 20 mg de morfina.
A anestesia peridural em recém‑nascidos tem
A anestesia peridural caudal em RNPT com me- vários aspectos polêmicos que dizem respeito à
nos de 2.500 g pode não oferecer a mesma facili- possibilidade de lesão neurológica, à falta de agu-
dade e segurança própria da técnica em lactentes e lhas de tamanho adequado e ao maior risco de
pré‑escolares em virtude das variações anatômicas da embolia gasosa paradoxal, de intoxicação sistêmica
região sacral em franco desenvolvimento e pelo fato com grave depressão cardiorrespiratória, por sobre-
de a medula e suas meninges ocuparem uma exten- dose ou injeção intravascular inadvertida de anes-
são maior e mais caudal dentro do canal vertebral. tésico local, particularmente da bupivacaína. Para
Conseqüentemente, a distância entre a pele do hia- minimizar esses riscos, devemos obedecer às regras
to sacro e o fundo do saco dural pode ser mínima,
recomendadas na Tabela 16.9.
com maior probabilidade de punção subaracnóidea
acidental. No entanto, existem relatos na literatura
internacional de introdução de cateter peridural e SALA CIRÚRGICA NA UTI NEONATAL
seu posicionamento em níveis torácicos, através de Muitos RN críticos são absolutamente depen-
uma punção sacral para analgesia trans e pós‑opera- dentes de cuidados intensivos avançados e assistên-
tória em cirurgia cardíaca de RN e lactentes7. cia ventilatória em modalidades específicas, como,
Na abordagem lombar, a distância entre a pele ventilação em alta freqüência (VAF) com adição de
e o espaço peridural pode ser de apenas 0,5 cm em óxido nítrico, drogas vasoativas, antibioticoterapia,
RNPT. Duas características clínicas favoráveis devem alimentação parenteral, rigoroso controle térmico
ser destacadas: a necessidade de mínimas concentra- e assim por diante.

Tabela 16.9 – Regras para a realização da anestesia


peridural em RN e Iactentes Tabela 16.10 – Prematuridade
1. Usar material adequado. Prematuridade IG em semanas
2. Ter experiência com adultos e crianças menores.
3. Se possível, evitar bloqueadores neuromusculares antes da Limítrofe 36 a 37
realização do bloqueio.
Moderada 31 a 35
4. Aspirar suavemente antes de injetar o AL.
5. Administrar dose-teste (solução com adrenalina 1:400.000) Severa Menos que 30
e esperar 30 segundos.
6. Injeção lenta da dose total em 60 a 90 segundos. De acordo com o peso do nascimento em gramas
7. Realizar aspirações durante a administração do Al.
RNPT de baixo peso Entre 2.500 e 1.500
8. Desistir da técnica após três tentativas ou ante qualquer
dúvida ou problema. RNPT de muito baixo peso Entre 1.499 e 1.000
9. Ter consentimento informado dos pais.
10. Respeitar as contra-indicações. RNPT extremo ou fetal 999 a menos

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O simples deslocamento desses pacientes até o taxa de utilização cerebral de glicose é quatro vezes
centro cirúrgico pode quebrar o frágil equilíbrio superior ao do adulto e pode corresponder a 90%
orgânico obtido e preservado na UTI e influir ne- de toda a glicose que seu fígado seja capaz de pro-
gativamente no trans e pós-operatório1. duzir.
A nova tendência dos centros de excelência é dis- Tradicionalmente são consideradas hipoglice-
por de um espaço dentro da UTI neonatal com todos mia (que exige imediato tratamento) taxas meno-
os recursos da unidade, que possa ser transformada res que 20 mg/dl em RNPT, 30 mg/dl em RNT
rapidamente em sala cirúrgica. Os RN críticos poten- e 40 mg/dl em lactentes; mas, como o limite da
cialmente cirúrgicos são cuidados nesse espaço. Se a glicemia sob o qual ocorre dano cerebral não é co-
indicação cirúrgica for confirmada, a equipe anestési- nhecido, a oferta de glicose deve ser iniciada em
co‑cirúrgica se desloca até a unidade e realiza a opera- RN, quando a glicemia for menor que 40 mg/dl.
ção sem descontinuidade entre o pré, trans e pós‑ope- As principais situações associadas a hipoglice-
ratório e com as melhores condições possíveis. mia são prematuridade e hipodesenvolvimento
intra‑uterino (PIG); nesse grupo a incidência pode
PREMATURIDADE chegar a 67%.
A prematuridade é a principal causa de mor- Nos RN de mãe diabética, macrossômicos, por-
bimortalidade neonatal, responsável por 75% dos tadores de eritroblastose fetal, de mães que recebe-
óbitos quando se excluem as malformações1. Se- ram tocolíticos beta-adrenégicos, podem apresen-
gundo a Academia Americana de Pediatria, RNPT tar hipoglicemia por hiperinsulinismo induzido.
é aquele que nasce antes de completar 259 dias, ou Todos os RN de risco devem receber uma oferta
seja, 37 semanas e 6 dias. Segundo a OMS, antes basal de glicose entre 4 a 8 mg/kg/min. Os RNPT
da 37a semana de gestação. O cálculo é feito a par- com hipoglicemia laboratorial ou sintomática de-
tir do primeiro dia da última menstruação normal. vem receber 2 ml/kg de glicose a 10% lentamente,
RNPT de acordo com o PN (peso ao nascimento) em 2 a 5 minutos, para evitar aumento brusco da
podem ser classificados em RNPT de baixo peso, osmolaridade plasmática.
quando o PN é inferior a 2.500 g, de muito baixo Hiperglicemia significa glicemia maior que 120
peso com PN < 1.500 g e de baixo peso extremo mg/dl.
(RNPT-E), com PN < 1.000 g. Sua causa é geralmente iatrogênica, por admi-
nistração de dextrose, nutrição parenteral, dexame-
QUADROS FISIOPATOLÓGICOS tazona, teofilina e dopamina entre outros.
FREQüENTES EM RNPT O rim neonatal tem um limiar menor para
Distúrbios da glicose filtração glomerular da glicose. A hiperglicemia
produz glicosúria, diurese osmótica, desidratação,
RNPT têm reservas diminuídas de carboidra- perda de peso, febre, cetose, acidose metabólica e
tos, gorduras e proteínas. Os processos de glico- maior risco de hemorragia intracraniana. Estudos
genólise e neoglicogênese em resposta ao cortisol, experimentais e clínicos sugerem que a hipergli-
glucagon e catecolaminas, para a manutenção da cemia piora as lesões sofridas pelo EMC durante
glicemia, são limitados e apresentam maior risco episódios hipóxicos. O tratamento da hiperglice-
de hipoglicemia. mia em RN deve ser cauteloso pelo risco de induzir
O cérebro utiliza a glicose pela via oxidativa hipoglicemia severa de difícil controle.
independentemente da insulina. O RNPT‑E tem Na hiperglicemia prolongada, deve-se adminis-
relação cérebro/peso corporal muito elevada. Sua trar insulina diluída em SF em infusão contínua

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de 1 mU/kg/mim. Se necessário, aumentar até 2 co congelado (PFC), que deve ser compatível ou,
mU/Kg/mim e manter controle rigoroso da glice- em situações de emergência, ser do grupo AB RH
mia entre 100 e 150 mg/dl1,2,5. negativo 10 a 15 ml/kg de PFC aumenta a ativida-
de dos fatores de coagulação em 30%.
Anemia O crioprecipitado está indicado na hemofilia, do-
ença de von Willebrand e na hipofibrinogenemia.
Nos RNPT ocorrem queda do Ht por hemodi-
luição devida ao aumento do líquido intravascular Com relação às plaquetas, o número normal em
durante a fase de crescimento rápido, menor sobre- RNPT é o mesmo que em adultos (150 a 450 ml/
vida das hemácias, menor nível de eritropoietina cm3). A trombocitopenia em RNPT é freqüente.
(reduzida ainda mais pela oxigenação ao nascimen- As causas mais comuns são trombocitopenia auto-
to) e menor reserva de ferro quando comparado ao imune ou aloimune, sepse, CIVD, enterocolite ne-
RNT. O resultado é a anemia da prematuridade crotizante, RN de mãe que apresentou síndrome
com valores de 7 a 8 g/dl de Hb e reticulopenia que HELLP e síndrome de Kassabach‑Merrit (coagulo-
pode durar até a 40a semana de idade pós-concep- patia de consumo associada a hemangioma)1,2,5.
cional (IPC). A anemia da prematuridade, diferen- Trombocitoastenia pode ser causada pelo trata-
te da anemia fisiológica do lactente, é tanto mais mento com indometacina e doença de Glassman19.
profunda e precoce quanto menor a idade gesta- RNPTMBP e extremos têm maior propensão
cional (IG). Outra causa importante de anemia a hemorragia periintraventricular. A administração
pré‑operatória é a espoliação freqüente e constante “profilática” de plaquetas quando a contagem for
para os exames laboratoriais1. menor que 30.000 em RNPT estáveis, ou menor
A eritropoietina recombinante humana após que 50.000 em RNPT instáveis ou que irão ser
duas semanas de tratamento para a anemia da submetidos a procedimentos invasivos de pequeno
prematuridade reduz o número e os volumes das porte como punção lombar, ou menor que 100.000
transfusões19. Os RNPT toleram menos a anemia para os RNPT programados para cirurgias de gran-
aguda devido ao elevado consumo de O2, FC mui- de porte, é controversa. Quando indicada, a dose
to elevada, volume de ejeção sistólica praticamente é de 10 ml de concentrado de plaquetas/kg com e
fixa, com mínimas condições de aumento adicional posterior controle laboratorial19.
do DC e a HbF com menor liberação de O2 aos te-
cidos. Por isso, o Ht mínimo permissível pré-ope- Toxidade do oxigênio
ratório em RNTP deve ser entre 35% e 40%1,2.
A natureza provê uma FIO2 de 0,2. Várias si-
Alterações da coagulação tuações clínicas exigem oferta adicional. Esse uso
medicamentoso do O2 não está livre de efeitos co-
Normalmente os fatores anticoagulantes predo- laterais, particularmente em RNPT.
minam sobre os fatores pró-coagulantes. O oxigênio ofertado em excesso, por ação da
Em RNPT, a deficiência na absorção das vitami- enzima xantina-oxidase, reage com as hipoxanti-
nas lipossolúveis, particularmente da vitamina K, re- nas, formando radicais livres de O2 (superóxido,
duz os níveis dos fatores II–VII–IX-X, fibrinogênio peróxido de H2, radicais peróxido) que inibem a
e protrombina. Daí a necessidade de administração síntese de proteínas e do DNA, oxidam elementos
materna de 10 mg de Vit K, IM antes do parto, ou intracelulares e promovem peroxidação lipídica da
da injeção intramuscular de 0,5 mg ao RN. membrana com lesão e destruição celular e tecidu-
Para correção de sangramento microvascular al, participando na patogenia de doenças que aco-
com TP maior que 1,5 está indicado o plasma fres- metem pulmões, cérebro e outros sistemas. O feto

300 An e s t e s ia Pe diátrica

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desenvolve seu sistema antioxidante (catalases glu- no e da elastina e enfisema pulmonar. O conjunto
tationa reductase etc.), e os varredores de radicais resulta em aumento da resistência, diminuição da
livres (vitaminas E, A e C, betacaroteno e glutatio- complacência e aumento do trabalho respiratório e
na), somente nas últimas semanas de gestação. do consumo de O2, que passa de 10% do metabo-
RNPT, além de enfrentarem prematuramente lismo basal a 25% ou mais. Nos casos mais graves,
as concentrações mais elevadas de O2, carecem dos ocorre hipóxia, hipertensão pulmonar, hipertrofia
elementos bioquímicos para neutralizar os radicais do ventrículo D, cor pulmonar e óbito1,2,5.
livres e ficam mais desprotegidos contra as ações
potencialmente tóxicas do O2, que também atua Síndrome de desconforto respiratório (SDR)
diretamente sobre o parênquima pulmonar, pro-
Também conhecida como doença da membra-
duzindo edema alveolar e inibição da síntese e do
na hialina (DMH), resulta da combinação básica
ciclo do surfactante, microatelectasias e alteração
de déficit de surfactante (produção, quantidade,
da relação V/Q.
recaptação, reciclagem e função) superposto a um
Pelo exposto, fica claro que o O2 deve ser ad- pulmão estruturalmente imaturo com maior per-
ministrado com cuidado e na dose certa. A FIO2 meabilidade endotelioalveolar a proteínas e ede-
oferecida deve ser suficiente para manter a Sat da ma pulmonar que, em um ciclo vicioso, inativa os
Hb entre 89% e 95%, o que corresponde a um surfactantes exógeno e endógeno. A quantidade
PaO2 entre 55 e 70 mmHg1,2. do surfactante no RNPT é bastante inferior ao do
RNT que nas 36a e 37a semanas teve sua produ-
Displasia broncopulmonar (DBP) ção e estocagem significativamente aumentados. O
Também denominada doença pulmonar crô- surfactante é sintetizado nos pneumócitos do tipo
nica, é basicamente a conseqüência da introdução II, secretados por exocitose pelos corpos lamelares
da assistência ventilatória que insufla volumes e para o interior dos alvéolos, que ficam revestidos
pressões inspiratórias, em um pulmão histológica, por uma fina monocamada conhecida como mie-
anatômica e funcionalmente imaturo, no qual eta- lina tubular com alta capacidade de deformação e
pas do desenvolvimento normal são atropeladas, de adaptação às variações do tamanho alveolar em
resultando na distorção da arquitetura funcional cada ciclo respiratório. Fragmentos desprendidos
pulmonar. As características clínicas mais impor- são recaptados por endocitose; parte deles é reci-
tantes da DBP são a prematuridade e a necessidade clada. Esse mesmo processo dinâmico e contínuo
de suplementação com O2, aos 28 dias de vida pós- ocorre com o surfactante exógeno, que, uma vez
natal, ou de 36 semanas de IPC. administrado, é rapidamente incorporado ao ci-
clo, não sendo mais recuperado por aspiração. Nos
A ventilação controlada mecânica pode oca-
pneumócitos secretores, o surfactante exógeno so-
sionar hiperdistenção pulmonar com volubaro-
fre adição de componentes endógenos, que o tor-
trauma, em decorrência da diferença entre as vias
nam mais eficiente que o original. Esse processo é
aéreas terminais de elevada complacência e os al-
denominado ativação do surfactante exógeno1,2,5.
véolos imaturos, colabados e menos complacentes.
Pressões adicionais de insuflação levam a ruptura Asfixia neonatal, diabetes materna mal contro-
dos bronquíolos terminais e enfisema intersticial. lada e sexo masculino predispõem a DMH.
Somam‑se outros fatores fisiopatológicos, como Ao exame físico, observamos intenso esforço res-
toxidade do oxigênio, processo inflamatório, lesão piratório com utilização dos músculos acessórios,
endotelial, edema alveolar por extravasamento de retração da fúrcula e gemido expiratório na tentati-
macromoléculas plasmáticas, destruição do coláge- va de aumentar o PEEP natural e preservar a CRF.

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A imagem radiológica mostra hipoaeração pul- A respiração apnéica, episódio apnéico ou respi-
monar global, em virtude das microatelectasias e ração periódica é uma modalidade menos grave. A
do infiltrado difuso. Com o agravamento da doen- apnéia tem duração inferior a 20 segundos e não se
ça, aparecem broncograma aéreo e apagamento da acompanha de bradicardia nem de cianose.
silhueta cardíaca. Os RNPT e os ex‑prematuros com menos de 44
O tratamento consiste na IOT para administra- semanas de IPC apresentam maior risco de apnéia
ção precoce de surfactante exógeno, manutenção ou pausas respiratórias no trans e pós‑operatório
da intubação pelo menor tempo possível e poste- imediato25.
rior suporte com CPAP. Todos os agentes inalatórios e endovenosos (opi-
O uso do corticóide antenatal é de extrema va- óides, benzodiazepínicos, propofol e cetamina) exa-
lia, melhora a síntese e a reciclagem do surfactante cerbam um ou mais mecanismos da apnéia da pre-
e diminui a permeabilidade alveolocapilar e o ede- maturidade e aumentam significativamente sua inci-
ma pulmonar. dência até 24 horas após a exposição, com picos nas
O efeito começa muito rapidamente. Oito horas primeiras 12 horas. Alguns autores consideram que
após a administração materna já é evidente no feto, o risco maior se estenda até a 60a semana de IPC4.
mas o ideal é que seja entre 24 e 48 horas antes do Estudos não-conclusivos sugerem que o risco é
nascimento. É importante ressaltar os benefícios da menor após anestesia condutiva pura3.
corticoterapia antenatal na prevenção da enteroco- A infusão de 10 mg/kg de cafeína imediatamen-
lite necrotizante, hemorragia periintraventricular, te após a indução anestésica diminui a incidência de
retinopatia e apnéia da prematuridade1. apnéia pós‑operatória em exprematuros com me-
nos de 44 semanas de IPC. Recomenda-se retardar
Apnéia da prematuridade procedimentos eletivos até completar pelo menos
44 semanas de IPC. Deve-se contra‑indicar a anes-
É a parada respiratória por 20 segundos ou tesia ambulatorial nesse grupo de exprematuros e
mais, acompanhada de bradicardia e cianose. Sua corrigir previamente anemias com Ht menor que
freqüência é maior quanto menor a IG (25% em 30%, hipotermia, hipoglicemia e outros distúrbios
RNPTBP e 80% em RNPT extremos). Pode ocor- orgânicos que possam causar ou potencializar a ap-
rer sem nenhuma patologia associada e deve-se a néia. Os movimentos respiratórios, a saturação da
imaturidade do centro respiratório bulbar, dos Hb e a FC devem ser monitorados pelo menos nas
quimiorreceptores centrais e periféricos, incoorde- primeiras 12 horas de pós‑operatório9,11,23.
nação dos músculos da laringe e faringe, instabili-
dade mecânica da caixa torácica e exacerbação dos Hemorragia intra e periventricular (HIPV)
reflexos faríngeos e das vias aéreas por estímulos
químicos ou mecânicos, provocando obstrução2. É uma complicação comum e de elevada taxa de
A apnéia da prematuridade contribui signifi- mortalidade em RNPT com menos de 32 semanas
cativamente para a mortalidade em RNPT e está de IG.
associada a relatos de morte súbita. Há um compo- Na fisiopatologia, participa a matriz germinati-
nente puramente central (ausência de estímulo, de va, que é um tecido imaturo composto por células
esforço, de movimento da caixa torácica e de fluxo germinativas precursoras de neurônios e elementos
ventilatório) e um componente obstrutivo (há es- da glia, sustentados por tecido conjuntivo frouxo
forço inspiratório sem entrada de ar). Em 75% dos ricamente vascularizado, localizado no sulco tála-
casos a apnéia é mista, com obstrução seguida de mo caudado no assoalho dos ventrículos laterais.
apnéia central23. Com a maturação fetal, as células germinativas mi-

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gram para as zonas mais superiores do encéfalo. Em configurados, mas só atingem a completa matura-
RNT encontram‑se apenas resquícios da matriz. ção por volta da 40a semana de IPC.
A principal característica da circulação cerebral O nascimento prematuro, particularmente antes
em RNPT é a deficiente auto-regulação do fluxo da 32a semana, e o aumento da PaO2, quando utili-
sangüíneo, que aumenta linearmente com a hiper- zados FIO2 muito elevados, levam à formação de pe-
tensão arterial, hipóxia, hipercarbia, hipervolemia róxidos que inibem a formação do FCE, interrom-
e aumento rápido da osmolaridade plasmática. To- pendo a vasogenese normal, induzindo à produção
dos esses fatores tendem a romper os frágeis vasos anárquica dos vasos retinianos que se tomam dilata-
sangüíneos da matriz germinativa e produzir HIPV, dos e tortuosos e levando a ROP e à cegueira1,2.
que pode ficar restrita ao local, invadir parcial ou O tratamento consiste na crioterapia ou na abla-
totalmente os ventrículos laterais ou todo o parên- ção da retina periférica com laser sob anestesia geral.
quima cerebral1,2,23.
O quadro clínico é inespecífico e vai desde a Enterocolite necrosante (ECN)
ausência de sinais até choque, estupor, coma e
morte. É a emergência gastrointestinal mais comum no
No extremo oposto da HIPV está a leucoma- período neonatal, com mortalidade entre 30% e
lasia multicística periventricular, que ocorre em 40%.A prematuridade é o fator predisponente pri-
RNPT que sofreram graus intensos de hipóxia mário. Quanto menor o peso ao nascimento, maior
e/ou isquemia cerebral, resultando em lesões císti- a incidência. Há imaturidade do aparelho digestivo
cas irregulares na substância branca periventricular na função de barreira, na motilidade, na digestão
dos hemisférios cerebrais. Em 90% está associada a luminal e na função imunológica com secreção di-
seqüelas neurológicas. minuída de lgA. Outros fatores identificados clí-
Tanto a leucomalasia com a HIPV podem ser nica e experimentalmente são os radicais livres do
diagnosticadas pela ultra-sonografia transfontane- oxigênio e da produção endógena de mediadores
lar à beira do berço, sem emissão de radiação nem inflamatórios, como o fator de necrose tumoral
necessidade de sedação. alfa, e o fator ativador de plaquetas, que alteram a
dinâmica circulatória local com edema da mucosa,
Retinopatia da prematuridade (ROP) rutura endotelial, perda de fluido capilar, hemo-
concentração e necrose isquêmica. A alimentação
É uma patologia que produz cegueira infantil e enteral, particularmente com fórmulas lácteas de
que atualmente pode ser prevenida por exame de elevada osmolaridade e com resíduos de carboidra-
fundo de olho sistemático em RNPT com menos tos e proteínas mal absorvidas, provêem o substra-
de 32 semanas de IG e menos de 1.500 g de peso to para a proliferação da microflora bacteriana, fer-
ao nascimento, assim como de todos os RNPT que mentação e formação dos cistos intramurais de gás
receberam oxigenioterapia por mais de 6 horas. metano, H2 e CO2. Inúmeros agentes bacterianos
Com 16 semanas de IG, os vasos retinianos co- já foram identificados na ECN, porém, em alguns
meçam a ser formados centrifugamente a partir de casos, nenhum patógeno foi isolado. O leite mater-
células fusiformes que acompanham o desenvol- no, pela baixa osmolaridade, propriedades antiin-
vimento do tronco do nervo ótico. Nessa fase há fecciosas, presença de agentes imunomoduladores
uma hipóxia relativa, normal, que estimula a pro- e atividade antioxidante, parece exercer ação prote-
dução do fator de crescimento endotelial (FCE) e tora contra a ECN1,2,5.
que promove a vasogenese retiniana. Em torno da A principal característica da doença é a necro-
34a semana de IG os vasos retinianos estão bem se da parede intestinal de variável extensão e pro-

A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 303

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fundidade. A perfuração ocorre em um terço das Hérnia diafragmática congênita
crianças, geralmente no ileoterminal ou no ceco,
onde a circulação é mais pobre23,25. Resulta de um defeito embrionário do diafrag-
ma, através do qual vísceras abdominais se alojam
Clinicamente é caracterizada pela seguinte tría-
dentro do tórax.
de: distensão abdominal sensível à palpação, reten-
ção de conteúdo gástrico e sangramento nas fezes. A forma mais comum (90%) é a hérnia postero-
Eritema de parede e massa abdominal com sinais lateral esquerda através do forâmen de Bochdalek.
de irritação peritoneal sugerem perfuração intes- Pode ser diagnosticada pela ultra‑sonografia pré‑natal
tinal. Comprometimento sistêmico, acidose me- e acompanha‑se de polidrâmnio em 63% dos casos.
tabólica, coagulopatia de consumo e deterioração Os principais sinais clínicos são cianose, dispnéia,
cardiorrespiratória completam o quadro, que pode dextrocardia, abdômen excabado e ruídos hidroaé-
evoluir para falência generalizada9. reos no tórax. A confirmação é feita pela radiografia
simples tóraco-abdominal. Quanto mais precoce o
A radiografia seriada de abdômen é o exame mais
aparecimento dos sintomas, pior o prognóstico.
confiável. As imagens mostram íleo com dilatação
generalizada das alças, alça parada em imagens Puri e Gorman, após necropsias em 100% de
sucessivas, pneumatose (ar na parede intestinal) e natimortos e mortos neonatais, demonstraram que
portograma aéreo (ar na veia porta), que são sinais a verdadeira incidência da HDC é de 1:1.200 par-
patognomônicos. Pneumoperitônio, sinais de asci- tos. As anomalias letais mais freqüentemente asso-
te e gangrena intestinal revelada pela paracentese ciadas são os defeitos cromossômicos (trissomias
confirmam a perfuração intestinal e a indicação 13 e 18) e cardíacos.
cirúrgica para a remoção da alça necrosada. Inter- Em 1946, Gross relatou sobrevida pós-operatória
venções mais precoces têm melhorado a evolução. de 100% em uma série de sete neonatos operados.
Em RN clinicamente deteriorados e instáveis tem A explicação do sucesso foi a seleção natural de ca-
sido preconizado o tratamento alternativo de dre- sos viáveis. Hoje sabemos que a HDC longe está de
nagem peritoneal com 1 ou 2 drenos de Penrose27. ser um problema cirúrgico com solução cirúrgica.
Entre os cuidados gerais estão a reanimação vo- O principal fator determinante do resultado é o grau
lêmica e a manutenção do Ht entre 35% e 45%. de subdesenvolvimento do parênquima e do leito
As complicações hematológicas (trombocito- vascular pulmonar. Atualmente, uma hipótese é de
penia e CIVD), o quadro infeccioso, a deteriora- que o defeito primário está nos brotos pulmonares
ção circulatória e a concomitância de meningite e que a falha no diafragma é secundária a hipoplasia
em 1,7% dos casos contra-indicam formalmente pulmonar, intensificada pelas vísceras herniadas.
os bloqueios espinhais31. No RN em péssimo es- Estudos histopatológicos feitos inicialmente
tado, antes de administrar qualquer agente anes- por Levin demonstraram deficiência de alvéolos
tésico, pode ser necessária uma rigorosa reposição e de vasos por unidade de parênquima pulmonar,
de volume. Poderá ser necessário proceder à IOT assim como maior quantidade de músculo liso nas
“acordado” ou após mínimas doses de agentes en- pequenas artérias pulmonares, que seriam respon-
dovenosos (cetamina, midazolam, fentannil). À sáveis pelo aumento de resistência vascular com hi-
medida que se evidencia uma boa resposta clínica pertensão pulmonar e shunt D‑E através do canal
à fluidoterapia, traduzida por melhora na perfu- arterial em um ciclo vicioso de hipoxemia, hiper-
são periférica e na PA, podemos incrementar as capnia e acidose.
doses anestésicas. A principal recomendação, por- Berdon et al. classificaram os RN em três gru-
tanto, é titular cuidadosamente as necessidades pos. Os do grupo 1 tinham pulmão bem desen-
anestésicas. volvido bilateralmente, a herniação teria ocorrido

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tardiamente no período fetal e o diagnóstico foi Além dessas informações premonitoras, foi ob-
feito após 24 horas. No extremo oposto, os RN do servada em vários pós‑operatórios uma grave piora
grupo 2 tinham grave hipoplasia pulmonar bilate- clínica explicada por mudanças na mecânica respi-
ral, o diagnóstico era feito logo após o nascimento ratória transdiafragmática. Após o fechamento da
e a sobrevida era improvável. O grupo 3 era inter- hérnia e recolocação das vísceras no abdômen, ha-
mediário, com importante hipoplasia homolateral veria drástica redução da complacência toracopul-
e pulmão contralateral relativamente normal. monar que, se superior a 50%, conduziria à mor-
Vários parâmetros pré‑operatórios foram utili- talidade de 100%. Essas observações fizeram com
zados para estabelecer um prognóstico e orientar a que atualmente a correção cirúrgica da HDC deixe
conduta cirúrgica. PH < 7,2, PaCO2 > 50, PaO2 < de ser uma emergência, salvo em casos de inten-
60 A‑a O2 > 300 ou 500 com FiO2 de 1 são valores so desvio do mediatismo com grave comprometi-
relacionados a prognóstico ruim. mento hemodinâmico, síndrome de obstrução da
veia cava inferior e estrangulamento do conteúdo
Bohn et al. propuseram a PaCO2 relacionada ao
herniado.
índice ventilatório (IV= pressão média nas vias aé-
reas em cm de água, multiplicado pela freqüên­cia Nos demais casos, a opção é pela estabilização clí-
respiratória) (Fig. 16.2). Na zona A de normocar- nica. Atualmente a assistência ventilatória com uma
bia com IV menor que 1.000 (neonatos do grupo 1 “hipercarbia permissiva” de 60 a 65 mmHg tem mos-
de Berdon), a sobrevida pós-operatória é excelente. trado benefício nos períodos pré e pós-operatórios.
Na zona C, com normocarbia à custa de IV maior Ventilação em alta freqüência (VAF), óxido ní-
que 1.000, o prognóstico é bom, mas alguns RN, trico, ECMO e cirurgia pré‑natal intra-uterina são
após algum tempo de melhora da PaO2 pós-ductal, recursos ainda inconclusivos para tentar diminuir
chamado de período de “lua de mel”, apresentam a mortalidade que, apesar dos esforços, ainda se
agravamento progressivo, devido a hipertensão mantém em tomo de 50%.
pulmonar e shuntagem D‑E. Nessa zona se encon- O ecocardiograma pré‑operatório está indicado
tram os RN do grupo 3 de Berdon. pela freqüência de cardiopatias. Uma sonda deve
Na zona B, com hipercarbia apesar de IV > drenar o conteúdo gástrico. Se o RN chegar sem
1.000, estão os RN do grupo 2 de Berdon, nos quais intubação traqueal (é bom prognóstico), podere-
a mortalidade pós-operatória é de quase 100%. mos realizar indução inalatória em RE sob másca-
ra. O N2O é formalmente contra-indicado.
A maioria, porém, foi intubada acordada na sala
de parto ou posteriormente na UTI-NN e já vem
recebendo VC mecânica com suporte farmacoló-
B
gico de opióides, benzodiazepínicos e relaxantes
musculares da UTI neonatal. A anestesia, nesses
casos, será uma simples continuação, com doses
PaCO2 adequadas principalemente do fentanil.
40 mmHg
Devemos evitar pressões de insuflação > 30 cm
de água. Piora hemodinâmica súbita no transopera-
A C tório pode ser causada por pneumotórax contrala-
teral a hérnia. Deterioração cardiocirculatória pode
precisar reanimação volêmica e infusões de dopami-
1.000 IV
na (10 a 20 ug/kg-1/m-1) e/ou dobutamina (5 a 20
Fig. 16.2 – Relação entre PaCO2 e IV e zonas de prognósticos na HDC u/kg-1/min-1). Em presença de estabilidade hemodi-

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nâmica, a hipnose sob agentes inalatórios e a anes- coto proximal e recebendo líquidos de manutenção
tesia peridural contínua ou não pode ser cogitada. através de linha venosa confiável. A ventilação com
Geralmente são mantidos intubados no PO ime- pressão positiva sob máscara facial deve ser evitada,
diato e, assim, transferidos a UTI neonatal9,11,30,31. portanto o uso de relaxantes musculares antes da in-
tubação está contra-indicado. As melhores opções
Atresia de esôfago com fístula são intubação “acordado” em RN muito debilitados
traqueoesofágica (AEFTE) ou após suave indução inalatória sob máscara em
RE. Visualizada a glote, deve-se introduzir o tubo
Na fase embrionária, as vias digestivas e o broto traqueal além da marca de cordas vocais, realizando
pulmonar derivam da faringe primitiva. Essa origem intubação seletiva do bronquiofonte geralmente di-
comum explica a ocorrência da AEFTE, entre a 4a e 6a reito, a seguir auxiliado pela ausculta do hemitórax
semanas de gestação, assim como a elevada incidência esquerdo, ir retirando o tubo milímetro a milímetro
de outras malformações associadas (34% dos casos), até perceber o MV do pulmão esquerdo e então fixar
como síndrome VACTERRL, iniciais de defeitos ver- a sonda o mais firmemente possível.
tebrais, anorretais, cardiovasculares, traqueosofagias, O objetivo dessa manobra é deixar a extremidade
do rádio, dos rins e dos membros inferiores23,25,26. distal da sonda depois da fístula e antes da carina.
A suspeita da atresia é feita logo ao nascimento A seguir, havendo condições, o RN pode ser coloca-
pela não-progressão da sonda de aspiração gástri- do em DLE para administração de anestesia epidu-
ca, salivação, engasgamento ao succionar e deglu- ral. A ventilação durante a cirurgia deve ser controla-
tir alimentos, acompanhados de cianose, distensão da (manual ou mecânica). Quando a compressão do
gástrica, meteorismo, regurgitação e pneumopatia parênquima pulmonar, pelas manobras no campo
aspirativa. A confirmação é feita pela radiografia de cirúrgico, produzirem desaturação da Hb, solicitar
tórax e abdômen com injecção de ar no fundo de um tempo para reexpandir o pulmão e melhorar a
saco proximal através de uma sonda rádio-opaca. A oxigenação arterial. Essa alternância colabamento/
injeção de contraste radiológico está formalmente recrutamento pode repetir‑se tantas vezes quanto
contra-indicada. Alguns autores recomendam fibro- for necessária. No tempo de iniciar a anastomose, o
broncoscopia prévia para localizar o nível da fístula, anestesista empurra suavemente a sonda alojada no
reconhecer traqueomalacia e eventualmente obstruir coto proximal para que possa ser identificado. Após a
a fístula com uma sonda de Fogarty, para permitir anastomose término‑terminal, passamos uma sonda
VPPI e PEEP em RN com pneumopatia importan- de silicone para alojar‑se no estômago ou duodeno
te. A segurança desse procedimento precisa ser mais sob a visão do cirurgião.
bem estudada. A ecocardiografia pré-operatória au- Concluído o procedimento, expandimos os pul-
xilia no diagnóstico de cardiopatias e na orientação mões enquanto o cirurgião faz o teste do “borrachei-
da melhor abordagem cirúrgica. ro” para confirmar o fechamento perfeito da fístula.
A ligadura da fístula e a anastomose esofágica É desejável que a extubação seja programada o
são realizadas no mesmo ato27. mais precocemente possível dentro das primeiras
Na maioria das vezes a abordagem da fístula se 24 horas de PO.
realiza por toracotomia direita entre o 3o e 4o espaço As complicações pós‑operatórios incluem reflu-
intercostal por via extrapleural. Provavelmente em xo gastroesofágico, pneumonia por aspiração, com-
nenhum outro procedimento seja necessária tanta pressão traqueal e extravasamento anastomótico.
coordenação e colaboração entre o anestesista e a Por causa da prematuridade e da associação com
equipe cirúrgica. ldealmente o RN chega ao CC em outras malformações a mortalidade é alta, em tor-
posição semi‑sentada, com aspiração contínua do no de 10%9,22-26.

306 An e s t e s ia Pe diátrica

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Gastrosquise e onfalocele • diminuição da circulação mesentérica e da per-
fusão dos membros inferiores. É interessante
São dois defeitos congênitos da parede abdomi-
manter um probe de oxímetro no membro su-
nal caracterizados por exteriorização visceral, de- perior direito e outro nos pés27;
tectável por ultra-sonografia pré‑natal.
• a manutenção da PA pode precisar de reposi-
A gastrosquise é secundária à interrupção da cir- ções volêmicas de 10 a 20 ml/kg-1/h-1 de cris-
culação onfalomesentérica, originando um defeito talóides isosmóticos. As perdas sangüíneas são
parietal lateral ao umbigo através do qual evisceram maiores durante o descolamento da membrana
alças intestinais que entram em contato direto, sem da onfalocele. Hipoproteinemia indica uso de
proteção com o líquido amniótico. Geralmente o albumina a 5% em SF. Administração contínua
RN é prematuro e hipotrófico e raramente apre- de dopamina (3 a 5 microgramas/kg‑1/m‑1) me-
senta outras malformações associadas23,27. lhora a perfusão renal e mesentérica27,30;
A onfalocele é secundária ao não-fechamento da A anestesia inalatória superficial com bloqueio
parede abdominal no nível umbilical. Seu tamanho peridural extenso permite, no final da cirurgia,
pode variar de uma pequena herniação contendo uma melhor avaliação do estado cardiocirculatório
uma alça intestinal a uma onfalocele gigante con- e da função respiratória. Manutenção da intubação
tendo o fígado e todo o intestino. Caracteriza‑se traqueal, VC e PEEP de 4 a 8 cm de água sob se-
por estar envolvida por uma membrana amnióti- dação e relaxamento muscular podem estender‑se
ca peritoneal. A maioria dos RN é de termo, e a por 24 a 48 horas.
associação com malformações cardíacas digestivas, A redução progressiva do silo de Silastic é feita
geniturinárias, neurológicas e cromossômicas (tris- sob sedação e o fechamento definitivo, de prefe-
somia 13 ou 18) são freqüentes. Em RN macrossô- rência antes de 7 dias, sob anestesia geral ou con-
micos, com macroglossia, devemos pensar em sín- dutiva23-25.
drome de BeckMth‑Wiederman e dosar glicemia. A principal e mais grave complicação é a septi-
Ambas as patologias precisam de tratamento cemia27.
cirúrgico semelhante: reintrodução das vísceras e
fechamento da parede abdominal23-28,31. Enfisema lobar congênito
O prognóstico depende da relação entre conte-
údo e continente; quanto maior a desproporção, É uma malformação caracterizada por hiperin-
mais difícil o tratamento e pior o prognóstico. suflação pós-natal de um ou mais lobos pulmo-
nares (mais freqüentemente os superiores) com
Hipotermia, desidratação e risco de infecção compressão e atelectasia dos lobos adjacentes e
podem ser minimizados envolvendo-se a parte in- desvio do mediatisno para o lado oposto. O lobo
ferior do corpo em um saco plástico transparente comprometido tem consistência esponjosa e per-
e estéril9. Os problemas transoperatórios decorrem manece distendido apesar das variações da pressão
do aumento da pressão intra-abdominal na tentati- endotraqueal e mesmo após a secção do brônquio.
va de fechamento primário. Se a pressão intragástri- A causa é a displasia da cartilagem brônquica com
ca (que deve ser monitorada) for superior a 20 cm aumento de tecido fibroso2.
de água, poderá acarretar:
A gravidade dos sintomas depende do tamanho
• aumento da pressão nas vias aéreas e dificuldade e do crescimento do lobo hiperinsuflado, e estes
respiratória; podem manifestar‑se precocemente, com 1 a 2 me-
• diminuição da perfusão renal (monitorar diure- ses de idade. O desconforto respiratório progressi-
se e hematuria); vo pode comprometer o retomo venoso. Ao exame

A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 307

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físico observamos tiragem e abaulamento subcos- Nas oclusões baixas predomina a distensão ab-
tal, diminuição do MV e hipertimpanismo do lado dominal com vômito mais tardio (2 a 7 dias) e de
afetado com desvio do ictus cordis. O quadro clínico conteúdo fecalóide. Há grande perda hidroeletro-
pode simular um pneumotórax hipertensivo (seu lítica para o 3o espaço. A eliminação meconial está
principal diagnóstico diferencial). A radiografia re- ausente ou retardada.
vela hipertransparência do lobo distendido, mas a As invaginações, vólvulos e torções intestinais
observação cuidadosa mostra uma delicada trama podem apresentar fezes sanguinolentas e abdômen
vascular. Nos casos sintomáticos, a melhor conduta doloroso. Peritonite, necrose e choque instalam‑se
é a lobectomia. A técnica anestésica depende do mais rapidamente27.
quadro clínico. Em situações de emergência com O íleo meconial é uma obstrução do íleo ter-
dramático aumento da pressão intratorácica, hipó- minal por mecônio espesso, geralmente associado
xia e hipotensão, está indicada a toracotomia de a fibrose cística. O tratamento inicial é clínico. Se
alívio sob anestesia local. Nas situações mais eleti- não for resoluto, a enterostomia está indicada.
vas pode-se realizar a IOT sob anestesia inalatória e
Na doença de Hirschprung (megacolo congêni-
RE. Durante a cirurgia, a VC deve ser suave e com
to por agenesia dos gânglios parassimpáticos para
baixas pressões de insuflação. A anestesia regional
a musculatura lisa), a imagem radiológica revela
oferece excelente analgesia residual pós-operatória
distensão cólica, com ausência de ar no reto. A co-
e a extubação precoce diminui o risco de fístula
locação de sonda retal ajuda na evacuação23.
broncopleural23-25,27.
A conduta cirúrgica consiste em colostomia em
Obstrução intestinal
uma zona normal e posterior correção definitiva.
As anomalias anorretais deveriam ser rapida-
É uma emergência cirúrgica. As atresias estão mente reconhecidas pelo exame anoretal de rotina
relacionadas a acidentes vasculares intra‑uterinos. ao nascimento.
Os principais problemas anestésicos são os distúr-
Em meninas, é freqüente a associação de fístula
bios hidroeletrolíticos e o comprometimento respi-
retovaginal, retardando os sinais de distensão ab-
ratório, por aspiração de vômitos ou por limitação
dominal.
das incursões diafragmáticas.
Os cuidados anestésicos incluem reanimação
Demora no diagnóstico ou no tratamento au-
hidroeletrolítica vigorosa antes da indução, aspira-
menta o risco de perfuração, necrose e septicemia.
ção de conteúdo gástrico (sem eficácia de 100%)
Didaticamente, as obstruções podem ser dividi- e rotina de IOT com estômago cheio (acordado
das em altas (duodeno e jejum) e baixas (íleo ter- ou em seqüência rápida com manobra de Selick).
minal, cólon, sigmoide, reto e ânus)22. A escolha das doses, dos agentes e momento de ex-
A obstrução duodenal está freqüentemente tubação dependem do estado geral do RN23-25,27.
associada a outras anomalias congênitas. O diag- Nas anomalias anorretais para procedimentos
nostico é precoce devido ao vômito de conteúdo curtos e na ausência de contra-indicações, pode-se
gástrico e bilioso. Na radiografia, ar no estômago, cogitar a raquianestesia ou a epidural sacra.
estreitamento pilórico e ar na primeira porção do
duodeno dão a imagem clássica de “dupla bolha”9.
Estenose hipertrófica de piloro
As atresias jejunais, membranosas ou com-
pletas, mostram alças dilatadas cheias de ar, pro- Geralmente é diagnosticada entre 2a ou 4a se-
ximalmente a zona de obstrução e falta de gases manas de vida pós-natal por causa dos vômitos em
distalmente. A associação com outras anomalias é jato sem bile, peristaltismo epigástrico (ondas de
infreqüente23. Kussmaul) e pela palpação patognomônica da “oli-

308 An e s t e s ia Pe diátrica

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va pilórica” em 100% dos casos. Os sinais radioló- 10. Camboulives J, Paul O, Marti JY. Encyclopedie me-
gicos clássicos são o “bico do seio” no antrogástri- dico-chirurgicale – Anestesia deel lactante y del nino,
co, do “fio ou corda” no canal pilórico e do “guarda 36.640 A.20, 2002.
11. Feiss P, Nathan N. Encyclopedie medico-chirurgicale
chuva” no bulbo duodenal9. – Anestésicos halogenados 36.285.A. 20, 2002.
O principal problema consiste na espoliação 12. Duvaldestein P. Encyclopedie medico-chirurgicale –
hidroeletrolítica induzida pelo vômito incoercível, Absorción y distribución de los anestesicos inhalatorios,
gerando alcalose metabólica hipoclorêmica, hipo- 36.100.E10, 2002.
potassêmica e hiponatrêmica com acidose respira- 13. Gianfre E. Risks and complications of regional ana-
esthesia in children. Baillere’s Clin Anaesthesiol
tória compensatória. À medida que a desidratação 2002;14(4):673-85.
e a hipocalemia se agravam, o rim secreta íons H 14. Krane EJ et al. The safety of epidenol placd during ge-
para preservar K+ (acidúria paradoxal). A emergên- neral anesthesia. Reg Anesth Pain Med 1998:23(5);433-
cia, portanto, é clínica, e não cirúrgica. A indução 8.
só deve ser iniciada após reequilíbrio hidroeletrolí- 15. Gerber A. Spind and caudal anaesthesia in ex-premature ba-
tico: Na >130 mEq/l, K >3 mEq/l, CI > 85 mEq/l bies. Baillere’s Clin Anaesthesiol 2002;14(4):673-85.
16. Barbosa SMM. A dor no recém-nascido: prevenção e
e diurese >1 ml/kg/h.
tratamento. Revista Dor – Pesquisa Clínica e Terapêuti-
Antes da indução devemos passar a sonda na- ca 2002;2(2).
sogástrica mais grossa possível, injetar dentro do 17. Benumof JL. Regulação de temperatura durante aneste-
estômago 1 a 2 ml por kg de peso de bicarbonato sia. Clin Anestesiol Am do Norte 1994(1):417-49.
de Na a 4,2%, movimentar o lactente suavemente 18. Chan RPC, Pereira MHC, Bonetti E, Auler JOC.:
Aspectos fisiológicos na ventilação em criança. Atual
para distribuir esse líquido no estômago, aspirá‑lo
Anestesiol 2001;6:26-47.
de volta e retirar a sonda. Posteriormente, deve-se 19. Yano SE, Yassuda HH. Transfusão sangüínea em cirur-
proceder a IOT em seqüência rápida10-23. gia infantil. Atual Anestesiol (6):48-65 .
No pós-operatório devemos observar possível 20. Modolo NSP. Hidratação intra-operatória em pediatria.
depressão respiratória por alcalose cerebroespinhal, Atual Anestesiol 2002:7:72-83.
21. Modolo NSP. O sistema cardiovascular da criança e a
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A nes tes i a Pa r a E m e r g ê n c i a s N e o n a t a i s da C iru rgia Ge ral 309

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Capítulo 17
An e ste sia p a r a N e u r oci r u r g i a

Nelson Mizumoto

“O intelecto, como o cérebro, que no sétimo ano de vida atinge seu ta-
manho completo, desenvolve-se cedo, embora ainda não esteja maduro, e
procura nutrir-se sem cessar de toda essa existência ainda nova, na qual
tudo, absolutamente tudo é revestido com um atrativo de novidade. Eis a
razão de nossa infância ser uma poesia ininterrupta...”
Arthur Schopenhauer106

Manuseio Anestésico: Enquanto não atinge a plena maturidade, o


Considerações Gerais encéfalo da criança tem diferenças importantes se
comparadas ao do adulto. Quanto mais jovem é a
Anatomia e fisiopatologia do sistema
criança, mais essas diferenças são evidentes. Portan-
nervoso central (SNC)
to, é imperativo compreender as diferenças anatô-
O anestesiologista atua sobre o encéfalo por micas e fisiopatológicas do sistema nervoso central
meio da interação dos fármacos sobre os neuro- do paciente pediátrico antes de anestesiá-lo. O de-
transmissores dos neurônios, a reatividade vascular senvolvimento do SNC inicia-se na vida intra-ute-
encefálica, a permeabilidade da barreira hemato- rina e continua após o parto. Dependendo da idade
encefálica (BHE) a água, eletrólitos e moléculas. do paciente, as dificuldades encontradas serão espe-
Além disso, quando as condições de outros siste- cíficas para o procedimento anestésico-neurocirúr-
mas do corpo humano se modificam, como o car- gico. Por facilidade de compreensão, a criança será
diovascular, pulmonar e renal, ou se altera o estado classificada como: prematuro ou neonato de termo
hidro-eletrolítico e metabólico, podem causar re- com 1 a 30 dias de vida; criança pequena com 30
percussões diretas ou indiretas sobre o encéfalo. As- dias a 15-16 meses; e criança maior após fechamen-
sim, ele sofre as conseqüências que determinarão o to das fontanelas acima de 15-16 meses.
prognóstico da doença neurológica, cujo manuseio O SNC é o primeiro a se desenvolver durante
pode ser local ou de ordem sistêmica. a formação embrionária e o último que atinge to-

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talmente a maturidade, o que só ocorre no fim do Às vezes, o canal central da medula no nível
primeiro ano de vida. O desenvolvimento do SNC do cerebelo pode ser obstruído com a proliferação
inicia-se logo após a fecundação e a diferenciação celular desordenada após o nascimento, decor-
do tubo neural, aos 50-60 dias de vida intra-ute- rente da malformação que se iniciou na fase em-
rina. Nessa fase, os ventrículos laterais, o forâmen brionária do feto, como ocorre na malformação
de Monro entre os ventrículos laterais e o tercei- de Arnold-Chiari, que mais tarde evolui de forma
ro ventrículo já estão definidos; logo a seguir surge inadequada, resultando em acúmulo de liquor no
um orifício no teto do quarto ventrículo, formando SNC, com conseqüente hidrocefalia e seringomie-
o forâmen de Magendie13. O desenvolvimento do lia (Fig. 17.2).
sistema nervoso central ocorre continuamente, sem O encéfalo e a medula espinhal são envolvidos
parar, mas a diferenciação mais significativa trans- pela dura-máter e protegidos por estruturas ósse-
corre durante o terceiro trimestre de gestação. Nessa as, crânio e coluna vertebral. Essa estrutura óssea
última fase, o córtex cerebral tem sua superfície au- rígida protege o SNC de traumas físicos externos.
mentada, com invaginações que formam os sulcos Porém pela falta de plasticidade desta estrutura,
e fissuras cerebrais e dão forma e contorno aos gírus quando a pressão intracraniana aumenta resulta
cerebrais. O crânio não precisa aumentar de volume na redução da perfusão do encéfalo. A hiperten-
em proporções demasiadas durante o crescimento são intracraniana (HIC) está presente na ruptura
fetal, pois os bilhões de corpos neuronais acomo-
dam-se nas circunvoluções de córtex que se forma-
ram com os gírus e sulcos cerebrais (Fig. 17.1).
As malformações do encéfalo podem surgir nes-
sa última fase e desenvolver-se inadequadamente,
causando microencefalia, craniossinostose, encefa-
locele, meningomielocele ou hidrocefalia52.

Fig. 17.1 – Durante o terceiro trimestre de gestação, o córtex cere- Fig. 17.2 – A malformação de Arnold-Chiari, localizada na fossa
bral aumenta sua superfície, formando sulcos e fissuras, que geram posterior, desloca as estruturas para baixo, alongando o tronco,
circunvoluções no córtex para acomodar os novos neurônios que obstruindo a drenagem do LCR e causando hidrocefalia. Na medula,
serão formados. pode ocorrer seringomielia.

312 An e s t e s ia Pe diátrica

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de vasos sangüíneos, gerando hematoma, na vaso-
plegia com evolução para inchaço cerebral e nos PIC
tumores associados ou não a edema peritumoral, mmHg
e acúmulo de líquido cefalorraquidiano, gerando a HIC aguda
hidrocefalia. Assim sendo, se a pressão arterial sis-
têmica não aumentar concomitantemente durante
a hipertensão intracraniana, de modo reflexo ou
induzido, a perfusão do encéfalo é reduzida, cau- HIC crônica
sando isquemia. 12

A complacência intracraniana no neonato é me- 4

lhor que no adulto, pois os ossos do crânio ainda Neonato 10 ml Volume


(adulto)
estão com as suturas e fontanelas abertas. A fonta-
nela posterior fecha do 2o ao 3o mês após o nasci-
mento (60 a 90 dias) e a fontanela anterior, entre Fig. 17.3 – A complacência intracraniana na criança é maior porque
10 a 16 meses (1 ano e 4 meses)81. As fontanelas e as suturas e fontanelas ainda estão abertas. A PIC é menor que
comparada à do adulto e aumenta com a idade. O índice pressão/
as suturas abertas permitem que o crânio aumente volume fornece indícios de complacência intracraniana; para de-
de tamanho para acomodar o encéfalo e o processo terminado volume acrescido dentro do crânio observa-se quanto
expansivo. O aumento lento do volume intracra- a PIC se eleva: quanto maior o aumento, menor é a complacência
intracraniana.
niano, como na hidrocefalia, pode evoluir para a
macrocefalia. Entretanto, o hematoma encefálico
que causa aumento repentino do volume intracra- to-occipital. O diencéfalo, que é constituído pelo
niano não consegue ser compensado pela compla- tálamo, hipotálamo, epitálamo e as partes subtalâ-
cência intracraniana e a PIC eleva-se abruptamen- micas ao redor do terceiro ventrículo, localiza-se na
te, prejudicando a perfusão do encéfalo, mesmo parte central de cada hemisfério cerebral, o com-
que as fontanelas não estejam totalmente fechadas partimento supratentorial.
e a dura-máter possa distender44. Quando os meca-
Um processo expansivo de evolução rápida den-
nismos que determinam a complacência intracra-
tro desse espaço supratentorial pode causar alguns
niana não são mais capazes de manter a PIC cons-
danos vitais conforme sua localização, mesmo que
tante, o aumento do mesmo passa a ser bastante
rápido (Fig. 17.3). a PIC não esteja demasiadamente elevada a ponto
de reduzir a perfusão global do cérebro. Por exem-
O espaço intracraniano é dividido em dois
plo, um processo expansivo com localização tem-
compartimentos por tecido conjuntivo, que é a
poral desvia a linha média em direção contra-late-
tenda do cerebelo. A parte supratentorial é o es-
paço delimitado pelos ossos frontais, temporais, ral129, forçando a herniação do gírus cíngulo por
parietais, asas dos esfenóides e parte superior dos sob a borda da foice sagital. Pode, ainda, deslocar
ossos occipitais e pela tenda do cerebelo. Esse é o as estruturas da base do cérebro, como o pedúncu-
maior compartimento intracraniano, onde estão lo cerebral, contra a borda oposta da tenda do ce-
os hemisférios cerebral direito e esquerdo, que são rebelo ou herniação do tronco diencefálico, nervo
separados pela foice cerebral. A foice forma o seio oculomotor e úncus através da fenda do tentório131
sagital superior ao se fundir à dura-máter no nível (Fig. 17.4). Esses deslocamentos das estruturas ba-
da linha média, resultando no sistema de drena- sais do cérebro causam isquemia ao comprimirem
gem do sangue venoso. Cada hemisfério cerebral a artéria cerebral anterior e até mesmo a artéria co-
é formado pelos lobos frontal, temporal e parie- municante posterior.

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 313

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O compartimento abaixo da tenda do cerebelo
é delimitado pelas paredes da porção basal do osso
occipital e contém o cerebelo, o bulbo, a ponte e
emergências dos pares cranianos. A expansão rápi-
da de um processo patológico traz conseqüências
devastadoras nesse espaço com menor acomoda-
ção. A compressão pode reduzir a perfusão de es-
truturas vitais, como o sistema reticular ativador
ascendente que mantém o estado de vigília, como
os centros cardiovasculares e respiratórios localiza-
dos no assoalho do quarto ventrículo, bem como
os pares cranianos (IX, XII e X) sensitivos e mo-
tores da orofaringe, língua, traquéias e face. O au-
mento de volume na fossa posterior causa hernia-
ção ascendente da estruturas infratentoriais, que,
ao comprimi-las contra a borda do tentório, agrava Fig. 17.5 – O espaço da fossa posterior é menor, um processo ex-
pansivo nesta região, e evolui mais rapidamente para lesão das es-
a isquemia ou herniação do tronco e bulbo em di- truturas vitais localizadas no tronco, bulbo, além de comprometer os
reção ao forâmen magno com alterações cardiovas- pares cranianos. Pode causar herniação ascendente através da bor-
culares e respiratórias fatais (Fig. 17.5). da livre do tentório ou descendente em direção ao forâmen magno.

Os sistemas de drenagem venosa na fossa poste-


rior são compostos pelos seios transversos, que é a fossa posterior. Esses sistemas de drenagem venosa
junção da tenta do cerebelo com a dura-máter, e os podem ser comprimidos por hematoma, tumor,
seios sigmóides situados na dura-máter dentro da edema e inchaço cerebelar. Tal obstrução venosa
dificulta a drenagem do sangue venoso intracrania-
no, causando estase venosa que aumenta o volume
sangüíneo intravascular intracraniano, eleva a PIC
e reduz a perfusão encefálica. A barreira hematoen-
cefálica (BHE) torna-se mais permeável se a estase
venosa evolui para infarto venoso, assim o fluido
do espaço intravascular atravessa para o interstício,
causando edema cerebral.
O líquido cefalorraquidiano (LCR) é produzi-
do nos plexos coróides dos ventrículos laterais, e o
terceiro ventrículo passa pelo aqueduto de Sylvius
e chega ao quarto ventrículo, onde existe pequena
quantidade de plexo coróide que também produz
LCR, sai pelos forâmens laterais de Luschka e o fo-
râmen mediano de Magendie, atingindo as cister-
Fig. 17.4 – Qualquer processo expansivo intracraniano, supratento-
nas cerebelares. Daí então desce para o espaço suba-
rial, ao aumentar de volume compromete as estruturas adjacentes, racnóideo do saco dural intra-raquidiano e depois
podendo causar herniações do girus cíngulo sob a foice sagital, do ascende passando novamente pelas cisternas cerebe-
úncus em direção à fossa posterior através da borda livre do tentório
ou ainda das estruturas da fossa posterior em direção ao forâmen
lares, a seguir as cisternas cerebrais, e continua su-
magno quando a HIC é elevada. bindo pelo espaço subaracnóideo ao redor do cór-

314 An e s t e s ia Pe diátrica

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tex cerebral até chegar nas granulações aracnóideas Drogas como acetazolamida, furosemida e corticos-
onde é absorvido para o seio sagital superior. Qual- teróide reduzem a produção de LCR. Por sua vez, a
quer obstáculo, como hematoma, inchaço vascular, absorção do liquor nos vilos aracnoideos depende
tumor e edema, pode impedir o trânsito do LCR, da diferença do gradiente de pressão do liquor e a
resultando no acúmulo de liquor nos ventrículos pressão do seio sagital24,26. Mesmo com a elevação
laterais e terceiro ventrículo, com conseqüente hi- da PIC, a absorção do liquor pode estar reduzida
drocefalia e aumento da PIC (Fig. 17.6). se existir um obstáculo nas vias de drenagem e este
A velocidade de formação do liquor, no adul- não alcançar os vilos aracnóideos próximos ao seio
to, é de 0,30-0,35 ml/min, formando em 24 horas sagital superior. Os obstáculos podem surgir com
450-500 ml, três vezes o volume de LCR contido meningite, obstrução dos ventrículos, aquedutos e
no SNC. Produzido por secreção ativa pela bom- cisternas por hemorragia, malformação, tumor ou
ba sódio-potássio dependente de ATP, sua compo- edema cerebral. Nessa circunstância, o liquor pode
sição é diferente do plasma e requer energia para ser absorvido parcialmente em outros sítios do en-
as bombas iônicas. Assim, o aumento da PIC não céfalo. Um ponto de equilíbrio é encontrado entre
interfere na produção do LCR, exceto se a pressão a quantidade de liquor que se produz e a quanti-
intracraniana for extremamente alta, prejudicando dade absorvida, entretanto esse ponto de equilíbrio
a perfusão encefálica e, portanto, a perfusão dos pode existir em um valor maior de pressão intracra-
plexos coróides. O neonato e a criança pequena têm niana em algumas situações, como na hidrocefalia
pouca quantidade de LCR em condições normais. não-comunicante ou nos tumores de crescimento
lento (Fig. 17.7).
Embora a pressão intracraniana possa estar ain-
da com valor próximo da normalidade, se ela se
localiza próximo da deflexão na curva de compla-
cência, pequenos acréscimos de volume dentro do

Fluxo
velocidade
Va

Vf
Ponto
de equilíbrio

4 PIC (mmHg)

Fig. 17.7 – O LCR forma-se em velocidade constante, e dentro dos


valores fisiológicos de PIC esta velocidade não se modifica. Quando
a PIC está ao redor de 60 mmHg (no adulto), a isquemia decorrente
Fig. 17.6 – O liquor forma-se nos plexos coróides através de proces- da redução da perfusão começa a reduzir a velocidade de formação
so ativo que consome energia, nos ventrículos laterais, em menor do LCR. A absorção depende do gradiente resultante entre a pressão
quantidade no terceiro e quarto ventrículos. É absorvido por proces- do liquor e a venosa do seio sagital. Normalmente, a quantidade
so passivo nos vilos aracnóideos próximo ao seio sagital superior e produzida é totalmente absorvida, o que ocorre em um ponto de
depende do gradiente de pressão entre o liquor e o seio sagital supe- equilíbrio da PIC. Com a hidrocefalia, esse ponto de equilíbrio pode
rior. Qualquer obstrução nas vias de drenagem gera hidrocefalia. situar-se em valor maior.

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 315

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crânio podem elevar abruptamente a PIC72. Esse menta o volume sangüíneo arterial intracraniano e
comportamento da curva de complacência intra- também pode causar descompensação da PIC.
craniana sugere que seja uma curva logarítmica. A curva da pressão intracraniana é composta
A exclusão do LCR para fora do crânio é o primei- por três ondas: a onda A, ou onda platô, a onda B
ro mecanismo que procura manter a PIC constan- e a onda C103. A onda A, ou onda platô, é caracteri-
te, apesar do aumento de volume do encéfalo; o zado pelo aumento rápido da PIC e atinge 60 a 80
sangue venoso é o segundo elemento a ser excluído mmHg com uma duração de 5 a 20 minutos, ela
do compartimento intracraniano17,72. A curva de surge quando existe uma lesão intracraniana muito
complacência intracraniana relaciona o volume in- grande e está relacionada a um prognóstico ruim.
crementado com a elevação da pressão intracrania- Ocorre um aumento do volume sangüíneo ence-
na. Inicialmente, o acréscimo de pequeno volume fálico devido a vasodilatação, mas é acompanhada
intracraniano aumenta pouco a PIC (Fig. 17.3), de redução do fluxo sangüíneo encefálico pela re-
devido a esses mecanismos de compensação112. dução da pressão de perfusão encefálica. As ondas
Um índice pressão/volume (IPV) pode ser obtido
B atingem em geral 10 a 20 mmHg e ocorrem a
acrescentado-se gradualmente um volume cons-
cada 30 segundos a 2 minutos, também quando a
tante dentro do crânio e observando-se a elevação
complacência intracraniana está diminuída, devi-
da PIC. Observe a fórmula a seguir:
do às variações no volume sangüíneo encefálico e
aparentemente com o padrão ventilatório. A onda
IPV = ΔV/log10(Pp /Po)
C também reflete a redução da complacência in-
Nela, ΔV é o volume de fluido introduzido den- tracraniana, mas surge com a variação de pequenas
tro do crânio, Pp é o pico de hipertensão intracra- quantidades de volume intracraniano, aparente-
niano após a infusão do fluido e Po é o valor inicial mente refletindo as variações que surgem com o
basal da pressão intracraniana. No indivíduo adul- pulso sangüíneo, pode indicar em algumas situa-
to, é necessária a introdução de 25 ml para mudar ções a redução da complacência intracraniana.
a PIC para um valor de 10 de IPV. Na criança são
necessários apenas 10 ml, devido ao menor espaço Considerações sobre as diferenças do SNC
intracraniano111, o que a torna mais suscetível à ra- na criança
pidez de piora neurológica.
O encéfalo do neonato pesa aproximadamente
Embora esse índice forneça a noção da com-
335 gramas, que correspondem a 10%-5% do peso
placência intracraniana, sua aplicação não é acon-
selhável, pois o paciente com PIC aparentemente corpóreo. Esse peso do encéfalo dobra aos 6 me-
normal pode estar próximo do limite de descom- ses de idade, atingindo 900 g com 1 ano de idade;
pensação. Assim, a introdução de determinado aos 12 anos pesa de 1.200-1.400 g, representando
volume dentro do crânio elevaria abruptamente a aproximadamente 2% do peso corpóreo.
PIC e comprometeria a perfusão encefálica. A partir dos 8 anos de idade, embora o encéfalo
Entretanto, quando a descompensação da PIC corresponda 2% do peso corpóreo, o consumo é
está para ocorrer, fatores decorrentes da alteração de mais de 20% da energia (trifosfato de adenosina
cardiovascular podem elevá-la, como o retorno ve- – ATP) produzida para todo o corpo120.
noso do encéfalo reduzido com o aumento da pres- Em condições normais de fornecimento de oxi-
são intratorácica durante a tosse, com a retirada da gênio, o encéfalo produz o ATP utilizando oxigênio
elevação do dorso que abaixa a cabeça e dificulta a e glicose através do ciclo de Krebs. Seu estoque de
drenagem venosa. Se a reatividade arterial do cére- glicogênio é reduzido, o suficiente apenas para pro-
bro está comprometida, a hipertensão arterial au- duzir ATP por quase 3 minutos e manter a taxa me-

316 An e s t e s ia Pe diátrica

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tabólica encefálica em condição normal. Se a hipo- da região cinzenta do encéfalo é maior que na subs-
glicemia persiste, a evolução caminha rapidamente tância branca. A quantidade de oxigênio utilizada
para coma e, a seguir, morte encefálica. No neona- na substância cinzenta é em média 6 ml/100 g/min
to, o estoque de glicogênio parece ser maior, o que e, na substância branca, é de 2 ml/100 g/min36.
poderia explicar o período de tolerância maior a Essa diferença ocorre pela maior densidade de cor-
hipoglicemia sem que ocorra lesão neurológica irre- pos dos neurônios na substância cinzenta, onde
versível. Na criança, a taxa metabólica do encéfalo se sintetizam os neurotransmissores, enquanto na
é maior e utiliza mais oxigênio e glicose que o adul- região branca do encéfalo é basicamente compos-
to120. Na falta de oxigênio, o glicogênio é utilizado ta por fibras axonais101, que possuem a função de
pela via anaeróbica, que transforma o piruvirato em carrear esses neurotransmissores.
lactato, produzindo o NAD+; entretanto, essa via Na criança, essa taxa de consumo de oxigênio é
de produção de energia gera íons de hidrogênio, o maior, ao redor de 5 ml/100 g de cérebro/min. E, como
que reduz o pH intracelular, alterando a viabilidade no adulto, o fluxo sangüíneo também é maior no cór-
da célula nervosa117. O ATP do tecido cerebral re- tex cerebral e menor nas estruturas basais do encéfalo.
duz para zero dentro de um período de 7 minutos O fluxo sangüíneo encefálico (FSE) global nos
após a interrupção da oferta de oxigênio118. neonatos e prematuros está ao redor de 40-42
No entanto, a hiperglicemia também é prejudi- ml/100 g21, uma vez que a resistência vascular é
cial ao encéfalo quando sofre agressão e os neurô- maior que nos adultos101. A partir do 6o até 40o mês
nios perdem sua viabilidade. A glicose não necessi- de idade, o FSE aumenta para 90 ml/100 g/min78.
ta de insulina para entrar na célula nervosa, assim, O FSE passa para 100/100 g/min107 com 3 a 12
na vigência de hiperglicemia intravascular, a glicose anos. O desenvolvimento do número de neurônios
entrará em equilíbrio com o espaço intersticial e in- do encéfalo ocorre até os 4 anos de idade; nesse
tracelular. Posteriormente, quando a glicemia sistê- período, a distribuição do fluxo local das diversas
mica é reduzida a níveis normais, a glicemia intra-
neuronal permanece elevada, pois, como essa célula
sofreu agressão, ela não tem atividade normal para
consumir a glicose no seu interior, gerando assim FSC normal = 42 ml/100 g/min
CMRO2 = 5 g de O2/100 g/min
um gradiente hiperosmolar entre o espaço inters-
ticial e intracelular, que favorece a entrada de água
no neurônio, agravando o edema celular96,115.
FSC
Convulsão
Os mesmos fatores metabólicos, miogênicos e
neurogênicos que regem a regulação do fluxo san-
güíneo encefálico no adulto, ao modular o tônus Coma
arterial, atuam sobre a regulação do fluxo sangüí- Atividade metabólica
neo encefálico do neonato com algumas diferen-
ças95. Os fármacos que atuam deprimindo a ati-
vidade cerebral e alterando o fluxo sangüíneo no Fig. 17.8 – Como no adulto, o fluxo sangüíneo cerebral aumenta
adulto atuam de maneira semelhante na criança. conforme a necessidade metabólica e reduz quando se diminui a
atividade funcional dos neurônios, com uso de anestésicos que re-
No adulto, o fluxo sangüíneo aumenta confor- duzem o consumo de oxigênio e glicose. Entretanto, o FSC ao nas-
me maior é a atividade da célula nervosa, fluxo este cimento é menor, mas logo nos primeiros meses se torna maior que
regulado por mecanismo metabólico (Fig. 17.8). no adulto, pela maior necessidade de nutrientes (5 ml O2/100 g/min)
decorrente da evolução do SNC. Também como no adulto, o fluxo
A taxa metabólica de oxigênio é de 3 ml a 3,5 sangüíneo é maior na região cinzenta do encéfalo, devido a síntese
ml/100 g de cérebro/min, mas o fluxo sangüíneo de neurotransmissores.

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 317

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áreas do córtex cerebral se modifica à medida que rial. Em indivíduos sem patologias cerebrovascu-
regiões específicas do cérebro se desenvolvem o lares, a vasodilatação cerebral inicia-se com a PaO2
fluxo regional aumenta à medida que essa área se de 50 mmHg, conseguindo manter a quantidade
desenvolve com o crescimento89. necessária de oxigênio aos tecidos nervosos em
Se por um lado, a viabilidade do encéfalo de- níveis adequados até a PaO2 de 30 mmHg (Fig.
pende do seu fluxo sangüíneo e da oferta constante 17.8). Quando a a hipóxia se agrava, mesmo com
de oxigênio e glicose, por outro, temos que con- mais vasodilatação cerebral, para aumentar o fluxo
siderar que esse fluxo depende da pressão de per- sangüíneo, não é mais possível manter a quantida-
fusão encefálica43. A pressão arterial média (PAM) de de oxigênio necessária para manter a viabilidade
e a pressão intracraniana (PIC) é que determinam do neurônio e ocorre lesão celular.
a pressão de perfusão do encéfalo (PPE). Em de- A hiperóxia modifica pouco o FSE; quando a
cúbito horizontal, a pressão intracraniana é maior PaO2 está ao redor de 200-300 mmHg reduz em
que a pressão venosa do seio sagital, assim a PPE = 10% o fluxo sangüíneo cerebral (Fig. 17.9). En-
PAM – PIC. tretanto, o aumento da pressão atmosférica altera
Entretanto, como o encéfalo está contido dentro mais o fluxo sangüíneo encefálico.
do crânio, o aumento de quaisquer um de seus com- Na criança a evolução da hipóxia parece não
ponentes pode elevar a PIC, exceto se um, ou mais, ser tão drástica como na hipóxia, pois, apesar da
dos outros componentes, foram excluídos para fora taxa metabólica relativa, 5 ml oxigênio/100 g de
do crânio, quando a PIC se manterá então constante. encéfalo/min, ser maior do que no adulto, o fluxo
Na falta da capacidade contrátil das fibras mus- sangüíneo cerebral de 40-42 ml/100 g/min nos ne-
culares, que compõe as artérias e arteríolas cere- onatos21 passa para 90 ml/100 g/min8 aos 6 meses
brais, o aumento do VSE pode ocorrer na vigência de idade78, e 100 ml/100 g/min aos 3 anos de ida-
de hipóxia, hipercapnia, hipertensão arterial sistê- de108, como já citado anteriormente. A falta de oxi-
mica ou crise convulsiva, aumentando a PIC. gênio ao tecido nervoso obriga que a energia seja
O consumo de oxigênio no encéfalo normal
é ao redor de 3 a 3,5 ml/100 g de cérebro/min.
Em condições normais, a oferta de oxigênio para
o encéfalo é de 8 ml/100 g/min, quantidade aci-
ma da necessidade de repouso. Assim, quando O2 Liberado
ocorre anóxia cerebral, os neurônios podem per- 8
manecer viáveis por aproximadamente 3 minutos
ml O2/100 g/min

150
ml/100 g/min

O2 liberado

6
e após esse tempo, alterações irreversíveis ocorrem
FSC

na célula nervosa, se não houve nenhuma medida 100 4


para reduzir a taxa metabólica. Aparentemente, na 53 2
criança esse tempo de tolerância à anóxia pode ser
menor pela maior taxa metabólica. 30 50 PaO2 mmHg

No entanto, o mecanismo de vasodilatação ce-


rebral compensadora que ocorre consegue manter
Fig. 17.9 – Como nos adultos, a hipóxia causa vasodilatação cere-
a oferta de oxigênio para o encéfalo durante a hi- bral, para aumentar o aporte de sangue na tentativa de compensar a
póxia até determinado grau de redução da PaO2 oferta de oxigênio. Entretanto, esta compensação só ocorre com a
arterial55. O aumento do fluxo sangüíneo cerebral, PaO2 até 30 mmHg. Observe que no adulto a necessidade basal de
oxigênio é menor (3 a 3,5 ml O2/100g/min) do que na criança (5 ml
para nutrir os neurônios, tenta compensar a menor O2/100g/min). Entretanto, após alguns meses de vida até os 10 anos
quantidade de oxigênio existente no sangue arte- de idade o FSC na criança é maior que no adulto.

318 An e s t e s ia Pe diátrica

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obtida pela via anaeróbica, resultando em acidose 50 mmHg e superior de 150 mmHg43,74. Abaixo
lática116. do 50 mmHg, o FSE reduz por falta de pressão de
A ação da PaCO2 sobre o controle do FSE na enchimento; mesmo com a vasodilatação compen-
criança ocorre por meio dos mesmos mecanismos satória, o fluxo sangüíneo diminui128. A vasocons-
que no adulto. A hipocapnia causa vasoconstrição e trição arteriolar perde a eficácia quando a pressão
reduz o fluxo sangüíneo encefálico, enquanto a hi- de perfusão está acima de 150 mmHg e o FSE au-
percapnia causa vasodilatação e o fluxo aumenta li- menta127, pois o mecanismo de contratilidade do
near e proporcionamente com a elevação da PaCO2, músculo liso da arteríola cerebral, em resposta ao
entre os limite de 25 mmHg e 80 mmHg98,127 (Fig. aumento da pressão dentro da luz do vaso (efei-
17.9). O mecanismo depende, aparentemente, da to Bayliss), diminui. A partir daí, quanto maior a
variação do pH do liquor no espaço intersticial pressão arterial, maior será o fluxo sangüíneo, bem
ao redor das artérias e arteríolas cerebrais. Como como o volume sangüíneo intravascular, já que
a molécula de CO2 atravessa facilmente a BHE, ocorre dilatação arterial, repercutindo no aumento
ocorre alcalose ou acidose respiratória do plasma da PIC.
perivascular. Entretanto, no neonato essa resposta Parece razoável que, nos pacientes neonatos,
pode ser heterogênea109 e estar diminuída quando esses limites da curva de auto-regulação se situem
a PaCO2 é menor que 30 mmHg devido à imatu- em valores menores, uma vez que, ao nascer e até
ridade do SNC97 (Fig. 17.9). A hipotensão arterial o primeiro ano de vida, a pressão arterial média
sistêmica induz a vasodilatação cerebral que reduz normal está ao redor de 60 mmHg100, esses valo-
a eficácia da reatividade ao CO2, e o aumento da res menores da PAM pode ocorrer para as crian-
PaCO2 não aumenta o fluxo sangüíneo cerebral42 ças menores de 2 anos de idade. Os valores nor-
(Fig. 17.10). Além disso, a menor concentração de mais de pressões aumentam conforme a idade da
hemoglobina no neonato parece reduzir a reativi- criança:
dade ao CO228. a) no prematuro com menos de 2.500 g a pressão
A auto-regulação miogênica no paciente adul- arterial é de aproximadamente 50 mmHg X 30
to mantém o fluxo sangüíneo constante quando a mmHg (PAM ≅ 37 mmHg);
pressão de perfusão está entre os limites inferior de b) no neonato de termo com mais de 2.500 g é
60 mmHg x 40 mmHg (PAM ≅ 47 mmHg);
FSC c) com 1 ano de idade e peso de 10 kg a pressão
Neonato
ml/100 g/min é 90 mmHg x 60 mmHg (PAM ≅ 70 mmHg);
Vasodilatador
d) com 6 anos e 20 kg a pressão é de 100 mmHg x
Vasoconstritor 60 mmHg (PAM ≅ 73 mmHg).
42
e) com 12 anos e pesando 40 kg a pressão atinge
PAM= 30 mmHg 115 mmHg x 60 mmHg (PAM ≅ 75 mmHg).
O valor exato desses limites não está estabele-
cido, mas modelos em animais neonatos sugerem
40 PaCO2
mmHg que tais valores estão em 40 mmHg para o limite
inferior e 90 mmHg para o limite superior45 (Fig.
Fig. 17.10 – O FSC na criança varia proporcionalmente conforme a
PaCO2 como no adulto e também está submetida às alterações de 17.11).
fatores que interferem na reatividade vascular. Porém, pela imatu- No adulto, a variação da PaCO2, a atividade
ridade do SNC, o coeficiente angular da curva da PaCO2 é diferente
no prematuro e no neonato, e a variação do fluxo sangüíneo é me- simpática e a taxa metabólica da célula nervosa,
nos eficaz do que no adulto. bem como fármacos que atuam na musculatura

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 319

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valores menores para manter o fluxo sangüíneo ce-
FSC rebral constante (Fig. 17.11).
ml/100 g/min
O FSE mantém-se proporcional à necessidade
metabólica do encéfalo; no adulto o fluxo sangüíneo
53 médio é de 53 ml/100 g de cérebro/min com um
42
Atividade consumo de oxigênio de 3 a 3,5 ml de O2/ 100 g de
simpática
cérebro/min. Na criança, o FSE varia conforme a
40 50 90 150 PAM idade, como citado anteriormente, mas consideran-
neonato mmHg do-se como média de 5-6 anos de idade o consumo
FSC constante
FSC proporcional à PAM de oxigênio é de 5 ml de O2/ 100 g de cérebro/min.
Quando a taxa metabólica aumenta, o fluxo sangüí­
neo aumenta proporcionalmente, provavelmente
Fig. 17.11 – O neonato tem PAM ao redor de 47 mmHg, valor que
no prematuro é menor ainda, portanto é coerente que os limites de
em virtude dos metabólitos liberados94.
auto-regulação da PAM sejam diferentes na criança pequena e, a me- As artérias e veias da superfície do encéfalo são
dida que a criança cresce, esses limites aproximem-se aos valores inervadas por fibras simpáticas originadas do gân-
da curva de auto-regulação do adulto. A atividade simpática intensa
desloca o limite inferior da auto-regulação para um valor maior. glio estrelado que formam densa inervação56; o
nível das arteríolas que se aprofundam no córtex
cerebral, essa inervação é menos densa. Embora a
das artérias e arteríolas cerebrais, podem modificar estimulação simpática atue imediatamente redu-
a curva de auto-regulacão, tanto nos limites infe- zindo o FSE, essa redução não é tão significativa
rior e superior quanto em relação ao valor que se como a variação da PaCO2 ou da taxa metabólica.
situa no platô com fluxo sangüíneo constante. A atividade simpática máxima reduz aproximada-
A hipercapnia que produz vasodilatação ce- mente de 7% a 12% do fluxo sangüíneo86. Entre-
rebral torna a auto-regulação menos eficaz42(Fig. tanto, a atividade simpática evocada por estresse
17.12). Os fármacos que reduzem a resistência parece influenciar no mecanismo de regulação
vascular periférica induzem à hipotensão arterial e do fluxo sangüíneo durante a variação da pressão
também causam dilatação das artérias da pia-má- arterial. A atividade simpática desloca a curva de
ter secundária à necessidade de oxigenação do te- auto-regulação para a direita, ou seja, nessa condi-
cido cerebral32. Porém, essa vasodilatação cerebral ção a redução da pressão de perfusão é bem menos
compensatória para não reduzir a perfusão com a tolerada, pois o limite inferior da auto-regulação
hipotensão arterial resulta em aumento de volume desloca-se também para a direita40 (Fig. 17.11).
sangüíneo intravascular encefálico, que pode au-
mentar a pressão intracraniana se a pressão arterial, Ação dos anestésicos na dinâmica
intracraniana
embora reduzida, for o suficiente para ingurgitar
esses vasos encefálicos. A partir do instante que consideramos a ação
Entretanto, o sistema nervoso central imatu- de qualquer fármaco na dinâmica intracraniana,
ro nos neonatos e crianças pequenas ainda está se temos de considerar a ação deste sobre os diver-
desenvolvendo e não apresenta resposta idêntica sos locais do encéfalo. Assim, ao alterar o fluxo e
em comparação com o cérebro do adulto na hipo- volume sangüíneo encefálico, a velocidade de for-
tensão arterial sistêmica. Nessas crianças, o limite mação e absorção do liquor resulta na modifica-
inferior da auto-regulação está deslocado para a ção da pressão intracraniana que repercute sobre a
esquerda, ou seja, como a pressão arterial média perfusão do encéfalo. Entretanto, esse mesmo fár-
normalmente é menor, a curva está deslocada para maco pode aumentar ou diminuir o metabolismo

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encefálico, e o resultado final dessas interações é tésico halogenado, mais o limite superior da curva
que determinará a viabilidade do sistema nervoso de auto-regulação desloca-se para a esquerda (Fig.
central. 17.12). O volume sangüíneo encefálico pode au-
Podemos considerar os componentes como: a) mentar com pequenas variações da pressão arterial
plasticidade das células nervosas e das células de pela perda parcial da reatividade vascular encefáli-
sustentação adjacentes (astrócitos) com o fluido ca. O sevoflurano e o desflurano também atuam
intersticial que as envolve; b) equilíbrio entre a reduzindo a taxa metabólica do encéfalo, porém
produção e absorção do líquido cefalorraquidiano com menor efeito vasodilatador sobre o encéfalo.
c) acúmulo de sangue dentro do compartimento Se não for utilizado em concentrações elevadas, o
intravascular, arterial ou venoso: e d) condições sevoflurano e o enflurano preservam melhor a rea-
patológicas como tumor cerebral, obstrução à dre- tividade vascular do cérebro. Se a hipotensão arte-
nagem do liquor, hematomas intracranianos após rial que ocorre com esses halogenados é tratada, a
lesão vascular encefálica e perda da integridade da relação entre a taxa metabólica e o FSE mantém-se
barreira hematoencefálica. em condições mais adequadas, apesar de a vasodi-
Os anestésicos atuam no encéfalo da criança do latação causar discreto aumento da PIC. O enflura-
mesmo modo que atuam no adulto, pelos mesmos no, quando associado a hipocapnia profunda, pode
mecanismos sobre os diversos componentes ence- gerar atividade eletroencefalográfica semelhante ao
fálicos. estado de epilepsia63.
Os anestésicos inalatórios como halotano, iso- O óxido nitroso está associado a aumento do
flurano, sevoflurano e desflurano reduzem o meta- FSE, VSE e metabolismo cerebral12,92. Entretanto,
bolismo encefálico de modo dose-dependente, mas é controversa a utilização em paciente neurocirúr-
também causam vasodilatação cerebral, aumentan- gico, mesmo que associado a anestésicos que re-
do o fluxo (Fig.17.12) e volume sangüíneo encefá- duzam a taxa metabólica, FSE e VSE. O óxido ni-
lico e, portanto, a pressão intracraniana. O aumen- troso deve ser evitado em condições desfavoráveis,
to do volume sangüíneo com a vasodilatação en- nas quais existe hipertensão intracraniana elevada
cefálica ocorre porque os anestésicos halogenados demais associada com edema cerebral, inchaço e
atuam diretamente relaxando a fibra muscular das
artérias e arteríolas cerebrais69,126. Esse aumento do
volume encefálico é agravado quando se associa o
FSC Vasodilatadores
óxido nitroso, que aparentemente estimula o me- ml/100 g/min
tabolismo cerebral e aumenta o FSE. O isoflurano
e o halotano deprimem a taxa metabólica18,22 de
53
modo progressivo conforme a concentração utili- 42
zada, e o isoflurano reduz mais a taxa metabólica
para a mesma CAM, entretanto ambos os agen-
40 90 PAM
tes requisitam uma concentração muito alta para mmHg
redução significativa da atividade cerebral a ponto FSC constante
de considerar a proteção neuronal, nestas concen- FSC proporcional à PAM

trações altas a vasodilatação cerebral eleva a PIC,


assim deve-se considerar a utilização como agentes
anestésicos únicos. Além disso, reduz a pressão ar- Fig. 17.12 - Fármacos vasodilatadores cerebrais e hipercapnia tam-
bém modificam essa curva semelhante à do adulto. A hipocapnia
terial sistêmica e diminui a pressão de perfusão en- reduz o FSC e, quanto mais prematura é a criança, a influência do
cefálica. Quanto maior é a concentração de anes- CO2 é menor .

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 321

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deslocamento de estruturas encefálicas denotando tabólica total em 7% para cada grau de temperatu-
intenso sofrimento encefálico, com reduzida per- ra encefálica reduzida. Assim sendo, o coma bar-
fusão sangüínea. Determinados anestésicos haloge- bitúrico não é capaz de reduzir a atividade interna
nados também devem ser evitados nessa situação, dos neurônios, aquela que mantêm a viabilidade
sendo substituídos por anestésicos que reduzam a das organelas, retículo endoplasmático, micros-
taxa metabólica e a PIC, e preservam a reatividade somo e integridade da permeabilidade seletiva da
vascular encefálica, pois, provavelmente o paciente membrana neuronal.
permanecerá intubado com assistência ventilatória Como o barbitúrico também atua deprimindo
no período pós-operatório, com necessidade de o sistema cardiovascular, o excesso desnecessário
hipocapnia moderada para reduzir a hipertensão causará mais falência hemodinâmica por seu efeito
intracraniana. cumulativo exceder a capacidade de metabolização
Os anestésicos endovenosos causam vasocons- deste. Nessa condição, com a queda da pressão ar-
trição cerebral, com exceção da cetamina, que au- terial a perfusão encefálica se agrava na vigência de
menta a atividade encefálica33,102. Essa vasoconstri- hipertensão intracraniana. Aminas vasoativas pas-
ção reduz o volume sangüíneo cerebral e a pressão sam a ser necessárias para manter a performance
intracraniana. Essa redução do fluxo sangüíneo cardiovascular, entretanto a vasoconstrição resul-
não causa isquemia cerebral, pois o efeito é decor- tante pode incorrer em acidose tissular, redução da
rente da ação depressora sobre a taxa metabólica do perfusão renal e distribuição inadequada do fluido
neurônio. Embora reduzam a taxa metabólica, os intravascular para o interstício de todo o organis-
anestésicos não protegem totalmente da redução mo. Como proposta anestésica, a indicação do
do fluxo sangüíneo decorrente da hipocapnia pro- barbitúrico visa atuar sobre a parte do encéfalo em
funda, pois nessa condição a vasoconstrição é in- que resta reatividade cerebrovascular íntegra, em
tensa e causa isquemia das células nervosas. volume encefálico suficiente, para, ao causar vaso-
Os barbitúricos utilizados como anestésicos de- constrição, reduzir o volume encefálico e permitir
primem a taxa metabólica na atividade funcional que as áreas afetadas do encéfalo tenham condi-
dos neurônios, ou seja, a atividade produzida para ções mais favoráveis de recuperação pela melhora
neurotransmissão54,80. Utilizado para reduzir o me- da perfusão.
tabolismo cerebral e a hipertensão intracraniana O metohexital pode causar atividade EEG, in-
durante o coma barbitúrico, a proposta é reduzir duzindo à ocorrência de convulsões em pacientes
o consumo de oxigênio e evocar vasoconstrição de epilépticos70,133.
áreas do encéfalo que respondem aos mecanismos O etomidato reduz, como o barbitúrico, a taxa
de reatividade vascular (Fig. 17.8), o que equilibra- metabólica e o FSE87,99, mas não de um modo line-
rá a balança entre necessidade e oferta de nutrien- ar. A redução da máxima do FSE ocorre com dose
tes, que possam não estar sendo adequadas por menor do que a necessária para redução máxima da
causa de HIC, com redução da perfusão cerebral110. taxa metabólica possível, o que sugere que o eto-
A indução de coma barbitúrico para redução do midato atua de duas maneiras distintas: ação direta
metabolismo deve ser monitorizada por meio da sobre a constrição cerebrovascular e supressão da
atividade eletroencefalográfica contínua, pois a atividade metabólica25. Existe o inconveniente de
dose em excesso de barbitúrico também manterá o etomidato poder desencadear atividade muscular
o EEG isoelétrico, mas não terá feito adicional na tônica-clônica e eletroencefalográfica semelhante à
redução da atividade intrínseca do neurônio. Essa crise convulsiva29,38, mas, aumentando-se a dose, o
atividade intrínseca do neurônio só é reduzida em etomidato deprime totalmente o encéfalo e cessa a
vigência de hipotermia, que reduz a atividade me- atividade convulsiva134, embora possua a desvan-

322 An e s t e s ia Pe diátrica

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tagem de depressão da resposta adrenocortical ao armazenado dentro dessas fibras e causar arritmias
estresse37. cardíacas graves41. A imobilidade pode ser obtida
Os benzodiazepínicos reduzem a taxa metabó- associando-se anestésicos halogenados, desde que
lica e o FSE ao redor de 25%, e essa redução do não aumente a PIC a ponto de comprometer a per-
fluxo parece estar relacionada com a do metabolis- fusão encefálica.
mo35,88, e redução da pressão intracraniana. O líquido cefalorraquidiano tem sua dinâmica
O flumazenil, um antagonista que reverte os alterada conforme as ações dos diferentes anesté-
efeitos dos benzodiazepínicos sobre o FSE, a taxa sicos sobre a velocidade de formação nos plexos
metabólica e, portanto, sobre a PIC, pode trazer coróides dos ventrículos cerebrais, cujo princípio
efeitos indesejados ao ser utilizado para reverter a de produção é ativo, ou seja, depende da bomba
anestesia35. de sódio-potássio, ou sobre a velocidade de ab-
O propofol atua reduzindo a taxa metabólica e sorção nos vilos aracnóideos perto do seio sagital
o fluxo sangüíneo encefálico128, embora reduza a superior, cuja absorção é passiva e depende do gra-
pressão intracraniana; ao reduzir a pressão arterial diente de pressão entre o liquor e a pressão venosa
sistêmica, pode comprometer a pressão de perfu- do seio sagital. A velocidade de formação do LCR
são encefálica93. Nos últimos anos, a utilização de aumenta com o enflurano1, sofre pouco efeito do
propofol em pacientes neurocirúrgicos pediátricos isoflurano10, óxido nitroso2, fentanil8, tiopental6 e
tem se tornado freqüente; contornado o efeito de cetamina3, e tem sua formação reduzida com o ha-
hipotensão arterial, o propofol reduz a taxa meta- lotano8. A absorção do liquor está diminuída com
bólica e o fluxo sangüíneo encefálico23,53,119. o halotano9, enflurano7 e quetamina3; essa absor-
Os anestésicos opiódes são os que têm menor ção é facilitada pelo isoflurano7 e pelo fentanil9,
efeito direto sobre o FSE, a taxa metabólica e a já o efeito é praticamento nulo com o tiopental6
pressão intracraniana50. A cetamina é vasodilata- e protóxido5.O sevorano e o remifentanil modifi-
dor cerebral potente, capaz de aumentar o FSE de cam pouco a velocidade de formação e absorção
modo significativo124, e pode piorar as condições do LCR4.
do paciente se existir hipertensão intracraniana ou
crise convulsiva109. CONSIDERAÇÕES PARA AS CIRURGIAS
A imobilidade do paciente neurocirúrgico pode NO SNC
ser obtida com relaxante muscular despolarizante, A avaliação neurológica pré-anestésica
succinilcolina, no momento da intubação orotra-
queal. Entretanto, a elevação da PIC pode ocor- Além da idade e peso, deve-se considerar as con-
rer mesmo com a utilização prévia de relaxante dições de nascimento do paciente pediátrico neu-
muscular competitivo, pois aparentemente a PIC rocirúrgico. A pressão intracraniana no adulto está
aumenta pelos estímulos nocioceptivos que che- entre 8 a 18 mmHg, e na criança essa pressão é de
gam ao encéfalo20,58,59. No entanto, a succinilcolina 2 a 4 mmHg (Fig. 17.3). Nos neonatos a PIC pode
não deve ser utilizada em paciente neurológicos ter valor positivo no primeiro dia, mas nos neona-
que permanecem em repouso prolongado com re- tos prematuros essa pressão intracraniana pode se
duzida atividade muscular por longo período de tornar negativa nos dias subseqüente se o paciente
tempo. Em virtude da intensa despolarização da ficar desidratado132. Ocorre redução de peso com
fibra muscular, com liberação de potássio do in- desidratação após o nascimento, o que reduz o ta-
terior da célula muscular, a hipercalemia abrupta manho do encéfalo132, e eventualmente nos prema-
pode emergir com a despolarização das fibras mus- turos com menos de 2.500 g pode ocorrer ruptura
culares, liberando grande quantidade de potássio de vasos cerebrais e hemorragia intraventricular,

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aumentando a PIC. A pressão de perfusão encefáli- manter o cérebro em volume reduzido para facili-
ca deve ser calculada considerando-se não só a PIC, tar o manuseio cirúrgico. A presença de edema pe-
mas também o valor da pressão arterial da criança rilesional extenso na ressonância magnética indica
conforme a idade e o peso. perda da integridade da barreira hematoencefálica,
A presença de macrocefalia ou deformidades com perda da permeabilidade seletiva dos capila-
craniofaciais dificulta a intubação orotraqueal na res cerebrais aos fluidos e solutos intravasculares.
indução anestésica. A macrocefalia ocorre quando O acúmulo de sangue dentro do espaço intravas-
a PIC está elevada, seja por acúmulo de liquor na cular cerebral, constituindo o inchaço cerebral
hidrocefalia ou tumor no período em que as suturas visualizado na tomografia pelas moléculas de he-
do crânio ainda não se consolidaram. As deformi- moglobina, indica perda da reatividade vascular
dades craniofaciais podem apresentar malformação encefálica à hipocapnia, às alterações da pressão
da cavidade oral e estar associadas a alterações do arterial ou à redução da taxa metabólica do neu-
SNC, como as craneossinostoses, craneoestenoses rônio. Essa parte do cérebro, em geral ao redor do
e malformação de Arnold-Chiari. tumor, onde existe um excesso de fluxo sangüíneo
Os sinais tardios de descompensação de HIC para uma taxa metabólica normal ou reduzida, é
como dilatação pupilar, papiledema, aumento da denominada de região com “perfusão de luxo”61,
pressão arterial e bradicardia, podem não ser tão pois a oferta excede a demanda.
evidentes como no adulto, pela complacência in- Devem-se considerar possibilidade de a presença
tracraniana na criança pequena. Assim, sintomas de malformações do sistema nervoso central estara
como estado de consciência, lucidez, capacidade associada à maior incidência de malformações do
de tossir e deglutir, fraqueza motora abaulamento sistema cardiovascular, com ducto arterial persis-
das fontanelas quando avaliadas devem ser valo- tente, comunicação das câmaras cardíacas ou quan-
rizadas, pois orientam quanto ao anestésico que do, após a correção cirúrgica da patologia vascular
poderá ser utilizado, a fim de não agravar o esta- do encéfalo, o paciente evoluir com disfunção do
do neurológico ao reduzir a perfusão encefálica. sistema cardiovascular46,48,67.
Os exames de neuroimagem, como tomografia,
ressonância magnética e angiografia cerebral,
provêem informações quanto às condições do en-
céfalo. Ao estudarmos esses exames, observamos
também se a região no encéfalo a ser manuseada
pelo neurocirurgião não está próxima a áreas que
são responsáveis pelo controle de funções vitais77,
tais como o ritmo cardíaco e o padrão respiratório
localizados no tronco e no bulbo, ou a área res-
ponsável pelo estado de vigília localizada na subs-
tância reticular ativadora ascendente na ponte ao
tálamo. Assim, podemos programar se ao térmi-
no da cirurgia será necessário manter o paciente
intubado em ventilação controlada, até que seja
Fig. 17.13 – A área ao redor do tumor tem a permeabilidade da BHE
possível extubá-lo posteriormente na unidade de aumentada, o que favorece a formação de edema perilesional. Os
terapia intensiva. fatores que modificam essa permeabilidade (compressão adjacente,
metabólitos e catabólitos da célula tumoral) também modificam a
Duas condições indicam aumento de volume reatividade vascular cerebral, causando vasoplegia no cérebro ao
encefálico e PIC (Fig. 17.13), com dificuldade de redor do tumor (“perfusão de luxo”).

