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Resenha: Tempos Compulsivos: a busca desenfreada pelo prazer, de Sandra Edler

A proposta da psicanalista e psicóloga Sandra Edler é retratar como vive a nossa


sociedade principalmente a partir da década de 70, para isso, recorre a textos freudianos
e lacanianos do início do século para retratar assuntos do hoje. O hoje resumido numa
sociedade totalmente narcisista, imediatista, cujo não consegue postergar o prazer. É
incrível como não nos damos conta de como a nossa rotina pode ser tão tóxica para nós.
Tais comportamentos são percussores de compulsões, as quais podem se manifestar de
forma alimentar, química, financeira, dentre outras. Estas condutas não fazem bem para
a saúde pessoal e comunitária. Lançado em 2017 pela editora Casa da Palavra, o livro
parte da inquietação da autora a partir de relatos ocorridos em seu consultório particular.
Alguns desses casos são citados no decorrer da narrativa (todos com nomes fictícios para
os pacientes com o intuito de preservar a identidade dos mesmos).
Ao iniciar a fala sobre as compulsões representativas do mal-estar contemporâneo,
a autora destaca as que são vistas de boa e de má forma. É incrível como é valorizado a
pessoa cujo possui compulsão em cafeína, pois atrela-se a uma imagem de produtividade.
Ninguém enxerga a cobrança que o sujeito está pondo sobre si para alcançar bater uma
meta do trabalho ou tirar uma nota boa na faculdade. Edler trabalha com termos
psicanalíticos, dos quais ela se apropria principalmente do conceito da pulsão freudiana,
assim, a partir do momento em que a sociedade faz com que ocorra renuncias pulsionais,
gera angústia e insatisfação nos indivíduos. O sofrimento humano tem origem em três
principais fontes: a natureza, o corpo e o relacionamento com o outro. Um ponto
importante a ser destacado é que nem todas os sujeitos são suscetíveis a sofrerem de
compulsões a curto e longo prazo.
A angústia é fonte de dor, esta é “curada”, por alguns, por meio de químicos
(álcool e drogas), agindo, segundo Freud, como amortecedores de preocupações. A
infelicidade é o que habita constantemente em uma rotina “24 por 24”. O maior
questionamento da autora é de onde vem o aumento das compulsões no século XXI. Em
tempos onde o ter tempo virou um sonho de consumo, busca-se o consumo de tudo o mais
imediatamente possível. Além disso, estamos sem limite, seja no cartão de crédito ou em
rodízio de comida. “O aparecer tornou-se uma forma de existir” (EDLER, 2010, p. 30).
Este manifestado por meio das redes sociais ou simplesmente pelo consumo desenfreado.
A autora mostra que esses comportamentos compulsivos não são de hoje, existem desde
a Grécia antiga nos cultos a deuses como Dionísio. Essa busca do prazer acompanha o
humano desde sempre. É destacado também, a ascensão da cultura narcisista, de querer
estar sempre entre os melhores, por mais que isso lhe custe a saúde física e mental.
Ressalta-se que, por mais que as compulsões sejam necessárias para a compressão da
subjetividade, a autora não desmerece o advento das tecnologias ou das facilidades
trazidas pelo capitalismo.
O pós-guerra desenvolveu o sentimento pela busca, desenvolvimento e resgaste
do “eu”, manifestada pelo autoconhecimento e conhecimento da interioridade. Depois da
década de 70 o objetivo contrariou-se para busca do externo. Com o avanço do
capitalismo e das tecnologias, tudo passou a ser mais descartável, inclusive pessoas. Tudo
isso tem afetado as relações sociais e afetivas. Inicia-se o século XX buscando o ser,
depois iniciou-se a busca pelo sucesso financeiro ter e hoje, século XXI é necessário
apenas (a)parecer: rico, feliz, saudável, bonito. Parecer o que não é.
Edler no último capítulo consegue sintetizar a conexão que fiz desde o primeiro
momento que li a obra: vivemos em tempos de liquidez, termo este proposto pelo filosofo
Zygmunt Bauman. No Brasil, em 2019, temos vivido em ritmo maquinal com notícias
incessantes sobre os rumos da política, a alta de elementos essenciais como carne,
combustível e a alta do dólar que influencia tudo isso. A autora em 2017 já sintetiza que
são “tempos de intensidade e desespero” (p. 149).
A autora ao final faz o questionamento de como é viver numa sociedade do
espetáculo. Trago esse termo, em especial, para fazer uma reflexão sobre o mundo
acadêmico. Onde vive-se uma hiperestimulação e aceleração constante para conseguir se
formar no tempo certo ou antes do necessário. A necessidade de fazer milhares de tarefas
simultaneamente como pesquisa, extensão, monitoria, docência no final de semana e
estágio remunerado durante a semana. Participar de eventos acadêmicos e engordar ainda
mais o Lattes. Vive-se tempos de performance, exibição e desempenho. “Quem viaja mais
para apresentar trabalho?”, “Quem conseguiu publicar numa Qualis A?”. Segundo Edler
“Sob a égide da sociedade do espetáculo, trata-se de exibir, expor – sempre mais do que
é, como convém ao espetáculo” (p. 151)
Ao fim, fica o questionamento latente da pergunta: Qual o limite? Qual o limite
da busca desenfreada pelo prazer? Por mais que seja uma obra com termos psicanalíticos,
é recomendado para leitura do público geral, visto que os termos são muito bem
condensados e exemplificados. É impossível a não identificação com alguma das
compulsões citadas em algum momento da trama.

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