324 An e s t e s ia Pe diátrica

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Avaliação da volemia e medicação piratório do tronco e bulbo, pode levar a hipoven-
pré-anestésica tilação, com hipercapnia e hipóxia, vasodilatação
cerebral e aumento da PIC, agravando o quadro
O jejum pré-operatório depende da idade do
de isquemia encefálica. Entretanto, quando a seda-
paciente pediátrico68 e do estado neurológico, pois,
ção é superficial demais, a criança fica desorientada
uma vez que permanece por período prolongado
e excitada, o que dificulta seu manuseio pré-ope-
no leito sem atividade motora, pode entrar em es-
ratório. A prescrição de medicação pré-anestésica
tado de desidratação, ou vômitos em decorrência
não é obrigatória na criança com idade abaixo de
da HIC podem levar a alterações hidroeletrolíti-
12-15 meses, pois, pela imaturidade do SNC, ela
cas. A hipertensão intracraniana repentina indica
ainda não compreende o que se sucede. Caso haja
a cirurgia de urgência para retirar o fator causal da
o planejamento de indução anestésica inicialmen-
elevação da PIC, porém na vigência da HIC o es-
te com agentes halogenados, a administração de
vaziamento do estômago torna-se mais lento, o que
0,02 mg/kg de atropina, por via intramuscular 30
necessitaria de um tempo maior que o normal de
minutos antes ou endovenosa após a indução anes-
jejum. A emergência cirúrgica do caso determina o
tésica, é necessária para evitar o excesso de secre-
período de jejum.
ção orofaríngea ou bradicardia por reflexo vagal no
O jejum deve ser de 6-8 horas para alimentos momento de intubação traqueal39,82.
sólidos ou que se solidificam no estômago, como É aconselhável que uma pessoa emocionalmen-
leite. Nos neonatos, o jejum de 5-6 horas é adequa- te controlada, a mãe ou outro familiar, acompanhe
do. Entretanto, nesse período, devido ao alto meta- a criança até a entrada do centro cirúrgico57, onde
bolismo, o paciente desidrata-se facilmente, o que o anestesiologista que receberá a criança também
pode ser contornado administrando-se pequenas deverá estar habituado com pacientes pediátricos.
quantidades de água e glicose por via oral entre o A criança maior de 3 anos de idade, que se ma-
período de jejum para alimentos sólidos e o jejum nifesta cooperativa, podem não necessitar de se-
absoluto: no neonato, água e glicose 2 horas antes dativo após esclarecimento aos pais, que também
da indução anestésica; na criança de 1 a 6 meses, podem acompanhá-la até a entrada do centro ci-
água e glicose 4 horas antes; na criança maior de 3 rúrgico57. A faixa etária entre 18 meses e 3 anos de
anos, jejum absoluto por 6 a 8 horas. Após iniciar o idade é o período na qual a criança já interage com
jejum absoluto, a hidratação deve ser mantida com o ambiente ao seu redor, porém não compreende
infusão de cristalóides por via parenteral. a necessidade de ser submetida ao procedimento
Deve-se considerar a hemorragia intra-operató- cirúrgico. A agulha deve ser evitada porque evoca
ria, que poderá ocorrer conforme o porte e a du- medo na criança. A sedação pode ser obtida com
ração da cirurgia, para que seja solicitada a reserva diazepam (0,3 a 0,5 mg/kg)73 ou midazolam (0,50
de hemoderivados antes do início desta. Utilizando a 0,75 mg/kg)76 por via oral associados a xaropes
o valor do hematócrito, a quantidade de massa de de sabor agradável.
hemácias que existe no espaço intravascular do pa- A medicação anticonvulsivante é mantida se vem
ciente pediátrico é calculada, conforme a volemia sendo utilizada, para que a abstinência não permita
correspondente à sua idade e peso68. A partir desse a crise convulsiva que aumenta a PIC. Entretanto,
valor de massa de hemácias, a reposição volêmica pacientes epilépticos que fazem uso de anticon-
com hemoderivados inicia-se quando o hematócri- vulsivantes podem necessitar de doses maiores de
to reduz a 30 g%. anestésicos83,84,125 e relaxantes musculares competi-
A administração de sedativos deve ser criteriosa, tivos quando fazem uso de difenil-hidantoína90,91
pois a depressão do SNC, atuando no centro res- ou carbamazepina30,104. O anticonvulsivante não

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deve ser reduzido nos pacientes submetidos a tra- A redução de água do tecido nervoso e interstício
tamento cirúrgico de epilepsia, porém a prescrição também diminui o volume encefálico, e essa prática
de medicação pré-anestésica ou qualquer sedativo pode ser obtida com a utilização de diuréticos de
que deprima demais a atividade cerebral pode di- alça como a furosemida ou de ação hiperosmolar
ficultar o registro eletrocorticográfico durante a ci- como o manitol114. Com essas intervenções farma-
rurgia quando necessário. cológicas, deve-se estar atento às alterações hidroele-
Além da desidratação pelo jejum, alterações hi- trolíticas, como a hiponantremia (Na+ < 115 a 120
droeletrolíticas podem com o uso crônico de cor- mEq/l), que leva a edema encefálico e convulsão, e a
ticosteróide para reduzir o edema encefálico ou hipernantremia (Na+ > 150 a 160 mEq/l), que cau-
ainda na presença de alterações do sistema neuro- sa sonolência, crise convulsiva ou até coma. Acres-
endócrino hipotálamo-hipofisário, levando a dia- cente-se aí o risco da hipotensão arterial conseqüen-
betes insípidus (DI)60,71 ou secreção inapropriada te da hipovolemia por desidratação19. A ocorrência
de hormônio antidiurético (SIHAD)11. de diabetes insípidus ou secreção inapropriada de
HAD pode confundir para diagnosticar a origem
Técnica, indução anestésica e da alteração hidroeletrolítica.
reposição volêmica
O liquor acumulado dentro do crânio, resultan-
Deve-se considerar as características anatomo- te da diferença entre a velocidade de produção nos
fisiológicas próprias da idade de todos os sistemas, plexos coróides e absorção nos vilos aracnóideos, é
principalmente as alterações do sistema nervoso cen- fluido que pode ser aspirado facilmente pelo neuro-
tral imaturo e patológico, para a escolha da técnica cirurgião após abertura da dura-máter, abertura das
anestésica no paciente neurocirúrgico pediátrico. cisternas cerebrais ou cerebelares. Se existir alguma
O objetivo principal é evitar maior lesão ao SNC e obstrução na via de trânsito do liquor, entre o local
fornecer condição adequada que mantenha a oferta onde é produzido até as cisternas, ainda resta ao
de nutrientes, oxigênio e glicose, além de reduzir a
cirurgião a opção de realizar a punção ventricular,
taxa metabólica para preservar o encéfalo, quer du-
através de córtex cerebral, para drenar o acúmulo
rante a cirurgia, quer no período pós-operatório.
do LCR e facilitar o manuseio do encéfalo.
Outro objetivo é possibilitar o manuseio do en-
A repercussão que os fármacos exercem sobre
céfalo pelo neurocirurgião, de modo que a tração ou
a pressão de perfusão encefálica deve ser a dire-
retração de estruturas encefálicas não agrave a doen-
triz para a indicação de sedativo como medicação
ça patológica preexistente. Propicia-se a redução do
pré-anestésica, bem como a escolha de anestésicos
volume encefálico ao obter a exclusão de volume
halogenados e/ou endovenosos para indução e ma-
sangüíneo intravascular intracraniano, quer seja por
nutenção. Assim sendo, quaisquer que sejam os
vasoconstrição arterial pela redução de taxa metabó-
fármacos utilizados, é imprescindível a avaliação
lica ou hipocapnia, quer seja facilitando a drenagem
quanto à ação que exerce sobre:
do sangue venoso ao se evitar rotação, extensão ou
flexão exagerada do pescoço, para não comprimir a • O fluxo sangüíneo encefálico (FSE).
veia jugular interna, que causaria estase venosa in- O aumento do FSE por:
tracraniana. A drenagem venosa do encéfalo pode – vasodilatação cerebral por redução da contra-
melhorar fixando-se a cabeça acima do átrio direito, tilidade da fibra muscular arterial (por exem-
porém, com gradiente de pressão negativa, que se plo, halogenados, nitroprussiato de sódio) ou
gera entre uma veia aberta no campo cirúrgico e o por aumento de atividade cortical (por exem-
átrio direito, existe o risco de embolia aérea venosa. plo, quetamina);

326 An e s t e s ia Pe diátrica

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– vasoconstrição da resistência periférica to- pórea maior em relação ao peso comparado ao
tal, elevando a pressão arterial sistêmica aci- adulto, com maior perda por transpiração com a
ma do limite da curva de auto-regulação do hipertermia; b) maior metabolismo basal e perda
FSE, quer seja por uso de drogas vasoativas de água pela respiração, principalmente se a hiper-
ou anestesia superficial demais que cause hi- ventilação é necessária; c) imaturidade do sistema
pertensão arterial em resposta aos estímulos renal com dificuldade de eliminação de eletrólitos
nocioceptivos da cirurgia. ou presença de DI ou SIHAD; d) presença de de-
Reduzindo o FSE por: sidratação pelo uso de diuréticos e/ou restrição hí-
– vasoconstrição cerebral, com a redução da drica na tentativa de reduzir o edema encefálico; e)
atividade funcional em virtude da ação do aspiração de liquor após a craniotomia, que passa
anestésico sobre os neurônios; a ser significativo em cirurgias prolongadas. De
qualquer forma, a reposição hidroeletrolítica deve
– hipotensão arterial sistêmica pela ação de- partir de um padrão estabelecido e, a partir dis-
pressora do anestésico sobre o sistema car- so, avaliar o paciente continuamente por meio de
diovascular, resultando em queda da perfu- exames laboratoriais, avaliação clínica do estado de
são encefálica. hidratação das mucosas, alteração hemodinâmica e
• O aumento do sangue intravascular intracrania- a constrição periférica para poder reajustar adequa-
no pela vasoplegia encefálica ou com aumento damente a reposição com soluções cristalóides e, se
de sangue extravascular em virtude da lesão vas- possível, associar colóides.
cular (hematoma). Inicialmente a reposição pode ser realizada da
• O volume de liquor que permanece no espaço seguinte forma68: na criança com 0-10 kg de peso,
intracraniano determinando a PIC como resul- infusão de 4 ml/kg/h; quando o peso está entre 10-
tado entre produção e absorção. 20 kg, infundir 2 ml/kg/h; nas crianças com mais
O relaxamento muscular é necessário na intuba- de 20 kg, a administração é de 1 ml/kg/h. Assim,
ção traqueal para que não ocorra aumento da pres- uma criança com 21 kg de peso receberá 61 ml de
são intratorácica e dificuldade de retorno venoso reposição por hora (40 ml + 20 ml + 1 ml = 61 ml).
com elevação da PIC. Esse relaxamento muscular A constituição da solução deve conter eletrólitos,
pode também ser necessário para manter a imobili- lembrando que o metabolismo basal na criança é
dade em momentos de manuseio cirúrgico críticos. maior, portanto, para evitar hipoglicemia, a glicose
O relaxamento muscular obtido com anestésicos deve estar presente na solução. A monitorização da
halogenados potencializa os relaxantes competiti- glicemia deve ser rigorosa na presença de lesão en-
vos, lembrando que se deve optar pela condição cefálica grave, para que a hiperglicemia não piore o
de menor aumento da PIC. O paciente não deve edema cerebral.
permanecer curarizado em situações neurocirúrgi- A reposição de sangue total, concentrado de he-
cas, quando o potencial evocado será utilizado para mácias, plasma ou plaquetas, também é difícil de
estimular a área motora; nessa situação, a anestesia se avaliar, pois o tamanho do encéfalo é proporcio-
deve permanecer em plano adequado para que o nalmente maior que o do adulto quando conside-
paciente não se movimente demais durante a esti- ramos o tamanho do corpo. Assim, a hemorragia
mulação cortical. intracraniana repentina pode ocasionar choque
A reposição hidroeletrolítica, no paciente pediá­ hemorrágico mais rápido do que no adulto. A aspi-
trico submetido à neurocirurgia, é um dos fatores ração de sangue com soro, que perfunde o campo
mais difícil de se calcular, uma vez que temos de cirúrgico, não possibilita a avaliação adequada da
considerar concomitantemente: a) superfície cor- hemorragia. A reposição de hemoderivados baseia-

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 327

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se na perda de sangue estimada através da volemia O despertar pode ser demorado pela redução da
estimada do paciente, do hematócrito inicial antes atividade encefálica com a hipotermia, além disso,
da incisão cirúrgica e do hematócrito encontrado ao despertar, os tremores aumentam o consumo de
em determinado momento, considerando-se que a oxigênio nos músculos, podendo causar hipóxia
reposição hidroeletrolítica esteja correta. cerebral. A hipertermia leva a maior perda de flui-
Assim, um paciente com 21 kg e volemia esti- do, hipovolemia e também vasodilatação cerebral,
mada de 70 ml/kg de peso terá o volume sangüíneo com aumento do metabolismo cerebral, e redução
total de 1.470 ml. Supondo o hematócrito inicial da reatividade vascular encefálica.
de 38 g, o volume de hemácias inicial será de 558 A seguir, apresentamos as características especí-
ml, ou seja, 1.470 ml x 0,38. Se for mantida a mes- ficas de cada patologia neurológica no paciente pe-
ma volemia de 1.470 ml, à custa de reposição de diátrico, assim como as possibilidades de contornar
soluções eletrolíticas e colóides, quando o hema- as dificuldades encontradas, mantendo as melhores
tócrito cair para 30 g o volume de hemácias será condições para o procedimento cirúrgico.
de 441 ml, obtido por 1.470 ml x 0,30. Então, a
perda de volume de hemácia aceitável para manter Considerações específicas das patologias
o hematócrito em 30 g é de 558 ml – 441 ml =
Cranioestenose e anormalidades craniofaciais
117 ml de hemácias. Assim, para manter o hema-
tócrito em 30 g, aceitamos a perda por hemorragia A fusão prematura das suturas dos ossos crania-
do volume sangüíneo de três vezes a quantidade de nos pode impedir o crescimento normal do encéfa-
hemácias calculada, ou seja, 117 ml X 3 = 351ml lo. Também podem ocorrer rebaixamento mental e
de sangue. A reposição da perda de até metade des- aumento da pressão intracraniana (Fig. 17.14).
se valor calculado (351 ml : 2 = 175 ml) é reali-
zada com Ringer; quando a perda está entre 175
ml e 351 ml, a reposição é realizada com Ringer
e albumina humana. Se a perda ultrapassa esse va-
lor, é necessário infundir concentrado de hemácias
associado com cristalóide, colóides e/ou plasma
fresco, conforme os exames laboratoriais. Com a
transfusão de sangue em grande volume com infu-
são rápida, podem surgir inconvenientes como hi-
potermia, hipocalcemia, depressão do miocárdio e
acidose metabólica por hipoperfusão tecidual. Sob
esse aspecto, a transfusão de hemoderivados deve
acompanhar a hemorragia constantemente, para
evitar a hipotensão arterial e isquemia cerebral,
quer por falta de pressão de perfusão, quer por falta
de hemácias decorrente da anemia aguda.
A hipotermia reduz o metabolismo cerebral em
7% a 8% para cada grau centígrado que se reduz.
Entretanto, a hipotermia deve ser evitada, pois cau-
sa vasoconstrição periférica, acidose tissular e arrit- Fig. 17.14 – A fusão prematura das suturas e das fontanelas causa
deformidade e microcrania, o que pode comprometer o desenvol-
mias e depressão do miocárdio com queda de dé- vimento do encéfalo, além de elevar a PIC e reduzir a perfusão dos
bito cardíaco e hipotensão arterial podem ocorrer. tecidos nervosos em formação.

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Quando existe malformação craniofacial asso- assim, é inevitável que haja hemorragia volumosa,
ciada que dificultará a intubação, é aconselhável a com necessidade de transfusão de sangue79. Consi-
indução anestésica com halogenados que possibili- dere que nessa idade, comparativamente ao adulto,
ta visualização das vias aéreas antes de aprofundar a cabeça é proporcionalmente maior que o corpo,
totalmente a anestesia, mesmo com o risco de a e assim a hemorragia intracraniana reduz rapida-
PIC estar elevada. O uso de halogenado requer cer- mente a volemia sistêmica da criança. A hipotensão
ta habilidade durante a indução anestésica. Inicial- arterial pode ser instituída para reduzir a hemorra-
mente, ainda com respiração espontânea, o volu- gia intra-operatória se não existe HIC27, para redu-
me corrente pode ser mantido ou acrescido com o zir a quantidade de transfusão de hemoderivados,
auxílio da ventilação manual na mesma freqüência evitando a hipercalemia e hipotermia que podem
que a espontânea, introduzindo oxigênio e anesté- propiciar arritmia e falência cardíaca14.
sico halogenado quando as cordas vocais se afastam Se durante a craniectomia ocorrer lesão de seio
durante o tempo inspiratório. Essa ventilação co- sagital ou qualquer outro sistema venoso, a em-
ordenada reduz a possibilidade e a quantidade de bolia aérea pode ocorrer31,51. A entrada de grande
gás que iria para o estômago, distendendo-o, o que quantidade de ar pode levar à hipóxia, ao obstruir
aumenta a pressão intra-abdominal, dificultando a a perfusão pulmonar, aumentando o espaço morto
expansão dos alvéolos da base pulmonar, que são fisiológico, e dificultar a saída de sangue do ventrí-
mais perfundidos. Ao aprofundar o plano anesté- culo direito devido as bolhas de ar, evoluindo para
sico, assume-se o controle da ventilação manual- hipotensão arterial grave. Quanto mais extensa for
mente, hiperventilando e reduzindo a PaCO2, au- a craniectomia e/ou sua localização sobre os seios
mentando-se assim a concentração do halogenado venosos, maior é o sangramento e a necessidade
para se obter anestesia adequada e profunda para a de reposição volêmica, bem com a incidência de
intubação orotraqueal. A sonda orogástrica pode embolia aérea venosa. Quanto mais complexo o
ser introduzida para retirar o conteúdo gástrico, lí- procedimento anestésico-neurocirúrgico, maior é
quido e gás, minimizando a ocorrência de vômitos a indicação de monitorização invasiva, como ca-
ao despertar da anestesia. teter vesical para controle da volemia e perfusão
A sinostose da sutura bicoronal freqüentemente renal, cateter central para medir a pressão veno-
está associada a síndromes dismórficas craniofaciais, sa central e auxiliar a retirar as bolhas de ar que
como as síndromes de Apert, Crouzon e Saethre- se acumulam na veia cava e átrio direito e a pres-
Chotzen, nas quais ocorre concomitante fusão das são arterial invasiva para monitorização contínua
suturas frontoetmoidais, causando estreitamento da pressão arterial e coleta de exames para gases
das vias aéreas e dificultando a intubação orotraque- sangüíneos e avaliação constante do estado de co-
al. Mesmo após a intubação traqueal, após o posi- agulação sangüínea. A hemorragia da extensa área
cionamento da cabeça, extensão ou flexão do pesco- descolada pode persistir no período pós-operatório
ço, deve-se reavaliar a intubação, averiguando se não imediato, havendo necessidade de controle rigoro-
houve intubação seletiva ou extubação traqueal. so dos drenos entre a Gália e o crânio e exames de
A correção cirúrgica, em geral, é realizada entre coagulação sangüínea.
o 2 e 6o mês de vida, período no qual coincide
o
Os olhos devem estar protegidos, com fluido
com a anemia fisiológica. Considerando-se que a lubrificante e as pálpebras fechadas para que não
correção cirúrgica seja craniectomia, ou seja, retira- ocorra úlcera de córnea. A atropina pode ser ne-
da de uma larga faixa de osso no local onde a sutura cessária no momento em que se descola a pele pró-
se consolidou precocemente, quanto mais suturas ximo da órbita, pois o reflexo vagal pode causar
estão consolidadas, maior é a extensão da cirurgia; bradicardia.

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Hidrocefalia ríngeo e obstrução das vias aéreas, em virtude da
paralisia dos nervos cranianos baixos que estão
A hidrocefalia tem diversos fatores etiológicos situados na fossa posterior34.
pode ocorrer em qualquer idade. Pode ser adqui-
rida ou congênita, mas está sempre caracterizada • a redução da absorção do LCR ocorre com a obs-
pelo acúmulo de liquor dentro do crânio, que leva trução dos vilos aracnóideos, obstrução dos seios
venosos ou obstrução venosa extracraniana.
ao aumento da PIC e redução da PPE. No neona-
to, a hidrocefalia dificulta que as suturas do crâ- O tratamento cirúrgico da hidrocefalia consiste
nio se consolidem, mantendo-as separadas, o que na colocação de cateter intraventricular para drenar
desenvolve a macrocefalia. Com aumento da ca- o liquor, instalação de válvula que permite a passa-
lota craniana desproporcional ao resto da cabeça, gem de liquor sob pressão específica e introdução
os olhos assumem a posição de sol poente, o que da extremidade distal do cateter dentro da cavida-
indica a presença de HIC e paralisia do VI par cra- de abdominal, onde o liquor será absorvido para
niano; com a perda da complacência intracraniana, a circulação sistêmica. Excepcionalmente, a extre-
surgem sintomas como vômitos em jato, letargia e midade distal é colocada dentro do átrio direito do
depressão da consciência. coração; nesse caso, ocorre formação de pequenos
microêmbolos na ponta do cateter com o tempo,
Basicamente, as causas que levam ao acúmulo
que se desprendem e obstruem pequenos vasos da
de liquor são:
circulação pulmonar, evoluindo para a condição
• o excesso de produção do LCR, como no papi- de cor pulmonale crônico ao longo dos anos. Além
loma de plexo coróide; disso, com a ponta distal do cateter dentro do átrio
• obstrução do trajeto que o LCR percorre, desde direito do coração, existe o risco de embolia aérea
o local onde é produzido até onde é absorvi- gasosa se, posteriormente, for necessário operar a
do, que pode ser entre os sistemas ventriculares criança na posição sentada, porque o acúmulo de
laterais, 3o ventrículo, aqueduto de Sylvius, 4o ar dentro dos ventrículos cerebrais, o pneumoencé-
ventrículo, forâmens laterais de Luschka, forâ- falo entrará através da extremidade do cateter que
men de Magendie, nas cisternas basais (como aí se aloja. A extremidade distal do cateter também
na malformação de Arnold-Chiari), nas cister- pode ser colocada no tórax, entre as pleuras parietal
nas cerebelares e nas cisternas basais do cérebro e pulmonar, porém a absorção do LCR por essa via
ou no espaço subaracnóideo após infecção do pode não ser eficaz e o liquor se acumular, determi-
sistema nervoso central. As causas dessas obs- nando derrame pleural e dificuldade de expansão
truções podem ser tumor encefálico, edema ce- das bases dos pulmões.
rebral ou hemorragia após trauma ou ruptura Na avaliação pré-anestésica, a presença de so-
de vasos encefálicos. nolência e redução do nível de consciência indica
Na malformação de Arnold-Chiari localizada na pressão intracraniana elevada. O esvaziamento gás-
fossa posterior, o deslocamento para baixo do trico torna-se mais demorado na vigência de HIC.
vérmis cerebelar inferior que é empurrado em Assim sendo, no momento da indução anestésica,
direção ao forâmen magno, com alongamento deve-se considerar o paciente como estando com o
do tronco cerebral e do 4o ventrículo. As estru- estômago cheio dependendo do tempo da última
turas da fossa posterior ficam conglomeradas e alimentação. A indução anestésica deve ser rápida,
a saída do liquor do 4o ventrículo é obstruída, realizando-se suavemente hiperventilação manual
causando hidrocefalia (Fig. 17.2). Em geral, a e sem picos elevados de pressão intratorácica, com
espinha bífida pode estar associada. Ocasional- freqüência ventilatória necessária para reduzir a
mente, nessa patologia pode existir estridor la- PaCO2, observando-se se a distensão abdominal

330 An e s t e s ia Pe diátrica

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que pode estar ocorrendo com entrada de gás no A indução anestésica pode ser realizada com agen-
estômago. Certo grau de proclive na mesa cirúrgica tes anestésicos halogenados, quando não existem evi-
e compressão da cartilagem cricóide reduzem o ris- dências clínicas de HIC importante, ou seja, ainda
co de refluxo gástrico e aspiração para os pulmões. existe certo grau de complacência intracraniana62,65.
A introdução de sonda gástrica com o paciente Quando a fontanela ainda está aberta, o abaulamen-
desperto para esvaziar o estômago antes da indução to desta durante a indução anestésica é um bom indi-
anestésica e intubação orotraqueal não é aconse- cador quanto aos efeitos dos anestésicos halogenados
lhável, pois pode provocar vômito e tosse, o que na PIC. A máscara é colocada gentilmente próximo
aumentaria mais a PIC. à face da criança (se exercer compressão, pode gerar
angústia) e o agente inalatório é administrado com
A indução anestésica deve ser com anestésicos
aumento gradual da concentração (é interessante
que reduzem a pressão intracraniana se existe HIC,
que o halogenado tenha cheiro agradável). Tão breve
ou seja, deve-se induzir com anestésicos endoveno-
a criança perca a consciência, a máscara é acoplada
sos, exceto a cetamina. Em geral, a criança em estado
mais adequadamente, para se instituir a ventilação
de HIC já tem veia cateterizada e está sendo hidra-
manual assistida e aumentar mais a concentração
tada, ou então a criança está em estado de letargia e
do halogenado, sendo necessário introduzir cânula
sonolência que não dificulta a punção venosa.
de Guedel. Em plano anestésico profundo, assu-
O uso de relaxantes musculares é necessário me-se a ventilação manual controlada para reduzir
para facilitar e agilizar a intubação, além de evitar a PaCO2123, ao redor de 25 a 30 mmHg, aprofun-
aumento da pressão intratoráxica e intracraniana dando mais a anestesia para que, no momento da
após a instalação de hiperventilação pulmonar com intubação, não ocorra tosse. A partir do momento
pressão positiva. em que a analgesia existe, a punção venosa auxilia a
A macrocefalia, quando presente, dificulta a ex- complementação da indução anestésica.
tensão do pescoço para visualizar as cordas vocais O sevoflurano, anestésico halogenado com
no momento da intubação orotraqueal. Uma solu- flúor, sem cloro, possui captação alveolar mais rá-
ção adequada é posicionar o paciente em decúbito pida que o isoflurano, possibilitando um controle
dorsal horizontal e colocar coxim sob as costas, sob mais acurado da profundidade anestésica. A PIC
as omoplatas, nivelando verticalmente o tórax com não aumenta com o uso de sevoflurano quando a
a cavidade orofaríngea, o que possibilita a exten- hiperventilação está associada123. A concentração
são máxima do pescoço, e colocando os três eixos alveolar mínima do sevoflurano varia conforme a
da cavidade orofaríngea e traquéia o mais alinhado idade da criança66: a) neonatos de 3,3%; b) 1 a 6
possível. meses de 3,0%; c) 6 meses a 3 anos de 2,8%; d) 3 a
A intubação traqueal é realizada com cautela na 12 anos de 2,5%. Esta CAM pode ser menor con-
malformação de Arnold-Chiari, evitando-se a fle- forme a associação com óxido nitroso, narcótico,
xão do pescoço para não causar danos no tronco barbitúrico ou benzodiazepínicos66.
cerebral, pois o vérmis cerebelar pode ser empurra- O halotano, embora tenha cheiro aceitável para
do para baixo e comprimir o tronco cerebral. A hi- a criança, causa um predomínio vagal sobre o sis-
drocefalia e HIC estão presentes, pois as estruturas tema simpático, além de tornar o miocárdio mais
da fossa posterior ficam conglomeradas, obstruindo suscetível às catecolaminas, o que pode gerar arrit-
e dificultando a saída do liquor do 4o ventrículo. mias cardíacas130. Nas crianças, o uso de halotano
A manutenção da ventilação durante a anestesia permite que o fluxo sangüíneo encefálico aumente
é sempre controlada manual ou mecânica, para se proporcionalmente à PaCO264, tanto quanto maior
obter a hipocania e redução da PIC. for a concentração do halotano62.

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Em geral, a punção ventricular é realizada in- excessiva do liquor com a punção ventricular, que,
troduzindo-se o cateter através do córtex cerebral ao reduzir o tamanho do cérebro, distanciou o cór-
parietal posterior, atingindo o corno posterior do tex cerebral da dura-máter. A tomografia imediata
ventrículo lateral em direção à glabela. O posicio- deve ser realizada quando existem dúvidas quanto
namento da cabeça para o procedimento dificulta ao fator etiológico ser anestésico e/ou cirúrgico,
o retorno venoso encefálico e aumenta a PIC, pois para que as medidas terapêuticas sejam instituídas
existe rotação do pescoço; para amenizar, coloca- no ato.
se um coxim sob a omoplata do mesmo lado da
punção do ventrículo cerebral. Durante a punção Tumores cerebrais
ventricular, é fundamental que o anestesiologista
esteja atento quanto às alterações cardiovasculares Os tumores sólidos do SNC são mais freqüentes
que podem ocorrem, pois tanto a descompressão nas crianças com menos de 15 anos de idade. É es-
brusca da hipertensão intracraniana dos ventrícu- sencial entender a divisão do espaço intracraniano
los laterais pode levar a deslocamento de estruturas em supratentorial e infratentorial, pois a partir da
cerebrais e herniação ascendente quanto a obstru- compreensão distinta entre esses dois espaços é que
ção entre os ventrículos laterais pode causar deslo- se entende melhor a fisiopatologia dos processos
camento do hemisfério com hipertensão intraven- expansivos tumorais localizados nesses locais.
tricular em direção ao hemisfério contralateral do Por questão da embriogênese do tecido nervoso,
qual se drenou o liquor, causando herniação sob a os tumores supratentoriais emergem das estrutu-
foice cerebral. ras medianas no centro do encéfalo nas crianças,
O pneumotórax pode ocorrer durante a passa- como no tálamo, epitálamo, hipotálamo e gânglios
gem da cânula de metal por sob a pele na região basais. Tumores com essa localização podem com-
torácica, caso, por acidente, a ponta da cânula seja prometer estruturas adjacentes por compressão
introduzida dentro da cavidade torácica. Nesse ou deslocamento. A obstrução entre os sistemas
momento, deve-se estar atento quanto à pressão ventriculares dificulta a passagem de liquor e cau-
intratorácica, monitorizada por meio do aparelho sa hidrocefalia. Assim, embora o tumor possa ser
de ventilação. pequeno e não aumentar a pressão intracraniana, o
A demora do despertar do paciente submetido à seu efeito de retenção do LCR causará hidrocefalia
derivação ventricular pode ser decorrente de vários obstrutiva e HIC. Os tumores supratentoriais lo-
fatores distintos: a) excesso de anestésico inalatório calizados no córtex cerebral também ocorrem, mas
e/ou endovenoso associado às alterações hidroele- em geral aparecem no primeiro ano de vida.
trolíticas e estado ácido-básico; b) imaturidade do A avaliação acurada por meio dos exames de
sistema nervoso central do neonato mais suscetível neuroimagem mostra a relação entre a localização
aos anestésicos; c) hipertensão intracraniana pré- do tumor e as estruturas adjacentes do encéfalo.
via que já comprometia a viabilidade das células A vascularização normal ou patológica, bem como
nervosas; d) hipotermia que reduz a atividade do a localização e o tamanho de tumores ricamente
cérebro, devido à grande área exposta durante a vascularizados, fornece indícios da dificuldade ci-
cirurgia; e) possibilidade de ocorrer lesões no siste- rúrgica de remoção do tumor e a necessidade de
ma nervoso central com punção acidental de estru- transfusão sangüínea durante o ato cirúrgico. Tam-
turas basais do encéfalo, hematoma intracerebral bém possibilitam inferir uma noção aproximada
ou intraventricular por lesão vascular da punção do grau de HIC, quando avaliamos a presença de
ou ainda hematoma subdural agudo decorrente da sulcos e cisternas cerebrais e cerebelares, além da
ruptura de veias pontes quando com a drenagem hidrocefalia. A ressonância magnética, cujo prin-

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cípio se baseia no spin do elétron de hidrogênio A decisão de extubação precoce ou manuten-
da molécula de água, mostra a quantidade de água ção da intubação ao término da cirurgia depende
existente em determinada parte do encéfalo; sendo de vários fatores, como: a) hemostasia do leito ci-
assim, é o exame mais adequado para interpretar o rúrgico após a ressecção do tumor; b) manutenção
edema cerebral. Em outras palavras, é o exame que da estabilidade hemodinâmica no pós-operatório
mostra a existência da integridade da barreira he- imediato, se os centros vasomotores do encéfalo
matoencefálica (BHE), se ainda existe a seletivida- foram manuseados durante a cirurgia; c) necessi-
de aos íons, água e moléculas através dos capilares dade de manter o paciente em respiração controla-
cerebrais. A presença de edema peritumoral (Fig. da mecânica no POI, para reduzir a PaCO2 e/ou a
17.13) indica a perda da permeabilidade seletiva, taxa metabólica do encéfalo, ambos para controle
portanto a passagem de água através da BHE fica da PIC; d) grau de déficit neurológico significativo
mais em função dos gradientes de pressões osmo- por questão do manuseio cirúrgico, que se apresen-
lar e hidrostática entre o espaço intravascular e o ta no despertar da anestesia; e) capacidade de man-
espaço intersticial. Assim sendo, a hidratação de ter respiração espontânea adequada, seja pelo efeito
modo inadequado com soluções hipotônicas e/ou residual do anestésico, seja pelo manuseio cirúrgico
a crise de hipertensão arterial constante favorece a dos centros que controlam a respiração.
passagem de água do espaço intravascular para o Se a criança já faz uso de anticonvulsivantes,
intersticial, agravando o edema cerebral. Nessa re- essa droga deve ser mantida. Senão, os fármacos
gião peritumoral no cérebro, onde a BHE perde a anticonvulsivantes devem der introduzidos duran-
eficácia, a reatividade vascular também pode estar te a anestesia e mantidos no POI, para evitar que
alterada pelos mesmos fatores locais. A vasoplegia se desencadeie convulsão em função do manuseio
ocorre na parte do cérebro ao redor do tumor (Fig. do córtex cerebral para alcançar o tumor. A admi-
17.13), e o fluxo sangüíneo nesse local está aumen- nistração de difenil-hidantoína, que potencializa o
tado, porém sem que a necessidade metabólica es- efeito hipotensor do anestésico, deve ser de infusão
teja aumentada também. Existe, então, um excesso lenta e gradual, pois atua também no coração, o
de oferta de nutrientes pelo maior fluxo sangüíneo que pode causar arritmias cardíacas. A abstinência
em uma área sem aumento de metabolismo basal, do anticonvulsivante propicia a deflagração de cri-
que caracteriza uma “perfusão de luxo”, ou seja, ses convulsivas com aumento da taxa metabólica,
embora esta área peritumoral não necessite desse do fluxo e volume sangüíneo cerebral, associadas
maior fluxo sangüíneo. à crise de hipertensão arterial. Observe a interação
Nessa patologia, também se deve considerar a medicamentosa citada anteriormente.
possibilidade de o esvaziamento gástrico ser demo- As oscilações hemodinâmicas devem ser corri-
rado na vigência de HIC no pacientes com tumor gidas, conforme o fator etiológico. A hipotensão
encefálico em fase de descompensação. Durante a arterial por hipovolemia é corrigida com a admi-
indução e manutenção da anestesia, o fator mais nistração de volume que permaneça dentro do es-
importante é a manutenção da pressão de perfu- paço intravascular, considerando-se o hematócrito
são encefálica; assim, reduz-se a PIC e mantém-se ideal desejado e as características osmolares e hi-
a pressão arterial estável, sem hipotensão, para não droeletrolíticas dos fluidos utilizados. A hipotensão
reduzir a perfusão cerebral. Deve-se considerar a arterial por excesso de anestésico pode ser corrigi-
pressão arterial adequada para cada faixa etária no da temporariamente com vasopressores de forma
paciente pediátrico. O posicionamento da cabeça titulada. As drogas antagonistas para reversão da
também determina o aumento da PIC. anestesia, se utilizadas de modo inadequado, po-

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dem gerar dor e hipertensão arterial, além do risco
de eclodir uma crise convulsiva.
A hipertensão arterial é tratada aumentando-se
a analgesia se necessária, senão drogas depressoras
do sistema cardiovascular podem ser associadas
para manutenção da pressão estável121. Deve-se
diagnosticar o fator etiológico, se a hipertensão ar-
terial é evocada pelo sistema nervoso central, em
resposta à isquemia que ocorre no centro vasomo-
tor no tronco e bulbo. Se assim for, a hipertensão
arterial deve ser tratada, mas considere o fato de a
pressão arterial necessária ser maior que a obtida
na enfermaria antes do manuseio cirúrgico desses Fig. 17.15 – Os tumores na região da sela túrcica podem ser tu-
centros vitais. mores hipofisários que por si produzem hormônios ou aumentam
de tamanho, comprometendo a função do neuroeixo hipotálamo-
O tumor supratentorial de origem não-glial hipofisário, gerando pan-hipopituitarismo, diabetes insipidus (DI)
mais comum na população pediátrica é o cranio- e secreção inapropriada de HAD ou alterando o centro térmico no
hipotálamo, além de comprimir o quiasma óptico. Às vezes, devido
faringeoma. Este, apesar do aspecto histológico de ao volume e localização, pode obstruir a drenagem do LCR e evoluir
características benignas, produz lesões neurológicas com hidrocefalia.
importantes por sua localização. O craniofaringe-
oma relaciona-se pela proximidade com estruturas livre pelos rins, hipernantremia acima de 155-160
importantes como o hipotálamo, a haste pituitária mEq/l e hiperosmolaridade plasmática maior que
e o quiasma óptico, região supra-selar que envol- 315 mOsmol/L. A hipovolemia por hemorragia ci-
ve os grandes vasos da base do crânio. A avaliação rúrgica pode não ser detectada devido a hemocon-
neuroendócrina, oftamológica e neuropsicológica centração, mas ela pode estar presente reduzindo a
é preconizada antes da intervenção cirúrgica, uma perfusão tissular periférica, que posteriormente se
vez que o manuseio cirúrgico pode agravar as al- manifesta com importante acidose metabólica. Es-
terações preexistentes. As alterações no neuroei-
sas alterações hidroeletrolíticas, como a hipernan-
xo hipotálamo-hipofisário conduzem a alterações
tremia, podem causar crises convulsivas no período
hormonais que dificultam o ato anestésico (Fig.
pós-operatório imediato. Uma vez feito o diagnós-
17.15).
tico de DI, o tratamento baseia-se na reposição da
O pan-hipopituitarismo torna o paciente mais volemia perdida na forma de água livre pelos rins.
sensível aos fármacos anestésicos e propensos a A infusão de soluções hipotônicas deve ser sempre
quadros de hipotensão arterial grave, por isso deve pela via central e com controle acurado dos eletró-
ser corrigido com uso de corticosteróides, infusão litos infundidos. O uso de solução glicosada causa
de fluidos e vasopressor, se necessário. hiperglicemia, que piora o quadro neurológico. Se
A redução da liberação de vasopressina causa o a reposição da volemia perdida não é suficiente e
diabetes insípidus (DI), que pode surgir de 4 a 6 não consegue melhorar a perfusão, a acidose me-
horas após o manuseio da haste hipofisária. Essa re- tabólica fica evidente, e nessa situação fica difícil
dução pode ser transitória ou definitiva, conforme tratar a acidose metabólica com bicarbonato de só-
o grau de agressão que sofre a haste hipofisária. O dio, pois a hipernantremia aumentaria. Portanto,
diagnóstico do DI se faz com o aumento de diurese, uma vez feito o diagnóstico de DI, a terapia pre-
maior que 10-15 ml/kg/hora, densidade urinária coce com vasopressina sintética (DDAVP) é a mais
menor que 1.002, hipovolemia pela perda de água eficaz. Pode-se fazer instilação nasal de DDAVP na

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dose de 5 a 30 mg por dia, dividida em duas doses, proporcional ao do adulto do que a reserva vascu-
ou então, durante a cirurgia, administrar por via lar sistêmica. Assim, a entrada de bolhas de ar no
endovenosa 0,5 a 3 mg por dia, divididos em duas sistema venoso, como a embolia gasosa, repercute
doses. Observe a larga faixa de variação terapêutica de modo mais grave na criança. Tanto no decúbito
da vasopressina sintética (cerca de 6 vezes); isso se lateral quanto no ventral, coxins devem ser coloca-
deve à suscetibilidade individual de cada paciente e dos para proteger a criança de escaras e dificuldade
ao grau de lesão parcial ou total, temporária ou de- de ventilação durante a cirurgia. Os pulmões são
finitiva da haste hipofisária. Portanto, uma vez ins- auscultados após o posicionamento, para averiguar
tituído o tratamento, é imprescindível o controle possível extubação, intubação seletiva de um pul-
periódico dos eletrólitos, do volume e da densidade mão ou dobra da sonda. O pescoço não deve estar
urinária, do sódio e da osmolaridade plasmática. O rodado e flexionado demais e, se possível, a cabeça
excesso de DDAVP pode ocasionar a retenção de deve permanecer no nível do átrio direito para não
água, semelhantemente a SIHAD. dificultar o retorno venoso do encéfalo. Os olhos
O manuseio do centro termorregulador no devem estar fechados e protegidos. A mandíbula
hipotálamo pode causar hipertemia (Fig. 17.15), inferior não deve estar fechada demais, pois pode
com perda maior de água por transpiração, tornan- estenosar a sonda de intubação traqueal ou facilitar
do o paciente mais hipovolêmico. a formação de edema linfático da língua, com pos-
Os tumores da região da fossa posterior são mais sível obstrução tardia da cavidade oral.
freqüentes nos pacientes pediátricos do que nos A monitorização nesse decúbito é a mesma uti-
adultos. Os sintomas mais freqüentes dos tumores lizada para qualquer procedimento neurocirúrgico
infratentoriais são decorrentes da hidrocefalia, de- de grande porte: parâmetros hemodinâmicos, diu-
vido à obstrução da via de passagem do LCR. rese, temperatura, capnografia, oximetria e ECG,
A hipertensão intracraniana decorrente da hi- e, mesmo que não esteja em decúbito sentado, o
drocefalia deve ser considerada na indução da risco de embolia aérea pode existir se a veia aberta
anestesia. A hipocapnia e as drogas que reduzem estiver com pressão negativa no seu interior e aci-
o volume sangüíneo encefálico e a PIC são indica- ma do nível do coração.
das. Os diuréticos e costicosteróides podem ser uti- A presença dos grandes seios venosos, sagital e
lizados para reduzir a quantidade água do encéfalo, sigmóide, na região da fossa posterior, pode causar
mas considera-se a correção das alterações hidroe- hemorragia importante e, se existe pressão venosa
letrolíticas que surgem. A trepanação no osso oc- negativa, a embolia aérea pode suceder.
cipital pode ser realizada se houver necessidade de No período pós-operatório imediato, a intuba-
puncionar o ventrículo lateral para drenar o liquor ção traqueal deve ser mantida nas seguintes situa-
e reduzir a PIC. Entretanto, deve-se aventar a hi- ções: a) excesso de anestésico; b) se os centros que
pótese de se causar o pneumoencéfalo intraventri- controlam o sistema cardiovascular, respiratório
cular, que pode aumentar de volume, seja pelo uso e estado de vigíla (SRAA) localizados no tronco,
concomitante de óxido nitroso, seja pela expansão bulbo e mesencéfalo foram manipulados durante
do ar após atingir a temperatura corpórea maior a ressecção do tumor; c) aspiração de substância
que a do ar ambiente. para a traquéia e brônquios, evoluindo para infec-
Em geral, para as cirurgias na fossa posterior, o ção pulmonar com o manuseio de pares cranianos:
decúbito ventral ou lateral é o escolhido para os pa- glossofaríngeo (IX par craniano) e hipoglosso (XII
cientes pediátricos, pois, quanto menor é o pacien- par craniano), nervos sensitivos e motores da fa-
te, maior é a cabeça proporcionalmente ao corpo. ringe e da língua, vago (X par craniano), nervo
Isso significa que a vascularização encefálica é mais sensitivo da laringe, faringe e traquéia e motor dos

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brônquios; d) possibilidade de hemorragia no leito da com testes solicitados após despertar o paciente,
cirúrgico que aumentará rapidamente a pressão in- com potencial somatossensitivo e/ou com potencial
tracraniana no pequeno espaço da fossa posterior, evocado motor. A técnica anestésica que melhor
comprometendo as estruturas nobres deste local; e) auxilia a monitorização é o uso de anestésicos en-
edema localizado que obstrui a drenagem do LCR dovenosos, morfinomiméticos, benzodiazepínicos
e causa hidrocefalia. e propofol. Os anestésicos halogenados apresentam
maior dificuldade na interpretação do potencial
Patologias da coluna vertebral evocado, além de, em concentrações elevadas, cau-
sar hipotensão e isquemia. A hipotermia que reduz a
A precaução para intubação difícil é conside- atividade do neurônio deve ser evitada, bem como a
rada tanto quanto a técnica anestésica quando o anemia profunda, que reduz a oferta de nutrientes;
paciente é portador de malformações congênitas. ambos confundem a monitorização quanto à ativi-
A constatação da fusão de duas ou mais vértebras dade das células monitorizadas. Na monitorização
cervicais dificultam a intubação orotraqueal pela com potencial evocado motor, o paciente não deve
rigidez do pescoço, de modo que o fibroscópio ou permanecer curarizado, o que torna a manutenção
o laringoscópio específico devem estar disponíveis. da imobilidade intra-operatória bastante crítica.
A intubação traqueal é realizada em decúbito la-
teral na cirurgia para correção de meningocele da Patologias vasculares intracranianas
coluna vetebral, que é a herniação do espaço suba-
racnóideo, ou da mielomeningocele, que é a hernia- As malformações arteriovenosas (MAV) e os
ção do tecido neural, pois o decúbito dorsal pode aneurismas cerebrais surgem com o desenvolvimen-
propiciar a ruptura das membranas que envolvem to anormal da rede arterial e capilar que desemboca
o sistema nervoso central e causar contaminação. no sistema venoso cerebral. A malformação arte-
riovenosa é composta de grandes artérias que não
Como esse procedimento é realizado nas primei-
se ramificam normalmente até o nível do capilar
ras horas ou dias de vida, o neonato pode estar em
e desembocam diretamente em veias calibrosas,
condição de desidratação inerente a essas primeiras
cujas paredes adquirem características semelhan-
horas de vida. A intubação em decúbito lateral pode
tes às artérias. Assim, a resistência vascular cerebral
se tornar mais difícil ainda se existir a associação de
é baixa e é alto o fluxo sangüíneo que passa pela
malformação craniofacial acrescida da desproporção
MAV, causando dilatação das veias75. Como o fluxo
entre o tamanho da cabeça e do corpo. Um apoio
sangüíneo é muito rápido e não existe ramificação
sob a parte lateral inferior do tórax facilita a intuba-
até o nível de capilares, local onde ocorreria troca
ção em decúbito lateral, e um certo proclive auxilia
de nutrientes, as células nervosas entre a trama da
a reduzir a regurgitação durante a indução e ventila-
MAV sofrem isquemia, apesar do fluxo sangüíneo.
ção que precede a intubação orotraqueal.
Essas células nervosas tornam-se patológicas e pro-
Outras cirurgias que ocorrem na coluna ver- pensas a desencadear atividade convulsiva. Além
tebral são as hérnias de disco, seringomielia, me- disso, as fibras musculares das artérias da MAV não
tástases tumorais, abscessos, hematomas e trauma. têm a atividade contrátil normal, ou seja, na MAV
A anestesia deve prevenir a ocorrência de isquemia não existe qualquer mecanismo de autorregulação,
da medula105, pois esta é menos vascularizada que quer seja ao PaCO2, a variação da pressão arterial
o córtex cerebral. ou a redução da taxa metabólica122. O fluxo sangü-
A monitorização intra-operatória auxilia a re- íneo através dela é totalmente dependente da pres-
duzir os déficits que ocorrem durante a cirurgia de são arterial. Do mesmo modo, como as artérias são
coluna vertebral. A monitorização pode ser realiza- patológicas, a vasodilatação causando inchaço cere-

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bral e perda de fluido através da parede patológica leno são a possibilidade de hemorragia em grande
das artérias, bem como a possibilidade de ruptura quantidade com a ruptura do aneurisma ou o de-
de vasos da MAV existe causando hematomas ex- senvolvimento de insuficiência cardíaca assim que
tensos intracerebrais122. se obstrui a fístula arteriovenosa.
A anestesia visa reduzir a taxa metabólica das A doença de moya-moya é a oclusão cerebrovas-
áreas do cérebro que não estão comprometidas pela cular em vários ramos de uma artéria cerebral que
MAV, que, com a hipocapnia, reduzem o volume surge durante a infância. Envolve parte da carótida,
encefálico e facilitam o manuseio do encéfalo. artéria cerebral anterior e cerebral média. O trata-
A hipertensão arterial deve ser evitada, tanto du- mento consiste em realizar a anastomose de uma
rante a cirurgia como no período pós-operatório artéria extracraniana que não é patológica com a
imediato, quando parte do cérebro que foi manti- artéria cerebral que nutre a artérias menores que
da, após a ressecção da MAV, terá que se acomodar compõem o moya-moya. Nesse procedimento evi-
com a reditribuição do fluxo sangüíneo encefálico. ta-se qualquer fator que leve a isquemia adicional,
A hipotensão discreta é bem indicada para evitar como a vasoconstrição pela hipocapnia e a hipo-
hemorragia no leito cirúrgico e incidência de bre- tensão arterial15. A redução do volume encefálico
aktrhough49, ou seja, quebra da barreira com con- com diuréticos não deve ser realizada, pois, para se
seqüente inchaço cerebral, caso exista ainda uma realizar a anastomose da artéria extracraniana com
parte da MAV que não foi possível de ser ressecada. a artéria intracraniana, é necessário que o córtex ce-
Se necessário, o paciente deve ser mantido sedado rebral esteja no nível da dura-máter. Se o tamanho
com barbitúrico, em ventilação controlada para re- do cérebro é reduzido à custa de vasoconstrição, a
duzir a PaCO2 e com discreta hipotensão arterial. isquemia pode estar ocorrendo e ainda dificulta a
Opostamente ao pós-operatório da cirurgia de cli- anastomose. Além disso, se a anastomose é realiza-
pagem de aneurisma cerebral, a hipervolemia e a da com o córtex cerebral distante da dura-máter,
hipertensão arterial são contra-indicadas. posteriormente, quando o cérebro aumentar de vo-
lume, existe o risco de se “dobrar” a artéria doadora
Os aneurismas cerebrais saculares das grandes
dentro da calota craniana.
artérias e do polígono de Willis são raros na in-
fância. Embora extremamente raro, o aneurisma
da veia de Galeno pode surgir até a fase da ado- Trauma cranioencefálico
lescência. Na realidade, esse tipo de aneurisma é A agressão ao encéfalo decorre de vários fa-
a comunicação de uma artéria cerebral calibrosa tores provenientes do trauma cranioencefálico,
diretamente com a veia de Galeno, causando uma bem como a fisiopatologia dessas agressões. Esses
fístula de alto débito. Nos neonatos, logo nas pri- eventos podem ser classificados como hematomas
meiras horas de vida, essa fístula arteriovenosa cere- extradural, subdural e intracerebral, contusão en-
bral de alto fluxo causa falência cardíaca congestiva cefálica, edema encefálico e agressões por altera-
grave e pode apresentar macrocrania; na ausculta ções sistêmicas que repercutem sobre o encéfalo.
da fontanela encontra-se murmúrio causado pelo Diferentemente do paciente adulto, que está mais
alto fluxo sangüíneo47. Quando os sinais e sinto- sujeito a ter hematoma intracraniano, a criança de-
mas cardíacos são mais brandos, com insuficiência senvolve com maior freqüência inchaço cerebral e
cardíaca moderada, o diagnóstico de aneurisma da edema, devido à complacência maior do crânio, o
veia de Galeno é descoberto mais tarde na infância. que dificulta a ocorrência de fraturas ósseas e lesões
O aneurisma pode comprimir o aqueduto de Syl- vasculares intracranianas. Na criança, a menor rigi-
vius e desenvolver a hidrocefalia. Os riscos da ci- dez da caixa craniana favorece a compressão desta
rurgia para correção do aneurisma da veia de Ga- durante o trauma, sem fraturá-la, mas comprimin-

Anes tes i a p a r a N e u r o c i r u r g i a 337

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do as estruturas encefálicas, o que torna a evolução 3. Artru AA, Katz RA. Cerebral blood volume and CSF
com inchaço e edema85. O aumento do volume en- pressure following administration of ketamine in dogs:
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cefálico decorrente da perda da reatividade vascular nia or diazepam. J Neurol Anesthesiol 1989;(1):8-15.
cerebral resulta em alta incidência de HIC16,113. 4. Artru AA, Momota T. Rate of CSF formation and
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tradural ou subdural agudo decorrente do trauma or remifentani in rabbits. J Neurosurg Anesthesiol.
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cranioencefálico, o tratamento é drenagem cirúrgi- 5. Artru AA. Concentration-related changes in the rate
ca do hematoma. Entretanto, para o tratamento ci- of CSF and resistance to reabsorption of CSF during
rúrgico do hematoma intraparenquimatoso deve-se enflurane and isoflurane anesthesia in dogs receiving ni-
considerar o grau de agressão que será acrescentado trous oxide. J Neurosurg Anesthesiol 1989;(1):256-62.
6. Artru AA. Dose-related changes in the rate of cerebros-
com a intervenção cirúrgica, pois, em geral, o he-
pinal fluid formation and resistance to reabsorption of
matoma intraparenquimatoso que ocorre na crian- cerebrospinal fluid following administration of thiopen-
ça pequena é resultado de trauma muito intenso. tal, midazolam, and etomidate in dogs. Anesthesiology
O tratamento do inchaço cerebral e do edema 1988;(69):541-6.
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está orientado na melhora das condições ence- tance to absortion of cerebrospinal fluid in dogs. Anes-
fálicas, reduzindo a PIC e mantendo a perfusão thesiology 1984;(61):529-33.
encefálica adequada. Mantém-se a cabeça acima 8. Artru AA. Effects of halotane and fentanyl on the rate of
do átrio cardíaco, sem rotação, extensão ou fle- CSF prodution in dogs. Anesth Analg 1983;(62):581-5.
xão para melhorar a drenagem venosa encefálica 9. Artru AA. Effects of halothane and fentanyl anesthe-
sia on resistance to absorption of CSF. L Neurosurg
e reduzir a PIC. Redução do volume sangüíneo 1984;(60):252-6.
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342 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 18
Aneste sia par a O t o r r i n ol a r i n g o l og i a

Eliana Laurenti
Suzana Barbosa de Miranda Teruya
Claudia Marquez Simões

introdução na maioria das vezes realizadas em conjunto. As


indicações mais freqüentes são infecciosas (amig-
Os procedimentos cirúrgicos em otorrinola-
dalites ou adenoidites, abscesso periamigdaliano),
ringologia são geralmente procedimentos eletivos,
obstrutivas (obstrução nasal ou faríngea, apnéia do
e freqüentemente em crianças. Apesar da grande
sono, cianose, cor pulmonale por obstrução das vias
variedade de procedimentos, alguns aspectos são
aéreas superiores) ou lesões tumorais (benignas ou
comuns, como a falta de acesso do anestesiologista
malignas).
às vias aéreas durante o procedimento. É necessário
rigoroso posicionamento e fixação do tubo endo- As indicações mais comuns são por infecções e/
traqueal e traquéias do circuito ventilatório, assim ou obstrução das vias aéreas superiores. Hipertro-
como rigorosa monitoração das vias aéreas com fia adenóide avançada pode resultar em respiração
oximetria de pulso, estetoscópio precordial, pres- bucal, dificuldade para alimentação, alterações na
são intratraqueal e fração expirada de gás carbônico fala e no sono. Hipertrofia amigdaliana apresenta
(ETCO2). Além disso, nos pacientes pediátricos to- halitose, faringite crônica, adenite cervical, apnéia
dos esses cuidados devem ser redobrados e exigem do sono com retenção de CO2, alterações da fala
cooperação entre o anestesiologista e o cirurgião que e do sono e até mesmo cor pulmonale1. A correla-
irão compartilhar o restrito espaço das vias aéreas. ção entre obstrução de vias aéreas superiores e cor
pulmonale é relatada desde os anos 19602 e tem
uma incidência de 3,3% em crianças com hiper-
Cirurgias na orofaringe
trofia adenóide e amigdaliana3. Também devemos
Os procedimentos mais comuns na população lembrar que crianças com cardiopatia valvar apre-
pediátrica são adenoidectomia e amigdalectomia, sentam risco de endocardite infecciosa secundária à

343

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bacteremia estreptocócica por infecções adenóides efetiva em 66% dos casos, já que sua hipertrofia é a
e amigdalianas. maior causa de obstrução7. As crianças com impor-
A maioria das adenoamidalectomias é realizada tante obstrução das vias aéreas superiores desenvol-
em regime ambulatorial, porém a Academia Ame- vem respiração bucal, hipoventilação com retenção
ricana de Otorrinolaringologia identificou em um de gás carbônico e hipoxemia através do reflexo
estudo4 os pacientes de maior risco para complica- nasopulmonar – mediado neuronal ou mecanica-
ções pós-operatórias e que, portanto, recomenda- mente8. A hipercarbia e a hipoxemia são estímulos
se que sejam mantidos em observação internados para vasoconstrição pumonar, levando à hiperten-
no hospital. Estão nesse grupo crianças menores de são da artéria pulmonar e falência do ventrículo
três anos de idade que apresentam: direito. Outro fator que contribui para hipertensão
• alterações no coagulograma (com ou sem co- pulmonar é a ativação do sistema nervoso simpáti-
agulopatia clinicamente perceptível); co pela hipercarbia, que pode levar ao surgimento
• apnéia obstrutiva do sono; de hipertensão arterial sistêmica. A resolução da
obstrução das vias aéreas superiores leva a norma-
• doenças sistêmicas que levam o paciente a
lização da tensão parcial de CO2 no sangue, altera-
um maior risco anestésico/cirúrgico;
ções das pressões pulmonar e sistêmica, radiografia
• anormalidades craniofaciais; de tórax, eco e eletrocardiograma9.
• abscesso periamigdaliano;
• condições sociais ou geográficas que impe- Abscesso periamigdaliano
dem o rápido acesso ao hospital em caso de
complicações pós-operatórias. É uma situação que exige abordagem cirúrgica
para evitar ou aliviar uma obstrução da orofaringe.
Uma infecção amigdaliana aguda pode levar à forma-
Apnéia obstrutiva do sono
ção de um abscesso, caracterizado como uma massa
Obstrução orofaríngea das vias aéreas consti- na região lateral da faringe, dolorosa à deglutição,
tuem uma síndrome importante que requer trata- que pode estar acompanhada de febre. Sua localiza-
mento cirúrgico. Apresenta-se nas crianças de 2 a ção pode acarretar inflamação dos músculos da face e
6 anos, caracterizada por sonolência, apnéia, atraso do pescoço responsáveis pela deglutição e abertura da
do desenvolvimento, infecções recorrentes do tra- boca, além da possibilidade de compressão de nervos
to respiratório, dismorfismo craniofacial, arritmias pela própria massa resultando em trismo. Geralmen-
cardíacas e cor pulmonale. Esses pacientes geral- te, o abscesso não dificulta a ventilação após a indu-
mente apresentam dificuldade respiratória quando ção da anestesia, porém a intubação orotraqueal deve
acordados e episódios de apnéia obstrutiva durante ser cuidadosa, pois a área está friável e pode levar à
o sono. Apnéia é definida como cessação do fluxo ruptura do abscesso com saída de secreção purulenta
respiratório por pelo menos 10 segundos em crian- para traquéia, dificultando sua visualização.
ças e de 15 segundos para lactentes com idade pós-
conceptual menor que 52 semanas5. A obesidade Avaliação pré-operatória
está presente em 66% dos pacientes com apnéia
obstrutiva do sono. Além disso, aproximadamen- O exame físico deve ser completo e começar pela
te 50% dos pacientes apresenta alguma disfunção observação do paciente: respiração bucal audível,
neurológica, comportamentais ou primárias do sis- alterações de fala, padrão respiratório e alterações
tema nervoso central6. O tratamento cirúrgico visa anatômicas craniofaciais – face longilínea, palato
diminuir a obstrução das vias aéreas superiores, au- arqueado e mandíbula retrognática. A respiração
mentando a área da faringe. A amigdalectomia é bucal é um indicador de obstrução nasal e, associa-

344 An e s t e s ia Pe diátrica

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da à alta incidência de infecções das vias aéreas su- suem ácido acetilsalicílico em sua fórmula. Eletro-
periores, está relacionada à hiperreatividade de vias cardiograma e radiografia de tórax não são procedi-
aéreas freqüente nestes pacientes. A respiração bucal mentos de rotina realizados apenas na presença de
leva à diminuição do surfactante pulmonar, do clea­ história específica ou suspeita de cor pulmonale, que
rance mucociliar e da complacência pulmonar9. A exige uma investigação mais detalhada da função
orofaringe deve ser inspecionada para avaliar poten- cardíaca.
cial dificuldade de ventilação e intubação. Podemos
classificar o tamanho das amígdalas conforme a por- Anestesia
centagem de área orofaríngea ocupada (Fig. 18.1).
A medicação pré-anestésica não deve ser admi-
Além da hipertrofia amigdaliana, que pode di-
nistrada para crianças com apnéia obstrutiva do
ficultar a intubação orotraqueal, devemos realizar
sono ou amígdalas muito hipertrofiadas, exceto
a avaliação clássica das vias aéreas conforme a clas-
com monitoração adequada e presença de profissio-
sificação de Mallampatti modificada, pois muitas
nais da equipe de anestesia. Os objetivos da aneste-
vezes alterações craniofaciais estão presentes nestes
sia são: indução atraumática evitando estímulo das
pacientes, aumentando a chance de uma via aérea
vias aéreas hiperreativas, boas condições cirúrgicas
difícil10 (Fig. 18.2).
com menor sangramento possível, acesso venoso
A condição clínica mais freqüente nos pacientes para reposição hídrica e volêmica e despertar rápi-
que são submetidos a estas cirurgias é a infecção de do preservando reflexos de vias aéreas para proteção
vias aéreas superiores, devendo-se investigar o uso de destas. A técnica anestésica mais utilizada ainda é a
antibióticos, anti-histamínicos e outras medicações. indução inalatória com sevoflurano, óxido nitroso
Quanto aos exames laboratoriais, devemos e oxigênio, seguida por venóclise e complementa-
avaliar hemoglobina, leucócitos e coagulação, in- ção com um opióide e propofol (3 a 4 mg/kg) antes
cluindo função plaquetária, pois muitas vezes estas da intubação orotraqueal. Porém cada vez mais a
crianças fazem uso crônico de medicações que pos- anestesia venosa total tem sido utilizada para crian-

0 (in fossa) +1 (< 25%) +2 (> 25% < 50%)


Classe I Classe II

Classe III Classe IV


+3 (> 50% < 75%) +4 (> 75%)

Fig. 18.1– Classificação do tamanho das amígdalas com a porcen- Fig. 18.2 – Classificação de Mallampatti modificada. Mallampati SR,
tagem de área orofaríngea ocupada pelas amígdalas hipertrofiadas. Gatt SP, Gugino lD et aI. A clinical sign to predict difficult tracheal
Adapatado de Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK. Clinical anesthe- intubation: a prospective study. Can Anaesth Soc J 1985; 32:429.
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A nes tes i a p a ra O t o r r i n o l a r i n g o l o g i a 345

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ças e pode ter uma série de vantagens para cirurgias A intubação pode ser feita via oro ou nasotra-
de orofaringe, principalmente o despertar rápido, queal, tendo como principal desvantagem da via
graças aos novos agentes de curta duração (por nasotraqueal a maior dificuldade técnica e possi-
exemplo, remifentanil) e o efeito antiemético do bilidade de traumatismo, enquanto a maior des-
propofol, hipnótico mais freqüentemente utilizado vantagem da via orotraqueal é a manipulação da
para manutenção da anestesia venosa total. cânula orotraqueal para lados alternados durante o
A ventilação na maioria das vezes é realizada por procedimento, podendo ocorrer desintubação aci-
intubação orotraqueal. Há um grande sangramento dental, uma situação freqüente e potencialmente
na cavidade oral que pode escorrer pela orofaringe, fatal se não diagnosticada a tempo (Fig. 18.5).
sendo em parte deglutido ou entrando na traquéia; Além disso, nesta situação pode ocorrer entrada
então a região supraglótica deve ser protegida com de sangue do campo cirúrgico na orofaringe e tra-
gaze ou alternativamente utilizar um tubo endo- quéia desencadeando broncoespasmo e dificuldade
traqueal com cuff. Os tubos pré-moldados (RAE de visualizar as cordas vocais para nova intubação
– Mallinckrodt Medical) são úteis por não fica- orotraqueal. Alguns serviços utilizam a máscara la-
rem tracionados pelo posicionamento (Figs. 18.3 ríngea reforçada, que possui tubo aramado e longo
e 18.4). de fino calibre, não atrapalhando o campo cirúr-
gico e protegendo vias aéreas e esôfago do sangra-
mento cirúrgico11, porém no Brasil ela ainda não
é rotineiramente disponibilizada. A monitoração
consiste em cardioscópio, pressão arterial não inva-
siva, oxímetro de pulso, fração expirada de CO2 e
estetoscópio precordial.
Antes da desintubação traqueal deve-se aspirar
o estômago para retirada de secreções e sangue que
podem ter escoado pelo esôfago e são um potente
estímulo nauseante. A criança deve estar desper-
ta, com reflexos de vias aéreas presentes antes da
desintubação traqueal, que pode ser realizada em
decúbito lateral, evitando assim que as secreções
escoem para faringe.

Fig. 18.3 – Sonda orotraqueal pré-moldada (RAE – Mallinckrodt


Medical).

Fig. 18.5 – Observamos que após o posicionamento é difícil o


acesso à cânula orotraqueal, que não deve ficar tracionada ou com-
Fig. 18.4 – Intubação orotraqueal com sonda orotraqueal RAE. primida pelo abridor de boca.

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Ainda vale a pena comentar um outro método casos14. As primeiras seis horas são o período mais
para amigdalectomia, descrito em 1923 por Slu- freqüente para sangramentos pós-operatórios.
der12. Antigamente esta técnica era realizada com a Na necessidade de nova abordagem cirúrgica
criança em uma cadeira, sedada, na maioria das ve- para hemostasia, devemos considerar o paciente
zes com cetamina, sob ventilação espontânea sem com estômago cheio, pois grande parte do sangra-
intubação orotraqueal. A técnica consiste na retira- mento pode ter sido deglutida. Porém normalmen-
da das amígdalas por uma guilhotina preservando te esses pacientes ainda possuem acesso venoso, o
a cápsula (Fig. 18.6). que facilita a indução em seqüência rápida.
Outra freqüente complicação é náusea e vômi-
tos, presentes em até 60% dos pacientes, portanto
muitos anestesiologistas administram antieméticos
profiláticos durante a cirurgia. Metoclopramida15
(0,15 mg/kg) e droperidol16 ( 50 – 75 mcg/kg), as-
sim como a dexametasona17 (0,5 mg/kg) mostra-
ram-se eficazes no controle da emese pós-operatória.
O ondansetron (antagonista dos receptores seroto-
ninérgicos) mostrou-se eficaz quando administrado
logo após a indução anestésica, reduzindo a inci-
dência de náuseas e vômitos de 40% para 10%18.
Vários antieméticos foram estudados, assim como
suas associações, porém não há um consenso sobre
a melhor droga ou combinação a ser utilizada.
Fig. 18.6 – Guilhotina para amigdalectomia descrita por Sluder.
Na Tabela 18.1 temos as principais complica-
ções das adenoamigdalectomias, desde o período
Durante o procedimento havia grande sangra- intra-operatório até o pós-operatório tardio.
mento, e para evitar que este fosse deglutido ou en- Outra complicação muito freqüente, princi-
trasse nas vias aéreas, a cabeça da criança era abai- palmente nas amigdalectomias, é a dor pós-opera-
xada até cessar o sangramento. Atualmente, alguns tória. O uso de antiinflamatórios não-esteroidais
cirurgiões ainda utilizam este método, porém com a (AINES) é controverso, pois eles interferem na
criança sob anestesia geral e intubação orotra­queal. agregação plaquetária e podem aumentar o risco
Esta técnica tem como vantagem menos dor no de sangramento perioperatório. Existem vários
período pós-operatório, porém ela foi abandonada estudos controlados tentando correlacionar o ris-
por grande parte dos cirurgiões que com o passar do co de sangramento pós-operatório com o uso de
tempo passaram a realizar a dissecção das amígdalas antiinflamatórios, porém os resultados são muito
por planos e realizar a hemostasia com o eletrocau- variáveis. Em uma metanálise avaliou 25 estudos
tério. Entretanto um estudo recente verificou que controlados comparando o uso de AINES com pla-
as crianças submetidas a esta técnica apresentaram cebo, onde os pacientes tratados com AINES apre-
rápida recuperação e menos dor pós-operatória13. sentaram maior incidência de reoperação, menos
episódios de naúseas e vômitos, dor em relação ao
Complicações pós-operatórias aumento do sangramento perioratório ainda faltam
evidências que comprovem esse efeito. Portanto, o
A complicação mais freqüente é a hemorragia uso de AINES para analgesia para amigdalectomia
pós-operatória, podendo ocorrer em até 8,1% dos deve ser cauteloso e ainda é controverso, porém seu

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Tabela 18.1 – Complicações das adenoamigdalectomias

Intra-operatórias Pós-operatórias imediatas Pós-operatórias tardias A longo prazo

Lesão de dentes Náuseas Faringite Estenose nasofaríngea


Deslocamento da articulação Vômito Pneumonia (atelectasia, Ossificação do ligamento estilo-
temporomandibular Dor aspiração de sangue, secreções) hióideo (dor facial, disfagia)
Desintubação acidental Sangramento
Desidratação
Otite média efusiva (edema
pós-cirúrgico leva à obstrução
funcional da trompa de Eustáquio)
- Edema pulmonar agudo

efeito analgésico é comprovadamente equipotente acreditam que a infiltração facilita a dissecção local.
ao dos opióides e diminui a incidência de náuseas No entanto os pontos favoráveis à infiltração local
e vômitos pós-operatórios19. O uso dos novos ini- devem ser pesados contra as possíveis complicações,
bidores eletivos da COX 2 parecem atrativos nestes que apesar de raras podem ser sérias e até mesmo
casos, já que influenciam menos a função plaquetá- fatais como edema pulmonar agudo e hemorragia
ria. No Brasil já dispomos da droga mais utilizada intracraniana com paralisia bulbar22,23.
em estudos controlados em crianças – o ketorolac.
Utilizamos para analgesia pós-operatória a asso- Cirurgias do ouvido
ciação de várias drogas, desde opióides utilizados
em doses pequenas no intra-operatório (sufentanil Miringotomia e inserção de tubo de ventilação
0,5 a 1 mcg/kg ou fentanil 1-3 mcg/kg), combi- Indicada em crianças com otite serosa crônica,
nados com dipirona 30 mg/kg e cetoprofeno ou que pode levar à perda auditiva. A miringotomia
tenoxicam 1 mg/kg. Existem outras alternativas de possibilita a drenagem de líquido, porém a cicatri-
analgesia pouco empregadas em nosso meio, como zação pode fechar esta via de drenagem, por isso é
baixas doses de cetamina intravenosa – uma opção feita a colocação de um tubo plástico que funcio-
com pouca aplicação clínica, pois a cetamina mes- na como respiro e é eliminado naturalmente em 6
mo em baixas doses afeta a cognição, não podendo meses a 1 ano. Este é um procedimento rápido e
ser utilizada para cirurgias ambulatoriais, muito fre- a anestesia pode ser feita somente com oxigênio,
qüentes em otorrinolaringologia20. Outra alternati- N2O e um agente inalatório, não necessitando de
va baseada no princípio da analgesia preemptiva é intubação orotraqueal. As crianças com otite serosa
a infiltração periamigdaliana de anestésico local. O crônica freqüentemente apresentam infecções do
bloqueio do estímulo doloroso impede o estabele- trato respiratório superior não complicadas, mas
cimento de um estado de hiperexcitação e evita a podem ser submetidas ao procedimento, pois não
diminuição do limiar de dor, resultando assim em há diferença de complicações perioperatórias entre
maior analgesia não somente pelo efeito anestési- crianças assintomáticas e com infecções do trato
co local, mas também pelo bloqueio do estímulo respiratório superior quando não há necessidade de
doloroso antes da cirurgia21. O vasoconstritor adi- intubação orotraqueal. Os critérios de infecção de
cionado ao anestésico local pode diminuir a perda trato respiratório superior não complicada são pelo
sangüínea no intra-operatório, o que pode ser uma menos dois dos seguintes sintomas: dor de gargan-
grande vantagem em crianças muito pequenas, ten- ta, rinorréia, congestão nasal, tosse não produtiva,
do em vista sua pequena volemia. Alguns cirurgiões temperatura menor que 38,3oC, laringite24.

348 An e s t e s ia Pe diátrica

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Orelha média e mastóide que não há lesão timpânica e a pressão negativa es-
timula o sistema vestibular, explicando assim a alta
As cirurgias mais comuns são timpanoplastia e incidência de náuseas e vômitos após uso de N2O,
mastoidectomia. O posicionamento do paciente para especialmente em crianças menores de 8 anos27. Na
melhor acesso cirúrgico é com a cabeça sobre um analgesia para mastoidectomia, o bloqueio do ner-
descanso num nível mais baixo que a mesa e com vo auricular mostrou-se tão eficaz quanto morfina
rotação lateral. As crianças devem ser cuidadosamen- endovenosa na dose de 0,1 mg/kg28.
te posicionadas pelo risco de subluxação de C1-C2
pela frouxidão ligamentar e imaturidade do proces-
Cirurgia endoscópica com laser
so odontóide. Instabilidade atlantoaxial pode estar
presente em até 31% das crianças com síndrome de O laser é utilizado para alguns procedimentos
Down e acondroplasia25. Para diminuir o sangramen- nas vias aéreas, principalmente papilomas laríngeos
to e facilitar a visualização das estruturas, o cirurgião e de cordas vocais, ressecção de tecido subglótico e
utiliza soluções com adrenalina em altas concentra- hemangiomas. O laser é muito útil, especialmente
ções, de até 1:1.000. Deve-se atentar para hipertensão em pacientes pediátricos nos quais o espaço para
e arritmias neste período. A dose máxima deve ser de manipulação das vias aéreas é restrito e ele pode ser
10 mcg/kg em 30 minutos. A pressão arterial média direcionado às lesões sem atrapalhar a visão como
pode ser mantida 25% abaixo do valor inicial visando outros instrumentos utilizados para ressecções.
reduzir o sangramento do campo cirúrgico. A energia emitida pelo laser de CO2 é absorvida
Quanto aos medicamentos empregados na pela água dos tecidos, com aumento da tempera-
anestesia não há restrições, exceto nos casos em tura e denaturação das proteínas e vaporização do
que o nervo facial tiver que ser isolado e monitora- tecido. A energia térmica também promove caute-
do por estimulação elétrica e/ou potencial evocado rização de pequenos vasos, portanto praticamente
auditivo. Nestes casos devemos evitar relaxamen- não há edema ou sangramento pós-operatório.
to muscular profundo e altas doses de opióides, Embora apresente de tantas vantagens a radiação
utilizando um anestésico inalatório como agente do laser também é absorvida por outros materiais que
principal26. Quanto aos anestésicos inalatórios, nos podem ser inflamáveis. Todo material deve ser prote-
procedimentos em que o tímpano for reconstituí- gido ou mantido fora do alcance da radiação, assim
do, o N2O deve ser descontinuado ou, se não for como pele, mucosas e olhos devem ser protegidos.
possível, reduzido até 50%. Isto porque a orelha Os olhos são muito sensíveis ao laser, podendo sofrer
média e os seios são cavidades fechadas não disten- lesão da córnea pelo laser de CO2; lesões das câmaras
síveis contendo ar. O N2O se difunde rapidamente anterior e posterior, córnea e retina pelo YAG laser;
conforme o gradiente de concentração, porém o ou lesões da retina pelo laser de argônio, rubi e hélio.
nitrogênio demora mais para se mover, portanto há Os olhos devem ser protegidos com gazes úmidas so-
um aumento de pressão após 5 minutos do uso de bre as pálpebras cerradas e fixos com compressas. As
N2O acima dos níveis pressóricos controlados pela gazes devem estar úmidas pois no caso de um raio aci-
despressurização passiva da trompa de Eustáquio dentalmente desviar sua energia, ela irá ser absorvida
(20-30 cmH2O). Com a descontinuação do uso do pela água, evitando penetração no olho. Os médicos
N2O, ele é rapidamente absorvido e cria pressão e profissionais que lidam com o laser também devem
negativa no ouvido médio, que pode resultar em ter proteção adequada para evitar as mesmas lesões.
otite serosa, desarticulação dos ossículos da orelha Durante esses procedimentos devemos assegu-
média (especialmente o estribo), com prejuízo da rar que o paciente permanecerá imóvel, evitando
audição que pode durar até 6 semanas. O meca- incidentes. Recomenda-se o uso de relaxantes mus-
nismo acima citado também ocorre nos casos em culares e pequenos volumes correntes na ventila-

A nes tes i a p a ra O t o r r i n o l a r i n g o l o g i a 349

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ção controlada. Tanto o oxigênio quanto o óxido 6. considerar lavagem bronquial, corticóides
nitroso são comburentes, portanto a manutenção para diminuir o edema de mucosas.
anestésica deve ser feita com oxigênio em baixas Alguns cirurgiões preferem trabalhar com técnica
frações, conforme possível, associados a ar. apnéica em crianças muito pequenas. Neste caso, a
Os tubos traqueais convencionais são de cloreto criança é anestesiada e mantida imóvel pela admini-
de polivinila, material que pode se inflamar se em tração de um relaxante muscular ou aprofundamen-
contato com o laser. Existem tubos endotraqueais to do plano anestésico com agente inalatório. Não é
com envoltura metálica e duplo cuff para maior se- realizada intubação orotraqueal. O laser é aplicado
gurança (Mallinckrodt Laser flex) – um dos cuffs em períodos curtos e a criança é ventilada neste in-
deve ser preenchido com solução de azul de meti- tervalo por máscara facial ou intubação orotraqueal
leno, para que, em caso acidental, a perfuração seja intermitente. Uma alternativa para esta técnica é a
identificada imediatamente. O maior problema chamada ventilação em jato. O cirurgião utiliza um
destes tubos é o menor diâmetro interno devido à laringoscópio de suspensão que possui uma saída
espessura de sua parede externa, podendo dificultar lateral onde pode-se conectar fluxo de gases frescos
a ventilação em algumas situações (Tabela 18.2). O através de um adaptador do tubo traqueal. Para di-
anestesiologista deverá separar seringas com água em minuir a reatividade das vias aéreas, uma solução de
locais de fácil acesso em caso de incêndio do tubo lidocaína é instilada nas cordas vocais, sempre tendo
traqueal ou qualquer outro material inflamável29. cuidado com a dose tóxica de anestésico, principal-
mente em crianças muito pequenas, pois a mucosa
Tabela 18.2 – Comparação do diâmetro externo das cânulas traqueal é altamente vascularizada e apresenta gran-
plásticas e metálicas de absorção30. As principais indicações de procedi-
Diâmetro externo (mm) mentos com laser na população pediátrica são corre-
Diâmetro interno (mm) Cânula plástica Cânula metálica ções de traves glóticas congênitas ou adquiridas ou
papilomatose laríngea recorrente. O vírus papiloma
3,0 4,3 5,2
3,5 4,9 5,7 humano é o responsável pelos principais tumores
4,0 5,5 6,1 laríngeos, apesar de ser raramente maligno ou inva-
4,5 6,2 7,0 (com cuff) sivo, apresenta alta morbidade por obstrução de vias
5,0 6,8 7,5
5,5 7,5 7,9 aéreas pelo seu crescimento31. Apesar da ressecção
6,0 8,2 8,5 ou tratamento com laser de CO2, há muita recidiva
Mallinckrodt Medical Inc., St. Louis, MO. das lesões. As crianças necessitam de repetidos pro-
cedimentos. Após tratamento freqüente com laser
Em caso de incêndio nas vias aéreas deve-se se- algumas complicações podem surgir como edema,
guir os passos abaixo:29 fibrose e formação de traves glóticas32. A escolha da
1. parar ventilação e remover tubo endotraqueal; melhor técnica anestésica varia com cada caso, de-
2. desligar oxigênio e desconectar o circuito do vendo ser discutida com o cirurgião que conhece a
aparelho de anestesia; anatomia das vias aéreas do paciente após o último
3. apagar o fogo do tubo endotraqueal com procedimento.
água;
Fenda palatina e lábio leporino
4. ventilar o paciente com máscara facial e rein-
tubá-lo; São o tipo mais comum de anormalidades cra-
5. Acessar vias aéreas com broncoscopia para niofaciais em crianças, com incidência de 1 para
avaliação dos danos e avaliação dos gases ar- cada 750 nascimentos. Podem ser encontradas sepa-
teriais; radamente ou em conjunto numa mesma criança.

350 An e s t e s ia Pe diátrica

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Aproximadamente 25% dos pacientes têm isola- Pacientes com lábio leporino isolado geralmen-
damente lábio leporino, 50% têm lábio leporino te não apresentam dificuldade de manejo das vias
e fenda palatina, e 25% somente fenda palatina33. aéreas. Já os pacientes com fenda palatina podem
Entre 10% a 25% das crianças com fenda palati- apresentar difícil manejo das vias aéreas, pois após
na e lábio leporino apresentam anormalidades em o relaxamento da musculatura orofaríngea a língua
outros órgãos. A síndrome de Robin é freqüente- pode ocluir a fenda palatina, obstruindo a via aérea
mente associada com fenda palatina, assim como nasal e a orofaringe. Nos pacientes com fenda pala-
a síndrome dee Collins e a síndrome do primeiro tina isolada pode-se contornar esse problema como
e segundo arco branquial (microssomia hemifa- uso de uma cânula orofaríngea.
cial)34. A fenda palatina pode ser uni ou bilateral, A fenda palatina também pode ser resultado de
completa ou incompleta, associada com deformi- outras anormalidades craniofaciais em que a língua
dades nasais como o encurtamento ou deformidade é normal, mas a cavidade oral é pequena devido à
das columelas, ausência do assoalho nasal e defor- hipoplasia da mandíbula ou maxila e assim a língua
midades das abas do nariz. É classificada em pré e interfere no fechamento palatino in utero. Portanto,
pós-palatina, conforme sua posição em relação aos em síndromes com diminuição da cavidade oral ou
foramens incisivos e os dois tipos têm origem em- aumento da língua, podemos ter fenda palatina as-
briológicas distintas. A fenda pré-palatina envolve sociada35. A presença do lábio leporino e/ou fenda
o palato anterior, alvéolos, lábio e aba do nariz. Já palatina não corrigida no neonato resulta em pro-
a fenda pós-palatina tem origem após o foramen
blemas alimentares. A criança não consegue mamar,
incisivo, podendo ser completa ou incompleta
pois a fenda dificulta a criação de pressão negativa,
conforme sua extensão nos tecidos moles e palato
dificultando a sucção. Além disso, em caso de regur-
duro. Ainda há um terceiro tipo de fenda palatina:
gitação pode ocorrer infecção da nasofaringe e da
a submucosa, em que existe o defeito ósseo sem
orelha. Na criança mais velha podemos ter distúr-
defeito na mucosa. O tipo mais comum é a fenda
bios da fala, que será tipicamente nasal e com difi-
pré-palatina esquerda completa (Fig. 18.7).
culdade de pronunciar alguns sons (p / q / d / t / s /
sh)36. Os principais objetivos da anestesia para cirur-
gias de correção do lábio leporino e fenda palatina
são assegurar uma via aérea pérvia, estabelecer des-
pertar rápido com reflexos de vias aéreas e adequada
analgesia. Como discutido anteriormente, deve-se
I II avaliar cautelosamente a via aérea dessas crianças em
razão da possibilidade de difícil ventilação, resul-
tante da própria distorção anatômica da patologia
em si, assim como da possível asociação com outras
síndromes. A indução anestésica é feita com agentes
inalatórios em concentrações crescentes e ventilação
espontânea. Pode-se optar pelo bloqueio neuromus-
III IV
cular para intubação orotraqueal e manutenção da
anestesia, porém antes da injeção de tal agente deve-
Fig. 18.7 – Diferentes graus de fenda palatina e lábio leporino. se assegurar que a criança seja ventilável com másca-
I – Palato mole. II – Fenda palatina bilateral completa. III – lábio lepo- ra facial. Assim como todos outros procedimentos
rino e fenda palatina unilateral completa. IV – lábio leporino e fenda
palatina bilateral completa. As linhas indicam a direção anormal dos discutidos neste capítulo, nesta cirurgia teremos
músculos do palato antes da correção. difícil acesso ao tubo endotraqueal, então antes do

A nes tes i a p a ra O t o r r i n o l a r i n g o l o g i a 351

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início da cirurgia devemos assegurar adequada ven- muito como método diagnóstico e terapêutico. As
tilação e posicionamento. Os tubos pré-moldados indicações mais comuns para broncoscopia diag-
(RAE – Mallinckrodt Medical) facilitam o acesso à nóstica são estridor, chiado e tosse inexplicáveis,
boca e evitam tração do tubo orotraqueal. A falha malformações, atelectasias recorrentes, hemoptise e
em estabelecer adequada ventilação pode levar a ta- formação de coleções pulmonares. As intervenções
quipnéia, retenção de CO2, hipoxemia, aumento do terapêuticas incluem retirada de corpo estranho,
sangramento, arritmias e até morte. acesso à via aérea difícil e intervenções cirúrgicas.
A indução anestésica é realizada com agentes ina- Os objetivos da anestesia para broncoscopia são
latórios (N2O, oxigênio e sevoflurano), com comple- um paciente inconsciente e imóvel, sem tosse ou
mentação de propofol para intubação orotraqueal (3 movimentos que atrapalhem a instrumentação das
- 4 mg/kg) e opióides (fentanil, sufentanil ou alfenta- vias aéreas e que retome rapidamente os reflexos
nil) e mantida com os mesmos agentes inalatórios. das vias aéreas.
Quanto à analgesia pós-operatória nos neona- O tamanho do broncoscópio refere-se ao diâme-
tos, utilizamos dipirona 30 mg/kg endovenosa ao tro interno, então devemos observar esta diferença
término do procedimento e, quando necessário, para evitar lesão a estruturas laríngeas com um bron-
tramadol 1 a 2 mg/kg endovenoso. Já em crianças coscópio de tamanho inadequado (Tabela 18.3).
maiores que fazem o reparo tardiamente ou preci-
sam de mais de uma intervenção para correção, uti- Tabela 18.3 – Comparação do diâmetro externo das cânulas
lizamos também antiinflamatórios não-esteroidais endotraqueais comparadas ao broncoscópio rígido
(cetoprofeno ou tenoxicam 1 mg/kg) ou toradol. Tubo endotraqueal# Broncoscópio rígido*
As complicações pós-operatórias mais freqüentes Diâmetro interno Diâmetro externo Diâmetro externo
incluem obstrução das vias aéreas e sangramento. A (mm) (mm) (mm)
obstrução das vias aéreas é devida ao fechamento 2,0 2,9
das estruturas palatinas associado ao edema pós- 2,5 3,6 4,2
operatório. A hipotermia também é freqüente, pois 3,0 4,3 5,0
3,5 4,9 5,7
a maioria das crianças é submetida à correção pri- 3,7 (broncoscópio) 6,3
mária ainda no período neonatal, devendo utilizar 4,0 5,6 6,7
métodos de aquecimento como colchão e manta 5,0 6,9 7,8
6,0 8,2 8,2
térmica para preveni-la. Antes da extubação tra­
queal, a orofaringe deve ser cuidadosamente aspira- Karl Storz Endoscopy-America Inc., Culver City, CA*
da evitando trauma às suturas palatinas. A criança Mallinckrodt Medical Inc., St. Louis, MO.#
deve estar desperta e com reflexos de vias aéreas pre-
sentes para extubação traqueal. Não deve-se utilizar A monitoração segue o mesmo padrão de uma
cânulas oro ou nasofaríngeas após a cirurgia, visan- cirurgia: oximetria de pulso, cardioscópio, pressão
do não lacerar as suturas palatinas. A criança deve arterial não invasiva. Alguns autores recomendam
ser mantida em decúbito lateral para que eventuais que crianças com história de doença obstrutiva das
secreções e sangue não escoem para a faringe e resul- vias aéreas recebam um broncodilatador inalatório
tem em tosse e até mesmo laringoespasmo37. 15 minutos antes do procedimento. Antibióticos
ou atropina não são administrados rotineiramente
Broncoscopia
antes do procedimento38. No nosso serviço, a anes-
tesia é induzida com máscara facial, oxigênio e se-
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento voflurano em concentrações crescentes. Após a in-
de materiais adequados, a broncoscopia cresceu dução um acesso venoso é estabelecido e a anestesia

352 An e s t e s ia Pe diátrica

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é aprofundada com propofol em pequenas doses, ses conectado a via lateral do broncoscópio. Para
mantendo a ventilação espontânea, enquanto oxi- assegurar esse tipo de ventilação devemos usar um
gênio e sevofluorano são fornecidos pela via lateral alto fluxo de gases frescos, altas concentrações de
do broncoscópio. O uso do propofol é crescente anestésico inalatório e alta pressão de insulflação
para pacientes pediátricos como agente indutor da para compensar as perdas pelo broncoscópio e a
anestesia, assim como sedativo. Trabalhos recentes alta resistência do conjunto. Esse tipo de ventilação
indicam que o plano adequado promovido pela deve ser evitado em casos de aspiração de corpo
anestesia venosa pode ser benéfico na broncosco- estranho, pois a pressão positiva pode deslocar o
pia e mostrou-se eficaz em diminuir as complica- objeto ou causar barotrauma. O corpo estranho
ções respiratórias durante o procedimento39. No pode funcionar como uma válvula na via aérea,
entanto, a anestesia puramente inalatória com ven- permitindo a passagem do ar, mas impedindo sua
tilação espontânea não é mais recomendada para saída e resultando em pneumotórax hipertensivo41.
retirada de corpo estranho. Há maior incidência Uma alternativa é a ventilação em jatos. Ela é feita
de complicações respiratórias pela dificuldade de com rajadas intermitentes de oxigênio sob pressão
manutenção do plano anestésico, que, associada (50 psi) por um cateter 16G conectado ao bron-
à manipulação das vias aéreas, pode resultar em coscópio rígido. O fluxo deve ser intermitente e
laringoespasmo, queda da saturação periférica de permitir a saída do oxigênio, evitando formação
oxigênio, tosse, arritmia ventricular, convulsão e de auto-peep. Esse tipo de ventilação promove a
até mesmo edema laríngeo pós-operatório. Portan- insulflação dos pulmões, porém o oxigênio acaba
to recomenda-se relaxamento muscular associado sendo diluído com ar ambiente no broncoscópio e
a anestesia puramente inalatória com ventilação podemos observar queda da saturação periférica de
controlada40. Sob visualização direta na laringosco- oxigênio em alguns casos em que necessitamos de
pia uma solução de lidocaína é instilada nas cordas altas concentrações de O2. A ventilação em jato é
vocais para diminuir os reflexos e evitar tosse ou associada a pneumotórax e pneumomediastino por
movimentação durante o exame. A solução utiliza- ruptura alveolar ou até mesmo brônquica em vir-
da é normalmente de lidocaína sem vasoconstritor tude de altas pressões42.
a 2%, instilada com uma seringa sem agulha.
Para planejamento da anestesia devemos saber se Referências bibliográficas
haverá avaliação da mobilidade das cordas vocais. 1. Coté CJ, Todres ID, Ryan JF et al. A practice of anes-
Neste caso, não se podem utilizar relaxantes mus- thesia for infants and children, 3. ed. Philadelphia: W.B.
culares e a criança deve ser mantida em ventilação Saunders Co.; 2001.
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espontânea. O laringoespasmo é uma complicação the pharyngeal lymphoid tissue. Otolaryngol Clin Nor-
possível nessas crianças sem relaxamento muscular, th Am 1987;20:235-9.
então mais uma vez salientamos a necessidade de 3. Wilkinson AR, McCormick M, Freeland AR et al. Elec-
oxigênio suplementar a 100%. trocardiographic signs of pulmonary hypertension in
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Durante o procedimento, a maioria das crianças 4. Gerber ME, O’Connor DM, Adler E, Myer CM. Se-
apresenta queda da saturação de oxigênio, portan- lected risk factors in pediatric adenotonsillectomy. Arch
to sempre deve-se fornecer oxigênio suplementar Otolaryngol Head Neck Surg 1996;122:811-4.
a 100% via máscara facial, tubo endotraqueal ou 5. Brouillette RT, Fernbach SK, Hunt CE. Obstruc-
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por uma via lateral do próprio broncoscópio. Em
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Capítulo 19
An e s t e s i a p a r a C i r u r g i a
T o r á ci c a
Nilza Mieko Iwata
Graziella Prianti Cunha
Jai Man Lee

Introdução Aspectos anatomofisiológicos


Algumas diferenças anatomofisiológicas e dife- Sistema respiratório
renças patológicas limitam a aplicação das técni-
É o sistema que apresenta mais alterações na
cas de anestesia para cirurgia torácica de adulto
anestesia pediátrica. A disfunção respiratória é co-
na população pediátrica. A maioria das crianças
que necessitam de cirurgia torácica apresenta os mum no neonato porque o desenvolvimento pul-
pulmões sadios, e a doença cirúrgica afeta outros monar não está completo ao nascimento, principal-
órgãos ou o sistema respiratório secundariamente; mente as estruturas relacionadas às trocas gasosas.
enquanto os adultos são portadores de doença pul- O limite teórico de viabilidade é a partir da 24a se-
monar primária. As doenças pulmonares congêni- mana quando o pulmão desenvolve uma superfície
tas podem com freqüência apresentar associações de troca e começa a produção de surfactante pelos
com outras anomalias congênitas que aumentam pneumócitos do tipo II. Porém, a maturidade só é
o risco de morbidade. A combinação do conhe- atingida na 35a semana, diminuindo a incidência
cimento das características anatomofisiológicas, de insuficiência respiratória. Certos hormônios,
psicológicas, farmacológicas, e das doenças torá- drogas e condições maternas podem modificar o
cicas que acometem as crianças, assim como da ritmo de maturação1. Na 5a semana após o nasci-
tática cirúrgica e suas repercussões, se traduzem mento, os alvéolos maduros começam a aparecer e
em boa conduta anestésica em cirurgia torácica multiplicam-se até a idade de 8 anos. O neonato
pediátrica. tem 20 a 50 milhões de sacos alveolares e aos 8

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anos de idade 300 milhões, semelhante em núme- As costelas estão posicionadas horizontalmente em
ro aos adultos. A partir de 3 anos ocorre também relação à coluna vertebral, o que resulta em pouca
aumento do tamanho alveolar, até a caixa torácica mobilidade durante a inspiração. Além disso, a cai-
chegar a proporção de adulto. O resultado disso é xa torácica é frágil, facilmente deformável decor-
um aumento da superfície alveolar de 1,8 m2 no rente da pouca calcificação das estruturas5. Esses
neonato para 40-120 m2 no adulto2. fatores aumentam o trabalho do diafragma.
O crescimento e o desenvolvimento pulmonar O movimento respiratório paradoxal é comum
pós-natal podem ser comprometidos por processos em crianças pequenas, principalmente em situações
infecciosos do trato respiratório (adenovírus), por de obstrução de vias aéreas superiores, como ocorre
oxigenioterapia prolongada que resulta em menor na anestesia. Esse padrão de respiração aumenta o
número de alvéolos, por ventilação artificial prolon- trabalho do diafragma e pode levar à fadiga.
gada em broncodisplasia pulmonar; e, por irradiação A tendência à fadiga também é resultado das
terapêutica que afeta o desenvolvimeno acinar. Entre- características do diafragma que contém poucas fi-
tanto, se uma ressecção pulmonar ocorrer no período bras musculares do tipo I, de contração lenta com
de multiplicação, poderá haver um crescimento com- alta capacidade oxidativa, denominadas fadiga-re-
pensatório com multiplicação alveolar, assim como sistentes. Essas fibras constituem 10% das fibras
no tamanho alveolar3. Na via aérea central, as prin- musculares do diafragma nas crianças com idade
cipais modificações ocorrem por aumento na cartila- gestacional de 37 semanas, 25% no recém-nascido
gem dos brônquios e rigidez na sua estrutura durante de termo e 50% a partir de 1 ano de idade como é
os primeiros quatro anos, e um aumento de quatro observado em adultos6.
vezes no diâmetro da traquéia até a adolescência4.
Essas características da mecânica respiratória
Os vasos pulmonares seguem o desenvolvimen- justificam a necessidade de prótese ventilatória du-
to da via condutiva. Após o nascimento, ocorre va-
rante o procedimento anestésico nos pacientes pe-
sodilatação arterial e fechamento dos shunt (forame
diátricos, especialmente, nos neonatos e lactentes.
oval e canal arterial) com conseqüente aumento do
fluxo sangüíneo pulmonar. A resistência vascular
pulmonar diminui em resposta à ventilação, ao au- Complacência pulmonar
mento da oxigenação e à diminuição da PaCO2. A complacência respiratória total (CRT) é deter-
Entretanto, o fechamento dos shunt não é anatô- minada pela soma da complacência da caixa toráci-
mico e a vasculatura pulmonar é hiperreativa em ca e da complacência do parênquima pulmonar.
neonatos, e quaisquer condições que aumentam a
A caixa torácica, por ser muito cartilaginosa, é
resistência vascular pulmonar, como toracotomia,
muito complacente nos neonatos e lactentes, prin-
hipóxia, acidose, hipotermia, intubação sem prote-
cipalmente nos prematuros. Essa complacência di-
ção anestésica, aspiração traqueal, podem resultar
minui durante a infância e a adolescência devido à
em shunt direita-esquerda.
calcificação e o aumento da força muscular.
Em algumas cardiopatias congênitas ou em aspi-
Quando a criança cresce e torna-se ereta, com
ração de mecônio com hipoxemia importante, po-
calcificação das costelas e desenvolvimento dos
demos encontrar hipertensão pulmonar persistente
músculos acessórios, o tórax assume a configuração
com muscularização extensa da parede arterial.
elipsóide. Com 4 anos de idade, a complacência di-
nâmica da parede torácica diminui e se iguala a do
Mecânica respiratória pulmão7.
Os músculos acessórios da inspiração não são A complacência do pulmão muda durante o
eficientes nos neonatos e nos lactentes menores. crescimento em decorrência do aumento do volu-

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me pulmonar, da alteração nas propriedades elás- 1/3 do volume corrente. Esses valores quando rela-
ticas (quantidade de elastina) e da produção de cionados ao peso corporal são semelhantes aos do
surfactante. Com exceção da fase inicial da vida adulto. Entretanto, deve-se considerar que peque-
quando o surfactante desempenha papel funda- nos aumentos do espaço morto através de circuito
mental, o volume pulmonar é o principal fator que do ventilador ou extensão traqueal inadequados
determina a complacência pulmonar. têm grande repercussão no neonato. Exemplifican-
A CRT, no recém-nascido, é 20 a 40 vezes menor do, se este aumento for de 5 ml, significará aumen-
quando comparada a do adulto. Isso implica neces- to de 100% no espaço morto do recém-nascido.
sidade de maior pressão de insuflação pulmonar. Embora a Capacidade Residual Funcional (CRF)
A mecânica respiratória desfavorável associada a em relação ao peso seja semelhante a do adulto, os
menor complacência pulmonar pode limitar a capa- fatores mecânicos que a produzem são diferentes.
cidade de compensação e resultar em fadiga e insufi- No adulto, a força elástica pulmonar contra a ten-
ciência respiratória com maior freqüência em neona- são torácica mantém um volume retido no fim da
tos e lactentes do que em crianças maiores e adultos. expiração com glote aberta, este é o Volume Residu-
al. Se os mesmos mecanismos determinassem este
Resistência de vias aéreas volume na criança pequena, teríamos CRF de 10%
da Capacidade Pulmonar Total e não de 40-50%
Conforme a lei de Poiseuille (resistência = 8 ln/ como observamos. Os fatores determinantes são a
πr ), quanto menor as vias aéreas maior é a resistên-
4
parada precoce da exalação do volume pulmonar
cia. O neonato apresenta resistência de vias aéreas através do bloqueio laríngeo ou fechamento glótico
10 a 15 vezes maior que o adulto. A resistência da e a contração tônica prematura dos músculos ins-
via aérea central é constante nas diferentes idades piratórios (bloqueio diafragmático). Este controle
enquanto a das vias aéreas periféricas diminui com a dinâmico da CRF pode ser perdido com apnéia,
idade e cai drasticamente após os 5 anos. anestesia ou sedação, intubação traqueal, doença
Sendo o diâmetro das vias aéreas menor na neuromuscular ou fadiga, reduzindo bastante a
criança, se ocorrer 1 mm circunferencial de ede- CRF, isto é, desenvolvendo o colapso alveolar e a
ma, o aumento da resistência será de 16 vezes. Isso diminuição da reserva de oxigênio intrapulmonar,
resulta em diminuição de 75% da área de secção. facilitando a ocorrência de hipoxemia.
Visto que a manipulação das vias aéreas na anes- Quanto menos elastina mais fácil o colapso das
tesia é freqüente, este quadro é muito observado e vias aéreas. A complacência pulmonar reduzida em
preocupante nos pacientes pediátricos. O aumento neonatos e lactentes resulta em fechamento das
da resistência de vias aéreas em crianças menores vias aéreas (volume de oclusão) antes do término
resulta em maior trabalho respiratório. da expiração final e, portanto, maior que CRF,
A imaturidade da cartilagem traqueal nos neo- produzindo shunt D-E intrapulmonar.
natos aumenta a complacência da traquéia poden-
do resultar em colapso de sua parede durante a ins- Ventilação alveolar
piração e a expiração quando ocorre obstrução de
via aérea superior. A ventilação alveolar no neonato é de 130 ml/
kg/min enquanto no adulto é de 60 ml/kg/min.
A ventilação alveolar é maior na criança pela maior
Volumes e capacidades
necessidade de oxigênio. O consumo de oxigê-
O volume corrente do recém-nascido (RN) de nio do RN é 2-3 vezes maior do que do adulto
termo é de 15 a 20 ml. O espaço morto constitui (5-8 ml/kg/min e 2-3 ml/kg/min, respectivamen-

Anes tes i a Pa r a C i r u r g i a T o r á c i c a 359

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te). A freqüência respiratória maior nas crianças de- a hipoglicemia, a anemia e a diminuição da tempe-
termina este aumento na ventilação alveolar. Quan- ratura deterioram a resposta ventilatória.
do ocorre redução da freqüência respiratória, o re-
sultado é a rápida diminuição da saturação arterial Preparo pré-operatório
de oxigênio. Situação presente no ato anestésico.
Avaliação pré-operatória
A relação ventilação alveolar/CRF das crianças
é cerca de três vezes maior do que nos adultos, 5:1 Geralmente, as crianças que serão submetidas
e 1,5:1, respectivamente. Esse fato explica a rápi- a cirurgias torácicas têm histórico médico já co-
da alteração na fração alveolar dos gases (oxigênio, nhecido, em especial aquelas que possuem doença
nitrogênio, anestésicos) nas crianças, o que resulta crônica. A história e o exame físico cuidadoso são
em indução e aprofundamento do plano anestésico fundamentais, e este nos indicará a necessidade de
mais rápido do que observado nos adultos. maior investigação pré-operatória. Reconhecer si-
nais e sintomas de disfunção pulmonar é impor-
Difusão alvéolo-capilar tante e implica conhecê-los. Observação clínica
da criança, em repouso ou durante a alimentação
A superfície alvéolo-capilar é o fator que mais (durante mamada em lactentes) ou brincando
afeta a capacidade de difusão pulmonar. Esta capa- (com algum esforço físico), assim como a auscul-
cidade aumenta com o crescimento pulmonar. ta pulmonar, é importante. Sinais físicos incluem
Na criança, a barreira anatômica é semelhante a taquipnéia, chiado, tosse, estridor, cianose, bati-
do adulto, sendo a troca gasosa limitada mais pelo mento das asas das narinas e retrações. A retração
fluxo que pela difusão. A diferença alvéolo-arterial pode ser apenas intercostal podendo evoluir para
de oxigênio é maior nos prematuros que nos de retração esternal e subcostal em disfunções respi-
termo, e, nestes, maior que nos adultos. ratórias mais intensas.
A gasimetria arterial é interessante no pré-ope-
Regulação da respiração ratório, mas pode ser facilmente modificada com o
estresse no momento da coleta. A saturação perifé-
Tanto no neonato como no adulto, as pressões rica de oxigênio em ar ambiente pode ser útil como
arteriais parciais de oxigênio (PaO2) e de gás carbô- parâmetro intra e, em especial, no pós-operatório.
nico (PaCO2) e o pH controlam a ventilação pul- Geralmente, o estudo radiológico está dispo-
monar. Os quimiorreceptores do corpo carotídeo e nível em crianças que serão submetidas a cirurgia
aórtico são sensíveis principalmente às variações na torácica. Avaliação pulmonar, das vias aéreas ou de
PaO2 enquanto os quimiorreceptores centrais são processo ativo pode ser feita com uma radiografia
sensíveis às variações de PaCO2 e pH. A intensi- simples de tórax. Estudo tomográfico ou de resso-
dade da resposta varia proporcionalmente com a nância magnética oferece informações úteis sobre
idade pós-conceptual e a idade pós-natal8. a localização e tamanho do tumor, cisto, abscesso,
A hipóxia na criança, ao contrário do que ocorre edema, corpo estranho que podem comprometer a
no adulto, não potencializa os efeitos do aumento indução anestésica, a instrumentação das vias aére-
da PaCO2 no centro respiratório. Na criança, a hi- as ou o acesso vascular central.
póxia associada à hipercarbia pode diminuir a esti- As provas de função pulmonar padrão são res-
mulação do centro respiratório. No recém-nascido, tritas a crianças maiores ou adolescentes, quando
a resposta ventilatória à hipóxia não é sustentada. é possível o entendimento para participação nos
Esse fenômeno é mais intenso quanto mais prema- testes. Algumas avaliações são interessantes: dife-
tura a criança. Alguns fatores não específicos como renciar o chiado de broncoespasmo da obstrução

360 An e s t e s ia Pe diátrica

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de via aérea superior, a resposta broncodilatadora Mais do que a hipoglicemia, o jejum prolonga-
na asma e o grau de restrição pulmonar. do associa-se com maior freqüência a desidratação
Fazer uma estimativa do grau de comprometi- e acidose metabólica, levando a alterações hemodi-
mento, portanto, da reserva pulmonar pode suge- nâmicas (hipotensão, arritmias), principalmente na
rir uma estratégia anestésica melhor ao paciente: na indução da anestesia. A desidratação pode tornar a
indução, na ventilação monopulmonar, e na neces- secreção traqueobrônquica mais espessa. Relacio-
sidade de suporte ventilatório no pós-operatório. na-se ainda com maior irritabilidade da criança e
Doenças associadas podem modificar a conduta curiosamente com maior volume e acidez do con-
anestésica em relação a agentes, hidratação e moni- teúdo gástrico.
toração. Pacientes com cirurgias torácicas anterio- A perspectiva do procedimento cirúrgico repre-
res podem apresentar doença pulmonar restritiva senta trauma psicológico considerável (dor, muti-
pós-correção de deformidade da caixa (pectus, es- lação, separação dos pais e morte) capaz de marcar
coliose), quilotórax, paralisia de corda vocal, dano profundamente a vida da criança.
de nervo frênico, síndrome pós-pneumectomia A aplicação da medicação pré-anestésica é fre-
(com compressão de traquéia, lesão de plexo bra- qüentemente necessária para complementar o
quial, neuropatia ulnar).
apoio psicológico. Com esta finalidade, as drogas
Mesmo quando a doença é restrita a área torá- mais utilizadas são benzodiazepínicos (diazepam,
cica, exames sangüíneos, como hematimetria, ti- midazolam), barbitúricos (pentobarbital, tiopen-
pagem sangüínea, geralmente são necessários, pois tal, meto-hexital), opióides (fentanil, meperidina,
sangramentos volumosos podem ocorrer mesmo em sufentanil, morfina), butirofenonas (droperidol),
procedimentos periféricos e/ou de pequeno porte. cetamina. Dá-se preferência aos benzodiazepíni-
Em doenças oncológicas, pesquisar sempre as cos, particularmente, ao midazolam por via oral ou
repercussões sistêmicas do tratamento instituído venosa. Quando há necessidade de algum proce-
pré-operatoriamente. Por exemplo, alguns quimio- dimento invasivo ou doloroso, como cateterismo
terápicos são cardiotóxicos. vascular antes da indução anestésica, associação de
Levar à sala operatória o paciente para cirurgia opióides ou cetamina aos benzodiazepínicos é inte-
torácica na melhor condição clínica não significa ressante, mas deve-se ter atenção cuidadosa com os
necessariamente ausência de broncoespasmo, se- efeitos ventilatórios. Apesar da cetamina apresentar
creção pulmonar ou infecção. Utilizar-se de bron- menor repercussão ventilatória, é bom lembrar da
codilatadores, corticóides, antibióticos, fisioterapia possibilidade de esta aumentar a secreção traqueo-
pré-operatória, assim como fazer proposta de anal- brônquica.
gesia pós-operatória eficiente, e orientação para
A indução da anestesia pode ser crítica nestes
fisioterapia pós-operatória, pode-se traduzir em
pacientes pediátricos com doença pulmonar, nos
melhor resultado perioperatório.
qauis a pré-oxigenação torna-se fundamental para
reduzir hipoxemia. Nas crianças que têm shunt
Jejum oral e medicação pré-anestésica
direita-esquerda ou aumento da resistência vas-
As crianças que serão submetidas a cirurgia to- cular pulmonar, pode ser desastroso a excitação
rácica não necessitam de tempo de jejum mais pro- ou o choro neste período, podendo-se beneficiar
longado. Entretanto, é bom lembrar da possibilida- de algum método tranquilizador, medicamentoso
de de distensão gástrica por diminuição da compla- ou não. Nas crianças com hipoxemia importante
cência pulmonar e aumento da resistência de vias (PaO2 < 60 mmHg) ou com hipercarbia (PaCO2
aéreas, com ventilação sob máscara facial, que pode > 50 mmHg) ou com grande comprometimento
acarretar regurgitação do conteúdo gástrico. de vias aéreas, podem não tolerar sedação pré-ope-

Anes tes i a Pa r a C i r u r g i a T o r á c i c a 361

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ratória, necessitando de observação mais intensa mental na detecção da diminuição de fluxo san-
quando recebem sedativos. güíneo pulmonar, especialmente em cardiopatia
Os agentes parassimpatolíticos não são reco- cianótica. Nos portadores de persistência de canal
mendados no período pré-anestésico. arterial, o sensor deve ser colocado na região pré-
ductal (membro superior direito) a fim de avaliar
Hidratação a saturação de oxigênio que alcança o cérebro. De
outro modo, o sensor pós-ductal pode inferir o
As limitações dos métodos para o cálculo de re- grau de shunt D-E.
posição volêmica acrescidas das diferenças fisioló- As vantagens do uso da capnografia e capnome-
gicas entre as crianças de várias idades, determina tria em anestesia torácica são claras. O gradiente
vigilância e monitoração constantes do paciente entre PaCO2 e ETCO2 não é consistente se ocorre
durante a administração de fluidos. A manutenção redistribuição da ventilação-perfusão. Durante a
de adequada pressão arterial durante a anestesia cirurgia torácica, alterações da ventilação-perfusão
sugere que a administração de fluidos está ade- ocorrem como resultado da anestesia, da ventilação
quada, particularmente se estiver sendo utilizados com pressão positiva, dos efeitos da posição (decú-
agentes inalatórios potentes. Nas situações em que bito), e da variação no fluxo sangüíneo pulmonar.
é empregada medida direta da pressão arterial (in- Além disso, seu uso nos pacientes pediátricos, es-
vasiva), variações proeminentes na amplitude da pecialmente pequenos, está sujeito a alguns erros
pressão durante o ciclo ventilatório podem ser in- na análise devido ao tamanho do conector com au-
dicativo de hipovolemia. O volume urinário pode mento do espaço morto, alta freqüência respirató-
orientar uma boa hidratação. ria, diluição do fluxo expiratório com o fluxo de gás
Tanto o estado de hipovolemia como o de hi- fresco. Na utilização de ventilação de alta freqüência
pervolemia ou de hiperidratação é indesejável. Uso não é possível aplicá-la, sendo necessária análise de
de bombas de infusão ou de equipos em bureta gasimetria arterial. Na cardiopatia congênita com
para hidratação em lactentes é fundamental para hipofluxo pulmonar, a capnometria pode apresen-
prática segura. tar valores de CO2 subestimados. Apesar destas li-
mitações, além de refletir a PaCO2 e a ventilação
Monitoração alveolar, a capnografia pode detectar precocemente
complicações como intubação esofágica, extubação
O estetoscópio precordial ou esofágico é o equi- inadvertida ou obstrução do tubo traqueal.
pamento menos sofisticado de monitoração, mas O maior problema das medidas de pressão
que fornece informações úteis quanto ao posicio- arterial por método não invasivo é adequar o ta-
namento adequado do tubo traqueal ou brônqui- manho do manguito para o tamanho da criança.
co, além da avaliação das bulhas cardíacas. O método invasivo tem recomendações e indica-
A necessidade do monitor cardíaco (ECG) não ções semelhantes dos adultos, isto é, instabilidade
se resume apenas em detectar as disrritmias de- hemodinâmica, dificuldade ventilatória, análises
correntes de alteração ventilatória ou de alteração sangüíneas freqüentes e suporte ventilatório no
metabólica e eletrolítica. É importante a análise do pós-operatório. A cateterização da artéria radial,
segmento ST, pois há evidência de isquemia mio- axilar, femoral ou pediosa pode ser aplicada nas
cárdica seguindo o fechamento do canal arterial ou crianças, com poucas complicações.
o shunt Blalock-Taussig. Monitoração da temperatura (timpânica, naso-
Oximetria de pulso tem ampla importância. faríngea, esofágica) assim como do débito urinário
Em anestesia torácica pediátrica, torna-se funda- são importantes para avaliar os cuidados no con-

362 An e s t e s ia Pe diátrica

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trole térmico, hemodinâmico e de hidratação no dução da CRF, alto consumo de oxigênio e crianças
perioperatório. relutante em aceitar a máscara facial. Crianças que
Cateter venoso central, com finalidade de acesso serão submetidas a cirurgia torácica podem ter gran-
para reposição volêmica, administração de agentes de risco de complicações respiratórias e cardiovascu-
vasoativos e para medida de PVC, pode ser consi- lares. A maioria dos pacientes tem hiperreatividade
derado em crianças com doença cardiopulmonar de vias aéreas, sendo necessária profundidade anes-
grave ou cirurgia intratorácica muito invasiva. Há tésica adequada para atenuar os reflexos laríngeos
limitações em seu uso como não avaliar as condi- durante laringoscopia, intubação ou broncoscopia.
ções do enchimento do coração esquerdo, dificul- Fazer indução rápida e assegurar as vias aéreas são
tar a interpretação de sua medida em decúbito la- indicadas em pacientes com infecção pulmonar
teral ou prona, ou com tórax aberto. Em crianças unilateral que durante tosse ou movimento pode
muito pequenas, o acesso à veia central tem maior contaminar o pulmão sadio.
incidência de complicações (punção arterial, pneu- A duração do procedimento operatório e a con-
motórax, hematoma). Uso de materiais adequados dição clínica do paciente podem sugerir a escolha
(que permite técnica de Seldinger), auxílio de mé- da técnica de manutenção da anestesia.
todos de detecção vascular (como Doppler) e expe-
Diversos agentes anestésicos podem ser utiliza-
riência prática podem reduzir estes riscos.
dos em pacientes pediátricos em cirurgia torácica,
A monitoração através de cateter de Swan-Ganz entretanto, os halogenados têm sido amplamente
também pode sofrer alterações importantes duran- aplicados. A possibilidade de indução suave, do
te o procedimento, pode ser indicada quando há efeito broncodilatador, da rápida eliminação e do
previsão de grandes alterações volêmicas ou hemo- curto tempo de despertar são propriedades úteis
dinâmicas em crianças com anormalidades cardio- dos agentes halogenados nestes pacientes. Existem
pulmonares importantes. Ecocardiografia transeso-
duas desvantagens a considerar: o efeito cardio-
fágica é um método menos invasivo, que pode ser
vascular e a inibição da vasoconstrição pulmonar
aplicável para monitoração hemodinâmica nestes
hipóxica, resultando em maior desequilíbrio ven-
procedimentos.
tilação-perfusão.
Monitoração ventilatória (além da capnografia,
Agentes venosos como opióides são freqüen-
como análise da curva de pressão, volume ins/ex-
temente associados a inalatórios. Cetamina tem
pirado) também pode orientar as repercussões
menos efeitos ventilatórios, porém pode aumentar
na ventilação e as possibilidades de correção. Por
muito a secreção traqueobrônquica.
exemplo, quando o volume expirado diminuir
progressivamente pode sugerir formação de PEEP A anestesia venosa total é outra opção anesté-
intrínseco resultante de acúmulo de secreções nas sica, em especial, nas crianças com alterações car-
vias aéreas e/ou do tempo expiratório curto, qua- diovasculares importantes (como cor pulmonale
dro freqüente em cirurgia torácica pediátrica. importante).
Os agentes parassimpatolíticos são interessantes
Aspectos gerais em anestesia para em crianças asmáticas e naquelas que irão neces-
procedimentos torácicos em sitar de muita manipulação de vias aéreas como
crianças broncoscopia. Em outros procedimentos torácicos,
há risco de formação de “rolha” de secreção, não
Técnica anestésica
sendo recomendado seu uso de rotina.
Um dos desafios da indução anestésica em crian- Nos lactentes e nas crianças menores, é recomen-
ças é prover de oxigenação adequada em face a re- dável por justificativas anatômicas a utilização de

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tubo traqueal sem balonete. Entretanto, em proce-
dimentos torácicos, em que encontramos reduções
da complacência torácica por deformidade da caixa
torácica, ou pulmonar como doença pulmonar crô-
nica, broncoespasmo, edema, infecção, acúmulo de
secreções, ou decorrente da cirurgia como posicio-
namento, manipulação cirúrgica, pneumotórax , ou
presença de massa ou distensão abdominal, pode ha-
ver progressivo aumento da pressão inspiratória com
grande escape de gás. Nessas situações, permite-se
indicar o uso de tubos com balonete, sempre com
cuidado especial quanto a sua pressão. É importante
lembrar que a aplicação de tubo com balonete resul- Fig. 19.1 – Posição de decúbito lateral para cirurgia torácica.
ta em menor diâmetro interno, podendo aumentar
o trabalho da respiração espontânea em lactentes, Nas crianças maiores, em decúbito lateral e em
dificultar a aspiração de sangue ou secreções, e, em “ventilação espontânea”, observamos que a com-
especial, limitar o uso de broncofibroscópio. placência total é inalterada, mas há aumento da
A umidificação e o aquecimento do ar inspirado capacidade residual funcional (CRF), não tanto
nos procedimentos torácicos é muito importante e quanto no adulto9 . Enquanto nas menores, a com-
tem a finalidade de fluidificar a secreção traqueo- placência aumenta na adoção do decúbito lateral
brônquica, facilitando sua eliminação. Uso de siste- sem apresentar mudança na CRF9,10.
ma de umidificação de circuito anestésico ou de tro- Estudo com crianças em “ventilação artificial”
cador de calor e umidade (HME) pode ser aplicado. submetidas ao fechamento do ducto arterial ou
Neste último, deve-se ter cuidado com inundação reparo da coarctação de aorta11 mostrou aumento
do material com secreções eliminadas. Na impossi- de 25% na CRF quando a criança está em posi-
bilidade destes equipamentos, instilação de peque- ção lateral, diminuindo para 25% abaixo do nível
nas gotas, de forma intermitente, de soro fisiológico basal com abertura pleural, caindo para 50% do
aquecido no tubo traqueal pode ser a opção. basal durante retração pulmonar, e retornando ao
valor original ao final da cirurgia. A complacência
Fisiologia da posição de decúbito lateral pulmonar não se altera com a adoção da posição
A maioria das operações intratorácicas requer lateral ou quando a pleura é aberta, mas diminui
adoção do decúbito lateral (Fig. 19.1) Além da significativamente durante a retração pulmonar,
posição do paciente, o tipo da ventilação (espon- permanecendo reduzida quando reassume a posi-
tânea ou artificial com pressão positiva), o estado ção supina ao término da cirurgia.
de consciência (acordado ou anestesiado), o tórax A retração pulmonar é associada à diminuição da
(fechado ou aberto), a técnica de abordagem cirúr- CRF, da complacência e de PaO2; há necessidade de
gica são fatores importantes que determinam as aumentar o volume corrente em até 10 a 15 ml/kg
modificações da relação ventilação-perfusão. São em lactentes e crianças maiores com aumento de
bem estudadas em adultos, mas não são totalmen- pico de pressão ventilatório para compensação du-
te aplicáveis em pacientes pediátricos, em especial rante ventilação com os dois pulmões11,12.
nos lactentes. Isso pode modificar as medidas a se- Diferente dos adultos, a troca gasosa em lac-
rem adotadas quando há desequilíbrio importante tentes com doença pulmonar unilateral é eficiente
da relação ventilação-perfusão. durante a respiração espontânea quando o pulmão

364 An e s t e s ia Pe diátrica

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doente é dependente13,14. Nestas crianças pequenas, relativamente simples realizar este tipo de ventila-
ocorre menor deslocamento cefálico do hemidia- ção e é freqüentemente bem tolerada pelas crianças
fragma dependente por órgãos abdominais do que maiores. Em algumas circunstâncias, a ventilação
crianças maiores, e, de acordo com lei de Starling, monopulmonar é essencial, como para facilitar a
a contração é menos intensa no hemidiafragma de- ressecção de cistos, controle de secreções de abs-
pendente comparado com o superior, limitando a cessos pulmonares e bronquiectasias, seqüestro
eficiência da ventilação do pulmão dependente. Isso pulmonar, presença de hemorragia pulmonar ou
é importante no posicionamento da criança com na lavagem pulmonar na proteinose alvéolo-pul-
pneumopatia unilateral no período pré e pós-ope- monar21. Para procedimentos como fusão espinhal
ratório, ou mesmo durante a indução anestésica. anterior, cirurgia de shunt sistêmico pulmonar, re-
No pós-operatório, o espaço morto pode retor- paro de coarctação de aorta, reparo da fístula tra-
nar a valores normais pré-operatórios, mas a com- queoesofágica e para ressecção de tumores, a prá-
placência é menor e a resistência maior comparado a tica da técnica de ventilação monopulmonar torna
valores iniciais15. Atelectasia, sangue ou secreções nas evidente as vantagens em termos de melhora do
pequenas vias aéreas, efeito residual dos anestésicos
acesso cirúrgico, menor tempo cirúrgico e redução
sobre a mecânica e o controle respiratório podem
do trauma do pulmão retraído. A ventilação mo-
afetar a boa oxigenação no pós-operatório. O con-
trole da dor adequada também é fator fundamental nopulmonar padrão em crianças muito pequenas
para prevenir a hipoventilação pós-operatória16,17. não tem sido amplamente aplicada, possivelmente
pela dificuldade técnica.
Fluxo sangüíneo pulmonar regional
Intubação endobrônquica seletiva
Estudos em adultos mostram que a influência
da gravidade torna a distribuição da perfusão e Para permitir a ventilação monopulmonar, o outro
ventilação preferencial para o pulmão dependen- pulmão deve ser excluído na participação da troca ga-
te18. Este efeito é observado em crianças maiores sosa. Isso é conseguido por intubação endobrônquica
mas é menos significativo19. Não sabemos se o pro- seletiva do pulmão a ser ventilado ou por bloqueio do
cesso de desenvolvimento influencia o fluxo san- brônquio do pulmão não ventilado. Pequenos tubos
güíneo regional20. O menor tamanho do tórax dos de duplo lume (Mallinckrodt 28 FG, Rush 26 FG)
lactentes, provavelmente, significa que a distribui- são comercialmente disponíveis, sendo adequados
ção do fluxo sangüíneo é menos influenciada por para adolescentes e crianças maiores. O uso de tubo
gravidade do que o que ocorre em crianças maiores de duplo lume muito pequeno, com lume na linha
e adultos. Fatores tais como condutância vascular, ântero-posterior, tem sido descrito em crianças me-
geometria hilar alterada e forma pulmonar variável nores (1.400 g)22. É discutível a sua aplicação, e esses
podem ser os maiores determinantes do fluxo san- tubos ainda não são disponíveis comercialmente. As
güíneo pulmonar regional em lactentes. Quanto a vantagens do uso de tubo de duplo lume incluem
diferenças inter-regionais da expansão pulmonar, o isolamento efetivo dos pulmões e acesso rápido a
edema perivascular ou a vasoconstrição pulmonar
ambos os pulmões para oxigenação e aspiração de
hipóxica, o que pode ocorrer na adoção do decúbi-
sangue e secreções. As complicações são semelhantes
to lateral é pouco conhecido.
às dos adultos: mal posicionamento, hérnia do balo-
nete, obstrução traqueal, trauma traqueobrônquico,
Ventilação monopulmonar pneumotórax e pneumomediastino.
Não há estudos definindo vantagens da venti- Para neonatos e lactentes, as opções são o uso
lação monopulmonar sobre a ventilação conven- de intubação deliberada no brônquio contralateral
cional para cirurgia torácica pediátrica. Porém é ou o uso de bloqueadores brônquicos. Acredita-se

Anes tes i a Pa r a C i r u r g i a T o r á c i c a 365

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que em crianças menores de 3 anos, o tubo traqueal Outra manobra útil inclui elevação do ombro
quando avançado além da carina tem igual chance contralateral ao brônquio a ser intubado em conjunto
de entrar no brônquio principal direito ou esquer- com flexão lateral do pescoço. Observação cuidado-
do, mas isso não é tão verdadeiro em crianças anes- sa do movimento torácico com a ventilação, quando
tesiadas, pois o ângulo do brônquio direito é menor o tubo é avançado, confirma ou não a posição cor-
nesta situação, sendo a progressão do tubo para brô- reta. A intubação brônquica pode ser realizada, se o
nquio principal direito mais freqüente23,24. O bisel calibre do tubo permitir, através de fibroscópio (Fig.
com face à esquerda do tubo traqueal é também um 19.3) Um broncofibroscópio infantil com diâmetro
fator importante para progressão à direita25. externo de 3,6 mm permite ser aplicado em tubo
Várias técnicas são descritas para facilitar a in- traqueal 4,5 ou 5,0 DI. Existe broncofibroscópio ul-
tubação brônquica seletiva em crianças26. Usar um tra-fino com diâmetro externo de 2,2 mm que pode
guia maleável para direcionar a face não biselada passar em tubo até 2,5 mm, entretanto, é muito frá-
do tubo para o brônquio selecionado é a opção de gil e não permite aspiração. A avaliação da ventilação
preferência. Deve-se tomar cuidado para não obs- do lobo superior durante ventilação monopulmonar
truir a abertura do brônquio do lobo superior di- é melhor realizada clinicamente.
reito quando a intubação endobrônquica direita é
realizada. Isso pode ser conseguido tanto com uso
do olho de Murphy ou cortando o tubo traqueal
para produzir um bisel com face à direita ao invés
do bisel com face à esquerda mais comumente en-
contrado. O tamanho do tubo pode ser o mesmo
da técnica convencional ou 0,5 mm menor.
Cullun et al.27 descreveram uma técnica que
permite intubação brônquica esquerda, a qual de-
pende da posição do bisel na região da carina em
relação ao brônquio selecionado (Fig. 19.2). Após
inserção dentro da traquéia, o tubo é rodado 180o
antes de ser avançado. Uma vez no brônquio es-
querdo, o tubo é rodado agora em 180o para asse- Fig. 19.3 – Uso de broncofibroscópio infantil para intubação brônquica.
gurar ventilação do lobo superior esquerdo.
Bloqueador brônquico
Por muitos anos, os bloqueadores brônquicos
A B têm sido usados em crianças tão jovens quanto de
dois meses de idade28,29,30. Esses podem ser inseridos
com broncoscópios rígidos, juntamente com tubos
traqueais, ou sob observação através de fibroscópio.
Materiais, como cateter de Forgarty (3 Fr em lac-
tentes, 4-5 Fr em crianças maiores e 8 Fr em adultos
– com látex)21,31,32 , cateter de artéria pulmonar (sem
látex)33, cateter de Foley (com e sem látex) e cateter
Direita Esquerda Direita Esquerda de septotomia de Rashkind, são usados. O cateter
Fig. 19.2 – Intubação endobrônquica seletiva para direita (a) e para
de embolectomia é mais fácil de locar, o de artéria
esquerda (b). pulmonar possibilita fluxo de oxigênio ou CPAP.

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Em pulmão infectado, a combinação de blo- uso do PEEP para manter a posição mediastinal,
queador com intubação brônquica seletiva é pos- CRF, volume-minuto alveolar e normocapnia sem
sível21. É importante lembrar que existe sempre o aumentar o risco de barotrauma por maior pres-
risco de o bloqueador deslocar-se para traquéia, são de insuflação. Existem poucos estudos sobre os
causando obstrução completa da via aérea, assim efeitos da transposição destas técnicas na prática
como a ruptura do balão e contaminação do pul- pediátrica, particularmente em crianças com doen­
mão dependente. ça cardíaca congênita.
O tubo endotraqueal Univent com sistema de Na ventilação monopulmonar em adultos, a
bloqueador brônquico transluminal oferece vanta- vasoconstrição pulmonar hipóxica do pulmão não
gens, pois o lume do bloqueador permite CPAP no dependente pode diminuir o shunt intrapulmo-
pulmão homolateral. O balonete do bloqueador é nar36. Os lactentes e crianças maiores podem res-
de silicone (sem látex). Um advento recente é o ponder clinicamente da mesma maneira.
tubo Univent em tamanhos tão pequenos quan- O fluxo sangüíneo no pulmão não ventilado
to 3,5 mm de DI e que possui DE equivalente de contribui para o shunt D-E intrapulmonar e redu-
tubo 5,5 mm34,35. A traquéia é intubada e o blo- ção da PaO2. A perfusão do pulmão não depen-
queador é avançado sob broncoscopia para ocluir o dente é influenciada pelo grau de compressão ci-
brônquio apropriado. rúrgica e a integridade da vasoconstrição arterial
Independentemente da técnica adotada, o su- hipóxica. O fluxo sangüíneo pulmonar pode ser
cesso da intubação seletiva pode ser conseguido desviado para o pulmão não dependente por ini-
sem dificuldade21. Entretanto, pode ser necessário bição da vasoconstrição hipóxica por hipocapnia
reposicionamento freqüente durante o procedi- e agentes halogenados, e pelo aumento da pressão
mento (Tabela 19.1). nas vias aéreas, piorando o quadro de shunt D-E.
Aumentar FiO2 melhorando a tensão de oxigênio
Ventilação alveolar pode produzir vasodilatação do pulmão
dependente. Às vezes, é necessário aplicar PEEP
Para compensar as conseqüências da ventilação 2-3 até 10 cmH2O no pulmão dependente com
monopulmonar, é frequente, na prática em adul- finalidade ventilatória, mas deve-se ter em mente o
tos, aumentar a concentração de oxigênio inspi- risco de deteriorar o fluxo sangüíneo. Em quadros
rado para compensar o shunt e também alterar o críticos com hipóxia grave, a artéria pulmonar pre-
padrão ventilatório com elevação da freqüência e cisa ser clampeada.

Tabela 19.1 – Seleção do tubo para ventilação monopulmonar em crianças

Idade (anos) TT (DI – mm) BB (Fr) Univent TDL (Fr)

0,5 – 1 3,5-4,0 5
1-2 4,0-4,5 5
2-4 4,5-5,0 5 3,5 26
4-6 5,0-5,5 5 3,5 26-28
6-8 5,5-6,0 6 4,5 32
8-10 6,0 c/ cuff 6 4,5 35
10-12 6,5 c/ cuff 6 6,0 35
12-14 6,5-7,0 c/ cuff 6 7,0
14-16 7,0 c/ cuff 7
16-18 7,0-8,0 c/ cuff 7
TT – tubo traqueal BB – bloqueador brônquico TDL – tubo de duplo lume

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A oxigenação pode ser ajustada de acordo com a traqueal pois pode influenciar na colocação do
oximetria de pulso, mas o ajuste da ventilação deve tubo tra­queal, particularmente se ventilação mo-
ser baseado na análise de gasimetria, pois ETCO2 nopulmonar está sendo indicada37.
pode não ser um bom indicador do conteúdo de
CO2 arterial (ver monitoração). Broncoscopia de fibra óptica

Considerações sobre doenças Se o objetivo é a avaliação dinâmica das vias aé-


e procedimentos torácicos em reas usando broncofibroscópio, a ventilação espon-
pediatria tânea é obrigatória38. Para tanto, existem duas op-
ções: primeiro, o paciente respira espontaneamente
Broncoscopia através da máscara facial, o fibroscópio é introdu-
zido através de um cotovelo fenestrado e avançado
A experiência com broncoscopia pelo anestesio-
em direção à laringe e à árvore traqueobrônquica;
logista é essencial à prática segura de anestesia para
segundo, a máscara laríngea é usada como um meio,
cirurgia torácica em crianças. Além disso, para pro-
permitindo a passagem do broncofibroscópio atra-
ver anestesia segura permitindo a broncoscopia por
vés dela, uma vez que a sua abertura é voltada para
outros profissionais, o anestesista deve ser capaz
a laringe39. A abertura no cotovelo deve ser elástica
de usar ambos os instrumentos rígidos e flexíveis
e pequena o suficiente para permitir a passagem do
para posicionamento de tubo traqueal tanto para
aparelho e a vedação ao escape de ar para instru-
ventilação pulmonar ou na presença de anatomia
mento com diâmetro 2,2 mm ou 3,6 mm. Aneste-
anormal quanto para aspiração traqueobrônquica.
Anestesistas e broncoscopistas operam dentro das sia local deve ser aplicada através do broncoscópio
limitações de uma estreita via aérea nos pequenos nas cordas vocais e na carina. Somente o primeiro
pacientes cuja via ou a função respiratória já pode método permite exame adequado da laringe e de
estar comprometida. estruturas associadas. Se hipoxemia ocorrer, uma
alternativa à retirada do broncoscópio, é oxigena-
Até recentemente, as indicações mais comuns ção através do uso de jet ventilation pelo injetor de
para broncoscopia na população pediátrica eram re-
ar, atenção em observar o retorno do volume, pois
tirada de corpos estranhos e aspiração de secreções.
há risco de barotrauma.
Atualmente, pequenos broncofibroscópios são dis-
poníveis, úteis para investigar estridor, infecção pul-
monar recorrente, e, assim diminuir a lesão traqueal Broncoscopia rígida
ou de adjacências. Traqueomalácia, broncomalácia, É importante para retirada de corpo estranho
estenose subglótica, ou obstrução de via aérea cen- em crianças. A técnica de “jet ventilation” foi apli-
tral extrínseca são possíveis causas de estridor, que cada em crianças mas é associada com alta incidên-
podem ser diagnosticadas por broncoscopia. Em cia de barotrauma40 e pode não ser recomendada.
crianças maiores, é indicada para biópsia pulmonar Além disso, é um meio ineficiente na presença de
transbrônquica. Uma rara indicação é a lavagem pul- obstrução de vias aéreas com alta resistência ou um
monar unilateral em proteinose alvéolo-pulmonar. pulmão pouco complacente. Muitos centros usam
A maioria das crianças sujeitas à cirurgia pul- um sistema de ventilação Mapleson D conectado à
monar é submetida a broncoscopia antes da in- saída lateral do broncoscópio, com a entrada ocluída
tubação traqueal. Nos tratamentos cirúrgicos de por um diafragma ou janela. Impedimento ou en-
empiema e abscesso pulmonar, deve-se descartar a curtamento do tempo de expiração pode resultar em
possibilidade de corpo estranho nas vias aéreas. É retenção de ar, especialmente na doença obstrutiva
importante reconhecer a presença de um brônquio de vias aéreas, quando pressão positiva é aplicada.

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Uso de broncoscópio de pequeno calibre com teles- cluem manutenção da oxigenação, prevenção da tos-
cópio in situ pode apresentar resistência muito au- se e movimento durante o procedimento. Quando a
mentada41,42. realização da broncoscopia é rápida, pode-se utilizar
Crianças com alteração de via aérea devida a a técnica de anestesia inalatória. Entretanto, alguns
tumor de mediastino podem apresentar obstrução fatores, como redução do volume-minuto, redução
importante quando anestesiadas, conseqüente a da captação de anestésico inalatório e grande possibi-
perda do tônus muscular, e a introdução de um lidade de escape de gases com poluição do ambiente,
broncoscópio rígido, às vezes, se faz necessária para podem justificar utilização de anestesia venosa.
permitir a permeabilidade da via aérea, devendo
este equipamento estar sempre disponível. Traqueobroncografia

Remoção de corpo estranho A traqueobroncografia pode ser necessária para


definir áreas com malácia da árvore traqueobrô-
Este é um procedimento de risco que deve ser nquica. O constraste deve ser isotônico. É gentil-
feito apenas por anestesistas e broncoscopistas expe- mente instilado através do tubo traqueal, e uma
rientes. Um corpo estranho retido causa colapso pul- combinação de ventilação espontânea e assistida
monar distal e infecção. Sinais radiológicos incluem são utilizadas. Um manômetro inserido no circui-
um corpo estranho visível, atelectasia distal, ar reti-
to respiratório mede a abertura e o fechamento do
do distal e desvio de mediastino. Tais sinais ocorrem
segmento da via aérea com malácia. É importante
em 70% a 80% dos casos. Em 10% das crianças,
proteger o paciente para não apresentar reflexo de
achados radiológicos não são evidentes. O corpo es-
tranho pode se deslocar, e, portanto, uma radiogra- tosse durante o procedimento.
fia de tórax deve ser feito imediatamente antes da
broncoscopia. Durante a broncoscopia, o paciente Cirurgia por toracoscopia ou
deve ser adequadamente oxigenado e evitar que o vídeo-assistida
corpo estranho seja deslocado tanto distalmente Inicialmente, a toracoscopia em crianças foi
como para posição que possa ocluir completamente
aplicada para fins diagnósticos. Avanços técnicos
a traquéia. Se ocorrer obstrução total da traquéia
possibilitaram sua utilização em um grande número
pelo corpo estranho durante o procedimento e este
de procedimentos cirúrgicos, com uma abordagem
não puder ser imediatamente removido, é urgente
que este seja deslocado novamente para o brônquio minimamente invasiva. O principal avanço técni-
e permitir ventilação de, pelo menos, um pulmão. co é cirurgia toracoscópica vídeo-assistida por um
É possível a necessidade de repetidas passagens do operador e seu assistente que têm uma visão clara
aparelho através da laringe. Trauma laríngeo é co- do campo operatório no monitor. As maiores van-
mum, particularmente, se um grande corpo estra- tagens desta técnica são as reduções na morbidade
nho e broncoscópio são removidos conjuntamente. cirúrgica, no tempo de recuperação e no custo43.
Atelectasia distal, infecção e inflamação necessitam Na população pediátrica, toracoscopia é indi-
de maior tempo para resolução. Essas alterações cada para diagnóstico de massa mediastinal (linfo-
em conjunto com a possibilidade de trauma de via ma, doença inflamatória, timoma, cisto), biópsia
aérea podem significar a necessidade de assistência pulmonar, ressecção de seqüestro pulmonar, dre-
ventilatória no pós-operatório. Há possibilidade de nagem de empiema, pleurodese, drenagem pericár-
toracotomia de urgência em caso de ruptura brôn- dica, correção de alterações congênitas cardiovas-
quica ou falha na remoção endoscópica do objeto. culares (persistência do canal arterial, anel vascular,
O nível de sedação ou anestesia dependerá da circulação anômala), simpatectomia torácica alta e
idade da criança para sua segurança e conforto. In- lobectomia44-47. (Fig. 19.4).

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para realização de biópsia pulmonar. Alternativas,
como biópsia transbrônquica ou por minitoracoto-
mia, existem. Uma criança relativamente bem pode
ser submetida à biópsia transbrônquica usando-se
broncofibroscópio passado através de máscara larín-
gea. Esta é a abordagem usada na biópsia de rotina
seguindo transplante de pulmão. Avaliação clínica e
radiológica de possível pneumotórax é importante
ao término do procedimento. Crianças com doença
infiltrativa difusa grave podem não tolerar a biópsia
transbrônquica. Nestas circunstâncias, a biópsia a
céu aberto é mais segura, mas não elimina a possibi-
Fig. 19.4 – Cirurgia por toracoscopia para drenagem de empiema. lidade de precipitar falência respiratória e a necessi-
dade de assistência ventilatória no pós-operatório.
Anestesia geral com ventilação monopulmonar é
necessária em crianças para toracoscopia. Em crian- Tumores intratorácicos
ças muito pequenas submetidas a cirurgia torácica O tumor maligno pulmonar primário é raro em
não pulmonar, a aplicação de um retrator pode ser crianças. Tumores extensos podem requerer ressec-
suficiente para limitar a ventilação do pulmão no ção por toracotomia. Uma grande massa tumoral
campo de trabalho, dispensando a ventilação mo- pode produzir insuficiência respiratória restritiva,
nopulmonar. Outra alternativa é a insuflação de distorcer a via aérea ou dificultar o retorno venoso.
CO2 com baixo fluxo e pressão de 4-7 mmHg pro- Geralmente, a ventilação monopulmonar é neces-
duzindo colapso pulmonar unilateral em crianças sária. Existe, também, risco de sangramento im-
pequenas e lactentes48,49. O anestesista deve sem- portante.
pre estar preparado na conversão para toracotomia,
Nos pacientes oncológicos, é preciso atenção
isto ocorre em torno de 10% a 27% dos pacientes,
geralmente por dificuldade de acesso ou de visua- quanto à toxicidade dos quimioterápicos, especial-
lização50,51. Entretanto, essa conversão pode ser de mente cardiotoxicidade gerando insuficiência car-
urgência como em sangramento intenso. díaca. É necessária avaliação cuidadosa da função
cardíaca pré-operatoriamente.
Em toracoscopia de crianças pequenas, pode
ocorrer aumento progressivo da temperatura devi- Os possíveis diagnósticos de massa mediastinal
do ao calor produzido pela fonte de luz do equipa- anterior são: linfoma, teratoma e tumores de tireói­
mento52. de ou de origem tímica. Alguns tumores cervicais
como teratoma e higroma cístico com extensão in-
Quando indicar a analgesia, deve ser lembrado
feriormente para dentro do tórax são descritos. A
que dano pleural tanto quanto dano da parede torá-
necessidade de estabelecer um diagnóstico histoló-
cica produzem estímulo doloroso. A necessidade de
gico é claro.
drenagem pleural no pós-operatório torna obriga-
tória a utilização de técnicas analgésicas potentes. Um tumor pode comprimir a traquéia, o brôn-
quio principal ou os grandes vasos. Quando o tô-
Biópsia pulmonar nus muscular é perdido durante a anestesia, algu-
ma ou todas as estruturas podem ser obstruídas. O
Combinando-se imagens tomográficas à aspira- comprometimento das vias aéreas pode ocorrer em
ção com agulha de fino calibre pode ser suficiente crianças anestesiadas mesmo naquelas que eram

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assintomáticas previamente, estudos radiológicos A mediastinoscopia diagnóstica é uma alternativa
(raio-X de tórax, tomografia, ressonância) podem potencialmente menos invasiva que mediastinotomia
não prever essa repercussão. A incapacidade de ou toracotomia para massa mediastinal anterior. Em-
permanecer na posição horizontal ou a presença de bora reduza risco de morbidade, de sangramento ou
sintomas respiratórios em repouso (tosse, dispnéia, de problemas anestésicos não é eliminado.
chiado), sinais de síndrome de compressão de veia
cava superior, podem ser alerta para risco de eventos Abscesso e empiema pulmonar
cardiorrespiratórios durante sedação ou anestesia.
A etiologia mais comum de empiema é pós-
Em crianças maiores, capazes de cooperar, in- pneumônica (Fig. 19.5). Um abscesso ou empiema
formação pré-operatória pode ser obtida na curva pode erodir um brônquio e produzir uma fístula
de fluxo inspiratório e expiratório. Uma revisão de broncopleural. Drenagem adequada do espaço
50 crianças com massa mediastinal anterior iden- pleural e remoção do tecido que restringe a ex-
tificou que anestesia pode ser induzida com segu- pansão pulmonar formam a base da conduta nes-
rança se a área de secção da traquéia for pelo menos ta condição; o tratamento pode consistir de uma
50% do esperado para idade53. simples aspiração por agulha, inserção de dreno
A ecocardiografia identifica compressão de gran- torácico, toracotomia com decorticação, ressecção
des vasos e da saída do ventrículo direito. Se a ava- de tecido pulmonar desvitalizado, incluindo, em
liação pré-operatória exclui anestesia geral segura, casos mais sérios, a pneumectomia. A abordagem
outras opções diagnósticas como pesquisa em nó- através de toracoscopia tem sido bastante realizada,
dulos linfáticos periféricos ou aspiração da medula pois permite alcançar áreas mais extensas do que
óssea usando anestesia local em crianças maiores por minitoracotomia sem grandes incisões.
ou a instituição de quimioterapia ou radioterapia Antes do fechamento, o pulmão deve ser reinsu-
para reduzir a massa tumoral devem ser tentadas. flado e avaliado se há existência de fístula bronco-
Particularmente, os linfomas são sensíveis a radio pleural. Empiema é uma condição freqüentemente
e quimioterapia, havendo redução importante da subtratada ou maltratada. Há boa evidência que
massa com início do tratamento, porém, existe o a conduta cirúrgica agressiva produz uma melhor
risco de comprometer o estudo histológico poste- evolução46,54. (Fig. 19.6).
riormente.
Se há risco de comprometimento cardiovascu-
lar, anestésicos venosos como cetamina, opióides,
etomidato devem ser preferidos a agentes inalató-
rios. Se há comprometimento respiratório, a indu-
ção lenta com inalatório e com o paciente em po-
sição lateral ou sentada é interessante, bem como
estar apto a mudança rápida de posição do pacien-
te frente a alterações cardiorrespiratórias intensas.
A obstrução de vias aéreas pode ser melhorada na
posição prona. Intubação traqueal convencional
pode não ser suficiente para controle das vias aé-
reas, sendo necessário recorrer ao tubo traqueal
protegido (como o cromado) ou ao broncoscópio
rígido. O bypass cardiopulmonar tem sido usado
em algumas ressecções de tumores mediastinais. Fig. 19.5 – Empiema pulmonar à esquerda.

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Fig. 19.6 – Empiema pumonar pós-drenagem por vídeo-toracosco- Fig. 19.7 – Seqüestro pulmonar à esquerda (arteriografia).
pia.

Bronquiectasia O tecido seqüestrado apresenta muitos cistos,


arranjo irregular e, freqüentemente, é infectado.
A bronquiectasia consiste em dilatação perma- Mais raramente, pode ter comunicação com trato
nente dos brônquios, geralmente associada a infla- gastrointestinal, como o esôfago.
mação. Infecções de repetição, aspiração de corpo
O seqüestro intralobar pode ser assintomático
estranho, aspiração pulmonar de conteúdo gástri-
ou apresentar infecções pulmonares de repetição
co, fibrose cística são os processos etiológicos mais
evoluindo para abscesso. O seqüestro extralobar
freqüentes.
tem localização preferencial intratorácica à esquer-
A ressecção da área comprometida pode estar da, raramente abdominal. É associado a outras ano-
indicada em infecções de repetição resistentes ao malias em 50% dos casos, como hérnia diafragmá-
tratamento clínico e hemoptise. Lobectomia pul- tica. Clinicamente, observa-se infecções freqüentes
monar na presença de secreções infectadas requer com imagem radiológica na mesma região.
isolamento do pulmão afetado para prevenir con- O tratamento cirúrgico com exérese do tecido
taminação do pulmão sadio. Se isso não for possí- pulmonar seqüestrado tem excelente resultado. No
vel, é interessante postergar ou abandonar o proce- seqüestro intralobar, faz-se ressecção do tecido e no
dimento. extralobar é realizado lobectomia (Fig. 19.8). Comu-
nicação com trato gastrointestinal é fator complicador.
Seqüestro pulmonar Cuidados quanto a possível contaminação do pulmão
sadio durante a indução anestésica e durante a cirurgia,
É um tecido pulmonar não-funcionante que é
assim como prevenir-se de sangramento importante
seqüestrado do pulmão normal. O pulmão anormal
devido a malformação vascular ou perda da ligadura
recebe suprimento sangüíneo pela artéria sistêmica,
da artéria sistêmica, modificam os resultados.
aorta ou algum ramo desta (Fig. 19.7). Pode desen-
volver insuficiência cardíaca de alto-débito devido a
Cisto pulmonar congênito
grande malformação artério-venosa no seqüestro.
Existem duas formas de seqüestro pulmonar: in- Os cistos congênitos podem ser broncogênicos,
tralobar, quando o pulmão anormal está incorpado alveolares ou a combinação destes. Os cistos adquiri-
dentro do tecido normal; e, extralobar, em que o dos são mais comuns. É uma anomalia de desenvol-
pulmão anormal é separado do tecido normal. vimento do sistema broncopulmonar, e eles aumen-

372 An e s t e s ia Pe diátrica

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traqueoesofágica ou compressão vascular como du-
plo arco aórtico, anel vascular) ou adquirida (tra-
queostomia, intubação prolongada, compressão
extrínseca como em tumor mediastinal). O pacien-
te tem tosse freqüente mas é incapaz de eliminar
secreções. Quadro de obstrução de vias aéreas que
pioram com agitação, choro. Estudos radiológicos
com fluoroscopia ou com bário podem auxiliar no
diagnóstico. A avaliação por broncoscopia realiza-
da sob anestesia em ventilação espontânea pode
confirmar o diagnóstico, e também avaliar o exato
Fig. 19.8 – Ressecção do sequestro pulmonar.
local da lesão e da sua extensão.
A evolução clínica com a idade é boa, pois a
tendência é a melhora da estrutura da traquéia com
tam de volume por obstrução expiratória. A forma
enrijecimento. Conduta conservadora com CPAP
mais comum são cistos periféricos com comunicação prolongada ou a inserção de um stent tem sido apli-
traqueobrônquica. Podem ser múltiplos e, em vigên- cada. Raramente tem indicação cirúrgica. Aortope-
cia de infecção, é difícil diferenciar o congênito do xia é a operação feita para aliviar sintomas da tra-
adquirido. A cirurgia para ressecção é necessária pelo queomalácia decorrente de compressão por artéria
risco de complicações, como pneumotórax, forma- innominata no lactente. E realizada através de uma
ção de abscesso, fístula broncopleural, crescimento esternotomia ou uma toracotomia esquerda, fixa-
exagerado com compressão do parênquima normal. ção da aorta no perióstio retroesternal, elevando-se
a traquéia anterior. Outros métodos como traque-
Enfisema lobar congênito. opexia, traqueoplastia são descritos. Observação
intraoperatória da malácia por broncofibroscópio
Nesta doença, existe um acúmulo patológico de pode avaliar a eficácia do procedimento.
ar em um lobo pulmonar, com atelectasia por com-
pressão das adjacências e é mais comum no lobo
Fibrose cística
superior esquerdo. Displasia da cartilagem brôn-
quica ou compressão brônquica extrínsica ocorre É a causa mais comum de doença pulmonar
em aproximadamente metade dos casos, o restan- supurativa em crianças maiores. É uma doen-
te tem causas idiopáticas. Presença de dispnéia e ça autossômica recessiva, predominante na raça
desvio de mediastino são freqüentes nos lactentes. branca. Diversos órgãos são acometidos por lesões
O tratamento é a remoção da área afetada. A hipe- obstrutivas e alterações no muco e na secreção de
rinsuflação dinâmica (gas trapping) é um problema eletrólitos. O aumento de sódio e cloro no suor é
real se a área afetada é ventilada com pressão posi- observado nesta doença. O paciente é susceptível a
tiva. Isso pode ser evitado se o brônquio contralate- infecção pulmonar com deterioração progressiva.
ral é seletivamente intubado usando anestesia ina- Pode apresentar cirrose biliar, hipertensão portal,
latória. Às vezes, é necessário manter a ventilação insuficiência pancreática, com diarréia crônica e
espontânea até a abertura do tórax. hipoproteinemia. O quadro pulmonar é de bron-
quiolite, bronquite supurativa, bronquiectasia.
A fibrose ocorre em áreas com infecção crônica.
Traqueobroncomalácia e aortopexia
Em doença avançada, hemoptise pode ser freqüen-
A traqueomalácia pode ser congênita (rara e ge- temente observada. E, em doença pulmonar exten-
ralmente associada a outras anomalias como fístula sa, hipoxemia, hipercarbia, hipertensão pulmonar.

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Os procedimentos anestésicos são para realização • evitar uso de bloqueador neuromuscular;
de broncoscopia e lavagem brônquica, arteriografia, • há necessidade de tubos e conectores estéreis
embolização em casos de hemoptise, lobectomia para intubação distal após secção traqueal. Son-
(abscesso, bronquiectasia, hemoptise). É a maior da aramada é mais interessante;
indicação de transplante pulmonar em criança55. • após ressecção da estenose e a anastomose da
Nestes procedimentos, anestesia geral é neces- parede posterior, faz-se reintubação orotraqueal
sária; se a cirurgia for extratorácica ou periférica, através da anastomose, cuidado com intubação
dá-se preferência à técnica anestésica regional. seletiva;
A resistência de via aérea aumentada pode com- • extubação precoce com plano anestésico pro-
prometer a ventilação na anestesia, levando a PEEP fundo deve ser preferida, evitando tensão e deis-
intrínseco com facilidade. cência da anastomose.

Estenose de traquéia Pectus excavatum e carinatum


Pode ser congênita (rara, pode ocorrer isoladamen- É uma depressão côncava da porção inferior
te ou associada a outras anomalias) ou adquirida (pós- do esterno, geralmente presente ao nascimento e é
intubação, pós-trauma, queimaduras, tumores). A clí- progressivo (Fig. 19.9). A etiologia é desconheci-
nica de obstrução de vias aéreas dependerá diretamen- da, pode estar associada à síndrome de Marfan, e à
te do grau da estenose, que pode piorar em vigência cardiopatia congênita. Muitos são assintomáticos e
de secreções, infecções, edema. O estudo radiológico é alguns podem ter alguma intolerância ao exercício.
útil para avaliar a extensão e a gravidade da lesão. Avaliações melhores podem detectar diminuição do
Geralmente, são realizadas broncoscopias diag- fluxo expiratório forçado e dos volumes pulmonares,
nósticas, com grande risco de sangramento e ede- há redução do débito cardíaco por limitação do en-
ma local. Pode ser necessária aplicação de adrenali- chimento diastólico durante exercício e mudança de
na inalatória, oxigenação e ventilação com pressão decúbito. Depressão importante do esterno produz
positiva sob máscara. Há aplicações de diversos deslocamento mediastinal, com desvio do coração.
métodos de tratamento, como dilatação, ressecção Além das considerações funcionais, alterações
diatérmica, criocirurgia, laser ou stent. estéticas e posturais importantes podem ser indica-
Algumas considerações são importantes para ções de correção cirúrgica.
anestesia de ressecção da estenose:
• necessidade de terapia intensiva;
• premedicação dependerá do grau de obstrução,
crianças agitadas podem ter piora do quadro;
• atropina somente para prevenir bradicardia;
• na monitorização, canulação da artéria radial
direita deve ser evitada (possibilidade de com-
pressão de artéria innominata devido a proximi-
dade com a traquéia);
• disponibilidade de tubos traqueais de diferentes
tamanhos;
• indução inalatória é preferível, combinar com Fig. 19.9 – Pectus excavatum com molde para correção pela técnica
anestesia tópica; de nuss.

374 An e s t e s ia Pe diátrica

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A técnica cirúrgica aberta clássica descrita por Analgesia pós-operatória
Ravitch56,57consiste em ressecção extrapleural e
A dor pós-operatória de cirurgia torácica é re-
subpericondral das costelas e osteotomia do ester-
latada como uma das mais intensas pelos adultos.
no. Há risco de sangramento maior.
Não há razão para ser diferente em crianças. Prover
Outra técnica desenvolvida e aplicada mais re- de analgesia adequada não tem apenas o aspecto
centemente é abordagem minimamente invasiva humano mas também evita disfunção respiratória
denominada técnica de Nuss58 em que a correção decorrente de analgesia inadequada16,17.
é realizada através da passagem de uma barra me-
Esta pode ser realizada com técnica de analgesia
tálica de aço pré-moldado por uma pequena aber-
regional, sistêmica ou ambos. A escolha da técnica
tura na linha axilar e introduzida entre o músculo
é influenciada pela idade da criança e da doença.
peitoral e as costelas. Próximo ao mediastino, com
auxílio de toracoscopia o material é direcionado re-
Analgesia regional
troesternalmente, e novamente retornando para o
espaço entre o músculo e as costelas, até alcançar a Bloqueio paravertebral
linha axilar contralateral. É uma técnica mais rápi-
O bloqueio paravertebral produz analgesia ipsi-
da do que a tradicional, com menos sangramento
lateral através da injeção de anestésico local ao lon-
e melhor efeito estético (menor cicatriz cirúrgica)59
go da coluna vertebral. O espaço paravertebral tem
(Fig. 19.10). Entre as complicações intra-operató-
forma de cunha. Seus limites são: posteriomente, o
rias, podemos citar arritmias, pneumotórax, pneu-
ligamento costotransverso superior; lateralmente,
momediastino.
a membrana intercostal posterior; anteriormente,
As duas técnicas cirúrgicas necessitam de inten- a pleura parietal; e medialmente, o lado póstero-
so controle da dor pós-operatória: analgesia regio- lateral da vértebra, disco intervertebral, e forame
nal e sistêmica prolongada60. intervertebral. O espaço contém nervos espinhais
O pectus carinatum é um defeito convexo do es- e ramo dorsal, ramos comunicantes, e anterior-
terno. É mais raro e a indicação cirúrgica tem mais mente, a cadeia simpática. Injeção de anestésico
aspecto estético. A conduta anestésica é semelhante local dentro deste espaço paravertebral é simples
àquelas adotadas para pectus excavatum. e evita possível complicação do bloqueio neural
central. Se realizado com injeção simples: a pele é
puncionada lateral ao processo espinhoso de uma
vértebra ao nível da inervação do local cirúrgico,
a agulha é avançada até o processo transverso ou
na cabeça da costela adjacente e então prosseguir
cranialmente, até o topo do processo transverso.
O espaço paravertebral é identificado pela perda de
resistência quando o ligamento costotransverso é
passado. Neste ponto, o anestésico local pode ser
administrado. Este anestésico difunde-se por mais
de nove dermátomos com uma simples injeção.
Para tanto, Lunnqvist e Hessner sugerem pelo me-
nos 0,5 ml/kg de solução61. Um cateter pode ser
avançado dentro deste espaço se a agulha de Tuohy
é usada. Em lactentes e crianças maiores, a analge-
Fig. 19.10 – Pectus excavatum pós-correção pela técnica de nuss. sia é efetiva com redução importante do consumo

Anes tes i a Pa r a C i r u r g i a T o r á c i c a 375

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de opióides sistêmicos, a técnica é simples, e não há Infusão de anestésico local interpleural
relatos de complicações maiores62,63.
Esta técnica tem demonstrado produzir contro-
le da dor efetiva em crianças pós-toracotomia69,70.
Analgesia peridural Uma preocupação é que a absorção sistêmica do
A analgesia peridural tem-se mostrado muito anestésico local por esta via parece ser alta. McIl-
segura em prática pediátrica apropriada, incluindo vaine et al.71 estudou 14 crianças recebendo bupi-
seu uso após toracotomia. vacaína interpleural com adrenalina 1:200.000 a
1,25 mg/kg/h, e notou que embora o nível sérico
Analgesia por esta via produz um bom alívio da
estivesse muito alto (7 mcg/ml), nenhum efeito
dor pós-toracotomia, seu uso reduz a permanência
tóxico foi observado72. Outro estudo dosou a bu-
na UTI e a internação hospitalar em crianças. pivacaína seguindo injeção simples interpleural de
Um cateter peridural pode ser inserido por via 2 mg/kg em oito bebês de baixo peso (< 1.500 g),
caudal, lombar ou torácico64-66. Em crianças me- e observou que embora a meia-vida e o volume de
nores, a colocação de cateter peridural torácico é distribuição estivessem aumentados, o maior pico
realizada por especialistas experientes. Em lacten- sangüíneo foi de 1,2 mcg/ml, e também nenhum
tes, o cateter inserido por via caudal pode alcançar efeito tóxico foi visto73.
região torácica com certa facilidade. Neste grupo
de pacientes, o espaço peridural é menos vasculari- Bloqueio de nervo intercostal
zado e contém menos gordura do que em crianças
maiores. Varios nervos intercostais precisam ser bloque-
ados. Deve-se tomar cuidado para que o anestési-
O bloqueio peridural em lactentes e crianças
co local seja injetado posterior ao ramo lateral do
pequenas é caracterizado por estabilidade hemo-
nervo intercostal (isto é, posterior à linha axilar
dinâmica ainda que em associação com bloqueio
média). A concentração plasmática de anestésico
torácico alto.
local é potencialmente alta, com aumento mais rá-
O uso de analgesia peridural torácica pode pre- pido em crianças do que em adultos. A colocação
servar a função pulmonar e facilitar a recuperação de cateter intercostal também tem sido utilizada à
pós-operatória de crianças com doença pulmonar semelhança do cateter paravertebral74.
grave. Os riscos do uso de opióide peridural, parti-
cularmente de depressão respiratória, parecem me- Administração analgésica sistêmica
nos importantes do que suas vantagens. A infusão
de opióide peridural após toracotomia é melhor do A infusão de opióide intravenosa é amplamente
que por via sistêmica em pacientes adultos. Isso pa- utilizada e simples de aplicar. Analgesia controlada
rece ser também claro nas crianças67. A qualidade pelo paciente (ACP) é possível em crianças maiores
analgésica melhora com associação de opióide ao de 5 anos75,76. Em crianças menores ou aqueles que
anestésico local, por aumentar a intensidade anal- não conseguem operar o equipamento, há a possi-
gésica e prolongar a duração do seu efeito. Redu- bilidade de infusão contínua de opióide como uma
zindo-se, assim, a dose de opióide e de seus efeitos alternativa efetiva77.
colaterais, particularmente do prurido e da depres- O uso de AINE tais como diclofenaco, cetopro-
são respiratória. Esta última é muito preocupante, feno; de analgésicos simples como acetaminofeno
entretanto, existe evidência contrária em crianças, e dipirona no controle da dor em criança é útil
incluindo um estudo realizado em 500 crianças como adjuvante para outras técnicas ou fármacos
que receberam morfina caudal sem hipoxemia ou analgésicos. Em casos de disfunção renal, alteração
depressão respiratória clinicamente importante68. de coagulação, principalmente quando ocorrem

376 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 20
An e s t e s i a p a r a C i r u r g i a
Ab d om i n a l
Sérgio Bernardo Tenório
Daniela Bianchi Garcia Gomes
Débora de Oliveira Cumino

introdução cirurgia abdominal estão em risco de broncoaspira-


ção por oclusão intestinal.
Os procedimentos cirúrgicos abdominais na
criança compreendem desde cirurgias simples,
Medicação pré-anestésica
como as apendicectomias, até complexas correções
de lesões congênitas do trato digestivo e da parede A medicação pré-anestésica pode ser utilizada
abdominal realizadas ainda no período neonatal. nas crianças com mais de 10 meses de idade e nor-
movolêmicas. A via oral deve ser evitada na criança
Avaliação pré-anestésica com oclusão intestinal e risco de aspiração bron-
copulmonar. O midazolam é o benzodiazepínico
A maioria das doenças congênitas do trato di- mais utilizado na criança por suas propriedades
gestivo cursa com oclusão intestinal e vômitos e, amnesiantes e sedativas e por ter meia-vida de eli-
por esse motivo, é comum que tais crianças estejam minação curta. Nas crianças sob risco de bronco-
desidratadas na ocasião da avaliação pré-anestésica. aspiracão um bloqueador H2 como a ranitidina e
A depleção volêmica pode ser clinicamente identi- um antiácido não particulado podem ser utilizados
ficada pelo turgor de pele diminuído, demora no até 1 hora antes do início da cirurgia.
enchimento capilar, afundamento das fontanelas
(na criança com idade inferior a 18 meses), oligúria
A técnica anestésica
ou anúria e alterações nos sinais vitais. A dosagem
de uréia e creatinina, do pH e dos eletrólitos é ne- A anestesia para as cirurgias abdominais de pe-
cessária quando há história de diversos episódios queno porte, como herniorrafias inguinais, pode
de vômitos. Muitas das crianças que necessitam de ser feita em ventilação espontânea ou assistida com

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um anestésico volátil e óxido nitroso e sem entu- contra-indicada, como nos ex-prematuros sob risco
bação traqueal. No entanto, ventilação controlada de apnéia. Está bem documentado que a incidência
com relaxantes musculares é necessária para a maio- de apnéia no pós-operatório de herniorrafias em ex-
ria dos procedimentos. As cirurgias abdominais na prematuros submetidos a raquianestesia é menor
criança são, freqüentemente, realizadas com anes- que naqueles que receberam anestesia geral10. Um
tesia geral suplementada por anestesia regional. dos principais inconvenientes da raquianestesia no
A anestesia dos nervos ilioinguinal e ilioipogás- neonato é a curta duração de ação dos anestésicos
trico, epidural sacra, lombar, torácica e a raquia- locais disponíveis. A associação da raquianestesia
nestesia são as técnicas de anestesia regional mais com a anestesia epidural tem sido utilizada, com
comumente associadas à anestesia geral2-4. São re- sucesso, em crianças de baixo peso. Nessa técnica,
conhecidos diversos benefícios na associação das a anestesia peridural é realizada com o paciente em
duas técnicas anestésicas, destacando-se: a) a redu- decúbito lateral, através de um cateter introduzido
ção das concentrações dos anestésicos voláteis e das pelo hiato sacro após o bloqueio raquidiano estar
doses dos opióides e relaxantes musculares reque- instalado11. A anestesia caudal tem sido empregada
ridos para a manutenção do plano anestésico; b) a como técnica única em ovariectomias e laparotomia
redução do tempo para a recuperação da anestesia; para tratamento de oclusão intestinal em lactentes
c) melhor qualidade da analgesia pós-operatória. com graves disfunções pulmonares, utilizando-se
Os anestésicos locais com longa duração de 1 ml/kg-1de bupivacaína a 0,375% com adrenalina
ação, como a bupivacaína, a ropivacaína e a levo- 1/200.000 e 1 mcg/kg-1 de clonidina12.
bupivacaína, possibilitam que a analgesia se pro-
longue no pós-operatório mesmo nas cirurgias Broncoaspiração
mais longas. Um dos riscos mais temidos da anes- Muitas crianças com doenças abdominais estão
tesia regional na criança é a intoxicação pelo anes- sob risco de broncoaspiração por terem obstrução
tésico local decorrente do uso de doses excessivas intestinal e redução no tempo de esvaziamento gás-
ou injeção intravascular. Esse risco pode ser redu- trico (Fig. 20.1).
zido mantendo-se a dose máxima permitida para
a injeção peridural (3 mg/kg-1 para a bupivacaína,
7 mg/kg-1 para a lidocaína e 2,5-3,0 mg/kg-1 para
a ropivacaína)5. A adição de adrenalina 1/200.000
e clonidina (1-2 µ.kg-1) ao anestésico local pare-
ce melhorar a qualidade da anestesia e prolongar
a duração do bloqueio sensitivo tanto na anestesia
epidural6 quanto na raquianestesia7. Com punções
epidurais mais altas pode-se reduzir o volume dos
anestésicos locais (0,5-0,7 ml/kg-1). Nos neonatos Fig. 20.1 – Grave ascite em criança com atresia das vias biliares.
e lactentes é possível que um cateter introduzido O aumento da pressão intra-abdominal e a redução do tempo de es-
pelo hiato sacral ou por um espaço lombar atinja vaziamento gástrico são fatores que favorecem a broncoaspiração.
níveis torácicos por terem menos tecido gorduroso A passagem de uma sonda gástrica antes da in-
no espaço peridural e uma coluna vertebral ainda dução da anestesia diminui a pressão intragástrica e
sem a curvatura característica dos adultos8-9. pode reduzir os riscos da broncoaspiração. Essa me-
A anestesia espinhal como técnica única para ci- dida, contudo, não garante o esvaziamento completo
rurgia abdominal na criança tem sido descrita em do estômago. A sonda gástrica deve ser retirada tão
algumas situações nas quais a anestesia geral está logo o estômago tenha sido descomprimido para não

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comprometer a competência do esfíncter esofágico lemia devem ser corrigidos previamente à indução
inferior. Pode-se reduzir os riscos da broncoaspira- anestésica. No entanto, isso nem sempre é possível
ção pela adoção de alguns cuidados13. Na entubação porque, com freqüência, a doença base é a causa
traqueal de “seqüência rápida”, a traquéia é entuba- principal das perdas líquidas. As crianças com hi-
da após a injeção de um hipnótico e um relaxante povolemia podem desenvolver grave hipotensão
muscular, enquanto a cartilagem cricóide é mantida arterial na indução da anestesia porque muitas das
comprimida contra o esôfago. Os relaxantes muscu- drogas anestésicas causam vasodilatação periférica e
lares de curta latência, como a succinilcolina ou o bloqueiam os reflexos autonômicos que mantêm a
rocurônio em doses superiores às utilizadas na clíni- pressão arterial. Durante a cirurgia, são necessários
ca, são indicados14. Durante o período de compres- líquidos para a reposição das perdas básicas (líqui-
são da cartilagem cricóide a oxigenação do sangue é dos de manutenção) e as demais perdas, inclusive de
mantida graças ao oxigênio existente nos pulmões15. sangue (líquidos de reposição). A solução fisiológica
Os neonatos e lactentes têm menor reserva de oxigê- e a solução de Ringer lactato são adequadas tanto
nio nos pulmões em relação ao seu consumo e tole- para a manutenção quanto para a reposição, por se-
ram a compressão traqueal por pouquíssimo tempo, rem soluções iso-osmolares em relação ao plasma.
tornando-se hipoxêmicos antes de atingidas as con- Berry18 propõe que a reposição das perdas básicas
dições ideais para a entubação traqueal. A entubação seja feita com solução cristalóide, segundo o esque-
traqueal sem anestésico ou sedativo pode ser neces- ma simplificado na Tabela 20.1.
sária no neonato em mau estado geral e elevado risco
Tabela 20.1 – Volume de cristalóides para repor
de aspiração16. A entubação traqueal com o paciente as perdas básicas
acordado requer a administração prévia de oxigênio Até 3 kg > 4 kg
puro para reduzir riscos de hipóxia e atropinização Primeira hora 25 ml/kg 15 ml/kg
(20 a 30 mcg/kg-1) para bloquear os reflexos paras- Demais 4 ml/kg/h 3 ml/kg/h
simpáticos. São descritos casos de hemorragia cere-
bral com essa técnica. A entubação traqueal pode O volume de cristalóides necessário para a re-
ser realizada ainda apenas com anestésico volátil, posição varia muito em decorrência do tipo de
de preferência o sevoflurano ou o halotano. A car- cirurgia e da lesão. Como regra, pode-se utilizar
tilagem cricóide deve ser mantida com leve pressão entre 2 e 6 ml/kg-1/hora-1, reavaliando-se clinica-
que possibilite a ventilação pulmonar17. No entanto, mente a volemia. Fora do trauma, a transfusão de
nenhuma das técnicas de entubação traqueal abole sangue raramente é requerida durante as cirurgias
totalmente os riscos de broncoaspiração. abdominais na criança. Hoje, diante da descoberta
do crescente número de doenças transmitidas pelo
desequilíbrio hidroeletrolítico sangue homólogo, deve-se ter critérios mais rígi-
dos para indicar transfusões de sangue. Deve ser
As crianças com doenças abdominais em geral lembrado, no entanto, que, embora o organismo
apresentam desequilíbrio no balanço hidroeletrolí- tolere grandes reduções no hematócrito, ele não to-
tico causado por vômitos, edema de alças intesti- lera redução na volemia, que deve ser mantida com
nais, formação do 3o espaço, evaporação ou sangra- soluções cristalóides na proporção de 3-4 ml para
mento. A adequação do equilíbrio hidroeletrolítico cada 1 ml de sangue perdido.
na criança pode ser avaliada por turgor da pele,
enchimento capilar, tensão das fontanelas, diurese hipotermia
e sinais vitais, além da mensuração dos eletrólitos
do sangue, especialmente do sódio. Sempre que As crianças submetidas a cirurgias abdominais
possível, os desequilíbrios hidroeletrolíticos e a vo- com freqüência perdem muito calor durante a

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cirurgia19. A distensão do abdôme aumenta a su-
perfície corporal, que já é grande na criança pe-
quena, o que facilita a perda de calor. A exposição
das vísceras abdominais ao ambiente frio das salas
cirúrgicas, o emprego de soluções não aquecidas
na cavidade abdominal e a evaporação dos líqui-
dos da cavidade abdominal e da superfície corpó-
rea são apenas alguns dos fatores que reduzem a
temperatura dos pacientes. A hipotermia aumenta
a morbidade por alterar a coagulação do sangue,
modificar o tempo de ação das drogas anestésicas e
alterar o ritmo cardíaco e o débito e freqüência car-
díaca, culminando com parada cardíaca. Diversas
alternativas podem ser utilizadas para a manuten-
ção da temperatura. A recomendação clássica de
se manter a temperatura das salas cirúrgicas para
as cirurgais neonatais entre 28-32oC dificilmente é Fig 20.2 – Sistema de aquecimento baseado na insuflação de ar
possível na prática pelo grande desconforto causa- com temperatura, produzido pela Bair-Hugger®.
do. A sala de cirurgia pode ser mantida entre 22 e
24oC, mesmo para as cirurgias do neonato, desde
testinais ou gônadas através do processo vaginalis no
que sejam utilizados alguns cuidados para reduzir
menino ou do canal de Nuck nas meninas. Diversas
as perdas de calor, entre os quais estão: a) usar lí-
condições podem estar associadas à hérnia inguinal,
quidos aquecidos na cavidade abdominal e na hi-
como prematuridade, história familiar positiva, pre-
dratação; b) evitar molhar a superfície do corpo,
sença de derivação ventriculoperitoneal (pelo exces-
uma vez que o processo de evaporação requer calor
sivo fluido na cavidade abdominal), hipospádias,
que é retirado do próprio organismo da criança;
hidrocele, doenças do tecido conectivo e distrofias
c) usar métodos para manter aquecido o micro-
musculares, testículos retráteis e fibrose cística.
ambiente em torno da criança. O colchão de água
quente é um método pouco eficaz para manter a
temperatura corporal porque sua superfície de Anestesia e cuidados peri-operatórios
contato com o corpo é pequena. Uma alternativa A herniorrafia está indicada tão logo seja diag-
mais eficiente para manter a temperatura corporal nosticada a hérnia inguinal, pelos riscos de encar-
é o equipamento conhecido como sistema de ar ceramento e estrangulamento de alças intestinais
quente forçado, que aquece e ejeta o ar para um ou gônadas.
recipiente maleável como um saco, que é colocado A maioria dos procedimentos pode ser feita sob
sobre as partes livres da criança (Fig. 20.2). anestesia geral e ventilação espontânea sob más-
cara com anestésicos inalatórios (óxido nitroso +
Anestesia nas cirurgias abdominais sevoflurano ou halotano) associada ao bloqueio
específicas dos nervos ileoinguinal e ileoipogástrico ou ao blo-
Herniorrafia inguinal
queio sacral. Como os neonatos toleram pouco a
ventilação espontânea por fazerem, mais facilmen-
Estima-se que 3% a 5% dos neonatos a termo e te, fadiga muscular, eles exigem, com freqüência,
30% dos prematuros tenham herniação de alças in- ventilação assistida. No entanto, por terem a lín-

384 An e s t e s ia Pe diátrica

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gua proporcionalmente maior que as crianças de Nos casos mais graves, está associada a uma taxa de
mais idade, podem fazer, durante a ventilação con- mortalidade de aproximadamente 50%20,21.
trolada sob máscara, distensão gástrica e dificulda- Apesar de a enterocolite necrosante usualmen-
de ventilatória. Um plano profundo de anestesia te ocorrer entre o 3o e o 12o dias de vida, casos
é aconselhável durante a manipulação do cordão tardios são diagnosticados muitas semanas após o
espermático, manobra que pode cursar com larin- nascimento.
goespasmo. Crianças com encarceramento de alças
Sua etiopatogenia não está totalmente esclareci-
intestinais ou gônadas têm oclusão intestinal e de-
da, mas acredita-se que a diminuição do fluxo san-
vem ser entubadas com os cuidados destinados
güíneo mesentérico, levando a isquemia intestinal,
aos pacientes com risco de broncoaspiração.
tenha um papel preponderante1. Têm sido relatadas
As crianças nascidas com menos de 37 semanas como causas de enterocolite necrosante a prema-
de gestação e 46 semanas de idade pós-conceptual turidade22, o uso de algumas drogas pela mãe no
(para alguns autores, 60) apresentam um risco au- período perinatal, alimentação precoce ou com fór-
mentado de apnéia após anestesia geral. Esse risco é mulas hiperosmolares em neonatos com imaturida-
maior quando há história prévia de períodos de ap- de intestinal, fatores que causem diminuição do su-
néia mais longos que 30 segundos, história de ven- primento de oxigênio tecidual, como a septicemia,
tilação mecânica prolongada após o nascimento, cardiopatias congênitas, disrritmias, hipotensão
presença de doenças do sistema nervoso central ou arterial, hipoxemia, asfixia fetal e falência cardíaca,
de anemia, evidências de doença pulmonar crônica além de infecção sistêmica, cateterização da artéria
ou hipotermia. A raquianestesia reduz, mas não eli- umbilical, exsangüíneo, transfusão, síndrome do
mina os riscos de apnéia no pós-operatório do ex- distresse respiratório e apnéias recorrentes.
prematuro quando não são associadas drogas seda-
O diagnóstico clínico geralmente é difícil, já
tivas10. Em razão do pequeno volume de anestésico
que os sintomas precoces da entrerocolite necro-
local requerido para a raquianestesia, recomenda-se
sante são semelhantes aos de outras doenças que
o emprego de seringas de insulina para administrar
evoluem com obstrução intestinal. As alterações
o anestésico local. Na experiência dos autores, a
clínicas e laboratoriais incluem distensão abdo-
correção de herniorrafias inguinais em ex-prematu-
ros com anestesia caudal dá resultados melhores e minal, vômitos biliosos com conteúdo gástrico,
mais previsíveis do que a raquianestesia. trombocitopenia, coagulopatia, hiperglicemia e
anemia. Sinais de infecção, como letargia, associa-
da ou não a irritabilidade e apnéia, instabilidade
Enterocolite necrosante
da temperatura, piora da função pulmonar (hipó-
A enterocolite necrosante corresponde a um xia e hipercarbia), acidose metabólica, distúrbios
processo inflamatório caracterizado por graus va- hidroeletrolíticos, hipotensão arterial, bradicardia
riados de necrose intestinal, podendo afetar por- e choque hipovolêmico são outros sinais presentes
ções ou todo o trato gastrointestinal. nos casos mais graves.
Com os progressivos avanços das unidades O exame radiográfico acompanha a fisiopato-
de terapia intensiva e a melhoria na sobrevida de logia da necrose intestinal: pode, inicialmente,
recém-nascidos e prematuros, ela é considerada a sugerir um íleo com edema de alça e, mais tarde,
emergência cirúrgica mais comum nos neonatos, demonstrar gases na parede intestinal provenientes
afetando 1% a 8% de todos os pacientes interna- da fermentação bacteriana (pneumatose intestinal)
dos nessas unidades. Ocorre principalmente nos e no trato biliar, além de pneumoperitôneo. O tra-
prematuros com peso inferior a 2.000 g, embo- tamento clínico tem sucesso em 60% a 85% dos
ra também possa ocorrer nos neonatos de termo. casos e inclui jejum oral, antibioticoterapia, aspi-

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ração nasogástrica, nutrição parenteral prolongada grande perda para o terceiro espaço. Recomenda-se
e medidas de suporte. O uso de droga vasoativa atenção especial a coagulação, glicemia, equilíbrio
(principalmente a dopamina) pode ser indicado ácido-básico e eletrólitos.
para aumentar o débito cardíaco e melhorar a per- Esses pacientes necessitam, no pós-operatório,
fusão intestinal. A cirurgia está indicada nas crian- de cuidados intensivos, devendo ser transportados
ças que não respondem a terapia medicamentosa à UTI em berço aquecido com oxigênio, monitori-
e as que apresentarem evidência de perfuração ou zação e drogas para reanimação. Um íleo paralítico
necrose intestinal, obstrução mecânica, peritonite prolongado é esperado, requerendo, com freqüên-
e acidose progressiva com hiperpotassemia (indica- cia, alimentação parenteral total.
tivo de necrose tecidual).
As crianças que chegam ao centro cirúrgico en- Onfalocele e gastrosquise
contram-se, em regra, em mal estado geral, hipovo-
lêmicas, em acidose metabólica, hipocalcêmicas e Onfalocele e gastrosquise são anomalias con-
com distúrbios de coagulação. O preparo adequa- gênitas da parede abdominal, resultando na her-
do pré-operatório é importante, devendo-se oti- niação de vísceras abdominais e alças intestinais24.
mizar a volemia e as anormalidades laboratoriais. Onfalocele e gastrosquise diferem entre si sob vá-
É recomendado que haja hemoderivados disponí- rios aspectos, incluindo a própria origem embrio-
veis no centro cirúrgico. lógica do defeito, a localização e a presença do saco
herniário e de anormalidades congênitas associadas
Anestesia e cuidados peri-operatórios
(Tabela 20.2 e Fig. 20.2). Os cuidados anestésicos,
no entanto, são semelhantes para os dois grupos.
A hipotermia é um problema comum nos pacien- O diagnóstico pré-natal permite a correção ci-
tes sépticos que também perdem calor pela exposi- rúrgica imediata. Os cuidados perioperatórios es-
ção das alças intestinais durante a cirurgia24. Devem tão direcionados para a prevenção da hipotermia
ser tomadas medidas para reduzir as perdas de calor, e da perda de líquidos e de proteínas, da septice-
como o aquecimento da sala cirúrgica, o aquecimen- mia e do trauma direto das alças expostas. O con-
to das soluções utilizadas para infusão venosa e na teúdo exposto deve ser protegido com compressas
cavidade abdominal e a utilização de sistemas para úmidas em solução salina morna e filme plásti-
aquecer o ambiente em torno da criança. co para diminuir as perdas insensíveis e de calor.
Estes pacientes devem ser considerados portado- O neonato deve ser mantido aquecido, em jejum e
res de estômago cheio, devendo-se tomar as medidas com sonda orogástrica aberta para descompressão
cabíveis para evitar a broncoaspiração. A septicemia gástrica e prevenção da regurgitação e da aspiração
é uma contra-indicação absoluta à anestesia regional. pulmonar do conteúdo gastrointestinal.
A anestesia geral com opióides, baixas concentrações O uso de antibióticos de largo espectro e a res-
de isoflurano, sevoflurano ou halotano e relaxantes tauração da volemia devem ser instituídos preco-
musculares é a técnica rotineiramente utilizada. cemente. A combinação de peritonite, edema,
O óxido nitroso, por aumentar os volumes gasosos isquemia e perda protéica para o 3o espaço pode
de compartimentos fechados, como o intestino, resultar em choque hipovolêmico, hemoconcen-
deve ser evitado. Uma mistura de ar e oxigênio é tração e acidose metabólica, o que faz com que seja
usada para manter uma PaO2 entre 50 e 70 mmHg necessária uma reposição 3 a 4 vezes maior que a
(saturação de oxigênio em torno de 90%). preconizada para os neonatos normais (150 a 300
Para a normalização da volemia, podem ser ne- ml/kg/dia). A reposição, portanto, deve ser genero-
cessários elevados volumes de cristalóides, pois há sa, com solução de Ringer lactato associada ou não

386 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tabela 20.2 – Diferenças entre onfalocele e gastrosquise

Onfalocele Gastrosquise

Etiologia Não retorna das alças intestinais para a cavidade Provável oclusão da artéria onfalomesentérica
abdominal na 11a semana de gestação

Incidência 1:3.000 - 1:10.000 nascidos 1:15.000 - 1:30.000 nascidos

Herniação Na base do cordão umbilical Periumbilical

Características Vísceras abdominais cobertas por membrana Vísceras abdominais expostas sem revestimento
amnioticoperitorineal membranoso
Intestino morfologicamente normal Intestino com função anormal (edema, inflamação)

Doenças associadas Presente em 80% dos pacientes, sendo Presente em 5% a 25% dos pacientes, sendo
25% a 30% deles prematuros 60% deles prematuros

a albumina a 5%. O débito urinário deve ser mo- pressão intra-abdominal, o que compromete o re-
nitorado (1 a 2 ml/kg), assim como os eletrólitos e torno venoso para a veia cava ou a movimentação
o estado ácido-básico. do diafragma. Isso pode ser medido pela pressão
intravesical ou pela pressão traqueal, e o cirurgião
Anestesia e cuidados peri-operatórios deve ser informado das modificações ocorridas.
Caso o fechamento primário não seja possível, uma
Os principais riscos perioperatórios são: a) a hi- correção em estágios é planejada, envolvendo-se as
povolemia decorrente das perdas líquidas no pré- vísceras herniadas com uma bolsa de silicone que
operatório, o que exige ressuscitação antes e durante é comprimida gradualmente, em um período de
a cirurgia; b) a hipotermia; c) a broncoaspiração; d) aproximadamente 7 a 10 dias, com o intuito de au-
o aumento da pressão intra-abdominal, que pode mentar a cavidade abdominal para comportar todo
causar restrição da movimentação diafragmática, o conteúdo herniado.
comprometimento da perfusão intestinal, renal e
hepática, diminuição do retorno venoso dos mem- Em geral, esses neonatos permanecem em ven-
bros inferiores resultando em congestão, cianose e tilação mecânica por períodos que variam de 24 a
alterações do débito cardíaco e da pressão arterial; 48 horas. Quando nenhuma outra anomalia está
e) a hipoglicemia1. presente, mais de 90% das crianças sobrevivem.
A monitorização metabólica, especialmente da
glicemia, é importante porque os neonatos com Estenose Hipertrófica do Piloro
onfalocele (mas não gastrosquise) podem ser por- (EHP)
tadores da síndrome de Beck-Wiedmann, doença É uma condição patológica em que ocorre hi-
que se caracteriza por macroglossia, gigantismo e pertrofia progressiva da musculatura do esfíncter
organomegalia25 e, esporadicamente, por hipogli- gastroduodenal a ponto de causar obstrução gradu-
cemia secundária à secreção inapropriada de in- al do canal pilórico, prejudicando o esvaziamento
sulina. É recomendável adicionar glicose a 5% ou gástrico. Sua incidência varia de 1:300 a 1:1.000
10% nos líquidos utilizados para a reposição das neonatos, sendo mais freqüente nos lactentes do
perdas básicas. sexo masculino. Por volta da 2a e 6a semanas de
O fechamento primário é o tratamento prefe- vida, o lactente passa a apresentar vômitos não bi-
rencial, mas ele somente é possível quando a re- liosos de caráter progressivo após as mamadas, o
dução do conteúdo abdominal não elevar muito a que leva a desidratação e perda de ácido clorídrico

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A ocorre diminuição da freqüência respiratória, ele-
vação da PaCO2 e, principalmente, maior excreção
renal de H2CO3 - e K+, o que mantém o pH sérico,
mas agrava a depleção de Na+. Com o comprome-
timento da volemia, o organismo passa a reter Na+
em troca de H+, agravando a alcalose metabólica e
produzindo urina ácida. O quadro final decorrente
dos vômitos de repetição é a desidratação acompa-
nhada de alcalose metabólica e de hipocloremia e
hipocalcemia. A gravidade da EHP varia de acor-
do com as alterações eletrolíticas presentes (Tabela
20.3). Aproximadamente 2,5% dos lactentes com
estenose hipertrófica do piloro apresentam icterícia
de etiologia ainda não esclarecida que costuma desa-
parecer em 5 a 10 dias após a cirurgia.
Como a piloromiotomia não é um procedimen-
to de emergência, é necessário corrigir, no período
pré-operatório, os desequilíbrios hidroeletrolítico e
metabólico associados. Em geral, é possível fazer o
preparo pré-operatório em 24 a 48 horas. Os prin-
cipais cuidados perioperatórios são: a) aspirar bem
o estômago antes da indução da anestesia, pois
pode ter sido utilizado exame radiológico com bá-
rio (hoje, raramente); b) entubar a traquéia utili-
zando técnicas apropriadas para estômago cheio; c)
B
corrigir os desequilíbrios hidroeletrolíticos, man-
tendo o pH entre 7,3 e 75, o Na+ acima de 132
mEq/l, o Cl acima de 90 mEq/l e o bicarbonato de
sódio abaixo de 30 mEql/l23.

Doenças intestinais
As malformações congênitas do trato digesti-
vo são afecções freqüentes e constituem um dos
mais importantes capítulos da patologia cirúrgica
Fig. 20.3 – Onfalocele (A) está freqüentemente associada com ou-
tras malformações congênitas. Gastrosquise (B) em geral é defeito
pediátrica. As doenças intestinais cirúrgicas mais
único. comuns na infância são o apendicite agudo, o pân-
creas anular, a estenose ou atresia do intestino, a
duplicação do intestino, o íleo meconial, a ente-
do suco gástrico. Pode causar, nos casos extremos, rocolite necrosante e o megacolon congênito26, a
desnutrição, desidratação hipoclorêmica, grave al- maioria delas cursando com obstrução intestinal.
calose metabólica e hiponatremia1. O atraso no diagnóstico e no tratamento pode au-
Como tentativa de compensar a queda da quan- mentar a morbimortalidade, ao comprometer o
tidade de íons hidrogênio no líquido extracelular, fluxo sangüíneo mesentérico, produzindo, com o

388 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tabela 20.3 – Classificação da EHP segundo a gravidade das alterações eletrolíticas

Cl (mEq/L) Frequência respiratória Densidade da urina

Leve > 100 > 20 mpm < 1.010

Moderada 90 a 100 12 a 16 1.010 a 1.020

Grave < 90 < 12 Anúria

agravamento da distensão abdominal (que compri- operatória mais cuidadosa. O enema contrastado
me o diafragma, limita a ventilação e aumenta o pode auxiliar no diagnóstico diferencial.
risco de aspiração pulmonar), alterações hidroele- Embora as obstruções intestinais no neonato
trolíticas (por depleção do EEC devido ao edema tenham causas diferentes, o manuseio peri-opera-
de alças, à necrose intestinal e ao uso de enemas tório é similar. São prioridades as medidas para mi-
hiperosmolares para auxílio diagnóstico e terapêu- nimizar os riscos de broncoaspiração, os cuidados
tico), perfuração intestinal e septicemia27.
com a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e
O exame clínico é de extrema importância no os cuidados com o controle da temperatura.
diagnóstico das doenças congênitas. Na maioria
das vezes, observam-se síndromes obstrutivas iden-
Obstrução duodenal
tificáveis pelos seguintes sinais de alarme: vômitos
persistentes e biliosos, resíduo gástrico maior que As obstruções ou suboclusões duodenais no re-
20 ml e de aspecto bilioso, distensão abdominal, cém-nascido, podem ser causadas por atresia, este-
peristaltismo visível, ausência ou eliminação do re- nose, pâncreas anular e vícios de rotação intestinal
torno na eliminação do mecônio e tumoração ab- com compressão duodenal extrínseca. Freqüente-
dominal palpável. mente estão associadas a outras anomalias congê-
Os exames complementares, como a radio- nitas, como a trissomia do cromossomo 21, imper-
grafia simples de abdômen (que pode demonstrar furação anal, cardiopatias congênitas, síndrome de
níveis hidroaéreos, ar na parede intestinal e na ca- Down, fibrose cística, atresia de esôfago e anoma-
vidade peritoneal e sinais de calcificação), o estudo lias renais.
contrastado e a ultra-sonografia abdominal pré ou
As crianças com obstrução duodenal completa
pós-natal, podem auxiliar na identificação da causa
apresentam pouca distensão abdominal e vômitos
da obstrução intestinal.
biliosos ou não que se iniciam nas primeiras 24 a
As obstruções intestinais do neonato podem
48 horas de vida.
ser divididas em proximal e distal. As obstruções
proximais, causadas por atresia de duodeno ou O diagnóstico pode ser feito no período pré-
jejuno e má-rotação com volvulus, provocam, em natal, quando, à ultra-sonografia, identifica-se
geral, vômitos que podem ou não ser biliosos, na o duodeno muito dilatado e o restante das alças
dependência de a obstrução ser proximal ou distal intestinais de pequeno calibre. O sinal da dupla
à ampola de Vater e, em menor freqüência, disten- bolha à radiografia (ar no estômago e na porção
são abdominal. Já a obstrução distal provoca clí- proximal do duodeno) é patognomônico.
nica menos exuberante, com distensão abdominal O tratamento não é uma urgência cirúrgica e
que antecede os vômitos. Na maioria dos casos, o consiste, inicialmente, na colocação de sonda oro
intestino não se encontra em perigo de compro- ou nasogástrica e na correção do distúrbio hidroe-
metimento imediato, o que permite avaliação pré- letrolítico e metabólico.

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Atresia jejunal A má rotação intestinal é duas vezes mais co-
mum nos meninos e, freqüentemente, produz sin-
A incidência de atresia jejunal é de 1:1.500 a tomas de obstrução intestinal nos primeiros 2 me-
1: 5.000 nascimentos. Ao contrário da atresia de
ses de vida, podendo tornar sintomática apenas na
duodeno, a ocorrência de doenças cromossômicas
idade adulta. A incidência é de 1:6.000 nascidos, e
nos neonatos com atresia jejunal é muito baixa33,35.
aproximadamente 70% dessas crianças têm outras
No entanto, são comuns a prematuridade (50%),
malformações congênitas, como defeitos da parede
o polidrâmnio (25%) e a fibrose cística (20%).
abdominal e do trato gastrointestinal, cardiopatias,
A causa da atresia intestinal é desconhecida.
alterações do fígado e do baço e anomalias uriná-
O quadro obstrutivo que ocorre pela interrup- rias. Os quadros de má rotação podem ser assin-
ção da luz intestinal determina distenção progres- tomáticos por toda a vida ou se complicarem de
siva das alças intestinais com importante seqüestro forma catastrófica e repentina com volvo.
de H2O e eletrólitos para o seu interior. Vômitos
Inicialmente, o paciente apresenta vômito bi-
biliosos seguidos de distensão abdominal e peris-
lioso, o abdômen é flácido e escafóide. Com a
taltismo visível são os sinais clínicos característicos.
evolução, a alça isquêmica torna-se dilatada, dis-
O exame radiológico simples de abdômen mostra-
rá alça dilatadas, com imagem em “pilha de moe- tendida e firme. A criança torna-se hipotensa pelo
das” e nível hidroaéreo; não se observa ar no cólon seqüestro de líquido para o 3o espaço, podendo
e pode ser encontrado sinal de calcificação em 12% evoluir com peritonite, acidose metabólica e cho-
dos casos por peritonite meconeal, que pode causar que. A morbimortalidade está diretamente rela-
necrose e perfuração da região. O fluxo sangüíneo cionada à extensão da necrose intestinal. Os que
dos segmentos imediatamente proximal e distal da sobrevivem podem desenvolver a síndrome do in-
atresia pode estar comprometido e, por essa razão, testino curto e, geralmente necessitam de nutrição
a descompressão pré-operatória nasogástrica é vital parenteral. Uma vez que o adiamento da cirurgia
para limitar a distensão do segmento proximal da pode resultar em necrose intestinal, a patologia é
atresia. Deve-se corrigir o desequilíbrio hidroeletro- considerada uma emergência cirúrgica neonatal e
lítico e metabólico associado. Antibioticoterapia e a ressuscitação hidroeletrolítica deve ser iniciada
vitamina K devem ser empregados profilaticamen- no pré-operatório e continuar durante o procedi-
te no pré-operatório. O tratamento é cirúrgico e mento cirúrgico, no qual se desfaz a torção e se
envolve a ressecção da porção atrésica e anastomose resseca a alça necrosada.
primária dos segmentos.
Íleo meconeal
Má rotação intestinal e volvulus É o termo usado para descrever a presença de
A má rotação é uma anomalia que ocorre en- uma obstrução intraluminal da porção distal do in-
tre a 10a e 12a semanas de gestação19, decorrente testino delgado decorrente de um mecôneo anor-
da rotação e fixação anormal do intestino. Volvu- malmente espesso que ocorre no período neonatal.
lus representa uma torção aguda do intestino sobre Ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes
o mesentério comprometendo seu próprio supri- com fibrose cística, sendo a manifestação mais pre-
mento vascular. Áreas de isquemia e de atresia po- coce dessa doença.
dem se desenvolver com o volvulus, resultando em A terapia é inicialmente clínica, com correção
estrangulamento intestinal, distensão abdominal, do desequilíbrio hidroeletrolítico e antibioticote-
perda sangüínea nas fezes, peritonite e choque hi- rapia profilática. O tratamento específico consiste
povolêmico. em uso de enema opaco hiperosmolar ou n-acetil-

390 An e s t e s ia Pe diátrica

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cisteína, um contraste solúvel em água que amolece Ânus imperfurado
o mecônio e facilita sua eliminação. Não havendo
alívio da obstrução, a terapêutica passa a ser cirúr- São defeitos que ocorrem durante a 5a e 6a se-
gica, na qual se manipula o íleo após o enema com manas de gestação, afetando 1 a cada 5.000 neo-
natos. O diagnóstico, em regra, é feito no exame
as substâncias emolientes. Caso a cirurgia não surta
físico inicial e confirmado pela falta de eliminação
efeito, a ressecção intestinal é indicada.
de mecônio nas primeiras 48 horas24.
O uso de enemas hiperosmolares pode resultar
Muitos neonatos apresentam anomalias do seio
em uma série de alterações do volume intravascu-
urogenital, além de um conjunto de outras altera-
lar, levando à hipovolemia, que necessita de uma
ções conhecido pelo anagrama VATER (alteração
reposição agressiva no pré-operatório.
vertebral, atresia de esôfago e agenesia do rádio). Al-
gumas dessas crianças, principalmente os meninos,
Megacolon Congênito Aganglionar necessitam de uma colostomia descompressiva antes
(Doença de Hirschsprung) da cirurgia definitiva (Fig. 20.4). As meninas geral-
É a causa mais comum de obstrução intestinal mente apresentam fístula retovaginal, o que previne
no nível do cólon e consiste na falência embrio- o desenvolvimento de distensão do abdômen e per-
lógica das células ganglionares parassimpáticas em mite que a cirurgia possa ser adiada por semanas.
migrar para os plexos de Meissner e de Auerbach As necessidades anestésicas variam de acordo
do segmento intestinal28. Essa deficiência cria um com o grau de distensão e se a cirurgia é uma sim-
segmento não peristáltico de tamanho variável, im- ples anoplastia perineal, uma colostomia temporá-
pedindo a passagem do mecônio. ria ou um reparo abdominoperineal. Se apresen-
Sua incidência varia de 1:4.500 a 1:7.000 nas- tar sinais de obstrução intestinal, deve ser tratada
cimentos, sendo quatro vezes mais freqüente nos como as demais lesões obstrutivas.
meninos com história familiar positiva. A obs-
trução intestinal é funcional, e o surgimento dos
sintomas pode ser precoce ou tardio, dependendo
da porção do intestino que é comprometido. Nos
casos mais graves, o diagnóstico é precoce, pela
distensão abdominal e pela falta de eliminação de
mecônio nas primeiras 24 horas de vida. Nos seg-
mentos curtos, as manifestações clínicas se iniciam
mais tardiamente. Se o diagnóstico não for feito,
pode evoluir para um quadro grave de enterocolite
conhecido como megacólon tóxico, no qual bacté-
rias entéricas invadem a parede intestinal e pene-
tram na corrente sangüínea.
O diagnóstico é confirmado por biópsia retal, Fig. 20.4 – Anomalia anorretal após colostomia.
mas é também sugerido pela avaliação radiológi-
ca do abdômen, enema contrastado e manometria Atresia das vias biliares
anorretal. O tratamento definitivo depende da ex-
tensão do segmento aganglionar. A cirurgia clássica É a causa mais comum de doença hepática crô-
consiste na remoção da porção denervada por lapa- nica e progressiva nos neonatos e a indicação mais
rotomia ou pela via endoanal. freqüente de transplante hepático na criança. Sua

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incidência varia de 1:10.000 a 1:20.000 nascimen- tempo de evolução da doença até a necessidade de
tos1. A icterícia é o principal sinal diagnóstico, sen- um transplante hepático.
do, no entanto, necessário o diagnóstico diferencial Coagulopatia e hipertensão portal estão fre-
com a icterícia causada por hemólise, alterações ge- qüentemente presentes. O acesso venoso pode ser
néticas, prematuridade e pós-maturidade. extremamente difícil em virtude das múltiplas pun-
É considerada uma afecção de etiologia desco- ções venosas prévias. Parece prudente evitar agen-
nhecida, na qual os ductos biliares intra ou extra- tes anestésicos com alta taxa metabólica, como o
hepáticos encontram-se obstruídos, impedindo o halotano. Boas alternativas para a indução da anes-
fluxo biliar. Alguns acreditam que a atresia ocor- tesia são o sevoflurano, a cetamina, o pentobarbital
ra durante a gestação, enquanto o fígado está se ou o propofol. A manutenção pode ser feita com
desenvolvendo, enquanto outros acreditam que a narcóticos, N2O, isoflurano e relaxantes neuro-
doença começa após o nascimento, causada pela musculares. Sangramentos intra-operatórios po-
exposição a infecções ou substâncias tóxicas. dem ocorrer por hipertensão portal, dificuldade de
Geralmente, os neonatos com atresia das vias acesso cirúrgico e coagulopatia. O anestesiologista
biliares parecem saudáveis ao nascimento, com os deve estar alerta para hipotensão arterial secundá-
sintomas surgindo entre a 2a semana e o 2o mês de ria à compressão da veia cava. Os acessos venosos
vida e incluindo icterícia persistente, colúria, acolia e arteriais devem ser obtidos preferencialmente nos
fecal e ausência de outros comprometimentos orgâ- membros superiores.
nicos, mantendo bom estado geral e nutricional.
Muitos procedimentos diagnósticos são feitos Refluxo gastroesofágico
para auxiliar na avaliação do problema e incluem Apesar de aproximadamente 40% dos neonatos
as dosagens de enzimas hepáticas, bilirrubina, al- regurgitarem nos primeiros dias de vida24, estima-
bumina e proteína, estudo de coagulação, estudos se que somente 1 a cada 500 crianças apresentem
virais e cultura sangüínea, ultra-sonografia abdo- regurgitação persistente após a 6a semana, já que
minal e ressonância eletromagnética, mas o diag- a pressão intrínseca do esfíncter esofágico inferior
nóstico definitivo é dado pela biópsia hepática. atinge os níveis do adulto entre a 3a e 6a semanas
Considerando-se que o tratamento cirúrgico da de vida. Algum grau de refluxo está presente em
atresia de vias biliares tem resultados desapontados praticamente todas as crianças que, usualmente, se
a partir do 2o mês de vida, não se justifica retardo resolve entre o 1o e 2o anos de vida. No entanto,
na definição diagnóstica, sendo às vezes a biópsia quando há sinais e sintomas como queimação, dor,
hepática o primeiro exame a ser realizado24. regurgitação, vômitos persistentes, déficit de cresci-
O tratamento consiste na laparotomia antes da mento e de peso, tosse, apnéia, problemas respira-
10 semana de vida e na anastomose biliodigestiva
a tórios, sangramento, anemia, irritabilidade, esofa-
quando houver via biliar extra-hepática. Quando gite, estenose esofágica, esôfago de Barret e úlcera,
obliterada, utiliza-se a potojejunostomia em “Y” de o refluxo gastrointestinal é considerado patológico
Roux (cirurgia de Kasay). A única possibilidade de e denomina-se doença do refluxo gastroesofágico
cura é o transplante de fígado. A porto-enteroanas- (DRGE).
tomose de Kasai é uma cirurgia paliativa que deve A DRGE geralmente decorre de alterações nos
ser realizada até a 8a semana de vida e consiste na fatores que contribuem para a competência do es-
anastomose bílio-intestinal. É o melhor tratamen- fíncter esofágico inferior, como a pressão intrínseca
to disponível, capaz de oferecer melhora na quali- do esfíncter, o ângulo da junção cardioesofágica, a
dade de vida e um prolongamento significativo no ação do diafragma e da gravidade, além do enchi-

392 An e s t e s ia Pe diátrica

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mento gástrico e intestinal e de mediadores quími- Apendicectomia
cos1. Pode estar presente após a correção cirúrgica da
Tanto no adulto como na criança, essa síndro-
atresia esofágica e de gastrostomia e se desenvolver
me inflamatória é, sem dúvida, a mais freqüente.
nas crianças que apresentam espasticidade, hipóxia
cerebral e outras síndromes associadas nas quais O diagnóstico de apendicite aguda na criança é
existe uma disfunção na coordenação da deglutição. muitas vezes tardio porque os sintomas são atípicos,
especialmente nos lactentes com idade inferior a 2
Os sintomas mais comuns no lactente são vômi-
anos. Por isso, estima-se que o apêndice esteja perfu-
tos, déficit pôndero-estatural, pneumonia aspirati-
rado em 30% a 47% das cirurgias nas crianças maio-
va recorrente, tosse crônica noturna, crises de asma
res e em 80% dos lactentes. Os casos mais graves
e, até mesmo, morte súbita e anemia. Nas crianças
acompanham-se de complicações que vão desde pe-
maiores, azia, regurgitação, sialorréia, disfagia, rou-
ritonite, abcesso subfrênico, empiema e septicemia
quidão, aspiração pulmonar e dor torácica.
até oclusão intestinal. As crianças com peritonite de-
Nenhum dos exames laboratoriais é conclusivo. vem ser consideradas como tendo estômago cheio,
A terapia clínica é a primeira linha de tratamento requerendo medidas apropriadas para evitar a bron-
da DRGE e inclui alimentação espessa e em pe- coaspiração. Hoje, a ultra-sonografia abdominal e a
quenos volumes; elevação da cabeceira; e drogas tomografia podem contribuir de maneira mais efeti-
como os procinéticos, que melhoram a motilidade va para o diagnóstico precoce dessa doença29.
esofágica, aumentam o tônus no esfíncter esofágico
inferior e melhoram o esvaziamento gástrico, e os Anestesia para cirurgia abdominal
antiácidos (hidróxido de alumínio, bloqueadores por via laparoscópica
H2 e inibidores da bomba de prótons.
A correção cirúrgica está indicada quando há Com o crescente avanço tecnológico e científico,
insucesso do tratamento clínico, nos pacientes com tem-se tentado cada vez mais ampliar o uso da lapa-
sintomas atípicos (especialmente respiratórios), roscopia nas diversas doenças da população pediátri-
com confirmação diagnóstica de DRGE, nos pa- ca. Muitas das cirurgias abdominais realizadas pela via
cientes que apresentam broncoaspiração freqüente, tradicional aberta na criança são hoje realizadas pela
esôfago de Barret ou estenose esofágica, disfunção via laparoscópica. As indicações precisas incluem co-
neurológica que necessite de gastrostomia e após lecistectomia, esplenectomia, correção de hérnia hia-
tal, suboclusão intestinal causada por bridas, abdô-
correções cirúrgicas de atresia de esôfago. A fundo-
men agudo com dúvida diagnóstica e biópsia hepáti-
plicatura de Nissen é o procedimento anti-refluxo
ca. São reconhecidas diversas vantagens nessa técnica,
de escolha e pode ser realizada tanto por via lapa-
como a necessidade de mínimas incisões abdominais,
roscópica como por via convencional.
menor incidência de íleo paralítico no pós-operató-
A avaliação anestésica pré-operatória deve enfa- rio, redução do tempo para a deambulação, redução
tizar o estado pulmonar e nutricional do paciente e no tempo de permanência hospitalar, retorno mais
a correção da anemia1. A pneumonia deve ser trata- precoce às atividades habituais, menor comprome-
da previamente e o broncoespasmo, controlado. timento da função respiratória, menos alterações
Devem ser pré-medicados com bloqueadores metabólicas e dor menos intensa30. As desvantagens
H2, metoclopramida associada ou não aos antiá- da laparoscopia estão relacionadas à necessidade de
cidos. Anestesia regional intra ou pós-operatória cirurgiões experientes, treinados e habituados com a
pode auxiliar no controle da dor pós-operatória e fa- técnica e ao custo do material. As contra-indicações
cilitar a fisioterapia respiratória para evitar a ocor- principais são as deformidades anatômicas, grandes
rência de atelectasias. tumores, coagulopatias e hipovolemia.

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Na videocirurgia, cria-se uma cavidade abdo- A pressão venosa central não retrata adequada-
minal virtual por meio de um insuflador de gás a mente a volemia porque o aumento da pressão in-
uma pressão controlada. O pneumoperitôneo, ne- tra-abdominal força o sangue dos órgãos abdomi-
cessário à exposição e ao manuseio das estruturas nais para o tórax. A freqüência cardíaca pode não
anatômicas intra-abdominais, pode ser obtido com se alterar, exceto durante a fase inicial da insuflação,
diferentes gases. O gás carbônico é o mais empre- quando pode haver estimulação das terminações
gado por ter menor custo, alta solubilidade, rápida vagais existentes no abdômen com conseqüente
eliminação, grande estabilidade química, não pro- bradicardia e durante alterações ventilatórias que
mover combustão, ser incolor, inerte e não-tóxi- levam à hipóxia.
co em concentrações fisiológicas, sendo ainda um Os efeitos hemodinâmicos são mais evidentes
produto do metabolismo humano31. nos neonatos e lactentes que têm cavidade abdomi-
Há diversos fatores de risco associados às cirur- nal pequena. No entanto, se a pressão intra-abdo-
gias laparoscópicas, envolvendo principalmente os minal é mantida abaixo de 8 mmHg, as alterações
aparelhos cardiocirculatório e respiratório, como são pequenas, desde que o grau de mudança do ní-
resultado da absorção de gás carbônico, da posição vel da mesa cirúrgica não exceda 15 graus nos dois
de céfalo-declive utilizada durante a maior parte sentidos, próclive e céfalo-declive32. Aproximada-
do procedimento e do aumento da pressão intra- mente cerca de 30 minutos após o esvaziamento da
abdominal devida ao pneumoperitôneo, além das cavidade abdominal, as variáveis hemodinâmicas
complicações decorrentes da inserção do trocáter. retornam ao normal.
Estudo demonstrou que a pressão intra-abdo-
Alterações cardiovasculares minal superior a 12 mmHg em crianças de 2 a 6
anos de idade submetidas a herniorrafia inguinal
As complicações cardiovasculares decorrentes via laparoscópica pode causar hipocinesia da pare-
do pneumoperitôneo incluem o enfisema subcutâ- de septal34.
neo ou mediastinal, o pneumotórax, a hipoxemia, A posição de céfalo-declive pode minimizar os
a hipotensão arterial, o colapso cardiovascular, a efeitos hemodinâmicos decorrentes do peritôneo por
embolia gasosa e as disrritmias cardíacas. Alguns favorecer o retorno venoso e aumentar a fração de
estudos demonstraram que pressões de insufla- ejeção e o débito cardíaco. A posição de céfalo-aclive
ção superiores a 20 mmHg em pacientes adultos pode ser utilizada nas cirurgias do abdômen superior
e superiores a 8 mmHg nas crianças promovem e reduzem o retorno venoso, especialmente nos pa-
compressão vascular com conseqüente aumento da cientes submetidos a doenças cardiovasculares.
resistência vascular periférica arterial e venosa, di-
minuição do retorno venoso, do débito cardíaco e
Alterações pulmonares
do índice cardíaco32. O aumento da resistência vas-
cular sistêmica decorre da compressão da veia cava Diversas alterações funcionais pulmonares de-
inferior e da aorta, além de fatores neuro-humorais correm do pneumoperitôneo. O diafragma é des-
aumentados pela insuflação peritoneal e pelo pró- locado cefalicamente, restringindo a expansão pul-
prio gás carbônico. Em pacientes pediátricos, pa- monar, reduzindo a capacidade residual funcional
rece que as variações cardiocirculatórias decorrem e a complacência pulmonar, elevando a pressão
principalmente dos efeitos diretos da pressão in- intratorácica e a pressão das vias aéreas. A restrição
tra-abdominal nos vasos abdominais, diminuindo do movimento pulmonar com esse deslocamento
o retorno venoso e elevando a resistência vascular leva à ventilação preferencial das áreas não depen-
sistêmica33. dentes do pulmão, alterando a relação V/Q.

394 An e s t e s ia Pe diátrica

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Parte do CO2 insuflado na cavidade abdominal gico ou pré-cordial, pressão arterial não invasiva,
é absorvida para o sangue, podendo provocar ele- tensão de CO2 no final da expiração, temperatura,
vação na PaCO2 e EtCO2. Pneumotórax e pneu- volume corrente e pressão intratraqueal. As crian-
momediastino podem ocorrer no intra-operatório, ças cardiopatas devem receber monitorização con-
especialmente nas fundoplicaturas30. Crianças com tínua da pressão arterial.
broncodisplasia e doença da membrana hialina não Deve-se considerar, no pré-anestésico, o empre-
são boas candidatas às cirurgias laparoscópicas. go de vagolíticos e antieméticos. Pequenas doses de
A posição de céfalo-declive reduz a complacência morfina, dipirona (30 mg/kg-1) ou acetaminofe-
pulmonar, eleva a pressão inspiratória, diminui o volu- no (20-30 mg/kg-1) associadas a infiltração das in-
me de reserva expiratório e a capacidade vital e aumen- cisões cirúrgicas permitem um controle adequado
ta a pressão intratorácica. A posição de céfalo-aclive da dor.
aumenta a capacidade residual funcional, e a compla- A anestesia geral é necessária para um melhor
cência pulmonar e diminui a pressão intratorácica. controle dos parâmetros ventilatórios durante todo
É importante lembrar que o organismo não o procedimento. A extremidade distal do tubo tra-
consegue excretar todo o CO2 absorvido pelos queal não deve estar muito próxima da carina pelo
pulmões durante o período da cirurgia, podendo risco de entubação seletiva, causada pela elevação
ser estocados litros de CO2 principalmente nos do diafragma. O halotano deve ser evitado por seus
ossos. Dessa forma, pacientes pneumopatas apre- efeitos depressores sobre o sistema cardiocirculató-
sentam um retardo na eliminação de CO2, reque- rio, o que é agravado pela hipercarbia. O uso do
rendo maior tempo de assistência ventilatória no N2O durante cirurgias laparoscópicas é controver-
pós-operatório. Mesmo após vigorosa hiperventi- so, podendo estar associado ao aumento da inci-
lação, muitos pacientes estão, no final da cirurgia, dência de hipoxemia no pós-operatório. No entan-
acidóticos e hipercárbicos. Outra complicação que to, estudos recentes não identificaram evidências
pode ocorrer durante o deslocamento cefálico do conclusivas que demonstrassem efeito clinicamen-
diafragma é a entubação seletiva. te significativo do N2O na incidência de náuseas e
vômitos no pós-operatório. Entratanto, a distensão
Outras alterações funcionais na intestinal é irrelevante nos pacientes com volume
laparoscopia gasoso intra-intestinal normal.
A ventilação mecânica ótima deve prover ade-
Embolia gasosa por absorção do CO2 para a cor-
quada oferta de oxigênio e eliminação de gás car-
rente sangüínea; enfisema subcutâneo conseqüente
bônico. A forma de ventilação pode variar com a
ao posicionamento incorreto do trocáter, favorecen-
posição do paciente e a influência do pneumoperi-
do a rápida absorção do CO2 pela grande área de
tônio na complacência pulmonar e torácica. Pres-
absorção do tecido celular subcutâneo; hipotermia;
são expiratória final de 3-4 cmH2O é recomendada
refluxo gástrico; náuseas e vômitos; elevação da pres-
com o intuito de prevenir ou minimizar a ocorrên-
são intracraniana e alteração da função renal32.
cia de atelectasias e de shunts intrapulmonares.
Deve-se dar preferência aos anestésicos com
Considerações práticas
atividade antiemética. É igualmente importante o
na anestesia em cirurgias
controle adequado da dor, o esvaziamento gástrico
laparoscópicas
por intermédio de uma sonda e a retirada cuida-
A monitoração deve incluir eletrocardiografia dosa e completa do CO2 peritoneal no término do
contínua, oximetria de pulso, estetoscópio esofá- procedimento.

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Capítulo 21
Ane s te sia n a C r i a n ça Q u ei m a d a

Luís Vicente Garcia


Jyrson Guilherme Klamt

INTRODUÇÃO timento de vários órgãos, podendo inclusive, nas


queimaduras mais extensas, acarretar falência de
As queimaduras resultam da aplicação de calor
múltiplos órgãos. A sepse, proveniente da perda da
à pele. Esse calor pode ser proveniente de líquidos
barreira de proteção, contribui para o agravamento
escaldantes, chama direta, eletricidade, substâncias
do quadro.
químicas e radiações ionizantes. A extensão e a gra-
vidade da queimadura é determinada pelo agente Nos Estados Unidos, a incidência anual de ví-
causador e pelo tempo de exposição a ele. A quei- timas de queimaduras é de 1.250.000 pessoas, das
madura destrói, parcial ou integralmente, a pele, quais 50 mil necessitam de internação para o trata-
o maior órgão do corpo humano (16% do peso mento e cerca de 5.500 (11%) morrem. Pelo menos
corporal). 25% dessas vítimas são crianças ou adolescentes (até
A pele é o limite entre o meio interno e o meio 18 anos de idade). Metade dessa população de víti-
externo e possui três camadas: a epiderme (a mais mas encontra-se na faixa etária de 1 a 5 anos. Nesta
externa), a derme e a hipoderme. Quando intac- faixa de idade, a maioria das queimaduras aconte-
ta, ela é a responsável por parte da regulação tér- ce na cozinha, pelo contato da pele com líquidos
mica e do equilíbrio hídrico e eletrolítico e pela superaquecidos (água, sopa, café e leite), enquanto
defesa do organismo contra infecções bacterianas. naquelas com idade entre 5 e 18 anos as lesões ocor-
Quando lesada, permite intensa perda de líquidos rem mais freqüentemente devido à chama direta,
e eletrólitos para o meio externo e libera inúme- em geral pelo uso indevido do álcool como fonte
ros mediadores inflamatórios que atuarão local e de combustão.
sistemicamente. Localmente, acarretarão extenso O tratamento da criança queimada é longo,
edema e sistemicamente produzirão comprome- dispendioso e deve ser feito por equipe multipro-

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fissional especializada, da qual o anestesiologista é que necessite de tratamento cirúrgico imedia-
membro importante, já que sua atuação pode ser to. Nesta situação, é importante que o aneste-
necessária em todas as fases do tratamento. Ele siologista possua amplo domínio das condutas
deve possuir, portanto, qualificação suficiente para e manobras que devem ser adotadas durante o
atuar nas salas de urgência, durante o atendimento atendimento inicial e durante a fase de ressus-
inicial; nas unidades de terapia intensiva, durante a citação.
fase de ressuscitação, nas salas de cirurgia e nas uni-
dades especializadas para tratamento de queimadu- Via aérea e oxigenação
ras, durante a fase de recuperação. Pode ainda, em
O acometimento da via aérea pode ocorrer de-
todas as fases, atuar como consultor ou executor do
vido a perda da consciência ou lesão direta do trato
tratamento da dor.
respiratório. Toda criança que inalou fumaça em
Queimaduras equivalentes provocam maior ambiente fechado deve ser considerada hipoxêmica
mortalidade na criança do que no adulto, pois este e receber altas concentrações de oxigênio via más-
possui maior reserva fisiológica para combater as cara facial, cateter nasal ou tubo traqueal. Vários
agressões decorrentes. Assim, queimaduras que mecanismos contribuem para a gênese da hipo-
atingem mais do que 5% da superfície corporal da xemia: substituição do oxigênio por outros gases
criança justificam o atendimento em centros espe- (monóxido de carbono) no ar inalado, obstrução
cializados, bem como aquelas que, independente- da via aérea por partículas macroscópicas, lesão da
mente da extensão, acometem regiões com poten- membrana alvéolo-capilar e inibição da cadeia res-
cial para deformidade residual grave, como a face, piratória (cianeto). Crianças pequenas possuem via
as mãos ou a genitália. A mortalidade decresceu aérea estreita e altamente reativa e são fortes can-
nas últimas décadas. Há 50 anos, a mortalidade didatas a desenvolver obstrução aguda. Qualquer
era de 50% quando havia queimadura em 50% da indício de acometimento da permeabilidade da via
superfície corporal. Atualmente, essa taxa de mor- aérea (estridor laríngeo, edema da língua, queima-
talidade só ocorre em crianças com queimaduras dura na face) constitui indicação para intubação
que ultrapassam 80% da superfície corporal. Neste traqueal imediata e esta deve ser feita antes do de-
capítulo discutiremos o manuseio da criança quei- senvolvimento do edema das vias aéreas, de forma
mada nas diversas fases do atendimento. profilática (Fig. 21.1). A realização de broncosco-
pia para o diagnóstico de certeza e toalete traqueal
ATENDIMENTO INICIAL – FASE DE e brônquico também é desejável. Tardiamente, a
RESSUSCITAÇÃO intubação torna-se dificultosa ou impossível de ser
realizada e a traqueostomia pode ser necessária. A
Medidas de suporte básico e avançado de vida de- traqueostomia está associada, na criança queimada,
vem ser adotadas nesta fase. Como no atendimento a altas taxas de mortalidade. Desta forma, é prefe-
de pacientes traumatizados ou vítimas de parada car- rível manter um tubo traqueal por duas a quatro
díaca, a seqüência de manobras pode seguir o ABC, semanas a realizar uma traqueostomia. Tubos sem
com algumas pequenas modificações específicas para balonete conferem menor taxa de complicações
a criança queimada. Assim, medidas referentes à como isquemia e conseqüente estenose da traquéia.
abordagem da via aérea (A), da ventilação (B) e da No entanto, nas crianças com grave lesão pulmo-
circulação (C) são prioritárias. A letra D (dor) deve nar que necessitam de altas pressões de insuflação
ser incluída neste protocolo de atendimento inicial. para que ocorra a ventilação pulmonar, a utilização
Algumas crianças, dependendo da causa da de tubo com balonete de alto volume e baixa pres-
queimadura, podem ter alguma lesão associada são é imperiosa.

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por 80% das mortes associadas com a inalação de
fumaça. Ele é produzido pela combustão incom-
pleta de compostos que contêm carbono. É um gás
sem odor, cor ou efeito irritante direto para a via
aérea. Ocupa o mesmo local do oxigênio na molé-
cula de hemoglobina, mas possui afinidade cerca
de 200 a 250 vezes maior, formando a carboxi-he-
moglobina. Seu efeito tóxico é decorrente da redu-
ção da capacidade de transporte de oxigênio pela
hemoglobina. Ocorre desvio da curva de saturação
da hemoglobina para a esquerda, o que promove
menor oferta de oxigênio, com conseqüente hipó-
Fig. 21.1 – Criança com queimadura na face, intubada profilatica- xia e acidose metabólica. Desta forma, os déficits
mente. Foto gentilmente cedida pelo Professor Werther Guilherme
Marchesan, diretor da Unidade de Queimados do Hospital das Clíni-
neurológicos decorrentes da intoxicação pelo mo-
cas de Ribeirão Preto. nóxido de carbono são provenientes da hipóxia/
anóxia cerebral e não da alta concentração do mo-
Lesão direta do parênquima pulmonar ocorre nóxido de carbono na circulação. O diagnóstico da
freqüentemente nas crianças que inalaram fuma- intoxicação pelo monóxido de carbono é baseado
ça, gases tóxicos ou ar aquecido. Os gases tóxicos na sua suspeita, nos sinais e sintomas apresentados
(acroleína, amônia, dióxido de enxofre etc.) são pro- pela criança e pela quantificação da concentração
venientes da combustão de materiais como papéis, de carboxi-hemoglobina no sangue. Existe corre-
borrachas, carpetes, madeiras, roupas, e a inalação lação entre os sinais e sintomas e a concentração
deles pode acarretar desde uma simples irritação da sangüínea de carboxi-hemoglobina (Fig. 21.2).
via aérea, perda da função ciliar e redução da pro-
dução de surfactante até grave broncopneumonia,
broncoespasmo, edema pulmonar e asfixia. Crianças
Valor (%) Sinais e sintomas
queimadas que inalaram fumaça têm maior predis-
Carboxi-hemoglobina

70-80 Choque, coma, morte


Concentração de

posição para desenvolver insuficiência de múltiplos 60-70 Depressão respiratória, convulsão


órgãos do que aquelas que não tiveram nenhuma 40-50 Dispnéia, perda de consciência
30-40 Cefaléia, fraqueza
lesão pulmonar, e a mortalidade chega a ser o dobro 10-20 Vasodilatação cutânea
em comparação com as crianças que tiveram apenas 0-10 Nada
lesão cutânea com a mesma extensão. Deve-se sus-
peitar da ocorrência de inalação de fumaça em toda
vítima de queimadura ocorrida em ambientes fecha- Fig. 21.2 – Sinais e sintomas da intoxicação pelo monóxido de carbono.

dos (incêndios domésticos e acidentes automobilís-


ticos) e também naquelas que apresentarem fuligem A pressão parcial de oxigênio e a saturação da
na cavidade oral ou nasal. A intoxicação pelo monó- hemoglobina no sangue arterial podem apresentar
xido de carbono e pelo cianeto, pela alta freqüência valores normais na criança intoxicada com monó-
de acontecimentos, merecem destaque. xido de carbono. Como o oxímetro de pulso não
consegue diferenciar a carboxi-hemoglobina da
Monóxido de carbono oxi-hemoglobina, ele fornece, sempre, um valor
falso, super-estimado, da saturação da hemoglo-
O monóxido de carbono é o maior componente bina. Desta forma, o acompanhamento do trata-
da fumaça produzida nos incêndios e responsável mento deve ser feito mediante a quantificação da

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concentração da carboxi-hemoglobina no sangue. sulfato. O tiocianato é um elemento muito menos
O tratamento da intoxicação pelo monóxido de tóxico e excretado rapidamente na urina. Os baixos
carbono é o oferecimento de altas concentrações estoques de enxofre existentes no organismo po-
de oxigênio via máscara facial ou tubo traqueal, dem limitar esse mecanismo de defesa.
mas não existe consenso, ainda, se a utilização do Em geral, o tratamento é de suporte e inclui oxi-
oxigênio hiperbárico reduz a incidência de seqüelas
genação e abordagem da instabilidade hemodinâ-
neurológicas. A meia-vida da carboxi-hemoglobina
mica, mas nos casos mais graves, com persistência
com o paciente inalando ar ambiente é de aproxi-
da acidose metabólica, medidas específicas podem
madamente 4 horas, mas é reduzida a 30 minutos
quando se inala oxigênio a 100%. A seguinte con- ser necessárias. A administração do substrato tio-
duta parece razoável: crianças com concentração sulfato, para aumentar a velocidade de formação
de carboxi-hemoglobina abaixo de 30% e sem sin- do tiocianato, é uma das medidas que podem ser
tomas neurológicos devem receber oxigênio puro adotadas. A eliminação do cianeto pode ser fei-
via máscara facial ou tubo traqueal, e crianças com ta por outras vias metabólicas (combinação com
concentração de carboxi-hemoglobina acima de meta-hemoglobina ou hidroxicobalamina). A ad-
30% e com sintomas neurológicos podem se be- ministração de nitritos tem o objetivo de aumentar
neficiar do tratamento com oxigênio hiperbárico. a concentração de meta-hemoglobina que, combi-
Deve-se ter em mente que a colocação da crian- nada com o cianeto forma a cianometa-hemoglo-
ça na câmara hiperbárica pode atrasar a adoção de bina, o que de fato inativa o cianeto. Apesar da cia-
medidas importantes para a manutenção da vida, nometa-hemoglobina não transportar oxigênio, os
sobretudo naquelas que apresentam grave instabi- pacientes toleram concentrações de até 30%-40%.
lidade hemodinâmica. Caso esses valores sejam ultrapassados, azul de me-
tileno deve ser administrado. A administração de
Cianeto nitrito deve ser feita lentamente e com cautela, pois
O cianeto é produzido pela combustão do ni- provoca intensa vasodilatação.
trogênio contido em diversos materiais sintéticos
(plásticos em geral). Diferentemente da intoxica- Ventilação
ção pelo monóxido de carbono, a intoxicação pelo
O acometimento da ventilação pode ocorrer
cianeto não é tão freqüente e o diagnóstico nem
devido a lesão neurológica ou queimadura torá-
sempre é fácil. Os sinais e sintomas não são espe-
cica circunferencial de terceiro grau que limite a
cíficos e incluem cefaléia, taquicardia, arritmia car-
díaca, taquipnéia, letargia e convulsão. O cianeto, expansibilidade. Nessa última situação, a escaroto-
além de deprimir diretamente o centro respiratório mia precoce resolve o problema. Nas crianças com
e causar hipoventilação, inibe também a atividade extensa lesão pulmonar, a ventilação adequada só
da citocromo oxidase intracelular e cessa, com isso, é obtida com a utilização de altas pressões de in-
o metabolismo aeróbico. Ocorre, então, redução suflação, o que pode precipitar barotrauma, mas a
da produção de ATP e intensa acidose metabólica. adoção da hipercapnia permissiva reduz a incidên-
Felizmente, a meia-vida do cianeto é curta, ao re- cia. Nessa situação, cânulas traqueais com balonete
dor de 60 minutos. para impedir vazamento de ar são recomendáveis.
O organismo possui mecanismo de defesa efi- Para evitar estenose de traquéia e permitir que a
ciente contra o excesso de cianeto na circulação. cânula possa permanecer por tempo mais prolon-
O cianeto é metabolizado pela enzima rodanase gado na traquéia, deve-se realizar desinsuflação pe-
hepática a tiocianato, tendo como substrato o tio- riódica do balonete (10 minutos a cada hora).

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Circulação perda líquida compromete a circulação e precisa
ser vigorosamente reposta.
A obtenção de acesso venoso é a maior priorida-
de depois da abordagem da via aérea e da ventilação. Quando a área queimada é pequena, o proces-
so inflamatório desencadeado limita-se à pele, mas
Logo depois da queimadura, o tecido lesado apre-
em lesões extensas (superiores a 10% da superfície
senta-se sob três aspectos distintos: na área central,
corporal total da criança), os mediadores induzem
atingida diretamente pelo calor, ocorre interrupção
resposta sistêmica caracterizada por hipermetabo-
do fluxo sangüíneo, trombose e conseqüente mor-
lismo, imunossupressão e síndrome da resposta in-
te celular (zona de coagulação); na área adjacente
flamatória sistêmica.
(zona de estase), o tecido está gravemente lesado,
mas ainda viável e há, portanto, no caso de apli- O comprometimento da circulação não se
cação de terapêutica adequada, possibilidade de se deve exclusivamente à perda líquida, pois ocorre
redução do débito cardíaco mesmo nos pacientes
evitar que a área de necrose sofra expansão; e a área
com pressão de enchimento normal. A redução da
mais afastada da região central corresponde à zona
contratilidade cardíaca resulta da ação de fatores
de hiperemia, cujo tecido não é diretamente afeta-
humorais (fator de necrose tumoral, interleucinas,
do e se apresenta totalmente viável. O objetivo do
endotelina-1), responsividade reduzida do miocár-
tratamento inicial é restabelecer a normalidade da
dio à ação das catecolaminas endógenas e redução
circulação para a área de estase e, com isso, evitar a do fluxo coronariano. Cerca de cinco dias após a
perda de grande quantidade de massa tecidual. queimadura, desenvolve-se a fase hipermetabólica,
Logo após a lesão, inicia-se a clássica resposta quando o débito cardíaco volta a aumentar e per-
hormonal ao estresse, com liberação de mediado- manece aumentado durante semanas, até o fecha-
res vasoativos (adrenalina, noradrenalina, vasopres- mento completo das feridas.
sina e angiotensina II), de citocinas e de media- O planejamento da reposição líquida nessa fase
dores de reação inflamatória como a histamina, a inicial requer o conhecimento do grau de destruição
serotonina, a substância P e metabólitos do ácido celular e da extensão da superfície corporal queima-
araquidônico (prostaglandinas, tromboxanos e in- da. A classificação do grau de destruição pode ser
terleucinas). Apesar de provocarem efeito benéfico feita com base no que está exposto na Tabela 21.1.
no local da lesão, esses mediadores podem acarre- A estimativa da superfície corporal queimada,
tar efeitos sistêmicos indesejáveis quando presentes no adulto, é feita pela regra dos nove e com base
em altas concentrações no plasma. Alguns deles nas lesões de segundo e terceiro graus. No entanto,
produzem intensa vasoconstrição e aumento da a superfície corporal de cada região do corpo da
permeabilidade capilar, com conseqüente extrava- criança não é a mesma do que a do adulto. Em ge-
samento de líquido, eletrólitos e albumina para a ral, a superfície da região da cabeça é maior e a dos
área queimada e espaço extravascular circundante. membros inferiores, menor. Desta forma, a estima-
Na área lesada e ao redor dela ocorre formação de tiva da superfície corporal queimada, na criança,
edema. A albumina extravasada promove a saída requer a utilização de tabelas, pois a porcentagens
de mais líquido para o interstício e estima-se que de cada região em relação à superfície corporal to-
o volume de exsudato chega a atingir, no adulto, 1 tal se modificam conforme a faixa etária (Tabela
litro para cada 10% de superfície corporal queima- 21.2). Nas crianças com idade inferior a 1 ano, a
da. Na criança, este volume ainda não foi quantifi- superfície da região da cabeça é maior ainda e che-
cado. A impermeabilidade capilar à albumina só se ga a ser responsável por 19% da superfície corporal
restabelece após 36 horas, mas metade da albumi- total. Mesmo com a utilização criteriosa das tabe-
na perdida permanece seqüestrada no espaço extra- las existentes, a superfície corporal queimada é, na
vascular durante 3 semanas ou mais. Essa grande maioria das vezes, subestimada.

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Tabela 21.1 – Classificação das queimaduras

Nome Camadas atingidas Prognóstico

Superficial (primeiro grau) Epiderme Cura espontânea

Parcial (segundo grau) Superficial: Cura espontânea


Epiderme e alguns elementos da derme
Profunda: Requer excisão e enxerto p/ retorno da
Epiderme e maioria dos elementos da derme função

Total (terceiro grau) Epiderme e toda a derme Requer excisão e enxerto p/ retorno da
função. Cicatriz e limitação de função

Quarto grau Pele + músculo + fáscia + ossos Requer completa excisão. Grande limitação
de função.

Tabela 21.2 – Estimativa da superfície corporal queimada

Região/Faixa etária 1 a 4 anos 5 a 9 anos 10 a 14 anos Adulto

Cabeça 19% 15% 13% 10%

Tronco 32% 32% 32% 36%

Membro superior (cada) 9,5% 9,5% 9,5% 9,5%

Membro inferior (cada) 15% 17% 18% 18%

Total 100% 100% 100% 100%

O volume de líquido a ser reposto na criança Assim, alguns centros utilizam colóides ou soluções
pode ser determinado pelas fórmulas apresentadas cristalóides hipertônicas com o intuito de reduzir
na Tabela 21.3. Muitas dessas fórmulas subestimam o volume necessário para a ressuscitação e propi-
a quantidade de líquido necessária para a ressusci- ciar menor escape de líquido para o interstício,
tação, principalmente nas crianças com peso infe- mas essa conduta não tem se mostrado superior.
rior a 10 kg ou com superfície corporal queimada Quando a ressuscitação é feita exclusivamente com
acima de 40%. cristalóides, grandes volumes são necessários, pois
Devemos ter em mente que as fórmulas servem somente 30% do líquido administrado permanece
apenas como um guia para o cálculo do volume. no espaço vascular. O restante escapa para o inters-
O tratamento deve ser individualizado e ajustes tício, formando enorm edema na região queimada,
devem ser feitos, de acordo com a resposta he- que é comum à necessidade de escarotomia para a
modinâmica e débito urinário apresentado. Na profilaxia de síndrome de compartimento.
criança, o débito urinário deve ser de, pelo menos, Crianças requerem mais líquidos que os adultos
1 ml/Kg/h. para a reposição. No esquema de Parkland só crista-
Não existe consenso se a reposição deve ser feita lóides são utilizados e o volume calculado deve ser
só com soluções cristalóides ou com a associação de reposto em 24 horas, metade nas primeiras 8 horas
soluções coloidais. O grau de edema formado na e a outra metade nas 16 horas restantes.
região queimada e não queimada é dependente do O esquema de Brooke utiliza 0,5 ml de solu-
volume e da composição do líquido de reposição. ção cristalóide mais 1,5 ml de solução coloidal e a

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Tabela 21.3 – Reposição volêmica na criança queimada

Cálculo
Esquema Comentário
Cristalóide (RL) Colóide (albumina)

Parkland 4 ml/kg x SCQ Zero Acrescentar manutenção 3 ml/kg/hora


Segundo dia – albumina 5% (O,5 ml/kg)
Brooke 0,5 ml/kg x SCQ 1,5 ml/kg x SCQ < 20 kg – acrescentar 3 ml/kg de SCQ
Galveston 5 litros/m2 de SCQ + 2 litros/m2 de SC total Esquema específico para crianças
Solução 24 horas iniciais:
50 ml albumina 25% + 950 ml SG 5%
Completar volume com RL
SCQ = superfície corporal queimada
RL = ringer com lactato

reposição é feita de forma semelhante ao esquema ca acarreta disfunção pulmonar e edema tecidual.
de Parkland. Quando a reposição não é iniciada Outros critérios podem guiar a reposição volêmica,
imediatamente após a queimadura, é aconselhável como a pressão venosa central, a pressão arterial e
infundir metade do volume nas primeiras 4 horas e até a pressão capilar pulmonar, mas nada suplanta
a outra metade nas 20 horas restantes. No segundo o acompanhamento clínico minuto a minuto.
dia de tratamento, a necessidade de líquidos é cerca
de metade da utilizada no primeiro dia. Cerca de Dor
72 horas após a queimadura, o edema é reabsorvi-
do e ocorre redução do hematócrito. A reposição As queimaduras de terceiro grau provocam ne-
de grande volume de cristalóide deve ser interrom- nhuma ou mínima intensidade de dor, pois ocor-
pida o mais precocemente possível, tão logo ocorra re destruição de nociceptores. Já as de primeiro e
controle da instabilidade hemodinâmica. segundo grau provocam dor intensa que deve ser
O estado geral do paciente e seu grau de consci- tratada imediatamente, tão logo as prioridades
ência fornecem informações importantes a respeito iniciais sejam cumpridas. De uma maneira geral,
da reposição volêmica, mas o débito urinário é o a intensidade da dor é diretamente proporcional
melhor guia. Apesar do débito urinário ser um guia à extensão da superfície corporal queimada, mes-
importante, a perseguição do valor 1 ml/kg/hora mo que a maioria desta área seja de terceiro grau.
pode acarretar super-hidratação, sobretudo naque- O estresse psicológico que acompanha a criança
las que sofreram algum retardo para o início da re- logo após a queimadura dificulta a perfeita avalia-
posição e já adquiriram algum grau de disfunção re- ção da intensidade da dor. Desta forma, não deve-
nal ou tiveram aumento importante da concentra- mos subestimar as queixas, com risco de acarretar
ção do hormônio antidiurético. Insuficiên­cia renal subtratamento desse sintoma.
aguda após queimadura tem incidência bimodal. Como princípio geral, deve-se evitar a adminis-
A insuficiência renal que aparece de maneira preco- tração subcutânea ou intramuscular de analgésicos,
ce está claramente associada ao atraso da reposição pois a absorção pode ocorrer lentamente. A melhor
volêmica, enquanto aquela que aparece tardiamen- via de administração ainda é a venosa, e os opiói-
te está associada à sepse como um componente da des ainda são os melhores agentes. A administração
insuficiência de múltiplos órgãos. Independente- venosa contínua de morfina é eficiente no combate
mente do tipo, a insuficiência renal acarreta morta- à dor, mas apresenta latência de 6 a 10 minutos.
lidade de até 87%. O excesso de reposição volêmi- A dose recomendada é de 0,1 mg/kg e pode ser uti-

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lizada também por via oral. Na fase aguda, duran- nova situação. Desta forma, o organismo mantém
te o primeiro atendimento, pode-se administrar a um estado de hipermetabolismo que provoca per-
meperidina (1 mg/Kg), mas esse medicamento não da de massa proteica caso não se prescreva suporte
deve ser utilizado durante período prolongado, de- nutricional adequado. Este estado hipermetabólico
vido à toxicidade do seu metabólito normeperidina pode ser minimizado pelo uso de curativos oclu-
e ao risco de adição. sivos para evitar a perda de calor e pela colocação
Antiinflamatórios não-hormonais devem ser da criança em ambiente levemente aquecido (tem-
evitados ou utilizados com extrema cautela, pois peratura de 28 a 32ºC). O tratamento da dor e da
podem produzir insuficiência renal e precipitar ansiedade também ajuda a minimizá-lo.
sangramento digestivo, muito comum em pacien- Como o estado hipermetabólico só termina
tes queimados. O acetaminofeno é pouco potente, com o completo fechamento das feridas, a abor-
mas pode ser utilizado como medicamento coad- dagem cirúrgica do tecido queimado deve ser fei-
juvante, de forma alternada com os opióides. Na ta o mais breve possível. A excisão total do te-
Tabela 21.4 estão os principais analgésicos que po- cido queimado no prazo de uma semana após a
dem ser utilizados para o combate da dor na crian- queimadura reduz a incidência de sepse, de com-
ça queimada. plicações respiratórias e o tempo de internação
hospitalar. Além disso, ocorre menor perda san-
FASE DE RECUPERAÇÃO – MANUSEIO güínea quando o procedimento cirúrgico é reali-
ANESTÉSICO zado precocemente. Essa conduta propicia maior
Após a fase de ressuscitação inicia-se a fase de desafio ao anestesiologista, pois muitas crianças
recuperação ou hipermetabólica. Essa fase prolon- ainda apresentam, nesta fase, grande instabilidade
ga-se até o completo fechamento das feridas e a res- hemodinâmica e respiratória, e o risco de hipoter-
posta metabólica é similar ao que acontece na sepse mia, coagulopatia e distúrbios hidroeletrolíticos
e no trauma, ou seja, ocorre catabolismo de lipí- ainda é grande.
deos e de proteínas, diminuição da concentração O objetivo do tratamento cirúrgico precoce é a
de proteína total, resistência periférica à insulina e retirada da pele queimada. A enxertia de pele ou
aumento do consumo energético. Ocorre aumen- a cobertura com peles artificiais tem o objetivo de
to da temperatura corporal até 38,5ºC e o centro proteger o meio interno, evitar infecções e propiciar
hipotalâmico da termorregulação adapta-se a essa cicatrização de melhor qualidade e mais estética.

Tabela 21.4 – Tratamento da dor na criança queimada

Medicamento Dose Comentário

Ketorolac 0,5 mg/kg cada 6 horas Reduz necessidade de opióides


Baixa toxicidade

Paracetamol 10 mg/kg cada 4 horas Via oral ou retal

Morfina 0,1 mg/kg cada 2 horas Uso endovenoso ou subcutâneo

Fentanil 0,5 a 1 mg/kg cada 2 horas Risco de depressão respiratória

Meperidina 1 mg/kg cada 2 horas Náusea e vômitos freqüentes

Ketamina 0,2 mg/kg cada 6 horas Sialorréia e alucinações


Associar midazolam

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Avaliação pré-operatória com lesão pulmonar direta (inalação de fumaça)
ou com edema intersticial pulmonar, a gasometria
O planejamento do ato anestésico começa du-
arterial é útil para o perfeito planejamento da re-
rante a avaliação pré-operatória. Nesta avaliação,
posição volêmica intra-operatória e para o planeja-
especial atenção deve ser dada aos sistemas respi-
mento da técnica de ventilação a ser adotada.
ratório, cardiovascular e renal. A decisão sobre a
conveniência da realização do ato anestésico é de A enorme quantidade de sódio recebida duran-
exclusiva responsabilidade do anestesiologista, mas te a fase de ressuscitação faz com que muitos pa-
este deve se comportar de forma liberal e utilizar cientes se apresentem hipernatrêmicos durante os
critérios menos ortodoxos para tomar a sua decisão. dez primeiros dias de tratamento. Em geral, o rim
Deve-se ter em mente que nas primeiras semanas a demora cerca de 10 a 15 dias para normalizar a si-
criança ainda apresenta instabilidade respiratória e tuação, dependendo da extensão da queimadura.
cardiovascular, mas o benefício da cirurgia preco- O preparo psicológico da criança é fundamen-
ce pode suplantar o risco. Além disso, o trabalho tal para o sucesso de todo o tratamento. Algumas
multiprofissional exige comportamento mais libe- crianças ficam internadas durante períodos extre-
ral. Os critérios usuais para a realização de cirurgias mamente prolongados e seu lar passa a ser o hos-
eletivas não são relevantes. Assim, febre, anemia, pital, durante algum tempo. O apoio psicológico
infecção do trato respiratório não são motivos para deve abranger toda a família. Sofrimentos desne-
o adiamento do procedimento anestésico. Da mes- cessários, mesmo que pequenos, devem ser aboli-
ma forma, deve-se ter liberabilidade quanto ao tem- dos. Assim, o tratamento da dor (pré-operatória
po de jejum também, caso contrário crianças que e pós-operatória) deve ser prioridade e a sedação
são anestesiadas diariamente para a confecção de obrigatória nas crianças sob ventilação artificial.
curativos podem não receber a quantidade calórica
mínima necessária. Cuidado especial com o tempo Manuseio intra-operatório
de jejum deve ser tomado nas situações em que a
criança recebe dieta por sonda. Se a sonda estiver Acesso venoso
colocada no intestino e a dieta for quimicamente Crianças com superfície corporal queimada aci-
definida, o tempo de jejum pode ser semelhante ao ma de 40% oferecem grande dificuldade para a rea­
exigido para líquidos claros. Crianças já intubadas lização do ato anestésico. A dificuldade já começa
no período pré-operatório podem continuar a re- com o acesso venoso e os cateteres devem ser colo-
ceber dieta pela sonda gástrica ou enteral mesmo cados, de preferência, na área não queimada. Nem
durante o procedimento cirúrgico. sempre isto é possível. Quanto mais próximo da
Devido à instabilidade que a criança apresen- área queimada o cateter estiver, maior a incidência
ta durante as primeiras semanas pós-queimadura, de infecção. Desta forma, quando possível, o aces-
a avaliação laboratorial de rotina facilita o plane- so venoso deve ser periférico, pois está menos su-
jamento da reposição volêmica, mesmo durante o jeito à infecção. Mesmo com essas dificuldades, o
período intra-operatório. Na medida do possível, cateter deve possuir calibre suficiente para permitir
todos os déficits existentes devem ser corrigidos an- infusão rápida de líquidos para a reposição de água,
tes da indução da anestesia. Os exames laboratoriais eletrólitos e sangue.
de rotina incluem a quantificação da hemoglobina,
de hematócrito, sódio, potássio e glicose. A quan- Manuseio da via aérea
tificação do magnésio e do fosfato plasmático tam-
bém é útil, pois ocorre perda intensa desses com- O manuseio da via aérea já foi extensamente
ponentes durante a primeira semana. Nas crianças discutido anteriormente. Durante o período intra-

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operatório, no entanto, especial cuidado deve ser toda a fase de hipermetabolismo são desejáveis. As-
tomado com a fixação do tubo traqueal, sobretu- sim, todo líquido a ser infundido deve ser previa-
do nos procedimentos cirúrgicos realizados sobre mente aquecido, a temperatura da sala cirúrgica e
a região da cabeça e do pescoço. Crianças que so- da enfermaria deve variar de 25 a 28ºC, colchões e
freram queimadura na região da cabeça e do pesco- mantas térmicas devem ser utilizados quando pos-
ço podem apresentar dificuldade para a intubação sível. Nas cirurgias para debridamento da região
traqueal e também para a ventilação sob máscara. queimada e ou enxertia de pele é fundamental que
Quando existir restrição à movimentação do pes- um laboratório para a realização de exames de ur-
coço ou à abertura da boca, um método alternativo gência esteja disponível. Nos pacientes com lesão
para intubação deve ser planejado. A máscara larín- pulmonar, o espaço morto fisiológico está aumen-
gea é uma boa opção para o manuseio da via aérea tado e a correlação entre a pressão parcial de gás
na criança que não se apresenta com o estômago carbônico arterial e a pressão de gás carbônico no
cheio. Nas situações que a dificuldade for decor- ar expirado é pobre. Desta forma, a utilização da
rente da não-extensão do pescoço, o cirurgião pode capnografia para se inferir a pressão parcial de gás
colaborar e realizar a “degola”. A degola é a retirada carbônico no sangue arterial deve ser feita com al-
cirúrgica dos tecidos responsáveis pela retração da guma reserva. Gasometrias arteriais são mais úteis
pele na região do pescoço. Essa medida pode ser nesta situação.
útil e evitar a realização de traqueostomia.
Farmacologia e escolha das drogas
Monitoração
Como regra geral, crianças com queimaduras
Da mesma forma que o acesso venoso, a mo- necessitam de doses maiores de medicamentos em
nitoração pode estar dificultada. Métodos não comparação com crianças não queimadas. Essa re-
invasivos devem ter preferência sobre os métodos gra vale para os antibióticos, relaxantes musculares,
invasivos. A medida da pressão arterial e a obten- opióides, benzodiazepínicos agentes anestésicos ha-
ção do traçado eletrocardiográfico nem sempre são logenados e cimetidina. A resposta cardiovascular
possíveis na criança com queimaduras extensas. às catecolaminas é reduzida. Os motivos para as
O traçado eletrocardiográfico é fundamental para alterações encontradas na farmacocinética e na far-
o diagnóstico das arritmias, que não são incomuns macodinâmica de vários medicamentos vão desde a
nesses pacientes com inúmeros distúrbios eletro- perda do medicamento pela área queimada, rápida
líticos. Locais alternativos para a colocação dos excreção urinária na fase hipermetabólica e volume
eletrodos devem ser procurados. Caso a superfície de distribuição alterado. Nas crianças com superfí-
corporal queimada seja tão extensa, é possível mo- cie corporal queimada acima de 30%, ocorre resis-
nitorar o traçado eletrocardiográfico com a colo- tência aos relaxantes musculares não despolarizan-
cação de agulhas estéreis como eletrodos. Da mes- tes e isso pode ser decorrente da proliferação de re-
ma forma, locais alternativos para a colocação dos ceptores de acetilcolina no músculo, fora da junção
sensores para a quantificação da oximetria de pulso neuromuscular. Esse é o motivo pelo qual a succi-
incluem a orelha, o nariz e até a língua. nilcolina produz hiperpotassemia. Desta forma, há
Estetoscópio esofágico constitui um excelente necessidade de maior dose de relaxante muscular
método para o acompanhamento clínico durante o adespolarizante e a duração do seu efeito menor.
período intra-operatório. Em virtude da perda in- Os relaxantes musculares despolarizantes (succinil-
tensa de calor durante o procedimento cirúrgico, a colina) são contra-indicados. Não se sabe quanto
monitoração da temperatura corporal é fundamen- tempo é necessário, após a queimadura, para que a
tal. Métodos para reduzir a perda de calor durante utilização da succinilcolina torne-se segura.

408 An e s t e s ia Pe diátrica

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Os benzodiazepínicos e os opióides apresentam mitação. Hipotensão arterial pode ter como causa
clearance reduzido, mas clinicamente ocorre tole- inúmeros fatores, desde dose excessiva de agentes
rância ao uso desses medicamentos. Vale ressaltar anestésicos até bacteremia, que ocorre em cerca de
que a cimetidina, comumente utilizada no pacien- 20% das excisões.
te queimado para a profilaxia de úlcera de estresse e A reposição do sangue deve ser feita com con-
sangramento digestivo, inibe o clearance de muitos centrado de hemácias e, eventualmente, plasma
medicamentos. fresco congelado. A rápida administração de plas-
A escolha do agente volátil não influencia o re- ma fresco pode acarretar dissociação eletromecâ-
sultado da anestesia no tocante à taxa de compli- nica ou assistolia. Isso ocorre devido à hipocalce-
cações e efeitos colaterais. Procedimentos do tipo mia crônica que acompanha o paciente queimado.
hidroterapia podem ser realizados sob sedação e Desta forma, todo produto sangüíneo conservado
a cetamina é o agente de escolha nessa situação, com citrato de sódio deve ser administrado com
pois além de sedação, promove controle eficiente cautela, com velocidade inferior a 1 ml/kg/min.
da dor. As alucinações decorrentes da utilização da A administração profilática e intermitente de cálcio
ketamina são menos freqüentes nas crianças quei- é fortemente recomendada nessa situação.
madas, talvez pelo uso associado de benzodiazepí-
nicos. Quando o acesso venoso está difícil, a ceta-
Anestesia regional
mina pode ser administrada pela via intramuscular
(5 mg/kg) ou pela via oral. Pela via venosa, a dose é Na criança queimada, a anestesia regional tem uso
de 1 mg/kg e a duração do efeito é de 10 minutos, limitado para a realização dos procedimentos cirúrgi-
com um minuto de latência. cos, mas pode ser útil para o controle da dor pós-ope-
ratória, principalmente da área de retirada do enxerto,
Perda sangüínea ocorrida na maioria das vezes no membro inferior. Os
bloqueios centrais podem exacerbar a perda de calor,
A perda sangüínea durante a excisão é grande.
mas a alteração que provocam no tônus simpático é
Quando a excisão é fascial, a perda é da ordem de
pouco importante na criança, mesmo na fase aguda.
1,5 ml de sangue por centímetro quadrado de área
debridada; já quando a excisão é tangencial, a per-
da é maior, da ordem de 4 ml por centímetro qua- BIBLIOGRAFIA
drado de área excisada. Em geral, 2,8% do volume Chrysopoulo MT, Jeschke MG, Dziewulski P et al. Acute
sangüíneo são perdido para cada 1% de área excisa- renal dysfunction in severely burned adults. J Trauma
da e enxertada. Métodos para reduzir a perda san- 1999;46:141-4.
güínea incluem o uso de torniquetes pneumáticos, Cioffi WG, Rue LW, Graves TA et al. Prophylactic use of
high frequency percussive ventilation in patients with
uso de eletrocautérios, debridamento o mais preco-
inhalation injury. Ann Surg 1991;213:575-82.
ce possível, uso de epinefrina nas áreas doadoras e Cortiella J, Mlcak R, Herndon D. High frequency percussive
manutenção da temperatura corporal do paciente. ventilation in pediatric patients with inhalation injury. J
As crianças toleram doses maiores de epinefrina do Burn Care Rehabil 1999;20:232-5.
que os adultos (25 µg/kg). Mais importante do que Desai MH, Mlcak R, Richardson J, et al. Reduction in mor-
todas essas técnicas para evitar transfusões massivas tality in pediatric patients with inhalation injury with
aerosolized heparin/acetylcystine therapy. J Burn Care
é a tolerância do anestesisiologista e do cirurgião
Rehabil 1998;19:210-2.
à anemia. A avaliação da quantidade de sangue Ernst A, Zibrak JD. Carbon monoxide poisoning. N Engl J
perdido durante o procedimento é difícil de ser Med 1998;339:1603-7.
feita. O acompanhamento da perda sangüínea por Hart DW, Wolf SE, Mlcak R et al. Persistence of muscle cata-
meio de parâmetros hemodinâmicos tem muita li- bolism after severe burn. Surgery 2000;128:312-9.

A nes tes i a na Cr i a n ç a Q u e i ma d a 409

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Capítulo 22
A ne s te sia p a r a C i r u r g i a
C ar díac a P ed i á t r i ca
Filomena Regina Barbosa Gomes Galas
José Otávio Costa Auler

INTRODUÇÃO ficiência cardíaca compensada. A resolução das


cardiopatias depende do tipo, da idade em que o
A complexa natureza das cardiopatias congêni- diagnóstico é realizado, da complexidade e da pre-
tas e das cirurgias para o seu reparo exige interação sença de lesões associadas. Algumas cardiopatias
entre o anestesiologista, o cardiologista e o cirur- necessitam de correção logo após o nascimento e
gião. A fisiopatologia das lesões cardíacas e suas im- outras ainda no primeiro ano de vida. Em algumas
plicações anestésicas devem ser conhecidas antes da crianças, as cirurgias paliativas são a única forma de
cirurgia para se obter os melhores resultados. melhorar a qualidade de vida, não havendo condi-
A função cardiovascular da criança difere da do ções de se realizar cirurgias definitivas. Em algumas
adulto. O volume sistólico é fixo, e o débito cardía- situações faz-se necessário desencadear cirurgia de
co depende principalmente da freqüência cardíaca emergência, por exemplo na ocorrência de hipoxe-
(DC=VSXFC). O coração imaturo dos neonatos e mia acentuada, aumento do fluxo pulmonar, insu-
das crianças não se adapta rapidamente a sobrecar- ficiência cardíaca refratária e obstrução ventricular
gas agudas de pressão e de volume. Nesses corações, esquerda grave.
há intensa interdependência ventricular, ou seja, a Nos últimos 50 anos houve acentuado pro-
falência de um ventrículo precipita o acometimen- gresso no diagnóstico e tratamento das cardiopa-
to do outro. Por essas peculiaridades, é fundamen- tias congênitas. Em 1983, Robert Gross realizou
tal que as condições pré-operatórias sejam as mais com êxito a ligadura de um canal arterial em uma
estáveis possíveis. criança de 7 anos, sendo seguido por outras inter-
O paciente deve estar em suas melhores condi- venções extracardíacas. A introdução da circulação
ções hemodinâmicas, na medida do possível com extracorpórea (CEC), da hipotermia profunda, e
volemia ajustada, infecções controladas e a insu- da hipotermia de superfície combinada à CEC

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permitiu a correção cirúrgica da maioria das mal- CARDIOPATIAS COM SHUNT ESQUERDO-
formações cardíacas do recém-nascido e do lac- DIREITO (E-D)
tente. A utilização de cardioplegia, da hemodilui-
A maior parte das cardiopatias congênitas pos-
ção, dos inotrópicos e dos vasodilatadores foram
sui shunt E-D. Os shunts podem ser intracardíacos
responsáveis pela evolução da cirurgia cardíaca
ou extracardíacos (Tabela 22.1). As alterações ana-
infantil. O avanço das técnicas anestésicas e dos
tômicas podem decorrer de comunicações entre as
cuidados pós-operatórios contribuíram para o êxi-
cavidades atriais, ventriculares, atrioventriculares ou
to das cirurgias e tornaram possíveis a realização pelo ducto arterioso, quando este permanece pa-
de procedimentos mais delicados com resultados tente após o nascimento. Esses defeitos permitem
satisfatórios. Dessa forma, dada a complexidade que o fluxo de sangue seja desviado da circulação
do diagnóstico e das intervenções terapêuticas das sistêmica para a circulação pulmonar. Ocorre má
cardiopatias congênitas, procedimentos anestési- distribuição do fluxo sangüíneo com excessivo flu-
cos podem ser necessários em diferentes fases da xo pulmonar. A magnitude deste desvio depende da
doença, sendo fundamental o conhecimento da relação RVP/RVS e do tamanho das comunicações.
fisiopatologia de cada afecção antes da realização O fluxo pulmonar é pouco importante no recém-
da anestesia. nascido, em virtude da elevada resistência vascular
pulmonar. Com o passar dos dias, há diminuição
FISIOPATOLOGIA DAS CARDIOPATIAS da RVP tornando-se comparável à do adulto entre
CONGÊNITAS a 6a e a 8a semanas. Nesse período pode ocorrer au-
mento progressivo do shunt E-D, com conseqüente
As cardiopatias congênitas possuem caracterís-
elevação do fluxo sangüíneo pulmonar (4 a 5 vezes
ticas próprias que variam de acordo com o tipo de
> fluxo sistêmico), da pressão arterial pulmonar, e
shunt intracardíaco. Os shunts ou desvios modi-
mais tardiamente resultar em insuficiência cardíaca.
ficam o padrão da circulação do sangue entre os
territórios pulmonares e sistêmicos. Os shunts po-
dem promover alterações da relação dos fluxos pul- Tabela 22.1 – Cardiopatias com shunt esquerdo-direito
monar (Qp) e sistêmico (Qs). O coração normal Incidência
possui fluxo pulmonar igual ao fluxo sistêmico; as
Canal atrioventricular total 2%
pressões da aorta e a resistência vascular sistêmica
são 5 vezes mais elevadas que as pressões pulmo- Defeito do septo atrial 7%-10%
nares e a resistência vascular pulmonar. De acordo Defeito do septo ventricular 25%
com a fisiopatologia, as cardiopatias congênitas po- Persistência do ducto arterioso 10-15%
dem ser divididas em:
• cardiopatias com shunt esquerdo-direito – ocor-
O aumento do Qp determina alterações na
re quando há comunicação entre as câmaras
vasculatura pulmonar. Inicialmente ocorre vaso-
esquerdas e direitas ou entre a aorta e a pulmo-
contrição pulmonar reversível, seguida de doen-
nar; ça vascular pulmonar fixa. O aumento da pressão
• cardiopatia com shunt direito-esquerdo – ocorre arterial pulmonar e da pressão venosa pulmonar
quando, além da comunicação esquerda-direita, eleva o gradiente de pressão estático, promovendo
há obstrução da artéria pulmonar; transudação através da membrana alveolocapilar e
• cardiopatias obstrutivas – ocorre quando há le- determinando edema pulmonar e diminuição da
são única obstrutiva em valva pulmonar, aórtica perfusão tissular. A má distribuição do fluxo com
ou na própria aorta. redução do Qs é acompanhada por redução do

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fluxo sangüíneo renal seguida de estimulação do Tabela 22.2 – Cardiopatias com shunt direito-esquerdo
sistema renina angiotensina. O acúmulo de líqui-
Incidência
dos é agravado por retenção de sódio e água pelos
rins. O aumento progressivo do fluxo pulmonar Atresia pulmonar 3%
determina maior da pressão pulmonar, podendo Atresia tricúspide 3%
os pacientes evoluirem com infecções pulmonares Conexão anômala das veias pulmonares 3%
de repetição, devido à contínua perda de líquido
Hipoplasia do ventrículo esquerdo 1%
para o interstício pulmonar. Pode ocorrer aumen-
Tetralogia de Fallot 10%
to das câmaras cardíacas com possível compressão
da traquéia, dos brônquios, e dos bronquíolos,
determinando sinais respiratórios intensos como
estridor, hiperinsuflação pulmonar, atelectasias e CARDIOPATIAS OBSTRUTIVAS
broncoespasmo. O acentuado fluxo sangüíneo no Nestas cardiopatias, a obstrução pode estar lo-
território pulmonar determina aumento da pres- calizada na aorta e nas valvas pulmonar ou aórtica
são pulmonar seguido de hipertrofia da camada (Tabela 22.3). Nesse grupo, o débito cardíaco geral-
muscular lisa das artérias pulmonares, levando a mente é baixo e fixo. O coração não tem capacidade
diminuição da luz vascular e maior resistência vas- de adaptação diante do aumento da taxa metabólica
cular pulmonar. e da resistência vascular. A perfusão do miocárdio é
prejudicada pela hipertrofia ventricular. Pode ocor-
CARDIOPATIA COM SHUNT DIREITO rer o aparecimento de arritmias graves, insuficiên-
ESQUERDO (D-E) cia cardíaca congestiva e morte súbita.

Estas cardiopatias determinam shunt direito-es-


Tabela 22.3 – Cardiopatias obstrutivas
querdo associado a obstrução da via de saída dos
Incidência
ventrículos, por isso podem também ser chama-
Coarctação da aorta 7%
das lesões mistas (Tabela 22.2). A hipoxemia está
Estenose aórtica 5%
presente em todas as doenças desse grupo e é mais
Estenose pulmonar 3%
acentuada à medida que o fluxo pulmonar dimi-
nui. Com a diminuição da PaO2 ocorre aumento
da volemia e do número de hemácias. O aumen- PROBLEMAS COMUNS EM PACIENTES COM
to da taxa de hemoglobina pode ser responsável DOENÇA CARDÍACA CIANÓTICA
pela maior viscosidade sangüínea e por fenômenos Policitemia
tromboembólicos. A hipoxia crônica determina o
aparecimento de lesões miocárdicas graves. Cerca A redução da pressão arterial de oxigênio esti-
de 25% dessas crianças apresentam alteração de mula os rins a liberar eritropoietina, determinando
coagulação, incluindo trombocitopenia, disfun- aumento do número de células vermelhas e incre-
ção plaquetária, hipofibrinogenemia e aumento do mento na capacidade de carrear oxigênio.
tempo de tromboplastina parcial ativado. Algumas O aumento do hematócrito acima de 65% pode
vezes apresentam epistaxe, sangramento gengival e resultar em diminuição do débito cardíaco, hipo-
hemoptise. Hipertermia, desidratação, infecção e fluxo coronariano e maior risco de formação de
estresse podem precipitar episódios de piora da cia- trombose nas coronárias e em outros sítios. A poli-
nose. Neste grupo, os defeitos podem ser divididos citemia também pode causar cefaléia, dor no peito,
de acordo com a magnitude do fluxo pulmonar. anorexia, dispnéia e distúrbios visuais.

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Risco de embolia paradoxal Avaliação pré-anestésica
Causado pela presença de shunt direito-esquer- Pacientes com cardiopatias congênitas apresen-
do no coração, podendo decorrer em acidente vas- tam um espectro variável de anormalidades fisioló-
cular cerebral e embolia periférica. gicas e anatômicas. Nesse grupo, incluem pacientes
assintomáticos ou oligossintomáticos com anoma-
Infecção lias de baixa complexidade e pacientes graves com
risco de vida iminente, portadores de cardiopatia
O shunt direito-esquerdo confere alto risco
complexa, que necessitam de agressivo suporte he-
para endocardite, devendo ser feita antibiotico-
modinâmico. Para que sejam obtidos os melhores
profilaxia.
resultados perioperatórios, é necessário que duran-
te a visita pré-anestésica sejam identificados os fa-
Alterações do sistema nervoso central tores de risco relacionados à maior gravidade para
Abcessos cerebrais podem ocorrer em 5% a 10% que se planeje uma estratégia adequada periopera-
dos pacientes com doença cardíaca cianótica tória. É nesse período que se estabelece a relação
médico-paciente, na qual deve-se incluir a família
Alterações da coagulação de forma a criar um ambiente de envolvimento e
confiança.
Trombocitopenia, alteração da agregação pla- A evolução pré-operatória inicia-se com ana-
quetária e da meia-vida destas podem estar pre- mnese cuidadosa e exame físico, concentrados na
sentes, além de tempo de protrombina prolon-
semiologia cardiopulmonar, complementada por
gado, diminuição do fibrinogênio e dos fatores
uma avaliação laboratorial direcionada. O conhe-
V e VIII.
cimento detalhado das condições clínicas e reserva
do paciente, assim como das peculiaridades de sua
Baqueteamento digital anomalia, vão nortear a estratégia utilizada desde a
É conseqüência da cianose central, caracteri- medicação pré-anestésica até os cuidados pós-ope-
zando a osteoartropatia hipertrófica. Ocorre usual- ratórios, minimizando riscos e garantindo melho-
mente acima dos 6 meses de vida. res resultados.
A medicação pré-anestésica é utilizada para
ASPECTOS GERAIS E CONSIDERAÇÕES facilitar a separação das crianças de seus pais e
ANESTÉSICAS DAS CARDIOPATIAS beneficiar a indução anestésica. A via preferen-
cialmente utilizada é a via oral; entretanto, em
Considerações anestésicas
crianças mais novas, a via retal pode ser utilizada.
Em linhas gerais, os preceitos da anestesia nas O tempo de administração da medicação pré-
crianças portadoras de cardiopatia devem ser se- anestésica deve ser obedecido de forma criterio-
guidos independentemente da malformação, res- sa, de acordo com a meia-vida da droga. Quando
peitando-se as peculiaridades de cada afecção. A ocorrer atraso no encaminhamento do paciente
ventilação mecânica e os ajustes de volemia devem ao centro cirúrgico, pode ser administrada uma
considerar a interdependência ventricular e a inte- segunda dose, sendo esta a metade da dose ini-
ração cardiopulmonar; a analgesia deve ser eficaz cial. O tempo de jejum deve ser respeitado. Alte-
e os riscos perioperatórios devem ser minimizados rações ou ajustes podem ser realizados de manei-
por meio de técnica anestésica adequada e segura. ra individual (Tabela 22.4).

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Tabela 22.4 – Orientaçãoes do jejum pré-operatório para crianças
Idade Líquida sem resíduo Leite materno Leve/leite não humano Fórmula infantil
(líquidos claros)
Recém-nascido – 6 meses 2 horas 4 horas 6 horas 6 horas
6 meses – 36 meses 2 horas 4 horas 6 horas 6 horas
Maior que 36 meses 2 horas – 6 horas 6 horas

Medicação pré-anestésica verificada em dois sítios distintos. A capnografia é


instrumento indispensável para o ajuste da ventila-
• Recém-nascidos e lactentes até 6 meses – não ção, diagnóstico de embolia pulmonar e avaliação
deve ser utilizada de rotina. da hemodinâmica.
• Crianças acima de 6 meses – midazolam 0,3
a 0,7 mg.kg-1. Manutenção da anestesia
• Crianças de 1 ano até 6 anos – midazolam
Pacientes com boa função ventricular podem
via oral 0,3 a 0,7 mg.kg-1; midazolam intra-
ser extubados no final da cirurgia ou imediatamen-
nasal 0,2 mg.kg-1.
te após a chegada na unidade de terapia intensiva.
A manutenção da anestesia pode ser realizada
Indução
com benzodiazepínicos, opióides e agentes inalató-
Pacientes jovens, com função ventricular ade- rios (sevoflurano e isoflurano). A hipnose, durante
quada sem acesso venoso podem ser induzidos a circulação extracorpórea, pode ser realizada com
com sevoflurano por máscara associado a fentanil 5 midazolam 0,1 mg.kg-1. Isoflurano a 1% pode ser
mcg.kg-1 e pancurônio 0,1 mg.Kg-1. Crianças com associado durante a CEC. Doses complementa-
idade mais avançada podem requerer indução en- res de relaxantes musculares devem ser repetidas,
dovenosa com propofol, midazolam ou cetamina considerando-se a meia-vida de cada agente. Deve
em doses habituais. ser utilizado estimulador de nervo periférico para
avaliar o grau de bloqueio neuromuscular. Pacien-
Pacientes com ventrículo único do tipo esquer-
tes com boa função ventricular habitualmente não
do toleram bem diferentes técnicas de indução.
necessitam de suporte inotrópico durante a reti-
Pacientes com ventrículo único do tipo direito rada de circulação extracorpórea. Na presença de
devem ser induzidos rotineiramente com cetamina disfunção ventricular, suporte inotrópico adequa-
1 a 2 mg.kg-1 endovenoso. do deve ser iniciado durante a fase aquecimento,
Na ausência de acesso venoso pode ser utilizado antes da retirada de CEC. No final da cirurgia, os
ketamina 5 a 9 mg.kg-1 pela via intramuscular. neonatos e pacientes com disfunção cardíaca grave
devem ser encaminhados a UTI com os cuidados
Monitoração devidos de transporte.

A monitoração não-invasiva deve constar de


PECULIARIDADES DA CIRCULAÇÃO
eletrocardiografia, pressão arterial não invasiva e
EXTRACORPÓREA (CEC)
oximetria de pulso. Após a indução da anestesia,
deve-se realizar punção da artéria radial ou femo- A utilização da circulação extracorpórea (CEC)
ral para monitorização invasiva e punção venosa é de fundamental importância na realização de
central para administração de fármacos e aferição grande parte das cirurgias cardíacas pedíatricas.
da pressão venosa central. A temperatura deve ser A CEC em crianças e adultos obedece aos mesmos

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princípios, porém há algumas particularidades na de trifosfato de adenosina (ATP) e reduzir a libera-
criança, cujo conhecimento é necessário para o su- ção de glutamato e de cálcio intracelular.
cesso do procedimento e a minimização de com- Durante a CEC de crianças é muito importan-
plicações. te que o fluxo sangüíneo seja mantido em nivéis
Um dos aspectos a serem discutidos é o volu- adequados. Parada circulatória total (PCT) com
me do perfusato empregado nos oxigenadores, que hipotermia profunda é amplamente usada na po-
é proporcionalmente maior que nos adultos. Um pulação pediátrica. Considera-se segura para o sis-
neonato requer volume do perfusato equivalente a tema nervoso central (SNC) até 1 hora de PCT
200% a 300% de sua volemia; no adulto, esse valor desde que a temperatura do corpo e do cerébro seja
varia entre 25 e 33%. A hemodiluição durante a mantida entre 15 e 20oC. Vasodilatadores devem
CEC, embora necessária para reduzir a viscosida- ser utilizados para que a diminuição da tempera-
de do sangue aumentada pela hipotermia, reduz as tura seja uniforme. Em algumas situações, o baixo
concentrações das proteínas plasmáticas e dos fato- fluxo é utilizado em detrimento da parada circula-
res de coagulação, com redução da pressão oncótica tória total. Para que a redução do fluxo de perfusão
e conseqüente edema intersticial. Em crianças, a he- ou a PCT possam ser realizados com segurança, é
modiluição é técnica bastante utilizada com dados necessário que sejam mantidos:
favoráveis em relação ao seu benefício e segurança. • hipotermia cerebral adequada;
A constituição do perfusato (volume necessário
• hemodiluição;
para preencher o circuito da CEC) varia de acor-
do com idade, peso, hemoglobina inicial e função • normalização do equilíbrio ácido básico;
ventricular das crianças. Em neonatos deve ser feito • relaxamento muscular;
preferencialmente com sangue total fresco; na im- • glicemia em níveis normais.
possibilidade deste, plasma ou albumina associados As crianças freqüentemente apresentam edema
a concentrado de hemácias podem ser utilizados. tissular depois da circulação extracorpórea. O au-
Sempre que o hematócrito encontrar-se inferior a mento da permeabilidade capilar é o principal me-
25% em CEC, deve ser adicionado concentrado canismo e deve-se à hemodiluição pela alta relação
de hemácias ao perfusato. Todos os hemoderivados entre o prime do oxigenador e a volemia da criança,
utilizados em neonatos e crianças menores devem bem como a uma resposta inflamatória exacerba-
ser leucodepletados e irradiados para diminuir as da pela grande exposição do sangue às superfícies
chances de exposição ao citomegalovírus. As hemá- não-endotelizadas dos oxigenadores. Diuréticos e
cias devem ser lavadas para retirar potássio, ácidos e diálise peritoneal são as duas medidas classicamen-
conservantes. Outros constituintes do perfusato são te utilizadas para reduzir o edema intersticial. Têm
bicarbonato de sódio, manitol, heparina e cálcio. sido descritos vários benefícios relacionados à he-
As perfusões nas crianças são feitas com fluxos mofiltração, utilizada para se retirar água e media-
que variam entre 100 e 200 ml.kg-1.min-1, e as pres- dores inflamatórios do organismo. O hemofiltro
sões são mantidas entre 20 e 30 mmHg. Os adul- pode ser interposto no trajeto do fluxo que vem
tos, por sua vez, são mantidos com fluxos de 50 da máquina de CEC para o paciente, e a hemofil-
ml.kg-1.min-1, e as pressões entre 35 e 80 mmHg. tração pode ser realizada durante o reaquecimento
A circulação extracorpórea em pediatria é rea- ou após terminada a CEC com o hemofiltro fora
lizada freqüentemente sob hipotermia profunda do circuito. Esse procedimento tem sido associado
para poder reduzir ou mesmo interromper o fluxo a um melhor desempenho cardíaco pós-CEC, me-
de sangue. A hipotermia protege as células por di- lhor hemostasia, filtração de citocinas e de outros
minuir o metabolismo celular, preservar as reservas elementos da resposta inflamatória.

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Defeito do septo atrial (DSA) Habitualmente não acarreta sintomas na infân-
cia, causando insuficiência cardíaca em apenas 5%
Corresponde a 5%-10% de todas as doenças car-
dos pacientes. Geralmente, o DSA não se fecha es-
díacas congênitas, sendo mais comum no sexo femi-
pontaneamente, e quando isso ocorre dá-se no pri-
nino. Pode ser classificada em ostium primum (10%
meiro ano de vida e em defeitos muito pequenos.
a 15%), ostium secundum (50% a 70%) (Fig. 22.1),
e seio venoso (5% a 10%) (Fig. 22.2) – este poden- A cirurgia é indicada quando os sintomas sur-
do associar-se à presença de drenagem anômala das gem, geralmente decorrentes de sobrecarga de volu-
veias pulmonares. me no ventrículo direito ou quando o cateterismo
mostra Qp/Qs > 1,5. Fadiga, infecções respiratórias
recorrentes e dispnéia são sintomas de aumento do
fluxo pulmonar e usualmente ocorrem com Qp/Qs
> 3. A distensão atrial pode ocorrer em crianças mais
velhas e adultos e determinar arritmias supraventri-
culares. Em alguns pacientes, os efeitos da sobre-
carga de volume não aparecem até a terceira década
de vida. Pacientes com idade mais avançada apre-
sentam maior risco de alterações do leito vascular
pulmonar e maior chance de falência do ventrículo
direito.Os pacientes que desenvolvem hipertensão
pulmonar podem apresentar a síndrome de Eisen-
menger, que cursa com reversão do shunt e cianose.
Pacientes com DSA, mesmo assintomáticos, apre-
sentam risco aumentado para embolia paradoxal e
endocardite bacteriana, por isso necessitam de cor-
Fig. 22.1 – Representação diagramática do defeito do septo atrial
(DSA). reção em uma fase mais precoce da vida.
Pacientes do sexo feminino podem ser opera-
dos por toracotomia direita. Pode ser realizado fe-
chamento primário ou com retalho de pericárdio
ou de Gortex. Os pacientes devem ser extubados
o mais rápido possível, preferencialmente no pós-
operatório imediato. Complicações pós-operatórias
habituais incluem arritmias supraventriculares, dis-
túrbios de condução e sangramento. Em pacientes
não complicados, a mortalidade é menor que 1%.

Fechamento do defeito atrial transcateter


Existem dispositivos para fechamento não cirúr-
gico dos DSA. O procedimento é realizado na sala
de cateterismo sob anestesia geral. O dispositivo é
Fig. 22.2 – Representação diagramática do defeito do septo atrial
inserido na veia femoral, indo se abrir dentro do
(DSA) associado a drenagem anômala das veias pulmonares átrio esquerdo. Está contra-indicado em defeitos
(DAVP). maiores que 25 mm, ostium primum, seio venoso

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e DSA associado com doença vascular pulmonar. pacientes com amplos defeitos podem cursar com
O tamanho do dispositivo limita o seu uso em elevado fluxo pulmonar, hipertensão pulmonar e
pacientes muito pequenos. Há riscos de emboliza- insuficiência cardíaca. Nesses casos, o tratamento
ção dos dispositivos, necessitando, nesses casos, de cirúrgico é indicado para evitar doença vascular
imediata correção cirúrgica. obstrutiva pulmonar e síndrome de Eisenmenger.
A correção cirúrgica é realizada por esternoto-
Defeito do septo ventricular (DSV) mia mediana, circulação extracorpórea com canu-
lação bicaval, pinçamento da aorta e cardioplegia.
Quando ocorre isolado, é a cardiopatia con-
O fechamento do defeito é realizado com retalho
gênita mais comum, correspondendo a 20% de
de pericárdio bovino.
todos os defeitos (Fig. 22.3). O defeito do septo
perimembranoso é o mais comum (70% dos ca-
Persistência do canal arterial (PCA)
sos), seguido pelo trabecular (5% a 20% dos casos)
ou infundibular. Persistência do ducto arterioso e Representa 10% de todas as cardiopatias congê-
coartação de aorta são freqüentemente associados nitas, acometendo principalmente o sexo feminino
com esses defeitos. Em alguns casos, pode ocorrer (Fig. 22.4). É mais comum em prematuros. A ex-
prolapso da valva aórtica com insuficiência aórtica. posição à rubéola no primeiro trimestre de gravi-
O tamanho do defeito varia de pequeno sem dez aumenta o risco de surgimento de PCA.
repercussão hemodinâmica a grande defeito com O canal arterial patente determina shunt da aor-
hipertensão pulmonar e falência cardíaca. O defei- ta para a artéria pulmonar. A magnitude do shunt
to pode ser único ou aparecer em vários locais do depende do tamanho do canal e da resistência da
septo. A evolução clínica desta doença varia com circulação pulmonar. Quando o canal é pequeno e
o tamanho do defeito, o tamanho do shunt, a ida- estreito, o shunt pode ser desprezível e os pacientes
de do paciente e o grau de hipertensão pulmonar. apresentam-se assintomáticos ou oligossintomá-
Pacientes com pequenos defeitos localizados no ticos. Muitas vezes, o diagnóstico só é feito pela
septo muscular apresentam fechamento espontâ- presença de sopro. Grandes shunts podem causar
neo destes em 20% a 50% dos casos, entretanto hipertrofia ventricular e retardo no crescimento.
Em alguns casos, em que o shunt esquerdo-direito
é bastante acentuado nas primeiras semanas de vida,
o aparecimento de insuficiência cardíaca congesti-
va é muito comum. Prematuros com grande PCA
podem apresentar enterocolite necrosante, síndro-
me do desconforto respiratório e alterações do fluxo
sangüíneo cerebral. O uso de indometacina em pre-
maturos facilita o fechamento do canal arterial.
Cirurgia está indicada na maioria dos pacientes
com PCA devido ao risco de endocardite. A cirur-
gia é realizada por meio de toracotomia esquerda
sem circulação extracorpórea. A identificação cor-
reta de todas as estruturas é bastante útil para pre-
venir a ligadura inadvertida da artéria pulmonar
ou da aorta. O estetoscópio esofágico pode ser útil
Fig. 22.3 – Representação diagramática do defeito do septo ventri-
na identificação do desaparecimento do murmúrio
cular (DSV). com a oclusão do canal arterial.

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e outros. A hipoxemia pode ser compensada pela
formação de colaterais e policitemia. Alguns pacien-
tes nos quais a estenose da via de saída do ventrí-
culo direito não é tão acentuada a ponto de causar
grandes shunts direito-esquerdo podem evoluir com
discreta redução da saturação de oxigênio.
O espasmo de infundíbulo é complicação grave
que pode ocorrer durante o ato anestésico-cirúrgi-
co. Caracteriza-se por cianose intensa, hiperpnéia,
e instabilidade hemodinâmica intensa, podendo
resultar em parada cardíaca. Qualquer evento que
diminua a RVS ou aumente a RVP determina flu-
xo sangüíneo do VD através do DSV para aorta
com maior shunt D-E e piora da cianose. Duran-
te a anestesia, os espasmos do infundíbulo podem
Fig. 22.4 – Representação diagramática da persistência do canal ser desencadeados por hipovolemia e aumento da
arterial ou ducto arterioso.
RVP ou diminuição da RVS. Durante a crise, o so-
pro cardíaco diminui significativamente, podendo
A cirurgia está contra-indicada na presença de desaparecer por completo. O tratamento da crise
hipertensão pulmonar acentuada e cianose em vir- inclui oxigênio a 100% na tentativa de melhorar
tude da inversão do shunt. a saturação de oxigênio, hiperventilação moderada
para compensar a acidose, reposição de 10 ml/kg
As crianças de idade mais avançada e assinto-
de albumina a 5% para tratar hipovolemia, feni-
máticas podem ser internadas no dia da cirurgia.
lefrina (0,25-0,5 µg.kg-1) para aumentar a RVS, e
Devem ser monitoradas de forma habitual, não ha-
vendo necessidade de linha arterial, mas dois aces-
sos venosos calibrosos devem ser obtidos.
Quilotórax é uma das complicações pós-opera-
tórias. Paralisia das cordas vocais e lesão do nervo
recorrente são raros. A mortalidade em geral é me-
nor que 1%.

Tetralogia de Fallot

É a causa mais comum de doença cardíaca cia-


nótica em crianças (Fig. 22.5). A obstrução do ven-
trículo direito e a presença de defeito do septo ven-
tricular determinam shunt de sangue da direita para
esquerda, causando diminuição da saturação de oxi-
gênio. O grau de obstrução é determinado pelo grau
de estenose da via de saída do ventrículo direito. A
obstrução pode ser dinâmica (espasmo) desencade- Fig. 22.5 – Representação diagramática da tetralogia de Fallot, ob-
servando-se o ventrículo direito hipertrófico (VD), defeito do septo
ada por determinados fatores, como hipóxia, au- ventricular (DSV), estenose infundibular e da valva pulmonar, e defei-
mento do hematócrito, desidratação, manipulação to do septo atrial (DSA).

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esmolol (0,25-0,5 mg/kg) para diminuir a contra- hipoplasia do coração esquerdo nasce a termo. A
tilidade e aliviar o espasmo. Uma das alternativas hipoplasia do coração esquerdo está associada à du-
terapêuticas é aprofundar a anestesia com opióides plicação do braço curto do cromossomo 12. Tris-
ou halogenados, devendo-se evitar o isoflurano, somia dos cromossomos 13,18 e 21, síndromes de
que diminui a RVS. Uma manobra cirúrgica é o Turner, Noonan, Smith-Lemi-Optiz e Holt-Oram
pinçamento lateral da aorta para aumentar a RVS apresentam grande incidência de hipoplasia do
e reverter o shunt. coração esquerdo. Os pacientes portadores dessa
O tratamento cirúrgico da tetralogia de Fallot cardiopatia apresentam, em 28% dos casos altera-
consiste na ampliação da via de saída do ventrícu- ções genéticas ou outras anomalias extracardíacas
lo, fechamento do defeito do septo interventricular graves.
e na ressecção do músculo infundibular. Opta-se Esta síndrome é caracterizada por hipoplasia ou
pela cirurgia paliativa quando a valva ou os ramos atresia mitral e aórtica, ventrículo esquerdo ausente
pulmonares não são bem desenvolvidos ou quan- ou hipoplásico. O átrio esquerdo pode ser pequeno
do a criança está apresentando crises de cianose e ou normal. O ventrículo esquerdo é uma estrutura
é ainda muito pequena para a correção cirúrgica não funcional. O retorno venoso pulmonar pas-
definitiva. sa para o átrio direito através do defeito do septo
No final da cirurgia, a pressão do ventrículo di- atrial, forâmen oval ou por conexão anômala do
reito deve ser inferior à metade da pressão sistêmica. retorno venoso pulmonar. Os retornos sistêmico e
Após a circulação extracorpórea pode ocorrer disfun- pulmonar se juntam no átrio direito e o débito do
ção ventricular direita, com necessidade da utilização ventrículo direito é dirigido de forma anterógrada
de dopamina 5 µ.Kg-1.min, associada a milrinone para a aorta ascendente e retrógrado em torno do
(ataque 50µ.Kg-1, manutenção 0,3 a 0,75 µ.Kg-1.min) arco aórtico, dos vasos cerebrais e da aorta ascen-
ou epinefrina (0,02-0,04 µ.Kg-1.min). dente. A vida depende da patência do canal arterial
e de adequada mistura do sangue atrial e do balan-
No pós-operatório, é comum a ocorrência de
ço entre a circulação sistêmica e pulmonar.
maior perda sangüínea, especialmente nos pacien-
tes policitêmicos. Arritmias cardíacas ou bloqueio
completo podem ocorrer no pós-operatório. A in-
suficiência da valva pulmonar é complicação fre-
qüente e bem tolerada.
A mortalidade varia de 2% a 5% em pacientes
com tetralogia de Fallot não complicada. Pacientes
com idade inferior a 3 meses e os maiores de 4 anos
de idade com hipoplasia acentuada do anel pulmo-
nar e do tronco pulmonar com múltiplas colaterais
aorta-pulmonares e os portadores de síndrome de
Down possuem prognóstico mais reservado.

Síndrome de hipoplasia do coração


esquerdo

A hipoplasia do coração esquerdo é cardiopa-


tia de prognóstico reservado, mais comum no sexo Fig. 22.6 – Representação diagrmática da hipoplasia do ventrículo es-
masculino (Fig. 22.6). A maioria das crianças com querdo (VE), observando-se VE hipoplásico, atresia mitral e aórtica.

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Se o diagnóstico pré-natal não for realizado, po- canal arterial ou de DSA. Em 4% dos pacientes, o
derá ocorrer o aparecimento de cianose e síndrome oríficio atrial é restritivo. A pressão no ventrículo
do desconforto respiratório 24 a 48 horas após o direito é elevada, e geralmente há insuficiência tri-
fechamento do canal arterial. Essas crianças pos- cúspide associada.
suem fluxo sangüíneo sistêmico canal-dependente O sangue venoso passa direto para a circulação
e necessitam da infusão contínua de prostaglandi- sistêmica, determinando diversos graus de cianose.
na (PGE1). A intensidade de cianose depende do tamanho da
A alcalose e a hiperoxia diminuem a resistência comunicação interatrial e da patência do canal ar-
vascular pulmonar, e, se esta for baixa, o sangue teial. A infusão contínua de prostaglandina deve ser
vai preferencialmente para os pulmões e o fluxo preservada para manter a patência do ducto arterial
de sangue através do canal para aorta diminui, até que seja realizada uma cirurgia para aumentar
podendo determinar hipoperfusão sistêmica. Por o fluxo pulmonar.
isso, hiperventilação e FiO2 elevadas devem ser Nos primeiros dias de vida deve ser realizada ci-
evitadas. rurgia paliativa que conecta a circulação sistêmica
Pacientes com síndrome da hipoplasia do cora- à pulmonar, sem circulação extracorpórea para me-
ção esquerdo possuem traquéia curta com poucos lhorar o fluxo pulmonar.
anéis cartilaginosos e a bifurcação traqueal ocorre Quando a resistência vascular pulmonar dimi-
duas ou três vértebras mais cefálica que o habitual. nui, as lesões cardíacas devem ser corrigidas pela
O tratamento cirúrgico dessa síndrome geral- operação de Fontan.
mente é realizado em três estágios:
1. operação de norwood – reconstrução paliativa. Shunts cirúrgicos
Consiste em secção do tronco da artéria pul- Shunts cirúrgicos são realizados quando o pa-
monar e reconstrução da neoaorta com ar- ciente com cardiopatia congênita possui inadequa-
téria pulmonar proximal, aorta ascendente e do fluxo pulmonar.
enxerto vascular. Realização de atriosseptec-
tomia e de um shunt central ou Blalock para Blalock-Taussing
levar sangue aos pulmões;
Este shunt é realizado para conectar a circulação
2. operação de Glenn biderecional – consiste
sistêmica a pulmonar através de um tubo sintético
em direcionar o sangue proveniente da veia
de calibre variado.O tubo é colocado entre a arté-
cava superior para as artérias pulmonares;
ria subclávia ou inominada e a artéria pulmonar.
3. operação de Fontan – direciona sangue das Geralmente é realizado sem circulação extracorpó-
veias clássicas para as pulmonares rea. Reposição volêmica generosa e manutenção de
Crianças com disfunção ventricular grave po- pressão arterial em níveis satisfatórios são funda-
dem ser candidatos a transplante cardíaco. mentais para que a saturação arterial de oxigênio
permaneça estável.
Atresia pulmonar
Shunt Central
Representa menos que 1% de todas as cardio-
patias congênitas. Nesta cardiopatia, a valva pul- Este shunt é realizado quando a artéria subclávia
monar é atrésica e o septo interventricular íntegro, ou inominada é muito curta ou pequena para su-
sendo o ventrículo direito hipoplásico. Para que prir adequado fluxo pulmonar, ou quando a artéria
ocorra sobrevida, há necessidade da patência do subclávia direita é aberrante. A cirurgia é realizada

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com a colocação de um tubo de Gortex da aorta de inadequado fluxo pulmonar, que pode ocorrer
para artéria pulmonar. por obstrução mecânica por dobra ou trombose do
shunt. Hiperventilação e elevada FiO2 podem di-
Waterteson minuir a resistência vascular pulmonar e ser úteis
até que o shunt seja trocado. Pacientes que necessi-
Este shunt proporciona fluxo pulmonar quando tarem de circulação extracorpórea para a troca do
a aorta ascendente é anastomosada diretamente na shunt podem necessitar de agentes que diminuam
artéria pulmonar direita. É realizado quando não é a resistência vascular pulmonar como milrinone e
possível se colocar o shunt preconizado na operação óxido nítrico. Se o tamanho do shunt for grande, o
de Blalock-Taussing. O tamanho do orifício é de di- excessivo fluxo pulmonar pode causar edema pul-
fícil controle e pode aumentar com o crescimento, monar unilateral ou bilateral e hipotensão sistêmi-
resultando em excessivo fluxo pulmonar. ca. Manobras para aumentar a resistência vascular
pulmonar podem ser úteis.
Pots
Transposição das grandes artérias
Este shunt proporciona aumento do fluxo pul-
monar por anastomose da aorta descendente dire- Constitui 5% de todas as cardiopatias congêni-
tamente da artéria pulmonar esquerda. tas (Fig. 22.7). É mais freqüente no sexo masculi-
no. Neonatos com defeito do septo atrial ou canal
Glenn restritivos podem evoluir com hipóxia progressiva,
acidose e morte. Disfunção ventricular acentuada
Este shunt é realizado para levar o sangue prove- pode ocorrer nessas crianças precocemente.
niente da veia cava superior à artéria pulmonar di- Nessa anomalia, a aorta se origina anteriormen-
reita. A cirurgia consiste da anastomose da veia cava te do ventrículo direito e a pulmonar emerge poste-
superior com a artéria pulmonar direita. Durante a riormente do ventrículo esquerdo. Ocorre comple-
cirurgia, a veia cava superior é desconectada do átrio ta separação das duas circulações, que se encontram
direito. Essa operação não pode ser realizada na vigên- em paralelo. O sangue hipóxico circula no territó-
cia de hipertensão pulmonar. Pacientes que evoluírem rio sistêmico, e sangue rico em oxigênio circula no
com aumento da pressão pulmonar podem apresen- território pulmonar. A presença de defeitos asso-
tar tardiamente síndrome da veia cava superior. ciados (DSA, DSV, PCA) é fundamental para que
Alguns shunts podem ser realizados na presen- as duas circulações se misturem. Defeito do septo
ça de decúbito lateral. Durante a realização da ventricular está presente em 40% dos casos.
cirurgia pode ocorrer piora da hipoxemia, que Acidose metabólica, hipoglicemia e hipocalce-
pode estar relacionada ao decúbito, manipulações mia devem ser tratados se presentes. Infusão de
cirúrgicas, hipovolemia e instabilidade hemodinâ- prostaglandina deve ser iniciada para reabertura do
mica. A anestesia pode ser realizada com cetamina ducto arterioso. Administração de oxigênio pode
1 mg/kg, pancurônio 0,1 mg/kg, fentanil e midazo- ser útil para aumentar a saturação arterial de oxi-
lam 0,5 mg.kg. Adequada reposição volêmica deve gênio, diminuir a resistência vascular pulmonar, e
ser realizada antes da realização do shunt. Duran- maior fluxo sangüíneo pulmonar, resultando em
te o pinçamento da artéria pulmonar é necessário aumento da mistura. Tratamento com diuréticos,
que a pressão arterial média seja mantida em níveis digitálicos ou inotrópicos podem ser indicados.
adequados para evitar hipoxemia. Problemas rela- A abertura do septo inter-atrial, determinada téc-
cionados ao shunt podem aparecer no perioperató- nica de Rashkind, pode ser indicada em algumas
rio ou mais tardiamente. A hipoxemia é resultado situações.

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(Fig. 22.8). É constituído por um tronco arterial úni-
co que emerge de ambos ventrículos com valva trun-
cal. Esse tronco único dá origem à circulação sistêmica
e pulmonar. Um DSV amplo costuma está presente;
arco aórtico à direita está presente em 30% dos casos
Está anomalia é dividida em quatro tipos abaixo
relacionados com suas respectivas incidências:
• tipo I: 60% dos pacientes
• tipo II: 20% dos pacientes
• tipo III: 10% dos pacientes
• tipo IV: 10% dos pacientes
O fluxo pulmonar está aumentado no tipo I,
normal nos tipos II e III, e está diminuído no tipo
Fig. 22.7 – Representação diagramática da transposição das gran- IV. A saturação arterial de oxigênio está diretamen-
des artérias. VD = ventrículo direito; VE = ventrículo esquerdo te relacionada ao fluxo pulmonar. O tronco único
carreia uma mistura de sangue venoso e arterial.
A anestesia dos pacientes deve ser realizada obe- O fluxo pulmonar é maior que o sistêmico devido
decendo-se alguns critérios pré-estabelecidos: a resistência vascular pulmonar ser inferior à sistê-
• manutenção da freqüência cardíaca e da pré- mica. A pressão diastólica da base do vaso truncal é
carga para adequação do débito cardíaco; baixa, e a pressão diastólica final do ventrículo es-
• utilização de prostaglandina E1 (0,05 a 0,1 querdo é elevada pelo retorno venoso aumentado.
kg.min-1) para patência do ducto arterioso em O risco de isquemia miocárdica é bastante acen-
pacientes ducto-dependentes; tuado nesta anomalia, que confere elevada pressão
diastólica de ventículo esquerdo e baixa pressão
• manutenção de adequado equilíbrio entre as re-
diastólica no vaso truncal. O tratamento clínico
sistências vasculares pulmonar e sistêmica.
Cirurgia definitiva consiste no redirecionamento
do sangue venoso e arterial para as circulações sistê-
micas e pulmonares em nível arterial, operação de
Senning ou Mustard, em nível ventricular, operação
de Rasteli ou em nível das grandes artérias, operação
de Jatene. Pacientes submetidos a operação de Sen-
ning ou Mustard necessitam ser seguidos de perto
devido à grande chance de desenvolverem arritmias,
insuficiência tricúspide e disfunção do ventrículo di-
reito. Seguindo-se a operação de Jatene pode ocorrer
obstrução das coronárias, isquemia miocárdica, dis-
função ventricular e insuficiência aórtica.

Truncus arteriosus
Fig. 22.8 – Representação diagramática do truncus arteriosus do
É cardiopatia pouco freqüente, responsável por tipo IV. Observa-se a presença do defeito do septo atrial (DSA), de-
menos de 1 % dos casos de cardiopatias congênitas feito do septo ventricular (DSV) e arco aórtico à esquerda.

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envolve medidas para reduzir congestão, com di- Assim, concluímos que o sucesso da estratégia
gitálicos e diuréticos. Os resultados com a correção anestésica está diretamente relacionado à avaliação
total são superiores a técnicas paliativas. Crianças criteriosa do paciente, ao conhecimento da fisiopa-
pequenas com hiperfluxo pulmonar e insuficiência tologia da cardiopatia, ao emprego adequado dos
cardíaca congestiva podem se beneficiar de banda- agentes anestésicos e à adequação da monitoração
gem do tronco pulmonar. hemodinâmica, o que deve ser realizado de manei-
A operação de Barbero Marcial e a operação de ra multidisciplinar entre o clínico, o anestesiologis-
Rastelli podem ser utilizadas para tratamento ta e o cirurgião.
de pacientes com truncus do tipo I. A insuficiência
da valva truncal pode ser importante, necessitando Bibliografia
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Anes tes i a p a r a C i r u r g i a C a r d í a c a P e d iát ric a 425

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Capítulo 23
An e s t e s i a p a r a P r o c e d i m e n t o s
O r to p é d i c o s
Adilson Hamaji
Wagner Kuriki
Sérgio B. Bezerra de Sousa
Roberto Guarniero

INTRODUÇÃO A cabeça é significativamente grande em rela-


ção ao corpo e diâmetro das vias aéreas é pequeno,
A anestesia do paciente pediátrico deve ser enca- levando a uma maior resistência do fluxo aéreo,
rada de maneira diferenciada, independentemente principalmente se estiver presente edema ou secre-
da especialidade cirúrgica. Mesmo no âmbito pe- ções. O local de menor diâmetro da via aérea está
diátrico, as características se modificam conforme situado no nível da cartilagem cricóide, e não na
analisamos os diversos grupos etários. O conheci- fenda glótica, como em adultos. Essa particularida-
mento das diferenças anatomofisiológicas é básico de leva ao uso de tubos traqueais sem cuff até os 8
e essencial para seu correto e seguro manuseio. Na ou 9 anos de idade1.
ortopedia pediátrica, a anestesia às vezes torna-se
um desafio porque, além da traumatologia, exis- Na prática, essas características se traduzem em
tem doenças congênitas ou adquiridas que pre- maior dificuldade na ventilação sob máscara e erro
cisam de correções cirúrgicas para funcionalidade na escolha da cânula orofaríngea2 e tubo endotra-
das regiões afetadas. queal. A cânula orofaríngea pode ser escolhida de
acordo com a distância entre a rima bucal e o trago
ipsilateral.
CARACTERíSTICAS ANATÔMICAS
Uma regra simples para a escolha do tubo endo-
Respiratórias traqueal é a seguinte:
A língua é bem desenvolvida nos neonatos e Diâmetro (mm) = idade/4 + 4.(1)
lactentes em decorrência da sucção, narinas estrei-
tadas, pescoço curto, e a laringe se situa no nível de É recomendável se ter um tubo de calibre ime-
C4 (Fig. 23.1). diatamente superior e inferior ao estimado.

427

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respiratória mais alta que a do adulto, tornando-a
extremamente intolerante a períodos de apnéia/hi-
poventilação.
A hipercapnia e a hipóxia são poderosos esti-
mulantes respiratórios no adulto, porém, nos pre-
maturos, pela imaturidade do centro respiratório,
ao contrário do que se esperaria, podem ocorrer
depressão respiratória5.
Narinas estreitas Quanto ao modo de ventilação, os pequenos
Língua grande
Palato depressível
volumes utilizados e o desenvolvimento precário
Glote elevada da musculatura respiratória fazem com que o uso
Epiglote em “U” de sistemas de baixa resistência com pequeno es-
Cricóide estreita
Traquéia curta
paço morto seja uma indicação absoluta. Os mais
Pescoço curto utilizados são o Maplesson D, A e o sistema de
BAIN (avalvulares e sem absorvedor) ou traquéias,
Fig. 23.1 – Vias aéreas superiores no neonato.
válvulas e canisteres infantis (valvulares com ab-
sorvedor)6. Há também sistemas sem válvulas que
Cardiovasculares funcionam baseados em fluxos.
A punção venosa em neonatos e lactentes pode
Cardiorrespiratórias
tornar-se um desafio, principalmente se o tecido
subcutâneo for abundante3. As alternativas às pun- O sistema nervoso simpático pode não apresentar
ções nos membros são as jugulares externas. A via respostas adequadas, principalmente em recém-nas-
intra-óssea4 e a via central podem ser uma alterna- cidos. Por não ter grande variabilidade hemodinâ-
tiva importante desde que material adequado esteja mica (vasoconstrição/vasodilatação), determinada
disponível e haja conhecimento técnico por parte pelo sistema nervoso simpático, a criança possui um
do anestesiologista presente. débito cardíaco dependente da freqüência cardíaca
São essenciais para a monitorização desse tipo e, assim, sua resposta à hipovolemia com queda de
de paciente eletrodos e manguitos compatíveis com pressão arterial é mais fidedigna do que no adulto.
seu tamanho, evitando-se erros de interpretação. Desse modo, a monitorização da pressão arterial re-
presenta um parâmetro importantíssimo quando
CARACTERÍSTICAS FISIOLÓGICAS existe a possibilidade de perda volêmica5.

Respiratórias Renais, metabólicas e térmicas


A criança de até 3 meses respira obrigatoriamen- A perda de calor que ocorre no paciente pedi-
te pelas narinas, com dificuldade de conversão da átrico está ligada a grande superfície corpórea e
respiração nasal para a oral; desse modo, qualquer pele fina – o que torna o paciente mais suscetível
obstrução nasal nessa idade é motivo de desconfor- ao frio na sala cirúrgica, gases secos, líquidos para
to respiratório5. infusão não aquecidos, assim como a exposição de
Apesar do volume corrente, o espaço morto e vísceras. Em decorrência da hipotermia, podemos
a capacidade residual funcional guardarem relação ter depressão respiratória, retardo da regressão
constante com seu peso, e o consumo de oxigê- anestésica, arritmias cardíacas e distúrbios da co-
nio é elevado, como resultado de uma freqüência agulação3,5,6.

428 An e s t e s ia Pe diátrica

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Apesar do seu maior volume de distribuição, desenvolvimento anormal dessa articulação. O tra-
sua capacidade de metabolizar drogas é menor que tamento pode ser cirúrgico ou, quando possível (em
a do adulto. Outro aspecto extremamente impor- menores de 18 meses), redução da luxação e imobi-
tante nos pacientes que ainda não completaram a lização. Nesta última, podemos fazer uma anestesia
maturação renal é a dificuldade de concentração geral com intubação traqueal ou com máscara la-
da urina e a incapacidade de reter sódio. Por con- ríngea. Deve-se ter cuidado com a manutenção da
seguinte, esses pacientes têm uma inabilidade de via aérea, pois a criança será posicionada na mesa
preservar líquidos5,6. Com o intuito de evitar a de- ortopédica infantil. Nos casos de redução cirúrgica,
sidratação pré-operatória, recomenda-se que sejam podemos associar bloqueio peridural sacral ou lom-
adotadas as condutas listadas na Tabela 23.1. bar à anestesia geral. Existe possibilidade de sangra-
mento intra-operatório, porque não raro podem ser
Tabela 23.1 – Recomendações do período de jejum necessárias osteotomias do fêmur8,9.
pré-operatório (ASA)

Sólidos e líquidos Artrogripose


Líquidos claros
não claros
Doença congênita na qual as articulações fixam-
Crianças < 6 meses 2 horas 4-6 horas
se em diferentes posições e, conseqüentemente, de-
Crianças 6-36 meses 2-3 horas 6 horas senvolvem-se distrofias e encurtamentos musculares.
Crianças > 36 meses 2-3 horas 6-8 horas É classificada em neuropática, miopática e mista.
Anormalidades da articulação temporoman-
Em crianças até 6 meses permite-se a ingestão dibular e hipoplasia da mandíbula podem levar a
de água e líquidos transparentes (com pouco açú- dificuldades na ventilação sob máscara e intubação
car) até 2 horas antes da cirurgia; leite materno é orotraqueal9. Nas formas neuropáticas graves, pode
suspenso 4 horas antes, enquanto o leite de vaca haver retardo mental, mas o intelecto não está afe-
ou sólidos são suspensos 6 horas antes do ato ope- tado na maior parte dos casos. As anormalidades
ratório. Em crianças de 6 meses a 3 anos, o jejum não estão restritas aos membros e pode haver gran-
para sólidos (inclusive leite) é de 6 horas e de 3 des deformidades na caixa torácica, incluindo a es-
horas para líquidos claros. Para crianças acima de coliose com distúrbios da função pulmonar asso-
3 anos, o jejum é de 8 horas para sólidos e 3 horas ciada a alterações cardíacas e renais.
para líquidos7. Na anestesia desses pacientes, além dos proble-
mas com a ventilação e intubação, o acesso venoso
ORTOPEDIA PEDIÁTRICA pode ser de extrema dificuldade pelas alterações
nos tecidos moles11. O hipermetabolismo relacio-
Descreveremos a seguir algumas doenças exis- nado a essa doença pode evoluir com aumento de
tentes em ortopedia infantil que, por suas caracte- temperatura e simular um quadro de hipertermia
rísticas, necessitam de atenção especial do aneste- maligna12, porém esse aumento de temperatura
siologista. pode ser tratado de maneira eficaz com medidas
simples de resfriamento.
Luxação congênita do quadril – displasia
do desenvolvimento Osteogênese imperfeita
É causada por mal posicionamento da criança Ocorre em razão de distúrbios na formação do
no útero, frouxidão ligamentar ou como resultado tecido conectivo (colágeno), resultando na for-
de manobras no parto pélvico. As implicações da mação de ossos frágeis tendo como conseqüência
não-relação da cabeça do fêmur com o acetábulo é o múltiplas fraturas.

A n es tes i a p a r a P r o c e d i me n t o s O r t o p é dic o s 429

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Há três tipos de osteogênese imperfeita, de acor-
do com sua gravidade9:
• tipo I – é a mais grave; geralmente cursa com fra-
turas e deformidades ao nascimento (Figs. 23.2 e
23.3)
• tipo II – é uma forma menos grave, na qual são
observadas fraturas na infância por fragilidade
dos ossos, que são osteopênicos.
• tipo III – é a forma mais leve; as fraturas fre-
qüentemente são mais tardias e pode não evo-
luir com fraturas aos mínimos esforços.
Os pacientes apresentam baixa estatura, tórax
pequeno, cabeça grande, frouxidão ligamentar e
Fig. 23.3 – Radiografia do membro superior.
esclera azulada. Secundariamente ao defeito nos
tecidos conectivos, podemos encontrar valvulopa-
tias cardíacas (insuficiência aórtica e mitral), sendo Distrofias musculares
indicada a profilaxia antibiótica para endocardite9.
As distrofias musculares são caracterizadas por
Durante a anestesia, as manipulações devem ser fraqueza e degeneração muscular progressivas. Em
cuidadosas14 desde a intubação traqueal, sendo a sua evolução, essas degenerações da musculatura
colocação de coxins de apoio imprescindível devi- não só inviabilizam a locomoção como também
do às deformidades anatômicas presentes. É impor- afetam o músculo cardíaco e a musculatura do trato
tante salientar que esses pacientes também apresen- alimentar superior, inclusive o esôfago, propiciando
tam hipermetabolismo, caracterizado por taquicar- a aspiração de alimentos. Do ponto de vista anesté-
dia e hipertermia mesmo em repouso, com possível sico, esses pacientes devem ser considerados como
diagnóstico errôneo de um quadro de hipertermia de estômago cheio9. O anestesiologista deve estar
maligna13. Essas crianças apresentam suscetibilida- alerta para as arritmias cardíacas15. A fraqueza mus-
de ao desenvolvimento de hipertermia maligna, o cular faz com que o uso de relaxante muscular seja
que muitas vezes confunde o anestesiologista10. feito criteriosamente16. A succinilcolina pode levar a
arritmias por hipercalcemia15 e rabdomiólise17.
O mais importante é que pacientes com dis-
trofias musculares podem desenvolver hipertermia
maligna, sendo recomendada a não-utilização de
anestésicos inalatórios e succinilcolina (gatilhos).

Paralisia cerebral

A paralisia cerebral é causada por danos em neu-


rônios motores centrais e secundária à hipóxia grave
no nascimento. Podemos encontrar graus variáveis
de retardo mental, incoordenação motora e convul-
sões. Os reflexos de proteção de vias aéreas podem
estar comprometidos8,9. Os pacientes tendem a apre-
Fig. 23.2 – Osteogênese imperfeita. sentar certo grau de anemia e desnutrição porque

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podem ser completamente dependentes dos adul-
tos. São realizados vários procedimentos cirúrgicos
nesses pacientes, tais como tenotomias, miotomias
e transferências de tendões, entre outros18.

Artrite reumatóide juvenil

Essa doença não atinge somente as articulações,


mas também apresenta vários graus de comprometi-
mento sistêmico. Algumas manifestações podem di-
ficultar o manuseio da via aérea19, tais como a artrite
cricoartitenóide (que causa rouquidão), a subluxação
atlantoaxial, anquilose temporomandibular (dificul-
dade para abrir a boca) e rigidez cervical (dificuldade Fig. 23.4 – Criança com epidermólise bolhosa.
na extensão do pescoço). Por vezes, a intubação com
auxílio de broncoscopia se faz necessária.
O anestesiologista ainda pode encontrar mani-
festações sistêmicas, como alteração da função re-
nal, pneumonia, hepatoesplenomegalia e anemia,
nas quais transfusões sangüíneas se fazem presentes.
Quando ocorrer comprometimento da coagulação,
deve-se relacionar à pacientes em sua de salicilatos9.

Epidermólise bolhosa

Essa doença genética é caracterizada por forma-


ção de bolhas que se rompem ao menor trauma,
causando feridas de difícil cicatrização. As bolhas
formam-se em locais onde foi feita pressão ou fric-
Fig. 23.5 – Lesão na região da mão.
ção20 e são o resultado da liquefação e degeneração
da camada basal e suprabasal da epiderme. As mu-
cosas também são afetadas21. Esses pacientes sentem
dor ao mínimo toque, tornando a indução da anes- Pé torto congênito
tesia difícil. A utilização de máscara facial, a reali-
Afecção também conhecida como pé torto idio-
zação da punção venosa e a manipulação na mesa
cirúrgica devem ser extremamente cuidadosas22,23 pático, pois pouco se sabe sobre sua etiologia.
(Figs. 23.4 e 23.5). Não se deve usar esparadrapos O tratamento dessa condição clínica tem sido des-
para a fixação de cânulas venosas e do tubo traqueal. crito desde Hipócrates, com manipulação e imobili-
Deve-se pesar os prós e contras do uso de mangui- zação do tornozelo e do pé. O tratamento cirúrgico
to de pressão arterial, e eletrodos para utilização do pode ser indicado nos casos refratários ao tratamento
cardioscópio têm grande poder adesivo, devendo ser clínico, que tem se mostrado eficiente na maior parte
evitados. Para retirar dispositivos que contenham dos casos quando utilizada a metodologia preconiza-
adesivos e sejam imprescindíveis, pode-se usar gase da. Nesse método são realizadas manobras de corre-
embebida em vaselina líquida. ção do pé, que deve ser mantido por aparelho gessado

A n es tes i a p a r a P r o c e d i me n t o s O r t o p é dic o s 431

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trocado semanalmente. Após correção da adução e qüentemente apresentam distúrbios do sistema en-
inclinação plantar do primeiro metatarsiano, realiza- dócrino que devem ser identificados e compensados.
se tenotomia do tendão calcâneo sob anestesia local, O quadro clínico normalmente é de dor no
conforme descrição original da técnica. quadril ou no joelho, acompanhada de claudica-
Nos casos em que a correção pelo tratamento ção. Ao exame físico ortopédico, nota-se limitação
clínico não obteve sucesso, o tratamento cirúrgico é da rotação externa do quadril acometido.
preconizado. As técnicas empregadas dependem da O tratamento consiste na fixação da epífise
deformidade residual, mas normalmente são realiza- femural proximal tão logo se faça o diagnóstico.
das sob anestesia geral e com isquemia do membro A operação normalmente é realizada de forma per-
a ser operado, assim como nas outras deformidades cutânea, inserindo-se um parafuso através do colo
congênitas do pé. O posicionamento do paciente do fêmur que fixa a epífise, impedindo a progres-
na mesa de operação em decúbito ventral às vezes se são do deslizamento.
faz necessário e então são utilizados posicionadores Nos casos de seqüela da epifisiolistese, pode ser
(coxins) para que não ocorra restrição à expansão necessário procedimento cirúrgico mais comple-
torácica e abdominal durante ventilação. xo, realizado por via aberta, implicando portanto
A principal e mais grave complicação durante o maior tempo cirúrgico e anestésico, bem como em
procedimento é a lesão do feixe neurovascular, que é sangramento.
manipulado na maioria das técnicas cirúrgicas.
Escoliose
Artrite Séptica Do Quadril Deformidade da coluna vertebral no plano
Doença que ocorre principalmente em recém- frontal que pode ser classificada, quanto à etiolo-
nascidos e lactentes. Deve ser diagnosticada preco- gia, em idiopática, neuromuscular ou congênita.
cemente, pois pode resultar em seqüelas graves e ir- A escoliose idiopática é a mais incidente, podendo
reversíveis decorrentes da destruição da cartilagem ser subclassificada de acordo com a idade da crian-
articular, caso o tratamento não seja instituído em ça no diagnóstico.
caráter de emergência. O tratamento necessário depende fundamental-
mente da intensidade da curva e do potencial de
O quadro clínico depende da idade da criança.
progressão desta.
Nos recém-nascidos, a doença pode manifestar-se
apenas por irritação e inapetência, não sendo ne- As curvas de ângulo superior a 40o, em crianças
cessária a presença de febre para que se estabeleça que ainda apresentem grande potencial de cresci-
o diagnóstico clínico. Nos casos em que haja sus- mento em estatura, tendem a ser tratadas cirurgica-
peita clínica, deve-se realizar a artrocentese do qua- mente. Esses pacientes podem apresentar diferentes
dril, idealmente realizada no centro cirúrgico com a níveis de intensidade de insuficiência respiratória
restritiva, decorrente da deformidade existente na
criança sob sedação. Confirmado o diagnóstico após
caixa torácica, e esse fator deve ser considerado na
a punção, realiza-se a drenagem articular e antibioti-
avaliação pré-anestésica.
coterapia endovenosa empírica, que deve ser reava-
liada após o resultado de cultura e antibiograma. O procedimento cirúrgico pode cursar com
sangramento intenso, sendo necessária transfusão
sangüínea. O posicionamento do paciente depen-
Descolamento epifisiário proximal do fêmur
de da via de acesso a ser utilizada, que pode ser
Ocorre principalmente em adolescentes e pré- anterior (ântero-lateral) ou posterior, via utilizada
adolescentes do biótipo adiposo genital (obeso com com maior freqüência, na qual o paciente é posi-
genitália subdesenvolvida). São pacientes que fre- cionado em decúbito ventral.

432 An e s t e s ia Pe diátrica

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É também importante lembrar da possibilidade Os traumas médios ou grandes devem ser repos-
de associação com anomalias cardíacas. tos com Ringer lactato ou soro fisiológico a 0,9%.
A utilização de soluções colóides tipo hidroxietila-
ANESTESIA EM ORTOPEDIA INFANTIL mido e gelatinas está ocupando espaço importante
na reposição volêmica em pediatria.
A anestesia em ortopedia infantil segue as mes-
mas linhas gerais da anestesia infantil no que diz Técnicas anestésicas
respeito a indução e manutenção. Em nosso meio,
há uma tendência à associação de bloqueios à anes- Anestesia subaracnóidea
tesia geral. As razões são bem conhecidas: maior
estabilidade na manutenção da anestesia, menor A anestesia subaracnoidéia pode ser utilizada
consumo de anestésicos e analgesia pós-operatória. em qualquer faixa etária, porém sua indicação é
menos freqüente que a epidural, pelo fato de ter
menor duração. Uma indicação precisa é em re-
Hidratação
cém-nascidos de alto risco, principalmente em ex-
Holliday e Segar, em 1957, descreveram uma prematuros, nos quais há grande risco de apnéia
fórmula para cálculo da necessidade diária basal quando se usa anestesia geral. Nesses pacientes
bastante utilizada e conhecida23. As necessidades bá- podemos utilizar tal técnica sem sedação, com as
sicas para a hidratação são calculadas pela fórmula: vantagens de uma grande estabilidade hemodi-
• 0-10 kg = 4 ml/kg/h. nâmica e respiratória, mesmo atingindo-se altos
níveis de bloqueio. Outra vantagem citada em
• 10-20 kg = 40 ml + 2 ml/kg/h para cada qui-
relação à raquianaestesia é a baixa incidência de
lo acima de 10 kg.
cefaléia pós-punção, no entanto esse fato pode ser
• 20 kg ou mais = 60 ml + 1 ml/kg/h para decorrente da não-percepção dos sinais e sintomas
cada quilo acima de 20 kg. no paciente pediátrico.
Uma desvantagem dessa técnica está relaciona-
Reposição volêmica da ao tempo relativamente pequeno do bloqueio,
Além das necessidades básicas, temos que nos pois o maior volume de liquor (4 ml/kg) e a maior
preocupar com a reposição das perdas intra-opera- captação do anestésico, em razão do maior débi-
tórias. Podemos estipular os seguintes valores: to cardíaco, abreviam muito o tempo de ação do
anestésico local. Desse modo, mesmo utilizando a
• 2 ml/kg/h trauma pequeno
bupivacaína nas doses máximas preconizadas, não
• 4 ml/kg/h trauma médio conseguimos mais que 60 minutos de anestesia.
• 6 ml/kg/h trauma grande Nos recém-nascidos de alto risco, a punção é
feita abaixo do cone medular (L3) e a agulha, de
Tipos de solução preferência, é a de Whitacre (ponta de lápis), 25
G ou 27 G. A dose de bupivacaína recomendada
Podem ser utilizados vários tipos de soluções; é
nessa faixa etária é de 0,6 a 0,8 mg/kg isobárico ou
aconselhável o uso de Ringer lactato + glicose de
hiperbárico. Com essa dose atinge-se em média o
3 a 6 mg/kg/min. Uma outra opção é a solução
nível de T425.
glicofisiológica (soro fisiológico 0,45% + soro gli-
cosado 2,5%) acrescido de 0,8 ml de KCL 19,1%
(2,0 mEq/100 ml)24. Anestesia peridural caudal
Os recém-nascidos precisam de maior aporte de A anestesia peridural caudal ou sacral é a mais
glicose (7 a 8 mg/kg/min). comumente utilizada em crianças no nosso meio.

A n es tes i a p a r a P r o c e d i me n t o s O r t o p é dic o s 433

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Sempre que possível, deve-se utilizar os anestésicos nível de bloqueio26 (Tabela 23.4). O local da punção
locais com epinefrina 1:200.000, respeitando-se as é preferencialmente L3-L4 ou L4-L5. As agulhas são
doses máximas: lidocaína com epinefrina 10 mg/kg as de Tuohy, 20 G, 22 G ou scalpes27,28. As concentra-
e bupivacaína com epinefrina 2-3 mg/kg. O local ções são as mesmas que a epidural sacra.
da punção é o hiato sacro, e a técnica de Dogliotti é
a mais segura. Utiliza-se a agulha de epidural sacra Tabela 23.4 – Cálculo do volume de anestésico29
(22 G, bisel curto com mandril)26. Idade Volume/metâmero

As concentrações das drogas freqüentemente 0 a 12 meses 0,3 ml/metâmero

usadas estão citadas na Tabela 23.2, conforme as 13 a 36 meses 0,5 ml/metâmero


faixas etárias. O cálculo dos volumes das soluções 37 a 60 meses 0,6 ml/metâmero
anestésicas está citado na Tabela 23.3.
Bloqueio do plexo braquial (via axilar)
Tabela 23.2 – Concentrações de anestésicos conforme idade
O tecido perivascular, no paciente pediátrico,
Idade Anestésico Concentração é bem mais frouxo e permite a dispersão cefálica
0 a 12 meses Lidocaína 0,5%-0,75% muito mais livre que no adulto, fato que garante
Bupivacaína 0,125%-0,20%
resultados extensos por essa via24.
13 a 36 meses Lidocaína 1%
Bupivacaína 0,25% O local da punção é o cavo axilar. Devemos uti-
37 a 60 meses Lidocaína 1,25% lizar agulhas adequadas que possuam bisel curto e
Bupivacaína 0,375% pouco cortante. O uso de estimulador de nervos
diminui os riscos de lesão nervosa. Não são necessá-
rias altas concentrações para se obter um bloqueio
Tabela 23.3A – Cálculo do volume de anestésicos26 efetivo, devendo-se utilizar a regra da dose máxima
Autor Volume Altura do bloqueio do anestésico local. O volume do anestésico local
Armitage 0,5 ml/kg Sacrolombar T11 ± 1,5
pode ser calculado de duas maneiras: segundo Win-
(modificado) 0,75 ml/kg Lombotorácica T10± 1,7 nie ou Oliva29. Winnie preconiza a utilização de 0,6
1,0 ml/kg Mediotorácica T8 ± 1,6 a 0,7 ml/kg de solução anestésica, enquanto Oliva29
Takasaki 0,06 ml/seg/kg T10 utiliza a altura como referência (Tabela 23.5). No
+ 0,7 ml/kg
entanto, a altura das crianças nem sempre é um
Obs.: Valores válidos até 25 kg.
dado disponível, porém o peso é facilmente obtido.
Tabela 23.3B – Cálculo do volume de anestésico27
Tabela 23.5 – Cálculo do volume de anestésico29
Idade Volume/metâmero
Idade Volume (percentual da altura em centímetros)
5 a 12 meses 0,6 ml/metâmero
≤ 4 anos 10%
13 a 36 meses 0,8 ml/metâmero
4-8 anos 12%
37 a 60 meses 1,0 ml/metâmero
8-10 anos 15%
Tabela 23.3C – Cálculo do volume de anestésico6 10-12 anos 20%
Volume para alcançar T12- L1 = idade + 5 ml de solução ≥ 12 anos 25%
Acrescenta-se 10% da dose obtida para cada metâmero acima de T12.
Analgesia básica
Anestesia peridural lombar
Na Tabela 23.6 apresentamos um esquema bá-
Na anestesia peridural lombar, utilizamos volumes sico de analgesia com drogas antiinflamatórias não
menores que na epidural sacra para atingir o mesmo hormonais e analgésicos comuns e de fácil acesso30.

An e s t e s ia Pe diátrica
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Tabela 23.6 – Esquema básico de analgesia com analgésicos e AINE
Droga Dose (mg/kg) Via Doses/dia Dose máxima/dia
(mg/kg)
Acetominofeno 10-15 Oral 4-6 60
20-25 Retal 4-6
Cetoprofeno 1-2,5 Iv 2 5
Diclofenaco 1-3 Retal 3 3
Dipirona 20-25 Oral, iv, retal 4 20-25/dose
Ibuprofeno 5-10 Oral 3-4 40
Tenoxican 0,4-0,75 Iv 1-2 0,4-0,75/dose
Cetarolaco 0,5-1,0 Iv 4 0,5-1,0/dose

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436 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 24
A ne s te sia p a r a C i r u r g i a
U r o l óg i c a
Silvia Corrêa Soares

INTRODUÇÃO a urologia pediátrica é uma subespecialidade com


extenso campo de atuação.
A urologia pediátrica vem ocupando lugar de
destaque na urologia geral. Para melhor manipu-
lação dos recém-nascidos e crianças com patolo- PATOLOGIAS UROLÓGICAS EM
gias urológicas, é necessário algum conhecimento PEDIATRIA
da etiologia e desenvolvimento destas, pois existe Anomalias do trato urinário superior
um grande número de patologias relacionadas com
anomalias congênitas. • Renais: anomalias de número, posição, forma
Muitas dessas anomalias são externas e reconhe- e fusão, rotação, vascularização, doença cística e
cidas logo ao nascimento, outras são internas, diag- doen­ça disgenética.
nosticadas pelo aparecimento de sinais e sintomas • Sistema coletor: estenose de junção pielourete-
urológicos, ou pela associação com características ral, ectopia ureteral, duplicidade, ureterocele,
de algumas síndromes. Recentemente, algumas refluxo vesicoureteral.
anomalias congênitas estão sendo diagnosticadas
no feto por ultra-sonografia materno-fetal. Anomalias do trato urinário inferior
Nas últimas duas décadas, desenvolvimentos e
avanços em neonatologia, genética e anestesia pe- • Válvula de uretra posterior.
diátrica têm oferecido uma grande contribuição • Disfunção miccional neurogênica e não neuro-
para os cuidados dos recém-nascidos e crianças gênica.
com anomalias congênitas urológicas. Atualmente • Megalouretra.

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• Duplicidade uretral. rações fisiopatológicas relevantes para o anestesio-
• Válvula de uretra anterior. logista, exceto em casos extremos, em que existem
infecções associadas, sempre muito graves, ou insu-
• Atresia uretral.
ficiência renal por obstrução das vias excretoras.
As patologias relacionadas ao trato urinário in-
Anomalias genitais e geniturinárias
ferior, a exemplo do que foi realçado para o grupo
• Criptorquidia. anterior, a infecção e a insuficiência renal podem
• Hipospádia. estar presentes. Vale lembrar que algumas dessas
patologias requerem muitos tempos cirúrgicos para
• Epispádia.
sua completa correção, o que implica uso de catete-
• Extrofia vesical. res uretrais, ou outros tipos de sondas, como para
• Extrofia de cloaca. cistostomias, por tempo prolongado. Sabe-se que
• Intersexo. a exposição repetida e prolongada a esses cateteres,
• Micropênis. fabricados na maioria das vezes de borracha, pro-
move uma sensibilização do organismo, que, por
• Varicocele.
meio do sistema imunológico, pode desenvolver
• Síndrome de Prune-Belly. alergia ao látex (componente da borracha).
A fisiopatologia e o desenvolvimento das obs-
Neoplasias truções renais agudas e crônicas variam de acordo
• Renais. com o tipo de lesão, o grau e a duração da obstru-
ção, e a ausência ou presença de infecções29. Em
• Vesicais.
razão das lesões renais e complicações associadas,
• Prostáticas. muitas anomalias do sistema coletor e trato uriná-
• Testiculares. rio inferior são importantes para o anestesiologista
• Adrenais. e o urologista.
Anomalias renovasculares incluem obstrução
Considerações fisiopatológicas relevantes das e estreitamento da artéria renal por displasia, ou
doenças urológicas para o anestesiologista aneurisma renal, e podem desencadear uma hiper-
tensão importante.
O conhecimento das particularidades, suas impli-
As alterações renais como anomalias de núme-
cações clínicas e da faixa etária em que se diagnosti-
ro, posição, forma e fusão, rotação e vascularização
cam as patologias urológicas constitui a base para o
podem estar associadas à obstrução ureteral.
planejamento do procedimento anestésico adequado.
A hidonefrose, a estenose e a duplicidade urete-
Neste capítulo, daremos atenção apenas aos
ral podem estar associadas a anomalias do sistema
procedimentos realizados em pacientes pediátricos
nervosas central, cardiovascular e gastrointestinal.
e neonatos, procurando valorizar as particularida-
O ureter também pode ser o local da obstrução
des do impacto da doença urológica e as caracte-
urinária; a estenose de JUP, ou estenose de junção
rísticas clínicas e anatômicas desses pacientes.
pielo-ureteral, é a mais comum em crianças.
Anomalias do trato urinário superior e inferior Ela pode ser diagnosticada intra-útero, e 20%
das lesões o são no primeiro ano de vida. O quadro
As patologias relacionadas ao trato urinário su- clínico é representado por massa abdominal palpá-
perior, de maneira geral, não são associadas a alte- vel, dor, hematúria ou infecção do trato urinário.

438 An e s t e s ia Pe diátrica

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Estenose ureteral, válvulas, pólipos e fibrose retro- dimentos especiais necessitam de acesso cirúrgico
peritoneal idiopática também podem ser causa de transperitoneal.
obstrução ureteral. Angulações extremas na posição de lombotomia
O segundo local mais comum de obstrução podem acarretar alterações significativas na dinâmi-
ureteral é na junção ureterovesical, cuja principal ca pulmonar e cardiovascular, por meio da diminui-
complicação é o megaureter, e o tratamento cirúr- ção do retorno venoso, e conseqüente hipotensão.
gico é o reimplante ureteral. A necessidade de relaxamento muscular adequado
Ectopia ureteral, ureterocele, duplicidade ure- requer o uso de relaxantes musculares e, se possível,
teral e divertículos de bexiga são outras anomalias evitar o uso de óxido nitroso na tentativa de prote-
do sistema coletor urinário que podem causar obs- ger as alças de distensão. Lembrar sempre que as ci-
trução ureteral4. A duplicidade ureteral ocorre em rurgias de grande porte promovem perda acentuada
1 a cada 160 indivíduos, que são geralmente as- de fluidos e calor em crianças pequenas.
sintomáticos, e o diagnóstico é feito por infecções
repetidas. Anomalias genitais e geniturinárias
O refluxo ocorre como resultado de anomalias A anomalia mais importante do trato urinário é
primárias ou secundárias e suas conseqüências de- a válvula de uretra posterior, cujo grau de obstru-
pendem da causa, severidade, idade, grau de com- ção é variável e geralmente pequeno, com incidên-
prometimento, presença de infecção e outras cau- cia maior no sexo masculino. A obstrução severa
sas provavelmente desconhecidas. pode levar a complicações complexas, e, em neo-
O reimplante ureteral é o procedimento cirúr- natos, pode apresentar-se como massa palpável no
gico para tratamento do refluxo primário, e as con- flanco e na bexiga.
siderações anestésicas para a cirurgia de obstrução A incidência de extrofia de bexiga (Fig. 24.1) é
ureteral e o refluxo são focadas principalmente no de 1 em cada 10.000 a 50.000 nascimentos e duas
grau e tipo de alteração renal. vezes maior no sexo masculino. A correção desta
A hipertensão pode estar presente em 25% das requer atenção especial, pois são necessários vários
crianças com refluxo, e o comprometimento renal tempos cirúrgicos, o que implica a possibilidade do
independe do grau de uremia. Drogas anti-hiperten- aparecimento da alergia ao látex.
sivas podem ser necessárias durante o ato cirúrgico, e As complicações associadas à extrofia de bexi-
a evolução pré-operatória deve determinar se a obs- ga incluem incontinência urinária, metaplasia de
trução crônica interfere ou não no débito urinário, mucosa da bexiga e predisposição, muitos anos
sendo a fluidoterapia baseada no grau de uremia. mais tarde, à malignização, mais comumente o
A hidratação pode ser complicada pela inabilidade adenocarcinoma16. Após a reconstrução podem
em coletar e medir o débito urinário, em razão do flu- ocorrer complicações com o trato urinário supe-
xo urinário no campo cirúrgico. O cirurgião experien- rior, como obstrução, formação de cálculos, infec-
te pode orientar o anestesiologista adequadamente. ções e refluxo, que podem causar danos irrepará-
Em crianças com insuficiência renal significa- veis ao rim3,16.
tiva, a introdução de cateter central é uma boa in- A técnica anestésica utilizada é geralmente
dicação. O acesso cirúrgico varia de acordo com o anestesia combinada, inalatória ou endovenosa mais
procedimento e a idade do paciente. O decúbito bloqueio regional, dependendo da idade da criança.
lateral e o acesso retroperitoneal são preferidos em Muitas vezes não é possível a anestesia regional,
crianças, por evitarem a manipulação das alças in- pois muitos desses pacientes possuem também pa-
testinais. Crianças muito pequenas e alguns proce- tologias neurológicas associadas. No impedimento

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da utilização de bloqueios, devem-se programar
meios alternativos para garantir uma boa qualidade
de analgesia pós-operatória.
O tempo cirúrgico é sempre longo e a perda
sangüínea é muito grande, sendo necessária a repo-
sição sangüínea de rotina.

Anomalias de uretra e genitais


A mais comum dessas anomalias é a hipospádia,
e sua incidência é de 1 caso para cada 145 pacientes
do sexo masculino. Geralmente existem hérnias, hi-
droceles ou criptorquidias associadas (Fig. 24.2).
A conduta anestésica para esse procedimento Fig. 24.2 – Hipospádia penoescrotal; curvatura peniana importante,
é, sempre que possível, anestesia combinada, peri- prepúcio redundante, glande fundida. Fonte: Amílcar M. Giron, Uro-
logia Pediátrica.
dural ou epidural sacra associada à anestesia geral.
O bloqueio peniano é pouco usado porque muitas
vezes pode alterar a estrutura do pênis e compro- Malformações cardiovasculares (MCV) são fre-
meter o ato cirúrgico. qüentemente associadas a anomalias do trato uri-
Muitos neonatos apresentam anomalias do tra- nário e podem facilmente não ser detectadas no
to urinário, e mais de 30% das cirurgias urológicas período neonatal. O rim em ferradura freqüente-
pediátricas são realizadas para corrigir essas lesões25. mente está associado a MCV, e as mais comuns são
Alguns desses pacientes apresentam alguma outra no septo ventricular e endocárdio10.
anomalia associada. A agenesia renal bilateral está associada com
Quando as anomalias estão presentes no siste- 75% de incidência de MCV, enquanto a unilateral
ma musculoesquelético, nos olhos ou face, são evi- está associada a 17%, e a alteração no septo ven-
dentes, mas freqüentemente quando se apresentam tricular é a mais freqüente. Pacientes com ectopia
nos sistemas gastrointestinais, pulmonar ou cardía- ou doença renal cística apresentam MCV na pro-
co, podem passar desapercebidos na avaliação pré- porção de 1 para cada 7 casos, no entanto a displa-
operatória. Uma alteração cardiovascular ou pul- sia renal é de 1 para cada 20 casos. Felizmente, as
monar inexplicada durante a anestesia pode sugerir malformações urinárias congênitas que requerem
a existência de outras anomalias. intervenções cirúrgicas, como hipospádia, criptor-

A B C D

Fig. 24.1 – A = Extrofia vesical em RN do sexo masculino; cranialmente, presença de cordão umbilical e haste peniana bem desenvolvida.
Testículos tópicos na bolsa escrotal. B = Extrofia vesical em RN sexo feminino; clítoris fendido. C = Placa vesical elástica e pulsátil. Ectopia
e bifidez de bolsa testicular. D = Extrofia vesical clássica. Fonte: Amílcar M. Giron, Tese de livre-docência, FMUSP.

440 An e s t e s ia Pe diátrica

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quidias, duplicidade urinária, obstruções na junção
ureteropélvica e ureterovesical, extrofia vesical, vál-
vula de uretra, anomalias genitais e tumor de Wil-
ms, são muito raramente associadas com MCV.
Enquanto as causas da associação do MCV
com anomalias do trato urinário não estão bem
definidas, a etiologia da relação entre anomalias
do trato urinário relacionando oligoidramnio e
mal funcionamento pulmonar está bem estabele-
cida. A produção urinária fetal contribui significa-
tivamente para a produção de líquido amniótico,
o qual é essencial para o desenvolvimento pulmo-
nar fetal13. Fig. 24.3 – Sindrome de Prune-Belly; (E) aspecto pré-operatório com
a flacidez e pregas cutâneas características (D) aspecto pós-opera-
Os oligoidramnios podem também levar à com- tório de abdominoplastia, orquipexia e reconstrução do trato urinário.
pressão fetal, provocando alterações nos membros Fonte: Dénes F.T. Ureteroplastia cistoplastia reduticas em associação
e face, com características da síndrome de Potter. com abdominoplastia e orquipexia no tratamento da síndrome trípli-
ce (Prune Belly) em crianças. Tese de livre-docência, FMUSP.
Alterações severas podem ser desencadeadas pela
síndrome, caracterizada por agenesia ou displasia
renal cística importante, elasticidade pulmonar di- As considerações anestésicas para as crianças
minuída, fáscies característica, anomalias musculo- com síndrome de Prune-Belly estão baseadas no
esqueléticas, e malformações gastrointestinais26. A comprometimento da função renal e pulmonar7.
agenesia renal pode ser primária ou, se a obstrução A hipoplasia pulmonar pode ser complicada
urinária intra-útero for bilateral e severa, pode de- por atelectasia, infecções respiratórias recorrentes,
sencadear a displasia renal cística bilateral2. esforço respiratório diminuído e tosse, como resul-
Se a obstrução for distal (síndrome de Eagle Bar- tado da deficiência muscular abdominal. Recomen-
rett), pode desencadear a síndrome de Prune Belly da-se o tratamento pré-operatório com antibióticos
ou outras variações que têm sido chamadas de mal- e fisioterapia a fim de otimizar a função pulmonar.
formações obstrutivas uretrais complexas. Somada O uso de medicação pré-anestésica é discutível,
à hipoplasia pulmonar e às deformidades devido pelo perigo da depressão respiratória11.
a oligohidrâmnios, a distensão severa da bexiga A técnica anestésica para correção cirúrgica des-
interfere mecanicamente no desenvolvimento dos sa patologia é a anestesia combinada. A indução
tecidos vizinhos, resultando nas outras caracterís- com seqüência rápida, manobra de Sellick, para
ticas da síndrome de Prune-Belly, que são displasia prevenir a regurgitação e ter adequado controle
renal, deficiência muscular abdominal, excesso de da ventilação é recomendada. Alguns autores têm
pele abdominal, criptorquidia, má rotação do có- utilizado a intubação com anestesia tópica e o pa-
lon e deficiência nos membros inferiores. ciente desperto.
A correção dessa patologia pode levar ao des- A ventilação controlada intra-operatória com mo-
conforto e até mesmo à insuficiência respiratória. nitorização das pressões de vias aéreas, volume corren-
A Fig. 24.3 mostra uma criança com síndrome te, medida do CO2 final expirado, saturação da he-
de Prune-Belly antes e depois da correção cirúrgica. moglobina e gasometria são úteis para a manutenção
Esta síndrome ocorre em 1 para cada 40.000 segura do suporte ventilatório. Os relaxantes muscu-
nascimentos, sendo 20 vezes mais freqüente no lares são usados raramente e a reposição volêmica deve
sexo masculino que no feminino. ser bem cuidadosa. A extubação deve ser postergada

A n es tes i a p a r a Ci r u r g i a U r o l ó g i c a 441

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até que se constate uma ventilação adequada, e a fisio- As manifestações sistêmicas dos tumores retro-
terapia no pós-operatório é recomendada7. peritoneais, assim como suas terapias, podem pro-
duzir alterações renais. Os tumores renais podem
Neoplasias alterar a função renal em virtude de sua localização
e tamanho.
As patologias desse grupo que mais importam
O neuroblastoma é um tumor comum em
aos anestesiologistas são os tumores muito vascula-
crianças (1:30.000), usualmente diagnosticado
rizados, e os produtores de hormônios, como adre-
nalina, noradrenalina e dopamina. antes dos 4 anos de idade e mais comum no sexo
feminino17. Aproximadamente 75% dos pacientes
Dos tumores secretantes de hormônio, o que
têm secreção de catecolaminas detectada na urina,
mais preocupa o anestesiologista é o feocromocito-
e a hipertensão arterial pode estar presente. O neu-
ma. Embora seja pouco freqüente em crianças, as
roblastoma pode aparecer associado a neurofibro-
repercussões clínicas deste o tornam um dos maiores
matose (doença de von Recklinghausen).
desafios para o anestesiologista. Essa situação requer
a presença de profissionais absolutamente experien- O neurofibroma pode causar estenose da ar-
tes, somada a uma infra-estrutura que permita ex- téria renal e hipertensão arterial, que pode estar
celente monitorização, suporte laboratorial e parti- associada com feocromocitoma e trazer alterações
cipação de especialistas de outras áreas que se faça importantes para o anestesiologista.
necessária, como cardiologista e endocrinologista. Nefroblastoma (tumor de Wilms) é o tumor
A monitorização obrigatória consta de oxímetro abdominal mais comum em crianças (1:100.000).
de pulso, cardioscópio, capnógrafo, pressão arte- É diagnosticado usualmente entre 6 meses e 5 anos
rial invasiva, pressão venosa central, temperatura e de idade, podendo ser bilateral em 8%-12% dos
UTI no pós-operatório imediato. casos30.O tumor de Wilms pode estar associado
A técnica anestésica utilizada para retirada de ao rim em ferradura, duplicação do trato urinário,
feocromocitoma é uma anestesia combinada: epi- rim único, hipospádias ou pseudo-hermafroditis-
dural sacra ou peridural associada à anestesia geral. mo masculino, formando a síndrome descrita por
A MPA é importante porque diminui a liberação Barakat et al.1.
de catecolaminas na indução anestésica e é realizada O tumor pode envolver as veias renais ou a veia
com midazolam 0,5 mg/kg, 45 minutos antes da ci- cava inferior, causando compressão e hipertensão
rurgia. O bloqueio anestésico é realizado para pro- arterial, através da produção de renina. O abdô-
mover bloqueio simpático e diminuir a liberação de men aumentado e a expansão da massa tumoral
catecolaminas durante a manipulação da glândula. intra-abdominal usualmente provocam vômitos,
A anestesia geral pode ser inalatória ou endovenosa, dor abdominal, hematúria e proteinúria. Metás-
com uso obrigatório de relaxantes musculares. tases para os gânglios para-aórticos, fígado e pul-
Drogas vasoativas, como nitroprussiato de sódio mões podem estar presentes19. Febre alta ocorre em
e dopamina, devem estar preparadas na sala. Lidocaí- 30% dos pacientes e pode estar acompanhada de
na é usada no tratamento de arritmias e os beta-blo- hemorragia, promovendo anemia, o que não con-
queadores estão indicados somente se a freqüência tra-indica a realização da cirurgia. A anemia deve
cardíaca for acima de 140. A hidratação adequada é ser tratada no pré-operatório ou durante a cirurgia,
influenciada pelo preparo pré-operatório com alfa- com volume e concentrado de hemáceas.
bloqueadores, e devemos lembrar sempre que esses O prognóstico do tumor de Wilms está asso-
pacientes são vasoconstritos e, na maioria das vezes, ciado à idade e ao estágio da doença. Quase 90%
é necessário grande volume para equilibrá-los. dos tumores tratados em crianças abaixo de 2 anos,

442 An e s t e s ia Pe diátrica

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com tumor encapsulado e sem evidência de metás- cavidade abdominal pode causar uma significativa
tases, não têm recorrência depois de 4 anos. perda hídrica para o 3o espaço, sendo necessária a
A massa abdominal de grande volume predis- correção para se preservar uma função renal nor-
põe essas crianças a maior risco de regurgitação mal no rim contralateral. O tumor de Wilms pode
durante a indução anestésica, da mesma maneira comprometer os dois rins, sendo, nesse caso, o
que pode comprometer a ventilação pulmonar, equilíbrio hidroeletrolítico ainda mais importante.
além do comprometimento em razão das metás- Uma outra preocupação é a perda de calor des-
tases pulmonares. A perda sangüínea é na maioria sas crianças, uma vez que a duração da cirurgia é
das vezes maciça, e a manipulação do tumor, que se longa, e a exposição da cavidade abdominal é am-
extende até a veia renal e cava inferior, pode neces- pla. A conduta correta é usar manta térmica e infu-
sitar de clampeamento, e nesse momento o risco de são de líquidos sempre pré-aquecidos.
embolia pulmonar é patente (Fig. 24.4). Essas crianças geralmente são submetidas a re-
A monitorização e a técnica anestésica são as petidas seções de quimio e radioterapia. As con-
mesmas citadas anteriormente para o feocromoci- siderações anestésicas estão descritas ao final do
toma. Por se tratar de tumor intensamente vascula- capítulo.
rizado, prevê-se sangramento importante durante
os atos cirúrgicos, sendo necessário controle rígido
ENDOUROLOGIA PEDIÁTRICA
das perdas e reposição imediata21-30.
É necessário obter-se um acesso venoso de Com o advento da endourologia pediátrica, o
grande calibre no seguimento superior do corpo25. número de procedimentos não invasivos em crian-
O acesso central é indicado não só para segurança, ças vem aumentando rapidamente, oferecendo as
mas como via de infusão de sangue e líquidos. Se vantagens da técnica. As intervenções mais comuns
for necessária uma via para quimioterapia poste- são as ureteroscopias, nefrolitotomias percutâneas,
rior, é interessante que seja instalada logo após a endopielotomias, manuseio percutâneo da pélvis
remoção do tumor. As alterações metabólicas de- renal e divertículos.
vem ser corrigidas prontamente, e a exposição da A técnica anestésica utilizada para realização dos
procedimentos é a anestesia geral ou sedação em
crianças maiores. A medicação pré-anestésica é rea-
lizada com a administração de midazolam VO 0,5
mg/kg 45 minutos antes da cirurgia.
Se a opção for anestesia geral, que pode ser ina-
latória ou endovenosa mas é mandatória, o suporte
ventilatório é realizado com mascara laríngea ou in-
tubação orotraqueal, dependendo da duração do pro-
cedimento e da posição cirúrgica. Se a cirurgia for de
longa duração ou se a posição cirúrgica for em decú-
bito ventral, é prudente o uso de relaxante muscular.

LAPAROSCOPIA EM UROLOGIA
PEDIÁTRICA
Fig 24.4 – Paciente do sexo feminino, 1 ano e 2 meses de idade,
com tumor de Wilms de rim direito; artéria e veia renal isoladas. A laparoscopia diagnóstica vem sendo usada em
Fonte: Amílcar M. Giron, Urologia Pediátrica. urologia por mais de 25 anos, inicialmente somente

A n es tes i a p a r a Ci r u r g i a U r o l ó g i c a 443

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em suspeita de intersexo e hérnias. Atualmente é picos, e essa suscetibilidade pode estar aumentada
usada amplamente para diagnóstico e correção ci- em crianças de faixa etária mais baixa. Alterações
rúrgica de diversas patologias. As cirurgias laparos- nas características da ventilação são induzidas du-
cópicas em urologia são realizadas por meio de duas rante a laparoscopia, reduzindo a complacência e
vias de acesso diferentes, retro e intra-abdominais. aumentando a resistência das vias aéreas5.
As indicações mais comuns da laparoscopia É importante reconhecer essas características e
são orquidopexias, cirurgias renais, pieloplastias, ajustar as pressões intra-abdominais de acordo com
nefrectomias, nefroureterectomias, nefrectomias elas. Sabe-se que níveis mais baixos de pressão que
parciais, cirurgias de bexiga, plástica anti-refluxo, aqueles utilizados em adultos são necessários para
cistos de vesícula seminal e vaginoplastias. produzir distensão abdominal em crianças, por sua
complacência abdominal aumentada.
Considerações importantes em A função cardiovascular é alterada pelo pneumo-
laparoscopia pediátrica na urologia
peritônio, o que resulta em diminuição do retorno
Em geral a laparoscopia é bem tolerada por crian- venoso, do débito cardíaco e aumento da resistência
ças, mas atenção especial deve ser dada a alterações periférica. A função sistólica não é alterada signi-
típicas da laparoscopia como as determinadas por ficativamente. Os efeitos clínicos na criança com
aumento da pressão intra-abdominal, posição, hi- função cardíaca normal são insignificantes, mas po-
dratação e diminuição na temperatura. Certamente dem representar grandes alterações na criança car-
a temperatura é muito importante na criança por- diopata9. É importante lembrar que a hipovolemia
que o CO2 usado na distensão do pneumoperitôneo acentua todas as alterações causadas pelo pneumo-
é frio e a massa corpórea da criança é pequena. peritônio, tanto em adultos como em crianças14.
Atenção especial deve ser dada também aos efei- A hipercarbia, causada pela absorção de CO2 e di-
tos fisiológicos decorrentes da presença do pneumo minuição do clearance ventilatório, são bem conhe-
ou retropneumoperitôneo na cirurgia laparoscópi- cidos em laparoscopia e bem tolerados em crianças
ca. A pressão intra-abdominal é aumentada signi- saudáveis. O efeito principal da hipercarbia se faz
ficativamente e o CO2 como agente insuflador é no miocárdio, causando alterações do inotropismo,
absorvido rapidamente através do peritôneo, com cronotropismo e arritmias15. Neonatos têm maior
conseqüente aumento de PaCO2. Na criança, a propensão a dessaturação e hipercarbia devido à ca-
principal diferença do ponto de vista anestésico, pacidade residual funcional diminuída e ao consumo
quando comparada aos adultos, é a diminuição da de oxigênio aumentado. Estudos experimentais não
capacidade residual funcional e a conseqüente faci- mostram ser esse um risco de grande importância23.
lidade para aparecimento de hipoxemia. Em urologia, a hipercarbia é um dado impor-
Sua habilidade de adaptação à queda da satu- tante, uma vez que pode aumentar os efeitos car-
ração de oxigênio é menor que no adulto, redu- dio-circulatórios resultantes da liberação de cateco-
zindo a margem de segurança quando algum pro- laminas, próprio de alguns tumores de supra-renal.
cedimento reduz o volume pulmonar. A pressão Do ponto de vista clínico, os efeitos são quase in-
intra-abdominal reduz significativamente a capaci- significantes em crianças saudáveis, mas, naquelas
dade residual funcional28, que também aumenta a predispostas a efeitos adversos em potencial, os ní-
pressão de vias aéreas, o que pode alterar a relação veis de CO2 devem ser ajustados adequadamente.
ventilação-perfusão. Normalmente devemos adequar a ventilação
Na criança isso provoca diminuição da satura- procurando normalizar os níveis sangüíneos de
ção de oxigênio durante procedimentos laparoscó- CO2. A embolia gasosa pode ocorrer quando um

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grande volume de CO2 entra no sistema venoso Principais sistemas envolvidos
como resultado de uma lesão vascular.
Sistema respiratório
Muitos estudos têm procurado avaliar o uso de
laparoscopia e seu impacto em pediatria. A maior causa de mortalidade em neonatologia
A intubação orotraqueal é mandatória em pedia- em razão do ato anestésico é o mau gerenciamento
tria. Um breve estudo em crianças submetidas à lapa- das vias aéreas. A anatomia das vias aéreas supe-
roscopia diagnóstica mostrou que, nos 55 pacientes riores difere significativamente das outras crianças
estudados, nos quais a intubação orotraqueal foi usada, e adultos (existe também uma tendência maior à
nenhum deles apresentou complicação anestésica27. regurgitação) e há probabilidade de anomalias des-
As considerações anestésicas estão no fim do ca- conhecidas associadas.
pítulo. Por esse motivo a intubação orotraqueal está
indicada para a maioria dos procedimentos que
PROCEDIMENTOS UROLÓGICOS EM requerem anestesia geral. Considerações mais espe-
NEONATOS cíficas serão mais detalhadas no capítulo específico
de neonatos.
Com o advento da ultra-sonografia fetal, as ano-
malias do trato geniturinário têm sido diagnosti- Sistema cardiovascular
cadas e tratadas precocemente. A hidronefrose por
obstrução dos ureteres por qualquer etiologia é o Uma atenção especial deve ser dada ao forâmen
diagnóstico intra-útero mais comum, e a cirurgia oval, que se fecha funcionalmente em resposta às
é indicada logo após o nascimento, geralmente al- alterações hemodinâmicas que ocorrem logo após
gumas horas depois. Esses pacientes, muitas ou na o nascimento. O ducto arterioso é patente ao nas-
maioria das vezes, apresentam baixo peso. cimento e se fecha normalmente dentro de 10 a 15
O procedimento anestésico é seguro desde que o horas após o nascimento. Uma pressão elevada na
anestesiologista e a equipe cirúrgica estejam prepa- câmara direita, em virtude da resistência vascular
rados, e o paciente esteja em boas condições clíni- pulmonar aumentada, acarretará fluxo sangüíneo
cas12. Para o sucesso do procedimento em neonatos, do lado direito para o esquerdo através do forâmen
o perfeito entrosamento da equipe é fundamen- oval e da artéria pulmonar para artéria aorta atra-
tal. Cirurgiões, anestesiologistas, neonatologistas e vés do ducto arterioso, mantendo assim o shunt
muitas vezes outros especialistas são necessários. direito-esquerdo da circulação fetal, levando con-
Com os avanços dos conhecimentos da fisiologia seqüentemente a estado hipóxico.
dos neonatos, somados à moderna tecnologia usada O débito cardíaco do neonato é dependente da
pelos anestesiologistas em pediatria, esse tipo de ci- freqüência cardíaca e do volume sangüíneo. Dessa
rurgia hoje é muito seguro. Os pacientes urológicos maneira, é essencial a reposição do volume sangüí-
com muita freqüência apresentam outras patologias neo e do volume hídrico perdidos para manutenção
associadas ao nascer. Não se deve esquecer que, na da hidratação adequada. Um estudo22 mostrou que
transição de feto para neonato, há considerações 75% dos neonatos desenvolvem hipotensão intra-
circulatórias e hematológicas importantes. operatória.
Outra preocupação é a fibroplasia retrotental e a Outras considerações, como alterações metabó-
apnéia pós-operatória em algumas circunstâncias5. licas (principalmente hipoglicemia), hipocalcemia,
Há casos documentados de RLF (fibroplasia retro- equilíbrio ácido-base, termorregulação, função renal
tental) em neonatos, os quais receberam somente e a farmacologia das drogas usadas em neonatos, se-
oxigênio suplementar durante a anestesia6. rão abordadas no capítulo específico de neonatos.

A n es tes i a p a r a Ci r u r g i a U r o l ó g i c a 445

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Em resumo, há muitos avanços no entendimen- exames laboratoriais, determinam uma adequada
to dos pré-requisitos para o bom andamento da avaliação pré-anestésica.
anestesia e da cirurgia em neonatos. O sucesso do Os dados mais importantes da historia clínica
procedimento, sem dúvida, será relacionado com são:
a idade gestacional do neonato e com a experiên-
cia de todos os envolvidos no procedimento, além • antecedentes clínicos;
das facilidades disponíveis na instituição. Quando • doença infecciosa recente;
todos esses fatores estiverem presentes certamente • antecedentes anestésico-cirúrgicos;
um bom resultado pode ser esperado. • antecedentes familiares;
• história de hepatite;
Anestesia
• sangramento;
A técnica anestésica e os cuidados com o pa- • alergia;
ciente pediátrico em urologia são semelhantes aos
• medicamentos em uso.
dos outros procedimentos pediátricos. Os princi-
pais objetivos da anestesia são:
• avaliação e preparo adequados; Preparo psicológico
• estabilidade e segurança intra-operatória; Certos fatores podem influenciar o comporta-
• alterações mínimas nas funções fisiológicas; mento da criança no hospital:
• pós-operatório tranqüilo e indolor. • separação da casa e da família;
• ambiente e pessoal hospitalar desconhecido;
Considerações especiais em urologia • necessidade de se submeter a procedimentos
pediátrica
dolorosos e desconhecidos;
• Anomalias do trato geniturinário são geralmen- • contacto com outras crianças;
te associadas a outras anomalias congênitas.
• A alta incidência de procedimentos cirúrgicos Medicação pré-anestésica
repetidos requer administração de anestesias re-
petidas. A medicação pré-anestésica usada na clínica uro-
• Alteração farmacológica das drogas em pacien- lógica é o midazolam, 0,5 mg/kg via oral, 45 minu-
tes com função renal anormal. tos antes da cirurgia até o máximo de 15 mg. Em
• A maioria dos procedimentos cirúrgicos é reali- pacientes de peso acima de 30 kg, a dose usada é de
zada na rotina; raramente são urgentes. 15 mg.
• Posição cirúrgica não usual, o que pode piorar
as condições respiratórias e circulatórias. Cuidados especiais em urologia pediátrica
• A proximidade do rim com o diafragma leva a Posição do paciente
um risco aumentado de pneumotórax.
• Maior incidência de alergia ao látex, em pacien- O paciente submetido à cirurgia urológica é
tes submetidos a várias cirurgias. freqüentemente posicionado de maneira não usu-
al. Como resultado, podemos esperar algumas al-
Preparo pré-operatório
terações respiratórias, que podem ser adequadas
com ventilação controlada, e alterações circulató-
Como em todo procedimento cirúrgico, a his- rias diretamente dependentes do fluxo da veia cava
tória clínica e o exame físico, acompanhado dos inferior. Nas cistoscopias, por exemplo, a grande

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preocupação são as lesões nervosas em virtude do quer tipo de cirurgia e obedece sempre o mesmo
posicionamento dos membros inferiores. princípio. Para cirurgias de pequeno porte, somen-
Enquanto nos preocuparmos com esses deta- te cardioscópio, oxímetro de pulso, analisador de
lhes, podemos ter certeza de que nosso paciente gases, capnógrafo, pressão arterial não invasiva e
estará seguro. temperatura. Para procedimentos de grande porte,
os anteriores mais débito urinário, pressão venosa
central e pressão arterial invasiva.
Pneumotórax
A íntima relação entre o diafragma e a loja renal Técnica anestésica
pode resultar em abertura ocasional da pleura. Isso
A técnica anestésica para procedimentos uroló-
pode ocorrer com maior probabilidade quando se
gicos é baseada nos seguintes cuidados:
têm grandes massas tumorais. É bom lembrar que,
na presença de ventilação controlada com pres- • monitorização básica de acordo com a gravida-
de do caso;
são positiva, aumenta a probabilidade de ocorrer
pneumotórax. Ao final da cirurgia é sempre neces- • manutenção de via aérea permeável;
sário auscultar o paciente para prevenção de com- • ventilação e oxigenação adequadas;
plicações posteriores. • relaxamento muscular;
• interferência mínima na função circulatória e
Função renal renal;
A combinação de anestesia e cirurgia usualmen- • manutenção da temperatura corporal;
te reduz a função renal. Os fatores que contribuem • reposição volêmica adequada.
para isso são diminuição do fluxo sangüíneo re- A técnica anestésica para procedimentos uroló-
nal devido à depressão do miocárdio com queda gicos em pediatria é sempre que possível anestesia
do débito cardíaco, atividade simpática aumenta- combinada: geral endovenosa ou inalatória, asso-
da, hipotensão, vasoconstrição renal e liberação ciada à anestesia regional em 90% dos casos.
aumentada de hormônio antidiurético. As drogas A indução anestésica é na maioria das vezes
anestésicas e a manipulação cirúrgica também são inalatória e, quando necessário, complementada
responsáveis por essas alterações. com endovenosa. Após a intubação endotraqueal,
a criança é colocada em decúbito lateral e o blo-
Termorregulação queio anestésico é efetuado. A venóclise é realizada
freqüentemente após a indução anestésica, dispo-
O controle da temperatura é de fundamental
nibilizando uma via para reposição volêmica, assim
importância na criança. A área de superfície cor-
como para administração de medicamentos com-
poral é proporcionalmente muito maior nas crian-
plementares. Relaxantes musculares são necessários
ças pequenas que nas maiores para um dado peso,
para procedimentos intra e extraperitoniais, no
sendo, portanto, fator facilitador para perdas caló-
rim, ureter e bexiga. Não devemos esquecer que, na
ricas. A manutenção do metabolismo é assegurada
urologia, muitos pacientes têm comprometimento
por condições térmicas adequadas.
da função renal, e a escolha do relaxante muscular
adequado é muito importante.
Monitoração
Quanto à ventilação controlada ou não, a op-
A monitorização durante a anestesia para pro- ção fica a cargo do anestesiologista responsável,
cedimentos urológicos é a mesma usada para qual- evidentemente, na dependência do procedimento

A n es tes i a p a r a Ci r u r g i a U r o l ó g i c a 447

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cirúrgico. Deve-se lembrar sempre que, para pro- queio muito extenso e injeção intravascular. As
cedimentos laparoscópicos, a ventilação controlada contra-indicações incluem infecções na região sa-
é obrigatória. cral, doenças do sistema nervoso central, deformi-
dades no local (muito comum nos pacientes com
Hidratação bexiga neurogênica) e alterações de coagulação.

A hidratação deve ser efetuada desde o início Anestesia caudal


da cirurgia e, em algumas crianças, principalmente
aquelas que fazem preparo de cólon, deverá receber A anestesia caudal é particularmente indicada
suporte hídrico desde o começo do preparo. Em uro- para procedimentos abaixo do umbigo e pode ser
logia, como geralmente o cirurgião necessita avaliar realizada segura e facilmente8.
a via excretora, com muita freqüência a hidratação é O anestésico local mais comumente usado para
feita de forma mais generosa, respeitando-se limites esse tipo de bloqueio é a bupivacaína a 0,25% com
de segurança, pois de certa forma o débito urinário adrenalina ou a ropivacaína a 0,2%, e o volume é
monitoriza o bom andamento cirúrgico. calculado de acordo com o metâmero que se deseja
É importante saber que, em urologia, muitos bloquear, respeitando sempre as doses tóxicas.
tumores de grande porte podem comprimir a veia Como analgesia no pós-operatório, usamos
cava inferior, o que dificulta o retorno venoso. morfina, 0,03 mg/kg em dose única ou com cate-
Nesses casos, a manutenção e reposição volêmica ter para PCA nos casos de peridural. Dependendo
são de extrema importância. Normalmente, a re- da cirurgia, usamos somente fentanil ou sulfentanil
posição volêmica é realizada com 5-10 ml/kg/h de nas doses habituais para o bloqueio.
cristalóides somados a 2 ml/kg/h para a reposição
do jejum e, quando necessária, a perda sangüínea Bloqueio peniano
é reposta com a mesma quantidade perdida ou, se Esse tipo de bloqueio é usado somente nas pos-
não for possível avaliar, até 10 ml/kg. tectomias, e muitas vezes somente após o ato ci-
rúrgico, pois o urologista pediátrico entende que a
Anestesia regional infiltração local deste pode modificar a anatomia e
dificultar a cirurgia. Entretanto, nas cirurgias espe-
A anestesia regional vem a cada dia ocupando
cificas de pênis ou uretra, como hipospadias, epis-
mais espaço. Ela é usada para diminuir a quantida-
padias e Peyronie, o bloqueio peniano realmente
de de drogas usadas durante o ato anestésico, e na
modifica a anatomia, e a técnica preferencialmente
analgesia no pós-operatório.
utilizada é a epidural sacra.
A anestesia regional mais usada em urologia é
Se houver alguma contra-indicação para se re-
a epidural sacra, embora com muita freqüência
alizar a epidural sacra, recomenda-se fazer o blo-
façamos uso de peridural simples ou contínua,
queio peniano após o ato cirúrgico somente para
dependendo do porte cirúrgico e do tamanho da
analgesia pós-operatória.
criança. A raquianestesia em pediatria é uma téc-
nica usada como rotina em alguns serviços. Em
nossa instituição não fazemos uso dela nos pacien- Cirurgias ambulatoriais
te pediátricos. Como na maioria das especialidades, a urologia
As complicações relativas à técnica são as mes- também realiza uma boa parte de seus procedimen-
mas previstas em adultos24. As complicações mais tos em regime ambulatorial (day hospital). Os pro-
comuns são punção dural com conseqüente blo- cedimentos mais comuns realizados em nível am-

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bulatorial são postectomia, varicocele, meatotomia, 6. Betts EK, Downes JJ, Shaffer DB, et al. Rretrotental
orquidopexia, hérnia inguinal e hipospádia distal. fibroplasias and oxygen administration durig general
anesthesia, Anesthesiology 1977;47:518.
Esses procedimentos representam em média 30% a
7. Chinyanga HM. Cystoscopy and prune-belly syndro-
40% dos procedimentos de rotina em urologia. me. In: Stehling LC, ed. Common problems in pedia-
As vantagens para o paciente e para família são tric anesthesia. Chicago: Year Book Medical Publishers;
consideráveis, incluindo diminuição do período de 1982, p. 77-82.
8. Fortuna A. Caudal analgesia: a simple and safe techni-
afastamento dos pais, dos distúrbios psicológicos,
que in paediatric surgery. Br J Anaesth 1967;39:165.
dos custos e do risco de infecção pela menor per- 9. Gentil A, Iannettone CM, Pigna A et al. Cardiovasculatory
manência hospitalar20. changes during videolaparoscopy in children: an echocar-
A preparação pré e pós-operatórias não são dife- diographic study. Pediatr Anaesth 2000;10:399-406.
rentes daquelas utilizadas em pacientes internados, 10. Grenwood RD, Rosenthal A, Nadas AS. Cardiovascu-
lar malformations associated with congenital anomalies
com exceção da medicação pré-anestésica, que al- of the urinary system. Observations in a series of 453
gumas vezes pode ser omitida. No entanto, não há infants and children with urinary malformations. Clin
dúvidas de que sempre que a medicação pré-anes- Pediatr 1976;15:1101.
tésica for administrada, os resultados esperados se- 11. Hannington-Kiff JG. Prune-Belly syndrome and gene-
rão sempre mais adequados. ral anaesthesia. Br J Anaesth 1970;42:649.
12. Holzman RS. Morbidity and Mortality in pediatric
A técnica anestésica é similar àquela usada em anesthesia. Pediatr Clin North Am 1999;41:239.
pacientes internados, inclusive com o uso de intu- 13. Inselman LS, Mellins RB. Growth and development of
bação orotraqueal (mais detalhes serão discutidos lung. J Pediatr 1998:1,91 .
no capítulo de anestesia para cirurgia ambulato- 14. Soares SC, Suchek JSC, Malisano FL, Soares Jr WN.
rial). Estudos têm mostrado que a preocupação In: Castilho LN, ed. Laparoscopia urológica. São Paulo:
LPC Comunicações; 2000, p. 34-5.
com complicações pós-operatórias, em virtude de 15. Soares SC, Suchek JSC, Malisano FL, Soares Jr WN.
intubação orotraqueal, é infundada se não houver In: Castilho LN, ed. Laparoscopia urológica. São Paulo:
nenhuma intercorrência18. LPC Comunicações; 2000, p. 43-5.
Os critérios de alta seguem a mesma rotina pre- 16. Johnston JH. The exstrophic anomalies. In: Williams
DI, Johnston JH, eds. Paediatric urology. London: But-
conizada para outros procedimentos cirúrgicos (ver terworth Scientific; 1982, p. 299-316.
capítulo específico de anestesia ambulatorial). 17. Johnston JH. Neuroblastoma, teratoma and other re-
troperitoneal tumours. In: Williams DI, Johnston JH,
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Capítulo 25
Anestesia para Procedimentos
Dia gnó s tic o s e T er a p ê u t i c o s F o r a
do C e n t r o C i r ú r g i c o
Ricardo Antonio Guimarães Barbosa
Cláudia Regina Flório
José Reinaldo Franco Azevedo

Radioterapia e Anestesia avaliação pré-anestésica pode minimizar tais pro-


blemas, facilitando, dessa forma, a realização do
Atualmente, há várias opções de tratamento
tratamento com sucesso2.
para pacientes com tumores, tais como a quimiote-
rapia, a cirurgia e a radioterapia. Em muitos casos, A manutenção das vias aéreas representa um
as drogas quimioterápicas ainda não são suficientes desafio para a anestesia em radioterapia, devendo
para tratar os pacientes oncológicos. No caso de pa- adequar-se à necessidade de posicionamento do
cientes pediátricos com tumores sólidos, além da paciente para a irradiação, que muitas vezes é feita
ressecção cirúrgica, muitas vezes são necessárias ra- em decúbito ventral. Outra peculiaridade do pro-
diações para o controle local da doença neoplásica. cedimento é que, durante sua realização, o paciente
As crianças que podem ser tratadas por radioterapia permanece sozinho por um curto espaço de tempo,
submetem-se a essa terapia durante várias semanas. sob ação anestésica, sendo apenas monitorizado a
A anestesia geral faz-se necessária para a imo- distância por um circuito interno de televisão.
bilização da criança durante a realização do pro- As crianças são as candidatas de escolha para a
cedimento1, visto que qualquer movimento pode maioria dos procedimentos radioterápicos ambu-
levar à irradiação do local errado. Além disso, as latoriais sob anestesia, principalmente quando o
salas de radioterapia são consideradas um ambiente seu estado geral é bom; no entanto, a real situação
estranho e geralmente frio, provocando tensão e encontrada nas salas de radioterapia é a de crianças
agitação da criança por ocasião das sessões radio- com estado imunológico comprometido por infec-
terápicas. ção, alterações hematológicas graves e outras pa-
Durante a radioterapia, como em qualquer ato tologias associadas à doença de base, mas, mesmo
anestésico, o anestesiologista deve estar atento para assim, necessitando de alta hospitalar precoce após
a ocorrência de quaisquer complicações. A boa a anestesia, a fim de diminuir o tempo de separa-

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ção dos pais e minimizar a exposição aos riscos de obtidos no tratamento de áreas superficiais como
infecção hospitalar. a pele7.
Devemos salientar ainda que o tratamento por Em 1903, Alexander Graham Bell escreveu uma
radioterapia deve ser realizado durante um longo carta a um médico em Nova York, sugerindo o im-
período (em média, de 20 a 30 sessões, que ocor- plante de um fragmento de radium para o trata-
rem diariamente, exceto aos finais de semana) e mento de lesões profundas. Atualmente, utilizam-
que o paciente é submetido a anestesia geral du- se muitas técnicas de fontes radioativas para aplica-
rante todo o tratamento. ção intersticial e em cavidades (braquiterapia).
O radium, por ser uma substância de alto teor
Histórico e efeitos biológicos da radioativo, teve de ser abandonado e acabou sendo
radiação substituído pelo césio ou iridium, que podiam ser
A radiação com finalidade científica e médica usados com maior segurança, sem os riscos de um
é utilizada há mais de cem anos, tendo adquirido produto radioativo gasoso. Atualmente, o radium
tal importância na evolução da medicina, que hoje é armazenado em depósitos próprios para material
é primordial para a realização de diagnóstico por radioativo.
imagem, assim como para a prática da terapêutica No início do uso da radioterapia externa, as téc-
oncológica por radioterapia3. nicas empregavam grande tempo de exposição, o
Em 1895, Konrad Roentgen descobriu os raios- que freqüentemente causava necrose tecidual ex-
X por meio de experiências laboratoriais com raios tensa. Na França, Coutard e Regaud mostraram
catódicos, uma corrente de elétrons passando por que, dividindo-se a dose total de radiação por vá-
um tubo de vidro contendo vácuo, denominado rias semanas, a cura podia ser alcançada sem maio-
tubo de Crookes, cujas paredes fluoresciam à pas- res danos teciduais para os pacientes8.
sagem dos raios4. Em 1898, o casal Curie isolou A idéia de que o indivíduo que trabalha com
um elemento altamente radioativo, que foi por eles radiação deveria estar protegido também evoluiu
denominado radium5. gradualmente; em 1928, foi instituído um método
Posteriormente, observou-se que aqueles que uniforme de proteção, que consistia em medir a ex-
passaram a trabalhar com os raios X tiveram seus posição à radiação, denominado Roentgen, e per-
dedos, mãos e até mesmo a vida perdidos, em razão mitindo quantificar a dosagem recebida e padroni-
do desenvolvimento de carcinoma em seus mem- zar o controle em todos os centros terapêuticos da
bros superiores. época9. Com o avanço da tecnologia, as máquinas
Em 1896, o Dr. Emile Gruber, de Chicago, de cobalto 60 evoluíram para aceleradores lineares,
tratou o câncer de mama de uma senhora usando que hoje operam controlados por meio de com-
raios X. Esse teria sido o primeiro tratamento ra- putadores, melhorando não só a qualidade técnica
dioterápico no mundo6. como a segurança dos operadores.
Os objetivos da radioterapia em oncologia estão
A experiência clínica e os agrupados em quatro áreas10:
objetivos do uso da radiação 1. definitivo, quando a radiação é a única mo-
dalidade curativa;
O uso clínico inicial de raios X pelas máquinas
de radiologia deu-se em baixas doses e com resul- 2. proteção de órgãos após ressecção cirúrgica;
tados insatisfatórios. As máquinas utilizavam o ra- 3. controle locorregional após ressecção cirúr-
dium naquela época, e os melhores resultados eram gica radical;

452 An e s t e s ia Pe diátrica

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4. método paliativo, no qual a sintomatologia bruto do tumor), o estudo das áreas de risco, tais
inerente ao crescimento do tumor ou me- como os tecidos adjacentes ou a drenagem lin-
tástases necessita de tratamento apesar de o fática nas proximidades do tumor, e também a
tumor primário não ser curável. avaliação da margem adicional para segurança do
paciente.
Tratamento radioterápico versus O planejamento é elaborado sob forma tridi-
tolerância diária do paciente mensional12 e tem início em um aparelho denomi-
nado simulador, que determina a posição do pa-
Para a realização do tratamento radioterápico, ciente para o tratamento diário e os métodos para
é necessário que se conheça inicialmente a história sua imobilização, tais como máscaras e fixadores
do paciente, bem como que se realize seu exame que o prendem em uma determinada posição.
físico e se verifiquem os exames laboratoriais e ra-
Em relação à tolerância do paciente ao trata-
diológicos. Uma vez tendo sido feito o reconhe-
mento, deve estar relacionada com o número de
cimento do paciente por esse histórico, elabora-se
sessões a que este deve se submeter. O tratamento
um planejamento radioterápico diário, que pode
pode ser:
ter duração de 25 a 35 sessões.
• paliativo: varia de duas a cinco semanas (por
A eficácia do tratamento radioterápico está dire-
exemplo, metástases ósseas);
tamente relacionada ao máximo benefício e menor
risco possível para o paciente; com isso, pretende- • profilático: cinco semanas (por exemplo, área
se evitar danos maiores, uma vez que a radiação com doença residual microscópica);
não sofre metabolismo como os medicamentos e • curativo ou definitivo: seis a oito semanas.
seu excesso pode acarretar sérias complicações para Os efeitos colaterais podem se manifestar em
o organismo11. vários órgãos e sistemas no decorrer do tratamento.
Atualmente, o planejamento é feito com a O quadro a seguir expressa a gênese e o tratamento
identificação correta do volume-alvo (volume desses efeitos13 (Tabela 25.1).

Tabela 25.1 – Efeitos colaterais da Radioterapia


Órgão Sinais e sintomas Tratamento
Sistêmico Letargia, fadiga Sintomático
Pele Eritema, descamação, prurido Observação, esteróides tópicos para o prurido, evitar roupas oclusivas

Mucosa oral e dentes Inflamação das mucosas Consulta e pré-tratamento dentário; enxaguar a boca com bicarbonato de sódio;
tratar com flúor; lidocaína gel e analgésicos orais para a dor; tratar candidíase
quando houver
Esôfago Esofagite Analgésicos sistêmicos; considerar diagnóstico de esofagite por cândida
Pulmões Pneumonite por radioterapia Observar em casos leves; predinisona em casos moderados a graves
Fígado Hepatite por radiação Sintomático
Intestino Cólicas, diarréia, náusea e Agentes constipantes; antieméticos e dietas com baixo resíduo
vômitos
Bexiga Alterações urinárias, disúria Analgésicos urinários (Pyridium)
Reto Tenesmo Sintomático
Hematopoiético Citopenia Transfusões; citocinas (por exemplo, eritropoetina); fatores de estimulação de
granulócitos estão sendo estudados

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Anestesia em Radioterapia sico inalatório em concentração de 2% a 3%, de-
pendendo da necessidade de cada paciente. A se-
A anestesia em radioterapia está indicada em guir, punciona-se um acesso venoso e posiciona-se o
crianças abaixo de 6 anos de idade ou naquelas que paciente para a realização da sessão de radioterapia.
não conseguem ficar imóveis, por dor ou alterações
do estado de consciência. A técnica anestésica ideal Nos pacientes que necessitam ser posicionados
nos pacientes submetidos à radioterapia deve com- em decúbito ventral, a cabeça deve repousar sobre
preender14-17: uma plataforma que permite o posicionamento da
máscara facial sob o paciente e a saída da traquéia
• indução e despertar rápidos;
do sistema de ventilação (utilizamos o Mapleson A,
• recuperação pós-anestésica breve; com um balão de no máximo 1 a 1,5 litro), que é
• minimização de efeitos indesejáveis, como colocado por baixo da referida plataforma. Esta pos-
náuseas e vômitos. sui engates que têm por função adaptar a máscara
As náuseas e vômitos podem ser evitados com fenestrada de látex, que se molda sobre a cabeça da
uso de medicamentos antieméticos específicos ou criança, conferindo-lhe boa sustentação e evitando,
agentes anestésicos indutores com essa propriedade assim, quaisquer desvios de eixo durante o proce-
(propofol). dimento, que poderiam comprometer a irradiação
A anestesia geral em radioterapia exige como mo- do local correto. Ao término do procedimento, a
nitorização mínima: oximetria de pulso, pressão ar- criança é novamente colocada em decúbito dorsal
terial não-invasiva, cardioscopia contínua e capno- horizontal para a regressão da anestesia. Tão logo
grafia. No serviço de Radioterapia do Hospital das desperte, é entregue à mãe ou ao familiar respon-
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade sável, que logo se familiariza com o procedimento
de São Paulo (HC-FMUSP), na maioria dos casos e com a recuperação pós-anestésica imediata, em
induzimos a anestesia geral por via inalatória, por especial o cuidado na oferta de líquidos e alimentos
sua rapidez e pela possibilidade de realizar a punção para prevenir náuseas e vômitos14. Em seguida, o
venosa com o paciente adormecido. O anestésico paciente recebe alta domiciliar se tudo estiver bem.
inalatório utilizado em nosso serviço é o sevoflurano, Como consideração final, ressaltamos que a anes-
que possui características de indução inalatória e re- tesia sob máscara em decúbito ventral está longe de
cuperação pós-anestésica rápidas. O uso do propofol ser a técnica mais segura ou de fornecer condições
fica reservado aos pacientes maiores que permitam a ventilatórias ideais, no entanto, permanece como a
punção venosa. A dose habitual utilizada é de 2 a 3 alternativa menos traumática para um paciente que
mg/kg de peso para os pacientes pediátricos. será submetido a anestesias consecutivas por 30 a
Em nosso serviço, as crianças submetidas ao 40 dias (25 a 30 sessões). O uso de máscara larín-
planejamento e até mesmo ao tratamento radiote- gea ou intubação traqueal com tal freqüência pode
rápico propriamente dito ficam em decúbito dorsal gerar edema e lesão, sem falar na possibilidade de
na maioria dos casos e em decúbito ventral nos pa- estenose traqueal por intubações repetidas18.
cientes portadores de neoplasias de fossa posterior Quanto ao acesso venoso, o ideal seria que os
e em alguns casos de leucemia. A posição dos pa- pacientes que vão se submeter a radioterapia rece-
cientes visa a melhor incidência dos raios na região bessem implante de cateteres de longa permanên-
afetada pelo tumor. cia. Como nem sempre isso é possível, tentamos
A indução anestésica é realizada preferencial- realizar rodízio de membros para a punção venosa
mente por via inalatória utilizando-se sevoflurano e utilizar pelo máximo de 2 dias consecutivos um
em concentrações de 3% a 4% inicialmente e, em mesmo cateter venoso periférico (24 a 48 horas),
seguida, ajusta-se a concentração do agente anesté- enviando o paciente para casa com o mesmo hepa-

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rinizado e, nas crianças menores, com o membro sitado para fornecer assistência no caso de pacientes
imobilizado por enfaixamento para reduzir o risco instáveis ou em condições críticas, durante o exame
de perda do acesso19,20. e no transporte para outro setor do hospital.
Numerosas técnicas anestésicas vêm sendo reali-
ANESTESIA PARA TOMOGRAFIA zadas com sucesso nas últimas décadas, e a experi-
COMPUTADORIZADA ência pessoal de cada equipe acaba por determinar
a preferida em cada serviço: anestesia inalatória
A tomografia computadorizada (TC) vem evo-
pura ou combinada com pré-medicação via oral,
luindo muito nos últimos anos, com a ampliação
inalatória ou intramuscular, anestesia venosa total,
de suas indicações diagnósticas e o desenvolvimen-
sedação, uso de cetamina via intramuscular ou hi-
to de novos equipamentos, cada vez mais rápidos
e com melhor definição de imagem. No entanto, drato de cloral via retal. Há, no entanto, pré-requi-
apesar de os exames serem indolores, permanece a sitos comuns a todas as técnicas:
necessidade de imobilidade completa do paciente • necessidade de jejum para o procedimento;
durante sua realização, o que muitas vezes exige a • monitorização mínima: cardioscopia, oxime-
administração de anestesia para pacientes pediátri- tria de pulso e pressão arterial não-invasiva;
cos ou mesmo adultos. • disponibilidade de drogas e equipamentos
Em pediatria, os exames tomográficos mais rea­ para reanimação em todos os casos, assim
lizados são os de crânio, com as seguintes indica- como um médico anestesiologista presente
ções21: durante todo o procedimento e acompa-
• avaliação e acompanhamento de anomalias nhando a recuperação pós-anestésica;
congênitas, principalmente hidrocefalias; • necessidade de acesso venoso, obtido antes ou
• investigação de quadros convulsivos; logo após a indução anestésica, em todos os
• investigação de retardo do desenvolvimento pacientes, mesmo quando não houver neces-
neuropsicomotor e paralisia cerebral; sidade de injeção de contraste para o exame
• investigação de encefalopatias; ou a técnica utilizada não for endovenosa.
• diagnóstico de tumores; Há fatores importantes que devem ser levados em
consideração quando se realiza anestesia para proce-
• investigação de malformações vasculares;
dimentos diagnósticos em radiologia22. Geralmente,
• avaliação do trauma cranioencefálico. o ambiente em que se realiza o exame não é pré-
Também são freqüentes as solicitações de exa- adaptado para receber equipamentos de anestesia, o
mes tomográficos para a avaliação e planejamento que exige cuidado do anestesiologista no sentido de
cirúrgico de malformações craniofaciais (síndrome assegurar-se da presença de fornecimento adequado
de Pierre Robin, craniossinostoses etc.), investi- de oxigênio, aparelho de anestesia e equipamentos
gação de sinusites crônicas e quadros de surdez e em perfeitas condições de uso e possibilidade de
diagnóstico de tumores oculares, principalmente manter o paciente adequadamente conectado ao
retinoblastomas. aparelho e monitorizado durante todo o procedi-
A tomografia computadorizada de outros seg- mento, principalmente no caso da tomografia, em
mentos corporais é menos freqüente no paciente pe- que ocorre movimentação da mesa durante o exame
diátrico em relação ao adulto, mas tem papel funda- e onde, algumas vezes, é necessário alterar a posição
mental principalmente no diagnóstico de tumores. do próprio paciente durante o exame.
Além de prover anestesia para garantir a imobili- Outra peculiaridade da tomografia e dos exames
dade do paciente, o anestesiologista pode ser requi- radiológicos em geral é o fato de o anestesiologis-

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ta não permanecer próximo ao paciente, mas sim se mostrado eficiente mesmo quando é necessário
fora da sala de exames. Assim, é importante que os realizar parte do exame em posição coronal (com
monitores e, na medida do possível, o próprio pa- hiperextensão cervical). O acesso venoso é obtido
ciente possam ser adequadamente visualizados. logo após a indução da anestesia, oferecendo maior
O paciente pediátrico, principalmente o neona- facilidade e mais conforto ao paciente.
to, deve idealmente ser mantido aquecido durante Em alguns casos, a manutenção da via aérea é
o exame, ou poderá desenvolver hipotermia severa, feita com máscara laríngea. Isso ocorre geralmente
já que as salas dos tomógrafos precisam ser man- nas tomografias de face com reconstrução 3-D, já
tidas em baixas temperaturas para a proteção e o que a presença da máscara facial pode interferir na
adequado funcionamento dos equipamentos21. imagem. Em exames muito longos (por exemplo,
É fundamental ainda que haja um recinto ade- de vários segmentos corporais), cuja duração pode
quado para a recuperação pós-anestésica dos pa- atingir 40 minutos a 1 hora, também damos pre-
cientes, já que os horários dos tomógrafos tendem ferência à máscara laríngea pela maior segurança.
a estar completamente preenchidos e atrasos na re- Uma última indicação são os pacientes com mal-
tirada dos pacientes da sala de tomografia podem formações faciais que impossibilitam a adequada
prejudicar a programação de exames21-23. adaptação da máscara facial.
Os pacientes com conhecida dificuldade de
Técnicas anestésicas para acesso à via aérea (restrição acentuada à abertura
tomografia computadorizada em bucal ou movimentação cervical, tumores intrao-
pediatria rais, malformações graves de mandíbula etc.) são
intubados para a realização do exame, para que não
A técnica anestésica ideal para tomografia em haja risco de dificuldades ventilatórias durante o
pacientes pediátricos tem as seguintes característi- procedimento. Nesses casos, geralmente se solicita
cas: o auxílio da broncoscopia para maior segurança.
• início rápido e com mínimo desconforto Os pacientes que necessitam realizar o exame
para o paciente; em condições de urgência, sem jejum, também o
• despertar rápido e sem sonolência residual, fazem sob intubação traqueal. Nesses casos, a indu-
proporcionando alta hospitalar precoce; ção é obrigatoriamente venosa (indução rápida).
• baixa incidência de efeitos colaterais, prin- A técnica inalatória parece ser a preferida na
cipalmente náuseas e vômitos, que podem grande maioria das publicações sobre anestesia
retardar a alta; para tomografia computadorizada23-25, inclusive
• controle adequado da via aérea e segurança em estudos com grande casuística5. Outros serviços
quanto à imobilidade do paciente durante empregam também o halotano e eventualmente as-
todo o exame. sociam óxido nitroso24.
Em nosso serviço, a técnica mais utilizada é a Em crianças maiores, que permitem a realização
anestesia inalatória pura com sevoflurano, que pre- de venóclise acordadas, pode-se optar por anestesia
enche adequadamente os critérios citados anterior- geral endovenosa com propofol, que também ga-
mente. Após a indução sob máscara, o paciente é rante boas condições de hipnose, despertar rápido
mantido em respiração espontânea, na maioria dos e pouca incidência de efeitos colaterais. Também
casos com máscara facial adaptada ao rosto com pode ser realizada sedação, geralmente com mida-
presilha, com a permeabilidade da via aérea obtida zolam, embora nossa experiência e a de outros ser-
com o uso de cânula de Guedel. Essa técnica tem viços demonstrem menor controle da imobilidade

456 An e s t e s ia Pe diátrica

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durante o procedimento, com índice de falha na cuidados especiais devem ser tomados com o pre-
realização adequada do exame de até 15%6 e tem- paro dos pacientes que serão submetidos ao exame,
po de recuperação mais longo, além de eventual bem como toda a equipe que deverá atuar em sua
depressão respiratória pelo aprofundamento inde- realização (biomédicos, médicos e enfermeiros),
sejado da sedação21,23. pois quaisquer objetos ferromagnéticos que estive-
O uso de cetamina intramuscular ou venosa na rem com eles devem ser removidos32,33, para que
nossa experiência tem-se mostrado inadequado, sejam evitadas distorções de imagens e principal-
mente o risco de acidentes, uma vez que o aparelho
pela alta incidência de movimentação durante o
de ressonância magnética tem o poder de remover
exame, salivação excessiva, muitas vezes provocando
pertences dessa natureza em alta velocidade34.
tosse e engasgos durante o procedimento, sonolên-
cia prolongada e alguma incidência de alucinações, Pacientes com marcapasso, desfibriladores in-
mesmo com o uso do isômero S+. Embora alguns ternos e clipes vasculares não podem realizar esse
tipo de exame35. Implantes cocleares também al-
serviços compartilhem nossa opinião24, outros rela-
teram a resolução de imagens. Mesmo os metais
tam altos índices de sucesso com seu uso26-28.
ferromagnéticos podem alterar a qualificação do
Nossa experiência com barbitúricos e hidrato exame, podendo gerar distorções de imagens. Pró-
de cloral é restrita, e as publicações mostram tanto teses ortopédicas metálicas podem sofrer algum
grupos muito favoráveis29,30 como desfavoráveis23,26 aquecimento e gerar queimaduras graves nos pa-
ao seu uso. cientes portadores36.
Devemos frisar também que o campo magné-
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA tico estende-se muitos metros além do túnel ou
magneto, que varia com a potência do aparelho e
É um exame diagnóstico não-invasivo que con-
com o grau de isolamento ou blindagem magnéti-
siste na utilização de núcleos atômicos magneti-
ca. O campo periférico que decresce em intensida-
zantes, para gerar imagens de alta resolução sem
de com a distância do magneto pode gerar falha no
emissão de radiação ionizante em diferentes partes funcionamento ou dano a diversos tipos de equipa-
do corpo, demonstrando-se, portanto, um exame mentos eletroeletrônicos31.
superior à tomografia computadorizada.
O aparelho de ressonância nuclear magnética Anestesia para ressonância magnética
constitui-se em um estreito túnel cilíndrico no qual
um poderoso campo magnético é mantido continu- Dividimos esta parte em dois tópicos: avaliação
amente, mesmo quando nenhum exame está sen- pré-anestésica e técnicas anestésicas:
do realizado. A capacidade de magnetização é dada
pelo agrupamento de todos os átomos com números Avaliação pré-anestésica
ímpares de prótons em constante alinhamento para É única tanto para grupo de pacientes ambula-
geração de magnetismo, em especial os íons hidro- toriais como para pacientes internados. Deve ser
gênio. Pulsos de radiofreqüência são assim emitidos, informada para cada grupo a mesma orientação
gerando o desalinhamento dos prótons. Cessado os prévia que rege o pré-anestésico, incluindo tempo
pulsos, os prótons voltam à posição de alinhamento, de jejum, ressaltando-se bem o risco de aspiração e
ocorrendo liberação de energia por um determina- prováveis complicações que podem levar o pacien-
do tempo (tempo de relaxamento)31. te à morte caso esse dado venha a ser omitido; uso
Considerando-se a grandeza do magnetismo ge- de metais, marcapasso, relógio, anel, pagers, celula-
rado por um aparelho de ressonância magnética, res, computadores de bolso, próteses dentárias me-

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tálicas removíveis, próteses metálicas ortopédicas, • No 1 – RN a lactentes até 5 kg;
clipes vasculares (stents) e uso de cosméticos que • No 1,5 – lactentes de 5 a 10 kg;
contenham metal em sua fórmula. • No 2 – lactentes de 10 até pré-escolares de
Todas essas particularidades devem ser devi- 20 kg;
damente anotadas e notificadas em uma ficha de • No 2,5 – crianças de 20 a 30 kg;
termo de consentimento para realização do exame.
• No 3 – crianças adolescentes de 30 a 50 kg;
Os pacientes internados em uso de bombas de in-
fusão para estabilidade hemodinâmica só podem • No 4 – adultos de 50 a 70 kg;
realizar o exame após a compensação do quadro • No 5 _ adultos de 70 a 100 kg;
hemodinâmico; caso isso não ocorra, o exame é • No 6 – adultos de grande porte, com peso
contra-indicado. superior a 100 kg
Pacientes com grau de ansiedade e níveis pressó- A quantidade (em ml) de insuflação do balão
ricos elevados devem ser sedados momentos antes varia de 10 ml a 25 ml, conforme o tamanho da
do ato anestésico, utilizando-se benzodiazepínicos máscara43,44.
(midazolam ou bromazepam) em doses usuais de No Serviço de Radiologia, grande parte dos
sedação, variando respectivamente de 0,05 mg a exames de ressonância magnética é realizada com
0,08 mg para o midazolam e 2 mg a 6 mg para o a participação do anestesiologista.
bromazepam, a serem ministrados antes da realiza- Os pacientes são encaminhados para a realiza-
ção do exame36-39. ção da anestesia em uma sala contendo aparelhos
de anestesia para ventilação e monitores como
A técnica anestésica oxímetro de pulso, pressão arterial não-invasiva e
cardiocópio contínuo. Estando o paciente devida-
A técnica anestésica empregada pode variar des-
mente anestesiado, em seguida é feito o transporte
de uma simples sedação até a anestesia geral com
deste para uma segunda sala (local que contém os
administração de anestésicos venosos (benzodiaze-
aparelhos de ressonância e de anestesia, específicos
pínicos, propofol, fentanil) ou inalatórios (isoflu-
e não-ferromagnéticos). O transporte é feito com o
orano e sevofluorano) e relaxantes musculares (ro- paciente respirando em oxigênio até a sala de exa-
curônio e atracúrio)39-42. me, e o tempo gasto nesse percurso é em torno de
Atualmente, com a utilização da máscara larín- 10 segundos no máximo. Durante a realização do
gea, um dispositivo desenvolvido para manuseio exame, o paciente é mantido com a mesma moni-
das vias aéreas e que permite com segurança, des- torização citada anteriormente, acrescida da cap-
de que o paciente esteja devidamente em jejum, a nografia. Ao término do exame, o paciente é trans-
boa oxigenação e manutenção do plano anestésico portado para a primeira sala para ser recuperado da
adequado para realização dos exames sem maiores anestesia. Ainda em plano anestésico superficial, a
complicações para o paciente. Pode ser correta- máscara laríngea é retirada do paciente e passa-se
mente posicionada sem uso de laringoscópio ou a dar oxigênio a l00% sob máscara facial contínua
instrumentos especiais para sua inserção, ficando até que o paciente acorde.
a parte convexa posterior da máscara em contato Entre os anestésicos venosos usados para passa-
com a parede da faringe e a anterior, sobreposta à gem de máscara laríngea, destaca-se o propofol nas
laringe, de forma a permitir a ventilação. doses de 2 a 3 mg/kg, que é atualmente o agente
De acordo com a idade e o peso dos pacientes, a indutor venoso de eleição, já que sozinho é capaz
máscara laríngea pode variar de tamanho: de produzir hipnose rápida, atenuação dos reflexos

458 An e s t e s ia Pe diátrica

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460 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 26
An e ste sia A m b u l a t or i a l

Carlos Alberto da Silva Junior

Introdução nificando para anestesia ambulatorial a passagem


rápida de uma fase para outra da recuperação, com
A expansão da população, mais rápida que a dos
intuito de diminuir os custos com horas de trabalho
leitos hospitalares, incentiva que atos anestésico-ci-
rúrgicos sejam realizados em regime ambulatorial1-4 na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA)11,12.
isto é, o atendimento de pacientes sob anestesia Esse atendimento tem sido estimulado para os
geral, locorregional ou combinada, com indicações pacientes pediátricos, por meio de condutas rígi-
de intervenção cirúrgica, exames diagnósticos ou das de seleção, dos procedimentos, das técnicas, das
procedimentos terapêuticos, que permanecem sob drogas anestésicas e dos critérios de alta hospita-
controle médico, até a plena recuperação das fun- lar13.
ções físicas e psíquicas, tendo alta hospitalar sem
pernoitar5-7.
Vantagens
As principais metas a serem alcançadas na anes-
tesia ambulatorial em crianças são: segurança, indu- • Redução dos problemas emocionais.
ção e recuperação rápidas, baixo custo e ausência de • Diminuição do risco de infecções: gastrointesti-
complicações8.
nais e respiratórias.
Os custos não se devem só aos medicamentos e
• Diminuição da lista de espera e menor intervalo
materiais, mas também ao gasto com pessoal9.
entre a marcação e a realização dos atos.
O termo fast trackink após a anestesia foi pela
primeira vez introduzido como forma de diminuir • Redução dos custos.
o tempo de extubação na cirurgia cardíaca10, sig- • Maior disponibilidade dos leitos.

461

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• Desburocratização das rotinas e redução das vi- ativas, cardiopatias congênitas (sopros), diabetes,
sitas pós-operatórias14. anemia falciforme , história de hipertermia maligna
A questão dos custos é controversa, e o dilema e de morte súbita familiar, dificuldade respiratória,
ético permanece: baixando os custos, não estaría- apnéia do sono, risco de hemorragia, abertura da
mos aumentando o risco de complicações tardias?8 cavidade peritoneal dor de difícil controle também
contra-indicam a anestesia ambulatorial.
Seleção
Recursos e Avaliação
Os critérios para seleção são:
Utilizamos os mesmos recursos materiais e hu-
• nenhuma repercussão, complicação ou cuidado
manos que os usados para os pacientes internados.
especial pós-operatório esteja prevista14.
Junto do centro cirúrgico há duas salas, uma de
Os critérios usuais são:
recepção e outra de transferência, e esta também
• os anestesiologistas e cirurgiões devem concor- serve eventualmente como sala de indução.
dar com os critérios de inclusão e de alta. A SRPA é comum à dos pacientes internados.
Cooperação da enfermagem e do pessoal admi- Após a alta, seguem para uma outra ala, onde ficam
nistrativo. no mínimo duas horas: a unidade de curta perma-
Preparação psicológica. nência (UCP).
Instruções precisas pré e pós-operatórias. Entregamos um questionário pré-anestésico
Estado físico “ASA” I e II (eventualmente III). quando há a confirmação da cirurgia.
Presença dos pais na visita pré-anestésica: a eles No dia marcado, as crianças vêm acompanhadas
explicaremos as técnicas anestésicas e as formas do de seus pais, com o questionário respondido, ao am-
controle da dor pós-operatória, em uma linguagem bulatório do hospital, e lá a enfermagem pergunta
simples. sobre o o jejum, avalia o peso e os sinais vitais.
Em seguida, são encaminhados ao laboratório
Jejum: alimentos sólidos até a meia-noite e lí-
para a obtenção do hematócrito e da hemoglobina.
quidos sem suspensão com glicose até 3 horas antes
da indução anestésica15. Alguns autores18 relataram que para as crian-
ças ASA I acima de 1 mês, submetidas a cirurgias
Aspectos de exclusão social contra-indicam a
ambulatoriais, não é necessária avaliação da hemo-
anestesia ambulatorial: pais incapazes de compre-
globina; porém, continuamos solicitando não só
ender as instruções pré e pós-operatórias, residên-
a hemoglobina, mas também o hematócrito, em
cia inadequada, longe e sem telefone. razão das más condições nutricionais da população
O transporte é realizado por dois adultos: o mo- infantil e para prevenção de futuros problemas mé-
torista e o que toma conta da criança. dico-legais.
Idade: para cada faixa existem temores, mas as- No centro cirúrgico, o anestesiologista lê o
seguramos que os pacientes não acordarão duran- questionário e revê a ficha de anestesia (se já fez a
te a cirurgia e que usaremos remédios para aliviar consulta), anotando o máximo possível de dados e
uma possível dor pós-operatória16. pedindo aos pais para assinarem um consentimen-
Prematuros, neonatos e ex-prematuros com to informado.
idade pós-gestacional até 60 semanas não são bons A maioria dos cancelamentos ocorre por infec-
candidatos para anestesia ambulatorial17. ções das vias aéreas superiores recentes, febre, diar-
Doenças preexistentes, controladas inadequa- réia, vômitos, lesões de pele, anemia e quebra do
damente, como as infecções virais ou bacterianas jejum.

462 An e s t e s ia Pe diátrica

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O cancelamento das cirurgias tem um impacto Entre os vários agentes venosos, a cetamina é
negativo nos pacientes e suas familias19. que provoca mais náusea e vômitos, mais do que
os barbituratos.
Preparação O etomidato é também é três vezes mais eméti-
co que o tiopental e o metohexital.
Depende do entrosamento dos médicos, da en-
O propofol provoca menos (2,2%) quando
fermagem, do suporte administrativo e da ajuda
comparado com o tiopental (10,1%) e com o me-
dos pais.
tohexital (11,6%)24.
Na sala de recepção do centro cirúrgico, as
O propofol é usado nas crianças acima de 6 me-
crianças ocupam-se com brinquedos, esperando a
ses, em dose única ou infusão contínua.
hora da indução.
A infusão com propofol complementada por
anestesia regional ou opióides de ação curta (alfenta-
Técnicas Anestésicas
nil) ou ultracurta (remifentanil) são boas opções25.
Pré-Anestésico A intubação é executada da maneira menos
O prolongamento do tempo de recuperação li- traumática possível, com ajuda de relaxantes.
mita o uso da medicação pré-anestésica em aneste- A intubação pode ser substituída pela máscara
sia ambulatorial. A maioria das crianças bem pre- laríngea (exceto em cirurgias de cabeça e pescoço).
paradas não precisa dela. Nos pacientes submetidos à adenoamigdalecto-
Se necessário, administramos midazolam, oral, mias, preferimos que pernoitem, pois a hemorragia
0,5 a 0,8 mg/kg-1, máximo de 20 mg20. Nas crian- pós-operatória, denunciada pela hematemese, nem
ças mais inquietas, que recusam a premedicação sempre é bem observada em casa ou pode ser mas-
e/ou não entram no centro cirúrgico, usamos tio- carada pelos antieméticos profiláticos26.
pental IV ou cetamina IM. Internamos os candidatos à adenoamigdalecto-
A cetamina IM, isolada ou combinada com o mia com história de apnéia obstrutiva27.
midazolam, foi considerada inapropriadas na “pré- Drogas e monitores recém-lançados se enqua-
indução” de pacientes “rebeldes” pediátricos sub- dram ao uso em anestesia ambulatorial, por exem-
metidos a cirurgias de curta duração por retardo na plo, desflurano, sevoflurano, remifentanil e ceto-
alta hospitalar21. ralaco.
Monitores da atividade cerebral (BIS, PSA e
Anestesia AEP) devem estar disponíveis para facilitar uma
rápida recuperação e o fast-tracking11,23.
Utilizamos técnicas inalatórias de recuperação
rápida, com mínimas repercussões e complicações
pós-operatórias22. Recuperação
As drogas mais usadas são N2O, isoflurano e Os pacientes são enviados à SRPA com os mes-
sevoflurano23. mos cuidados dos internados, com a alta baseada
A técnica inalatória é complementada com ins- no índice de Aldrette-Khoulick; depois, ficam com
tilação e bloqueios os mais seletivos possíveis, após os pais na UCP.
a indução, mas antes da cirurgia para obter a anal- A analgesia pode ser sistêmica: paracetamol, di-
gesia “preemptiva” e/ou residual pós-operatória. pirona e tenoxicam e cetoralaco ou por bloqueios.
A escolha do agente de indução afeta bastante na A alta hospitalar é prolongada por tonturas,
incidência de náuseas e vômitos, pós-operatórios. náuseas e vômitos, dor e alterações do desenvolvi-

A n es tes i a A m bu l a t o r i a l 463

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mento motor cognitivo, mas os pacientes perma- Twersky et al.31 relataram que a causa mais co-
necem na UCP por 2 horas e, quando são capazes mum de volta ao hospital é o sangramento tardio
de andar e de ingerir líquidos, vão para casa28. pós-operatório.
O fast-tracking11 para evitar uma permanência A causa mais comum de retardo são náuseas e
maior na SRPA, economizando assim horas de tra- vômitos recorrentes, e este continua sendo “um pe-
balho da enfermagem, é arriscado se a segurança queno grande problema”11,32,33.
for comprometida. Agentes anestésicos, tipo de cirurgia, uso de opi-
Essas crianças devem voltar acompanhadas para óides, idade, sexo, fase do ciclo menstrual, história
casa e serem lá vigiadas por um adulto responsável. prévia de enjôo, dor, ansiedade e estado de hidratação
Recomendamos que não sejam realizadas ativi- influem no aparecimento de náuseas e vômitos11,24.
dades perigosas. Villeret et al.34 afirmaram “que as náuseas e vô-
Os pais devem ser instruídos para trazer as crianças mitos nunca induziram a complicações nem retar-
de volta ao hospital caso haja alguma complicação. daram a alta hospitalar e o tratamento sempre foi
rápido e efetivo”.
Complicações Eles, todavia, relataram uma elevada incidên-
cia (9,4% ) de náuseas e vômitos nas primeiras 24
A qualidade e a segurança dos atos anestésico- horas pós-operatórias, com predominância nas pri-
cirúrgicos são avaliadas por meio dos índices de meiras 3 horas.
mortalidade e morbidade.
Eles insistiram que: “crianças submetidas à cirur-
A incidência de morbimortalidade é rara e di- gias do abdome inferior e plásticas, independente
fere muito nos mais variados centros; mortalidade: das técnicas anestésicas empregadas, foi preferível
imediata ou tardia; morbidade transoperatória, pós- uma terapêutica imediata a uma profilaxia”.
operatória imediata ou tardia29.
Os sintomas imediatos mais comuns na SRPA
Tanto em pacientes ambulatoriais como nos in- nos paciente ambulatoriais que retardam a alta
ternados ocorrem complicações30. Analisamos, por hospitalar continuam sendo dor, náuseas e vômi-
meio de questionário, as possíveis complicações tos11,35.
tardias em casa. O ato anestésico não pode ser uma razão signi-
Entregamos 4.066 questionários, tendo sido ficativa para o atraso da cirurgia e da alta hospita-
devolvidos 2.231 (54,86%) . lar36, por isso incentivamos a profilaxia das possi-
Dos devolvidos, 1.471 (36,17%) foram assina- veis complicações.
ladas com uma ou mais complicações. A anestesia ambulatorial em crianças é um pro-
Multiplicando a quantidade de questionários cedimento seguro, confortável e com baixa inci-
devolvidos com alguma ocorrência (1.471) pelo dência de morbimortalidade.
número de complicações tardias, obtivemos um Apesar da baixa morbidade, complicações tardias
total de 3.491 questionários. de pouca intensidade ocorrem tardiamente em casa.
Destes, 3.020 de pouca e apenas 871 de bastan- A mortalidade é rara durante e após os procedi-
te intensidade. mentos cirúrgicos ambulatoriais29.
As complicações mais comuns foram náuseas, A ocorrência dos efeitos adversos imediatos ou
vômitos, tonturas rouquidão e pesadelos. tardios pode ser evitada por meio de técnicas anes-
Apenas 1% dos pacientes necessitaram de in- tésicas menos invasivas, com novos anestésicos de
ternação. eliminação rápida, menores efeitos colaterais e uti-

464 An e s t e s ia Pe diátrica

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lizando-se todos os recursos atualmente disponíveis Aldrete scoring system. Anesth Analg 1999;88:1069-
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trica fazem diferença em termos de reduzir morbi- 14. Meridy HW. Criteria for selection of ambulatory sur-
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Ficamos alertas para que possíveis complicações 1982;61:921-6.
não se convertam em ações médico-legais e lem- 15. Schreiner MS, Treibwasser A, Keon TP. Ingestion of li-
bramos que a pressa e as razões econômicas não quids compared with preoperative fasting in pediatric
sobrepujam a segurança de nossos pequenos pa- outpatients. Anesthesiology 1990;72:593-7.
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466 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 27
T ranspla n t e d e Fí g a d o

Rosana dos Santos Machado Jacob


Suzana Barbosa de Miranda Teruya

Introdução Nos últimos 15 anos, avanços significativos no


campo da doação e preservação do órgão, técni-
O transplante (tx) ortotópico de fígado em cas cirúrgicas, avaliação perioperatória e imunos-
crianças é um assunto extenso e que continua cres- supressão incrementaram os Programas de Trans-
cendo a cada dia. Com a combinação de vários fa-
plantes de Órgãos em todo o mundo4. Com essas
tores, crianças cada vez menores têm apresentado
mudanças, a taxa de sobrevida em 1 ano de pa-
resultados melhores.
cientes pediátricos submetidos a tx ortotópico de
O propósito deste capítulo é rever as indicações fígado aumentou de 30% na década de 1970 para
para o transplante pediátrico de fígado, avaliação e atuais 90% .
preparo pré-operatório dos pacientes e discutir so-
Simultaneamente, ampliaram-se as indicações
bre aspectos cirúrgicos e anestésicos dos diferentes
de tx de fígado pediátrico; o tx em crianças mui-
tipos de tx de fígado.
to pequenas, com menos de 10 kg, hoje é realiza-
do com resultados que até superam o de crianças
Histórico maiores.
Em 1963, Starzl realizou o primeiro transplante Com todos esses avanços, o tx de fígado em
ortotópico de fígado1-3. Após quatro anos, um pa- crianças ficou limitado pela escassez do número de
ciente pediátrico com hepatoma sobreviveu a um doadores. Essa demanda elevada levou à utilização
tx. No entanto, a complexidade da operação e os de novas técnicas e alternativas cirúrgicas, como o
agentes imunossupressores daquele período resul- uso do fígado reduzido, o split liver e o transplante
taram em apenas um ano de sobrevida. intervivos4-6.

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Indicações Tabela 27.1 – Indicações genéricas de transplante hepático

As indicações para transplante de fígado envol- 1. Icterícia progressiva


vem o tratamento de complicações de falência he- 2. Função hepática comprometida: coagulopatia, desnutrição,
pática aguda ou estágio final de doença hepática deficiência do crescimento, fraqueza progressiva, mal-estar,
hipoalbuminemia, hiponatremia
crônica. No entanto, seria ideal que o tx fosse reali-
zado antes das complicações nas doenças hepáticas, 3. Varizes esofagianas sangrantes intratáveis
progressivas e com deteriorização do fígado apesar 4. Encefalopatia hepática
do tratamento clínico1,7,8.
A indicação mais freqüente para a realização de Tabela 27.2 – Indicações de transplante hepático na criança
tx em crianças é a atresia das vias biliares – AVB
1. Moléstia colestática
(50%)4,5,9, sendo a principal causa de colestase • Atresia das vias biliares
crônica em pacientes pediátricos, afetando 1 em • Hipoplasia sindroomática das vias biliares (síndrome de Alagille)
• Hepatite neonatal
8.000-12.000 nascidos vivos10. Geralmente, essas • Moléstica de Caroli
crianças são submetidas previamente a portoen- • Colangite esclerosante primária
teroanastomose à Kasai e evoluem com falência • Fibrose cística
• Histiocitose X
hepática progressiva resultando em cirrose, hiper- • Insuficiência hepática decorrente da nutrição parenteral
tensão portal e desnutrição; complicações incluem
2. Erros inatos do metabolismo
coagulopatia, varizes de esôfago, hiperesplenismo • Deficiência de alfa-1-antitripsina
com esplenomegalia, trombocitopenia e ascite11. • Tirosenemia do tipo I
• Doença de Wilson
O segundo maior grupo de pacientes, com clí- • Glicogenoses tipos dos I e IV
nica semelhante à da AVB, envolve pacientes com • Hemofilia A e B
doenças metabólicas hepáticas. Dessas, a deficiên- • Deficiência enzimática do ciclo da uréia
• Hiperoxalúria do tipo I
cia de alfa-1-antitripsina é a mais prevalente, segui- • Síndrome Crigler-Najjar
da de tirosinemia e doença de Wilson4,9,,12. • Hipercolesterolemia homozigpotica familiar
• Deficiência ornitina transcarbamilase
As indicações genéricas de tx estão especificadas • Deficiência de proteína C
na Tabela 27.1 e as indicações mais comuns espe- • Lipidoses
cificamente na criança estão resumidas na Tabela • Protoporfiria ertitropoiética
• Citrulinemia
27.212 .
3. Lesão hepatobiliar
• Hepatite viral
contra-indicações • Hepatite viral B e C
• Hepatite CMV
Com o aprimoramento de técnicas cirúrgicas e • Hepatite por adenovírus, herpes, varicela-zoster, echovírus
medicações, a lista de contra-indicações relativas • Hepatite auto-imune
• Intoxicação por acetominifeno e ácido valpróico
e absolutas é cada vez menor. • Envenenamento por cogumenlo amanita
Entre as principais contra-indicações, podem-se 4. Tumores
citar: AIDS, neoplasia extra-hepática, septicemia • Hepatoblastoma
sistêmica, trombose do sistema porta (incluindo • Hepatocarcinoma
• Hemangioendotelioma
veias mesentéricas e esplênica), lesão neurológica • Hemangioendotelioma epitelióide hepático
irreversível. Trombose da veia porta, hipoxemia
5. Vários
devido a shunt pulmonar e hepatite B são clas­ • Moléstia policística
sificadas atualmente como contra-indicações rela- • Fibrose hepática congênita
tivas12-14. • Lesão por trauma

468 An e s t e s ia Pe diátrica

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AVALIAÇÃO E PREPARO com baixa resistência vascular sistêmica22. Tais con-
PRÉ-OPERATÓRIO dições têm sido atribuídas a uma maior atividade
do sistema nervoso simpático, clearance inadequa-
Antes de a criança ser incluída na lista de espera ou do de substâncias vasoativas, shunt arteriovenoso
no programa de transplante intervivos, é necessária (A-V) e hipóxia tecidual4,18. O fluxo sangüíneo está
uma avaliação criteriosa do caso, na qual são consi- aumentado para pulmões, músculos e pele e, dimi-
derados não só os aspectos médicos como também os nuído para fígado e rins19,20.
socioeconômicos e culturais da família, no sentido de
avaliar a capacidade de compreensão da complexida- Embora incomum em crianças, cardiomiopatia
de do procedimento e manutenção do tratamento. pode estar presente, com diminuição de débito car-
díaco. A disfunção ventricular direita pode ocorrer
O foco da avaliação pré-operatória é determi-
secundariamente à hipertensão pulmonar, causada
nado pelas manifestações mais comuns no estágio
por embolia pulmonar, aumento de volume plas-
final da doença hepática em crianças.
mático e substâncias vasoconstritivas.
Em todos os pacientes, com ou sem sinais de
Disfunção pulmonar
doença cardiovascular, é necessário avaliação cardía­
A presença de hipoxemia é freqüente nas crianças ca, incluindo ecocardiograma4.
em estágio avançado de doença hepática. Ela pode
ser secundária a patologias restritivas, por redução Disfunção neurológica
dos volumes pulmonares em decorrência de ascite,
derrame pleural e hepatoesplenomegalia e/ou pela A encefalopatia hepática é causada pelo acú-
presença de shunt intrapulmonar D-E causado pela mulo de toxinas como amônia, agonistas do ácido
dilatação anormal de arteríolas pulmonares e va- gama-aminobutírico (GABA) e outras substâncias
soconstrição pulmonar hipóxica15,16. O edema pul- neuroativas. O metabolismo cerebral e a barreira
monar pode ser resultado de hipoalbuminemia e hematoencefálica podem estar comprometidos na
de administração intravascular de fluidos, prejudi- doença hepática avançada. As manifestações clíni-
cando a oxigenação e, conseqüentemente a ventila- cas podem variar de sonolência ao coma21. Assim,
ção17. Oxigênio suplementar nesses pacientes, com agentes depressores do sistema nervoso central
alteração de difusão e distúrbio ventilação/perfu- que são metabolizados no fígado, por exemplo, os
são, geralmente corrige a hipoxemia, porém em benzodiazepínicos, devem ser evitados ou admi-
casos mais graves, até mesmo ventilação mecânica nistrados cuidadosamente. Uma alternativa para
pré-operatoriamente pode ser necessária4. manter esses pacientes sedados quando necessário,
na unidade de terapia intensiva, é o uso da dex-
A hipertensão pulmonar, quando presente, está
medetomedina, uma vez que seu metabolismo é
associada à hipertensão portal. De leve à moderada
independente do fígado. A concentração sérica de
(com média < 35 mmHg), não é contra-indicação
sódio precisa ser monitorizada de maneira crite-
de transplante. Sua etiologia ainda é incerta, po-
riosa, uma vez que a hiponatremia, resultado do
dendo estar relacionada a tromboembolismo da
tratamento com diuréticos e da síndrome da secre-
circulação sistêmica hiperdinâmica, fatores humo-
ção inapropriada de hormônio antidiurético, pode
rais e vasoconstrição pulmonar.
exacerbar o edema cerebral.
A maior causa de morbidade e mortalidade em
Disfunção cardiovascular
pacientes com falência hepática fulminante é edema
A falência hepática crônica pode ser acompa- cerebral citotóxico ou vagogênico associado a um
nhada por um estado circulatório hiperdinâmico aumento de pressão intracraniana (PIC)21. Nestes

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casos, devemos considerar a terapia com diuréticos Muitos fatores de coagulação – com exceção do
e/ou barbitúricos e a monitorização da PIC23,24. fator VIII – são sintetizadas somente no fígado e
encontram-se diminuídos na falência hepática.28
Disfunção gastrointestinal Ainda, a diminuição da concentração plasmática
de vitamina K pode levar a sangramento severo.
Pacientes com hipertensão portal podem desen-
volver hiperesplenismo e a associação com trombo- Disfunção metabólica
citopenia predispõe a sangramentos importantes,
especialmente na presença de coagulopatia e vari- Na doença hepática, a gliconeogênese, função
zes gástricas e/ou esofágicas. Esses pacientes podem metabólica do fígado, pode estar interrompida e
apresentar ainda peritonite bacteriana espontânea24 levar a hipoglicemia. O fígado normal pode estocar
e colangite, especialmente naqueles submetidos glicogênio suficiente para manter a concentração
previamente à portoenteroanastomose à Kasai. Má sangüínea de glicose por 12 a 24 horas. Após esse
nutrição crônica e hipoproteinemia podem levar a período, com os estoques de glicogênio esgotados,
uma variedade de infecções por deficiência imuno- a glicose sangüínea é derivada da gliconeogênese.
lógica25,26. A diminuição da reserva de glicogênio hepático,
bem como o prejuízo da gliconeogênese em pa-
Disfunção renal cientes com hepatopatia, pode resultar em severa
hipoglicemia. A hiperinsulinemia, devido à falên-
A síndrome hepatorrenal, caracterizada pela cia da degradação hepática de insulina, pode exa-
diminuição do fluxo sangüíneo renal, da filtração cerbar a hipoglicemia4.
glomerular e do débito urinário, bem como hipo-
natremia dilucional, é rara em bebês e crianças me- Farmacocinética
nores. A disfunção renal ocorre secundariamente à
utilização de drogas ou por hipovolemia intravas- A farmacocinética em crianças com doença
cular devido a hemorragia ou terapia diurética4. hepática está afetada por alterações na síntese de
proteínas, volume de distribuição, fluxo sangüí-
neo hepático e metabolismo hepático de drogas.
Deficiência na síntese de proteínas
O maior volume do 3o espaço causa aumento da
Em geral, a concentração plasmática de albu- distribuição das drogas hidrossolúveis. O resultado
mina, de colinesterase plasmática e de proteínas da é uma maior necessidade na administração inicial
coagulação está diminuída nos pacientes com doen­ de algumas drogas anestésicas para atingir o nível
ça hepática27. sangüíneo terapêutico4.
A doença hepática está associada à má nutrição,
a qual sozinha pode causar hipoalbuminemia. Esta Fluxo sangüíneo hepático e metabolismo
contribui para uma baixa pressão oncótica, o que de drogas hepáticas
predispõe hipovolemia intravascular, edema inters- A meia-vida de eliminação é uma função do
ticial, ascite e derrame pleural. clearance e do volume de distribuição. Estágios
A disfunção da síntese hepática também pode avançados de hepatopatia podem resultar na di-
resultar na diminuição da concentração de coli- minuição do clearance devido a redução do fluxo
nesterase plasmática. No entanto, esta enzima é sangüíneo e taxa de extração hepáticos. O clea-
normalmente produzida em excesso, levando a um rance de drogas com uma alta taxa de extração
prolongamento do bloqueio neuromuscular após (opióides) está diminuída quando o fluxo hepá-
administração de succinilcolina4. tico está comprometido. Drogas com uma baixa

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taxa de extração (barbitúricos) são relativamente da veia cava inferior retroepática. Uma alternativa
menos afetadas por alterações no fluxo sangüíneo cirúrgica é a técnica piggyback, na qual a porção
hepático4. retroepática da veia cava inferior é dissecada e
mantida clampeando-se apenas as veias hepáticas.
TÉCNICA CIRÚRGICA Nessa técinica, o clampeamento apenas das veias
hepáticas (a veia cava esquerda é poupada) man-
É de fundamental importância que o aneste- tém o retorno venoso. Este fato é particularmente
siologista esteja familiarizado com todas as etapas importante nas crianças e nos adultos sem hiper-
cirúrgicas. Estas, podem ser divididas em três fases tensão portal (ausência de circulação colateral), o
discutidas a seguir29. que evita o uso de by pass (insuficiência hepática
aguda). O fígado doador é removido de uma so-
Fase de dissecção ou pré-anepática lução salina gelada e colocado na fossa hepática.
Na operação convencional, a anastomose da veia
Inicialmente, o abdômem é aberto por incisão cava supra-hepática e da veia cava infra-hepática é
bilateral subcostal com extensão mediana para o realizada inicialmente, seguida da anastomose da
xifóide (incisão de Mercedes). Dissecam-se as es- veia porta.
truturas do porta hepatis e seccionam-se os liga-
mentos do fígado. A porção retroepática da veia Fase pós-anepática ou pós-reperfusão
cava inferior também é mobilizada e os seus ramos
ligados. Devido à hipertensão portal, a quantidade Próximo do término das anastomoses, o fígado
de veias colaterais entre a parede abdominal e a veia é perfundido com uma solução colóide através de
mesentérica pode ser numerosa e, a menos que não uma cânula na veia porta. Esse procedimento tem
seja dada meticulosa atenção para hemostasia cirúr- como finalidade retirar a solução de preservação e
gica, pode ocorrer sangramento excessivo durante ar do enxerto. A anastomose da veia cava infra-he-
esse estágio de dissecção30. A duração da fase inicial pática é rapidamente completada. Ambos os clam-
de dissecção varia muito, durando em média de 1 pes são liberados, seguido do desclampeamento da
a 6 horas. Aderências por cirurgias prévias, como veia porta. O fluxo sangüíneo do doador é, desse
portoenteroanastomose à Kasai em atresia de vias modo, restaurado, dando início à fase final ou fase
biliares, bem como variações anatômicas como si- de reperfusão hepática. A seguir, é realizada a anas-
tus inversus, poliesplenia e veia porta preduodenal, tomose da artéria hepática e biliar. A reconstrução
aumentam a dificuldade cirúrgica, prolongando a biliar pode ser obtida por uma anastomose termi-
duração e complicando a perda sangüínea associa- no-terminal coledoco-coledoco entre a via biliar
da a esta fase31. do doador e do receptor ou, mais comumente, por
derivação biliodigestiva coledocojejunal em “Y” de
Roux, técnica utilizada em todas as crianças com
Fase anepática
atresia de vias biliares (Fig. 27.1).
Após a mobilização do fígado e de suas estrutu- A escassez de doadores infantis fez surgir duas
ras relacionadas, o ducto biliar e a artéria hepática variantes no transplante de fìgado: o transplante
são ligados e divididos; clampes são colocados na com fígado reduzido e o transplante intervivos. No
veia porta e veia cava inferior. Desta maneira, ini- primeiro, é implantado na criança o lobo hepático
cia-se a fase anepática. No acesso convencional, a esquerdo (segmentos II, III e IV) ou apenas o seg-
veia cava inferior é clampeada ao nível do diafrag- mento lateral esquerdo (segmentos II e III), após
ma e acima das veias renais. O fígado doente é en- redução em bandeja cirúrgica (back table). Há ain-
tão removido com as veias hepática e o segmento da o split liver ou “fígado compartilhado”, no qual

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pacientes com hipertensão pulmonar moderada
ou grave, para avaliação do shunt pulmonar em
pacientes com hipoxemia (pO2 < 80 mmHg em
ar ambiente). Em alguns casos, é necessário um
estudo ecocardiográfico para excluir shunts intra-
cardíacos, os quais podem predispor embolia aérea
durante a revascularização4. Pacientes com encefa-
lopatia severa, edema cerebral e hemorragia intra-
craniana devem ser acompanhados por tomografia
computadorizada de crânio. O uso de cateter de
PIC é mais comumente utilizado nos casos de he-
patite fulminante, em que temos uma depreciação
do sistema nervoso central rapidamente e de maior
intensidade, sempre considerando o risco de aci-
dente hemorrágico devido a alteração da coagula-
Fig. 27.1 – Implante do enxerto com órgão inteiro. ção desses pacientes.
Para minimizar as intercorrências técnicas, todo
o fígado de doador adulto é dividido, podendo o procedimento deve ser padronizado e sistemati-
ser utilizado em dois receptores, geralmente uma zado. Recomenda-se que alguns cuidados pré-ope-
criança e um adulto12. ratórios sejam seguidos:
• aquecimento da sala cirúrgica: temperatura
ANESTESIA média de 26oC;
• colchão térmico e/ou manta térmica: instala-
Avaliação e preparo pré-anestésico dos para manutenção da temperatura central
A avaliação pré-anestésica tem início em uma ≥ 36,5oC;
entrevista ambulatorial com os pais e/ou respon- • proteção das extremidades e região cefálica:
sáveis pela criança, com a finalidade de planejar o para prevenção de lesões de contato;
procedimento e avaliar os riscos, incluindo aqueles • aquecimento prévio de soluções a serem in-
associados com monitoração invasiva e administra- fundidas no paciente;
ção de sangue e derivados, além de esclarecer even- • integração com o laboratório e banco de
tuais dúvidas que eles possam ter. sangue: esses setores devem ser alertados da
Deve ser realizada uma pesquisa de antecedentes iminência do tx, com verificação da disponi-
clínicos e anestésicos, com avaliação criteriosa dos bilidade de unidades de sangue e derivados.
sistemas cardiovascular, pulmonar, renal, neuroló-
gico, hematológico, gastrointestinal e hepático. Medicação pré-anestésica
Com a finalidade de avaliar as alterações de- A medicação pré-anestésica, considerando-se
correntes da doença hepática já mencionadas, os as condições clínicas, é administrada em crianças
seguintes exames são realizados de rotina nesse pa- maiores de 1 ano de idade, sendo particularmen-
cientes no Instituto da Criança Pedro de Alcânta- te importante naquelas com idade suficiente para
ra do Hospital das Clínicas de São Paulo: avalia- entender a escala do procedimento. Além de pro-
ção laboratorial incluindo hemograma completo, porcionar uma separação dos pais mais tranqüila,
eletrólitos, provas de coagulação, função renal e facilita a monitorização e pré-oxigenação antes da
função hepática e gasometria venosa e arterial, em indução anestésica.

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Em pacientes sem acesso venoso prévio, admi- Após a intubação, dá-se continuidade à monito-
nistramos midazolam via oral (0,5 mg.kg-1), 30 mi- ração com capnógrafo, analisador de gases, termô-
nutos antes do início do procedimento. O acesso metro esofágico e sonda vesical
venoso prévio possibilita a administração de mida- A manutenção da estabilidade cardiovascular
zolam intravenoso (IV) na dose de 0,1 mg.kg-1, na durante o tx hepático requer a instalação de pelo
entrada do centro cirúrgico, pelo anestesiologista. menos dois acessos venosos periféricos de grosso
calibre, monitoração contínua das pressões venosa
Indução anestésica e monitoração central e arterial e coleta de exames seriados. A ca-
teterização da artéria radial é preferida, pois além
Antes da indução anestésica, a criança é mo- de menor morbidade, a monitorização da pressão
nitorada com ECG, oxímetro de pulso e pressão através das artérias femoral e pediosa é interrom-
arterial não invasiva. Se a criança não apresenta pida durante o eventual clampeamento da artéria
venóclise prévia da enfermaria para a obtenção de aorta.
acesso venoso, recomenda-se a utilização de EMLA
O acesso venoso central é obtido pela colocação
tópico, 45 minutos antes do procedimento ou ve- de um cateter duplo ou triplo lúmen 4,5 ou 7 F na
nóclise após a indução anestésica inalatória. veia jugular interna, com a finalidade de monito-
Nos pacientes com venóclise prévia, a indução rar a pressão venosa central e administrar drogas.
da anestesia é feita por via venosa, utilizando-se A veia subclávia é associada com um alto risco de
propofol (3-4 mg.kg-1), associado a um opióide complicações, e usada somente quando as veias ju-
(fentanil, 2-5 mg.kg-1; sufentanil, 0,5-1,0 mg.kg-1) e gulares internas não estão disponíveis, ou quando
a um relaxante muscular não despolarizante (isa- o anestesista ou cirurgião tem maior afinidade pela
tracúrio, atracúrio, vecurônio, respeitando suas de- técnica.
vidas doses).
Como, apesar do jejum, todos os pacientes são Manutenção anestésica
considerados de estômago cheio em virtude do
A escolha de agentes para a manutenção da
retardo no esvaziamento gástrico e aumento da anestesia é determinada, principalmente, pela ne-
pressão intra-abdominal, caso não haja contra-in- cessidade de preservar a função miocárdica. As-
dicações, a succinilcolina (1-2 mg.kg-1) pode ser sim, a depressão miocárdica provocada por agentes
utilizada para facilitar a intubação, na indução de anestésicos deve ser minimizada.
seqüência rápida com manobra de Sellick, porém
A anestesia é mantida com uma combinação
não é a rotina do nosso serviço. Ainda, essa droga
de agentes hipnóticos (inalatório e/ou venoso),
também pode ser administrada nos pacientes com
analgésicos (opóides) e relaxantes musculares não
suspeita de via aérea difícil.
despolarizantes. Os benzodiazepínicos podem ser
Cuidado especial é dado à intubação traqueal utilizados para a obtenção de hipnose e amnésia
(IT), pois coagulopatias e/ou trombocitopenia es- nos casos de hipotensão, sempre lembrando que
tão quase sempre presentes, aumentando o risco sua matabolização está diminuida. O anestésico
de sangramento por traumas. Como os pacientes inalatório mais comumente usado em tx é o iso-
podem necessitar de ventilação mecânica por um flurane, devido ao baixo índice de metabolização33;
período prolongado após a cirurgia, o tamanho este pode ser associado também à infusão contínua
e o posicionamento da sonda traqueal são ade- de profofol (50-120 µg.kg-1.min-1). Entre os opiói-
quados para evitar complicações durante e após des, usamos o sufentanil (0,15-0,50 µg.kg-1 /min)
a cirurgia. ou o fentanil (10-30 µg.kg-1 em bolus); o remifenta-

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nil tem como vantagem o metabolismo totalmente O manuseio da reposição de volume deve ser
independente da função hepática, mas pelos seus cuidadoso, pois são pacientes normalmente desnu-
efeitos cardiovasculares, necessita de manuseio cri- tridos, hipoalbuminêmicos, com volume de distri-
terioso no seu uso em tx hepático. buição aumentado e grandes perdas de volume para
O relaxamento muscular é obtido mediante bo- o 3o espaço. Além disso, há a desvantagem na rela-
lus ou infusão contínua de atracúrio, cisatracúrio, ção entre superfície corpórea, perdas e volemia. A
esmeron, ou outro relaxante muscular adespolari- hidratação e a reposição de grandes perdas sangü-
zante, respeitando suas dosagens. íneas com soluções cristalóides contribuem para o
extravasamento para o interstício e o aparecimento
O N2O não é evitado, por provocar aumento
de acidose metabólica dilucional. Esta pode ser agra-
da distensão das alças intestinais e apresentar efeito
vada pela hipercloremia, quando se utiliza solução
expansivo na eventualidade de embolia aérea34,35.
fisiológica para hidratação e reposição volêmica. En-
No caso de hipotensão durante a revascularização,
tretanto, o extravasamento de fluido para o inters-
recomenda-se administrar FiO2 a 100%, com a fi-
tício favorece o aparecimento de edema alveolar e
nalidade de otimizar a demanda de oxigênio para
de alças intestinais, comprometendo as trocas gaso-
os tecidos4.
sas pulmonares e as anastomoses vasculares e biliar,
A infusão de dopamina na dose de respectivamente. Ainda, com o objetivo de reduzir
2-3 µg.kg-1.min-1 é utilizada com a finalidade de a chance de trombose, o Ht deve ser mantido em
melhorar a perfusão renal.36 torno de 30%. Diante do dilema que inclui edema
Na fase de dissecção ou pré-anepática temos exagerado de alças intestinais, má distribuição de
grande perda de volume sangüíneo e distribuição de volume com persistência de pressão venosa central
volume para o 3o espaço, devido à cirurgias prévias e reduzida comprometimento das anastomoses vascu-
grande exposição de alças, respectivamente. Durante lar e biliar, recomenda-se a infusão de uma solução
essa fase, recomenda-se, num intervalo de 1-2 horas, de Ringer e albumina a 5%. O objetivo desta solu-
o controle de Hb e Ht, gasometria arterial, eletróli- ção é manter a pressão oncótica e repor as perdas,
tos (sódio, potássio e cálcio iônico), glicemia, osmo- sem extravasamento para o interstício.
lalidade plasmática e lactato. As alterações devem ser Na fase anepática, durante o clampeamento da
corrigidas e o Ht mantido no valor ≥ 30 %. veia cava inferior, o retorno para o coração está
Nos pacientes com cirurgia prévia, tempo pro- diminuído. Assim, a reposição de fluidos deve es-
longado de protrombina ou INR alargado, alguns tar limitada ao volume necessário para preservar
autores preconizam iniciar o procedimento com o débito cardíaco e manter uma perfusão tecidual
infusão contínua de aprotinina (2.500 a 5.000 adequada4. A administração de grandes volumes
U.kg-1.min-1 até a fase de reperfusão), na tentativa durante essa fase pode produzir hipervolemia na
de diminuir a fibrinólise, com concomitante redu- fase seguinte, de reperfusão, resultando em um au-
ção da transfusão de sangue e derivados37-39. A uti- mento das pressões do átrio direito e venosa hepá-
lização de aprotinina ainda é discutida em alguns tica, com conseqüente congestão do enxerto hepá-
centros de tx hepático, devido à maior probabili- tico. Em antecipação a alterações eletrolíticas em
dade de trombose arterial. No Instituto da criança, decorrência à reperfusão do fígado, administramos
nós não usamos a aprotinina. bicarbonato de sódio 1 meq/kg, até sua normali-
Como a maioria dos pacientes são portado- zação, e as alterações de potássio e cálcio também
res de icterícia, a administração de manitol 20% devem ser prontamente corrigidas.
(3-5 ml.kg-1) tem um efeito de proteção renal con- Na fase pós-anepática ou pós-reperfusão, o pe-
tra deposição de bilirrubina. ríodo de maior risco de hipotensão acontece ime-

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diatamente após a reperfusão hepática, podendo toração contínua de ECG, pressão arterial, e satu-
ocorrer grande instabilidade hemodinâmica (hipo- ração de oxigênio. A ventilação manual é mantida
tensão arterial, bradicardia e arritmias ventricula- com FiO2 a 100%, com a criança em IOT; desde
res), com aumento do potássio plasmático, acidose que as condições clínicas permitam, a extubação
e hipotermia. Essas alterações são provocadas pela do paciente em sala pode ser considerada. A pres-
rápida infusão de metabólitos da respiração anaeró- são arterial sistêmica deve ser mantida em torno de
bica celular, e de produtos residuais das soluções de 60-80 mmHg em bebês e crianças menores, ou 70-
preservação do órgão, o qual apresenta alta concen- 90 mmHg em crianças mais velhas e adolescentes.
tração de potássio e pH e temperatura baixos. Além
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476 An e s t e s ia Pe diátrica

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Capítulo 28
T r au m atism o e m P e d i a t r i a
Fernando Bueno Pereira Leitão
Hermano Augusto Lobo
Railton César G. de Abrantes

INTRODUÇÃO em primeiros socorros, mesmo que não seja um


profissional da área de saúde, visando a anti-sepsia,
Da mesma maneira que o adulto, a criança está a hemostasia e a diminuição do sofrimento físico
exposta a situações de risco pelos mais diversos mo- e psicológico das vítimas. Destacam-se, então, a
tivos. Além daqueles explicáveis pela sua própria limpeza do ferimento com água e sabão, o estan-
imaturidade e condição psicológica, como a obs- camento de sangramento externo por compressão
trução das vias aéreas, os ferimentos, as queimadu- com um tecido limpo ou esterilizado, o uso de
ras e o afogamento, ela tem sido vítima de outros água fria nas regiões queimadas e a imobilização da
traumatismos graves e até letais, como os resultantes coluna vertebral, principalmente da cervical, assim
de ocorrências no trânsito, agressões por animais, como dos membros e articulações supostamente
violência no ambiente doméstico e em áreas públi- fraturados ou luxados. Nas queimaduras por fogo
cas1. Dentre estes se salientam os espancamentos, nas vestes é importante a divulgação de que sua
as lesões causadas por arma de fogo, arma branca e interrupção deve ser feita pelo abafamento do fogo
o abuso sexual. Outra causa inclui a exploração do por um cobertor ou similar de tecido não inflamá-
trabalho infantil, no campo e nas cidades, executado vel, seguido da rotação do corpo da vítima sobre si
sem controle, em condições insalubres e inseguras. mesmo, estando ela deitada no chão. Todas essas
medidas, certamente de fácil execução, precisam
ATENDIMENTO INICIAL ser divulgadas com freqüência, pois sua adoção,
mesmo que executada pela própria criança, favore-
As ações preventivas são a melhor proteção con- ce naturalmente uma melhor evolução do caso. Na
tra tais situações, no entanto, uma vez que tenham eventualidade de agressão por animais, certas con-
ocorrido, o ideal é um atendimento inicial, já no dutas são específicas e complementares, como a ne-
local do incidente, por quem tenha treinamento cessidade de vacinação contra a raiva na vigência de

477

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mordida por cães, gatos ou outro animal suspeito Básico de Vida (SBV), definido pela American Heart
de ser portador do vírus transmissor da moléstia. Association como Algoritmo “Pediatric Healthcare
Nos casos em que a vítima se tornar inconsciente Provider BLS” (Pediatric Basic Life Support), isto é,
impõe-se, de imediato, a solicitação de socorro (telefo- aquele indicado para o tratamento da parada cardíaca2
nes 192 ou 193) e a adoção do protocolo do Suporte (Fig. 28.1).
Avaliar a consciência
Indentificar situações especiais

Consciente
1
Inconsciente
Sem movimento ou resposta
Ligar 192/193, preparar DEA

2
1 SOCORRISTA: colapso súbito
Ligar 192/193, preparar DEA

3
Desobstruir Vias aéreas (A),
Avaliar Respiração (B)
• VER
• OUVIR
• SENTIR

4
Se não respira
Faça 2 ventilações de resgate – elevação do tórax

5
5A
Se não responder, verificar o pulso: Com pulso Faça uma respiração a cada 3 segundos
Pulso bem definido em 10 segundos? Verifique o pulso a cada 2 minutos

Sem pulso
6
1 SOCORRISTA: ciclos de 30 MCE e 2 respirações Obs: Notar que as atividades nas caixas
Comprimir forte e rápido (100/min) – liberar completamente o toráx
pontilhadas serão executadas por pessoal
Evitar interromper a MCE
treinado e não por socorristas leigos.
2 SOCORRISTA: ciclos de 15 MCE e 2 respirações

7
Sem resposta, ligar 192/193, preparar DEA
Criança < 1 ano: continuar RCP, até Equipe SAVC assumir ou resposta da vítima
Criança > 1 ano: continuar RCP; usar DEA após 5 ciclos de RCP
(Usar DEA tão logo disponível nos casos de colapso súbito não presenciados)

8
Criança < 1 ano:
Checar ritmo
Ritmo para desfibrilação?

Recomendada desfibrilação Não recomendada desfibrilação

9 10
Desfibrilar 1 vez Continuar RCP imediatamente por 5 ciclos
Cintinuar RCP imediatamente por 5 ciclos Verificar ritmo a cada 5 ciclos: continuar RCP até
Equipe SAVC assumir ou resposta da vítima

Fig. 28.1 – Algoritmo “Pediatric Healthcare Provider BLS” da American Heart Association.

478 An e s t e s ia Pe diátrica

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Este protocolo, iniciado pela avaliação da cons-
ciência por meio de estímulo mecânico e verbal,
impõe, em seqüência, os procedimentos relaciona-
dos a permeabilização das vias aéreas (A=airway),
ventilação pulmonar artificial (B=breathing), cuidados
com a circulação (C=circulation) e, quando indicado,
desfibrilação cardíaca (D=defibrillation)2. Nos casos de
trauma, quando o socorrista for devidamente treina-
do, a permeabilização das vias aéreas poderá ser reali-
zada pela inclinação da cabeça e elevação do quei-
xo (chin lift) (Fig. 28.2) ou através da protração dos
ângulos da mandíbula (jaw thrust) (Fig. 28.3), neste
Fig. 28.3 – Protração dos ângulos da mandíbula (jaw thrust).
caso, a fim de evitar extensão da cabeça e piora de lesão
cervical eventualmente existente2.
A avaliação da respiração é constatada por meio da
tríplice manobra de “ver, ouvir e sentir” (Fig. 28.2). Na
ausência de respiração espontânea, a ventilação artificial
na criança muito pequena (bebê) é feita pela respiração
boca-a-boca, com os lábios do socorrista envolvendo a
boca e o nariz e soprando com intervalo de 1 a 2 segun-
dos (Figs. 28.4 e 28.5).
Os cuidados com a circulação exigem, também, a
verificação da consciência da vítima, agora para a avalia-
ção de eventual parada cardíaca. Deverá ser tratada com
massagem cardíaca externa:
a) a criança muito pequena, através da extremidade Fig. 28.4 – Ventilação boca-a-boca/nariz em lactentes. Adaptado de
dos dedos indicador e médio sobre o esterno; Chameides e Hazinski.

Fig. 28.2 – Inclinação da cabeça e elevação do queixo (chin lift) em Fig. 28.5 – Ventilação boca-a-boca em crianças e adolescentes.
crianças e adolescentes. Adaptado de Chameides e Hazinski.

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 479

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b) a criança maior, sobre o terço inferior do esterno;
a massagem cardíaca externa será realizada com a região
tenar de uma das mãos11 (Figs. 28.6 a 28.8).
Embora não freqüente, a fibrilação ventricular po-
derá ocorrer em crianças vítimas de trauma, exigindo
atenção por parte do socorrista. Nestes casos, poderá ser
necessário o uso de desfibrilador (item D do protoco-
lo PBLS), sendo mais indicado o desfibrilador externo
automático (DEA). Além da simplicidade de uso, ele
próprio indica a seqüência e o modo de agir, podendo
ser facilmente utilizado em qualquer ambiente2.

Fig. 28.8 – Técnica de MCE em crianças e adolescentes. Adaptado


de Chameides e Hazinski.

ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR
O atendimento inicial à criança traumatizada
deve ser integrado ao sistema pré-hospitalar, acio-
nado pelos telefones 192 ou 193 e constituído por
ambulâncias ou aeronaves que disponham de re-
cursos humanos especializados, como o médico e
o enfermeiro, além de outros profissionais também
treinados, pelo menos em primeiros socorros e
SBV. O equipamento disponível deve incluir más-
caras faciais, bolsas para ventilação (tipo AMBU),
Fig. 28.6 – Técnica de MCE em lactentes. Adaptado de Chameides cânulas oro e nasofaríngeas, oxigênio, aspirador e
e Hazinski.
sondas rígidas, estetoscópio, oxímetro de pulso,
monitor cardíaco, termômetro, esfigmomanôme-
tro, compressas, gazes, cobertores ou tecidos capa-
zes de evitar a hipotermia, pranchas e talas para
imobilização, colar cervical e desfibrilador externo
automático. Para a realização de eventuais proce-
dimentos invasivos é necessário material para in-
tubação traqueal e cricotireoidostomia, capnógra-
fo, cânulas para acesso intravenoso e intra-ósseo,
seringas e agulhas, soluções cristalóides, coloidais
e glicosadas, e drogas para situações emergenciais,
como relaxantes musculares de ação periférica,
atropina, sedativos e analgésicos. A distribuição
deste material na viatura deverá obedecer aos cri-
Fig. 28.7 – Massagem cardíaca com as mãos envolvendo o tórax.
térios definidos por seus responsáveis3. O trans-
Adaptado de Kattwinkel. porte por helicóptero é geralmente recomendado

480 An e s t e s ia Pe diátrica

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quando há premência de atendimento hospitalar, viaturas são equipadas de acordo com a necessidade
embora o ruído e a trepidação possam ser um in- da assistência para a qual se destina. O suporte básico
conveniente para o atendimento. A vibração pode é tripulado por técnicos, auxiliares de enfermagem
interferir nos equipamentos e o ambiente restrito ou bombeiros, e contém equipamento para proce-
na movimentação da equipe, que também é passí- dimentos não invasivos como: máscaras faciais, bol-
vel de apresentar desconforto, como náusea, razão sas para ventilação, cânulas orofaríngeas, oxigênio,
pela qual exige preparo especial. Um dos princi- aspirador, estetoscópio, esfigmomanômetro, com-
pais cuidados neste tipo de transporte se refere às pressas, cobertores e talas para imobilização.
condições respiratórias da criança, pois em decor- O suporte avançado é tripulado por médicos e
rência da variação da pressão barométrica, capaz enfermeiros, o que viabiliza a realização de procedi-
de prejudicar a ventilação pulmonar, é indicada a mentos invasivos. O equipamento disponível pos-
obtenção de via aérea definitiva antes do início do sui o descrito no suporte básico e, além disso, inclui
vôo. Será, também, oportuna a instalação de dois monitores e dispositivos para suporte ventilatório
acessos venosos, dada a eventual dificuldade de e circulatório. A lista inclui, também, laringoscó-
obtê-las, posteriormente, em decorrência do mo- pio, sondas para IOT, material para cricotireoidos-
vimento e vibração. Esses cuidados são extensivos, tomia, oxímetro de pulso, capnógrafo, monitor de
também quando o transporte é feito por ambulân- ECG com desfibrilador, bomba de infusão, cânu-
cia que percorra longa distância, principalmente las para acesso intravenoso e intraósseo, seringas,
agulhas, soluções cristalóides, colóides e glicosadas.
em leito carroçável mal conservado4. As situações
Fármacos como adrenalina, atropina, bicarbonato
graves, como aquelas que exigem um tratamento
de sódio, dopamina, lidocaína, glicose, cálcio, fu-
abrangente, por equipe multiprofissional, devem
rosemida, relaxantes musculares, hipnóticos, anal-
respeitar o protocolo definido pela American Heart
gésicos e antibióticos ajudam a compor o arsenal
Association como PALS (Pediatric Advanced Life terapêutico a ser transportado pelas equipes6. É
Support) (Figs. 28.9 a 28.11), semelhante ao in- muito importante e imprescindível a familiaridade
dicado para adultos, e que salienta a prioridade da com esse equipamento por parte dos socorristas.
oxigenação celular e da perfusão sangüínea, uma
O transporte do local do atendimento inicial ao
vez que a falta de oxigênio por mais de quatro mi-
hospital pode ser realizado por unidade básica ou
nutos em indivíduo normotérmico é responsável avançada de acordo com as condições da criança. Pa-
pela lesão irreversível da célula nervosa, caracteri- cientes críticos devem seguir com a equipe médica.
zando a morte cerebral ou a encefálica. Daí a im-
Quando a redução do tempo é mandatória, a
portância da oferta precoce de oxigênio, assim que
transferência pode ser realizada por transporte ae-
tal recurso for disponível.
romédico. O helicóptero apresenta como vantagem
A criança traumatizada recebe o primeiro aten- o transporte rápido, apesar do barulho e vibração.
dimento na rua, por uma unidade de suporte bá- Também dificulta o manuseio do paciente duran-
sico e/ou avançado de vida. Neste cenário, seu es- te uma emergência, o que exige que a criança seja
tado pode variar de relativamente estável a crítico, transportada em situação de maior estabilidade.
momento em que é iniciada a ressuscitação. Após a Sua maior desvantagem é o custo operacional7.
abordagem inicial, a equipe comunica à central de O transporte por ambulância representa um
regulação os sinais vitais e as lesões observadas no menor custo, mas o tempo para transferência de-
paciente, sendo orientada a prosseguir até o hospi- pende da distância a ser percorrida, das condições
tal de referência para o tratamento definitivo. das estradas e do trânsito. Deslocamentos maiores,
A criança é imobilizada no local e conduzida em especialmente entre cidades, poderão ser realizados
ambulância com a equipe do pré-hospitalar. Essas por aeronave de asa fixa.

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 481

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1
PARA CARDÍACA SEM PULSO
• Algoritmo BLS: continuar RCP
• Dar oxigênio quando disponível
• Instalar monitor/desfibrilador quando disponível

2
Recomendada a Não recomendada
desfibrilação Avaliar ritmo a desfibrilação
Recomendada a desfribilação?

3 9
Fibrilação ventricular Assistolia
taquicardia ventricular Atividade elétrica sem pulso

4
Desfibriar 1 vez
• Manual: 2 J/kg 10
• DEA: criança>1 ano Continuar RCP imediantamente
(Usar sistema pediátrico em crianças Administrar epinefrina
de 1 a 8 anos) • IV:IO: 0,1 mg/kg
Continuar RCP imediatamente (1:10.000: 0,1 ml/kg)
Administrar epinefrina • Tubo traqueal: 0,1 ml/kg
• IV/IO: 0,01 mg/kg (1:1.000: 0,1 ml/kg)
(1:10.000: 0,1 ml/kg) Repetir a cada 3-5 minutos
• Tubo traqueal: 0,1 mg/kg
(1:1.000: 0,1 ml/kg)
Repetir a cada 3-5 minutos

RCP – 5 ciclos RCP – 5 ciclos


5 11
Avaliar ritmo Avaliar ritmo
Não
Recomendada a desfribilação? Recomendada a desfribilação?

Não recomendada Recomendada a


Recomendada a a desfibrilação desfibrilação
desfibrilação 13
12
6 Ir para a
• Se assistolia, ir para Caixa 10
Continuar RCP – desfibrilador carregando • Se atividade elétrica, avaliar pulso. Caixa 4
• Desfibrilar 1 vez Sem pulso, ir para Caixa 10
• Manual: 4 J/kg • Com pulso, iniciar cuidados pós-RCP
• DEA: criança > 1 ano
Continuar RCP imediatamente

RCP – 5 ciclos
7
Avaliar ritmo Não
Recomendada a desfribilação?
Durante RCP
Recomendada a • Comprimir forte e rápido (100/min) Identificar e tratar as causas
desfibrilação • Permitir retorno do tórax na exploração Hipovolêmia
8 • Evitar interrupções na MEC Hipoxemia
• 1 ciclo de RCP: 15 compressões para 2 Acidose
Continuar RCP – desfibrilador carregando respirações: 5 ciclos - 1-2 min Hipo/hipercalemia
Desfibrilar 1 vez • Evitar hiperventilação Hipoglicemia
• Manual: 2 J/kg • Garantir a via aérea e confirmar a Hipotermia
• DEA: criança >1 ano colocação do tubo Toxinas
Continuar RCP imediatamente • Fazer rodizio do socorrista a cada 2 Tamponamento cardiaco
Considerar antiarrítmicos minutos com avaliação do ritmo cardiaco Pneumotórax hipertensivo
• amiodarona 5 mg/kg IV/IO Trombose (coronanama/pulmular
• lidocaína 1 mg/kg Trauma)
*Após obtida a via aérea (IOT):
Conseiderar magnésio: 25 - 50 mg/kg IV/IO,
• Suspender os "ciclos" de RCP
máx. 2 g para torsades de pointes
(Realizar MCE sem pausa para a ventilação)
Após 5 ciclos de RCP* ir para Caixa 5
• Ventilar com 8-10 incursões/min.
• Avaliar ritmo a cada 2 minutos

Fig. 28.9 – Algoritmo de Parada Cardíaca sem Pulso do PALS – Pediatric Advanced Life Support do American College of Surgeons.

482 An e s t e s ia Pe diátrica

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1
BRADICARDIA COM PULSO
causando
comprometimento cardiorrespiratório

2
• Algoritmo BLS: avaliar/realizar
ABC
• Oxigênio 100%
• Monitor/Desfibrilador

3
Não Bradicardia ainda causa Sim
comprometimento cardiorrespiratório?

4
RCP
Apesar de O2/Ventilação se FC < 60/min com má perfusão
5A
• Algoritmo BLS: realizar ABC; O2 se necessário 5
• Observar Não Bradicardia sintomática persiste?
• Considerar consulta ao especialista

6
• Epinefria
IV/10: 0,01 mg/kg
Recomendações Tubo traqueal: 0,1 ml/kg
Repetir a cada 3-5 minutos
• Durante RCP - Comprimir a forte e Identificar e tratar as causas de: • Se tônus vagal aumentado ou
rápida 100/min Hipovolêmia bloqueio AV 1° grau:
Permitir retorno do tórax na expiração Hipoxia ou problemas ventilatórios Atropina
Evitar interrupções na MCE Acidose 1ª dose: 0,02 mg/kg, repetir S/N
• Algoritimo BLS: realizar ABC Hipo/hipercalemia (Dose máx.: 0,1 mg)
• 1 ciclo de RCP: 15 compressões para Hipoglicemia Dose máx. total para cças: 1 mg
2 respirações: 5 ciclos - 1-2 min Hipotermia • Considerar MPTC ou Transesofágico
• Evitar hiperventilação Toxinas
• Garantir a via aérea e confirmar a Tamponamento cardíaco
colocação do tubo Pneumotórax hipertensivo 7
• Fazer rodízio do socorrista a cada 2 Trombose (coronanma/pulmonar)
minutos com avaliação do ritmo Trauma (hipovolemia) Se evoluir para Assistolia/Atividade Elétrica sem Pulso ir para
cardíaco ALGORITMO DE PARADA CARDÍACA SEM PULSO

Fig. 28.10 – Algoritmo de Bradicardia com Pulso do PALS – Pediatric Advanced Life Support do American College of Surgeons.

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1
TAQUICARDIA COM PULSO E BAIXA PERFUSÃO

• Algoritmo BLS: avaliar/realizar


• Oxigênio 100%
• Monitor/Desfibrilador
Sintomas
3 persistem 9
QRS estreitado 2 QRS alargado
Avaliar duração do QRS (≤ 0,08 s) Avaliar duração do QRS (> 0,08 s) Possivel taquicardia
ou ventricular
Monitor de 12 eletrodos

4 5 10
Provável tarquicardia sinusal Provável tarquicardia supraventricular • Cardioversão sincronizada: 0,5 - 1J/kg
• História compativel consistente com causa • História compativel (vaga, não especifica) Se não efetiva: aumentar para 2 J/kg
conhecida • Onda P – ausente/normal Sedar se possivel, mas não retardar
• Onda P – presente/normal • FC fixa cardioversão
• R-R variável; P-R constante • História de variações abruptas da FC • Tentar adenosina se não retardar
• Lactentes: FC geralmente < 220 bpm • Lactentes: FC >220 bpm cardioversão
• Crianças: FC geralmente < 180 bpm • Crianças: FC > 180 bpm

7
6
Considerar manobras
Avaliar e tratar a causa vagais (não retardar)

8
11
• Acesso IV já disponivel:
Adenosina 0,1 ml/kg (dose máx. inicial = 6 mg) – bolus rápido Recomendada consulta a especialista
Pode duplicar 1ª dose e administrar 1 vez (máx 2ª doses = 12 mg) • Amiodarona 5 mg/kg IV por 20-60 minutos
ou ou
• Cardioversão sincronizada: 0,5 - 1 J/kg • Procainamida 15 mg/Kg IV por 30-60 minutos
Se não efetiva: aumentar para 2 J/Kg * Não administrar rotineiramente amiodarona e procainamida juntas
Sedar se possivel, mas não retardar cardioversão

Durante avaliação Tratar possiveis fatores:


• Verificar vias aéreas e acesso Hipovolêmia
vascular quando possivel Hipoxemia
• Considerar consulta especialista Acidose
• Preparar para cardioversão Hipo/hipercalemia
Hipoglicemia
Hipotermia
Toxinas
Tamponamento cardiaco
Pneumotórax hipertensivo
Trombose

Fig. 28.11 – Algoritmo de Taquicardia com Pulso e Baixa Perfusão do PALS – Pediatric Advanced Life Support do American College of Sur-
geons.

484 An e s t e s ia Pe diátrica

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O ambiente no interior das viaturas apresenta ní- O aquecimento da criança deve ser lembrado
vel de ruído elevado proveniente do próprio veícu- durante o transporte. A manutenção da tempera-
lo, do trânsito e dos monitores. A vibração existente tura corporal é particularmente difícil em prematu-
pode interferir com os equipamentos, além de, com ros e crianças menores, ocorrendo à custa de maior
freqüência, poder apresentar iluminação inadequa- consumo de O2 e produção de CO2, podendo cau-
da, temperatura ambiente variável, mudanças na sar falência respiratória. Para evitar maior perda de
pressão barométrica, espaço confinado, limitações calor, a criança deve estar seca e em contato com
quanto aos recursos humanos e materiais, possibi- lençóis previamente aquecidos. O uso de berço e
lidade de falha no equipamento (por interferências soluções aquecidas deve ser providenciado8.
ou dificuldade em repor baterias) e ainda efeitos ad- Existe risco de hipoglicemia especialmente em pre-
versos sobre a própria equipe de transporte (náusea, maturos e crianças menores. Nesses pacientes, o uso
por exemplo)8. É necessário que equipes treinadas e da glicose deve acompanhar a hidratação e a dosagem
adaptadas realizem o transporte dos pacientes, uma da glicemia deverá ser repetida periodicamente.
vez que está preparada para lidar com as intercor-
A monitoração deverá ser mantida por todo o
rências que surgirem durante o trajeto.
trajeto através da avaliação do estado de consciên-
A estabilização do paciente antes do transporte cia, freqüência cardíaca, pressão arterial, oximetria
segue o ABC (airway, breathing, circulation).9 A via de pulso, ECG, freqüência respiratória, temperatu-
aérea deve estar pérvia e o controle da dor deverá ra e do CO2 expirado.
ser providenciado em pacientes traumatizados que
Nos casos de transporte inter-hospitalar, deve
apresentem este sintoma. Eventualmente uma in-
existir o contato prévio entre os hospitais, especial-
tervenção agressiva no manejo das vias aéreas se faz
mente por intermédio dos médicos responsáveis
necessário durante o deslocamento.
pelo paciente. Ambos devem estar cientes da trans-
A ventilação e a possível deterioração da função ferência, e o médico da unidade de destino deve
respiratória deverão ser avaliadas criteriosamente. ser informado quanto à história clínica da criança,
Se necessário, assegurar uma via aérea definitiva, sua evolução, o estado atual e o tratamento realiza-
pois a habilidade para identificar falência respira- do. Uma cópia do prontuário contendo os exames
tória e realizar IOT torna-se mais difícil durante também deverá ser encaminhada. As duas equipes
o transporte, especialmente nas aeronaves. A ven-
deverão decidir se a criança está estável o suficiente
tilação, em crianças com tubo traqueal, deverá ser
para permitir o deslocamento.
preferencialmente realizada por equipamento. Al-
gumas vezes é necessário o uso de relaxantes mus- Todos os procedimentos e intercorrências ob-
culares, hipnóticos e analgésicos, especialmente se servados durante o transporte devem ser documen-
houver extubação acidental. tados e comunicados à equipe de destino.
O paciente traumatizado deve ser transportado Os pais devem ser claramente informados quan-
com dois acessos venosos para reposição volêmica e to à situação para reduzir a ansiedade, obter coope-
devido à possibilidade de deslocamento de um deles. ração e consentimento para a transferência.
As agulhas de metal não são recomendadas, podendo Uma comunicação eficiente é essencial para via-
perfurar a veia durante o movimento e a vibração da bilizar o transporte de uma criança traumatizada.
viatura. A via intraóssea é uma alternativa nos pacien- A central de regulação bem como os hospitais en-
tes muito graves e com dificuldade de acesso venoso. volvidos na transferência deverão manter apoio e
Em crianças muito pequenas, a hidratação deve contato com a viatura quando necessário.
ser realizada com bomba de infusão. Os equipos Um checklist deverá ser elaborado pelos hospi-
convencionais podem falhar no controle do goteja- tais e usado para as transferências. Deverão conter
mento, causando hiperidratação. itens, como:

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 485

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• proteção da via aérea e ventilação; cos que envolvem as respostas neuroendócrinas e
• imobilização da coluna cervical nos traumas; humorais, como a individualização da via e dose
• confirmação de oxigênio suficiente; do analgésico, o horário de administração, o trata-
mento precoce, a indicação do opiáceo como me-
• adequado acesso venoso;
dicamento de escolha frente à dor aguda e intensa,
• imobilização das fraturas; a terapêutica multimodal como melhor abordagem
• aquecimento da criança; depois de adequado controle inicial, o reconheci-
• funcionamento das bombas de infusão com mento e tratamento de efeitos colaterais da tera-
bateria suficiente; pêutica adotada e a avaliação continuada.
• existência de fluidos e medicações para o A individualização da via e dose do analgésico
transporte; decorre das diferentes respostas ao estímulo dolo-
• prontuário deve estar completo com as ano- roso, em decorrência da idade, fatores psicológicos
tações e exames; e tipo de traumatismo. É preciso, também, levar
em conta a variação da demanda analgésica em di-
• equipes cientes e de acordo;
versos momentos.
• os pais cientes e de acordo6.
A importância de um esquema horário de ad-
ministração reside na vantagem de níveis plasmá-
ATENDIMENTO HOSPITALAR ticos do analgésico evitarem uma solicitação maior
Providências complementares a serem tomadas, de sua administração, o que é indesejável, pelo
também de imediato, referem-se à continuidade risco de eventual superdosagem e pela sobrecarga
da imobilização da coluna cervical, à avaliação das de atenção direcionada à enfermagem em momen-
condições circulatória e neurológica, à retirada das tos já naturalmente caracterizados por excesso de
vestes para exame físico completo, porém, sempre trabalho. Estes fatos dificultam a abordagem far-
com o cuidado de proteção contra a hipotermia. macológica do fenômeno doloroso explicando o
O outro aspecto que exige atenção é a dor, por ser corolário clínico de que “a dor é mais bem tratada
causa de agressão psicológica associável à angústia precocemente que tardiamente”.
causada pelo afastamento dos familiares e capaz de O tratamento precoce da dor na criança trauma-
dificultar a evolução do processo terapêutico. Por tizada reduz a necessidade de analgésicos, aumenta a
isso, ela é atualmente considerada outro parâmetro satisfação do doente e contribui para alterar a resposta
para monitoração das condições hemodinâmicas e de hiperatividade simpática ao trauma, com melhor
neurológicas, o que corrobora a tendência mundial redistribuição do fluxo sangüíneo e da perfusão teci-
de considerá-la o quinto sinal vital, a ser avaliado dual, fatores importantes na fase de reanimação. Ao
e registrado juntamente com a freqüência cardí- evitarem-se períodos de analgesia inadequada, impe-
aca, a freqüência respiratória, a pressão arterial e de-se a situação de up-regulation dos receptores da dor,
a temperatura corpórea. Nestas circunstâncias, o implementando o tratamento analgésico. Desta forma,
alívio da dor demanda uma cuidadosa e criteriosa esquemas de horários de administração são recomen-
avaliação clínica para nortear o risco-benefício do dados para todas as medicações analgésicas, mesmo na
emprego da melhor opção analgésica12. Entretanto, eventualidade da criança não estar referindo dor13,14.
é necessário acentuar que ela favorece o diagnóstico Além da titulação cuidadosa e fracionada dos
das lesões e a natural e humanitária tendência em opiáceos administrados por via venosa ser a me-
tratá-la de imediato pode prejudicar uma eventual lhor indicação para obtenção rápida da analgesia,
indicação terapêutica. Qualquer esquema proposto há também, a vantagem de não ocasionar reper-
para o seu alívio deve respeitar os princípios bási- cussões importantes na vigência de uma instabi-

486 An e s t e s ia Pe diátrica

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lidade hemodinâmica. Para diminuir seus efeitos laparoscopia, cirurgias da parede abdominal,
colaterais, os opiáceos devem ser administrados na cirurgias neurológicas do segmento cefálico;
menor dose possível para obtenção do efeito dese- • fonte algogênica 3: cirurgias de médio porte,
jado10. Por isso, impõe-se a terapêutica analgésica de abdome inferior, ginecológicas, cirurgias
multimodal que inclui a associação com analgési- ortopédicas de ossos longos e que não envol-
cos não opiáceos15, como os “analgésicos periféri- vem grandes articulações;
cos” (dipirona e paracetamol) e os antiinflamató- • fonte algogênica 4: cirurgias de médio e
rios não esteroidais (AINEs). Os AINEs apresen- grande porte de abdome superior, ortopé-
tam o efeito poupador de opiáceo (opioid-sparing) dicas de ossos longos envolvendo grandes
e podem estar associados a inibição da agregação articulações ou grandes massas musculares,
plaquetária, a alterações gastrintestinais como dis- esternotomias; e
pepsia e sangramento do tubo digestivo, a insufici-
• fonte algogênica 5: cirurgias de grande porte
ência renal e, mais raramente, a alterações do SNC,
abdominais ou torácicas, cirurgias oncoló-
como sonolência e confusão mental. Para todas es-
gicas, cirurgias ortopédicas de grandes arti-
tas complicações, o tratamento inicial consiste na
suspensão do medicamento. Por sua vez, os opiá- culações e de coluna com aferência íntegra.
ceos podem estar associados a náuseas e vômitos, Embora saibamos que a dor é um sintoma
sedação, prurido, obstipação, retenção urinária e, individual e que nenhum doente submetido
mais raramente, hipotensão postural. O tratamen- a estímulos semelhantes terá dor da mesma
to destas complicações inclui a redução das doses intensidade que outro, este método é útil
empregadas, o que reforça a necessidade de asso- para aqueles casos em que uma avaliação
ciação com AINEs, com dipirona ou paracetamol. mais objetiva seja impraticável16.
Nesta situação deve-se pensar na alteração da via de Se o atendimento à criança traumatizada não
administração e na possibilidade do uso de antago- puder se completar no hospital onde foi inicialmen-
nistas de opiáceos, como a naloxona. te atendida e houver necessidade de outros proce-
O outro aspecto a ser considerado é a avaliação dimentos que exijam sua remoção, esta só poderá
continuada da intensidade da dor, o que nem sem- ser realizada após entendimento do médico com
pre é fácil, principalmente nas crianças de menor o controlador da central de regulação, certamente
idade, onde a subjetividade do avaliador pode falsear com o consentimento dos responsáveis. Um deta-
o resultado. Por isso, métodos objetivos devem ser lhamento de suas condições clínicas e especificação
considerados, como a Escala Visual Analógica – EVA da monitoração devem constar do prontuário, sen-
associada à Escala de Expressões Faciais – EEF13. do fundamental a verificação dos seguintes itens:
Ainda para avaliação da dor pós-operatória, a proteção da via aérea e da ventilação, imobilização
Escala de Analgesia Pós-operatória – EAPO, que da coluna cervical, confirmação de oxigênio sufi-
classifica os procedimentos de acordo com o estí- ciente, adequado acesso venoso, imobilização de
mulo de nocicepção, denominado “fonte algogêni- fraturas, aquecimento da criança, funcionamento
ca”, pode ser vantajosa, pois analisa a dor dos pa- das bombas de infusão, fármacos e soluções hidra-
cientes segundo os diferentes tipos de cirurgias: tantes necessários16.
• fonte algogênica 1: corresponde a cirurgias Nesta fase, a ausência do jejum deve ser sem-
de mínimo porte, pequenos curativos, retira- pre considerada, pelo risco da obstrução das vias
da de pontos; aéreas por conteúdo gástrico, vômito ou regurgi-
• fonte algogênica 2: cirurgias de pequeno por- tação. Então, as manobras de permeabilização das
te, cirurgias odontológicas, redução de peque- vias aéreas deverão ser mais efetivas, por exemplo,
nas fraturas ou de luxações de ossos pequenos, pelo emprego da cânula oro ou nasofaríngea, se a

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criança estiver inconsciente. A colocação de cânula oximetria de pulso e coloração das extremidades.
de Guedel na criança de até 1 ano de idade, deve- O próximo item desta fase implica uma monito-
rá ser feita com sua extremidade direcionada para ração mais complexa e que abrange os controles da
a parte posterior da língua, com a ajuda de uma freqüência e ausculta cardíaca, a medida da pressão
espátula. A obtenção de via aérea definitiva, como arterial, o eletrocardiograma – ECG, a avaliação da
segurança de sua permeabilização, é caracterizada perfusão tecidual, a sondagem gástrica e vesical, a
pela intubação oro ou nasotraqueal com sonda de punção de duas veias periféricas de maior calibre
polietileno, ou por via cirúrgica, como cricotireoi- possível para colheita de amostra de sangue a ser
dostomia, preferentemente realizada por cirurgião enviada ao laboratório, assim como via de repo-
especializado, principalmente pela sua dificuldade sição e manutenção volêmica. Esses cuidados são
de execução. Qualquer que seja a técnica utilizada de extrema importância, por causa do aumento do
é necessária a avaliação colorimétrica do ar expi- aparecimento de choque na criança traumatizada,
rado. A indicação da via aérea definitiva é baseada embora seu diagnóstico não seja tão evidente. As re-
no comprometimento da face, incluindo lesões de servas hídricas fisiologicamente aumentadas podem
maxilar, mandíbula, cavidade bucal, todas significa- mascarar o quadro clínico do choque. De qualquer
tivas de instabilidade anatômica, ou quando outros modo, os primeiros sinais evidentes de choque são
comprometimentos apontam para a necessidade de representados pela taquicardia e vasoconstrição
terapêutica cirúrgica de maior gravidade, como o cutânea. O choque pode ter como causa a hemor-
trauma cranioencefálico, o torácico, o abdominal, e ragia (choque hipovolêmico), a falência cardíaca
todas as condições que signifiquem risco imediato (choque cardiogênico), o pneumotórax hiperten-
para a vida das vítimas. Nestas eventualidades, con- sivo, a lesão medular com comprometimento do
siderando-se a hipótese que nunca deve ser afastada sistema simpático e a sepse, este último, raramente
quanto ao estômago cheio, a obtenção da via aérea manifestado imediatamente após a ocorrência do
definitiva pela via oro ou nasotraqueal exige destre- trauma. A gravidade do estado de choque é dire-
za e pode ser favorecida por certos recursos, como tamente relacionada à perda do volume sangüíneo
o emprego, por via venosa, de succinilcolina na circulante, sendo avaliada pelas condições cardía-
dose de 1mg/kg de peso; ou, um agente inalatório cas, neurológicas, renais e da perfusão sangüínea
que permita indução e recuperação rápidas, dentre
da pele. A perda de até 25% do volume sangüíneo
os quais o sevoflurano tem lugar de destaque, em
corporal poderá ressultar em taquicardia, pulso fra-
concentrações de 3% a 6%. Antes de realizá-la, é
co, sonolência, irritabilidade, pele fria e úmida e,
indicada a oxigenação prévia, com oxigênio – O 2
débito urinário diminuído. Caso essa perda se man-
a 100%. Se a criança estiver agitada, o midazolam,
tenha, será acompanhada de taquicardia acentuada,
na dose de 0,1 mg/kg de peso é a droga de escolha
obnubilação, extremidades frias e cianóticas.
para que se obtenha sedação. A pressão sobre a car-
tilagem cricóide, com a finalidade de comprimir o Com perda maior que 40% do volume sangüí­
esôfago e evitar aspiração de conteúdo gástrico (ma- neo corporal, poderá ocorrer hipotensão arterial,
nobra de Sellick), também pode ser feita, desde que a par de extremidades pálidas e frias, ausência de
não haja suspeita de fratura de coluna cervical. O débito urinário, chegando até o estado de coma.
procedimento seguinte refere-se a ventilação artifi- O início da reposição volêmica se faz pela admi-
cial, agora com a possibilidade de ser realizada com nistração de solução aquecida de cristalóide, num
bolsa respiratória (tipo AMBU) para insuflação de volume de 20 ml/kg e que poderá ser repetida até
oxigênio – O a 100%, numa freqüên­cia respirató-
2
três vezes, com a finalidade de se conseguir a repo-
ria próxima à fisiológica. A sua eficiência deve ser sição de uma perda equivalente a 25% do volume
avaliada pelo gás carbônico – CO expirado, pela
2 circulante. Um concentrado de glóbulos vermelhos

488 An e s t e s ia Pe diátrica

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estará indicado ao se fazer aquela infusão pela ter- Para crianças maiores, verbalizadas, pode-
ceira vez e o resultado será considerado satisfatório se utilizar a Escala Visual Analógica – EVA (Fig.
se for constatada a diminuição da freqüência car- 28.12)16,13.
díaca, o aumento da pressão do pulso em mais que Para crianças menores, na fase de pré-verbali-
20 mmHg, a cor e a temperatura da pele das ex- zação, pode-se utilizar a Escala Visual Analógica,
tremidades se normalizem, seguido da melhora da associada com a Escala de Expressões Faciais (Figs.
Escala de Coma de Glasgow, do aumento da pres- 28.13 e 28.14), bem aceita inclusive para crianças
são arterial e do débito urinário. A infusão deve ser maiores e verbalizadas13.
rápida e por meio de veia de grosso calibre, sendo
possível, também, a infusão intra-óssea em crianças
de até 6 anos de idade.
Completadas estas ações relacionadas à manu-
tenção das condições vitais, proceder-se-á a Avalia-
ção do estado de consciência (disability) e ao exame
minucioso dos diversos segmentos corpóreos17.

FÁRMACOS E TÉCNICAS SUGERIDAS


PARA TRATAR A DOR NA CRIANÇA
TRAUMATIZADA Fig. 28.12 – Escala Visual Analógica (EVA) de dor.

O paciente pediátrico vítima de traumatismo,


freqüentemente necessita de procedimentos diag-
nósticos ou terapêuticos que podem ser invasivos
e dolorosos.
O fato de essas crianças encontrarem-se ansio-
sas, em ambiente estranho e, por vezes, separadas
de seus pais, torna-as mais suscetíveis à dor e às
implicações dela decorrentes.
Este cenário predispõe a uma agitação psicomo-
tora da criança, chegando a comprometer o suces- 0 1 2 3 4 5
so da realização do procedimento e, até mesmo, a
Fig. 28.13 – Escala de Expressões Faciais (EEF).
própria terapia.
Desta forma, objetivando o sucesso do atendi-
mento, uma criteriosa avaliação da necessidade do
grau de sedação e analgesia requeridos deve preceder
a realização dos procedimentos. Nestes casos, tor-
na-se necessário sempre levar em conta as alterações
hemodinâmicas, respiratórias, hepáticas e renais que
podem ser causadas pelo uso desses fármacos e que Sem dor Muita dor
podem agravar as condições do paciente13. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

A avaliação criteriosa irá fornecer os subsídios


necessários para a escolha da melhor técnica a ser
empregada para o tratamento da dor12,13. Fig. 28.14 – Escala de Expressões Faciais (EEF).

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ANALGESIA LOCAL As contra-indicações absolutas para o emprego des-
tas técnicas em crianças são similares às dos adultos:
A instilação ou a infiltração com anestésico local
é eficaz nos ferimentos superficiais (limpeza, suturas) • infecção no local da injeção do anestésico local;
ou em procedimentos invasivos, como colocação de • septicemia;
drenos em cavidades pleurais e abdominais; acesso • meningite;
venoso central; cateterização arterial para monito- • alteração da coagulação sangüínea ou em tra-
ração e outros procedimentos similares. Pode ser de tamento com anticoagulantes;
grande valia no tratamento da dor em locais onde • alergia aos anestésicos locais;
não se disponha de recursos hospitalares, até que se
• hipovolemia não controlada (bloqueios espi-
providencie o transporte da vítima.
nhais);
Os anestésicos locais mais utilizados são: • falta de consentimento dos pais ou responsáveis.
• lidocaína – nas doses de 0,5-4,5 mg/kg, em so- São consideradas contra-indicações relativas para
luções de 0,5% a 2% sem vasoconstritor e nas a realização de anestesia regional:
doses de 0,5-7 mg/kg, em soluções de 0,5% a
• falta de cooperação da criança;
2% com vasoconstritor;
• convulsões não controladas;
• bupivacaína – nas concentrações de 0,25% a
0,5% e doses que não devem ultrapassar a dose • pacientes com história pregressa de via aérea
máxima segura de 2 mg/kg, nas soluções sem difícil (dificuldade de acesso das vias aéreas
vasoconstritor e 3 mg/kg, nas soluções com va- em caso de complicações);
soconstritor associado; • crianças com hipovolemia leve ou moderada
• ropivacaína – nas concentrações de 0,2% a deverão ter estes distúrbios corrigidos ante-
riormente à realização do bloqueio;
0,75% e doses que não devem atingir a dose
máxima segura de 3 mg/kg, nas soluções com • doenças neurológicas em que a piora destes
ou sem vasoconstritor associado. quadros poderão ser atribuídas à realização
do bloqueio.
ANALGESIA LOCORREGIONAL O bloqueio de nervos periféricos tem demons-
trado ser de grande eficácia no tratamento da dor
A anestesia regional é utilizada em pacientes pe- pós-operatória em pacientes vítimas de traumatis-
diátricos desde o início do século XX. Os conhe- mo. A chegada destes pacientes aos serviços de emer-
cimentos da anatomia, da fisiologia e da farmaco- gência muitas vezes não nos permite obter os dados
logia nas técnicas empregadas trouxeram avanços necessários da história pregressa daquela vítima, e
e segurança para a sua realização nas duas últimas os bloqueios anestésicos poderão tratar o seu sofri-
décadas. O surgimento de novos materiais como: mento, minimizando os efeitos fisiológicos adversos
agulhas especiais, cateteres e o aparecimento de no- do traumatismo. Assim, deverão ser usados os blo-
vos fármacos (anestésicos locais, o uso opiáceos e queios do plexo braquial, para as lesões de membros
outros adjuvantes no neuroeixo) permitiram a uti- superiores; os bloqueios dos nervos femoral e ciáti-
lização segura e eficaz destes métodos nos pacientes co, para os traumatismos de membros inferiores; e o
pediátricos vítimas de traumatismo. Os bloqueios bloqueio intercostal, para as fraturas de costela.
de nervos periféricos são perfeitamente indicados Outras técnicas são realizadas no neuroeixo: no
nos procedimentos periféricos em pacientes com espaço subaracnóideo e no espaço peridural.
estômago cheio que deverão ser submetidos a ci- Apresentaremos, a seguir, as técnicas de blo-
rurgia de emergência, principalmente quando visa- queio no neuro-eixo mais utilizadas em pacientes
mos a analgesia pós-operatória. pediátricos.

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BLOQUEIO SUBARACNÓIDEO Tabela 28.1 – Anestésicos locais usados em bloqueios
subaracnóideos
Pode ser indicada em procedimentos cirúrgicos
Anestésico Dose (mg/kg)
extraperitoniais abaixo do metâmero de T10.
Lidocaína 5%
Para a realização de bloqueios subaracnóideos é 1a2
Solução glicosada 7,5%
necessário o conhecimento das diferenças anatômicas Bupivacaina 0,5 % pura
0,3 a 0,5
da coluna vertebral das crianças quando comparadas Solução glicosada 8%
ao paciente adulto.
Aditivos como a morfina, na dosagem 0,01-
Ao nascer, a medula espinhal do RN encontra-se 0,03 mg; o fentanil, na dosagem 5 - 15 µg, o sufen-
no nível da 3a vértebra lombar – L3. O crescimento tanil, na dosagem 2 µg e a clonidina, na dosagem
do estojo ósseo espinhal faz com que a medula atinja 1-2 µg/kg, podem ser associados aos anestésicos
o seu nível definitivo, entre os segmentos lombares locais nestes bloqueios para aumentar o tempo de
L1 e L2, somente após o segundo ano de vida. analgesia18.
As meninges estendem-se até o nível da 2a ou da
3 vértebra sacral – S2 – S3 ao nascer e permanecem
a
BLOQUEIO PERIDURAL
neste mesmo nível durante todo o crescimento. O
hiato sacral permanece no nível da 4a ou da 5a vérte- Os bloqueios peridurais em crianças poderão
bra sacral – S4 – S5. ser realizados através do acesso lombar e sacral. As
A quantidade do líquor interfere na anestesia su- características anatômicas da criança possibilitam o
baracnóidea em crianças no que tange à difusão dos acesso sacral para a realização do bloqueio peridural
anestésicos locais. Para uma determinada dose de com pequeno risco de complicações e é indicado
anestésico local, volumes liquóricos menores podem para anestesiar as regiões inervadas pelas raízes me-
determinar bloqueios em níveis mais elevados. dulares lombares e sacrais (Figs. 28.16 e 28.17).
O volume absoluto de líquor é menor na criança O surgimento de agulhas e cateteres de menor
que no adulto, mas o volume relativo à massa corpó- calibre fez com que esta técnica evoluísse nesta dé-
rea é o dobro do encontrado nos adultos (4 ml/kg na cada, permitindo sua utilização em anestesias em
criança e 2 ml/kg no adulto). Como conseqüência, a regiões torácicas altas. Somado a isso, as descober-
criança necessita de doses maiores de anestésicos locais tas de novos fármacos possibilitaram o emprego
para obter os mesmos níveis de bloqueios em adultos. dos bloqueios com maior segurança e eficácia.
A criança apresenta maior vascularização da me- Algumas diferenças anatômicas do espaço pe-
dula espinhal, o que facilita a absorção e a difusão ridural na região lombossacral de recém-natos e
mais rápida dos anestésicos locais. Isso explica a me- crianças menores deverão ser observadas quando
nor duração da anestesia em pacientes pediátricos. da realização de bloqueios espinhais (Tabela 28.2
e Fig. 28.15).
No RN a linha imaginária que passa pelas cristas
• o osso sacro no adulto é formado pela fusão
ilíacas determina o nível entre L5 e S1. Em crianças
das cinco vértebras sacrais e a sua ossificação
maiores, esta linha determina o nível de L5, não
está incompleta ao nascimento;
devendo ser usada como referência na localização
do espaço intervertebral a ser puncionado (L3-L4 • os arcos vertebrais somente se calcificam com-
no adulto). Por motivo de segurança, a punção pletamente aos 8 anos de idade;
subaracnóidea em crianças deverá sempre ser feita • o hiato sacral é resultante da falta de fusão
abaixo de L3-L4, preferencialmente em L4-L5. completa de S5;
Os anestésicos locais disponíveis no nosso país • o canal sacral contém: os espaços peridural
para a realização de bloqueios subaracnóideos estão e subaracnóideo, nervos, vasos sangüíneos,
na Tabela 28.1. vasos linfáticos e gordura peridural;

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• nos lactentes o saco dural estende-se até S3 ou S4,
e sendo um hiato sacral mais cefálico, a distância
entre o saco dural e o hiato sacral reduzida;
• a gordura peridural nas crianças é gelatinosa
e escassa, assemelhando-se a uma esponja que
guarda espaços entre os lóbulos de gordura.
Assim sendo, ela não oferece resistência à dis-
persão cefálica do anestésico local ou à passa-
gem de cateter.

Tabela 28.2 – Diferenças anatômicas entre a criança e o adulto


Variável Neonato Lactente 1-3 anos > 3 anos Adulto
Medula L3 L2-L3 L1 L1 L1
Saco dural S4 S3 S2 S2 S2
LCR ml/kg 4 ml 4 ml 3 ml 2 ml 2 ml
Crista ilíaca L5-S1 L5-S1 L5 L4-L5 L4-L5
Fig. 28.16 – Palpação dos pontos de referência (cornos sacrais e
borda de S4) para inserção da agulha.

O uso da analgesia peridural por punção de


espaço interverbral em nível torácico em crianças
pode estar associado ao risco de lesão medular e
o posicionamento do cateter neste nível pode ser
tecnicamente mais difícil.
Em lactentes, o cateter peridural pode ser po-
sicionado a partir do espaço peridural caudal,
podendo ser colocado através de uma agulha pe-
ridural própria e avançar 16 a 18 cm até o nível
peridural torácico (Fig. 28.18). Nas crianças maio- Fig. 28.17 – Inserção da agulha através da membrana sacrococcígea.
res, da mesma maneira que nos adultos, o cateter
peridural deverá ser inserido entre T4 e T819.

RN Adulto

Medula espinhal
Saco dural
Espaço peridural

Fig. 28.18 – Introdução do cateter peridural 20 gauge através de um


extracath (cateter venoso) 18 gauge, introduzido no hiato sacral até
Fig. 28.15 – Algumas diferenças anatômicas da coluna lombossacral o nível de T10 em uma criança de 2 meses submetida à cirurgia
do RN comparada à do adulto. urológica por lombotomia.

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Os anestésicos locais mais usados em bloqueios Europa, o óxido nitroso (N O) é distribuído pela
2

peridurais em crianças estão listados na Tabela 28.3. British Oxygen Company com o nome de Ento-
nox® (Fig. 28.19) e consiste em cilindros que con-
Tabela 28.3 – Anestésicos locais usados em bloqueio peridural
em crianças
tém mistura de óxido nitroso (N O) e oxigênio 2

Bloqueio peridural (O ), ambos a 50%. Este cilindro contém a mistura


2

Anestésicos locais Concentração sob pressão que é controlada por uma válvula que
Ropivacaína 0,1-0,2% regula a pressão de abertura que oferece os gases
Bupivacaína 0,0625-0,125% a serem inalados pelo paciente quando este respi-
ra. Desta forma, o esforço respiratório da criança,
A Tabela 28.4 exemplifica alguns aditivos opiói- transmitido através da máscara facial, máscara na-
des e suas doses. sal ou dispositivo bucal, permite a abertura da vál-
Tabela 28.4 – Aditivos opióides usados em bloqueio peridural vula para a liberação da mistura a ser inalada. Este
em crianças método apresenta importante função de segurança
Bloqueio peridural por que mantém a criança consciente e permite o
Opióides Dosagem contato verbal da equipe com o paciente. Assim
Morfina 30-100 µg/kg sendo, não é recomendado para pacientes com
Fentanil 1 - 2 µg/kg
menos de 3 anos de idade e funciona melhor em
Sufentanil 0,75 µg/kg
Tramadol 2 mg/kg
crianças cooperativas com mais de 5 anos.
As contra-indicações absolutas ao seu uso in-
Outros aditivos também usados no espaço peri- cluem: pneumotórax, obstrução intestinal, anor-
dural, como a clonidina, um agonista alfa-2-adrenér- malidade nas vias aéreas, traumatismo craniano
gico, na dosagem de 1-2 µg/kg e a cetamina (S+), recente (especialmente com pneumoencéfalo), do-
um antagonista do receptor NMDA e agonista do ença respiratória crônica com enfisema e algumas
receptor opióide sigma σ, na dosagem de 0,5 – 1 doenças congênitas do coração não corrigidas (com
mg/kg, podem aumentar o período de analgesia. hipertensão pulmonar associada).

ÓXIDO NITROSO (N O) 2

A inalação de óxido nitroso (N2O) consiste numa


técnica simples, segura e eficiente que oferece analgesia
e sedação de início rápido para uso em procedimentos
dolorosos que requeiram analgesia potente por curto
período, como realização de suturas, limpeza de feri-
mentos com troca de curativos, punções para drena-
gem ou passagem de cateteres, punção ou canulação
de vasos, punção lombar, fisioterapia e biópsias.
Sua absorção e eliminação ocorrem pela via pul-
monar e, pelo fato de ser pouco solúvel no sangue
é rapidamente levado até o cérebro para produzir
um efeito analgésico equivalente à morfina intra-
venosa. O efeito analgésico máximo ocorre apro-
ximadamente 2 minutos após o início da inalação.
Pode ser utilizado em concentrações de até 70%
em mistura com oxigênio, mas, recomenda-se para Fig. 28.19 – Uso do oxido nitroso (N2O) no controle da dor aguda.
uso pediátrico misturas de 50% com oxigênio. Na Fonte: Christie Hospital Patient Information Service, 2005.

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 493

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METOXIFLURANO Quando novos anestésicos surgiram com pro-
priedades menos tóxicas e características mais ade-
Na Austrália, o anestésico inalatório do grupo
quadas para o uso em procedimentos de maior
dos halogenados, o metoxiflurano, vem sendo em-
complexidade, este potente agente anestésico inala-
pregado no tratamento de dor em diversas situa-
tório deixou de ser utilizado nas salas de cirurgia.
ções. Este anestésico, produzido pelo Laboratório
Abbott na década de 1960, foi bastante utilizado Pouco tempo depois, a empresa australiana Medical
em anestesia. Developments International Limited (MDI) adquiriu
No final da década de 1960, este laboratório a concessão para comercializar o metoxiflurano e re-
lançou um dispositivo para a utilização do meto- tornou ao mercado com a patente de um dispositivo
xiflurano, sem a obrigatoriedade da utilização em semelhante ao Analgizer® chamado Penthrox®.
associação com oxigênio. O dispositivo foi patente- A Fig. 28.20 mostra um esquema em corte
ado com o nome de Analgizer® e, foi utilizado em longitudinal do dispositivo Analgizer® ao lado das
pequenas cirurgias, procedimentos odontológicos, duas imagens (Analgizer® e Penthrox®), o que reve-
bem como em analgesia de trabalho de parto. la a semelhança entre eles. Efetivamente, trata-se
A auto-administração de metoxifluorano atra- do mesmo dispositivo.
vés do dispositivo inalador Analgizer® consiste num O método vem sendo largamente utilizado para
método barato, seguro e efetivo para proporcionar controle da dor no atendimento pré-hospitalar a
o alívio da dor. Permite a resposta analgésica rápida vítimas de acidentes automobilísticos, atletas e por
do paciente após 6 a 8 inalações. Como a concen- equipes de resgate há mais de 30 anos, sem relatos
tração inalada é baixa (em média, 0,1% a 0,4%), de efeitos adversos significativos. O uso deste me-
os efeitos cardiovasculares e respiratórios são mí-
dicamento recebeu a aprovação do governo austra-
nimos, não demandando supervisão próxima.
liano para ser utilizado nos Serviços de Transporte
O metoxiflurano altera a percepção de dor e reduz
de Pacientes fora de Emergência e pelas Forças Ar-
o sofrimento dos pacientes. Após o seu uso, há rela-
tos de um certo grau de amnésia quanto ao evento madas da Austrália.
doloroso. Em concentrações analgésicas não ocorre A facilidade com que a técnica pode ser utiliza-
depressão clínica da respiração ou da circulação. da pelos pacientes, que auto-administram a medi-
A segurança para a sua utilização advém de suas cação, associada à segurança que este medicamen-
propriedades farmacológicas: o metoxiflurano é o to tem demonstrado, podem ser tidos como uma
único agente anestésico volátil que produz pro- opção muito valiosa e eficiente no combate à dor
funda analgesia em concentrações que não causam de pacientes traumatizados que necessitem realizar
sonolência ou inconsciência. Ele também não é in- procedimentos dolorosos, como estabilização de
flamável nem explosivo a temperatura ambiente. fraturas para o transporte, limpeza de ferimentos,
O perfil deste agente anestésico pode ser obser- suturas, curativos etc.
vado em comparação com outros agentes usados A utilização dessa técnica substitui o emprego
no controle da dor, na Tabela 28.5. de medicação administrada por via parenteral e
O metoxifluorano deixou de ser utilizado em este fato tem sido relevante no seu emprego nas
anestesia por apresentar propriedades nefrotóxicas condições adversas enfrentadas pelas equipes de
de seus metabólitos oxidativos que incluem o flu- atendimento pré-hospitalar23.
oreto (F¯) e o ácido oxálico. O fluoreto (F¯) é o A Fig. 28.21 mostra o protocolo para o con-
responsável pela insuficiência renal poliúrica resis- trole de dor no trauma utilizado pelos Serviços
tente a vasopressina, característica da toxicidade de Transporte de Pacientes fora de Emergência de
do metoxiflurano20. Melbourne, na Austrália.

494 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tabela 28.5 – Tabela de propriedades do metoxifluorano, óxido nitroso (N2O) e morfina
Propriedades Metoxiflurano Óxido nitroso (N2O) Morfina
Potência analgésica Muito pontente com rápido início Igual ou menor a do Muito potente com rápido inicio
de ação metoxifluorano de ação
Portabilidade Pequeno, leve, portátil e Aecondicionado sob pressão em Portátil e facilmente armazenado
facilmente armazenado cilindros de aço, pesado, difícil
mobilidade
Administração Administrado pelo próprio Administrado pelo paciente por Deve ser administrado por
paciente após mínimo máscara facial (inalado). Dose é pessoal treinado (intravenosa).
treinamento (inalado). Dose controlada por titulação através Risco potencial por lesões de
controlada pelo paciente através do cilindro punção. Dose controlada pela
de orifício diluidor injeção
Uso Uso individual sem necessidade Deve ser esterilizado e Uso restrito por ser
de esterilização ou montagem remontado corretamente após medicamente opiáceo
o uso
Efeitos adversos Sem apresentar afeito adverso Desorientação e resposta Potente depressor
após 30 anos de uso analgésica variável cardiopulmonar, náusea e/ou
vômito
Poluição Não apresenta níveis de poluição Poluição excede níveis Não poluente em ambientes
inseguros em ambiente fechado recomendados em ambientes fechados
fechados
Terapia com oxigênio Pode ser usado com ou sem Usado somente com 50% de Pode ser usado com ou sem
oxigênio oxigênio oxigênio
Custo Baixo Necessita de equipamento Baixo
próprio (cilindro), manutenção,
esterilização e reparo
Fonte: Komesaroff, 1995.

ANALGIZER

Embocadura

Orifício de diluição
15,6 cm

Faixa de polipropileno

Entrada de ar
Orifício de reposição 2,5 cm

Fig. 28.20 – Corte longitudinal do Analgizer®.


Fonte: Anesth Analg Réan 1975.

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 495

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DOR NO TRAUMA

O metoxifluorano está autorizado para uso pelos Serviços de Transporte de Pacientes fora de Emergência (NEPT) nas seguintes situações:

• O paciente está consciente e capaz de auto-administrar o metoxiflurano


• A dor é o resultado de uma lesão aguda provavelmente devido a uma fratura de costela, de ossos longos ou pélvicos, enquanto aguarda
reavaliação médica ou da ambulância do Serviço de Emergência
• Dor torácica onde o uso de nitroglicerina sublingual está contra-indicado (devido á baixa pressão arterial).
• Dor lombar forte (duração > 6 horas), provavelmente de origem músculo-esquelética, ao ser transportado para a maca refere dor
importante

1 – Controle inicial da dor


* Avaliação da dor usando a escala verbal numérica (1-10)

2 – Se nota da dor > 2


* Adiministrar metoxiflurano 3 ml via dispositivo Penthrox® com oxigênio se não houver contra-indicações
(observar a referência sobre o fármaco)
* Se nota da dor permanecer > 2, uma dose adicional de 3 ml de metoxiflurano pode ser administrada
* Registrar as doses administradas de metoxifluorano e o efeito obtido, no prontuário do paciente

3 – Iniciar o transporte
* Assumir o transporte para o destino
* Reavaliar continuamente o paciente durante o transporte e modificar o tratamento se necessário
* Se a dor piorar, avise o Serviço de Ambulância de Emergência e proceda como orientado

Notas
* Paciente com dor lombar por menos de 6 horas (idade < 60 anos) ou dor lombar superior a 24 horas (idade > 59 anos)
deverão ser encaminhados para o transporte na ambulância de emergência, a menos que um médico tenha descartado a
possibilidade de ameaças à vida.
* Para os pacientes com dor de trauma ocorridos em eventos públicos, metoxiflurano pode ser administrado enquanto
aguardam a chegada do médico ou da ambulância de emergência
* Metoxiflurano não deverá ser administrado a nenhuma dor fora deste protocolo, como dor de cabeça ou dor abdominal
* A dose máxima de metoxifluorano para cada paciente é de 6 ml em 24 horas. Em nenhuma circunstância ela deverá ser
excedida.

Fig. 28.21 – Protocolo do controle de dor no trauma utilizado pelos Serviços de Transporte de Pacientes fora de Emergência de Melbourne, em
Victoria, na Austrália. Fonte: “Clinical Practice Protocols Manual – Non-emergency patient transport services” – February 2006 – Melbourne,
Victoria – Austrália.

496 An e s t e s ia Pe diátrica

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OPIÁCEOS • agonista parcial – quando a ligação produz
uma resposta submáxima em um receptor,
A morfina, fármaco naturalmente derivado do apresentando “efeito-teto”; e,
ópio, assim como os seus derivados sintéticos (fen-
tanil) são considerados os mais potentes analgésicos • agonista-antagonista – quando o opiáceo
para o tratamento da dor de grande intensidade. En- funciona como agonista em um receptor e
tretanto, a dose a ser utilizada nos pacientes pediátri- antagonista em outro.
cos deverá ser ajustada de acordo com a idade e a ma-
turidade do paciente, bem como, de sua gravidade e MORFINA
grau de complexidade. Os neonatos, por exemplo, A morfina é um opiáceo agonista de receptores
apresentam necessidades e cuidados especiais. Desta Mu e pode ser administrado por via intramuscular
forma, o uso dos opiáceos deverá ser ponderado en- – IM, intravenosa – IV, subcutânea – SC, oral – VO,
tre a analgesia satisfatória e o grau de efeitos indese- retal – VR e por via espinhal (subaracnóidea e pe-
jáveis, e por este motivo, deve-se sempre pensar em ridural).
associá-los a técnicas multimodais de analgesia, tais
No intuito de diminuir a incidência de erros no
como: anestesia local ou regional, analgesia por via
preparo das soluções com opióides em uso pediátrico,
sistêmica com medicamentos de outros grupos far-
muitos serviços recomendam a padronização da con-
macológicos visando diminuir o consumo de opiáce-
centração máxima destas soluções de morfina, fixada
os (efeito poupador de opiáceos – opioid-sparing).
em 1 mg/ml, e leva em conta o peso da criança no
Os opiáceos exercem seus efeitos ligando-se aos seu preparo. A fórmula mais comumente utilizada:
receptores-opiáceos localizados no cérebro e na
Sulfato de morfina – 1 mg/kg de peso da crian-
medula espinal. Os principais receptores-opiáceos
ça diluídos em 50 ml de soro fisiológico SF 0,9%
e suas ações podem ser observados na Tabela 28.6.
– 50 ml.
A solução padronizada obtida terá 0,02 g/kg/ml =
Tabela 28.6 – Ação dos receptores opiáceos 20 µg/kg/ml e, quando infundida na velocidade de
RECEPTORES OPIÁCEOS 1 ml/h, corresponderá a 20 µg/kg/h. Seguindo este
Receptor Ação raciocínio, se a solução padronizada for feita com
Analgesia, sedação, depressão a diluição do medicamento na proporção de 1 mg/
respiratória, euforia, bradicardia, kg de peso da criança em 100 ml de soro fisiológico
Mu
prurido, miose, náusea e vômito,
inibição da motilidade intestinal SF 0,9% – 100 ml, esta solução terá 0,01 g/kg/ml
Kappa Analgesia, sedação, miose
= 10 µg/kg/ml.
Delta Analgesia A morfina quando administrada por via sub-
Sigma Efeitos psicodislépticos cutânea (SC) em bolus, as seguintes dosagens são
(disforia, alucinação), midríase indicadas, de acordo com a idade da criança:
• < 1 mês: até 25 µg/kg SC a cada 2 horas, se
De acordo com a ação dos opiáceos nos recep- necessário;
tores, classificam-se em: • 1 a 3 meses: 50 µg/kg SC a cada 2 horas;
• agonista – quando produzem uma resposta • 3 meses: 100 µg/kg SC a cada 2 horas.
máxima em um determinado receptor; Deve-se observar que, em sendo esta via utiliza-
• antagonista – quando há ligação mas não há da, o volume da solução a ser injetado não deverá
estímulo deste receptor, podendo converter exceder 1 ml. Observar, também, que esta via de
seu efeito agonista; administração estará contra-indicada em casos em

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que a criança se encontrar hipovolêmica ou naque- • < 1 mês: 0,2 ml/h (4 µg/kg/h);
les onde houver importante seqüestro ou perda de • 1 a 3 meses: 0,5 ml/h (10 µg/kg/h);
líquido para compartimentos extravasculares, como • > 3 meses: 1 ml/h (20 µg/kg/ml). Poderão ne-
por exemplo, no pós-operatório das grandes cirur- cessitar de doses maiores de até 2 ml/h (40 µg/
gias intra-abdominais e nas queimaduras extensas. kg/ml)21.
Nestes casos poderão ocorrer depósitos de opiáceos
no tecido celular subcutâneo mal perfundido que
FENTANIL
poderão ser absorvidos maciçamente quando a per-
fusão daquela região se normalizar, podendo causar O fentanil é um opiáceo sintético 60 a 80 vezes
importantes e indesejáveis efeitos adversos21. mais potente que a morfina. Possui uma lipossolu-
Quando administrada por via subcutânea (SC) bilidade muito elevada, o que se traduz por um rá-
em infusão contínua deverá ser padronizada uma so- pido início de ação, mas com diminuído tempo de
lução preparada com a diluição de 1 mg de morfina/ atuação. Por isso, como não possui metabólitos ati-
kg de peso da criança em SF 0,9% – 20 ml. Esta vos, tem sido usado largamente no intra-operató-
solução terá 0,05 mg/kg/ml = 50 µg/kg/ml e, no má- rio como analgésico injetável (IV) e em associação
ximo, 50 mg de morfina em 20 ml de SF 0,9%. com anestésicos locais, no espaço peridural. Sua
As dosagens a serem administradas por esta via, meia-vida de eliminação é aumentada após doses
elevadas e com infusão prolongada. Apresenta in-
de acordo com a idade, são:
cidência elevada de náuseas e vômitos. Em crianças
• < 1 mês: 0,1 ml/h (5 µg/kg/h); com mais de 1 mês, a dose inicial (IV) pode ser de
• 1 a 3 meses: 0,2 ml/h (10 µg/kg/h); 0,5 µg/kg, e aguardar pelo menos 2 minutos antes
• > 3 meses: 0,4 ml/h (20 µg/kg/h). Podem de repetir a dose. Recomenda-se não ultrapassar
necessitar mais de 0,6 ml/h (30 µg/kg/ml). 6 doses num intervalo de 2 horas. Poderá ocorrer
Quando administrada por via intravenosa (IV), rigidez de tórax como efeito adverso e o desenvol-
poderá também ser feita a administração de bolus vimento de tolerância à medicação ocorrerá num
através de bombas de infusão comuns ou, até mes- período de 3 a 5 dias.
mo, por bombas de PCA (mais seguras). As doses preconizadas para uso (IV), de acordo
Recomenda-se bolus IV, nas seguintes doses, de com a idade, são:
acordo com a idade da criança: • bolus: 1-10 µg/kg;
• < 1 mês: até 25 µg/kg SC a cada 2 horas, se • infusão contínua
necessário; RN: 1-4 µg/kg/h
• 1 a 3 meses: 50 µg/kg SC a cada 2 horas; > 3 meses: 4-8 µg/kg/h21
• 3 meses: 100 µg/kg SC a cada 2 horas. A utilização do fentanil por via peridural de-
Da mesma forma que é preparada a solução verá ser na dosagem de 1-2 µg/kg e o efeito anal-
para ser administrada por via subcutânea (SC) em gésico será de 2 a 4 horas. Poderá ainda ser admi-
infusão contínua, para a infusão contínua IV, deve- nistrado por via peridural em infusão contínua na
rá ser diluída morfina – 1 mg/kg em SF 0,9% (50 dosagem de 0,5 - 1 µg/kg/h, associado ou não a
ml). Esta solução terá 0,02 mg/kg/ml = 20 µg/kg/ bupivacaína 0,0625% a 0,125% na dosagem de
ml e deverá ter, no máximo, 50 mg de morfina em 0,5-1 mg/kg/h.
50 ml de SF 0,9%. Administrado por bomba de PCA pela via peri-
As dosagens a serem usadas, de acordo com a dural, as dosagens serão:
idade, são: • dose inicial: 1-2 µg/kg;

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• infusão contínua: 0,56 µg/kg/h; ou associado com anestésicos locais. Por via peri-
• bolus: 0,53 µg/kg; dural a dosagem recomendada para crianças é 0,4
-0,75 µg/kg. Seu perfil farmacológico não o reco-
• tempo de intervalo entre os bolus– 15 minutos 25.
menda para ser considerado fármaco de escolha em
A associação de fentanil com um benzodiaze- analgesia para crianças25.
pínico como o midazolan, tem sido a preferência
dos anestesiologistas e intensivistas para a sedação e
TRAMADOL
analgesia de pacientes mantidos em respirador.
As dosagens destes fármacos quando associados O tramadol é análogo sintético da 4-fenil-pipe-
deverá ser: ridina da codeína que apresenta ação central atípica.
Considerado um opiáceo fraco, sua ação analgésica
• fentanil – 1 μg/kg/h;
é exercida por múltiplos mecanismos farmacológi-
• midazolan – 0,15 mg/kg/h15-26. cos com ações opióides e não opióides. Existe sob
a forma racêmica e os dois enantiômeros do tra-
ALFENTANIL madol apresentam ação complementar e sinérgica
sobre os sistemas opióides e monoaminérgicos ce-
O alfentanil é um opiáceo sintético com 1/5 a
rebrais. Possui fraca afinidade pelos receptores opi-
1/3 da potência do fentanil. O alfentanil é menos
óides que podem ser assim relacionados em ordem
lipossolúvel que o fentanil e o sufentanil. Ele tem
decrescente: Mu, kappa e delta. Possui ainda efeito
um rápido início de ação que atinge seu pico em 60
inibidor sobre a recaptação de serotonina e da no-
a 120 segundos. Tem ação curta após dose única de-
repinefrina nos neurônios centrais e promove esti-
vido ao seu baixo volume de distribuição e clearan-
mulação pré-sináptica da liberação de serotonina.
ce aumentado. É útil em pequenos procedimentos Estes efeitos são mais intensos com a forma levó-
dolorosos e pode ser usado, associado ao propofol, gira do enantiômero. Como conseqüência, há ele-
para facilitar a intubação traqueal sem o uso de re- vação dos níveis de serotonina e norepinefrina nas
laxantes musculares. Após infusão prolongada, sua sinapses centrais. Parte da sua ação analgésica ocor-
meia-vida torna-se maior à medida que se aumenta re por ativação de mecanismos alfa-2-adrenérgicos.
a infusão. Como outros opiáceos, o alfentanil é eli- A atividade farmacológica do tramadol é revertida
mado pelo fígado. Em prematuros o clearance do parcialmente pela naloxona (30%), parcialmente
alfentanil é baixo e a sua meia-vida é prolongada. por antagonista da serotonina (rianserina) e pelo
Quando é infundido sozinho em prematuros sob antagonista alfa-2-adrenérgico (yohimbina).
ventilação mecânica, o alfentanil produz rigidez de A potência analgésica do tramadol é equivalente
tórax que interfere com a ventilação. a da dipirona e a sua meia vida de eliminação é de
5,1 a 5,9 horas.
SUFENTANIL Pode ser administrado pelas vias intravenosa
O sufentanil é um opiáceo sintético 5 a 10 vezes (IV), oral (VO), intramuscular (IM), retal (VR) e
mais potente que o fentanil. É mais lipossolúvel peridural.
que o fentanil e, portanto, tem rápida captação por Administrado de horário por via intravenosa
tecidos bem perfundidos e apresenta rápido início (IV) a dosagem recomendada é de 1 a 2 mg/kg,
de ação. Liga-se facilmente às proteínas e seu clea- 4 a 6 vezes ao dia. Em infusão venosa contínua a
rance é primariamente feito pelo metabolismo he- dosagem será de 0,20 mg/kg/h.
pático. Pode ser usado IV, em bolus ou em infusão O seu uso pela via peridural (caudal e lombar)
contínua, e, por via epidural, como fármaco único também oferece boa analgesia, com até 24 horas de

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 499

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duração e com efeitos adversos semelhantes aos da Os AINEs com maior uso no tratamento da
morfina na dosagem de 2 mg/kg. dor aguda em pacientes pediátricos e suas dosagens
Os efeitos adversos mais freqüentes são náuseas, são:
vômitos e sedação. • cetorolaco: 0,3-0,9 mg/kg IV de 6/6 h ou 8/8
h – limite máx. diário = 2 mg/kg;
ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS • cetoprofeno: 1 mg/kg IV 12/12 h;
(AINEs) E OUTROS FÁRMACOS • tenoxicam: 0,4 mg/kg IV 12/12 h;
Os AINEs representam um importante grupo • diclofenaco: 1-2 mg/kg VR 12/12 h (no Brasil,
farmacológico no tratamento da dor aguda, quer não dispomos do diclofenaco para uso venoso).
seja administrado isoladamente, ou em associação A dipirona (metamizol) é um derivado pirazo-
com outras medicações empregadas por métodos lônico que apresenta propriedade analgésica, anti-
sistêmicos e regionais. térmica, antiespasmódica e antiinflamatória fraca.
A capacidade de inibir a biossíntese de prosta- Os efeitos analgésicos deste fármaco estão corre-
glandinas na periferia (característica antiinflamató- lacionados com as concentrações séricas de seus
ria) e no sistema nervoso central (efeito analgésico), metabólitos 4-metilaminoantipirina e 4-aminoan-
atribui a este grupo de medicamentos um papel de tipirina. Apresenta forte atividade analgésica e dis-
destaque no arsenal terapêutico do combate a dor. creta atividade antiinflamatória. Trabalhos recentes
confirmam que o efeito analgésico da dipirona tem
As suas características farmacológicas conferem
caráter dose-dependente. Doses menores, por via
a eles propriedades que tanto podem trazer benefí-
venosa, conferem ao fármaco apenas efeito antitér-
cios aos pacientes, como podem apresentar limita-
mico. Estima-se que o risco de agranulocitose atri-
ções no seu uso, dependendo das características e
buído à dipirona seja de 1,1 caso/milhão de casos,
peculiaridades de cada caso. Assim, algumas destas
valor este que pode ser considerado baixo, bem in-
características podem aqui ser lembradas:
ferior ao risco de sangramento gástrico, após uma
• apresentar efeito poupador de opiáceos quando única dose de ácido acetil-salicílico, em pacientes
empregados em associação com estes fármacos, adultos. O seu emprego em associação com outros
em técnica multimodal de terapêutica da dor; con- medicamentos antiinflamatórios melhora a qua-
tribuem indiretamente para a redução dos efeitos lidade da analgesia em relação ao uso isolado da-
colaterais conseqüente ao uso desta medicação: queles fármacos. A dosagem recomendada para o
náuseas, vômitos, prurido, depressão respiratória, uso em tratamento de dor aguda em crianças por
uma vez que permitem a diminuição de seu uso; via intravenosa (IV) é de 25-30 mg/kg/dose de 6/6
• apresentar efeito-teto para analgesia: como horas, sem ultrapassar 2 g/dose.
agentes únicos no tratamento de dor em proce- O paracetamol (acetaminofen) é um derivado
dimentos cirúrgicos de grande porte; apresen- da fenacetina com propriedades menos tóxicas.
tam limitação na eficácia a partir de determi- Apresenta efeito analgésico, antitérmico, mas é
nada dosagem, com aumento na incidência de quase totalmente desprovido de atividade antiin-
seus efeitos colaterais indesejáveis; flamatória. O seu mecanismo de ação parece estar
• diminuir a dor à movimentação ativa e passiva relacionado com a inibição da enzima prostaglan-
dos pacientes, inclusive o esforço da tosse; dina-sintetase cerebral. No Brasil é apresentado
• apresentar efeitos colaterais decorrentes da ini- somente para uso por via oral (VO), em compri-
bição da ciclooxigenase constitutiva (COX1), midos ou gotas, ou por via retal (VR), em suposi-
com repercussão sobre a mucosa gástrica, a coa- tório. As doses preconizadas para o uso em crian-
gulação e a função renal. ças são:

500 An e s t e s ia Pe diátrica

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• 10-20 mg/kg para uso VO, não ultrapassar dose de das vias aéreas superiores, o uso da morfina em
máxima de 60 mg/kg/dia; bomba de PCA intravenoso deverá ser evitado.
• 40 mg/kg por via retal (VR)25. Nas crianças menores de 5 anos e naquelas im-
possibilitadas física e mentalmente de usarem o
ANALGESIA CONTROLADA PELO método, nos serviços onde haja equipe de enfer-
PACIENTE – PCA magem treinada, poderá ser empregado o método
com o disparo do botão de demanda feito pelas
O método da Analgesia Controlada pelo Pa- enfermeiras ou pelos acompanhantes do paciente,
ciente, da língua inglesa Patient Controlled Anal- sob a orientação e acompanhamento do serviço
gesia– PCA, têm se mostrado seguro e eficaz em de enfermagem. Nos países de língua inglesa este
crianças de 5 anos de idade ou maiores. A criança método é chamado de Nurse or Parent-Controlled
consegue obter um bom nível de analgesia associa- Analgesia – que pode ser traduzido por Analgesia
do a um baixo índice efeitos adversos. Qualquer Controlada pela Enfermeira ou pelos Acompa-
criança com capacidade de entender o conceito nhantes. Obviamente, algumas regras básicas de-
básico do PCA poderá operar o dispositivo para verão ser seguidas para o êxito do emprego deste
demandar as doses necessárias para o tratamento
útil recurso terapêutico:
de sua dor – botão disparador (Fig. 28.22)21.
• as bombas de PCA deverão ser programadas so-
Os modernos dispositivos de PCA oferecem a
mente pelos membros da Equipe de Controle
possibilidade de serem programadas de diferentes
de Dor, qualificados para tal;
maneiras:
• a padronização deverá ser bem divulgada pelo
• somente bolus (com intervalo de tempo prede-
grupo e seguida por todos, sem exceção. Por
terminado entre as doses, no qual, mesmo se
exemplo, para o uso de uma solução padroni-
houver solicitação por parte do paciente, ne-
zada pela equipe, todos os passos deverão estar
nhuma dose da medicação será administrada);
explicitados:
• dose de bolus mais infusão contínua predeter-
1. A concentração da solução de morfina reco-
minadas: e,
mendada será de 1 mg/kg de peso da crian-
• somente infusão contínua, como nas bombas de ça diluídos em 50 ml de soro fisiológico SF
infusão convencionais. 0,9%-50ml.
O método oferece a vantagem de poder ser uti- 2. A solução padronizada obtida terá 0,02 mg/
lizado para administrar soluções padronizadas de kg/ml = 20 µg/kg/ml e, quando infundida
fármacos pelas vias intravenosa, subcutânea, na- na velocidade de 1 ml/h, corresponderá a 20
sal, retal e espinhal (subaracnóidea e peridural). µg/kg/h. Esta solução deverá ter no máximo
A sua utilização requer organização e treinamento 50 mg de morfina em 50 ml de SF 0,9%.
da equipe multidisciplinar que deverá contar com
médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, 3. A dose de bolus deverá ser de 20 µg/kg = 1
pessoal de farmácia e fisioterapeutas. O trabalho ml. Dose máxima de bolus = 1mg.
em equipe facilitará o ajuste e as correções necessá- 4. O tempo de intervalo entre os bolus = 5 a 10
rias para o êxito no controle da dor. minutos.
As contra-indicações do uso dos fármacos pelo 5. A infusão contínua basal = 4 µg/kg/h = 0,2
método são as mesmas da própria medicação quan- ml/h (especialmente nas primeiras 24 horas).
do administrada pela mesma via usada para o PCA. • da mesma forma, todos os outros procedimen-
A título de exemplo, em situações como aumento tos e condutas deverão visar o bem estar e a se-
da pressão intracraniana ou qualquer anormalida- gurança dos pacientes assistidos.

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 501

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Tabela 28.7 – Escala de Coma de Glasgow para crianças
maiores
ÁREA DE AVALIAÇÃO ESCORE
Abertura ocular
Espontânea 4
A estímulo verbal 3
A estímulo doloroso 2
Sem resposta 1
Melhor resposta motora
Obedece a comandos 6
Localiza dor 5
Flexão normal (retirada) 4
Flexão anormal (decorticação) 3
Extensão (descerebração) 2
Sem resposta (flacidez) 1
Resposta verbal
Fig. 28.22 – Bomba de PCA – Patient Controlled Analgesia
Orientado 5
Confuso 4
TRAUMATISMO CRaNIOENCEFÁLICO E Palavras inapropriadas 3
RAQUIMEDULAR Sons incompreensíveis 2
O atendimento do trauma cranioencefálico é ba- Sem resposta 1
seado nas peculiaridades próprias da criança, respon-
sáveis pelo prognóstico melhor naquelas com mais
Para crianças menores de 4 anos de idade, ao
de três anos de idade. Embora seja comum a todas as
utilizar-se a Escala de Coma de Glasgow, o item re-
idades, o risco maior deste tipo de trauma é decor-
ferente à resposta verbal deverá ser assim avaliado,
rente de hipovolemia, principalmente quando asso-
como descrito na Tabela 28.8.
ciada a hipoxia. Portanto, é obrigatória a conduta de
reposição e manutenção volêmica, a par de criterio-
sa investigação de sua causa, que diferentemente do Tabela 28.8 – Escala de Coma de Glasgow para crianças meno-
res de 4 anos de idade
adulto, quando raramente é decorrente do trauma
Resposta verbal Escore
cranioencefálico isolado, na criança de menor idade,
Emite palavras apropriadas ou sorriso facial.
a hipovolemia pode ocorrer por sangramento sub- Fixa e segue objetos com o olhar
5
jacente à gália ou ao espaço epidural. Assim, o au-
Chora, mas é consolável 4
mento da fontanela deve ser encarado como possível
Sempre irritada 3
conseqüência de sangramento, sendo que na criança
Inquieta e agitada 2
pequena, com fontanela aberta ou linha de sutura
Sem resposta 1
craniana móvel, existe melhor tolerabilidade a uma
lesão expansiva intracraniana. A tomografia deve ser
indicada e realizada o mais urgente possível para es- Em razão da própria condição anatômica (ta-
clarecimento de eventuais dúvidas diagnósticas. manho da cabeça em relação aos demais segmentos
Em crianças maiores, a Escala de Coma de Glasgow corpóreos e a fragilidade dos ligamentos interespi-
pode ser utilizada como nos adultos (Tabela 28.7). nhosos) é natural a preocupação com a ocorrência

502 An e s t e s ia Pe diátrica

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de lesões cervicais quando da existência do trauma
cranioencefálico1. Por isso, a imobilização com o
colar cervical será obrigatória e o neurocirurgião
deverá ser consultado. É preciso considerar que o
exame radiológico normal não exclui uma lesão
medular. A fratura da primeira vértebra cervical
(Atlas) poderá ocorrer nos casos de queda com
trauma direto sobre a cabeça quando, por exemplo,
a criança mergulha numa piscina com pouco volu-
me de água; então, toda a vértebra pode ser lesada
(Fratura de Jefferson). Se não ocorrer morte ime-
diata, o colar cervical deverá ser adaptado e o exa-
me radiológico pela tomografia computadorizada
torna-se obrigatório. Outra lesão a ser considerada Fig. 28.23 – Colar cervical e prancha para transporte de criança com
traumatismo cranioencefálico e raquimedular.
é a subluxação da Atlas por sua rotação, sendo ne-
cessário, também, o exame radiológico, que poderá A natural imobilização em prancha longa exige cui-
mostrar eventual lesão do processo odontóide da dado quanto ao tempo de permanência, pois a partir
segunda vértebra cervical (Axis) e, até que o diag- de duas horas, surge o risco de ocorrência de úlceras
nóstico esteja definido, a cabeça em rotação deverá de decúbito. Quanto ao controle da dor na vigência
ser imobilizada na posição em que se encontrar. do trauma cranioencefálico e raquimedular, se hou-
A mais grave das fraturas do processo odontóide ver preferência pelo uso do fentanil, associado ou não
é aquela classificada como tipo III, que atingem a benzodiazepínicos, impõe-se rigoroso controle da
sua base e toda a vértebra, porém, as mais comuns função respiratória, pois os agentes opiáceos podem
em crianças menores são as que atingem, apenas, produzir hipercarbia, na dependência de eventual de-
a base do processo e são classificadas como tipo II. pressão respiratória não convenientemente tratada.
As fraturas classificadas como tipo I lesam apenas Bloqueios locais ou regionais terão prioridade nestes
a extremidade do processo odontóide da Axis, são casos, pelo benefício maior de não interferirem com
de menor gravidade, mas nem por isso, deixam de a função respiratória, enquanto os bloqueios centrais
exigir imobilização pelo colar cervical. Qualquer são contra-indicados, quando realizados no espaço
que seja a região da coluna atingida pelo trauma, peridural ou subaracnóideo. O recurso dos bloqueios
o comprometimento da medula é, sem dúvida, a locais e alguns regionais poderão ser de grande ajuda
principal preocupação por refletir o risco de para- no controle da dor como técnica anestésica nos casos
plegia ou de tetraplegia. Por isso mesmo, toda e de trauma craniano, até mesmo com outras lesões as-
qualquer lesão da coluna exige uma avaliação de sociadas7,9, desde que bem indicados e executados.
toda a sua extensão, sendo freqüente a ocorrência Nos casos de trauma da coluna vertebral, o con-
de lesão, também, em outro segmento. A criança trole da dor pode ser obtido pelo emprego de mor-
traumatizada em coma ou consciente e referin- fina por via subcutânea (SC) ou intravenosa (IV).
do dor na região cervical necessita ser submetida Quando pela via SC é possível implantar-se um ca-
a exame radiológico (radiografia de coluna cervi- teter do tipo “íntima®” no tecido subcutâneo, para
cal com incidências ântero-posterior e de perfil) e a administração da morfina em bolus infundida
complementado pela tomografia computadorizada através de seringa, de bombas de infusão comuns
– TC. Nestes casos torna-se indispensável o uso do ou até mesmo por bombas de PCA – Patient Con-
colar cervical (Fig. 28.23). trolled Analgesia (mais seguras).

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 503

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TRAUMATISMO TORÁCICO des vasos, geralmente muito graves e indicativos de
tratamento cirúrgico. O diagnóstico clínico do he-
O trauma torácico é geralmente resultante de
mopericárdio se faz pela queda da pressão arterial,
ocorrências com veículos motorizados. A crian-
aumento da pressão venosa, estase jugular e bulhas
ça, pelo seu próprio comportamento, está sujeita
hipofonéticas. Para seu alívio, procede-se à punção
a ser vítima de acidentes de trânsito, como atro-
de Marfan introduzindo-se uma agulha conectada
pelamentos ou colisões, principalmente quando
a uma seringa, imediatamente abaixo do apêndice
está incorretamente posicionada no veículo, isto
xifóide em direção à escápula esquerda. A presen-
é, sem cinto de segurança e sem uso de assento
ça de sangue, obriga a consulta ao cirurgião, para
apropriado. Em decorrência da fragilidade de seu
decisão quanto à indicação de toracotomia. Todas
arcabouço ósseo e articular é comum a lesão trau-
essas lesões são acompanhadas de dor, inclusive os
mática do tórax se refletir nos pulmões, gerando
procedimentos terapêuticos, como as drenagens de
contusão, hemorragia e/ou pneumotórax hiper-
tórax e os exercícios respiratórios indicados pelo
tensivo ou aberto. São situações compatíveis com
fisioterapeuta. Se não houver contra-indicação, o
risco de morte iminente e que, portanto, exigem
cateter peridural permitirá a técnica do PCA ou a
conduta terapêutica imediata. A contusão pulmo-
administração em bolus de solução analgésica com
nar é responsável por insuficiência respiratória, o
anestésico local e opiáceo; caso contrário, poderá ser
que implica a necessidade de intubação traqueal
e ventilação artificial quando a hipoxia é grave usada a via endovenosa, a subcutânea ou a retal.
(SatO < 90%). O hemotórax de grandes propor-
2
Desta forma, se não houver contra-indicação, a
ções, responsável por agravamento da condição instalação de um cateter peridural implantado em
circulatória, deve ser tratado pela reposição de região torácica alta (T5-T6) ou média (T8-T9),
volume ou até, por toracotomia. O pneumotórax assegurará uma analgesia eficiente e segura, o que
hipertensivo, diagnosticado pela dispnéia, desvio facilitará os exercícios fisioterápicos e uma reabili-
da traquéia, do mediastino e estase jugular é pron- tação mais precoce destes pacientes13. Nestes casos,
tamente aliviado pela punção pleural no segundo a utilização do cateter permitirá a utilização da téc-
intercosto, na linha hemiclavicular média, deven- nica do PCA ou mesmo a administração em bolus
do ser seguida pela drenagem torácica no quinto de solução analgésica contendo anestésico local e
intercosto, imediatamente acima do rebordo cos- opiáceo. Sempre que não houver contra-indica-
tal da costela inferior. Após infiltração da região ções, é possível a associação, à técnica do PCA, de
com anestésico local, deverá ser introduzido o drogas adjuvantes como os AINEs e a dipirona.
dedo indicador do médico assistente em direção Na impossibilidade de se implantar o cateter
à axila do paciente para verificação do posiciona- peridural a administração dos analgésicos poderá
mento correto da sonda que será introduzida, as- ser feita por via intravenosa (IV), via subcutânea
sim como, verificar se não há corpo estranho no (SC) ou por via retal (VR).
espaço pleural; a percepção do estômago ou alça Na impossibilidade de se poder utilizar a via
intestinal significa ruptura de diafragma. peridural, propõe-se o mesmo esquema indicado
O pneumotórax simples é inicialmente tratado no tratamento da coluna vertebral. A associação
com o curativo de três pontas, porém como pode de AINEs com a dipirona (ou paracetamol) tam-
se transformar em pneumotórax hipertensivo exi- bém poderá ser prescrita, desde que não haja con-
ge, também, a drenagem torácica. tra-indicações a qualquer uma delas, como asma,
O trauma torácico pode ser responsável, tam- insuficiência renal, plaquetopenia, distúrbios de
bém, por lesões cardiovasculares como contusão coagulação, choque, depleção de medula óssea e os
cardíaca, hemopericárdio e ferimentos dos gran- grandes sangramentos no intra-operatório17.

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TRAUMATISMO ABDOMINAL a imobilização, cuja finalidade principal é evitar
a dor, ou não aumentá-la, assim como, também
A avaliação do eventual trauma abdominal evitar lesão mais grave decorrente de possível com-
exige uma grande sensibilidade do médico, pois prometimento de feixe vásculo-nervoso. Uma lesão
do modo de proceder vai depender, e muito, a co- óssea ou ósteo-articular, exposta ou não, implicará
laboração da criança em responder corretamen- a perda de sangue, o que exige avaliação criteriosa
te o que for questionado e permitir um exame da condição hemodinâmica. O exame radiológico,
criterioso que engloba a palpação e a realização uma vez indicado, necessitará de observação cuida-
de exames complementares como o ultra-som, a dosa, pois, na dependência da faixa etária, a ima-
tomografia computadorizada e a lavagem peri- gem da epífise poderá ser confundida com um tra-
toneal diagnóstica (LPD), indicada apenas para ço de fratura. As informações sobre a magnitude,
diagnóstico de lesões de vísceras intraperitoniais. o mecanismo do trauma e o tempo decorrido para
Entretanto, qualquer um destes procedimentos o atendimento facilitam uma correlação mais ade-
não pode prejudicar o tempo para início de uma quada entre os achados do exame clínico e radioló-
laparotomia de urgência que na grande maioria gico. Como são geralmente dolorosos, os trauma-
das vezes, exige sedação ou até, anestesia geral. Ao tismos das extremidades exigem constante atenção
realizar a LPD, com 10 ml/kg de peso de Ringer quanto ao alívio da dor, e, para tal objetivo, a pri-
lactato aquecido, o cirurgião estará atento para a meira indicação se refere aos bloqueios locais, cer-
pequena espessura da parede abdominal, evitan- tamente se houver compreensão e colaboração da
do, assim, uma lesão visceral. Uma vez definida criança, o que nem sempre é possível. Portanto, a
a necessidade de uma laparotomia, ela deverá ser conduta atenciosa e cuidadosa da equipe é de fun-
realizada com urgência, dispensando, portanto, damental importância para que as seguintes opções
outros exames. sejam realizadas:
O trauma abdominal, mesmo o não penetran- • sempre que possível, a utilização de bloqueios
te, exige atenção continuada, preferentemente em anestésicos deverá ser executada para a realiza-
unidade de terapia intensiva (UTI). O histórico ção do ato cirúrgico visando obter-se uma eficaz
detalhado da ocorrência, a par do exame clínico via de acesso para a analgesia pós-operatória;
minucioso, da avaliação hemodinâmica e radioló-
• nas lesões de membros superiores, os bloqueios
gica permitem a adoção de medida expectante ou
regionais nem sempre podem ser mantidos de
invasiva, conforme a decisão da equipe cirúrgica.
forma contínua, pelas dificuldades técnicas en-
Os órgãos mais atingidos são o baço, o fígado e
contradas para a sua realização em crianças me-
o pâncreas e, para sua avaliação, poderão ser in-
nores;
dicados a lavagem peritoneal e o diagnóstico por
imagem. Na vigência de dor, poderá ser utilizado • nas lesões de membros inferiores, os bloqueios
o bloqueio subaracnóideo, com ou sem opiáceo centrais (peridural e subaracnóideo) poderão ser
associado. A lidocaína a 5% poderá ser utilizada, realizados. Nestes casos, a utilização do cateter
hiperbárica ou isobárica, nas doses de 1 a 2 mg/kg peridural implantado em região lombar ou por
de peso e a bupivacaína a 0,5%, nas doses de 0,3 a acesso sacrococcígeo favorecerá a analgesia pós-
0,5 mg/kg de peso. operatória. Nos casos onde houver necessidade
da permanência do cateter peridural por tempo
TRAUMATISMO DE EXTREMIDADES prolongado (> 5 dias), pode-se utilizar a técnica
de tunelização subcutânea, e desta forma, man-
O trauma das extremidades exige os mesmos tê-lo por um período muito maior (até por se-
cuidados indicados para o adulto, salientando-se manas) (Fig. 28.24).

Tra um a ti s m o e m P e d i a t r i a 505

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extensas. Nestes casos, é premente a necessidade
do desligamento da rede elétrica, antes de qualquer
atitude relacionada ao atendimento da criança.
O tratamento inicial das queimaduras de primeiro
e de segundo graus, em área pouco extensa, pode
ser tratada, como já foi referido, com água fria, o
que favorece a obtenção de analgesia que pode ser
complementada pelo uso de dipirona. Entretanto,
as queimaduras mais graves, que exigem atenção de
equipe especializada, são aquelas que inicialmente
necessitam atenção específica para o tratamento da
dor, quando então, a morfina, passa a ser a droga
Fig. 28.24 – Cateter peridural sacral com técnica de tunelização sub-
cutânea. de escolha. Estes casos, durante a sua evolução exi-
gem tratamento demorado, com trocas de curati-
vos freqüentes. São procedimentos dolorosos onde
O tratamento da dor pós-operatória de pacien- a anestesia geral é a indicação mais correta para o
tes pediátricos vítimas de trauma de membros in- alívio da criança e permite que o procedimento
feriores, guardadas as peculiaridades de cada caso, cirúrgico seja realizado com cautela e sem sofri-
via de regra seguem a mesma orientação dada aos mento do paciente. Como nos acidentes causados
pacientes com trauma abdominal no que tange às pelo calor, o frio também merece destaque quanto
técnicas e medicamentos empregados17. à sua prevenção e tratamento. A criança traumati-
zada necessita de aquecimento adequado, além dos
QUEIMADURA cuidados que envolvem a administração de flui-
dos para a reposição de perdas volêmicas, soluções
Dentre os diversos tipos de traumatismos a que hidroeletrolíticas, coloidais, hemoderivados que
a criança está exposta, incluem-se as queimaduras, deverão ser adequadamente aquecidos para serem
sendo que o ambiente doméstico é o local mais co- administrados17.
mum para a sua ocorrência. Se, de imediato, a água
fria corrente e limpa deve ser o tratamento inicial, ANESTESIA
com a finalidade de resfriar a região atingida e evi-
tar que tecidos mais profundos sejam atingidos, o A anestesia na criança traumatizada exige os
encaminhamento ao médico é fundamental, prin- mesmos cuidados que caracterizam todo e qual-
cipalmente nos casos mais graves, como as quei- quer ato anestésico a ser realizado por especialista:
maduras de segundo e de terceiro graus. Os res- • indicação criteriosa dos fármacos, agentes e téc-
ponsáveis pelo atendimento imediato, geralmen- nica a ser utilizada;
te os familiares, devem ser orientados para a não • exigência de condição adequada para a realiza-
perfuração de bolhas, cabendo apenas ao médico ção da anestesia;
fazê-la. Atualmente, no ambiente doméstico e fora
• informação aos responsáveis pelo paciente quan-
dele, é grande a incidência de queimaduras graves
to aos procedimentos e riscos;
em crianças, pelo costume de empinarem “pipas”
em local próximo a fios de alta tensão. O contato • informação apropriada à criança quanto aos
do fio das “pipas” com a rede elétrica é responsá- procedimentos;
vel pela condução e descarga de milhares de volts, • apoio psicológico à criança e aos seus responsá-
podendo causar-lhes a morte com queimaduras veis;

506 An e s t e s ia Pe diátrica

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É, portanto, complexo o atendimento à criança
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sional capacitada a atendê-la, a constante atualiza- Equipe de Controle de Dor da Disciplina de Anestesio-
ção científica sempre apoiada no aspecto humano. logia da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Como assertiva fundamental, entretanto, a preven- Paulo; 2003.
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Capítulo 29
Ba s e s do T r a t a m en t o I n t en s i v o
e Choque

Eduardo Juan Troster


Cristiane Freitas Pizarro

INTRODUÇÃO
Pré-carga
Choque consiste em um estado fisiopatológico Débito cardíaco
Volume
Contratilidade
agudo e complexo de disfunção circulatória, que sistólico
Pressão Pós-carga
resulta em incapacidade do organismo em fornecer arterial Resistência
quantidades suficientes de oxigênio e outros nu- vascular
trientes para suprir as demandas metabólicas dos sistêmica
tecidos. Como conseqüência, ocorrem alterações
no metabolismo celular que resultam em disfun- Fig. 29.1 – Componentes do débito cardíaco.

ção celular, produção de diversos mediadores da


resposta inflamatória, lesão e morte celular1. No choque hipovolêmico, o distúrbio primário é
Somente o reconhecimento e tratamento pre- a perda do volume sangüíneo circulante, com redu-
coce podem ser capazes de interromper esta cascata ção no retorno venoso, redução na pré-carga e con-
de eventos. seqüente redução do volume sistólico e do débito
cardíaco. Na criança é mais freqüentemente causado
por diarréia e desidratação. Entre outras causas po-
FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE
demos ter queimaduras, hemorragias e intra-opera-
Os componentes do débito cardíaco e pressão tório. O choque séptico e o choque anafilático tam-
arterial são essenciais na compreensão da fisiopato- bém apresentam componente hipovolêmico impor-
logia do choque (Fig. 29.1). tante, por aumento da permeabilidade capilar.

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No choque cardiogênico, o principal mecanis- Tabela 29.1 – Classificação do choque
mo é a falha da bomba cardíaca, resultando em um
Tipo Alteração circulatória Exemplos
baixo volume sistólico e queda do débito cardíaco.
Apesar de não haver comprometimento da pré-car- Hipovolêmico Diminuição do volume Perda sangüínea:
sangüíneo circulante – hemorragias
ga, que pode até estar aumentada, as conseqüências efetivo – perda de plasma:
fisiopatológicas são muito semelhantes as do cho- – queimaduras
que hipovolêmico. – sd. nefrótica
– obstrução intestinal
Nos choques distributivos, causados por má dis- – perda líquida:
tribuição do fluxo sangüíneo, além do mecanismo – diarréia
– vômitos
básico que compromete a microcirculação e que – perda renal
diminui a resistência vascular periférica, existem
Cardiogênico Diminuição da Cardiopatias congênitas
componentes de hipovolemia e de função contrá- contratilidade PO de cirurgia cardíaca
til comprometida. Incluem-se nesta classificação o miocárdica Arritmias
choque neurogênico, causado por perda de tônus Intoxicações exógenas
Distúrbios metabólicos
simpático após trauma raquimedular; o choque Lesão hipóxico-
anafilático desencadeado por drogas, venenos ou isquêmica
outros agentes; e o choque séptico causado por res-
Distributivo Má distribuição do fluxo Anafilaxia
posta inflamatória sistêmica a um foco infeccioso sangüíneo Sepse
ou à isquemia e reperfusão2 (Tabela 29.1). Lesão SNC ou medula
Intoxicação exógena
Para a compreensão do choque é essencial a
compreensão de conceitos relativos à absorção, Dissociativo Dificuldade de liberação Intoxicação por CO
do oxigênio pela Meta-hemoglobinemia
transporte e consumo de oxigênio. hemoglobina
A capacidade do sangue arterial em transportar Obstrutivo Obstrução mecânica ao Pneumotórax
oxigênio depende da concentração de hemoglobi- fluxo dos ventrículos hipertensivo
na e o grau de ligação do oxigênio à hemoglobina, Tamponamento
Embolia pulmonar
ou seja, a saturação de oxigênio. Cada grama de maciça
hemoglobina, quando completamente saturada,
contém 1,34 ml de oxigênio.
Calcula-se então o conteúdo arterial de oxigê-
nio (CaO2) da seguinte forma: Em condições basais, com débito cardíaco de 5
l/min e um CaO2 de 200 ml O2/min, temos uma
CaO2 (mLO2 100 ml) = { Hb (g 100 ml) X 1,34a (ml O2/g) X SatO2 disponibilidade ou oferta de oxigênio aos tecidos de
(%) } + (PaO2 X 0,0031B) cerca de 1.000 ml O2/min (Fig. 29.2).
a
número de ml de O2 transportados por 1g de hemoglobina Já vimos que, em repouso, o consumo de oxigê-
b coeficiente de difusão plasmática de O2 nio discutido neste exemplo é de 200 ml O2/min,
de modo que cerca de 70% do oxigênio arterial
A disponibilidade O2 (DO2) é o volume de oxi- retorna ao átrio direito no sangue venoso. Calcu-
gênio que é oferecido pelo sangue aos tecidos, a lamos o conteúdo venoso de oxigênio (CvO2) e a
cada minuto, sendo calculado como o produto do disponibilidade venosa de oxigênio (DvO2) com
débito cardíaco pelo CaO2.: fórmulas semelhantes às empregadas no cálculo do
CaO2 e DaO2, porém empregamos a saturação ve-
DaO2 (ml O2 min) = DC (l/min) X CaO2 (ml O2 dl) X 10a nosa e a pressão parcial de oxigênio determinadas
a
o fator de conversão de ml de O2 / 100 ml para ml de O2 /l no sangue venoso misto.

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CvO2 = { HB X 1,34 X SvO2 } + (PvO2 X 0,0031) consumo de oxigênio dos órgãos vitais, à custa da
DvO2 = DC X CvO2 X 10 redução da perfusão dos outros órgãos3.

O oxigênio utilizado ou consumo de O2 (VO2) PRINCIPAIS DIFERENÇAS NA RESPOSTA


é a diferença entre a disponibilidade arterial e a ve- HEMODINÂMICA AO CHOQUE
nosa de oxigênio: Adultos

VO2 (ml O2 min) = DaO2 – DvO2 = DC X (CaO2 – CvO2) X 10a No paciente adulto a paralisia vasomotora é a
a
o fator de conversão de ml de O2 / 100 ml para ml de O2 /l
principal causa de morte. Pacientes adultos têm
disfunção miocárdica manifestada pela diminui-
ção da fração de ejeção, mas o débito cardíaco é
Esta é a equação conhecida como equação de Fick. geralmente mantido ou aumentado mediante dois
A extração de oxigênio (EO2) é a relação entre mecanismos:
consumo e disponibilidade arterial de oxigênio: 1) taquicardia;
2) dilatação ventricular;
EO2 (%) = VO2/ DO2 = (CaO2 – CvO2)/ CaO2 = (SaO2 – SvO2 ) /
Sa02 Pacientes que não desenvolvem este processo
adaptativo têm pior prognóstico.3
A perfusão inadequada dos tecidos, observada
no choque, resulta em déficits de oxigênio tecidual, Crianças
por um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de Nas crianças geralmente o choque está associa-
oxigênio. do à severa hipovolemia e elas respondem bem a
uma agressiva ressuscitação fluídica.
Ao contrário dos pacientes adultos, a dimi-
Demanda de oxigênio Consumo de oxigênio nuição do débito cardíaco, e não a diminuição da
resistência vascular sistêmica, está associada com
Oferta de oxigênio
uma maior mortalidade. Então, uma terapêutica
que vise a manutenção do índice cardíaco (IC)
3,3-6,0 l/min/m2 pode resultar em aumento da
Fig. 29.2 – Demanda de O2 consumo O2.
sobrevida.
Também diferente de pacientes adultos, nas
Caso ocorra uma redução na oferta de oxigênio, crianças o transporte de O2, e não a extração de
o seu consumo pode ser mantido à custa do au- O2, é o fator determinante do consumo de O2.3
mento da extração tecidual de oxigênio. O ponto
no qual a disponibilidade de oxigênio reduzida tor- Récem-nascidos
na o seu consumo dependente da oferta denomina-
se DO2 crítico. Também neste ponto identificamos Choque é complicado pela transição da circula-
a extração de oxigênio crítica. Ocorre então uma ção fetal para a neonatal.
queda no consumo de oxigênio e se instala na cé- No útero 85% da circulação fetal passa direta-
lula uma situação de anaerobiose, que não produz mente para a aorta através do ducto arterioso em
suficiente substrato energético para a manutenção virtude da alta resistência pulmonar. Ao inalar
das múltiplas funções celulares. Os diversos meca- oxigênio temos a diminuição da pressão da artéria
nismos homeostáticos que são ativados no choque pulmonar e os fechamentos do ducto arterioso e do
procuram preservar, preferencialmente, a oferta e o forâmen oval.

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Choque induz acidose e hipoxemia, o que au- MONITORAÇÃO
menta a pressão na artéria pulmonar, mantendo
patente o ducto arterioso. Então, temos persistên- A sobrevida do paciente em choque está na de-
cia da hipertensão pulmonar e o aumento do tra- pendência de três fatores básicos:
balho do ventrículo direito.3 1) diagnóstico precoce;
2) instituição imediata de um tratamento agressivo
Reconhecimento do estado de choque e sistematizado;
É primordial o reconhecimento precoce do es- 3) atenta monitoração clínica, laboratorial e he-
tado de choque para uma melhora da sobrevida. modinâmica.
Choque deve ser reconhecido antes de ocorrer
hipotensão (choque descompensado) pelos seguin- Monitoração clínica
tes critérios clínicos: A reavaliação clínica freqüente nos permite de-
• avaliação do estado geral, nível de consciência; terminar o estado hemodinâmico do paciente e a
• avaliação função circulatória: freqüência cardía­ necessidade ou não de alterarmos a conduta.
ca, qualidade do pulso, temperatura da pele, A monitorização clínica compreende a checa-
perfusão (vasodilatação periférica – choque gem dos seguintes aspectos:
quente ou presença de extremidades frias - cho-
• avaliação da freqüência e ritmo cardíaco;
que frio), pressão arterial;
• observação do padrão respiratório e ausculta
• avaliação da função e perfusão de órgãos:
pulmonar;
cérebro – nível de consciência;
• observação da coloração da pele e das mucosas;
pele – tempo de enchimento capilar, coloração;
• aferição da pressão arterial com manguito ade-
rins – débito urinário (> 1 ml/kg/hora).
quado;
A hipotensão é um sinal tardio do choque e já re-
• avaliação da perfusão periférica (temperatura
presenta um choque descompensado. Sabemos que
das extremidades, amplitude dos pulsos perifé-
DC e resistência vascular sistêmica (RVS) determi-
ricos e velocidade de enchimento capilar;
nam a pressão arterial média (PAM). Para haver
queda da pressão arterial, pelo menos 25% da vo- • determinação horária da diurese;
lemia deve estar depletada, quando, então, os me- • acompanhamento do nível de consciência (fre-
canismos compensatórios são perdidos (diminuição qüentemente observam-se irritabilidade e sono-
do DC e não-aumento da RVS)3-7 (Fig. 29.3). lência);
Além dos dados de exame físico, exames labo-
ratoriais são importantes no acompanhamento
Resistência clínico do paciente. São de fundamental impor-
vascular
tância: gasometria arterial e venosa (para mensu-
ração da saturação venosa e arterial de O2 e deter-
minação do estado ácido-básico) e a dosagem de
Pressão
lactato sérico. É importante, também, uma ava-
Débito arterial liação hematológica com hemograma completo,
cardíaco dosagem de plaquetas e determinação de provas
de coagulação.
Choque Choque
compensado descompensado Exames bioquímicos, principalmente a dosa-
Fig. 29.3 – Resposta hemodinâmica ao choque. gem sérica de cálcio e glicose são essenciais.3

512 An e s t e s ia Pe diátrica

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Monitoração hemodinâmica básica na talidade. A estratégia de manutenção da saturação
primeira hora do choque venosa central de O2 acima de 70%, mediante de
suporte inotrópico e manutenção da hemoglobina
• Oximetria de pulso.
acima de 10 mg/dl, resultou em uma redução de
• Monitoração cardíaca: ECG contínuo. 50% da mortalidade quando comparado ao gru-
• Controle da pressão arterial. po de pacientes em que era mantida apenas relação
• Monitoração da temperatura. PAM/PVC adequada3,6,8.
• Monitoração do débito urinário.
Monitoração avançada
Monitoração hemodinâmica básica após Em pacientes com choque refratário a catecola-
primeira hora do choque
minas, de difícil controle, está indicada a passagem
• Oximetria de pulso. de cateter de Swang-Ganz – cateter arteria pulmo-
• ECG contínuo. nar. Os cateteres normalmente usados compõem-
se de quatro lúmens, os quais possibilitam as se-
• Monitoração da pressão arterial média invasiva
guintes medições:
(PAMI) através da caterização arterial.;
• PVC mediante do seguimento proximal;
• Monitoração da temperatura.
• pressão da artéria pulmonar (PAP) e pressão de
• Monitoração do débito urinário.
oclusão da artéria pulmonar (POAP), através do
• Monitoração da pressão venosa central (PVC) seguimento distal;
através da cateterização venosa central.
• débito cardíaco (DC), mediante determinação
• Monitoração da saturação venosa central de da temperatura do sangue na artéria pulmonar,
oxigênio através coleta de gasometria venosa com a utilização de um termorreceptor.
central (cateter veia cava superior).
A medida da PVC reflete a pré-carga do ven- TRATAMENTO
trículo direito. Entretanto, as pressões nas grandes
veias do tórax do indivíduo, em posição supina, va- Em relação à terapia, tomamos como base o
riam no máximo 1 mmHg em ralação a pressão no modelo de choque hipovolêmico-séptico, que é o
átrio direito (AD). Assim, a PVC pode ser medida mais comum em pediatria.
com exatidão quando a ponta do cateter está locali- O primeiro passo para o tratamento do choque
zada em uma das grandes veias do tórax ou AD. e o mais importante é a sua detecção o mais preco-
Estudos recentes, em pacientes adultos, têm ce possível.
mostrado uma boa correlação entre a medida da Os objetivos na primeira hora de ressuscitação
saturação venosa central de oxigênio e a sobrevida- são:
de de pacientes com choque3,6,8. • manter a via aérea, oxigenação e ventilação;
Sabe-se que IC entre 3,3 – 6,0 l/min/m2 e o • manter circulação: definida como adequada
consumo de O2 > 200 ml/min/m2 estão associados perfusão, pressão sangüínea e freqüência car-
a uma melhor sobrevida. O IC maior de 3,3 l/min/ díaca. Ou seja, manter tempo de enchimen-
m2 correlaciona-se com uma saturação venosa cen- to capilar < 2 segundos, ausência de diferen-
tral de O2 > 70% em um paciente com consumo ça de pulso central e periférico, extremidades
de O2 adequado (150 ml/min/m2). quentes, débito urinário > 1 ml/kg/hora,
Um baixo DC está associado com aumento na estado de consciência adequado e pressão ar-
extração de O2 e, em crianças, com uma maior mor- terial normal para a idade3,4.

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CUIDADOS GERAIS Tabela 29.2 – Soluções utilizadas para reposição fluídica
Suporte respiratório Colóides Hemoderivados Albumina
Sangue total
A oferta de oxigênio aos tecidos deve ser otimi- Concentrado de
zada. O uso de ventilação pulmonar mecânica deve glóbulos
Plasma fresco
ser considerado precocemente, pois diminui o tra- Sintéticos Dextrans
balho respiratório e conseqüentemente o gasto de Hidroxietistarches
energia pelo paciente melhorando as trocas gasosas Cristalóides Isotônicas Soro fisiológico
(seguir as diretrizes ditadas pelo PALS – Pediatric Soluções Ringer lactato
Advanced Life Support)4,6.

Acesso vascular Ainda hoje persistem controvérsias a respeito


do tipo de solução a ser utilizada na ressuscitação
O acesso vascular deve ser obtido imediatamen- fluídica do paciente em choque (Tabela 29.2).
te. Deve-se estabelecer o acesso intra-ósseo se não Contudo, a solução cristalóide isotônica continua
for possível a obtenção de um acesso venoso rá- sendo o fluido de escolha na ressuscitação fluídica
pido e seguro. A colocação de um acesso central inicial.
será provavelmente necessária para as infusões de
drogas vasoativas3,4,6,9,10. Soluções cristalóides isotônicas

Caracterizam-se pela distribuição igualitária no


RESSUSCITAÇÃO FLUÍDICA
espaço extra-celular. Em crianças hígidas, apro-
Todas as crianças com choque necessitam de ximadamente um quarto do volume infundido
uma agressiva ressuscitação fluídica. Hipovolemia permanece no intravascular após uma hora: na vi-
é a causa mais comum de choque em pediatria. gência de choque séptico a porcentagem é menor.
Esta ressuscitação deve ser iniciada com a infusão A solução fisiológica (SF) e a solução de Ringer
de 20 ml/kg em bolus de cristalóide (soro fisioló- lactato (RL) devem ser utilizadas. Embora seu uso
gico ou Ringer lactato) até um total de 60 ml/kg esteja associado à formação de edema intersticial
nos primeiros 10 minutos. Algumas crianças ne- e à diminuição da pressão coloidosmótica, não se
cessitam de até 200 ml/kg na primeira hora do observou aumento na incidência de edema pulmo-
choque. O objetivo é de otimizar a pré-carga e nar quando comparado ao uso de colóides2.
manter o débito cardíaco. Esta infusão de volume
deve ser realizada em bolus, de forma rápida até Coloídes
a normalização da perfusão e da pressão sangüí­ As soluções colóides compõem-se de substâncias
nea. Porém, a cada bolus o paciente deve ser re- de grande peso molecular, o que dificulta a passa-
avaliado e o médico deve estar atento aos sinais gem para o interstício. Dentre tais substâncias desta-
de descompensação cardíaca (estertores, ritmo de cam-se o plasma fresco, a albumina, o Dextran (uso
galope, hepatomegalia e aumento de esforço res- limitado por seus efeitos colaterais), as soluções He-
piratório)3,4,6. tastarch e Pentastarch (pouco usadas em pediatria).
Grandes quantidades de volume em criança, na A albumina é uma solução efetiva na ressusci-
primeira hora do choque, não têm mostrado au- tação da volemia, embora de alto custo e menor
mento na incidência de SARA ou edema cerebral3. disponibilidade. A solução a 5% resulta em uma
Inúmeras são as soluções disponíveis para a re- expansão equivalente ao volume infundido e com
posição fluídica e estão listadas na Tabela 29.2. efeito de duração prolongada.

514 An e s t e s ia Pe diátrica

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Plasma fresco congelado pode ser utilizado para Terapia inotrópica
corrigir o tempo de protrombina e o tempo par-
Assim como em pacientes adultos podemos
cial de tromboplastina, não devendo ser utilizado
como expansor2. usar, em crianças, a dobutamina ou dopamina em
dose beta como suporte inotrópico de primeira li-
É razoável manter a hemoglobina no choque
nha; mas crianças com menos de 12 meses podem
acima de 10 g/dl, já que o transporte de oxigênio
responder menos ao tratamento. O choque refratá-
depende significativamente de sua concentração3.
rio a dopamina ou dobutamina pode ser revertido
Uma perda de fluidos e uma hipovolemia persis- com infusão de adrenalina, que é mais comumen-
tente secundária ao extravasamento capilar difuso te usada em crianças que em adultos. A adrena-
podem continuar por dias no paciente em choque. lina também é sugerida, por alguns membros do
Assim, uma reposição contínua de fluidos pode ser ACCM, como droga de primeira escolha em doses
necessária para manter a perfusão, o débito cardía- baixas para o choque frio hipodinâmico3,5,6.
co e a pressão arterial.
Terapia vasodilatadora
DROGAS VASOATIVAS
Quando pacientes pediátricos permanecem
Pacientes com choque refratário à fluidoterapia em um estado normotenso, com débito cardíaco
necessitam de suporte vasoativo. As drogas vaso- baixo e alta resistência vascular, apesar do uso de
ativas devem ser administradas de preferência em adrenalina, deve-se considerar o uso de milrinone.
um acesso venoso central. Ainda hoje, a dopamina Milrinone e amrinone são inibidores da fosfodies-
pode ser usada como agente de primeira escolha.
terase do tipo III. Eles não permitem a hidrólise
Entretanto, o choque resistente à dopamina deve
da adenosina monofosfato cíclica e, portanto, po-
ser reconhecido rapidamente e, então, a adrenalina
tencializam o efeito de estimulação do receptor
deve ser utilizada na presença de choque frio e a
beta no tecido cardíaco e vascular. Embora reco-
noradrenalina na presença de choque quente, a fim
mendado pela literatura doses de ataque, membros
de normalizar a perfusão e a pressão sangüínea3,4,6,7
do ACCM preferem não utilizar doses de bolus de
(Tabelas 29.3, 29.4 e Fig. 29.4).
amrinone e milrinone, devendo ser utilizadas ape-
nas em infusão contínua. Por causa da meia-vida
Terapia vasopressora
longa, essas drogas devem ser descontinuadas ao
A dopamina permanece como o vasopressor de primeiro sinal de taquiarritmia, hipotensão ou re-
primeira escolha para choques refratários a fluido- dução da resistência vascular sistêmica3,5,6. O uso
terapia, apesar da existência, na literatura, de re- de amrinome vem sendo abandonado em razão do
latos de insensibilidade a dopamina relacionados seu freqüente efeito adverso de trombocitopenia.
à idade. A dopamina causa vasoconstrição pela
liberação de noradrenalina a partir das vesículas REPOSIÇÃO DE GLICOSE, CÁLCIO
simpáticas. Lactentes < 6 meses talvez não tenham
desenvolvido integralmente seus componentes de A hipoglicemia precisa ser rapidamente diag-
vesículas simpáticas. Choques resistentes a dopa- nosticada e imediatamente tratada, pois pode cau-
mina geralmente respondem ao tratamento com sar danos neurológicos quando não identificada.
noradrenalina e altas doses de adrenalina. O uso A hipocalcemia é um fator freqüente e reversível
de vasopressores pode ser ajustado de acordo com que contribui para a disfunção cardíaca. A reposi-
os pontos terminais de pressão de perfusão (PAM – ção de cálcio deve ter como principal objetivo nor-
PVC) ou de resistência vascular sistêmica3,5,6. malizar os níveis de cálcio ionizado3,6.

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Tabela 29.3 – Drogas vasoativas Tabela 29.4 – Choque resistente a dopamina
Drogas Dose Receptor ↓ DC - Adrenalina
Dopamina Até 3 µg/kg/min DA1 ↓ DC / PA normal / ↑ RVS – Vasodilatador: Nitroprussiato de sódio
5-10 µg/kg/min β1
Milrinone
>10 µg/kg/min α1 > β1
Amrinone
Noradrenalina >0,5 µg/kg/min α1
↑ DC / ↓ RVS – Noradrenalina
Adrenalina < 0,3 µg/kg/min Predomina β1
>0,3 µg/kg/min Predomina α1

Dobutamina 2-20 µg/kg/min β1/β2

0-5 min Reconhecer a diminuição do nível de consciência e alteração da perfusão.


Manter via aérea e estabelecer acesso venoso
de acordo com as diretrizes PALS .
Infundir em bolus 20 ml/kg de solução cristalóide isotônica
ou colóide até 60 ml/kg.
Corrigir hipoglicemia e hipocalcemia se necessário

15 min CHOQUE REFRATÁRIO A FLUIDO


CHOQUE RESPONDE FLUiDO
Estabelecer acesso venoso central, iniciar dopamina e estabelecer
monitorozação PAMI.
Observar em UTIP
CHOQUE REFRATÁRIO A FLUIDO
CHOQUE RESISTENTE A DOPAMINA
Adrenalina para choque frio
Noradrenalina para choque quente

60 min CHOQUE RESISTENTE A CATECOLAMINA

Risco de Insuficiência adrenal? Ausência de risco?


Dar hidrocortisona Não dar hidrocortisona

PA NORMAL PA BAIXA PA BAIXA


CHOQUE FRIO CHOQUE FRIO CHOQUE QUENTE
SVC O2 SAT<70% SVC O2 SAT<70%

Titular volume e adicionar Titular volume e adrenalina Noradrenalina ou vasopressina


vasodilatador e/ou inibidor da dose baixa ou angiotensina
fosfodiesterase tipo III

PERSISTÊNCIA – CHOQUE RESISTENTE À CATECOLAMINA


Passar cateter artéria pulmonar e direcionar fluidoterapia, inotrópicos, vasopressores, vasodilatadores e terapia hormonal visando
manter adequada PAM – PVC e DC > 3,3 e < 6,0 l/min/m2

CHOQUE REFRATÁRIO → CONSIDERAR ECMO

Fig. 29.4 – Recomendações para o manejo do suporte hemodinâmico em crianças com choque séptico – ACCM/2002. UTIP: Unidade de
Terapia Intensiva Pediátrica; PALS = Pediatric Advanced Life Support - American Heart Association”; PAMI = pressão arterial média invasiva;
PA = pressão arterial; MAP = pressão arterial média; SVC O2 SAT = saturação de oxigênio venoso central.

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INSUFICIÊNCIA ADRENAL namic support of pediatric and neonatal septic shock.
Crit Care Med 2003;30(6):1365-78.
Estudos recentes mostram uma alta incidên- 4. American Academy of Pediatrics and American Heart
cia de insuficiência adrenal clássica e relativa em Association. PALS Provider Manual; 2002.
5. Ceneviva G, Paschall A, Maffei F, Carcillo, JA. Hemo-
pacientes com choque refratário às catecolaminas. dynamic Support In: Fluid-refractory pediatric septic
Nestes casos estaria indicado o uso de hidrocorti- Shock. Pediatric 1998;101(2).
sona assim como a realização do teste de estímulo 6. Carcillo JA. Pediatric septic shock and multiple organ
com ACTH11-15. failure. Crit Care Clin 2003;19(3).
7. Warth NA, Cordeiro AMG. Choque. In: Manual de
Membros do ACCM sugerem o tratamento Normas Terapia Intensiva Pediátrica. 1. ed. São Paulo:
com hidrocortisona nas crianças com choque re- Savier; 1998, p.71-8.
fratário à catecolamina, na presença de um fator de 8. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, et al. Early goal direc-
risco para insuficiência adrenal (por exemplo, sín- ted therapy in the treatment of severe sepsis and septic
shock. N Engl J Med 2001;346(19):1368-77.
drome de Waterhouse Friderichsen, púrpura ful- 9. Kanter RK, Zimmerman JJ, Strauss RH et al. Pediatric
minans, uso prévio de corticosteróides ou doença emergency intravenous access: Evaluation of a protocol.
de sistema nervoso central)3. Am J Dis Child 1986;140:132-4.
10. Idris AH, Melker RS. High flow sheaths for pedia-
Ainda é bastante controverso, na literatura,
tric fluid resuscitation: Acomparason of flow rates
a dose a ser utilizada nos pacientes de risco para with standard pediatric catheters. Pediatr Emerg Care
insuficiência adrenal. Estudos recentes, realizados 1992;8:119-22.
com pacientes adultos, sugerem doses não superio- 11. Annane D, Sébille V, Charpentier C. Effect of tretment
res a 200-300 mg/dia de hidrocortisona endoveno- with low doses of hydrocortisone and fludrocortiso-
ne on mortality in patients with septic shock JAMA
sa por dia. Para a faixa pediátrica, a dose sugerida 2002;288(7):862-71.
é de 10 mg/kg de hidrocortisona in bolus seguida 12. Menon K, Clarson C. Adrenal function in pediatric cri-
de 100 mg/m2/dia 6/6 hs por cinco dias ou até a tical illness. Pediatric Crit Care Med 2002;3(2):112-6.
reversão do choque (igual ao desmame das drogas 13. Hatherill M, Tibby SM, Hilliard T, Turner C, Murdoch
IA. Arch Dis Child 1999;80:51-5.
vasoativas)11-17.
14. Annane D. Corticosteroids for septic shock. Crit Care
Med 2001;29(7):117-20.
Referências Bibliográficas 15. Annane D, Sébille V, Troché G, Raphael JC, Cajdos P,
Bellissant, E. A 3-l level prognostic classification in sep-
1. Carvalho WB, Almeida NM, Lopes CE, Cordeiro tic shock based on cortisol levels and cortisol response
AMG. Choque. In: Terapia intensiva pediátrica 2. ed. to corticotropin. JAMA 2000;283(8):1038-44.
São Paulo: Atheneu; 1999, p. 166-197. 16. Annane D, Bellissant E, Bollaert PE, Briegel J, Keh D,
2. Garcia PC, Piva JP, Carvalho PRA, Osório Jr EJ. Cho- Kupfer Y. Corticosteroids or severe sepsis shock: a syste-
que. In: Terapia intensiva em pediatria. 4..ed. Rio de matic review and meta-analysis. BMJ 2004;329:480-9.
Janeiro: Medsi; 1997, p. 54-89. 17. Pizarro CF; Troster EJ, D Amiani D, Carcillo JA. Ab-
3. Carcillo JA, Fields AI, Task Force Committee Mem- solute and relative adrenal insuffciency in children with
bers. ACCM clinical practice parameters for hemody- septic shock. Crit Care Med 2005;33(4):855-9.

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Capítulo 30
Res s u s c i t a ç ã o C a r d i o p u l m o n a r
em Pediatria
Tânia M. Shimoda Sakano
Amélia Gorete Reis

Introdução cas em PCR que ocorrem fora do hospital10,21. Os


ritmos ventriculares podem ser mais freqüentes em
A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) envolve
pacientes com fatores de risco para desenvolvimen-
um conjunto de medidas que visam evitar ou rever-
to de arritmias, como os pacientes com cardiopa-
ter uma parada cardiorrespiratória (PCR) por meio
tias congênitas, miocardites e ingestão de drogas
do suporte ventilatório e circulatório. As manobras
de RCP estão indicadas na PCR (apnéia ou respira- que predisponham a arritmias2-10.
ção agônica, ausência de pulso central, inconsciência) A PCR em crianças representa o evento final da
e na bradicardia com sinais de hipoperfusão (freqüên- falência respiratória e do choque. Deste modo, a
cia cardíaca menor 60 bpm com sinais de choque). identificação e o tratamento precoce da insuficiên-
Nos adultos, a PCR geralmente é de origem car- cia respiratória e circulatória podem prevenir o seu
díaca, sendo a fibrilação ventricular o ritmo cardíaco desenvolvimento. A parada respiratória resulta em
mais comum. Na faixa etária pediátrica, a PCR rara- taxas de sobrevida sem seqüela neurológica maior
mente é um evento súbito, sendo conseqüência de que 50%. Já pacientes com PCR, revelam média
uma piora progressiva das funções respiratória e/ou de sobrevivência de 3% a 17% na maioria dos estu-
cardiocirculatória2-10. A PCR em pediatria apresen- dos com prognóstico neurológico reservado3,5.
ta prognóstico sombrio com média de sobrevivência Como a maioria das PCR em pediatria ocorrem
de 10%, e muitas das crianças ressuscitadas evoluem como resultado de falência respiratória, a RCP ime-
com seqüelas neurológicas permanentes1-10. diata deve ser iniciada prontamente. Compressões
Os ritmos cardíacos mais freqüentes que neces- torácicas efetivas e suporte ventilatório precoce de-
sitam de manobras de ressuscitação em pediatria monstraram aumento na perspectiva de retorno da
são a bradicardia e a assistolia. Arritmias ventricu- circulação espontânea e melhoram o prognóstico
lares ocorrem em cerca 15% das vítimas pediátri- neurológico das crianças que evoluem em PCR8.

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No ambiente hospitalar, as causas mais comuns realizada por 2 socorristas com via aérea avançada,
de PCR são sepse, insuficiência respiratória, toxici- não devem ser aplicados ciclos de compressão com
dade por drogas, doenças metabólicas e arritmias6,8. pausa para a ventilação. As compressões devem ser
As diretrizes 2005 da American Heart Associa- ininterruptas (100 compressões por minuto) e a
tion sobre Ressuscitação Cardiopulmonar e Aten- ventilação deve ocorrer a uma freqüência de 8 a 10
dimento Cardiovascular de Emergência baseiam-se ventilações por minuto (1 ventilação a cada 6 a 8
na mais ampla revisão sobre ressuscitação já publi- segundos). Quando houver mais de um socorrista,
cada. As modificações enfatizam a importância da deve haver revezamento no papel de compressor a
RCP de alta qualidade27. cada 2 minutos ou 5 ciclos de 30 compressões para
2 ventilações de resgate.
Suporte Básico de Vida em Pediatria Cada ventilação de regate deve ser realizada por
1 segundo, durante a RCP (por respiração boca-
O suporte básico de vida (BLS) inclui avaliações boca ou vias aéreas artificiais). O volume de cada
seqüenciais e habilidades motoras que terão como ventilação de resgate deve ser suficiente para pro-
objetivo prover adequada ventilação e circulação na duzir a elevação do tórax visível. Evitar a hiperin-
criança em parada respiratória ou cardiorrespiratória. suflação, pois pode reduzir o retorno venoso ao
A ventilação efetiva pode ser realizada pela bol- coração.
sa-máscara valva e, portanto, não requer necessa- A compressão torácica em lactentes durante a
riamente o tubo traqueal. A seqüência de qualquer RCP com 2 socorristas deve ser feita com a técni-
atendimento é o ABC, sendo A avaliação da per- ca dos dois polegares com as mãos circundando o
meabilidade da via aérea, B avaliação da respiração, corpo. Existem evidências de que essa técnica au-
C avaliação do pulso central. No paciente vítima mente a pressão de perfusão coronariana.
de trauma com suspeita de lesão da coluna cervical,
Para as compressões torácicas em crianças, os
a abertura da via aérea é feita por elevação da man-
socorristas podem utilizar 1 ou 2 mãos para aplicar
díbula. Caso essa manobra não permita a abertura
as compressões torácicas na linha dos mamilos.
da via aérea, devemos realizar a manobra de incli-
nação da cabeça e elevação do queixo para a aber-
tura das vias aéreas. Na Tabela 30.1 descrevemos a Suporte Avançado de Vida em
seqüência das manobras de suporte básico de vida Pediatria
realizada de acordo com a faixa etária27. O suporte avançado de vida em pediatria inclui
As modificações no BLS recomendadas em 2005 a avaliação e sustentação das funções respiratória e
visam simplificar a RCP igualando a técnica para as circulatória no período anterior à parada cardía­ca,
diferentes faixas etárias e enfatizam a RCP de alta durante e no pós-ressuscitação. Os componentes
qualidade com compressões torácicas de profundi- do suporte avançado de vida em pediatria incluem
dade e número adequados, permitindo o retorno aperfeiçoamento do suporte básico de vida, o uso
torácico após cada compressão e minimizando as de equipamentos e técnicas para alcançar e man-
interrupções das compressões27. ter adequada ventilação, oxigenação e perfusão
A relação compressão-ventilação de 30:2 para tecidual, detecção de arritmias por monitoração
RCP é realizada por 1 socorrista em vítimas de to- eletrocardiográfica, obtenção de um acesso vascu-
das as idades e em RCP por 2 socorristas em adul- lar, tratamento imediato dos pacientes em parada
tos, exceto recém-nascidos. A relação compressão- respiratória e PCR e tratamento das situações de
ventilação de 15:2 deve ser usada na RCP por 2 risco para PCR (por exemplo, trauma, choque, in-
socorristas, em lactentes e crianças. Durante a RCP suficiência respiratória)8.

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Tabela 30.1 – Manobras de suporte básico de vida nos diferentes grupos etários
Passo/Ação Adulto: ≥ 8 anos Criança: 1 a 8 anos Lactente:
menos de 1 ano
Vias aéreas Inclinação da cabeça – elevação do queixo
Ventilação de resgate inicial 2 ventilações de 1 segundo/ventilação
Obstrução das vias aéreas por Compressão abdominal Golpes nas costas e
corpo estranho (OVACE) compressões torácicas
Compressões
Pontos de referência Centro do peito, entre os mamilos Imediatamente abaixo
para as compressões da linha dos mamilos

Método de compressão 2 mãos: 2 mãos: 2 dedos


Compressão forte e rápida Calcanhar de 1 mão, segunda Calcanhar de 1 mão com a
Permitir o retorno total do tórax mão por cima segunda por cima ou
1 mão:
Calcanhar de 1 mão somente
Profundidade da compressão 4 a 5 centímetros Cerca de 1/3 a 1/2 da profundidade do tórax.
Freqüência de compressão Cerca de 100/min
Relação compressão-ventilação 30:2
Desfibrilação
DEA Use pás para adulto. Use após 5 ciclos de RCP. Não há recomendações
Não use pás infantis/sistemas Use pás/sistemas infantis para para lactentes
para crianças crianças de 1 a 8 anos, se < 1 ano
disponíveis.
Caso contrário, use DEA e
pás para adulto.
Currents in Emergency Cardiovascular Care, V 16 N 4, 2005-2006

Suporte ventilatório mento de pressão intratorácica. Além disso, podem


levar a distensão gástrica, dificultando a ventilação e
O suporte ventilatório deve incluir a permea- favorecendo a aspiração. Nos pacientes com doenças
bilização da via aérea, oferta de oxigênio e venti- obstrutivas (por exemplo, asma e bronquiolite), o
lação adequada. A via aérea orofaríngea (sonda de volume corrente excessivo pode causar barotrauma.
Guedel) está indicada nos pacientes inconscientes, Em pacientes com trauma de crânio e pós-pa-
quando onde as manobras de abertura da via aérea rada, a hiperventilação pode ter efeitos adversos,
falharam. A via nasofaríngea pode ser considerada comprometendo o prognóstico neurológico. A re-
em pacientes conscientes que necessitam de deso- comendação para esses casos constitui a ventilação
bstrução da via aérea superior. e oxigenação fisiológicas.
A ventilação com bolsa-máscara, também deno- As válvulas de liberação de pressão nas bolsas de
minada de ressuscitador manual, deve ser feita com ventilação devem permitir ultrapassar altas pressões
bolsa auto-inflável disponível em diversos tama- torácicas para se obter expansibilidade adequada,
nhos. O volume e a pressão devem ser suficientes principalmente nas situações de obstrução das vias
para promover a elevação do tórax, pois, quando ex- aéreas superiores e inferiores e complacência pul-
cessivos, comprometem o débito cardíaco pelo au- monar diminuída.

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A bolsa de ventilação sem reservatório de O2 com tor de CO2 expirado (colorimétrico ou capnográ-
fluxo de oxigênio 10l/min. consegue oferecer de fico) ou, em crianças mais velhas e adolescentes,
30% a 80% de O2 ao paciente. Utilizando este equi- detector esofágico. As cânulas com cuff são habi-
pamento com reservatório, as concentrações de O2 tualmente utilizadas em crianças acima de 8 anos,
podem chegar a 60%-95%. As bolsas de ventilação porém seu uso pode ser indicado abaixo desta faixa
requerem um fluxo mínimo de 10 a 15 l/min. etária em criança com necessidade de altas pressões.
Durante a ventilação, a distensão gástrica pode O número de tubo traqueal pode ser estimado pe-
comprometer a ventilação e aumentar o risco de as- las fórmulas em crianças a partir de 1 ano:
piração. Para minimizá-la (na criança, rebaixamen- Idade /4 + 4 (cânulas sem cuff)
to do nível de consciência), podemos aplicar uma Idade/4 +3 (cânulas com cuff)
pressão sobre a cricóide; entretanto, recomenda-se
cautela com esse procedimento para não provocar Quando se opta por prover intubação traqueal,
compressão traqueal e obstrução das vias aéreas. é importante o uso de um dispositivo que confir-
Após a ventilação prolongada, a distensão gástrica me a colocação adequada do tubo, já que os ris-
pode ser aliviada com uma sonda nasogástrica ou cos de intubação inadequada são inaceitavelmen-
orogástrica. te elevados, e os sinais clínicos que confirmam a
Nos pacientes inconscientes, a via aérea larín- colocação do tubo na traquéia não são totalmente
gea (VAL) é uma opção para assegurar a via aérea confiáveis10. Considerando dados que demonstram
e pode ser útil, principalmente em pacientes com que a detecção de deslocamento e obstrução do
vias aéreas difíceis, tendo sido usadas com sucesso tubo mediante oximetria, alteração na freqüência
cardía­ca ou pressão arterial pode demorar mais de
no controle emergencial de via aérea em adultos
3 minutos, a confirmação da adequada colocação
dentro e fora do hospital9. No entanto, estão con-
do tubo traqueal pela detecção de CO2 expirado
tra-indicadas em crianças e lactentes com reflexo
deve ser realizada em lactentes e crianças que não
de engasgo intacto.
estejam em parada cardíaca13.
Embora VAL possa ser uma alternativa efetiva
em parada cardíaca ou respiratória, há dados limi-
Monitoração respiratória não invasiva
tados em RCP pediátrica, não permitindo reco-
mendá-la com segurança, além do custo elevado e O oxímetro de pulso permite a monitoração
dificuldade de mantê-la durante o transporte8. contínua da saturação de O2 arterial e pode indi-
car precocemente deterioração respiratória, sen-
Intubação traqueal do indicado seu uso durante a estabilização e o
transporte. Se a perfusão periférica for inadequa-
A intubação traqueal é o método mais seguro e da (choque ou parada cardíaca), a oximetria não é
efetivo de assistência ventilatória. Suas vantagens confiável, pois requer a presença de fluxo sangüí-
incluem desde o isolamento da via aérea asseguran- neo pulsátil.
do ventilação e oxigenação adequadas, com con- Como a confirmação clínica da posição ade-
trole do tempo e pico de pressão inspiratórios e quada do tubo pode ser difícil, recomenda-se a
possibilidade de obtenção de pressão positiva no detecção de CO2 expirado usando um dispositivo
final da expiração (PEEP), até facilidade de aspira- colorimétrico ou capnografia contínua em crian-
ção de secreções. ças. Uma alteração positiva na cor ou a presença
Antes de iniciar a intubação traqueal deve-se, de uma onda na capnografia mostrando o CO2 ex-
sempre, oxigenar a criança e disponibilizar, além pirado confirma a localização do tubo na traquéia
do material necessário à sua realização, um detec- quando acessado após seis ventilações.11

522 An e s t e s ia Pe diátrica

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Pacientes em parada cardíaca podem apresentar Compressões torácicas
fluxo sangüíneo pulmonar limitado e, assim, CO2
Conforme já discutido no tópico de suporte
expirado indetectável, apesar da colocação adequa-
básico de vida, a RCP de alta qualidade com com-
da do tubo na traquéia11,12. A baixa especificidade
pressões torácicas de profundidade e número ade-
da monitoração do CO2 expirado em parada cardía­
quados, permitindo o retorno torácico após cada
ca limita sua recomendação12. Na dúvida, avaliar
compressão e minimizando as interrupções das
clinicamente e por exame laríngeo direto.
compressões, corresponde à grande ênfase dentro
Estudos em adultos, demonstram que o CO2 ex- das novas diretrizes de 2005.
pirado baixo ou ausente correlaciona-se com mau
prognóstico da parada cardíaca. Dados limitados Obtenção de acesso vascular
relacionando CO2 expirado com prognóstico em
parada cardíaca pediátrica não permitem recomen- Durante a parada cardíaca, o melhor acesso vas-
dá-lo para predizer o prognóstico em crianças. cular corresponde à veia mais acessível, mais cali-
Os dispositivos de detecção esofágica baseiam-se brosa e que não leve à interrupção das manobras
na capacidade imediata de aspirar ar, através do de ressuscitação. Em modelos pediátricos de res-
tubo traqueal, e da cartilagem de suporte da tra- suscitação não são observados início de ação mais
quéia por atrair o ar das vias aéreas inferiores. Se o rápido e pico mais elevado das drogas quando o
tubo traqueal estiver localizado no esôfago, a pare- acesso central é utilizado.
de esofágica colapsa durante a aspiração pelo de- A punção venosa periférica nos braços, mãos,
tector esofágico, impedindo o enchimento de uma pernas ou pés, quando obtido rapidamente, é ex-
seringa ou um bulbo de borracha auto-inflável10. tremamente útil. Infusão de bolus de cristalóide (5
Em adultos que não estão em parada, esses detec- a 10 ml) deve seguir a administração da droga. Em
tores são muito sensíveis em identificar localização lactentes e crianças em choque descompensado,
esofágico do tubo23. Em crianças, embora tenham condições pré-parada e PCR, o acesso intra-ósseo
sido utilizados com sucesso27, não parecem confiá- está indicado se o acesso venoso não for consegui-
veis em menores de 1 ano10 e, dados em intubações do imediatamente.
emergenciais em lactentes e crianças são insuficien- Se o acesso vascular não é rapidamente obtido
tes para recomendar seu uso rotineiro. Nenhuma em pacientes em parada cardíaca, uma via alterna-
técnica de confirmação é 100% segura. tiva de administração de drogas é o tubo traqueal.
Seu uso não deve ser incentivado, pois não há dados
Se um paciente intubado deteriorar, deve-se consi-
que comprovem uma absorção satisfatória. Drogas
derar as possibilidades que podem ser lembradas pelo
lipossolúveis (epinefrina, lidocaína, atropina, na-
mnemônico DOPE: deslocamento do tubo, obstru-
loxono) podem ser administradas por via endotra­
ção do tubo, pneumotórax, e falha do equipamento.
queal. A dose endotraqueal das drogas não é bem
estabelecida, sendo recomendada a dose de epine-
Suporte circulatório frina endotraqueal 10 vezes a dose endovenosa.
O suporte circulatório, no contexto do supor-
te avançado de vida, envolve procedimentos que Drogas usadas na ressuscitação
visam melhorar a perfusão tecidual, ou seja, aper-
Epinefrina
feiçoamento das compressões torácicas durante a
parada cardíaca, obtenção de acesso venoso, utili- Epinefrina é uma catecolamina endógena com
zação de fluidos expansores do volume intravascu- potente ação alfa e beta-adrenérgica. Na parada
lar e utilização de medicamentos. cardíaca, a vasoconstrição alfa-adrenérgica é a ação

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farmacológica mais importante, pois aumenta a tral. Se a droga infiltrar nos tecidos pode causar
pressão diastólica da aorta, melhorando a perfusão isquemia, levando a lesão tissular e ulceração. Epi-
co­ronariana14. A melhora da pressão de perfusão nefrina (e outras catecolaminas) podem ser ina-
coronariana associada às compressões torácicas au- tivadas por soluções alcalinas e nunca devem ser
menta a oferta de oxigênio para o coração, melhora misturadas com bicarbonato de sódio. Em virtude
a contratilidade miocárdica, estimula a contração da ação das catecolaminas diminuírem com acido-
espontânea e aumenta o sucesso da desfibrilação. se e hipoxemia, é essencial atenção à ventilação e
Os ritmos mais comuns que necessitam de RCP circulação.
em crianças são a assistolia e a bradicardia. Na crian-
ça com bradicardia sintomática, que não responde Atropina
com ventilação efetiva e suplementação de oxigênio,
a epinefrina pode ser dada na dose de 0,01 mg/kg O sulfato de atropina é uma droga parassimpa-
(0,1 ml/kg da solução 1:10.000) por via intravenosa ticolítica que acelera a condução do nó sinoatrial e
ou intra-óssea, ou 0,1 mg/kg (0,1 ml/kg da solução atrioventricular. Atropina é recomendada no trata-
1:1.000) por via traqueal. Epinefrina contínua (0,1 mento de bradicardia sintomática causada por blo-
a 0,2 µg/kg/min) pode ser considerada para bradi- queio AV ou aumento da atividade vagal, como a
cardia refratária. que ocorre durante a intubação. Pequenas doses de
A dose inicial e subseqüente de epinefrina reco- atropina podem desencadear bradicardia paradoxal;
mendada na ressuscitação é 0,01 mg/kg (0,1 ml/kg a dose recomendada é 0,02 mg/kg, sendo o mínimo
da solução de 1:10.000) dada por via intra-óssea de 0,1 mg, e a dose máxima de 0,5 mg para crianças
ou intravenosa; doses subseqüentes são recomen- e 1,0 mg para adolescentes. Se não há acesso venoso
dadas a cada 3 a 5 minutos. O uso de altas doses de disponível, pode ser administrado por via traqueal,
epinefrina (0,1 a 0,2 mg/kg; 0,1 a 0,2 ml/kg da so- apesar de a absorção não ser confiável. Após admi-
lução 1:1.000) por via intravascular pode ser consi- nistração de atropina pode ocorrer taquicardia, que
derada em situações excepcionais, como a overdose geralmente é bem tolerada pelo paciente.
de betabloqueadores15-18. Um ensaio prospectivo,
randômico e controlado documentou que o uso de Vasopressina
altas doses de epinefrina foi associado a uma pior
evolução de parada cardíaca em crianças19,26. É um hormônio que atua em receptores espe-
cíficos que causam vasoconstrição sistêmica e re-
A epinefrina é absorvida por via endotraqueal,
absorção de água no túbulo renal. A vasopressina
embora sua concentração no plasma seja imprevisí-
produz aumento do fluxo sangüíneo cardíaco e
vel. A dose traqueal recomendada é 0,1 mg/kg (0,1
cerebral em modelos experimentais de parada car-
ml/kg da solução 1:1.000). Assim que o acesso vas-
cular é obtido, administrar epinefrina na dose 0,01 díaca; diminuição do fluxo sangüíneo esplâncnico
mg/kg, se a criança permanecer em parada cardíaca. ocorre com altas doses. Não há dados para avaliar
sua eficácia e segurança em pacientes pediátricos.
Quando a circulação espontânea é restaurada,
Os resultados de estudos em adultos com fibrilação
infusão contínua de epinefrina pode ser útil. In-
ventricular são inconsistentes.
fusão de dose baixa (< 0,3 µ/kg/min) geralmente
produz predominantemente ação beta adrenérgica,
e alta dose de infusão (>0,3 µ/kg/min) resulta em Cálcio
vasoconstrição alfa e beta-mediada. Cálcio é essencial no mecanismo de excitação e
A epinefrina deve ser administrada num acesso contração miocárdica. Entretanto, não é observada
vascular seguro, preferencialmente em veia cen- melhora no prognóstico da parda cardíaca com a

524 An e s t e s ia Pe diátrica

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administração de cálcio. O cálcio é reservado no Bicarbonato de sódio
tratamento da hipocalcemia documentada, hiperca-
Uma vez que a ventilação e as compressões torá-
lemia, hipermagnesemia e intoxicação por bloquea-
cicas estejam efetivas e a epinefrina tenha sido admi-
dores de canal de cálcio. Há pouca informação sobre
nistrada, o bicarbonato de sódio pode ser considera-
a dose de cálcio na emergência, sendo recomendada do na parada cardíaca prolongada e no choque asso-
a dose de 5-7 mg/kg de cálcio elementar. Cloreto ciado à acidose metabólica grave documentada20. Bi-
de cálcio a 10% é a preparação de escolha porque é carbonato de sódio é recomendado para tratamento
mais biodisponível que gluconato de cálcio. A dose de pacientes com hipercalemia sintomática, hiper-
0,2ml/kg de cloreto de cálcio 10%, na parada pode magnesemia, intoxicação por antidepressivos tricí-
ser infundida em bolus de 10 a 20 segundos e repeti- clicos ou bloqueadores de canais de cálcio. Quando
da a cada 10 minutos, se necessário. Dar preferência indicado, a dose inicial do bicarbonato é 1 mEq/kg
à infusão por via central devido ao risco de esclerose (1 ml/kg da solução 8,4%) por via intravenosa ou
e infiltração com um acesso periférico. por via intra-óssea. A diluição 4,2% (0,5 mEq/ml)
é preconizada para neonatos. Na parada, a mesma
Magnésio dose pode ser repetida a cada 10 minutos. Sempre
que possível, a infusão de bicarbonato deve ser base-
O magnésio promove o relaxamento de mús- ada na análise de gases sangüíneos.
culos lisos e pode causar hipotensão. Está indica- Os efeitos adversos do bicarbonato são alcalose
do no tratamento de hipomagnesemia documen- metabólica, desvio do potássio para o espaço intra-
tada e taquicardia ventricular torsades de pointes celular, diminuição da concentração de cálcio ioni-
(taquicardia ventricular polimórfica com inter- zado, prejuízo da função cardíaca, hipernatremia e
valo QT longo). A dose recomendada é 25 a 50 hiperosmolaridade. O bicarbonato leva à precipita-
mg/kg (até 2 g) por infusão intravenosa em 10 a ção do cálcio e inativação de catecolaminas; assim,
20 minutos. deve-se evitar a mistura dessas soluções.

Glicose Ressuscitação Cardiopulmonar de


acordo com o ritmo cardíaco
Devido aos depósitos reduzidos de glicogênio
e às elevadas necessidades de glicose, as crianças A maioria das crianças que requerem RCP
desenvolvem hipoglicemia na presença de agravos. apresenta bradiarritmia, assistolia ou atividade
Assim, a concentração sangüínea de glicose precisa elétrica sem pulso, e aproximadamente 10% dos
ser monitorada à beira do leito durante e após a pacientes pediátricos, fibrilação ventricular (FV)
PCR. A hipoglicemia deve ser tratada com glicose ou taquicardia ventricular (TV) sem pulso. É es-
a 25% na dose de 2 a 4 ml/kg, que oferece 0,5 a sencial reconhecer e tratar prontamente FV e TV
sem pulso, uma vez que os resultados da ressus-
1,0 g/kg de glicose.
citação adequada nesses ritmos são melhores que
Hiperglicemia antes de isquemia cerebral pio- na assistolia. Os princípios básicos da ressuscitação
ra o prognóstico neurológico, embora o efeito da como ventilação, oxigenação, compressão torácica
hiperglicemia após isquemia seja desconhecido. e administração de epinefrina são os mesmos para
Na ausência de dados convincentes mostrando be- todos os pacientes em parada cardíaca, entretanto
nefício ou malefício da hiperglicemia pós-parada a monitoração cardíaca precoce é essencial e pode
cardíaca, a recomendação atual é para manter gli- ditar condutas distintas que determinam o prog-
cemia normal durante a ressuscitação. nóstico (Fig. 30.1).

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É essencial que durante a RCP as prováveis cau- rada ou falência respiratória21 e no tratamento de
sas de PCR sejam afastadas, e, para facilitar, reco- assistolia em crianças21.
menda-se o uso da regra mnemônica dos Hs e Ts:
• hipoxemia; Ritmos associados à ausência de pulso
• hipovolemia; Atividade elétrica sem pulso e assistolia
• hipotermia;
AESP é caracterizado por atividade elétrica or-
• hiper/hipocalemia;
ganizada (em geral lenta, com QRS amplo) obser-
• hidrogênio (acidose); vada no monitor ou ECG na ausência de pulso.
• hipoglicemia; Este estado clínico representa uma condição pré-
• tamponamento cardíaco; terminal que precede a assistolia. A dissociação ele-
• tensão do tórax (pneumotórax hipertensivo); tromecânica representa uma subcategoria com um
ritmo cardíaco inicialmente normal, porém sem
• toxinas/intoxicações/drogas;
pulso ou com perfusão ruim.
• tromboembolismo;
O tratamento é o mesmo da assistolia e é es-
• trauma. sencial diagnosticar e corrigir as possíveis causas
reversíveis (Fig. 30.1). Se o paciente permanece
Bradiarritmias sem pulso, após ter sido estabelecido ventilação,
oxigenação e compressões torácicas, administra-se
Bradiarritmias são os ritmos pré-terminais mais
epinefrina em dose-padrão para a primeira e sub-
comuns observados em crianças e lactentes. Várias
seqüentes doses (0,01 mg/kg). Pesquisar e tratar as
são as situações que levam à bradicardia: hipoxemia,
causas reversíveis de atividade elétrica sem pulso.
hipotermia, acidose, hipotensão, hipoglicemia, re-
O reconhecimento precoce e o tratamento efetivo
flexo vagal exacerbado, aumento de pressão intra-
da AESP (e outros distúrbios de ritmos associados
craniana, bloqueio cardíaco (intoxicação por digo-
com parada cardíaca) melhoram a sobrevida.
xina, miocardite, antecedente cirurgia cardíaca).
Bradicardia significativa, definida como freqüên­
Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular
cia cardíaca menor que 60 bpm ou uma rápida
sem pulso
queda da freqüência cardíaca associada com sinais
de hipoperfusão sistêmica, deve ser tratada ime- TV e FV ocorrem em 5% a 15% das PCR em
diatamente (Fig. 30.2). O tratamento inicial deve crianças em ambiente pré-hospitalar e em mais de
incluir adequada ventilação e oxigenação, e, se não 20% das PCR em ambiente hospitalar, sendo sua
houver resposta, iniciar a compressão cardíaca e incidência crescente com a idade. Quando obser-
uso de drogas. A droga de escolha é a epinefrina. vadas, devemos considerar as cardiopatias congêni-
Na bradicardia causada por aumento do tônus va- tas, miocardites, drogas (antidepressivos tricíclicos,
gal deve-se utilizar a atropina. Se a bradicardia per- intoxicação digitálica e toxicidade da combinação
siste, considerar a infusão contínua de epinefrina de macrolídeos com cisaprida) e causas metabólicas
ou isoproterenol. (hipercalemia, hipocalcemia, hipermagnesemia)
Em casos selecionados de bradicardia causada ou hipotermia.
por bloqueio cardíaco e disfunção do nó sinusal, A desfibrilação é a terapêutica definitiva da FV/
o marca-passo transtorácico pode salvar vidas. TV sem pulso com uma taxa de sobrevida de 17%
O marca-passo não é útil em crianças com bradi- a 20%. Ocorre queda da taxa de sobrevida de 7%
cardia secundária a isquemia miocárdica pós-pa- a 10% a cada minuto de PCR sem as manobras de

526 An e s t e s ia Pe diátrica

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1
PARADA
PARADASEM SEMPULSO
PULSO
•• Algoritmo
Algoritmode
deBLS:
BLS:RCP
RCPcontínua
contínua
Dêoxigênio,
•• Dê oxigênio,quando
quandodisponível
disponível
•• Conecte
Conectemonitor/desfibrilador,
monitor/desfibrilador,quando
quandodisponível
disponível

2
Chocável Não chocável
Cheque
Chequeooritmo
ritmo
Ritmo
Ritmochocável?
chocável?
3 9
FV/TV
FV/TV Assistolia/AESP
Assistolia/AESP

4
10

Dê11choque
choque
•• Manual: Reinicie
ReinicieaaRCPRCPimediatamente
imediatamente
Manual:22J/kg
J/kg Dê
•• DEA:
DEA:> >11ano
>1 ano
ano Dêepinefrina
epinefrina
Use •• IV/IO:
IV/IO:0,01
0,01mg/kg
mg/kg
Usesistema
sistemapediátrico,
pediátrico,se
se (1:10.000:
disponível,
disponível,para
para11aa88anos
anos (1:10.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg)
Reinicie •• Tubo
Tuboendotraqueal:
endotraqueal:0,1
0,1mg/kg
mg/kg
ReinicieaaRCPRCPimediatamente
imediatamente (1:1.000:
(1:1.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg)
Faça 5 ciclos Repita
Repitacada
cada33aa55min
min
5 de RCP

Cheque
Chequeooritmo
ritmo Não Faça 5 ciclos
Ritmo
Ritmochocável?
chocável? de RCP
11
6 Chocável Cheque
12 Chequeooritmo
ritmo
Ritmo
Ritmochocável?
chocável?
Continue
ContinueaaRCP RCPenquanto
enquantooo
desfibrilador
desfibriladorcarrega
carrega •• Se
Seassistolia,
assistolia,vá
vápara
para
Aplique
Aplique11choque
choque aaCaixa
Caixa1010
•• Manual: Não 13
Manual:44J/kg
J/kg •• Se
Seatividade
atividadeelétrica,
elétrica, Chocável Chocável
•• DEA:
DEA:> >11ano
ano cheque
chequeoopulso.
pulso.Se
Senão Vá
>1 ano não Vápara
paraaa
Reinicie
ReinicieaaRCPRCPimediatamente
imediatamente houver
houverpulso,
pulso,vávápara
para Caixa
Caixa44

Dêepinefrina
epinefrina aaCaixa 10
Caixa 10
•• IV/IO:
IV/IO:0,01
0,01mg/kg
mg/kg •• Se
Sehouver
houverpulso,
pulso,inicie
inicie
(1:10.000:
(1:10.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg) cuidados
cuidadospós-ressuscitação
pós-ressuscitação
•• Tubo
Tuboendotraqueal:
endotraqueal:0,1
0,1mg/kg
mg/kg
(1:1.000:
(1:1.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg)
Repita
Repitacada
cada33aa55minmin
Faça 5 ciclos
7 de RCP
Durante
DuranteaaRCP
RCP
Cheque
Chequeooritmo
ritmo Não
Ritmo •• Comprima forte e rápido (100/min)
Comprima forte e rápido (100/min) •• Rodizie
Rodizieoocompressor
compressoraacada
cada
Ritmochocável?
chocável? 22min,
min,nanachecagem
checagemdodoritmo
ritmo
•• Garanta o retorno completo do tórax
Garanta o retorno completo do tórax
Chocável
8
•• Minimize
Minimizeas
asinterrupções
interrupçõesnas
nas •• Procure
Procureeetrate
tratepossíveis
possíveis
Continue
ContinueaaRCP RCPenquanto
enquantooo compressões
compressõestorácicas
torácicas causas
causasassociadas:
associadas:
desfibrilador
desfibriladorcarrega
carrega - -Hipovolemia
Hipovolemia
Aplique
Aplique11choque
choque •• Um
Umciclo
ciclode
deRCP:
RCP:3030compressões
compressões - -Hipóxia
Hipóxia
•• Manual: ee22ventilações; 5 ciclos ˜ 2 min - - Hidrogênio(acidose)
Hidrogênio
Manual:44J/kg
J/kg ventilações; 5 ciclos˜ ˜ 2 min (acidose)
•• DEA: - -Hipo/hipercalemia
DEA:>>1 1ano
>1 ano
ano Hipo/hipercalemia
Reinicie •• Evite
Evitehiperventilação - -Hipoglicemia
ReinicieaaRCP RCPimediatamente
imediatamente hiperventilação Hipoglicemia
- -Hipotermia
Considereantiarritmicos
Considere antiarritmicos Hipotermia
•• Assegure a via aérea e confirme a posição
Assegure a via aérea e confirme a posição - Tóxicos- Tóxicos
(p.ex.,amiodarona
(p.ex., amiodarona55mg/kgmg/kgIV/IO
IV/IO - -Tamponamento
Tamponamentocardíaco
cardíaco
oulidocaína
ou lidocaína11mg/kg
mg/kgIV/IO)
IV/IO) ** Após
Apósassegurar
asseguraraaviaviaaérea,
aérea,osossocorristas
socorristas - -Tensão
Tensãononotórax
tórax(pneumotórax)
(pneumotórax)
Consideremagnésio
Considere magnésio25 25aa5050 não
mg/kg nãomais
maisrealizam
realizam“ciclos”
“ciclos”dedeRCP.
RCP.Faça
Faça - -Trombose
Trombose(coronária
(coronáriaouou
mg/kgIV/IO,
IV/IO,máx.
máx
máx222g,
g,
g,para
para
para compressões
compressõestorácicas
torácicascontínuas,
contínuas,semsem pulmonar)
pulmonar)
torsades
torsadesde depointes
pointes pausas para ventilar. Faça 8 a 10 - Trauma
pausas para ventilar. Faça 8 a 10 - Trauma
Após
Após55ciclos
ciclosdedeRCP*,
RCP*,vá vápara ventilações
para ventilaçõesporporminuto.
minuto.Cheque
Chequeooritmo
ritmo
aaCaixa
Caixa55acima
acima aacada
cada22minutos.
minutos.

Fig. 30.1 – Parada Cardíaca sem Pulso. Fonte: Circulation 2005;102(supl):167-87. American Heart Association.

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BRADICARDIA
BRADICARDIA
Com
Compulso
pulso
Causando
Causando
comprometimento
comprometimentocardiorrespiratório
cardiorrespiratório

•• Garanta
GarantaABCs,
ABCs,conforme
conformenecessário
necessário
Dêoxigênio
•• Dê oxigênio
•• Conecte
Conectemonitor/desfibrilador
monitor/desfibrilador

Não Bradicardia
Bradicardiaainda
aindacausando
causando Sim
comprometimento
comprometimentocardiorrespiratório?
cardiorrespiratório?

Faça
FaçaRCP
RCPse,
se,aadespeito
despeitodede
oxigenação
oxigenaçãoeeventilação,
ventilação,
FC<60/min
FC < 60/mincom
FC<60/min comperfusão
com perfusãoinadequada
perfusão inadequada
inadequada

•• Garanta
GarantaABCs;
ABCs;dêdêoxigênio,
oxigênio,se
se
necessário Não
necessário Bradicardia
•• Observe Bradicardiasintomática
sintomáticapersistente?
persistente?
Observe
•• Considere
Considereconsulta
consultacom
comespecialista
especialista
Sim

•• Dê
Dêepinefrina
epinefrina
--IV/IO:
IV/IO:0,01
0,01mg/kg
mg/kg
(1:10.000:
(1:10.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg)
--Tubo
Tuboendotraqueal
endotraqueal
0,1
0,1mg/kg
mg/kg
(1:1.000:
(1:1.000:0,1
0,1ml/kg)
mL/kg)
mL/kg)
Repita
Repitacada
cada33aa55minutos
minutos

•• Se
Setônus
tônusvagal
vagalaumentado
aumentado
ou
oubloqueio
bloqueioAVAVprimário:
primário:
Lembretes
Lembretes Dêatropina,
Dê atropina,primeira
primeiradose:
dose:
•• Durante 0,02
0,02mg/kg,
mg/kg,pode
poderepetir.
repetir.
DuranteaaRCP,
RCP,comprima
comprimaforte
forte •• Procure
Procureeetrate
tratepossíveis
possíveis (Dose
eerápido
rápido(100/min)
(100/min) causas
causasassociadas
associadas (Dosemínima:
mínima:0,1
0,1mg;
mg;
•Garanta
Garantaoooretorno
retornocompleto
completodo dotórax
tórax---Hipovolemia dose
dosemáxima
máximatotal
totalpara
para
Garanta retorno completo do tórax Hipovolemia criança:
•Minimize
Minimizeas
Minimize asinterrupções
as interrupçõesnas
interrupções nas
nas --Hipóxia
Hipóxia criança:11mg)
mg)
compressões
compressõestorácicas
compressões torácicas
torácicas --Hidrogênio
Hidrogênio(acidose)
(acidose)
•• Garanta •• Considere
Consideremarcapasso
marcapasso
Garantaos
osABCs
ABCs --Hipo/hipercalemia
Hipo/hipercalemia
•• Assegure
Assegureaaviaviaaérea;
aérea;confirme
confirme --Hipoglicemia
Hipoglicemia
aaposição
posição --Hipotermia
Hipotermia
--Tóxicos
Tóxicos
--Tamponamento
Tamponamentocardíaco
cardíaco
--Tensão
Tensãononotórax
tórax(pneumotórax)
(pneumotórax) Se
Seocorrer
ocorrerparada
paradasem
sempulso,
pulso,
--Trombose
Trombose(coronária
(coronáriaou
oupulmonar)
pulmonar) vá
vápara
paraooAlgoritmo
Algoritmode
deParada
Parada
--Trauma
Trauma(hipovolemia,
(hipovolemia,aumento
aumentodadaPIC)
PIC) sem
sempulso
pulso

Fig. 30.2 – Bradicardia. Fonte: Circulation. 2000;102 (supl):290-342. American Heart Association.

528 An e s t e s ia Pe diátrica

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ressuscitação e desfibrilação em adultos. Quanto e secundariamente a esse bloqueio simpatomimé-
mais precoce a desfibrilação, maior a chance de su- tico, a administração endovenosa de amiodarona
cesso. Ventilação, oxigenação, compressões toráci- produz vasodilatação e supressão do nó AV; pode
cas e acesso vascular devem ser realizados até que o prolongar o intervalo QT, mas pode também au-
desfibrilador seja carregado, mas essas intervenções mentar a propensão a arritmias ventriculares poli-
não devem retardar o choque. mórficas. Amiodarona também inibe os canais de
Após o primeiro choque (2 J/kg), reiniciar ime- cálcio, reduzindo a condução ventricular e prolon-
diatamente a RCP, começando pelas compressões gando a duração do QRS. Essa droga tem sido usa-
torácicas por 5 ciclos (aproximadamente 2 minu- da para tratamento de ectopia atrial ou taquicardia
tos), minimizando as interrupções. As compressões ectópica juncional pós-cirurgia cardíaca22 e em TV
só devem ser interrompidas para realizar a ventila- em pós-operatório de pacientes com doença car-
ção (em pacientes sem a via aérea avançada), che- díaca de base. A dose de 5 mg/kg em infusão de
cagem de ritmo e administração de choque. Se FV poucos minutos a 1 hora, dependendo da neces-
ou TV sem pulso continuar após o primeiro cho- sidade de se alcançar um rápido efeito da droga, e
que, o benefício de um novo choque é pequeno. pode-se necessitar de repetidas doses (máximo de
A RCP nessa fase garante algum grau de perfusão 15 mg/kg/dia). O principal efeito colateral é a hi-
coronariana, aumentando a chance de sucesso da potensão.
desfibrilação. A lidocaína é um bloqueador do canal de sódio.
Após aproximadamente 2 minutos de RCP, che- Sua ação é suprimir a arritmia ventricular, além de
car o ritmo. Caso o ritmo seja chocável, adminis- diminuir a automaticidade, sendo menos eficaz
trar um segundo choque (4 J/kg) e reiniciar ime- que a amiodarona. A dose recomendada é 1 mg/kg
diatamente a RCP, começando pelas compressões. por via endovenosa, seguida por uma infusão de 20
Administre epinefrina na dose inicial e subseqüen- a 50 ug /kg/min. Se houver um período maior que
te de 0,01 mg/kg EV ou IO (ou 0,1 mg/kg por 15 min entre a primeira dose e o início da infu-
via traqueal) antes, durante ou depois do choque, são, uma segunda dose de 0,5 a 1,0 mg/kg deve ser
podendo ser repetida a cada 3 a 5 minutos. administrada. Intoxicação pode causar depressão
circulatória e miocárdica, além de sintomas neuro-
Após 5 ciclos (aproximadamente 2 minutos),
lógicos (desorientação e convulsões).
checar o ritmo. Caso o ritmo seja chocável, admi-
nistrar um terceiro choque (4J/kg) e reiniciar ime-
diatamente a RCP, começando pelas compressões, Desfibrilação
e administrar amiodarona ou lidocaína (caso amio- Desfibrilação é a despolarização do miocárdio
darona não seja disponível). Prosseguir a RCP por por choque elétrico, que poderá então reassumir
5 ciclos (aproximadamente 2 minutos) antes de despolarização espontânea, especialmente se o
checar o pulso e tentar novamente a desfibrilação miocárdio está oxigenado, com temperatura nor-
com 4 J/kg se necessário. Durante a RCP, pesquisar mal e sem acidose grave. A pá do desfibrilador é
e tratar as causas reversíveis. um dos determinantes da impedância torácica, que
Amiodarona é um antiarrítmico lipossolúvel, encaminham a corrente elétrica através do tórax.
sendo a apresentação para uso oral da droga mal As pás de adultos (8 a 10 cm) são recomendadas
absorvida e a preparação endovenosa largamente para crianças acima de 10 kg (aproximadamente
utilizada para tratamento de arritmias atrial e ven- 1 ano), e deve ser selecionada para abranger maior
tricular em adultos e crianças22. É um inibidor não área possível, a fim de diminuir a impedância e au-
competitivo de receptores alfa e beta-adrenérgicos, mentar o fluxo de corrente através do tórax. Para

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condução da corrente pode ser usado gel de eletro- ventilação, circulação) acrescidos à preservação da
dos, não devendo ser usado gel de ultra-som por função neurológica, e prevenção de disfunção de
ser pobre condutor. As pás devem ser colocadas múltiplos órgãos. Após estabilização inicial das vias
firmemente sobre o tórax, sendo uma na região in- aéreas, da ventilação e circulação, um exame secun-
fraclavicular direita e a outra à esquerda do mamilo dário da pele, ossos e articulações deve ser realiza-
esquerdo. Uma outra opção é posicionar uma pá do, pesquisando evidências de traumas e avaliando
na frente do tórax e à esquerda do esterno e outra o estado neurológico. A história médica do pacien-
no dorso abaixo da escápula. te deve ser avaliada (alergias, doenças, medicações
A dose inicial para produzir desfibrilação com e imunizações) e pesquisadas outras condições de
o desfibrilador monofásico ou bifásico é de 2 J/kg. saúde, como disfunções renal ou hepática.
Se a dose não for suficiente para provocar desfibri-
lação, poderá ser dobrada para 4 J/kg24. Após cada Suporte respiratório
tentativa de desfibrilação, proceder a RCP imedia- Após a ressuscitação, todas as crianças devem
tamente, administrar epinefrina (após o segundo receber oxigênio suplementar até que a oxigena-
choque, podendo ser repetida a cada 3 a 5 minu- ção adequada seja confirmada por gasometria ou
tos), e após 2 minutos de RCP tentar nova desfibri- oximetria de pulso. Em caso de comprometimen-
lação se o ritmo for chocável. Se o terceiro choque to respiratório significativo, a intubação e ventila-
é ineficaz, está indicada amiodarona ou lidocaína e ção mecânica estarão indicadas. Para o adequado
repetição de choque a 4 J/kg após 30 a 60 segundos controle das vias aéreas, a intubação eletiva com
de cada droga. sedação e uso de bloqueadores neuromusculares
pode ser é necessária. Porém, o uso de bloquea-
Desfibrilador externo automático na criança dores neuromusculares pode mascarar um quadro
(DEA) convulsivo. A sedação e analgesia após a intubação
permitem maior conforto do paciente, além de fa-
DEAs são utilizados no atendimento pré-hospi-
cilitar acoplar o paciente ao aparelho e impedir o
talar, melhorando a sobrevida de adultos em fibri-
deslocamento do tubo traqueal.
lação ventricular. É um dispositivo capaz de iden-
tificar fibrilação ventricular em crianças de todas Após a intubação, a confirmação da posição
as idades. Desde as diretrizes de 2000, seu uso é do tubo deve ser realizada, combinando o exame
recomendado em crianças de 1 a 8 anos em parada clínico com testes de detecção de CO2 expirado.
cardíaca21. Não há dados suficientes para recomen- Recomenda-se que a monitoração do CO2 exalado
dar seu uso em crianças menores de 1 ano. Quando seja realizada constantemente, especialmente se o
for utilizado o DEA em crianças de 1 a 8 anos, usar paciente for submetido ao transporte intra ou in-
o sistema atenuador pediátrico se disponível. ter-hospitalar. Antes do transporte, o tubo deve ser
fixado, e a sua posição confirmada com exame clí-
nico e radiografia torácica (se disponível).
Estabilização Pós-Ressuscitação
Se a condição clínica do paciente deteriorar,
Os objetivos dos cuidados pós-ressuscitação são considerar as possibilidades do DOPE: desloca-
preservar a função cerebral, evitar lesão secundária mento do tubo, obstrução do tubo, pneumotórax,
dos órgãos, determinar e corrigir a causa da doença e falha no equipamento. Caso essas causas sejam
e permitir o acesso do paciente ao serviço pediá- afastadas, a presença de agitação pode evidenciar a
trico terciário. Esses cuidados baseiam-se em su- necessidade de analgesia e sedação adequadas para
porte e reavaliação contínuos do ABC (vias aéreas, melhorar a ventilação, minimizar o risco de baro-

530 An e s t e s ia Pe diátrica

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trauma e deslocamento acidental do tubo. Outra receptores cardíacos beta-adrenérgicos quanto a esti-
medida importante é instalar uma sonda nasogás- mulação indireta pela liberação dos estoques de no-
trica para aliviar a distensão gástrica. repinefrina das terminações simpáticas do coração,
porém esse efeito é reduzido nas doenças cardíacas
Suporte circulatório congestivas crônicas e em lactentes. Como possui
efeito inotrópico e vasopressor, geralmente se inicia
A disfunção circulatória é observada freqüen- com 2-5 ug/kg/min, e pode ser aumentada até 10-
temente após a ressuscitação. O débito cardíaco 20 ug/kg/min.
diminuído ou choque podem ser secundários a de-
pleção de volume durante a fase de ressuscitação, A dobutamina é um agente inotrópico seletivo,
perda de tônus vascular periférico, e/ou disfunção aumentando a contração miocárdica e diminuindo
miocárdica. A conduta diante de uma criança com o tônus muscular periférico. É infundida em uma
má perfusão inclui a ressuscitação fluídica, uso de dose que varia de 2-20 ug/kg/min.
agentes vasoativos, agentes inotrópicos e correção A norepinefrina é um potente inotrópico e va-
da hipóxia e dos distúrbios metabólicos. A moni- soconstritor periférico. A norepinefrina é usada em
toração da freqüência cardíaca, pressão arterial, e pacientes com baixa resistência vascular sistêmica
saturação devem ser contínuas, além da avaliação que não responde à ressuscitação fluídica. A infu-
do débito urinário. As drogas vasoativas podem são de norepinefrina deve ser oferecida a uma titu-
permitir melhorias nos parâmetros hemodinâmi- lação de 0,1-2,0 ug/kg/min.
cos, porém as resposta a cada droga e doses devem O nitroprussiato de sódio aumenta o débito
ser individualizada para cada paciente. A infusão cardíaco por conta da diminuição da resistência
de todas as drogas vasoativas deve ser realizada em vascular sistêmica e pulmonar (pós-carga). Reduz
acessos seguros. Os efeitos adversos observados o tônus em todo o leito vascular, pela estimulação
com o uso de catecolaminas incluem taquiarrit- da produção local de óxido nítrico. Seu uso pode
mias, isquemia local, hipertensão e alterações me- ser considerado na hipotensão por disfunção mio-
tabólicas (hiperglicemia, elevação de lactato, hipo- cárdica para redução da pós-carga associado ao uso
calemia). de inotrópico. Iniciar com 1 ug/kg/min e ajustar a
A infusão de epinefrina está indicada no trata- dose até 8 ug/kg/min.
mento de qualquer choque com perfusão sistêmica Os inodilatadores (amrinona e a milrinona) com-
diminuída que não tenha respondido à ressuscita- binam a ação inotrópica com a ação vasodilatadora
ção fluídica. Ela pode ser preferível à dopamina em nos leitos sistêmico e pulmonar. Estão indicados
pacientes com instabilidade hemodinâmica pro- no tratamento da disfunção miocárdica, com au-
funda. A infusão geralmente é iniciada com 0,1- mento da resistência vascular sistêmica e pulmonar.
0,3 ug/kg/min (efeito beta-adrenérgico) e titulada A amrinona é infundida em uma dose inicial de
até 1 ug/kg/min (efeito alfa-adrenérgico), de acor- 0,75-1,0 mg/kg por 5 minutos, podendo ser repeti-
do com a resposta clínica. da até 2 vezes, perfazendo uma dose de ataque total
A dopamina é usada no tratamento do choque de 3 mg/kg, seguida por uma infusão de 5-10 ug/
não responsivo a administração fluídica, com baixa kg/min. Dentre os efeitos colaterais, podemos desta-
resistência vascular na dose de 2 a 20 ug/kg/min. car hipotensão e aumento da destruição plaquetária.
A dose baixa (< 5 ug/kg/min), apesar de ser freqüen- A milrinona tem as mesmas indicações da amrino-
temente recomendada para manutenção da perfusão na, com meia-vida mais curta e menos efeito sobre
renal, falhou em demonstrar este efeito benéfico, se- as plaquetas, sendo assim preferido o seu uso. In-
gundo dados mais recentes. Em doses maiores que fundir em bolus de 50-75 ug/kg, seguida de uma
5 ug/kg/min, causa tanto a estimulação direta dos infusão de 0,5-0,75 ug/kg/min.

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Suporte neurológico Transporte
A disfunção neurológica pode contribuir ou Idealmente, o paciente gravemente enfermo
resultar da parada cardíaca. A chave para a pre- deve ser transferido para uma unidade de cuidados
servação neurológica é uma rápida restauração e intensivos, após sua estabilização. A melhor equipe
manutenção da oferta adequada de oxigênio para para transportar esse paciente seria aquela com trei-
o cérebro, e a prevenção de dano secundário. Por- namento específico e experiência no manuseio do
tanto, diante da evidência de depressão do sistema paciente pediátrico em estado grave, sob a supervi-
nervoso central, a manutenção da via aérea deve ser são de um pediatra especializado em emergências
assegurada com a intubação e ventilação mecânica. ou cuidados intensivos. As condições do tempo,
Os dados atuais evitam a hiperventilação de rotina, a distância, e a condição clínica do paciente vão
podendo inclusive prejudicar a recuperação neuro- determinar o meio de transporte mais seguro para
lógica, devido a uma combinação de efeitos adver- cada caso. Monitorar o CO2 exalado (capnógrafo
sos no débito cardíaco, retorno venoso cerebral e ou detector colorimétrico) durante o transporte do
tônus vascular cerebral. Manter a ventilação nor- paciente intubado.
mal, com níveis de PaCO2 entre 35 a 40 mmHg
deve ser o objetivo. Hiperventilação está justificada
Término da Ressuscitação
nos casos de herniação cerebral enquanto a condu-
ta definitiva não está disponível26. Não há, infelizmente, nenhum parâmetro de
Em pacientes comatosos após a ressuscitação, prognóstico durante a ressuscitação para guiar o
considerar resfriamento até 32 a 34oC por 12 a 24 momento ideal de término das manobras de res-
horas, pois isso pode auxiliar a recuperação cere- suscitação. Colapso presenciado, RCP precoce,
bral14. O uso de sedativos e bloqueadores neuro- suporte avançado precoce aumentam a chance de
musculares podem ser necessários, porém os blo- sucesso da ressuscitação.
quedores mascaram os quadros convulsivos. No passado, a falha na resposta a pelo menos
Deve-se corrigir agressivamente a hipertermia 2 doses de epinefrina tinha correlação com baixa
com antitérmicos e resfriamento até atingir uma probabilidade de sobrevivência1. Entretanto há re-
temperatura normal, pois estes aumentam a de- latos de sobrevivência com o emprego de três os
manda metabólica – inclusive sedação pode ser mais doses de epinefrina2. A ressuscitação deve ser
utilizada para atingir este objetivo. prolongada em algumas situações, como a fibrila-
Deve-se tratar as crises convulsivas no pós-para- ção ventricular ou taquicardia ventricular sem pul-
da cardíaca e investigar possíveis distúrbios metabó- so refratária ou recorrente, história de exposição
licos (hipoglicemia) e eletrolíticos. Como as convul- a drogas ou hipotermia primária. Não há variável
sões aumentam a demanda metabólica cerebral, o única que determine o término da RCP; vários
seu tratamento deve ser agressivo, sendo os benzo- fatores deverão ser considerados, como causa da
diazepínicos as drogas iniciais. Não existe evidência PCR, ritmo de parada e tempo de RCP2,6,8.
da necessidade de se usar anticonvulsivante para se
prevenir a crise convulsiva de rotina. Caso o pacien- Presença da Família durante a
te com lesão neurológica ou pós-parada necessite
Ressuscitação
de bloqueio neuromuscular, é necessário monitorar
a atividade cerebral, e, caso isto não seja possível, A maioria dos familiares gostaria de estar pre-
pode-se administrar um anticonvulsivante, como sente durante a ressuscitação. Em pacientes com
fenitoína ou fenobarbital, em uma tentativa de se doenças crônicas, cujos familiares muitas vezes já
evitar convulsões não detectáveis clinicamente. estão habituados a procedimentos invasivos e espe-

532 An e s t e s ia Pe diátrica

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ram o momento da morte, a participação do mo- 11. Bhende MS, Thompson AE, Orr RA. Utility of an
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Í ndic e R em i s s i v o

A Acetilcolina, 121
receptor de, com cinco subunidades, 122
Abscesso(s), 344 Acetominofeno, 435
cerebral, 414 Ácido, 90
e empiema pulmonar, 371 cítrico, 90
periamigdaliano, 344 fólico, deficiência de, 252
Acesso(s), 181, 196 Acidúria paradoxal, 309
vascular, 514 Adenina, 90
obtenção de, 523 Adenoamigdalectomias, complicações das, 348
venosos para anestesia neonatal, 181-198 Adrenalina, 516
asculta torácica, 186 Afecções musculares na infância, 264
capnografia, 192 Agentes
cateterização da artéria pulmonar, 195 endovenosos, 113-120
central, 183 aspectos farmacocinéticos e farmacodinâmicos nas, 113
débito urinário, 189 benzodiazepínicos, 118
dissecção venosa, 184 cetamina, 114
eletrocardiograma, 186 diazepam, 119
monitorização, 185 etomidato, 118
clínica, 185 midazolam, 119
da saturação de oxigênio do sangue venoso misto, 196 opióides, 115
do débito cardíaco, 196 propofol, 115
na emergência, 185 tiopental, 118
oximetria, 190 inalatórios, 97-111
pela veia femoral, 184 características, 99
percutaneous central venous catheters, 184 especiais dos pacientes pediátricos e relação com os, 102
periféricos, 182 farmacocinéticas, 99
pressão, 186 concentração alveolar mínima dos, 102
arterial, 186 desflurano, 105
venosa central, 188 halotano, 104
temperatura, 188 isoflurano, 103
venoso de veias tributárias, 183 sevoflurano, 104

535

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indução, manutenção e recuperação, 105 Amiotrofia espinhal infantil, 260
desflurano, 109 Amrinone, 515
halotano, 106 Anagrama VATER, 391
isoflurano, 107 Analgesia, 375, 501
sevoflurano, 108 básica, 434
propriedades físico-químicas dos anestésicos halogenados, 99 controlada pelo paciente, 501
ventilação alveolar e capacidade residual funcional, 101 e traumatismo, 490
parassimpatolíticos, 363 local, 490
Agitação ou delirium de emergência, 237 locorregional, 490
Agonistas alfa-2-adrenérgicos, 217 óxido nitroso, 493
Agregação plaquetária, 414 peridural, 376
Água, 71 pós-operatória, 375
corporal total e sua distribuição compartimental, 71 regional, 375
proporção de, 72 sistêmica, 376
nos compartimentos corporais no desenvolvimento da regional, 245
criança até a idade adulta, 72 Analgésicos não-opióides, 241
nos diversos tecidos intracelulares e extracelulares na Analgizer, corte longitudinal do, 495
criança e no adulto, 72 Anemia, 251, 300
Agulha(s), 13, 433 das doenças crônicas, 252
de bisel curto, 224 falciforme, 251, 253
de Huber, 13 ferropriva, 252
de Tuohy, 219 fisiológica, 251
de Wagner, 13 hemolítica, 251
de Whitacre, 433 hipocrômica, 252
erros de posicionamento da, durante punção epidural megaloblástica, 252
caudal, 213 normocrômica, 252
intravenosas tipo butterfly, 211 perniciosa, 252
referências anatômicas e posição da, durante abordagem por produção inadequada de hemácias, 252
epidural caudal, 212 sideroblástica, 252
AIDS, 468 sintomática, 251
Albumina, 79 Anestesia(s), 7, 249, 461
sérica, 256 ambulatorial, 461-466
Alcurônio, 130 complicações, 464
Aldosterona, 74 preparação, 463
Alergia(s), 36 recuperação, 464
ao látex, 270 recursos e avaliação, 462
medicamentos e tratamentos adjuvantes, 36 seleção, 462
Alfentanil, 293, 499 técnicas anestésicas, 463
Allen, teste de, 187 vantagens, 461
Alta, critérios de, da recuperação pós-anestésica, 238 controlada pelo paciente, 244
Alterações, 249 em criança queimada, 399-410
cardiovasculares na cirurgia abdominal, 394 atendimento inicial e fase de ressuscitação, 400
hematológicas, 249 fase de recuperação e manuseio anestésico, 406
administração, 254 regional, 409
de antifibrinolíticos, 254 em ortopedia, 427
de DDAVP, 254 características anatômicas, 427
anemia, 251 características fisiológicas, 428
considerações anestesiológicas, 252 infantil, 433
distúrbios da coagulação, 249 pediátrica, 429
doenças, 250 epidural, 214
de leucócitos, 252 caudal contínua, posicionamento do cateter para a
de plaquetas, 250 fixação em, 214
pulmonares, na cirurgia abdominal, 394 torácica, níveis de punção para, 221
AMBU, bolsa respiratória tipo, 488 neonatal, acessos venosos para, 181-198
Amígdalas hipertrofiadas, 345 no traumatismo, 506
Amigdalectomia, guilhotina para, 347 para cirurgia, 357
Amiloidose secundária, 262 abdominal, 381-397

536 An e s t e s ia Pe diátrica

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cardíaca pediátrica, 411-425 bloqueios periféricos, 224
torácica, 357-379 do nervo, 225
analgesia pós-operatória, 375 dorsal do pênis via espaço subpúbico, 227
aspectos anatomofisiológicos, 357 ilioinguinal e ilioipogástrico, 225
hidratação, 362 paraumbilical ou bloqueio da bainha do reto, 224
monitoração, 362 técnicas de infiltração e bloqueios de compartimento, 224
preparo pré-operatório, 360 considerações anatômicas, 202
procedimentos, 363 contra-indicações e restrições, 202
urológica, 437-450 fisiologia e farmacologia, 205
endourologia, 443 histórico da, 199
laparoscopia em urologia, 443 vantagens, 200
patologias urológicas, 437 e indicações, 201
procedimentos anestésicos em neonatos, 445 e restrições, 200
para emergências neonatais da cirurgia geral e prematuri- Anestésico(s), 215, 434
dade, 285-309 ação dos, na dinâmica intracraniana, 320
para neurocirurgia, 311-342 cálculo do volume de, 434
considerações para as cirurgias no sistema nervoso cen- concentrações de, conforme idade, 434
tral, 323 dosagens e concentrações, 215
manuseio anestésico e considerações gerais, 311 local(is), 223
para otorrinolaringologia, 343-355 interpleural, infusão de, 376
broncoscopia, 352 utilizados para raquianestesia, 223
cirurgias, 343 Anestesiologista, considerações fisiopatológicas das doenças
do ouvido, 348 urológicas para o, 438
endoscópicas com laser, 349 Angiotensina, 74
na orofaringe, 343 Anomalia(s), 202
fenda palatina e lábio leporino, 350 anorretal após colostomia, 391
para procedimentos diagnósticos e terapêuticos fora do da coluna, 202
centro cirúrgico, 451-460 de uretra e genitais, 440
histórico e efeitos biológicos da radiação, 452 do trato urinário, 437
radioterapia versus tolerância diária do paciente, 453 inferior, 437, 438
radioterapia, 451 superior, 437, 438
ressonância magnética, 457 genitais e geniturinários, 438
tomografia computadorizada, 455 Anormalidades craniofaciais e cranioestenose, 328
pediátrica, 7, 21, 249 Antiarrítmicos, 277
história da, 7-20 Antibióticos de largo espectro, 386
geral, 7 Anticoagulantes, composição bioquímica, 90
regional, 11 Antifibrinolíticos, 254
implicações anestésicas de síndromes e desordens co- Antiinflamatórios não-esteroidais, 347, 500
muns na, 249-282 Ânus imperfurado, 391
responsabilidade ética e legal em, 21-34 Aortopexia, 373
culpa, 22 Apendicectomia, 393
ética, 21 Apert, síndrome de, 329
obrigação de meio e de resultado, 22 Apnéia, 235
penal, 32 da prematuridade, 235, 302
responsabilidade, obrigação e contrato, 22 obstrutiva do sono, 235, 344
Anestesia regional, 199-231 por depressão respiratória, 236
bloqueios centrais, 208 Aquecimento, sistema de, baseado na insuflação de ar com
abordagens do espaço epidural, 218 temperatura, 384
intervertebral sacral, 218 Aqueduto de Sylvius, 330
lombar, 219 Arantius, ductus venosus de, 46
torácica, 221 Armitag, fórmula de, 216
epidural caudal, 209 Arnold-Chiari, malformação de, 312, 330
agentes adjuvantes, 217 Artéria(s), 195
agentes anestésicos, dosagens e volume, 214 pulmonar, cateterização da, 195
indicações, restrições e contra-indicações, 210 transposição das grandes, 422
materiais e técnica, 210 Artrite, 431
espinhal, 222 reumatóide juvenil, 431

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séptica do quadril, 432 adjuvantes, 217
Ascite, grave, com atresia das vias biliares, 382 anestésicos, dosagens e volume, 214
Asculta torácica, 186 indicações, restrições e contra-indicações, 210
Asma, 201, 272 materiais e técnica, 210
considerações anestesiológicas, 274 espinhal, 222
diagnóstico, 273 neuromuscular, 123
epidemiologia, 273 monitorização do, 123
etiologia, 273 reversão do, 135
fisiopatologia, 273 paravertebral, 375
manifestações clínicas, 273 peniano, 448
tratamento, 273 técnica de, 228
Assistolia, atividade elétrica sem pulso e, 526 peridural, 491
Atendimento perinatal de excelência, ciclo de, 285 periféricos, 224
Atracúrio, 132, 293 do nervo, 225
Atresia, 306, 420 dorsal do pênis via espaço subpúbico, 227
aórtica, 420 ilioinguinal e ilioipogástrico, 225
das vias biliares, 391 paraumbilical ou bloqueio da bainha do reto, 224
grave ascite com, 382 técnicas de infiltração e bloqueios de compartimento, 224
de esôfago com fístula traqueoesofágica, 306 subaracnóideo, 491
jejunal, 390 BNMS adespolarizantes, 129
mitral, 420 Bolsa, 440
pulmonar, 421 escrotal, 440
Atrofia óptica, 266 respiratória tipo AMBU, 488
Atropina, 524 Bomba de PCA, 502
Attia Infant Pain Scale, 240 Botal, forame de, 46, 55
Auto-regulação cerebral, 61 Botali, ductus arterioso de, 45
Avaliação neurológica pré-anestésica, 323 Botulismo, 261
Ayre, T de, 7 Bradiarritmias, 525
Bradicardia, 236, 528
sem pulso do PALS, algoritmo de, 483
B Breaktrhough, incidência de, 337
Balonete(s), 143 Brometo de pancurônio, 129
bloqueadores pulmonares por, 173 Broncoaspiração, 382
tubos endotraqueais com, 143 Broncoespasmo, 274
Baqueteamento digital, 414 Broncofibroscópio, 173
Baraka, sistema de, 296 infantil para intubação brônquica, 366
Barbero Marcial, operação de, 424 Broncoscopia, 352, 368
Barotrauma pulmonar, 170 de fibra óptica, 368
Barreira hematoencefálica, 311 remoção de corpo estranho, 369
Barret, esôfago de, 392 rígida, 368
Beijoim, tintura de, 214 Broncoscópio rígido, 352
Benzeno, 262 Bronquiectasia, 372
Benzodiazepínicos, 118, 236, 381 Buck, fáscia de, 227
Berman, via aérea de, 138 Bupivacaína, 215, 223
Bicarbonato de sódio, 525 Bypass cardiopulmonar, 277
Biópsia pulmonar, 370
Blalock-Taussing, shunt de, 421 C
Bloomquist, válvula tipo, 8
Bloqueador(es), 173 Cálcio, 515, 524
brônquico, 365 intracelular, 61
pulmonares por balonetes, 173 mecanismo de transporte de, 48
Bloqueio(s), 123, 214, 376 Calota craniana, 57
da bainha do reto, 224 Canal arterial, persistência do, 418
do nervo intercostal, 376 Cânula(s), 138, 346
do plexo braquial, 434 de Guedel, 296
epidural caudal, 209 endotraqueais, comparação do diâmetro externo das,
agentes, 214 comparadas ao broncoscópio rígico, 352

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nasofaríngea, 139 hemodinâmica básica, 513
orofaríngea, 138 após primeira hora do, 513
orotraqueal, 346 na primeira hora do, 513
plásticas e metálicas, comparação do diâmetro externo principais diferenças na resposta hemodinâmica ao, 511
das, 350 reposição de glicose, cálcio, 515
traqueal, escolha da, 295 resistente à dopamina, 516
Capnografia, 192 resposta hemodinâmica ao, 512
Carbono, 59 ressuscitação fluídica, 514
dióxido de, pressão parcial do, 59 suporte respiratório, 514
monóxido de, 401 tratamento, 513
intoxicação pelo, sinais e sintomas de, 401 Christmas, doença de (v. Hemofilia B)
Cardiomiopatia hipertrófica, 266 Cianeto, 402
Cardiopatia(s), 266 Ciclo, 266
aspectos gerais e considerações anestésicas das, 414 de atendimento perinatal de excelência, 285
com shunt, 412 de Krebs, 266
direito-esquerdo, 413 Ciclodextrina, 135
esquerdo-direito, 412 Cinturas, síndrome das, 264
congênitas, fisiopatologia das, 412 Circuito(s) circular(es), 8
obstrutivas, 413 infantil de Digby Leigh, 8
Carinatum, pectus excavatum e, 374 Ohio e Bloomquist, 9
Carnitina palmitoil-CoA transferase, 47 Circulação, 43, 252
Cateter(es), 214, 363 aumento das hemácias na, 252
de Foley, 366 extracorpórea, peculiaridades da, 415
de Rashkind, 366 fetal, 43
de Swan-Ganz, 363 anatomia funcional da, 43
peridural, 492 transicional neonatal, 45
sacral com técnica de tunelização subcutânea, 506 Cirurgia(s) (v.t. Operação)
posicionamento do, para a fixação em anestesia epidural abdominal, anestesia para, 381-397
caudal contínua, 214 alterações, 394
Cateterização da artéria pulmonar, 195 cardiovasculares, 394
Cauda eqüina, 210 pulmonares, 394
Células, 47 anestesia por via laparoscópica, 393
miocárdicas, hipertrofia das, 47 ânus imperfurado, 391
vasculares cerebrais, 60 apendicectomia, 393
Centro cirúrgico, anestesia para procedimentos diagnósticos atresia, 390
e terapêuticos fora do, 451-460 das vias biliares, 391
histórico e efeitos biológicos da radiação, 452 jejunal, 390
radioterapia, 451 avaliação pré-anestésica, 381
versus tolerância diária do paciente, 453 broncoaspiração, 382
ressonância magnética, 457 desequilíbrio hidroeletrolítico, 383
tomografia computadorizada, 455 doenças intestinais, 388
Cetamina, 114, 293 específicas, 384
Cetarolaco, 435 enterocolite necrosante, 385
Cetoacidose diabética, 275 herniorrafia inguinal, 384
Cetoprofeno, 435 onfalocele e gastrosquise, 386
CHEOPS, escala, 240 estenose hipertrófica do piloro, 387
Children’s Hospital of Eastern Ontário Pain Scale (v. CHE- hipotermia, 383
OPS) íleo meconeal, 390
Choque, 488, 509-517 laparoscópica, 395
classificação do, 510 considerações práticas na anestesia em, 395
cuidados gerais, 514 má rotação intestinal e volvulus, 390
drogas vasoativas, 515 medicação pré-anestésica, 381
fisiopatologia do, 509 megacólon congênito aganglionar, 391
insuficiência adrenal, 517 obstrução duodenal, 389
monitoração, 512 refluxo gastroesofágico, 392
avançada, 513 técnica anestésica, 381
clínica, 512 ambulatoriais, 448

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cardíaca, anestesia para, 411-425 laparoscópica, 395
atresia pulmonar, 421 na orofaringe, 343
cardiopatias com shunt, 412 abscesso periamigdaliano, 344
direito-esquerdo, 413 apnéia obstrutiva do sono, 344
esquerdo-direito, 412 avaliação pré-operatória, 344
cardiopatias, 413 anestesia, 345
aspectos gerais e considerações anestésicas das, 414 complicações pós-operatórias, 347
obstrutivas, 413 neonatal, modelo de aviso de, 289
defeito do septo, 417 no sistema nervoso central, considerações anestésicas para
atrial, 417 as, 323
ventricular, 418 avaliação, 323
fisiopatologia das cardiopatias congênitas, 412 da volemia e medicação pré-anestésica, 325
peculiaridades da circulação extracorpórea, 415 neurológica pré-anestésica, 323
persistência do canal arterial, 418 específicas das patologias, 328
problemas comuns em pacientes com doença cardíaca cranioestenose e anormalidades craniofaciais, 328
cianótica, 413 da coluna vertebral, 336
síndrome de hipoplasia do coração esquerdo, 420 hidrocefalia, 330
tetralogia de Fallot, 419 paciente submetido a outro procedimento, 338
transposição das grandes artérias, 422 trauma cranioencefálico, 337
truncus arteriosus, 423 tumores cerebrais, 332
de grande porte, 251 vasculares intracranianas, 336
técnica, indução anestésica e reposição volêmica, 326
de Kasay, 392
pediátrica, história da, 3-6
do ouvido, 348
por toracoscopia para drenagem de empiema, 370
miringotomia e inserção de tubo de ventilação, 348
torácica, 172
orelha média e mastóide, 349 posição de decúbito lateral para, 364
endoscópicas com laser, 349 ventilação-perfusão durante, 172
geral, anestesia para emergências neonatais da, 285-309 Cirurgia torácica, anestesia para, 357-379
dor no período fetal e neonatal, 288 analgesia pós-operatória, 375
indução anestésica, 292 regional, 375
intubação traqueal, 294 sistêmica, 376
manutenção da anestesia, 293 aspectos anatomofisiológicos, 357
planejamento da anestesia, 289 sistema respiratório, 357
prematuridade, 299 complacência pulmonar, 358
preparação da sala e do material, 289 difusão alvéolo-capilar, 360
programando a fluidoterapia transoperatória, 291 mecânica respiratória, 358
quadros fisiopatológicos freqüentes em recém-nascido regulação da respiração, 360
pré-termo, 299 resistência de vias aéreas, 359
alterações da coagulação, 300 ventilação alveolar, 359
anemia, 300 volumes e capacidades, 359
apnéia da prematuridade, 302 considerações sobre doenças e, 368
atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica, 306 abscesso e empiema pulmonar, 371
displasia broncopulmonar, 301 biópsia pulmonar, 370
distúrbios da glicose, 299 broncoscopia, 368
enfisema lobar congênito, 307 de fibra óptica, 368
enterocolite necrosante, 303 remoção de corpo estranho, 369
gastrosquise e onfalocele, 307 rígida, 368
hemorragia intra e periventricular, 302 bronquiectasia, 372
hérnia diafragmática congênita, 304 cisto pulmonar congênito, 372
retinopatia da prematuridade, 303 enfisema lobar congênito, 373
síndrome de desconforto respiratório, 301 estenose de traquéia, 374
toxicidade do oxigênio, 300 fibrose cística, 373
regional, 297 pectus excavatum e carinatum, 374
revisão de conceitos antomofisiológicos perinatais rele- seqüestro pulmonar, 372
vantes, 286 toracoscopia ou vídeo-assistida, 369
sala cirúrgica na UTI neonatal, 298 traqueobroncografia, 369
termorregulação, 288 traqueobroncomalácia e aortopexia, 373
ventilação intra-operatória, 296 tumores intratorácicos, 370

540 An e s t e s ia Pe diátrica

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fisiologia da posição de decúbito lateral, 364 Coluna, 202
fluxo sangüíneo pulmonar regional, 365 anomalias da, 202
hidratação, 362 lombossacral, 492
monitoração, 362 vertebral, patologias da, 336
preparo pré-operatório, 360 Coma, escala de, de Glasgow, 502
avaliação pré-operatória, 360 Complacência, 167
jejum oral e medicação pré-anestésica, 361 intracraniana, 313
técnica anestésica, 363 pulmonar, 167, 358
ventilação monopulmonar, 365 Complexo QRS, 475
bloqueador brônquico, 366 Complicações, 235, 347
intubação endobrônquica seletiva, 365 pós-anestésicas, 235
Cirurgia urológica, anestesia para, 437-450 agitação ou delirium de emergência, 237
endourologia, 443 apnéia, 235
laparoscopia em urologia, 443 do prematuro, 235
patologias urológicas, 437 obstrutiva do sono, 235
anomalias, 437 por depressão respiratória, 236
do trato urinário inferior, 437 crupe pós-intubação, 235
do trato urinário superior, 437 desconforto devido a dor, 238
genitais e geniturinários, 438 hipertermia, 237
considerações fisiopatológicas relevantes para o aneste- hipotermia, 237
siologista, 438 instabilidade, 236
anomalias de uretra e genitais, 440 cardiovascular, 236
anomalias do trato urinário superior e inferior, 438 térmica, 237
anomalias genitais e geniturinárias, 439 náuseas e vômitos, 237
neoplasias, 442 obstrução de vias aéreas superiores, 235
neoplasias, 438 problemas do trato respiratório inferior, 236
procedimentos anestésicos em neonatos, 445 pós-operatórias, cirurgia de orofaringe, 347
Cisatracúrio, 132, 293 Compressões torácicas, 523
Cisto pulmonar congênito, 372 Concentrado(s), 90
Citrato trissódico, 90 de hemácias, 90
Clitóris fendido, 440 características do, 91
Clonidina, 245 reposição de, 251
Cloranfenicol, 262 de plaquetas, 91
Cloreto de sódio, 90 Convulsões, 117
Coagulação, 87, 249 Coombs, hipersensibilidade de, tipo I, 270
alterações da, 300, 414 Cor pulmonale, 343
distúrbios da, 249, 252 crônico, 330
e hemocomponentes, 87-96 Coração, síndrome de hipoplasia do, esquerdo, 420
componentes, 90 Cordão umbilical, 440
eritrocitários, 90 Cordas vocais, 126
plasmáticos, 92 Cornos sacrais, 492
concentrado de plaquetas, 91 Corpo estranho, remoção de, 369
técnicas de reposição alternativas, 93 Córtex cerebral, 312
esquema de, 89 Corticóide antenatal, 302
testes de, 39 Cranioestenose e anormalidades craniofaciais, 328
Coagulopatia(s), 202, 256 Craniópagos, 259
de consumo associada a hemangioma, 300 Crises convulsivas, 266
Codeína, 242 Crista ilíaca, alterações nas relações da coluna terminal e, 204
Código de ética, 21-34 Cristalóides, 77
Colagenoses, 262 volume de, para repor as perdas básicas, 383
Colar cervical, 503 Crouzon, síndrome de, 329
Colinesterase plasmática, 256, 272 Crupe pós-intubação, 235
Curvas respiratórias, 169
Collins, síndrome de, 351
Colóides, 78, 514
disponíveis, 79 D
sintéticos, 81
Colostomia, anomalia anorretal após, 391 DDAVP, 254

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Débito, 196 progressiva, 261
cardíaco, 196 Distúrbios, 252
componentes do, 509 da glicose, 299
monitorização do, 196 de coagulação, 252
urinário, 189 Dobutamina, 516
Defeito do septo, 417 Doença(s)
atrial, 417 adquiridas, 250
ventricular, 418 cardíaca cianótica, problemas comuns em pacientes com, 413
Deficiência, 252 cardiopulmonar grave, 251
de ácido fólico, 252 crônicas, 201
de vitamina B12, 252 anemia das, 252
na síntese de proteínas, 470 da junção neuromuscular, 261
Deformidades craniofaciais, 296 da membrana eritrocitária, 252, 254
de Pierre-Robin, 296 das plaquetas, 250, 253
de Treacher-Collins, 296 de Christmas (v. Hemofilia B)
Degeneração retiniana, 266 de Glassman, 300
Delirium de emergência, agitação ou, 237 de Hirschsprung, 391
Depressão respiratória, 117 de Lyme, 262
apnéia por, 236 de von Willebrand, 250, 300
Derivação biliodigestiva coledocojejunal em Y de Roux, 471 de Werdnig-Holffmann, 261
Desconforto respiratório, síndrome do, 52, 301 de Wilson, 468
Desenvolvimento, displasia do, 429 do esqueleto, tendões e tecido conectivo, 261
Desequilíbrio hidroeletrolítico, 383 do neurônio motor, 260
Desfibrilação, 529 amiotrofia espinhal infantil, 260
Desfibrilador externo automático, 530 polineuropatias, 262
Desflurano, 97 poliomielite, 262
concentração alveolar mínima dos, 105 do refluxo gastroesofágico, 392
indução, manutenção e recuperação, 109 dos leucócitos, 252
Dextrose, 90 intestinais, 388
Diabete(s), 256, 262 musculares, 261
insipidus, 326, 334 miopatias, 265
melito, 274 degenerativas hereditárias, 265
tipo 1, 275 endócrinas, ligadas a osteomalácia e medicamento-
Diazepam, 119 sas, 267
Diclofenaco, 435 metabólicas, 266
Difteria, 262 miosites, 267
Difusão alvéolo-capilar, 360 na função plaquetária, 251
Digby Leigh, válvula tipo, 8 neurológicas, 202
Dióxido de carbono, pressão parcial do, 59 neuromusculares, 261
Dipirona, 435 pulmonar moderada, 251
Disforia, 117 urológicas, 437
Disfunção(ões), 469 anomalias, 437
cardiovascular, 469 do trato urinário inferior, 437
gastrointestinal, 470 do trato urinário superior, 437
metabólica, 470 genitais e geniturinários, 438
neurológica, 469 considerações fisiopatológicas relevantes para o aneste-
pulmonar, 469 siologista, 438
renal, 470 anomalias de uretra e genitais, 440
Displasia(s), 301 anomalias do trato urinário superior e inferior, 438
broncopulmonar, 301 anomalias genitais e geniturinárias, 439
do desenvolvimento, 429 neoplasias, 438
musculares, 430 Dogliotti-Ciocatto, técnica de, 16
Dissecção venosa, 184 Dopamina, 240, 515
Distrofia, 261 choque resistente a, 516
miotônica, 261 Doppler, 363
muscular, 261 Dor(es), 406, 499
congênita, 261 da queimadura, tratamento, 406

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do traumatismo, fármacos e técnicas sugeridas para tratar agitação ou delirium de, 237
a, 489 neonatais, anestesia para, da cirurgia geral, 285-309
alfentanil, 499 dor no período fetal e neonatal, 288
analgesia, 490 indução anestésica, 292
controlada pelo paciente, 501 intubação traqueal, 294
local, 490 manutenção da anestesia, 293
locorregional, 490 planejamento da anestesia, 289
antiinflamatórios não-esteroidais e outros, 500 prematuridade, 299
bloqueio, 491 preparação da sala e do material, 289
peridural, 491 programando a fluidoterapia transoperatória, 291
subaracnóideo, 491 quadros fisiopatológicos freqüentes em recém-nascido
fentanil, 498 pré-termo, 299
metoxiflurano, 494 alterações da coagulação, 300
morfina, 497 anemia, 300
opiáceos, 497 apnéia da prematuridade, 302
óxido nitroso, 493 atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica, 306
sufentanil, 499 displasia broncopulmonar, 301
tramadol, 499 distúrbios da glicose, 299
no período fetal e neonatal, 288 enfisema lobar congênito, 307
recuperação pós-anestésica e manuseio da, 239 enterocolite necrosante, 303
avaliação, 240 gastrosquise e onfalocele, 307
fisiopatologia, 239 hemorragia intra e periventricular, 302
tratamento, 241 hérnia diafragmática congênita, 304
analgesia regional, 245 retinopatia da prematuridade, 303
analgésicos não-opióides, 241 síndrome de desconforto respiratório, 301
anestesia controlada pelo paciente, 244 toxicidade do oxigênio, 300
clonidina, 245 regional, 297
drogas de uso sistêmico, 241, 245 revisão de conceitos antomofisiológicos perinatais rele-
opióides, 242 vantes, 286
quetamina, 245 sala cirúrgica na UTI neonatal, 298
visceral, 206 termorregulação, 288
Down, síndrome de, 271 ventilação intra-operatória, 296
Doxacúrio, 130 Empiema, 370
Drenagem de empiema, cirurgia por toracoscopia para, 370 drenagem de, cirurgia por toracoscopia para, 370
Drogas, 241, 515 pulmonar, abscesso e, 371
de uso sistêmico, 241, 245 Encéfalo, 328
hepáticas, metabolismo de, 470 Endocardite, 414
vasoativas, 515 Endocrinopatias, 266
Dstúrbios da coagulação, 249 Endourologia pediátrica, 443
Ductus venosus, 45 Enfisema lobar congênito, 307, 373
de Arantius, 46 Enflurano, 102
de Botali, 45 Enterocolite necrosante, 303, 385
Duke, técnica de, 88 Enxerto, implante de, 472
Enzimas hepáticas, 107
E Epidermólise bolhosa, 201, 431
Epiglite, 139
Edema, 236 Epinefrina, 523
cerebral, 472 Eritrocitose, 252
intersticial, 416 Escala, 240, 487
pulmonar, 236 Attia Infant Pain Scale, 240
Ehlers-Danlos, síndrome de, 261 CHEOPS, 240
Elastina, 52 de coma de Glasgow, 502
Eletrocardiograma, 186 de expressões faciais, 487, 489
Eletroforese de hemoglobina, 88 objetiva dor-desconforto de dez pontos, 240
Embolia paradoxal, 414 visual analógica, 487, 489
Emergência(s), 237, 285 Escoliose, 432
acessos venosos na, 185 Esôfago, 306

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atresia de, com fístula traqueoesofágica, 306 indução anestésica e monitoração, 473
de Barret, 392 manutenção anestésica, 473
Espaço(s), 204 medicação pré-anestésica, 472
epidural, 204, 218 técnica cirúrgica, 471
intervertebrais, referências anatômicas superficiais para Fisiologia infantil, particularidades da, 43-70
localização dos, 220 sistema cardiovascular, 43
subpúbico, 227 circulação fetal, 43
Esqueleto, doenças do, tendões, tecido conectivo, 261 anatomia funcional da, 43
e ligamentos, 267 circulação transicional neonatal, 45
Estado, 276 componentes subcelulares, 48
hipermetabólico rapidamente progressivo, 276 consumo de oxigênio, metabolismo e fluxo coronaria-
imunológico comprometido, 451 no, 47
Estenose, 374 eletrofisiologia, 47
de traquéia, 374 fechamento, 46
hipertrófica do piloro, 387 do ducto venoso, 46
Estetoscópio, 186 do forame oval, 46
Estimulação, 124 função, 46
do nervo, 126 diastólica, 47
facial, 126 sistólica, 46
tibial posterior, 126 histologia, 47
ulnar, 126 interação com os anestésicos, 49
double-burst ou dupla salva, 125 proteínas contráteis, 49
tetânica, 124 regulação autonômica, 49
Estresse psicológico, 405 sistema nervoso central, 57
Esvaziamento gástrico, 382 auto-regulação cerebral, 61
Ética profissional (v. Código de ética) mecanismos propostos para a, 62
Etomidato, 118, 293 cálcio intracelular, 61
Expiração, pressão positiva do final da, 165 canais de potássio, 61
Extremidades, traumatismo de, 505 efeitos da viscosidade no FST, 59
Extrofia vesical em recém-nascido, 440 pressão parcial, 59
de dióxido de carbono, 59
F de oxigênio, 59
sistema respiratório, 51
Face, queimadura na, 401 controle da respiração em recém-nascidos e bebês, 54
Falcização, teste de, 89 parede torácica, 53
Falência, 266 pulmão, 52
hepática, 266 resistência das vias aéreas, 53
respiratória, 370 vias aéreas e os receptores pulmonares, 53
Fallot, tetralogia de, 419 volumes e capacidades pulmonares, 56
Fáscia, 227 Fístula traqueoesofágica, atresia de esôfago com, 306
de Buck, 227 Flacidez congênita dos ligamentos, 261
de Scarpa, 228 Fleisch, pneumotacógrafo do tipo, 152
Fêmur, descolamento epifisiário proximal do, 432 Fluidos corporais, composição dos, e reposição hidroeletro-
Fenda palatina e lábio leporino, 350 lítica, 71-85
Fenitoína, 262 água corporal total e sua distribuição compartimental, 71
Fentanil, 243, 406, 498 alternativas para reposição de perdas no perioperatório, 74
Fibrilação ventricular, 526 glicose, 76
Fibrose cística, 254, 373 tipos de solução de reposição plasmática disponível, 77
Fígado, 44, 467 líquido, 72
fetal, 44 extracelular, 72
transplante de, 467-476 intracelular, 74
avaliação e preparo, 469 Fluidoterapia transoperatória, preparando a, 291
pré-anestésico, 472 Fluxo, 47, 152
pré-operatório, 469 coronariano, 47
contra-indicações, 468 sangüíneo, 57
histórico, 467 cerebral, 57, 317
indicações, 468 hepático, 470

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pulmonar regional, 365 concentração alveolar mínima dos, 104
sensores de, tipos de, 152 indução, manutenção e recuperação, 106
Foley, cateter de, 366 Heine, lâmina, 146
Fontan, operação de, 421 HELLP, síndrome, 300
Forame(s), 46, 204, 312 Hemácias, 90, 251
de Botal, 46, 55 anemia por produção inadequada de, 252
de Lushka, 204 aumento das, na circulação, 252
de Magendie, 204, 312 concentrado de, 90
de Monro, 312 características do, 91
magno, 314 reposição de, 251
oval, fechamento do, 46 lesões de estocagem das, em CPDA-1, 90
Fórcipe de Magill, 146 Hemangioma, coagulopatia de consumo associada à, 300
Fórmula, 216 Hematócrito, 291
de Armitag, 216 Hemocomponentes e coagulação, 87-96
de Takasaki, 216 componentes, 90
de Varela-Reis, 216 de plaquetas, 91
Fosfato monobásico de sódio, 90 eritrocitários, 90
Frank-Starling, mecanismo de, 46 plasmáticos, 92
Freqüência(s), 166 técnicas de reposição alternativas, 93
respiratória, 166 Hemofilia, 252, 300
ventilatórias mecânicas neonatais, 167 A, 249
Função, 251 B, 250
plaquetária, doenças na, 251 Hemoglobina(s), 38, 191
renal, 447 concentração de, 38
eletroforese de, 88
fetal, 191
G S, 251
Hemograma completo, 88
Galeno, veia de, 337 Hemoptise, 374
Gastrosquise, 307 Hemorragia intra e periventricular, 302
diferenças entre onfalocele e, 387 Hepatite B, 468
Gell, hipersensibilidade de, do tipo I, 270 Hepatopatia, 266
Gêmeos, 258 Heretópagos, 259
estudos diagnósticos no pré-operatório dos, 259 Hérnia diafragmática congênita, 304
sítios possíveis de união dos, 258 Herniorrafia, 225
Glande fundida, 440 inguinal, 384
Glasgow, escala de coma de, 502 Hidratação, 362, 433
Glassman, doença de, 300 avaliação do grau de, 77
Glenn, 421 Hidrocefalia, 312, 334
operação de, 421 Hidrocele, 225
shunt de, 422 Hidromorfona, 243
Glicogenoses, 261 Hipercapnia, 321
Glicose, 76, 515 Hipercarbia, 54
distúrbios da, 299 Hipersensibilidade de Gell do tipo I, 270
Glicosídeos cardíacos, 48 Hipertensão pulmonar persistente do neonato, 167
Globulina anti-hemofílica, 249 Hipertermia, 237
Glutamato, 240 maligna, 128, 276
Gortex, retalho de, 417 considerações anestesiológicas, 277
Grandes artérias, transposição das, 422 fisiopatologia da, 276
Grupo sangüíneo Rh, 87 história familiar de, 201
Guedel, cânula de, 296 tratamento, 277
Guillain-Barré, síndrome de, 262 Hipertrofia das células miocárdicas, 47
Hipocalcemia, 515
Hipocalemia secundária, 261
H Hipoglicemia, 515
Hipoparatireoidismo, 266
Hagen-Poiseulle, lei de, 141 Hipoplasia do coração esquerdo, síndrome de, 420
Halotano, 51, 102, 395 Hipospádia penoescrotal, 440

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Hipotensão, respostas fisiológicas à, 74 Kasay, cirurgia de, 392
Hipotermia, 237, 328, 383 Kassabach-Merrit, síndrome de, 300
Hipoxemia, 54, 468 Ketamina, 406
Hipóxia, 318 Ketorolac, 406
Hirschsprung, doença de, 391 Krebs, ciclo de, 266
Holt-Oram, síndrome de, 420
Hormônio antidiurético, secreção inapropriada de, 334
Huber, agulha de, 13 L
Lábio leporino, fenda palatina e, 350
I Lâmina(s), 147
Heine, 146
Ibuprofeno, 435 laringoscópios e, 146
Íleo meconeal, 390 Macintosh, 147
Incidência de breaktrhough, 337 Miller, 146
Incisão de Mercedes, 471 Robertshaw, 146
Indometacina, 300 Seward, 146
Indução anestésica, 292 Soper, 146
e reposição volêmica, 326 Wis-consin, 146
Infecções de vias aéreas superiores, 37 Wis-Foregger, 146
Infiltração, técnicas de, e bloqueios de compartimento, 224 Wis-Hipple, 146
Infusão de anestésico local interpleural, 376
Laparoscopia, 395
Inotrópicos, 515
em urologia pediátrica, 443
Insetos, picadas de, 262
considerações importantes, 444
Instabilidade, 236
cardiovascular, 236 Laringobroncoespasmo, 256
circulatória, 256 Laringoscópios e lâminas, 146
térmica, 237 Laser, cirurgias endoscópicas com, 349
Insuficiência adrenal, 517 Látex, alergia ao, 270
Intervalo QT, 186, 475 Lavagem peritoneal diagnóstica, 505
Intoxicação pelo monóxido de carbono, 401 Lei, 71
Intubação, 346 de equilíbrio de Starling, 71
brônquica, broncofibroscópio infantil para, 366 de Hagen-Poiseuille, 141
endobrônquica seletiva, 365 Lesão(ões), 90
para direita e para esquerda, 366 de estocagem das hemácias em CPDA-1, 90
orotraqueal com sonda orotraqueal, 346 na região da mão, 431
traqueal, 294, 522 Leucemias, 262
Isoflurano, 102 Leucócitos, doenças dos, 252
concentração alveolar mínima dos, 103 Lidocaína, 214, 223
indução, manutenção e recuperação, 107 Ligamentos, 261
Isoniazida, 262 doenças do esqueleto, tendões, tecido conectivo e, 267
Isquiópagos, 258 flacidez congênita dos, 261
Ivy, técnica de, 88 Linfomas, 262
Líquido(s), 71
amniótico, 54
J cefalorraquidiano, 208, 334
Jatene, operação de, 423 corpóreos, 75
Jejum, 40 composição e distribuição dos, 71
oral e medicação pré-anestésica, 361 extracelular, 72
pré-operatório, 40, 325 intracelular, 74
tempo de, para crianças de acordo com idade e tipo de Lushka, forames de, 204
alimentação, 76 Luxação congênita do quadril, 429
Jet ventilation, técnica de, 368 Lyme, doença de, 262
Junção neuromuscular, doenças da, 261, 263
M
K

Kasai, portoenteroanastomose de, 392, 468 absorção, síndrome da, 262

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rotação intestinal, 390 Microssomia hemifacial, 351
Macintosh, lâmina, 147 Midazolam, 119, 293, 381
Magendie, forame de, 204, 312 Miller, lâmina, 146
Magill, 141 Milrinone, 420, 515
fórcipe de, 146 Mioclonias, 266
tubo de, 141 Miopatia(s), 265
Magnésio, 525 congênitas, 261
Malformação de Arnold-Chiari, 312, 330 degenerativas, 261, 265
Mandíbula, protração dos ângulos da, 479 endócrinas, 261
Manguitos, dimensões de, 187 ligadas a osteomalácia e medicamentosas, 267
Manitol, 90 metabólicas, 261, 266
Manobra de Sellick, 488 miotubular, 264
Mão, lesão na região da, 431 Miosites, 261, 267
Marfan, síndrome de, 261, 374 Miringotomia e inserção de tubo de ventilação, 348
Máscara(s), 137 Mitocondriopatias, 266
de Rendell-Baker-Soucek, 137 Mivacúrio, 133, 293
faciais, 137 Monitor cardíaco, 362
laríngea, 143 Monitoração respiratória não invasiva, 522
especificações da, 144 Mononucleose, 262
Massagem cardíaca, 480 Monóxido de carbono, intoxicação pelo, 401
Mastóide, orelha média e, 349 Monro, forame de, 312
Material de anestesia, preparação da sala cirúrgica e do, 289 Morfina, 243, 406, 497
MCE, técnica de, 480 dosagem de, 117
em crianças e adolescentes, 480 esquema de, 243
em lactentes, 480 tabela de propriedades da, 495
Mecânica respiratória, 358 Murphy, tubo de, 141
Mecanismo de Frank-Starling, 46 Mustard, operação de, 423
Medicação pré-anestésica, 361 (v.t. Pré-anestésico)
cardiopatias, 415
cirurgias, 361 N
no sistema nervoso central, 325
torácica, 361 Naloxona, 293
urológica, 446 Náuseas e vômitos, 237
jejum oral e, 361 Neonato(s), 445
Medula, variação do nível terminal da, e saco dural em fun- farmacologia dos opióides em, 242
ção da idade, 205 hipertensão pulmonar persistente do, 167
Megacolon congênito aganglionar, 391 procedimentos anestésicos em urologia em, 445
Membrana, 492 Neostigmina, 135
eritrocitária, doença da, 252 Nervo(s), 376
sacrococcígea, 492 bloqueio do, 225
Membro superior, radiografia do, 430 dorsal do pênis via espaço subpúbico, 227
Meperidina, 243, 406 ilioinguinal, 225
Mercedes, incisão de, 471 ilioipogástrico, 225
Metabolismo, 47 intercostal, 376
cerebral, 328 estimulação do, 126
de drogas hepáticas, 470 facial, 126
do potássio, anormalidades do, 261 tibila posterior, 126
Metadona, 243 ulnar, 126
Metaencefalina, 240 toracoabdominal, 225
Metais pesados, 262 Neurocirurgia, 311-342
Metemoglobinemia severa, 214 considerações anestésicas para as cirurgias no sistema ner-
Metilbrometo, 262 voso central, 323
Metoxiflurano, 102, 494 avaliação, 323
tabela de propriedades do, 495 da volemia e medicação pré-anestésica, 325
Miastenia gravis, 261, 263 neurológica pré-anestésica, 323
Microcatéteres, 14 específicas das patologias, 328
Microcrania, 328 cranioestenose e anormalidades craniofaciais, 328

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da coluna vertebral, 336 potência relativa dos, 116
hidrocefalia, 330 utilizados em crianças, 242
paciente submetido a outro procedimento, 338 vias de administração dos, 244
trauma cranioencefálico, 337 Orelha média e mastóide, 349
tumores cerebrais, 332 Orofaringe, cirurgias na, 343
vasculares intracranianas, 336 abscesso periamigdaliano, 344
técnica, indução anestésica e reposição volêmica, 326 apnéia obstrutiva do sono, 344
manuseio anestésico e considerações gerais, 311 avaliação pré-operatória, 344
ação dos anestésicos na dinâmica intracraniana, 320 anestesia, 345
anatomia e fisiopatologia do sistema nervoso central, 311 complicações pós-operatórias, 347
sobre as diferenças do sistema nervoso central na crian- Orquidopexia, 225
ça, 316 Ortopedia, procedimentos anestésicos em, 427-436
Neuroeixo hipotálamo-hipofisário, 334 analgesia básica, 434
Neurônio motor, doenças do, 260 artrite, 431
amiotrofia espinhal infantil, 260 reumatóide juvenil, 431
polineuropatias, 262 séptica do quadril, 432
poliomielite, 262 artrogripose, 429
Neuropeptídeo Y, 240 bloqueio do plexo braquial, 434
Neurotransmissores, 240 características anatômicas, 427
Nitrofurantoína, 262 cardiovasculares, 428
Nitroprussiato de sódio, 516 respiratórias, 427
Noonan, síndrome de, 420 características fisiológicas, 428
Noradrenalina, 516 cardiorrespiratórios, 428
Norepinefrina, 240 metabólicas, 428
Norwood, operação de, 421 renais, 428
Nucleotídeos cíclicos, 61 respiratórias, 428
NUSS, técnica de, 374 térmicas, 428
descolamento epifisiário proximal do fêmur, 432
O displasias musculares, 430
epidermólise bolhosa, 431
Obstrução(ões), 235 escoliose, 432
de vias aéreas superiores, 235 luxação congênita do quadril, 429
duodenal, 389 osteogênese imperfeita, 429
Oftalmoplegia, 266 paralisia cerebral, 430
Onda(s) pé torto congênito, 431
orotraqueal, intubação orotraqueal com, 346 peridural, 433
R, 186 caudal, 433
T, 186, 475 lombar, 434
Onfalocele, 307, 386 subaracnóidea, 433
diferenças entre, e gastrosquise, 387 Osteogênese imperfeita, 261, 429
Onfalópagos, 258 Osteomalácia, 261
Operação(ões), 421 (v.t. Cirurgia) Otorrinolaringologia, anestesia para, 343-455
de Barbero Marcial, 424 broncoscopia, 352
de Fontan, 421 cirurgias do ouvido, 348
de Glenn, 421 miringotomia e inserção de tubo de ventilação, 348
de Jatene, 423 orelha média e mastóide, 349
de Mustard, 423 cirurgias endoscópicas com laser, 349
de Norwood, 421 cirurgias na orofaringe, 343
de Rasteli, 423 abscesso periamigdaliano, 344
de Senning, 423 apnéia obstrutiva do sono, 344
Opiáceos, 497 avaliação pré-operatória, 344
Opióides, 115, 242, 293 anestesia, 345
ação, 116 complicações pós-operatórias, 347
efeitos adversos dos, 117, 243 fenda palatina e lábio leporino, 350
e tratamento sugerido, 117 Ouvido, cirurgias do, 348
escolha do, 116 miringotomia e inserção de tubo de ventilação, 348
farmacologia dos, em neonatos, 242 orelha média e mastóide, 349

548 An e s t e s ia Pe diátrica

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Óxido nitroso, 277, 493 Pneumotórax, 447
efeito do, 98 simples, 504
tabela de propriedades do, 495 Policitemia, 252, 413
Oxigênio, 59 Polígono de Willis, 337
consumo de, metabolismo e fluxo coronariano, 47 Polineuropatias, 261
monitorização da saturação de, do sangue venoso misto, 196 adquiridas, 262
pressão parcial de, 59 congênitas, 263
toxicidade do, 300 idiopáticas, 262
Oximetria, 190 Poliomielite, 261
Pólipo nasal, 256
Polirradiculoneurite aguda inflamatória desmielinizante, 262
P Portex Ivory, sondas, 142
Portoenteroanastomose de Kasai, 392, 468
Pacientes oncológicos, 202
Potássio, 261
Pancurônio, 129, 277, 293
canais de, 61
Pan-hipopituitarismo, 334
metabolismo do, anormalidades do, 261
Paracetamol, 406
Potojejunostomia em Y de Roux, 392
Parada cardíaca sem pulso, 527
Pots, shunt de, 422
do PALS, algoritmo de, 482
Pré-anestésico, 35-41
Paralisia(s), 261
alergias, medicamentos e tratamentos adjuvantes, 36
cerebral, 430
avaliação clínica, 36
periódicas familiares, 261
encontrando a família e diminuindo sua ansiedade, 35
Parede torácica, 53
exames, 37
Patient Controlled Analgesia (v. PCA) físico, 37
Patologias vasculares intracranianas, 336 infecções de vias aéreas superiores, 37
PCA, bomba de, 502 sistema cardiovascular, 38
Pé torto congênito, 431 sistema neurológico, 38
Pectus excavatum e carinatum, 374 laboratoriais, 38
Pediatric Advanced Life Support (v. PALS) indução na presença dos pais, 39
Pediatric Healthcare Provider BLS, 478 jejum pré-operatório, 40
PEEP, 154, 165, 363 medicação, 40
Pênis, bloqueio do nervo dorsal do, via espaço subpúbico, Prematuridade, 302
227 anestesia para emergência neonatais da cirurgia geral e, 299
Pericárdio, retalho de, 417 apnéia da, 235, 302
Persistência do canal arterial, 418 retinopatia da, 303
Peso corporal, 75 Prepúcio redundante, 440
Picadas de insetos, 262 Pressão, 187
Pierre-Robin, deformidades craniofaciais de, 296 arterial, 186, 509
Piggyback, técnica, 471 dimensões de manguitos recomendados para aferição
Pigópagos, 258 de, 187
Piloro, estenose hipertrófica do, 387 média, 74
Pipecurônio, 129 valores normais de, 187
Piridoxina, 262 de pico inspiratória, 164
Placenta, 44 intra-abdominal, 382
Plaquetas, 88 média de vias aéreas, 169
concentrado de, 91 parcial de oxigênio, 59
contagem de, 88 parcial do dióxido de carbono, 59
doenças das, 250, 253 positiva no final da expiratória (v. PEEP)
Plexo(s) venosa central, 188
braquial, bloqueio do, 434 Prilocaína, 214
coróide, 315 Procedimentos diagnósticos (v. Diagnóstico)
Pneumectomia, 371 Propofol, 115, 293
Pneumoperitôneo, 394 Proporção corporal, alterações na, relacionadas a idade, 203
Pneumotacógrafo, 152 Prostanóides, 60
de área fixa, 152 Proteínas, 470
de área variável, 152 contráteis, 49
do tipo Fleisch, 152 deficiência na síntese de, 470

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Protrombina, tempo de, 88 Radioterapia, 451
prolongado, 414 efeitos colaterais da, 453
Prune-Belly, síndrome de, 438, 441 versus tolerância diária do paciente, 453
Pruridos, 117 Rapacurônio, 133
Pseudocolinesterase, 272 Raquianestesia, anestésicos locais utilizados para, 223
atípica, 128 Rashkind, cateter de, 366
Puberdade, 203 Rasteli, operação de, 423
atrasada, 266 Reações anafiláticas, 113
Pulmão, 52 Recém-nascido(s), 299
Pulso, ressuscitação cardiopulmonar de acordo com o ritmo controle da respiração em, e bebês, 54
cardíaco associados a ausência de, 526 extrofia vesical em, 440
atividade elétrica sem pulso e assistolia, 526 parâmetros fisiológicos do, 291
desfibrilação, 529 posicionamento de, para punção espinhal, 223
desfibrilador externo automático, 530 pré-termo, quadros fisiopatológicos freqüentes em, 299
fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso, 526 alterações da coagulação, 300
Punção, 225 anemia, 300
epidural caudal, erros de posicionamento da agulha du- apnéia da prematuridade, 302
rante, 213 atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica, 306
espinhal, posicionamento de recém-nascido para, 223 displasia broncopulmonar, 301
níveis de, para anestesia epidural torácica, 221 distúrbios da glicose, 299
pontos de, 225 enfisema lobar congênito, 307
técnica de, 219 enterocolite necrosante, 303
Púrpura trombocitopênica idiopática, 250, 253 gastrosquise e onfalocele, 307
hemorragia intra e periventricular, 302
hérnia diafragmática congênita, 304
Q retinopatia da prematuridade, 303
Quadril, 429 síndrome de desconforto respiratório, 301
artrite séptica do, 432 toxicidade do oxigênio, 300
luxação congênita do, 429 volemia e hematócrito no, 291
Queimadura, 506 Receptor(es), 53, 497
anestesia na, 399-410 de acetilcolina com cinco subunidades, 122
atendimento inicial e fase de ressuscitação, 400 opiáceos, ação dos, 497
circulação, 403 pulmonares, vias aéreas e os, 53
dor, 405 Recuperação pós-anestésica, 233-247
ventilação, 402 após o uso dos diferentes agentes anestésicos, 234
via aérea e oxigenação, 400 critérios de alta, 238
fase de recuperação e manuseio anestésico, 406 das complicações, 235
avaliação pré-operatória, 407 agitação ou delirium de emergência, 237
da via aérea, 407 apnéia, 235
farmacologia e escolha das drogas, 408 do prematuro, 235
intra-operatório, 407 obstrutiva do sono, 235
monitoração, 408 por depressão respiratória, 236
perda sangüínea, 409 crupe pós-intubação, 235
regional, 409 desconforto devido a dor, 238
classificação das, 404 do trato respiratório inferior, 236
dor da, tratamento, 406 hipertermia, 237
estimativa da superfície corporal queimada, 404 hipotermia, 237
na face, 401 instabilidade, 236
Quetamina, 245 cardiovascular, 236
térmica, 237
náuseas e vômitos, 237
R obstrução de vias aéreas superiores, 235
estágios 1 e 2, 234
Radiação, 452 manuseio da dor, 239
experiência clínica e os objetivos do uso da, 452 avaliação, 240
histórico e efeitos biológicos da, 452 fisiopatologia, 239
Radiografia do membro superior, 430 tratamento, 241

550 An e s t e s ia Pe diátrica

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analgesia regional, 245 circulatório, 523
analgésicos não-opióides, 241 atropina, 524
anestesia controlada pelo paciente, 244 bicarbonato de sódio, 525
clonidina, 245 cálcio, 524
drogas de uso sistêmico, 241, 245 compressões torácicas, 523
opióides, 242 drogas usadas, 523
quetamina, 245 epinefrina, 523
transporte e admissão na sala de recuperação, 233 glicose, 525
Refluxo gastroesofágico, 392 magnésio, 525
Relação inspiração-expiração, 167 obtenção de acesso vascular, 523
em ventilação mecânica neonatal, 168 vasopressina, 524
Relaxamento muscular, 201 ventilatório, 521
Relaxantes musculares, 121-136, 260, 293 intubação traqueal, 522
agentes, 130 monitoração respiratória não invasiva, 522
de curta duração de ação, 133 suporte básico de vida, 520
de intermediária duração de ação, 130 término da, 532
alterações fisiológicas da infância, 122 transporte, 532
BNMS adespolarizantes, 129 Retalho de pericárdio, 417
despolarizantes, 127 Retículo sarcoplasmático, 47
futuro, 135 Retinopatia da prematuridade, 303
início de ação dos, 134 Reto, bloqueio da bainha do, 224
modo de ação, 121 Rh, grupo sangüíneo, 87
monitorização do bloqueio neuromuscular, 123 Ringer, solução de, 386
reversão do bloqueio neuromuscular, 135 Ritmo cardíaco, ressuscitação cardiopulmonar de acordo
Remifentanil, 114 com o, 525
Rendell-Baker-Soucek, máscara de, 137 associados a ausência de pulso, 526
Reposição hidroeletrolítica, composição dos fluidos corpo- atividade elétrica sem pulso e assistolia, 526
rais e, 71-85 desfibrilação, 529
água corporal total e sua distribuição compartimental, 71 desfibrilador externo automático, 530
alternativas para reposição de perdas no perioperatório, 74 fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pul-
glicose, 76 so, 526
tipos de solução de reposição plasmática disponível, 77 bradiarritmias, 525
líquido, 72 Robertshaw, lâmina de, 146
extracelular, 72 Robin, síndrome de, 351
intracelular, 74 Rocurônio, 131, 293
Reposição volêmica, 326, 433 Ropivacaína, 215
Resistência vascular sistêmica, 509 Roux, 392
Respiração, 54 derivação biliodigestiva coledocojejunal em Y de, 471
controle da, em recém-nascidos e bebês, 54 potojejunostomia em Y de, 392
regulação da, 360
Ressonância magnética, 457 S
Ressuscitação cardiopulmonar, 519-534
de acordo com o ritmo cardíaco, 525 Saco dural, 57
associados a ausência de pulso, 526 variação do nível terminal da medula e, em função da
atividade elétrica sem pulso e assistolia, 526 idade, 205
desfibrilação, 529 Saethre-Chotzen, síndrome de, 329
desfibrilador externo automático, 530 Sala, 233
fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem cirúrgica, 289
pulso, 526 na UTI neonatal, 298
bradiarritmias, 525 preparação da, e do material de anestesia, 289
estabilização pós-ressuscitação, 530 de recuperação, 233
suporte, 530 Sangramento, tempo de, 88
circulatório, 531 Sangue venoso misto, monitorização da saturação de oxigê-
neurológico, 532 nio do, 196
respiratório, 530 Sarcoidose, 262
presença da família durante a, 532 Scarpa, fáscia de, 228
suporte avançado de vida, 520 Secreção, 256

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inapropriada de hormônio antidiurético, 334 degenerativas hereditárias, 265
mucociliar viscosa, 256 endócrinas, ligadas a osteomalácia e medicamento-
Sela túrcica, tumores na região da, 334 sas, 267
Seldinger, técnica de, 363 metabólicas, 266
Sellick, manobra de, 488 miosites, 267
Senning, operação de, 423 polineuropatias, 262
Sensores de fluxo, tipos de, 152 poliomielite, 262
Septo, defeito do, 417 alterações hematológicas, 249
atrial, 417 administração, 254
ventricular, 418 de antifibrinolíticos, 254
Septotomia, cateter de, 366 de DDAVP, 254
Seqüestro pulmonar, 372 anemia, 251
Seringomielia, 312 considerações anestesiológicas, 252
Serotonina, 240 distúrbios da coagulação, 249
Sevoflurano, 97 doenças, 250
concentração alveolar mínima dos, 104 das plaquetas, 250
indução, manutenção e recuperação, 108 dos leucócitos, 252
Seward, lâmina, 146 asma, 272
Shunt(s), 287, 469 diabetes melito, 274
cirúrgicos, tipos de, 421 fibrose cística, 254
intrapulmonar, 287, 359, 469 hipertermia maligna, 276
pulmonar, 468 pseudocolinesterase atípica, 272
Síndrome(s) síndrome de Down, 271
da hipoplasia do coração esquerdo, 420 xifópagos, 257
da imunodeficiência adquirida (v. AIDS) Sistema(s)
da má absorção, 262 cardiovascular, 38, 43, 445
da veia cava superior, 422 circulação fetal, 43
das cinturas, 264 anatomia funcional da, 43
de Apert, 329 circulação transicional neonatal, 45
de Collins, 351 componentes subcelulares, 48
de Crouzon, 329 consumo de oxigênio, metabolismo e fluxo coronaria-
de Down, 271 no, 47
de Ehlers-Danlos, 261 eletrofisiologia, 47
de Guillain-Barré, 262 fechamento do ducto venoso, 46
de Holt-Oram, 420 fechamento do forame oval, 46
de Kassabach-Merrit, 300 função diastólica, 47
de Marfan, 261, 374 função sistólica, 46
de Noonan, 420 histologia, 47
de Prune-Belly, 438, 441 interação com os anestésicos, 49
de Robin, 351 proteínas contráteis, 49
de Saethre-Chotzen, 329 regulação autonômica, 49
de Smith-Lemi-Optiz, 420 de aquecimento baseado na insuflação de ar com tempe-
de Turner, 420 ratura, 384
do desconforto respiratório, 52, 301 de Baraka, 296
HELLP, 300 de ventilação, complacência do, 159
VACTERRL, 306 neurológico, 38
Síndromes e desordens comuns na anestesia pediátrica, im- respiratório, 51, 157, 357, 445
plicações anestésicas de, 249-282 complacência do, 157
alergia ao látex, 270 pulmonar, 358
alterações do sistema neuromuscular, 260 controle da respiração em recém-nascidos e bebês, 54
amiotrofia espinhal infantil, 260 difusão alvéolo-capilar, 360
doenças, 260 mecânica respiratória, 358
da junção neuromuscular, 263 parede torácica, 53
do esqueleto, tendões, ligamentos e tecido conectivo, 267 pulmão, 52
do neurônio motor, 260 regulação da respiração, 360
musculares, 263 resistência das vias aéreas, 53, 359
miopatias, 265 ventilação alveolar, 359

552 An e s t e s ia Pe diátrica

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vias aéreas e os receptores pulmonares, 53 orotraqueal pré-moldada, 346
volumes e capacidades pulmonares, 56, 359 Portex Ivory, 142
Sistema nervoso central, 57, 316 Sono, apnéia obstrutiva do, 235, 344
alterações do, 414 Starling, lei de equilíbrio de, 71
anatomia e fisiopatologia do, 311 Steward, critérios de alta de, 239
auto-regulação cerebral, 61 Substância P, 206, 240
mecanismos propostos para a, 62 Succinilcolina, 124, 293, 488
cálcio intracelular, 61 Sulfentanil, 243, 293, 499
canais de potássio, 61 Suporte
considerações anestésicas para cirurgias no, considerações avançado de vida, 520
anestésicas para as, 323 básico de vida, 520
avaliação da volemia e medicação pré-anestésica, 325 circulatório, 523, 531
avaliação neurológica pré-anestésica, 323 compressões torácicas, 523
específicas das patologias, 328 drogas usadas, 523
cranioestenose e anormalidades craniofaciais, 328 atropina, 524
da coluna vertebral, 336 bicarbonato de sódio, 525
hidrocefalia, 330 cálcio, 524
paciente submetido a outro procedimento, 338 epinefrina, 523
trauma cranioencefálico, 337 glicose, 525
tumores cerebrais, 332 magnésio, 525
vasculares intracranianas, 336 vasopressina, 524
técnica, indução anestésica e reposição volêmica, 326 obtenção de acesso vascular, 523
efeitos da viscosidade no FST, 59 neurológico, 532
pressão parcial, 59 respiratório, 514, 530
de dióxido de carbono, 59 ventilatório, 521
de oxigênio, 59 intubação traqueal, 522
Sistema neuromuscular, alterações do, 260 monitoração respiratória não invasiva, 522
doenças, 260 Surdez neurossensorial, 266
da junção neuromuscular, 263 Swan-Ganz, cateter de, 363
do esqueleto, tendões, ligamentos e tecido conectivo, 267 Sylvius, aqueduto de, 330
do neurônio motor, 260
amiotrofia espinhal infantil, 260
polineuropatias, 262 T
poliomielite, 262
doenças musculares, 263 Takasaki, fórmula de, 216
miopatias, 265 Talassemia maior, 251, 254
degenerativas hereditárias, 265 Taquicardia, 484
endócrinas, ligadas a osteomalácia e medicamento- com pulso e baixa perfusão do PALS, algoritmo de, 484
sas, 267 ventricular, 526
metabólicas, 266 Tecido(s), 261
miosites, 267 conectivo, doenças do esqueleto, tendões, 261
Smith-Lemi-Optiz, síndrome de, 420 e ligamentos, 267
Sódio, 525 intracelulares e extracelulares, proporção de água nos di-
bicarbonato de, 525 versos, 72
cloreto de, 90 Técnica(s), 16, 224, 506
fosfato monobásico de, 90 de bloqueio peniano, 228
nitroprussiato de, 516 de Dogliotti-Ciocatto, 16
Solução(ões), 78 de Duke, 88
anticoagulantes, composição bioquímica das, 90 de infiltração e bloqueios de compartimento, 224
colóides, 79 de Ivy, 88
cristalóides isotônicas, 514 de jet ventilation, 368
de Ringer, 386 de MCE, 480
intravenosas disponíveis, composição das, 78 em crianças e adolescentes, 480
tipos de, 433 em lactentes, 480
de reposição plasmática disponível, 77 de NUSS, 374
Somatostatina, 240 de punção, 219
Sonda(s), 142 de Seldinger, 363

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de tunelização subcutânea, cateter peridural sacral com, 506 Traumatismo, 477-508
piggyback, 471 abdominal, 505
Temperatura, 188 anestesia, 506
Tempo, 88, 414 atendimento, 477
de protrombina, 88 hospitalar, 486
prolongado, 414 inicial, 477
de sangramento, 88 pré-hospitalar, 480
de trombina, 88 cranioencefálico, 337
de tromboplastina parcial ativado, 88 e raquimedular, 502
Tendões, doenças do esqueleto, 261 de extremidades, 505
ligamentos, tecido conectivo e, 267 fármacos e técnicas sugeridas para tratar a dor, 489
Tenoxican, 435 alfentanil, 499
Termorregulação, 288, 447 analgesia, 490
Teste(s), 39, 187 controlada pelo paciente, 501
de Allen, 187 local, 490
de coagulação, 39 locorregional, 490
de Falcização, 89 antiinflamatórios não-esteroidais e outros, 500
Testículos, 440 bloqueio, 491
Tetracaína, 223 peridural, 491
Tetracloroetano, 262 subaracnóideo, 491
Tetralogia de Fallot, 419 fentanil, 498
Tiamina, 262 metoxiflurano, 494
Tintura de beijoim, 214 morfina, 497
Tionembutal, 293 opiáceos, 497
Tiopental, 118, 277 óxido nitroso, 493
Tomografia computadorizada, 455 sufentanil, 499
Tônus vascular cerebral, 60 tramadol, 499
Toracópagos, 258 queimadura, 506
Toracoscopia, 369 torácico, 504
cirurgia por, 369 Treacher-Collins, deformidades craniofaciais de, 296
para drenagem de empiema, 370 Tricloroetileno, 262
ou vídeo-assistida, 369 Triortocressilfosfato, 262
Tosse, 54 Trombina, tempo de, 88
Toxicidade do oxigênio, 300 Trombocitopenia, 250, 414
Tramadol, 243, 499 Tromboplastina, tempo de, parcial ativado, 88
Transaminases, aumento das, 266 Trombose de veia porta, 468
Transfusão sangüínea, 59 Troponina C, 47
Transplante de fígado, 467-476 Truncus arteriosus, 423
avaliação e preparo, 469 Tubo(s), 141, 173
pré-anestésico, 472 de duas vias, 174
pré-operatório, 469 de Magill, 141
contra-indicações, 468 de Murphy, 141
histórico, 467 de ventilação, miringotomia e inserção de, 348
indicações, 468 endotraqueal(is), 143
indução anestésica e monitoração, 473 arranjo para medida de resistência de um, 155
manutenção anestésica, 473 com balonete, 143
medicação pré-anestésica, 472 de via única, 173
técnica cirúrgica, 471 detalhe da área negra de, 142
Transposição das grandes artérias, 422 Univent, 173
Traquéia, estenose de, 374 seleção de, para ventilação monopulmonar, 174
Traqueobroncografia, 369 traqueais-padrões, 140
Traqueobroncomalácia e aortopexia, 373 Tubulopatia renal,a 266
Trato, 236, 437 Tumor(es), 332
respiratório inferior, problemas do, 236 cerebrais, 332
urinário, anomalias do, 437 de Wilms, 442
inferior, 437, 438 hipofisários, 334
superior, 437, 438 intratorácicos, 370

554 An e s t e s ia Pe diátrica

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Tunelização subcutânea, técnica de, cateter peridural sacral intubação endobrônquica seletiva, 365
com, 506 seleção de tubo para, 174
Tuohy, agulhas de, 219 tubo de, miringotomia e inserção de, 348
Turner, síndrome de, 420 Ventilação, manuseio de vias aéreas e, 137-180
cânula, 138
nasofaríngea, 139
U orofaríngea, 138
Unidade de Terapia Intensiva (v. UTI) laringoscópios e lâminas, 146
Univent, tubo endotraqueal, 173 máscara(s), 137
Uremia, 262 faciais, 137
Uretra, anomalias de, e genitais, 440 laríngea, 143
Urologia, 443 mecânica, 147
laparoscopia pediátrica na, considerações importantes complacência, 157
em, 444 do sistema de ventilação, 159
pediátrica, laparoscopia em, 443 do sistema respiratório, 157
UTI neonatal, sala cirúrgica na, 298 conceitos básicos, 149
considerações clínicas, 171
controlada a pressão, 162
V curvas respiratórias, 169
equação do movimento, 159
VACTERRL, síndrome, 306 esquema básico do ventilador, 163
Válvula(s), 8 freqüência respiratória, 166
de Bloomquist, 8 histórico, 148
de Digby-Leigh, 8 modalidade controlada a volume, 170
expiratórias, 8 pressão, 164
Varela-Reis, fórmula de, 216 de pico inspiratória, 164
Vasodilatação cerebral, 318 média de vias aéreas, 169
Vasodilatadores, 515 positiva do final da expiração, 165
cerebrais, 321 relação inspiração-expiração, 167
Vasoplegia, 324 resistência das vias aéreas, 154
Vasopressina, 524 através de um tubo, 154
Vasopressores, 515 do sistema respiratório, 157
VATER, anagrama, 391 monopulmonar, 172
Vecurônio, 131 técnicas para, 173
Veia(s), 183, 337 tubos, 140
cava superior, síndrome da, 422 de duas vias, 174
de Galeno, 337 endotraqueais com balonete, 143
femoral, acesso venoso pela, 184 traqueais-padrões, 140
jugular interna, 183 Ventilação-perfusão durante cirurgias torácica, 172
pontos de reparo para a abordagem da, 184 Ventilador, 163
porta, trombose de, 468 comparação entre as formas de curvas do, 169
renal, 443 esquema básico do, 163
subclávia, 183 Ventrículos fetais, 44
tributárias, acesso venoso de, 183 Via(s), 37, 256
umbilical, 43 aéreas, 53
Ventilação101, 348 de Berman, 238
alveolar, 359 e os receptores pulmonares, 53
e capacidade residual funcional, 101 fechamento das, e volume de oclusão, 56
boca-a-boca em crianças e adolescentes, 479 hiperreativas, 256
resistência das, 53, 359
boca-a-boca/nariz em lactentes, 479
com diferentes fluxos, 156
de alta freqüência, 175 superiores, 37
intra-operatória, 296 infecções de, 37
mecânica neonatal, 168 obstrução de, 235
curvas respiratórias em, 170 biliares, atresia das, 391
relação inspiratória-expiratória em, 168 grave ascite com, 382
monopulmonar, 365 laparoscópica, anestesia por, para cirurgia abdominal, 393
bloqueador brônquico, 366 Vias aéreas, manuseio de, e ventilação, 137-180

Índ i ce R em i s s i v o 555

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cânula, 138 monopulmonar, 172
nasofaríngea, 139 técnicas para, 173
orofaríngea, 138 tubos, 140
laringoscópios e lâminas, 146 de duas vias, 174
máscara(s), 137 endotraqueais com balonete, 143
faciais, 137 traqueais-padrões, 140
laríngea, 143 Vincristina, 262
mecânica, 147 Vitamina B12, deficiência de, 252
complacência do sistema, 157 Volemia, 256, 291
de ventilação, 159 avaliação da, e medicação pré-anestésica, 325
respiratório, 157 Volumes e capacidades pulmonares, 56
conceitos básicos, 149 Vômitos, náuseas e, 237
considerações clínicas, 171 Wagner, agulhas de, 13
controlada a pressão, 162 Waterteson, shunt de, 422
curvas respiratórias, 169 Werdnig-Holffmann, doença de, 261
equação do movimento, 159 Whitacre, agulha de, 433
esquema básico do ventilador, 163 Willebrand, doença de von, 250, 300
freqüência respiratória, 166 Willis, polígono de, 337
histórico, 148 Wilms, tumor de, 442
modalidade controlada a volume, 170 Wilson, doença de, 468
pressão, 164 Wis-Foregger, lâmina, 146
de pico inspiratória, 164 Wis-Hipple, lâmina, 146
média de vias aéreas, 169
positiva do final da expiração, 165
relação inspiração-expiração, 167
X
resistência das vias aéreas, 154 Xifóide, 471
através de um tubo, 154 Xifópagos, 257
do sistema respiratório, 157

556 An e s t e s ia Pe diátrica

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